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Ge COLECCAO | = | DIMENSOES GILL) DORFLES 0 design ian Se Industrial e@asua estética INTRODUCAO wo. ws 7 : 7 1. Carécter iterative do design industrial... ee ve ve ne oe 1B . © conceito de astandard» ... on 7 _ +3. Distingdo entre artesanato e design industrial ” 21 . Poder-se-4 identificar a arquitectura industrializada com o design industrial? eee cee ce vee ce cee nee ate ee nee nee 5. Relac6es ¢ interferéncias entre o design industrial, a pintura e a escUltUTA eee ae ate tee ote ne nee nee ene nee ae 6. Teoria da informag&o e «consumo» do design industrial... 37 7. Valor expressivo ¢ simbélico do objecto industrial - 43 (BS; Aspectos positives e negatives do styling ... 49 Dy Interferéncias entre styling e ordem social ... ... ... SS GO, Styling © moda wooo 59 Ti. 0 conccito de «fora de s6tien os. 63 12. Os equivocos relativos A «pequena série» 67 13. Valor publicitaério e auto-publicitario do objecto industrial ... ... 9 71 14. Originalidade, universalidade e plagio B 15. Importfncia do factor tecnolégico ... ws. y 16. Vantagens ¢ inconvenientes do trabalho de equipa 85 17. Sondagem de mercado e sistemas de venda 89 18. Design industrial e mass media ... : 93 S19, Tentativa de classficagio do design industrial 103 20. Valores e limites da acco do designer ao projectar 109 21. © ensino do design industrial... 13 22, O futuro do design industrial... 121 APENDICE 1. Btapas histéricas do design industrial =... «+ 2. De William Morris as «Arts and Crafts» ... «.- Beco 3. A «art nouveau» e as suas relagdes com 0 design industrial... 4. A evolucio do design industrial desde a Bauhaus até aos nossos dias 5, Ultimos desenvolvimentos do design industrial em diversos paises Bibliografia. 1. wee es eee ene deecUabetatae 127 131 132 135 138 149 / " ponto 1 ug FACULDADE DE BELAS = AR’ livros BIBLIO. TES DE TECA «540 PauLo tua fradique coutinho, 39 fone: 853-3016 - cep 05416 SAO PAULO BIBLIOTECA LUCIANO OCTAVIO FERREIRA GOMES CARDIM MIDIATECA DR. PAULO GOMES CARDIM Rua pr. Alvare Alvim, 76 - Vila Mariana 4a Paulo- 8.P.-@4018-010 - Fone: 5576-7300 HomePage www.belasartes.br Emil tibliotaca @bolusartes.br MRI \ D749 ) Benedito Calixto Design industrial ea sua estética, O 3464 © DESIGN INDUSTRIAL E A SUA ESTETICA GILLO DORFLES O design industrial - e asua estética 2. edigfo EDITORIAL PRESENCA ° LIVRARIA MARTINS FONTES PORTUGAL BRASIL . . d ‘Titulo original I DISEGNO INDUSTRIALE E LA SUA’ ESTETICA © Copyright by Cappelli Editore — Bolonha Tradugio de Wanda Ramos Capa de F.C. Reservados todos os direitos para a lingua portuguesa & EDITORIAL PRESENCA, LDA. Rua Augusto Gil, 35-4 — LISBOA INTRODUCAO Qualquer definig&o corre o risco de ser defeituosa e imprecisa, e ainda mais quando se refere a um sector tao vasto e complexo como © que aqui nos propomos tratar. Por isso, prefiro nao dar qualquer definigao clara e axiomAtica do design industrial *, deixando que © leitor forme por si mesmo o conceito mais idéneo e que melhor corresponda a realidade dos factos através da leitura dos parégrafos que se seguem. + A elaboracio teérica do conceito de design industrial tem os seus antecedentes em alguns postulados estéticos de Kant e, antes ainda, dos empiristas ingleses. EZ comum considerar-se que 0 conéeito de beleza funcional € anti-kantiano ¢ esté mais préximo do naturalismo ecléctico, concretamente, da filosofia de finais do século XIX, visto que esta filosofia recusava todas as distingdes kantianas entre o belo ¢ a arte, a beleza e o racional. Porém, vendo bem, Kant critica j4, como é sabido, a teoria do belo entendido como perfeicio, e adapta a sua teoria a ideia de uma finalidade, a qual considera igualmente possivel sem a representacio de um fim. Para além da beleza pura (pulchritudo vaga), existe para o filésofo alemfo a beleza aderente (adhaerens), qu seja, a beleza que implica também o fim que a coisa deve servir (¢ 6 sabido que para Kant a finalidade € o principio a priori da faculdade estética). N&o obstante, o que deve chamar-nos a atengio nao é apenas a possibilidade de assimilar essa finalidade da coisa artistica 4 sua funcionalidade, mas 0 facto de que o préprio conceito de adequacio (a fitmess dos empiristas) se identifica, para ele, com a perfeic&io do objecto artistico (pois, como é do conhecimento geral, para Kant, no vasto sector da pintura entram igualmente de pleno direito as‘ artes decorativas, os méveis e a ornamentacao: elementos, pois, em.que prevalece 0 conceito do fim para que servem, ou seja, aquila a que hoje chamamos funcionalidade). Precisamente nos empiristas, e principalmente,em Addison ¢ em Burke, H&, todavia, alguns pontos-chave tedricos e técnicos de que se nfo pode prescindir quando se trata do estudo deste delicado sector, razio por que me proponho fazer logo de inicio algumas precisdes fundamentais que me permitam desembaracgar o terreno dos perigosos equivocos que tém vindo progressivamente a adensar-se neste campo, como noutros semelhantes, precisamente devido & presenga de factores, a um tempo estéticos ¢ técnicos, que interferem mutuamente sem chegarem a alcancar um ponto de verdadeiro equilibrio. Acima de tudo, seria erréneo considerar o design industrial como uma doutrina relativa a um sector que tenha existido desde sempre: o do objecto utilitério, Sera este um primeiro equivoco a esclarecer e analisar com mais vagar, no paragrafo dedicado as relagdes entre design industrial e artesanal, uma vez que se nG@o deve considerar o objecto artesanal como um equivalente do industrial. Uma das primeiras condigdes necessérias para se considerar que um elemento pertence ao sector que nos propomos examinar € que seja produzido com meios industriais e mecinicos; ou seja, mediante a intervencio, nao apenas fortuita, ocasional ou parcial, mas exclusiva, da maquina. Desta primeira condic&o inferem-se imediatamente outros coro- Trios, como o da repetibilidade, da iteragéo do produto, requisito este que nunca fora previsto antes do advento da maquina. encontra-se jé uma visio do objecto artistico que nao € despropositado definir como funcionalista. Por exemplo, Burke diz (Investigacdo sobre a origem do sublime e do belo): «Quando examinamos a estrutura de um relogio ¢ chegamos a conhecer o ‘uso de todas e cada uma das partes, embora fiquemos satisfeitos por ver a conveniéncia e proporcio de todo o objecto, todavia ainda estamos longe de encontrar nesse relégio algo de belo... na beleza... © efeito precede qualquer conhecimento do uso; mas para ajuizar da proporcio temos de conhecer o fim a que 0 objecto se destina». Nesta citagéo é evidente que Burke distingue entre beleza e conveniéncia, por um lado, e entre propor¢éo (entendida como elemento constitutivo de beleza) e conhecimento do uso, por outro, mahifestando nestas linhas um primeiro indfcio dessa infindavel discussio acerca da possibilidade de identificar, contrapor ou subordinar o Util ao belo, integrando-se ambos os conceitos no de funcdo. | aPaar E,: finalmente, como premissa_ulteriof, devemos considerar a da maior ou menor —mas sempre presente — «esteticidade» do produto, sobre cujos valores é sempre dificil um entendimento (tal‘como, por outro lado, nao é facil o entendimento acerca de toda_ a obra de arte contemporanea que ainda se encontre sub judice), mas que deveremos considerar como momento essencial — pelo menos intencionalmente — de todo o design criativo. Nao qualquer produto saido da maquina que é, por si 86, artistico, pelo que se deveraio considerar como pertencentes ao sector do design industrial apenas aqueles que tiverem sido concebidos com essa inteng&o logo na fase do projecto. Por outro lado, havera numerosos casos de objectos e de elementos produzidos industrialmente que estaréo providos de qualidades expressivas e estéticas, sem que essas qualidades fossem minimamente previstas no momento do seu projecto. Uma outra peculiaridade do design industrial, é que sé repor- tando-se a experiéncias bastante remotas (a utensilios da época neolftica, etc.) se poderé falar de analogias. Trata-se, pois, de com- provar a presenga na obra humana de uma vis formativa, altamente estética, implicita na propria natureza do material—do medium expressivo — sempre e quando é usado tendo presentes as leis de composic¢io a ele adequadas e que, frequentemente, deu origem a objectos extremamente artisticos, sem que os seus artifices se dessem conta disso. No nosso caso—como teremos oportunidade de observar no apéndice histérico —acontece que precisamente em algumas das primeiras construcées técnicas do século passado (as pri- meiras grandes pontes suspensas metélicas, algumas construcgées de engenharia, como as docks de certos portos ingleses [Liverpool], algumas fabricas, altos-fornos, variadas m4quinas primitivas a va- Por, etc.) se revelaram pela primeira vez determinadas constantes formais que viriam a constituir as matrizes de todo um novo «estilo» arquitecténico e construtivo, sem que aqueles que as idealizaram tivessem consciéncia disso. Assim, poderemos resumir algumas das observacées que aca- bamos de formular afirmando que, se j4 no passado existiam produtos criados manualmente ou sé em parte com interveng&o mecanica (ceramica, vidraria), destinados a fins praticos e utilitarios e providos iil de qualidades estéticas (utensilios, armas, ferramentas pré-historicas, mobiliério, etc.) e também numerosos elementos modulares parcial mesmo totalmente estandardizados em uso em arquitectura, 36 nos nossos dias — ou seja, depois do advento da revolugao industrial— se deu a produc&o de objectos, de estruturas ¢ modelos susceptiveis de serem reproduzidos em série e de cumprirem, para além de uma, I fungo pratico-utilitaria, uma fungao estética. | Contudo, 0 quociente utilitério e «funcional» nao é absolu- tamente indispensavel como componente essencial do design industrial (este 6 um dos erros thais comuns dos que ainda consideram necessaria a presenga desse elemento funcional» na base do objecto produzido industrialmente). Com efeito, & possivel conceber a exis- téncia (e, sobretudo, dd-se a existéncia) de objectos «inuteis», ou seja, puramente «ornamentais»: pormenores ‘de decoragéo, objectos deco- rativos e até pegas de «arte pura» (que pertencem & categoria da chamada «arte programada») realizados em. série pela exclusiva intervengao da maquina e que podem perfeitamente ser considerados como fazendo parte da categoria que nos ocupa. Assim, poderemos 4 concluir que, pata se poder afirmar que um objecto_pertence_ao.. design industrial, € necessario: 1.2 o seu caracter dé série; 2.