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Sera que nao passa de um dogma essa ideia de que a Filosofia nasceu na Grécia? FE, muito suspeita a recusa de muitas fildsofas e O Tabu Tt cC Filosofi 7 ‘08 livros diditiens de Filosofia, © que | existe de mais comum € dizer que o pensamento filosifico sungiu na Grécia si por volta do sée, V antes da Era Co- mum, Danilo Marcondes, autor de um dos mais ce~ lebrados livros de introdupio & Filosofia, diz que um “clos moos talvez mais simples e menos polésnicos dese caracterizara Filosofia 6através de sua Histéria: formade pensamenta quenasce na Grécia antiga, por volta do sé. VI aC.” Magilen Chau’ recusa a tese do “milagre grego” « fax core com a tradigio: a Filosofia nasceu na Gréeia, Um dos livros didaticos de Filosofia seleckonados pelo Programa Nacional do Livro Diditico (PND) diz: “A Filosofia nasceu na Grécla hi mais de 25 séculos ¢ constitul o ponto dle partida do que ve chama pensamento ocidental. Silvio Gallo, provavelmente 0 autor de umn dos tra- mas & oN Renato NocuERa & PROFESSOR DO PROGRAMA be Pos-Gapuagio. {EM FILOSOFLA FDO Deeanta Mento DE Ebucagio Soctepape DA UFRJ, Douros eat Fuosovta peta UFR). RESPONSAVEL PELO Gruro pe PesQuiss AFROPERSPECTIVASS SE AS PESQUISAS FILOSOFICAS DEVEM REUNIR CRITICA, REELEXAO, ARGUMENTAQAO E RIGOR COM CONCEITOS E, SOBRETUDO, PERGUNTAR :M PUDOR ALGUM PELA. (CIA DAS IDEIAS, POR QUE NAO DEVERIAMOS. INDAGAR SOBRE. A ORIGEM. FGA DA FILOSOFIA? Para a majoria das fildsofis © dos ‘ilosofos da arualidade, @ Filosofia mio <¢ considerada uma milagrosa invens0 sgregas mas ni deixa de sero resultado de condigies histéricas, socials © po- litcas exchisivas da Grécia antiga. A Filosofia teria berg € progenitor gre- go, faendo de sua certidto um “coca ‘mento” grego, Pois bem, € em relagio a essas convergtnecias entre as mais iver= ‘su formas de fazer € conceber Filosofia que considerasnos pertinente trizer uma 4 cep, 1 A MEDIDA DA VERDADE do pendiltimo a do Reino Antigo do Alto B caracteristica que nilo € rurn da propria Filosofia, Ora, se para muita gente que se debruga sobre as pesqui fi rio devemos deixar de reunir critica, josificas reflexdio, argumentaclo, cuidado rigor ‘com coneeitos ¢, sobretudo, prot tiear, perguntar sem pucor algum pela as, por que nilo de= de veriamos indagar sobre a ¢ pulernidade gregas da Filosofi de que se , do maior bem, defendemos a hips trata de um tabu, Ou mel tabu da Filosof ‘uma interdigio que niio tem fundamentadas, Afinal, um cle isto & uma prvibigao, bem autoras-¢ autores da Filosofia Egiptologia tem apresentado wig trabalhos que atestam justamente que a defesa do beigo grego da Filosofia x6 justificaria pelo desconbs textos cgjpsiosanteriones 20s gregos. Bimportante dizer que, na atualida- do, as diversas maneinas de fizer Filoso: fiannto debxam chivida do carite polisse- ‘mico do termo. Mas, sem ctivida, cdo Jeva a erer que mesmo que fiksofis(os) prgmatistas discordem ito de filésofasfos) continents, que tru das mesmas questées por vins distintas © caminhos especulativos, nas dois ex 10s, a Filosofia ainda 6 entendica como atividade, exerecia, aventura do espirito ‘humang ov protocolos intelectusis que tém origer grega. O filisof portorsi- quenbo Neon Maldonads-Torres nos ajuda a entender essa posipio através de ‘uma feitura geopolitica em que denuncia mento dos Je se oxupava da arte a qual n conjunto de técnica aga—capacidade de a cumplicidad rial ecom o projeto de colonizacHo posto ‘em cureo pelo Ocidente. Maldonado- “Torres identifica na leitara do fica ‘Frantz Fanon’ (1925-1961) uma das mais