°a sua produgio mecanica; 3.2 a presenga nele de um coeficiente estético que se deve ao projecto inicial e nao a posterior interveng&o manual de um artifice. | Daf que nao seja licito falar de design industrial a propésito de objectos que foram feitos em épocas anteriores 4 Revolugio Industrial, e muito menos quando se tratar de objectos (utensilios, moveis, instrumentos) cuja origem remonte a Antiguidade ou & pré-historia. Se a questo do binémio belo-util, isto é, da esteticidade das formas iteis, entra de pleno direito no nosso discurso, assim como a das relagdes entre a funcionalidade e a beleza, isso n&o obsta a que essa problematica saia do nosso horizonte quando se refere a obras feitas 4 mao, sem possibilidade’ de réplica. exacta e sem a intervengao da maquina. 10 Alguns bons trabalhos (como, por exemplo, o fundamental tratado Art and Industry, de Herbert Read*) pecam precisamente Por isso, por se referirem as presumfveis origens histéricas do design industrial remontando ao utensilio, ao vaso e & taga da Antiguidade, pelo simples facto de que esses objectos tinham fins utilitarios para além dos fins estéticos, ponto de vista esse que j& nao podemos considerar adequado as nossas exigéncias tedricas. . Por isso, ao tracar uma breve crono-histéria do design industrial (cf. 0 Apéndice), partirei téo-somente. dos alvores da «era neo- -técnica», na sequéncia do advento da Primeira Revolugio Industrial, prescindindo de qualquer referéncia as formas «iteis» anteriores a esta época. : Desejaria fazer uma Ultima observacio, antes de iniciar o tratamento um tanto mais sistematico dos diversos problemas -rela- cionados com o objecto produzido industrialmente, a qual se refere a notdvel amplitude do campo de acco do design. Como teremos ocasiio de precisar melhor, no capitulo dedicado a classificagio dos objectos que 'sio da competéncia do design industrial, 0 nosso sector abarca hoje a quase totalidade dos elementos que constituem os pontos de referéncia da nossa existéncia quotidiana, sendo este um facto de primeirissima importancia, cujo alcance talvez ainda n&o tenha sido bem avaliado. Em todos os_momentos do nosso dia-a- dia, durante o trabalho e nos instantes de lazer, vemo-nos rodeados de um mont&o de objectos que foram produzidos. indus- trialmente, em série, e com intencSes mais ou menos estéticas: desde o relégio de pulso até a esferografica, das armagées de éculos as tesouras, do automével ao vagéo de caminho-de-ferro, da «scooter» ao jacto; tanto a vida caseira, com os diversos electrodomésticos; como a no escritério (com as méquinas de escrever e calcular) ou a desportiva (com os esquis, os tacos de golfe) ou a bélica (com as armas, os misseis, os navios de guerra), estéo cheias de Rrodugées em cuja base esteve uma fase de projecto, de desenho *” Cf. Herbert Read; Art and Industry, Londres, 1934. criativo, e um momento iterativo, de produgéo mecanizada ¢ em série. Por conseguinte, nao é de estranhar que o moderno horizonte visual seja téo influenciado pela presenca desta enorme quantidade de elementos produzidos industrialmente, os quais— através da sua forma, da sua cor e da sua textura—podem exercer influéncia —positiva ou negativa—sobre as nossas faculdades perceptivas ¢, por fim, também sobre as nossas tendéncias criativas e ideativas. Inclusivamente, n&éo é descabido afirmar que a esses elementos se deve precisamente, e no futuro se dever4 ainda mais, a particular ofientag&io que o gosto do homem e a sua atitude para com as formas — uteis ¢ initeis—do ambiente em que se desenrola a sua existéncia, possam receber. 12 1 CARACTER ITERATIVO DO DESIGN INDUSTRIAL Na base de toda a produgio industrial que possa ser incluida no sector que estamos a examinar deve colocar-se o seu cardcter nitidamente iterativo, ou seja, de produgéo em série. Assim, qualquer fase de manufactura do produto dever4 ser organizada e controlada de tal modo que consinta w \dimento constante e no apresente Enquanto nos anteriores tipos de producao, aparentemente «em série» (como algumas manufacturas artesanais feitas com meios em parte mecanizados e em que cada exemplar era repetido muitas dezenas ou centenas de vezes), 0 controlo da produg&o era relativo, precisamente porque nao interessava a absoluta identidade dos objectos e porque estes nfo tinham necessidade de se adequarem a um <«protétipo» constante, no tipo de prcdugio ii contrapartida, o conceito de série refere-se, mais ainda ‘do. que & quantidade dos elementos inc Assim, poderé haver uma pequena série e até minima (locomo- toras, navios, submarinos, gigantescas calculadoras electrénicas, elec- Eraencn em que se produzem poucas dezenas de unidades nfio\ obstante) permanega idéntico o caracter de «em série» que Sas na “pase da sua produgio. Por outro lado, sio frequentes as imensas séries de objectos (vasilhas, electrodomésticos, loigas, transistores, etc.) em que a repe- tigéo do produto atingira muitos milhares e centenas de milhares de exemplares, embora mantendo-se sempre constante a fidelidade de cada. objecto ao seu protétipo, gracas ao sistema de manufactura, © qual n&o consente qualquer desvio da série. O préprio conceito de série constitui um dos principios basicos a ter em conta. Série significa possibilidade de reprodugio, de iteragio de um determinado modelo (do modelo «cabeca de’ série») que possua — segundo a definic&o de G. Ciribini— «na maior proporgic aquele conjunto de caracteres considerados necessfrios ao seu’ uso eomo modelo exemplificativo dos processos de producdo em série € como aplicagio combinatéria ou compositiva de elementos estan- dardizados» (G. C., Architettura e Industria, Miléo, 1959). O objecto «cabeca’ de série» € também definido como «modelo normal ou standard» e como «tipo». A atitude do piiblico para com 0 objecto artistico teve de ser substancialmente modificada para poder aceitar a obra produzida Por processos industriais, em série, tal como aceitava, coi «respeito» semelhiante, quanto em. tempos passados pertencia 4 obra artistica 'e até a simples obra artesanal. Na réalidade, no caso da produgéo em série desaparece todo o valor implicito no conceito de «unicidade», que desde sempre esteve—e continua a estar — na base de toda a valoracio de um objecto artistico; tal como desaparece a presung&o de que o artifice possui uma especial habi- “ lidade manual, uma vez que todo o pormenor executivo esté j4 contido no projecto realizado pelo designer, nio podendo por isso ser «acrescentado» pelo eventual «toque» do artifice. Este factor da présenga de uma _produgdo_primor: em série de exemplares idénticos ¢ foi pratic em todas as épocas passadas. Como dissemos, qualquer produto de artesanato, mesmo nos seus exemplares mais cuidados e até nos casos de intervengio parcial da maquina (torno, verruma, roda de oleiro), nunca apresentava uma perfeigio sem limites e deixava uma margem ao acaso. A prépria quest&o dos limites de inexactidao admissiyeis, tratando-se do objecto fabricado em série, te 4 € completamente diferente da relativa as diferencas entre os objectos artesanais, em que a inexactidio constitui, frequentemente, mais que um defeito, um «mérito estético», enquanto no objecto industrial o «limite de toleranciay é reduzidissimo e qualquer defeito poe um obstéculo 4 produg&o e 4 venda. Evidentemente, o principio da produg&o em série e a auséncia de imperfeicdes dele resultante, além de constituir um dado técnico que de modo nenhum pode ser passado por alto, é também um dado estético dos mais significativos ¢ relevantes. Como j4 apont&mos, é precisamente nisto que consiste a grande revolucao estética produ- zida pelo design industrial no campo das artes visuais; e, tal como teremos ocasiao de repetir ao falar dos objectos em série nao funcionais (da chamada «arte programada»), daqui resulta serem concebiveis objectos produzidos industrialmente sem fins utilitérios, mas t&o-s6 com um fim «artistico», e que, do mesmo modo, devem estar isentos de qualquer imperfeigio, de qualquer complacéncia «personalista» no que respeita 4 sua manufactura e produgio. 1. Perfuradora universal. Des. Erich Slany. Prod. Bosch, Estugarda, 1960. O cabo foi realizado tendo em conta a estética do objecto, para além da sua funcionalidade. 2 O CONCEITO DE «STANDARD» O conceito de «standard» (ou de «norma ou prot6étipo») surge, pois, com o advento da m4quina como instrumento capaz de mul- tiplicar até ao infinito um modelo determinado. Em virtude deste fendmeno, o objecto produzido industrialmente deve ser concebido como acabado no proprio acto da sua produc&o, nao devendo submeter-se a ulteriores manipulagdes que melhorem ou modifiquem © seu aspecto. & evidente que ainda existem no comércio certos objectos «hibridos» que quase toda a gente inclui na categoria do design industrial, mesmo quando a sua produgio é de tipo misto. Entre eles, recordemos muitos méveis modernos s6 em parte pro- duzidos de acordo com um rigoroso principio de seriagéo e em cujo acabamento intervém o polimento, o envernizamento e outros pro- cessos realizados «4 mao». De imediato, esses méveis s6 com certas reservas poderfio ser incluidos na nossa exposi¢ao, além de que a sua existéncia é actualmente precfria\e esté provavelmente des- tinada a acabar, na medida em que tor aumentando o volume da produg&o industrial. Outra categoria de produtos que, na nossa opiniao, nao cabe no sector do design industrial é a dos tecidos estampados 4 maquina, ou seja, a dos tecidos cuja «decora¢ao» é feita por processos inteira- 17 ere eee eee re mente industriais e sem que o artista intervenha numa ulterior fase de manufactura. A razio por que consideramos que esses produ- tos devem ser excluidos € muito simples: neste caso trata-s¢, nao ja de formas tridimensionais criadas industrialmente com base num projecto prévio da sua estrutura, mas meramente de motivos deco- yativos impressos sobre uma superficie bidimensional (tal como sé faz nas gravuras ou cm qualquer «reproducdo» mecfnica de motivos figurativos, de uma pintura, de um desenho, de uma gravagao em relevo, etc.), pelo que o valor desses produtos nao podera em absoluto ser considerado quer sob um ponto de vista utilitario quer estético, como pertencente ao campo do design industrial propriamente dito, Nao obstante, foi minha intengo referir esses produtos por ser muito frequente vé-los incluidos em tratados do género deste, € até premiados em concursos reservados ao design industrial. Totalmente diferente € 0 caso da embalagem (packaging). Este sector —ainda que de caracter misto, uma vez que se liga ao das artes graficas e ao da publicidade — também. entra, por outro lado, no ambito do design industrial propriamente dito. Com efeito, a embalagem de um produto pode por vezes constituir um dos mais interessantes exemplos de pesquisa de uma forma tridimensional capaz de conter convenientemente um determinado objecto, dando- athe um. invélucro ao mesmo tempo funcional ¢ estético. E, frequen- temente, tem também de resolver outro dos factores decisivos da venda: o da auto-publicidade do produto, consequéncia do seu aspecto externo. 2. Méquina de costura Wilcox @ Gibbs, 1860 (Smithsonian Institute, Washington). Baseade no principio do gancho rotativo. Diferentemente de outros mecanismos domésticos, ‘a maquina de costura adoptou logo desde as suas primeiras fases uma forma directamente derivada da sua fungdo, e nao decorrente da de objectos preexistentes. 18 3. Maquina de costura «Mirella», Des, Marcello Nizzoli. Prod. Necchi, Pavia, 1957. Constitui um dos melhores exemplos da «linha italiana», que se contrapés eficazmente aos outros produtores europeus e norte-americanos : pela sua originalidade e harmonia, em especial durante os anos de 1950-1958. ee we | airbase. 4. Calculadora «Alpina». Prod. e des. Alpina-Werk, Kaufbeuren, 1960. 19 DISTINCAO ENTRE ARTESANATO E DESIGN INDUSTRIAL Uma das primeiras distingdes sobre que € necess4rio insistir prende-se a actual situagZo do artesanato e do design industrial. Se bem que, sem sombra de duvida, o primeiro possa ser considerado como o auténtico progenitor de muitas obras actualmente pertencentes ao segundo, isso néo impede que entre ambos os sectores produtivos exista hoje uma nitida diferenca, uma notavel oposi¢aio, a respeito da qual convém desfazer qualquer equivoco. Tempos houve em que pertencia ao artesanato toda a vasta gama de produces parcialmente exequiveis em série e que eram reputadas como de valor estético inferior ao das «artes puras». Contrapunha-se, assim, & «grande escultura e pinturay a obra mais modesta do artesio (que frequentemente se identificava, por outro lado, com © artista): as tagas, as anforas, as vasilhas de cerémica ou de vidro, as estatuetas de madeira de caracter folclérico, os bordados, as rendas, os tapetes e, em geral, os tecidos decorados e pintados e toda a série das chamadas «artes aplicadas», como o mosaico, © trabalho do alabastro, o cinzelamento e outras. Na realidade, com © advento da era industrial, esses sectores tinham decafdo muito, e isso podia servir de justificagéo para o facto de se tender a considerar essas formas artisticas como «menbres» em comparacéo 21 ee com a pintura, a arquitectura e a escultura. Esse equivoco devia-se antes do mais ao facto de nao se ter compreendido que a menor eficacia dessas obras se devia nao a serem « prego, aquele que hoj invade alguns grandes mercados como o de S. Salvador da Baia, no Brasil, ou de certas zonas da Grécia, da Sardenha, da regiéo de N&poles, do Japiio ou da India, nao podera subsistir quando 0s seus custos vierem a equiparar-se aos custos efectivos de uma 23 5. Maquina de escrever «Kos- mopolity 1888. Observe-se a presenga do elemento ornamen- tal nos pés, juntamente com a total funcionalidade da parte mec@nica, que nao foi «mas- caradan com qualquer «chas- sis». 6. Méquina de escrever «Lettera 22». Des. Marcello Niz- Zoli. Prod. Olivetti, 1950, Trata-se de um dos modelos mais tipicos e difundidos de maquina portatil. Como em quase todos os objectos com «chassis», a sua forma externa apenas parcialmente corresponde as exigéncias técnicas do mecanismo interno. miao-de-obra especializada, e tera que ceder terreno a outros produtos industriais an4logos, menos caracteristicos mas mais funcionais. E s6 poder continuar a subsistir como produc&o de objectos indivi- duais «de «luxo», de elevado prego, executados pelos poucos artistas- -artesios que tenham a possibilidade de criar artigos altamente especializados que possam ser vendidos a precos muito mais elevados do que os da produgdo em série normal. Esta realidade nfo deve entristecer nenhum nostalgico do passado: é evidente que cada época tem as suas leis de mercado especificas, e que seria impossfvel manter artificialmente «vivas» as obras artisticas cuja razio de ser econémica contraste com as constantes socioeconémicas da época em questéo. 4 PODER-SE-A IDENTIFICAR A ARQUITECTURA INDUSTRIALIZADA COM O DESIGN INDUSTRIAL? Tem sido amplamente discutida a possibilidade de incluir 0 vasto sector da arquitectura industrializada dentro dos limites do design, € alguns autores (Argan) propuseram igualmente ampliar 0 conceito de design de maneira a abarcar nao s6 a criagéo de objectos em série, como em geral todo o elemento planeado em série, alargando assim o seu Ambito a grande parte da arquitectura e do urbanismo. Nao me parece conveniente essa ampliagdo da area semantica do design, mais nao seja pelos equivocos a que poderia dar origem. Por conseguinte, limitar-me-ei neste estudo a examinar as obras que podem ser incluidas com propriedade dentro dos limites do design industrial. Cabe advertir, todavia, que na realidade existem muitas € relevantes analogias entre o tipo de projecto do objecto industrial € o de alguns elementos da arquitectura moderna (curtain-walls, encaixes e juntas, remates e outros elementos prefabricados, etc.) € até de certas grandes instalagdes industriais que apresentam ele- mentos formais que neste aspecto se encontram entre o design € a arquitectura e que, para falar verdade, podem ser incluidos pura e simplesmente no nosso sector (por exemplo, turbinas, altos- fornos, silos, tanques, serpentinas, destiladoras, torres para cabos de alta tenséo, etc.). 27 Estes elementos—e nao tomem por sofisma o desejar pre- cisar —s&o efectivamente obras que fazem parte do design, mas que, uma vez englobadas num organismo arquitect6nico, vém a cons- tituir por si mesmas verdadeiras «arquitecturas». a podera fernados com as bem | conhecidas formas das serpentinas de destilago de uma grande refinaria moderna constitui um espectaculo «arquitec- ténico», ainda que cada um dos seus lementos, separadamente, possa ser considerado como obra de ‘adesigny. O mesmo se podera dizer acerca das estruturas de fachadas continuas (curtain-walls) montadas sobre um moderno arranha-céus © que, se como elementos individuais correspondem plenamente ao tipo de projecto e de execugo do objecto industrial, nado obstante, uma vez «montadas no edificion, se tornam parte integrante dele. Em definitivo, poderemos pois estabelecer uma clara distingéo entre ambos os sectores, considerando que o facto arg ténico depende nao s6 do projecto de cada elemento _constitutivo, como tervencao de outros elementos —topogréfico, plani- ental — que se furtam totalmente ao campo do Cabe igualmente referir que, se bem que continuando a consi- dera-los «arquitecturas», é facil prever para um futuro préximo um desenvolvimento crescente desses elementos prefabricados, nao 86 dos parciais (manilhas, embutidos e remates), como também dos globais, do que so j& exemplos explicitos as famosas cuipulas geo- désicas e as «dymaxion houses» de Buckminster-Fuller ', os nume- rosos elementos modulares de Konrad Wachsmann’, e algumas interessantes construgdes uni-familiares em materiais plasticos como a House of the Future da Marzant Chemical Co., a habitacéo de resina de J. Schein, em Franca, e algumas casas projectadas, entre outros, por J. Johansen nos Estados Unidos. * Ver Robert W. Marks, The Dymaxion World of Buckminster Fuller, Reinhold, Nova Iorque, 1960. ? Konrad Wachsmann, Una svolta nelle construzioni, I Saggiatore, Mildo, 1959. 28 | | ih i i | | I | tor «Lorgnetten para tradugéo simulténea, Des. J. Jessop. Prod. Multitone Elec- tric Co., 1960, Foto Studio Briggs. A parte exterior é feita de material pléstico «forticel». Os, elementos electrénicos fo- ram montados sobre circuitos moldados. Observe-se a extrema elegancia do aparelho e as an- gulosidades apenas sugeridas do punho, 29 Mais no fosse por uma razio metodoldgica, preferi manter a distingo entre a arquitectura e o design industrial. Todavia, nao posso deixar de advertir até. que ponto muitos dos problemas que examinei a propésito do design industrial séo igualmente validos para a arquitectura, ou Ihe sio muito afins. Tenha-se_ presente que nos encontramos ainda hoje numa situago em que predomina a_arquitectura de tipo artesanal, situag&io que do ponto de vista econémico padece de todos os inconvenientes que lamentémos a Ppropésito do objecto de artesanato. Assim, é pelo menos provavel que num futuro proximo se chegue nfo sé a conceber, mas também um ura (sobretudo doméstica e residencial, mas igualmente publica) “completamente industrializada, prefabricada. e estandardizada, o que fara arem enormemente e levara esta arte a uma concep¢éo muito diferente da'do critério de «origi- nalidade». Por célculos recentemente efectuados nos Estados Unidos sabe-se, por exemplo, que se um automével fosse feito nos nossos dias pelos mesmos processos e sistemas artesanais com que sao feitas as nossas casas, viria a custar cinquenta vezes mais do que custa actualmente, Apesar disso—e até precisamente por isso—, e dentro da total estandardizagio da produg&o automobilistica, veri- ficamos haver hoje maior variedade de «tiposy e, por conseguinte, uma maior originalidade criativa neste caso especifico, relativamente ao que acontece com as habitagdes «normais» (nao nos referimos, é evidente, a algumas, pouquissimas, construgdes de elevado nivel artfstico e econémico destinadas a um nimero de clientes muito restrito). 