contundentes eriticas a mentalidade r= ‘Geta e colonial que demarea a formagio da maioria das pessoas que se dedicama Filosofia no Oeidente. Nés estamos de acordo com Maldonado-Torres; € muito gintomatico que a “Filosofia’ se recuse _ examinar 2 interferéneia do espago ma produgio de conbecimentoy € © eS cimento da espacialidade ¢ das disputas geopoliticas apenas reiceram ¢ reforgam a Europa como lugar! epistémico privile- giado. Ou seja, a Europa, e, por tela, cultura ocidental, éa referéncia fide ‘mental para.a producio de conhociier to filosifico, © racismo é umn element portante nesse processo, De modo |, se por niciamo se pode entender jum conjunto de priticas, disposiivos, ideologias que supde que a divisto da Tnumantdace em grupos étnivo-racais alificagio de alguns diante de outros, os campos de 0 so variadas ¢ recobrem_ a mais variadas dimensbes. Por exenplo, se 0 racismo antinegro, em seu aspect estético, recusn o glamour © a belena de negas & de negros como boas persona gens de campanhas publicitdrias para vender perfume, margatina, earros € Drinquedos, o racismo epistémico recs a validade cientifica, flosstica e cultural los discursos de alguns grupas eit -racias, Ora, essa dimensto do-risisiie que atravessa a producto filossica © 2 tese de negayao dos textos da Aniigue dade que nao sejam gregoss fas £00 O& textos astecas, maias, chinese, indianos ccufricanos, dentre outros, édenominada “racismo epistémico’: Bast € & i so do racisma: que fscust & cpistemoligica intelectual do cimento produzida por alguns 4 saber, o nao bran, 6 10 tis, Ivo esti de agonda com ag distintos cnvolve a 6 rétuilo de maior status no ocidental. Pretender-se-com losofia ¢ reivindiear 0 que Ie O RACISMO EPISTEMICO RECUSA A VALIDADE CIENTIFICA, FILOSOFICA E CULTURAL DO CONHECIMENTO PRODUZIDO POR ALGUNS POVOS, 4 SABER, 8 NAO BRANCOS, 0S NAO OCIDENTAIS poderia ter uma origem fora d ‘Go rechagada. © que também € motivo asmais diferentes e500 para re rnhas e pesspectivas (ocidentais) da Fi ofa numa alianga peogramética contra a emergéncia de eutras vozesfiloscfices yozes que dizem que a Filosofia nto ¢ exchasiva do Ocidente. A eoalizagio oci- dental usa 0 epistenscifia, into & 0 28535 ‘inato das formas de conheces, pensar € agit de cuts povos, ou ainda, a esust sstemitica da validade dos angumentos, mesmo que esses sejam consistentes, -éqvor da blindagem de uma perspestiva intelectual. Afinal existe uma contrad- fo-no discurso padio da origem £188 daFilosofia. Como aemergéncia local se artcula com o cariter universal? Ora ‘Histiia da hurmanidade. No entanto, far sentido afirmar que o samba nasceu ‘0 Brasil e que o primeira registro do til fi gravado no ini do sb XX. {Qu que a misica de soncertm.es o gene go popular da Europa do séeulo XVIL 20 XIX. O problema, posém, ester com fae, Um das chaves para essa eitura esti na assungiio de um modelo explicative da Histicia da humanidade na Antigui- dade. A phuriversaidade € um modelo que rconbece a Filosofia come a mule tiplicidade das Filosofiasparticulares (em veede eleger um modelo particular como o tepresentante do universal). Afi- pal, se & Musica é a muliplisidades de sons locals, de géneros, subgéneros, Fit tnos estilos que mio tm uma origen especifca, ut local privilegiado, por que a Filosofia deveria er? Nao seria 0 caso de considerarmos que existe cle- mentos. geopolitions que atravessam © constituern os discursos filossficos, © ‘que pretendem manter ¢ reforgar uma jposigio concervadors? Uma postura que, assentada num modelo explicative aria- no, refonga o episenrittia« pretende us sentar uma