30 i 5 RELAQOES E INTERFERENCIAS ENTRE O DESIGN INDUS- TRIAL, A PINTURA E A ESCULTURA Uma das hipéteses estéticas actualmente com mais aceitagao € a que postula a identidade estilistica entre as obras de arte de uma determinada época, inclusive entre as de artes muito diferentes (misica, arquitectura, poesia) e, ainda mais, entre as pertencentes { a uma mesma categoria «sensorial», como sdo as artes visuais. i Porém, talvez s6 nos nossos dias se venha assistindo a um | certo desfasamento a este respeito, o qual se deve sem divida ao advento dos meios mecdnicos. Estes, por um lado, estimularam exaltaram o processo criativo e, por outro, subordinaram-no a Novas razes de ser que frequentemente se afastam das que deveriam regular o aparecimento e o devir da obra de arte. Com efeito, se observarmos as relacdes que tém vindo a estabelecer-se entre o design industrial, a pintura e a escultura, sera facil darmo-nos conta de que essas TelagSes passaram por trés fases diferentes: uma primeira fase—a que, para mais facil compreensio, consideraremos correspondente a primeira revolucao industrial (a arquitectura das obras de engenharia do século passado) —durante a qual as obras técnicas e mecdnicas (compreendendo as grandes pontes metilicas, as primeiras maquinas a vapor, os 31 primeiros teares mecdnicos e as maquinas de escrever) eram consi- deradas totalmente distintas das «belas artes» e em que, em ‘suma, se procurava por vezes «mascarar» a méaquina acrescentando-lhe alguns ornamentos ou introduzindo na sua estrutura elementos deco- rativos (capitéis, pequenas colunas). A esta fase seguiu-se a da art nouveau, que procurou criar objectos e arquitecturas que, se bem que recorrendo 4 mecanica, também apresentavam um coeficiente artistico. Foi nessa época que se realizaram algumas importantes obras que, sobretudo nos nossos dias, viriam a ser revalorizadas. Nesta fase imbricaram-se as correntes da Bauhaus e neo- plastica, e durante ela ganhou vigor a conviccio de que. o objecto industrial (e a arquitectura criada com os novos materiais) deveria estar absolutamente submetido ao binémio utilidade-beleza. E foi ent&o que se verificaram os conhecidos casos de analogias «estilis- ticas» entre algumas pinturas (as de Mondrian, Van Doesburgh, Malevic) e algumas esculturas (de Arp, Pevsner, Gabo) e os objectos produzidos industrialmente (méveis de Rietveld, Le Corbusier, Mies, Breuer). Esse foi sem divida um periodo glorioso e cheio de interesse polémico e ideolégico, embora hoje, a distaneia de quarenta anos, Possamos constatar que nessa suposta submissio de um sector artis- tico ao imperativo da «funcionalidade» tinha de haver algo de forgado. Efectivamente, durante o pés-guerra verificou-se uma progres- siva rebeliéo da pintura e da escultura face as frias regras do construtivismo e do concretismo, ao mesmo tempo que iam surgindo novas formas pictéricas e plasticas bastante mais livres, que desem- bocavam directamente nos novos modos extrovertidos e irracionais da pintura «informal», do tachisme, da action-painting norte-ameri- cana e de outras correntes neo-dadajstas e gestuais. E evidente que entre estas tltimas formas de arte visual, extremamente libertas de qualquer cénone e que recorrem as soli- citagdes matéricas, signicas e gestuais, e o objecto industrial, nao Podia subsistir mais do que uma escassa afinidade. Em vio pro- curaram alguns autores assinalar em determinada arquitectura 32 ee 8. Altifalante. Des. e prod. Westrex Co, Londres {design com colabor. de Martin Rowlands), 1962. Foto A. G. Rédio- receptor Phonola. Livio e Piergiacomo Cat tiglioni e Luigi Caccia Domi nioni. Prod. Phonola, Milo, 1938. Este rédio constituiu uma das primeiras tentativas de mo- dernizar @ simplificar o aparelho de radio transformando o seu aspecto, que passa a ser nao jo de um amével» de saldo, mas o de um aparelho parecido com © telefone. K. Ware, Londres. «brutalistay ou em certa recuperagéo ornamental do objecto indus- trial uma analogia com o informalismo pictérico e escultérico. A realidade, porém, é bem diversa: hoje temos um género de pintura ¢ de escultura que — precisamente opondo-se ao racionalismo arqui- tecténico e ao rigorismo cientifico da producao industrial — pretende manter intactos os seus privilégios de absoluta liberdade criativa e de. total independéncia relativamente a qualquer construcio racional. Por outro lado, temos a vasta gama dos produtos industriais, que de modo nenhum podem subtrair-se as exigéncias da pratica, da funcionalidade e das leis do mercado e que, por isso, devem submeter-se a algumas normas constitutivas’ e construtivas que, inclusivamente, regulam 0 seu «aspecto exterior». O que nao obsta a que prossiga uma osmose entre as diversas formas criativas, sendo disso exemplo, dentro do .campo das «artes puras», a frequente inclusfo nestas de elementos tomados de empréstimo ao mundo da industria e do design industrial (como se pode comprovar em muitos artistas qualificados de neo-dadaistas, e entre os quais evo- carei Rauschenberg, Jasper Johns, Jim Dine, Arman, Raisse, Baj, De Pezzo, etc.) e, por outro lado, o progressivo desenvolvimento ¢€ a afirmaco em varios paises de um género de produgao «industrial» (ou pelo menos realizada mediante processos industriais e em série) dedicada a criac&o de objectos «nao utilitarios» — ou seja, de objectos cuja nica finalidade consiste em serem «agradaveis», em satisfazerem as exigéncias estéticas do puiblico. Algumas dessas obras — como as criadas pelo grupo francés Recherches visuelles (Morellet, Le Parc, Sobrino, Yvaral, Stein) ou pelos italianos do Grupo T (Anceschi, Boriani, Colombo, .Devecchi) e do Grupo N de P&dua, ou por artistas coma os alemaes Rot, Pohl, Mack, Piene, os italianos Munari € Mari, ¢ ainda outros —vém demonstrar a possibilidade de conceber * Ver o catélogo da exposicéo «Groupe de recherche d'art visuel», Paris, 1962, e 0 de «Arte cinetica, arte programmatay, Millio, 1962, onde se encontrario reproduzidas varias obras de Munari, de Mari, do Grupo T (Anceschi, Boriani, Colombo, Devecchi), do Grupo N (Padua), de Grazia Varisco, 4 © design industrial em fungio de uma criac&o de obras «artisticas» nao utilitarias e que, muito provavelmente, encontrarao no futuro vastas aplicagdes nos sectores da publicidade, da decoracio, da sinalizagéo e, em geral, em tudo quanto constitui o Jay out da moderna civilizago mecanizada. dos franceses Le Parc, Morellet, Yvaral, de Getulio, etc., muitas das quais foram projectadas para poderem ser executadas industrialmente mediante pro- cessos de fabricag&io em série. 35 TEORIA DA INFORMACAO E «CONSUMO» DO DESIGN INDUSTRIAL O recente desenvolvimento de algumas estéticas baseadas na teoria da informagao e por isso vinculadas a algumas normas tomadas de empréstimo da cibernética, permite-nos considerar o problema do design industrial também sob este ponto de vista. Com efeito, precisamente devido 4 sua natureza, que o volta para uma fruigéo imediata e estritamente ligada ao uso, e por isso submetida a um «consumo» prematuro, o objecto industrial presta-se, mais que nenhum outro, a ser estudado segundo as regras desta ultima teoria. O objecto industrial sera, pois, considerado igual a qualquer outra «mensagem» capaz de nos proporcionar um determinado coefi- ciente informativo. Como a teoria da informac&o se baseia essencial- mente no cflculo da «quantidade de informac&o» apresentada por uma dada mensagem, facil seré concluirmos que a propria infor- magcao sera tanto maior quanto maior for a imprevisibilidade do contetido dessa mensagem. Isto segundo as conhecidas investigagdes cibernéticas de Wiener, Shannon, Weaver e as subsequentes apli- 37 10. Rédio-transistor portdtil T4, Des, Dieter Rams, Prod. Max Braun, Francforte, 1959. O revestimento 6 de «polystyrol». cagGes destas a estética tentadas por A. Moles, Max Bense e outros ?. Nao poderemos ocupar-nos aqui da preciséo matematica desta teoria, limitando-nos a informar quem nao esteja ao corrente, de que a quantidade de informacao proporcionada por uma mensagem (e, por- tanto, também a oferecida por uma obra de arte ou por qualquer outro elemento comunicativo) segue leis andlogas as que regulam © principio termodinamico da entropia, grandeza interpretada j& em 1894 por Boltzmann como correspondendo a uma distribuicio de probabilidades. ‘A propésito da aplicac&o A estética da teoria da informacio e da cibernética, ver: A. Moles, Théorie de l'information et perception esthétique, Paris, Flammarion, 1958, e 0 meu livro Simbolo comunicazione consumo, Einaudi, Turim, 1962, onde se d4 conta, entre outras coisas, das investigagdes de Max Bense, Leonhard Mayer e outros sobre este assunto, 38 11. Televisor mod. «Doney». Des. Marco Za- nuso (col, Richard Sapper). Prod. Brion Vega, Milao, 1962. Este televisor, premiado com o «Compasso de Ouro» de 1962, apresenta uma disposigao dos érgéos internos que permite a sua integragao dentro de um espaco formado pela justaposigao de duas «valvas, sendo a respectiva jungdo visivel, pelo que se evita qualquer tentativa de o converter num elemento do mobiliario. 39 Uma vez que a informag&o proporcionada por uma dada men- sagem, por uma determinada comunicagio, depende da sua «origi- nalidade», facilmente se compreende que o grau de informagao dessa mensagem pode equivaler ao grau de surpresa que causa, & sua imprevisibilidade ou improbabilidade, o que leva a identificar a informacgéo com o oposto a entropia. Se agora aplicarmos estes principios ao caso do design industrial, seré facil deduzirmos que © inesperado da mensagem (oferecida pelo objecto industrial de novo tipo), a sua «novidadey, é fundamental para se obter um elevado grau de informagdo, ou seja, para apresentar aos olhos do consumidor.uma solicitagio muito forte a aquisicgéo. Quanto mais novo, mais insdlito, mais inédito for o objecto langado no mercado, tanto mais facil e intensa sera a sua procura; mais ainda, logo que a forma tenha perdido a sua «novidade» —e por isso o inesperado da mensagem —, quando se tiver «consumido» a sua qualidade comu- nicativa, também diminuiraé o seu valor néo s6 estético como, sobretudo, informativo. Na realidade, n&éo devemos identificar tout court o coeficiente estético com o coeficiente informativo, como alguns autores tém procurado fazer. Sera interessante observar, pelo contrario, que é precisamente pelo facto de o objecto industrial ser propositadamente criado para uma fruigio. (pratica e estética) imediata e estritamente vinculada ao seu uso que se consome mais rapidamente do que a obra de arte (pictérica, escultérica ou arqui- tecténica), cuja validade pode persistir mesmo depois de ter perdido o seu valor informativo. De facto, as obras de arte sao menos sensiveis ao desgaste e ao envelhecimento, embora, em contrapartida, Ihes nao baste, para serem validas, serem inesperadamente inovadoras. O que fica dito permite-nos compreender, uma vez mais, © motivo por que entram tao rapidamente em declinio os valores formais do objecto industrial, valores que, conforme veremos em seguida, dependem da «moda», mais que os valores das outras artes. E explica-nos, acima de tudo, até que ponto é erréneo querer submeter o objecto industrial aos mesmos cAnones estéticos que regulam a evoluc&o e a fruigio das outras obras de arte. Nenhum dos elementos que contribuem para criar a especial atmosfera de agrado ligada ao lento deteriorar-se das obras, como sejam a patina da 40 antiguidade, o aspecto de «rudeza»: de uma arquitectura antiga, pode entrar em jogo no momento de valorizag&o de uma obra indus- trial; a no ser que esta perca por completo as suas caracteristicas de «objecto funcionante e funcional» para se converter em fragmento, residuo ou reliquia de uma civilizag&o ultrapassada, assumindo entéo conotacgdes bem diversas daquelas para que foi criada e acabando por perder por completo a sua auténtica qualidade funcional. 4 7 VALOR EXPRESSIVO E SIMBOLICO DO OBJECTO INDUSTRIAL Tem-se afirmado frequentemente —em especial nas correntes estéticas mais recentes (Langer, Morris, Cassirer)— que a obra de arte deve ser considerada como «simbélica» de algo, concretamente, como «simbdlica do sentimento» humano. Nao*tenciono, porém, abordar nestas paginas uma quest&o tao dificil, Antes quereria —colocando-me num ponto de vista muito mais pratico do que te6rico—considerar a importancia do elemento simbélico que se encontra na propria base de grande parte dos objectos produzidos industrialmente. Trata-se de um tipo de simbolismo que poderiamos definir como «funcional»; de um simbolismo que se identifica, por conseguinte, com a funcionalidade do objecto. E tenha-se em mente, a este propésito, que no caso do design industrial teremos sempre de nos haver com um elemento que s6 em parte pertence ao dominio da arte propriamente dita; ou seja, com uma categoria de produtos I cuja razio de ser primordial é «funcionar» e chamar a atencéo do consumidor mediante as suas qualidades formais especificas. Se nos desviarmos desta. abordagem correremos sempre o risco de atribuir aos objectos em quest&o «valores» que na realidade Ihes nao competem, ou de nao podermos explicar algumas caracteristicas a3 ee 13: Méquina fotogréfica) Zoom &mm. Des. Industrial Design As- sociates, Téquio. Prod. Minolta Ca- mera Co., Osaka. A forma deste aparelho, como a de todas as ma- quinas fotograficas e objectos se- melhantes, esté condicionada pela presenca da objectiva que, nao obstante, deixa uma notavel liber- dade de inventiva ao designer. peculiares do sector de que nos ocupamos e que podem no ocorrer nas obras de arte, as quais nao sdo industrialmente produzidas com fins praticos e de mercado especificos. Por conseguinte, ao discorrer sobre o simbolismo do objecto industrial, tenho em vista referir-me a essa propriedade pela qual © objecto é levado, e mesmo destinado, desde a fase de projecto, a «significar a sua fungéo» de um modo perfeitamente evidente através da semantizacio de um elemento plastico capaz-de pér em relevo o género de figuratividade que de quando em quando serve para nos indicar a fung&o especifica do objecto. Quase todos os objectos industriais — desde o telefone até a curtain-wall, da esfe- rografica ao jacto—contém algumas qualidades formais que sim- bolizam a sua funcdo ou, se preferirmos, certos elementos «seman- ticos» aptos a tornd-los mais facilmente identificaveis. Quase sempre acontece a fungo ser acentuada e exaltada de tal modo que produz em quem dela desfruta a imediata sensagéo do fim para que o objecto foi criado. Porém, também acontece a fungiio ser exaltada e'acentuada (aerodinamismo do carro de corridas), enquanto ao mesmo tempo, se oculta e «mascara» a parte mais propriamente mecfnica do objecto (como sucede em quase todos os objectos com carrogaria ou caixa). A raz&io desta mascara ou disfarce est4 no facto de que a visio dos mecanismos (para nao falar das razdes de ordem pratica, higiénica, ou de defesa contra os agentes atmosféricos que possa haver) poderia por vezes revelar-se contraproducente rela- tivamente aos efeitos simbélico-psicolégicos de que acabamos de falar. Um pequeno motor como o do Fiat 500, situado na parte de tras, é decerto ainda menos «simbolizador» de velocidade ¢ poténcia do que a carrogaria que o contém. O mesmo se pode dizer da parte mecfnica de uma maquina de costura (por exemplo da «Singer», ou da «Necchi Supernova», ou da «Mirella»). Naturalmente, este simbolismo especffico da forma do objecto é susceptivel de intmeras alteragdes e modificagdes. Vejamos, a este respeito, alguns exemplos faceis: considere-se o caso do mével-radio nos alvores da sua difusio, quando o elemento musical ainda se revestia nas casas burguesas do aspecto do piano vertical ou de cauda: méveis estes enormes e incémodos, em muitos casos sobrecarregados de talha ¢ 45 de «bibelots» sempre cheios de pd, méveis que denunciavam, pelo seu volume e o seu aspecto externo, uma indiscutivel grandilo- quéncia. Pareceu indispensavel, precisamente por isso, nessa primeira fase da adopgiio do aparelho de radio para uso doméstico, revesti-lo igualmente de uma «fachada» pomposa e cheia de enfeites, que consistia frequentemente em colunas alternando com placas de cristal ou com um rebordo denteado, com pequenos merlées, por vezes imitados de algum caracteristico revival goticizante. Era pois evidente a vontade de impor, através da exaltag&o do cardcter 4ulico e ade estilo», a importancia de um objecto que devia ter as carac- teristicas de um «mével de saléo rico» e de um «instrumento moderno» (os botées, o quadrante luminoso, 0 «olho magico», etc.). O emprego desse estilo iria prolongar-se quase até ao final da Segunda Guerra Mundial, e é interessante observar, precisamente por volta do ano de 1944, o advento em Italia de um dos primeiros exemplares de aparelhos de radio modernos — o Phonola, dos irmaos Castiglioni— que, pela primeira vez, apresenta caracteristicas .com- pletamente diferentes: o abandono de toda a reminiscéncia do estilo renascentista ou goticizante, embora, em compensagao, adopte uma estrutura nova e mais adaptada aos tempos—a do telefone. Assim, assistimos a um novo tipo de simbolizagio: o radio assume a apa- réncia de telefone—um género de simbolizagio que devia visar satisfazer 0 gosto do publico, j4 ent&o bastante familiarizado com © telefone vulgar —, embora este, por outro lado, ainda nao fosse de um uso tio comum que tivesse descido ao nivel de objecto falho de qualquer atractivo. Para nao sairmos do exemplo do moével-radio, poderemos observar como, em anos mais recentes, esses objectos —ao difundirem-se e tornarem-se de dominio publico—tiveram de passar por uma ulterior «reducao» simultaneamente simbélica e técnica, diminuindo em tamanho e aparéncia até a situacio se inverter totalmente com o aparecimento da miniaturizagéo (fenémeno de que voltaremos a ocupar-nos mais adiante), que thes confere um novo fascinio, j4 nao pela exaltagéio da sua forma ou do seu volume, mas antes pela crescente redugaio deste. O que, além disso, facilitou o seu transporte, de modo que o aparelho se converte 46 15. Esquentador a gés. Des. Alberto Rosselli, Prod. SIM, Miléo. , 14, Maquina de filmar Leicina, eléctrica, para pelicula de 8mm. Prod, Leitz, Wetziar. 47 em objecto de uso pessoal, 4 semelhanca do que acontece com © relégio ou a esferografica. Nao € possivel deter-me a examinar cada um dos diversos aspectos simbélicos dos objectos mais importantes, que o leitor nao ter4 dificuldade, as mais das vezes, em identificar (embora nao possa deixar de mencionar a importancia da simbolizacao decorrente da cor: © branco, usado em frigorfficos e cozinhas; o vermelho, para carros de corrida; e assim por diante, consoante os fins). Porém, gostaria de lembrar ainda que é precisamente no elemento simbélico que se encontra quase sempre a causa primordial de uma tao frequente mudanga das formas, nado j4 por motivos funcionais e mecanicos, mas exactamente por razdes de funcionalidade simbélica- e expres- siva. E j& que mencionei a questo da instabilidade formal, muitas vezes aparentemente imotivada, bom sera deter-me a considerar um dos mais singulares e importantes elementos do design industrial, o do chamado «styling», ou seja, a estilizagio do objecto. 