suposta neutralidade, que 56 corroborapara mantero stars quo de que nna Antiguidade s0 08 gregos eram "ea pases” de fazer Filosofia. Or, por vezes, ‘08 defensores dessa posigio comungam consima ingenuilade que iso nfo fem enhuma consequéncia negativa. Talvez seja 0 exso de tomarmos um primeis passo, enfrentar esse tabu e procurat 08 “aggumentos que nos dizem que a Filoso- fia wo nasceu na Grécia! CONFRONTO DE MODELOS. ‘As marrativas do. modelo ariane censejaram distorgies. sobre 0 Egil, enaltecendo a Grécia mum discurso dlogrndtico, numa postura precoaceit= ca propria da Avenofastsmtien que mundo acaddémiico ‘George James, Mallefi Asante, Maulana Karenga, Martin Bernal, Théophile Obeaga, Marimba Ani, Nolo Fod, pirimides © aquedutos, embalsumar ccorpos, represar Fos, eriar sistemas «2- fisticados de cultive ¢ agriculture. Ont, 20 tratar de Filosofia, mio poderiamos esperar algo diferente do que & fut em validaros discursas que dissessem 0 contririo, de moda que parte da fis liver. ocidental dos sévulos XIX € mesmo naipe a definigao do Egito como uma sociedad astitica por alguns ato- rex. Sem dhivida, o Bg fica na Arica, ¢ além das informayses disponiveis, os dadosincontestes rcolhidos por Cheikh ‘Anta Diop (1923-1986) dante dos testes cde melanina fEitos em enimias peo fs co € istoriader senegalés mo deixam ‘margem para contradigio: 0s cgipcios eran negros, Em poocas palavras, existe ‘um papel nesse-aparente “esquecimento” de que os egipeios erum negros, resp iveis por escolas de Filosofia ¢ autores ‘consagnidos na Antiguidade que ensi- naram ¢ foram lidos pelos greges: Ort, @ ue ext-em jogo €4 aurridace ocd por clasificar alguns discursas come filosdficos ¢ outros some pensamento’, uma perspectiva politica de va dos gregos na Antiguidade, dando st premacia ao Ocidente.Existem contiae “angumentos que defendem que a Fi- lesofia nnio precisa ser tio valorizada, © qué nao deveriamos nos prtocupar em cenquadrar um pensamento afficano ot asiitico ¢m seu modelo ocidental, Ora, por que nio perguntames quem auto ‘zou o Ocidente a ser a “régua’ da F- ‘osofia? Isso ndo seria resultado de uma, dispura geopolitica, como nos ensinam Fanon ¢ Maldonado-Torres? Afimal, nia maior parte das instiruipies Universite ‘ase de pesquisa do Brasil ¢ do mand, atdea de Filesofia agrega e reine incer= tives, imvestimentos, reconherimeniti palico, mas, a rea “Pensamento” per manece livre e fora da dispura dos rear sos ereconhecimento social, A pengunita simples: a recusa do caniter filosdficn ao pencamento africano, assim COMO & tantos outros, nd fr parte de um pro= tor da Filosofia: Mas 0 modelo antigo reconheet qUE 8 gregos nifo foram os yrimeinos, Na interpretagio de James, Diop, Asante ¢ Obenga, 08 primeiros textos de Filosofia eram egipcias. Una constatago importante € que cxistem pesquisas consistentes que fait am muita luz a respeito do assunto, ursos de Filosofia, a notar pelos livos, monografias,dlissertacies raramente citam ou sededicam a >mentar as teses que apentam os egip- ns como autores de textos filosficos temos registras, Em 1954, 0 ca- »» George James publicou 0 livia y° Greek Phidosophy Isa Stolon slbsepby [© legado roibador sgtega € 0 roubo da Filosofia Mais do que uma prowecasaa, >, ainda sem tradugio para a ng.) sorcuguesa empreende um e5= | ssutivo que identifica seme- re textos eipcios e gregos. t se pelevante que foi muito bem ~rinea inaugurada por Chelle Anta Diop, na obra ane ceriate pharaonigue (2780-330 a.C.) vico- (2780-330 eee | ‘tos, Qbenga nos brinda com material “

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