48 8 ASPECTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DO STYLING O vocabulo styling, que comecgou a fazer parte da linguagem corrente fora do seu pafs de grigem, os Estados Unidos, conserva contudo uma conotagao pejorativa, que imente poderé ser redimida. Com efeito, este eee imp6s-se na linguagem quotidiana ,, quando os Estados Unidos se viram obrigados a recorrer, por necessidade, aos sistemas. mais eficazmente capazes de chamar a atengio dos compradores. para os. -Drodutos_de um.mercado..em..crise. Entre os anos trinta e trinta e cinco surgiram assim, na América do Norte, poderosas organizacdes de especialistas (como as de Walter Dorwin Teague,.Raymond Loewy _¢.Henry..Dreyfuss) cuja tarefa principal consistia em estudar a melhor maneira de «tornar_desejéyeis» ou atraentes os produtos ja. gastos pelo.uso,, Dai que o verdadeiro significado da palavra possa ser interpretado como uma cosmética apropriada e cautelosa es produto, de tal maneira que Ihe confira um novo atractivo ¢ Ore el to, independen- temente_de_qualquer rrazio de ordem técnica e funcional ‘pro- # compreensivel que essa orientacio— sobretudo nos casos extremos a que a América do Norte chegou durante o periodo 7 49 { | | 16. Contentor para gaso- lina em pléstico. Des. Ro- berto Menghi, Prod. Pire Miléo. Foto Ballo, Milé compreendido entre as duas guerras — viesse a encontrar imediata- mente terriveis adversarios, em particular entre os que seguiam a tendéncia de ténica purista e funcionalista, a cabeca da_qual se encontrava a Bauhaus de Gropius. Consequentemente, durante muitos anos 0 _styling foi combatida por grande parte dos designers europeus_e€ por muitos criticos ¢ especialistas dos problemas do design. E, todavia, podem atribuir-se ao styling importantes trans- formagies no «estilo» de inameros objectos de uso comum que hoje, a muitos anos de distancia, ninguém consegue imaginar como eram: pense-se na passagem do estilo linear ¢ rectangular caracteristico do primeiro racionalismo (por exemplo, o das famosas poltronas de Rigt-_ veld ¢ ; primeiras aplicagSes de tubo de metal) ao estilo aerodina- mico € sinudso do ‘periodo dé 1930"a 1940. Dera-se uma evoluco do gosto exacta e quase inevitavel, gragas & intervencaio de uma série de «estilistasy que comegaram a aplicar as suas receitas formais sem CENTRO UNIVERSITARIO BELAS ARTES - Bh qualquer preocupagio pela menor das razdes técnicas. De resto, algo‘de semelhante se verificou, e continua a verificar-se, nos nossos dias, com o abandono dessas formas sinuosas e aerodinfmicas e a adopgio de novos perfis angulosos (como o do «Renault R-8», o do «Giulia Ti», 0 do «Fulviay, o do «Simca 1000»). Com efeito, muitos electrodomésticos, méveis de ago e outros objectos acusam esta tendéncia renovada para estruturas nfo j4 aerodinfmicas mas rectilineas que, no obstante, perderam a dureza e a rigidez da linha «racionalistay de outrora, para assumirem uma nova malea- bilidade acentuada por motivos claramente «ornamentais» (presenca de armagées e de «filets» de metal cromado, etc.), o que seria inconcebivel hé uma década atrés. Vem a propésito observar que, frequentemente, essas_ trans- formagbes_estilisticas_ vio _a_par_de_transformacSes, «simbélicas» anélogas; ou seja,’a_par_de. elementos .simbdlicos determinantes.na, acentuacio.da.fungo-de-um- dado, produto, Muitas vezes, consgante o valor dessa fung&o simbélica, também a linha construtiva muda, pelo que, no periodo. em que predominava o actodinamismo, este se alargou aos objectos que no-tinham qualquer motivo para serem considerados «dindmicos», enquanto hoje, em contrapartida, se veem perfis rectilineos e inteiramente falhos dessa qualidade dinamica em objectos destinados a um movimento Fapido (no «Simca 1000», no «Fiat 1300», etc.). Segundo alguns autores (Reyener Banham, Machine Aesthetics, in «The Arch. Rev.», 171, 1955), 0 styling pode- ria ser_considerado como uma forma de «arte popular»; ou seja, como uma espécie de subcategoria artistica cujo_valor est tdo-s6 aleat6rio,.embora seja de primeira necessidade como respo: as exi i las sas. Nao ha diivida de que ha muito de ‘ace! afittacado do citado critico inglés: torna-se desde j& Sbvio que o design industrial, especialmente nas produgées destinadas ao consumo das grandes massas e a uma ostentagSo simbélica acentuada, encerra um notdvel fascinio «mitagégico» idéntico ao que os mitos do vedetismo, do desporto e da ciéncia-ficcéo oferecem as massas, Todavia, nfo é de excluir—ainda que o proprio designer n&o tenha consciéncia disso—que surjam a reboque do styling de alguns produtos aparentemente apenas hedonisticos ¢ auto-publi- SI 47. Conta-minutos.em plastico, Des. Rodolfo Bonetto. Prod. Borletti-Veglia, Mitéo. Foto Ballo, Milao. Observe-se a engenhosa solugao da pega, que permite transportar 0 objecto e se integra no quadrante numerado, 0 reves- timento 6 em resina termopléstica moldada. citarios, algumas qualidades formais destinadas a receber desen- volvimentos ulteriores, inclusivamente no sentido de obras de autén- tica arte. Assim, © nosso veredicto acerca do styling néo € tio pessimista como 0 de muitos especialistas europeus (particularmente ingleses, como Paul Reilly), que se mostram absolutamente hostis ‘a essa orientacio do design industrial. De resto, pode constatar-se que o tipo de styling & americana foi chamado a abrir uma brecha também na Europa, enquanto a situagio econémico-social do nosso continente reclamou a sua aplicagdo. Nao faltam os exemplos desse aspecto do styling europeu. Basta-nos aludir aqui a0 conhecido caso da maquina Lexicon «Olivetti», redesenhada por Nizzoli e aplicada ao novo modelo da Diaspron que, embora piorando relativamente a primeira na linha construtiva (sem qualquer razio técnica para 52 isso), tornou mais apetecivel a sua aquisigéio, dada a renovacéo exterior do produto. E poderemos referir ainda’ um outro caso interessante, o da calculadora Underwood — produzida pela casa «Olivetti» segundo patente norte-americana —, que apresentava um mecanismo idéntico ao da calculadora produzida em Itélia embora Ihe acrescentasse a caixa americana, a qual, devido ao prestigio conferido pela marca estrangeira, poderia parecer mais desejavel. Gostaria de concluir este capitulo com a afirmagio de que © caso do styling nos deve deixar elucidados acerca da natureza equivoca do design industrial, que se caracteriza, precisamente, por constituir um elo entre o dominio da estética e o da produgio, a tal ponto que é impossfvel prescindir de um elemento publicitario e do engodo comercial mesmo nos casos em que talvez parega ser respeitado com mais rigor o imperativo tinico da fungéo ¢ da «forma 6éptima». 53 9 INTERFERENCIAS ENTRE STYLING E ORDEM SOCIAL Nao obstante, hé quem negue que o styling seja um factor ubiquo do design industrial, considerando-o exclusivamente ligado as nagdes (como os Estados Unidos) em que é mais forte a luta concorrencial entre as grandes sociedades Monopolistas, as quais, Precisamente para assegurarem o éxito entre o grande publico, se véem obrigadas a langar constantemente produtos novos ¢ dife- rentes. Segundo esses teorizadores do problema (entre os quais referirei Paul Reilly), nao se Pode na realidade falar de um styling Propriamente dito no caso de nagdes—como a URSS—em que nao existe a concorréncia tipica das nag6es capitalistas. Esta tese corresponde em parte a verdade: nao ha divida de que, precisamente onde séo_mais intensas a luta pela dominagao de um mercado -¢-a.concorréncia entre. as_indiistrias_privadas ou os grandes holdings monopolistas, € que os. produtos se tornam desejaveis. Todavia, bem vistas as coisas, quando uma nacio (mesmo que comunista desprovida de verdadeiras iniciativas Privadas) alcanca um deter- minado nivel econémico, uma certa capacidade de aquisicgao por Parte dos consumidores, 0 problema do styling volta a colocar-se © esse pais ver-se-4 obrigado a recorrer a ele por razdes totalmente andlogas as vigentes nos paises capitalistas. Pois, se assim nao fosse, 55 18. Relégio electromec&nico «Citra 5». Des. Gino e Nani Valle, John Myer, Michele Provinciali. Prod. Solari, Udine, 1958, Este relégio e os exemplos que se seguem constituem prova da amplitude de interprétagao que os meios técnicos tornaram possivel, sempre e quando sio empregues de tal modo que satisfagam os requisitos essenciais aquilo a que cada objecto se destina. tornar-se-ia muito dificil solicitar a aquisig&éo de novos artigos. ¢ modelos, se nao houvesse um elemento estético (de novidade e agrado) a potencia-los; até porque, embora néio existindo competicgao entre os produtores, esta nfo deixaria de surgir, como de facto surge, entre os diferentes consumidores, nas suas reciprocas com- peticdes individuais. Com efeito, a ansia de diferenciag&éo carac- teristica de todo o individuo humano, desde o estadio do selvagem co- berto de penas até ao do burgués bem perfumado ou ao do proletario mecanizado, nunca desaparecera por completo. Dificilmente podera ser extirpado da humanidade, mesmo que socialmente evoluida, o facto de recorrer a objectos «diferentes» que nem todos possuem ou que de algum modo apresentam tais particularidades que o seu pro- 56 prietério adquire essa invejével superioridade que s6 © insélito, © novo e o inédito podem outorgar. De resto, uma contraprova desta necessidade de diferenciagéo e de individualizagio pode ser observada nos mass media, em que se torna evidente a dupla caracteristica da estandardizagio dos meios aliada A sua individualizagao, assim sendo determinada por ~. parte, do piiblico a constante procura de. um produto «individua- lizado», e nao s6 novo. O. facto de. alguns trusts monopolistas serem levados a langar no mercado imimeros produtos idénticos ou quase, mas de aspecto externo, embalagem e denominacao ‘dife- rentes, e dé todos eles serem igualmente publicitados, demonstra que até para os produtos de consumo mais elementar (detergentes, dentifricos, cosméticos...) se torna necess4ria uma constante dife- renciagao. 10 STYLING E MODA Procurei definir 0 Conceito de styling e relevar OS seus aspectos Positivos e negativos. Esse factor, sem dtivida Primordial na deter- minag&o do elemento formal do objecto industrial, deve ser integrado, Por outro lado, no mais vasto Principio que Tegula o fenémeno da «moda» — fendmeno que, na sociedade humana, nfo é s6 de hoje. actualmente a ideia de que a moda é um «epifenémeno» em relagio ao estilo tem a aceitacZo quase geral; ou seja, que'é a presenga, em determinado periodo historico, de algumas formas expressivas nao estritamente vinculadas @ necessidades de cardcter &tico e social (como pode acontecer com os grandes estilos), mas tio-s6 depen- dentes de uma efémera_necessidade de mudanga, quase sempre de cariz hedonista,/ Por outro lado, nio se- pode ignorar o facto de que é precisamente Pelo continuo alternar das modas que tem origem um estilo propriamente dito, de tal modo que € oportuno considerar @ moda como uma. sub-espécie — menos Profundamente estruturada — dessa Gestaltung especifica que € capaz de determinar as mutacées € variagdes indispensaveis a organizaco de alguns elementos esti- listicos dentro de uma dada cultura, No Que se refere ao design 59 industrial, néo ha divida de que o objecto de uso esta sujeito como nenhum outro @ rapidez do consumo e da obsolescéncia e, por isso mesmo, exposto a uma constante instabilidade formal. Essa instabilidade acarretaré consigo transformagdes nas formas dos objectos, as quais poderao ser interpretadas como totalmente gratuitas ¢ afinal atribuidas, sem qualquer espécie de divida, a um fenomeno de «moda». Sobre 0 conceito especifico de «moda» e sobre a sua intervengio no design industrial teve lugar ha alguns anos uma «jornada da estética industrial», em que participaram numerosos representantes do design industrial de diversos paises europeus*. Entre as muitas propostas feitas nessa reunidéo, uma das mais suges- tivas foi a do holandés L. C. Kalff, que propés uma diviséo dos produtos consoante a predominancia neles de uma forma funcional, derivada da natureza técnica do objecto, ou de uma forma «deco- rativay, decorrente da sua.natureza afectiva. Partindo desta premissa, o autor da proposta distinguiu entre os objectos que sao langados no comércio e aqueles que nfo s&éo postos @ venda por implicarem uma. utilizagéo que normalmente se nio destina a cada individuo particular (como torres para cabos de alta tensio, fardis e postes de iluminagdo para as ruas, comboios, avides, etc.). Esta categoria de objectos «supra-individuais» € regida por uma razio de ser predominantemente’ funcional, extensiva também a outros objectos destinados ao piblico mas desprovidos de implicagdes «afectivas» especfficas (como tacos de golfe, ventiladores, radiadores, etc.). Desta segunda categoria passa-se progressivamente aquelas em que pre- valece cada vez mais o elemento afectivo-decorativo (frigorificos, utensilios de cozinha, aspiradores, automéveis), até se chegar aos artigos em que o caracter funcional € jnteiramente secund4rio em relagio ad afectivo (artigos de toucador e de vestudrio, vidros, artigos de viagem, etc.). + Cf. o artigo «L’Esthétique Industrielle & la foire de Paris», in Esthé- tique Industrielle, n.2 28, 1957, onde igualmente se dé conta das intervengdes de Delevoy, Paul Reilly, Otto Haupt, J. Viénot € Gillo Dorfles. 60 19. Relégio de mesa, Des. Dave Chapman, Goldsmith @ Yamasaki. Prod. Jefferson Electric Co., Bellwood, E.U.A. Exemplo ambiguo do «styling» norte-americano. 61 E evidente que a auséncia de qualquer concorréncia individual (como acontece, por exemplo, com os objectos destinados ao consumo «nacional» ou colectivo) implica o desaparecimento ou a redugao do fenémeno da moda e que, em contrapartida, o apare- cimento deste é exacerbado e agudizado quando se trata de objectos de uso pessoal. A disting&o proposta por Kalff é talvez excessiva- mente rigida ¢ as suas classificagdes demasiado sistematicas, mas correspondem a quanto j& tivemos ocasido de observar a propésito da rapidez com que envelhecem os produtos destinados 4 «grande série», em comparacao com outros destinados a um consumo «supra- eindividual» *. 20. Relégio eléctrico «Secticom C1. Des. Angelo Mangiarotti. Prod. Le Porte-Echappement Universe! S. A., La Chaux-de-Fonds, 1961. Foto Casati, Miléo. € © quarto relégio da série «Secticon», estudada dando particular ateng&o a legibilidade e novidade do mostrador, a facilidade do seu trans- porte e a eliminag&o de todos os botdes exteriores assim como & facilidade de abertura da caixa. + Nogées muito semelhantes a estas poderdo ser encontradas num artigo de Werner Graeff, «Uber Formgebung», Rat fiir Formgebung, Darmstadt, 1960 (6rgio do design industrial na Alemanha Federal). 62 i O CONCEITO DE «FORA DE SERIE» O fenémeno da moda esta intimamente ligado ao do objecto «fora de série», do qual Pierluigi Spadolini' deu uma anilise pers- Picaz e que, sem diivida, se inclui no de styling, de que acabamos de falar. O fendmeno de «fora de série» seria em certo sentido, segundo Spadolini, o oposto ao da moda: assim como a moda constitui um «conformar-se» com alguns ditames’do gosto, do mesmo modo o «fora de série» constitui um «nao conformismo» em relacao ao gosto geralmente aceite. Na realidade, as coisas passam-se de outro modo: o fora de série (isto é, o facto de se querer distinguir do préximo mediante a adopgaio-de um objecto — automével, moto- cicleta, lancha-automével — inusitado, ou pelo menos que s6 muito Poucos, a elite, possuem) nao significa um nao conformismo, mas * Cf. fasciculos do curso «Progetazzione artistica per industrie», de Pierluigi Spadolini, Editrice Universitaria, Florenca, 1960, que constam de uma parte histérica e de outra tedrica-técnica, ¢ que trazem em apéndice alguns textos importantes sobre o design industrial, sendo dignos de especial menc&o os relativos as intervengdes e comunicagdes do Congresso Internacional de Design Industrial, que teve lugar na X Trienal de Mildo, da autoria de Argan, Paci, Wachsmann, Teague, Max Bill, Paul Reilly, G. Dorfles ¢ outros. 21. Cadeira Tugendhat. Des. Mies van der Rohe, 1930. Menos célebre que @ quase contem- poranea «Barcelona», esta ca- deira revela uma das primeiras ; tentativas de aplicagéo do tubo metélico curvo. 22. Cadeira reclindvel. Prod. Prisunic, Paris, 1962. antes uma acentuagio ainda mais exaltada do conformismo das massas—ou seja, o que, por outras palavras, se poderia definir como um «conformismo do anti-conformismo». Com efeito, o objecto «fora de série» n@o embate contra o tipico «estilo» do momento, mas segunda-o ¢ acentua-o. A carrocaria de Pininfarina, de Bertone, de Ghia nao passa de um género que leva até as suas iltimas consequéncias a «linha» considerada «na moda» € a torna mais maledvel e eficaz mediante o emprego de materiais e acabamentos de melhor qualidade. Neste sentido, cabe também afirmar que o «fora de série» constitui o Ultimo capitulo de uma determinada moda (quando nao constitui o seu primeiro passo, © que acontece mais raramente). Um género de «fora de série» muito especifico, que em parte esté fora do Ambito deste estudo e se integra no da anialise dos costumes, € a disposicfo, que frequentemente se manifesta em determinados ambientes e individuos, para adoptar modelos (de auto- méveis, de objectos de uso corrente, de pecas de vestudrio) notoria- mente antiquados, pertencentes a épocas anteriores e j4 «passados de moda» (nao s6 por razGes técnicas, mas também estéticas) e que, em contrapartida, podem ser escolhidos unicamente por motivos «afec- tivos», por snobismo ou por diferenciagao social +. * A propésito da moda, € interessante recordar também o que George Nelson afirma (Problems of Design, Nova Iorque, 1957, p. 48): «Fashion is an expression of people’s habit of getting tired of things, and it constantly obsoletes things, long before they are worn out. In a society so subject to fundamental change as our own (...) fashions change swiftly. The essential characteristic of fashion is that it is cyclical, and it therefore has little to do with obsolescence of a basic kind. The newly old is always unfashionable, but let enough time pass and the old seems new again». Como se sabe, € frequente aconteeer que, enquanto os objectos e os hébitos «dos pais» so considerados antiquados e de mau gosto, os «dos netos» sfio adoptados e revalorizados na opinifio dos consumidores; por isso, € oportuno estabelecer uma distincdo entre «moda» e obsolescéncia (desgaste devido a uma verdadeira superacio de um dado técnico e formal). Enquanto o envelhecimento devido a moda pode ser transitério e nao esté vinculado senéo a uma razfio extrinseca e formalista, em contrapartida, . 65 Este exemplo — que nada tem a ver com o «fora de série» nem com o styling —é, todavia, um dos aspectos sociais por exce- léncia, de que quase sempre depende o design industrial e que, consequentemente, tanto o produtor como o designer devem ter em conta, ‘a obsolescéncia propriamente dita deve ser considerada como provocada por algum factor de auténtico melhoramento técnico ou estético do produto. Naturalmente, € muito dificil distinguir claramente ambos os conceitos, sendo por isso, frequentemente, apenas uma questio de moda e nio de «estilo» propriamente dito 0 que conduz a uma transformacio formal e aquilo que vimos denominar-se com 0 termo de styling. 66 12 OS EQUIVOCOS RELATIVOS A «PEQUENA SERIE» Um dos equivocos em que mais frequentemente se incorre a propésito da disting&o entre «grande série» e «pequena série» consiste em equiparar 0 conceito de pequena série ao de «série artesanal», portanto na tendéncia para identificar os dois tipos de produgiio, como se se pretendesse encontrar um elo que unisse o produto industrial e o produto artesanal dentro da categoria Particular de «pequena série». Na realidade, as coisas néo se passam assim. Pelo termo «pequena série» devemos entender dois aspectos claramente diferenciados de um mesmo fenémeno: por um lado, poderemos falar de pequena série e té-la-emos, com efeito, quando as exigéncias especificas de um produto industrial levarem a reali- zacio de 6bjectos destinados a uma seriaco limitadissima (mesmo que o seu método produtivo caiba plenamente na praxis do design industrial). E esse o caso, por exemplo, dos jet (dos grandes avides a reaccio e também, em geral, dos navios, dos submarinos, das locomotoras, das turbinas, etc.), nos quais seria inconcebivel fazer uma série que ultrapassasse umas quantas dezenas, ou ainda (como no caso dos navios, das grandes calculadoras electrénicas, etc.) algumas unidades. Este tipo de pequena série apresenta, além disso —como ja tive ocasiéo de acentuar — caracterjsticas muito peculia- 67 res, que se devern ao facto de a procura desses objectos raras vezes poder ser individual, pois é quase sempre asupra-individual», nacio- nal, pelo que acaba por s¢ subtrair aos imperativos da solicitagéo do «gosto» individual. Visto que se trata de uma procura supra-individual, o elemento do styling s6 entraré parcialmente em jogo aquando da fase de projecto desses objectos, ao contrério do que acontece aos destinados a grande série e ao consumo de massa. Porém, ha um segundo tipo de «pequena sérien cujas caracteristicas sdo diametralmente opostas e de importancia um tanto restrita. Trata-se de alguns objectos «de excepgaion, as mais das vezes produtos de alta moda, utensilios e moveis de luxo, objectos decorativos para a casa (cinzei- ros, bandejas, candeeiros, aldrabas, moveis «assinados»), nos quais a exiguidade da procura ¢ a escassez da oferta vao a par do elevado prego e do particular requinte do artigo. Trata-se, na realidade, de um género de produg&o que podemos considerar «éticay € social- mente reprovavel, uma vez que desfruta das condigdes de iterabi- Jidade do objecto industrialmente produzido mas limita a sua oferta € a sua producao, mais do que por qualquer outro motivo, devido a uma eficacia comercial previamente calculada. De qualquer modo, nao pretendo pronunciar-me a respeito da oportunidade de tao artificiosa limitagio da produgéo em série (que, de resto, se tornaré provavelmente ineficaz com o decorrer dos anos, sucumbindo ao mesmo tempo que as actuais estruturas econémico-sociais). O que me interessa acentuar aqui € que esses objectos devem ser remetidos para o campo do design industrial e como tal possuirem os mesmos requisitos dos produzidos em grande série. Fica por resolver a questo de se este principio que acabamos de expor nado poderé ¢ deveré inspirar um tipo particular de pro- dug&o industrial, de alta qualidade e gosto refinado, que poderia de algum modo e com todo o cuidado vir a substituir, pelo menos em parte, alguns sectores da produgio em tempos da competéncia da actividade artesanal. S86 neste sentido poderemos equiparar este tipo de «pequena sériey & pequena série artesanal, se bem que mantendo uma distingéo bem explicita entre as duas categorias de produtos. 68 23. Cadeira de baloigo modelo «Sgarsul». Des, Gae Aulenti. Prod. Poltro- nova, Agliana (Pistoia), 1961. Foto Mari, Miléo. Exemplo bastante signi- ficative das novas possibilidades de modulagéo da madeira curva num produto fabricado em série, = —_E-— 69 13 VALOR PUBLICITARIO E AUTO-PUBLICITARIO DO OBJECTO INDUSTRIAL No caso do design industrial, temos o exemplo tipico de uma forma artistica (ou para-artistica) que procura, simultaneamente, fazer publicidade de si prépria no produto e do produto em si prépria. Por outras palavras, se podemos considerar Que todas as artes (comegando pela arquitectura) contém em si um elemento de auto- -publicidade (aquilo que Ihes confere a maxima visibilidade, perfec- tibilidade e fruibilidade), devemos admitir que no design industrial ha, para além deste aspecto auto-publicitario, um outro — que fre- quentemente temos observado — de «simbolismo representativo», ou seja, um elemento simbélico que visa pér em relevo as caracteris- ticas apropriadas para tornar apetecivel para 0 consumidor o objecto em questao. Esta afirmagao nao pretende diminuir o valor estético do design industrial: € altura de se aceitar o facto publicitario (especialmente no caso da publicidade visual) como algo que de certo modo faz parte do vasto mecanismo comunicativo em que a arte esté incluida. Seria estulto nfo querer reconhecer a crescente importancia, nos nossos dias, do fendmeno publicitério, o qual constitui um dos meios de informacdo mais vastos e divulgados de que o homem 1 dispde na actualidade. Porém, ao contrario das «artes puras», a publicidade tem como objectivo chamar a atengio do ptiblico para © produto, o nome ou a razdo social que procura divulgar e, para © conseguir, néo pode de modo algum prescindir de um coeficiente altamente informativo, o qual est4 mais exposto a um rapido desgaste do que o coeficiente estético. Como ja observei (capitulo 6), uma mensagem oferece o mé- ximo de informacg%o quando, devido ao seu cardcter imprevisivel, nos proporciona a méxima surpresa. Quanto mais vezes essa men- sagem se repetir, tanto mais se perder a sua eficddia. Por conse- guinte, a informagio seré minima no momento em que o signe publicitério tiver perdido o seu cardcter de inesperado, uma vea que com o aumento do processo entrépico diminui o seu grau informativo. E essa a razio por que, no caso do design industrial, é realmente indispensvel que a forma do objecto mude frequen- temente e passe por um processo de renovacao (por alguns identi- ficado com o processo do styling), devido precisamente a coexisténcia de um coeficiente publicitario (e auto-publicitério) na natureza do objecto industrialmente produzido, sobretudo quando esse objecto tem um fim utilitério ¢ deve submeter-se as leis da oferta e da procura de um mercado (e, mais ainda, se esse ‘mercado é «livre» e nao controlado). we w 14 ORIGINALIDADE, UNIVERSALIDADE E PLAGIO Como corolério légico do problema do styling, seria oportuno considerar a import&ncia da originalidade de cada produto de design em separado, e perguntarmo-nos se é admissivel, e até que ponto, o plégio, entendendo este nfo tanto como «roubo» propriamente dito de uma descoberta técnica, mas como imitac&o bastante fiel de um determinado «estilo» formal. O tema da originalidade do design e da sua generalizagio numa determinada época cultural foi amplamente estudado no ultimo Congresso de Design Industrial, que teve lugar em Téquio * (1960). tendo a maior parte dos congressistas ali reunidos sustentado a tese de que a progressiva generalizacéo do gosto e das formas no mundo € precisamente uma consequéncia do progresso dos diversos meios de comunicagao. » Cf. a publicaco das actas do Congreso WODECO (World Design Conference) de Téquio, 1960, onde se d4 conta das intervengdes ¢ comunicacées dos congressistas, entre as quais assinalaremos, pela sua importancia, as de Herbert Bayer, Kamekura, Minoru Yamasaki, Erik Herlow, Kurokawa, Maldo- nado, Smithson ¢ outros. B 24, Modelo seccionado de uma poltrona, para mostrar as suas diferentes partes. A concavidade do assento, em polystyroby, consta de diversas cama- das, segundo as diferentes seccées, devido as particulares caracteristicas do material empregue, que nao requer outros mate: de reforgo. 4 Outros, pelo contrario, procuraram defender, pelo menos em parte, a oportunidade de conceber a presenga de um design auté- nomo, de caracteres sendo regionais, pelo menos nacionais. & evi- dente que alguns objectos de desenho realmente conseguido e carac- terizado devem ser considerados como vinculados, nem que seja na sua fase inicial, a uma origem nacional precisa. (Todos conhecem alguns famosos méveis escandinavos, principalmente dinamarqueses e finlandeses, certas ceramicas japonesas e suecas, alguns «metais» ( também suecos ou alemaes e assim por diante.) Pela nossa parte, estamos dispostos a reconhecer a importancia destas caracteristicas nacionais, ainda que sejamos a favor de uma progressiva eliminagado das barreiras entre as nagdes e de uma relativa atenuacao destes tracos distintivos nacionais, e portanto de uma universalizagéo da produgio. 25, Modeto,em gesso da poltrona de wpolystyroty da p. 74. Des. Angelo Man. gierotti. Realizaczo do modeto, Bepl Fiori. Prod. Amedeo Cassina, Meda, 1963. 15 aE Se o problema da afirmacio da progressiva universalidade do produto é, em definitivo, facilméente resoltivel, mais complicado sera o problema colocado pela sua originalidade. Dissemos por varias vezes que no objecto industrial o elemento de anovidade», de «inesperabilidade e, por isso mesmo, de originalidade, € fundamental, precisamente devido ao rapido consumo para que esse objecto esté yoltado e pelo que contém de efémero. Por outro lado, também vimos os perigos que a busca do novo a todo o custo encerra, fenémeno esse que se reveste dos aspectos de uma excessiva estili- zacio, frequentemente desnecessaria. Por fim, devemos declarar-nos adversos a uma excessiva originalidade, sendo talvez de admitir que se torne mais conveniente e aconselhével manter uma certa proporgaio de «plagion de algumas formas mais conseguidas e fun- cionais. Esta afirmagio nao devera causar estranheza: toda a arte, mesmo a do passado mais remoto, surgiu mais da imitag&o de outras artes do que da inspiragdo directa a partir do mundo exterior (e isto até no caso de obras figurativas que aparentemente eram repre- sentacées naturalistas). Por isso € Jégico que também na actualidade acontega algo de semelhante no sector do design industrial, tanto mais se se tiver em conta a enorme quantidade de objectos que constantemente sio langados pela indistria, Umar excessiva proli- feragio de formas novas ¢ adesnecessarias» no poderia resultar sendio no esgotamento das capacidades da imaginagao ou na dimi- nuigo dessa proporcéo de funcionalidade que provavelmente devera estar na base do préprio produto. Assim se vé, pois, até que ponto cabe admitir a existéncia do plagio, questao que foi recentemente tratada no Congresso Inter- nacional de Design Industrial, que teve Jugar em Paris em 1963. No que respeita ao problema da originalidade e, por con- seguinte, também ao da «novidade» da forma, gostaria de referir aqui outra importante observacéo de Spadolini sobre a diferenga substancial que convém estabelecer entre o que poderfamos definir como «objecto cabeca de sériey de uma determinada série e o que nao passa de mera adaptagio ‘de uma forma duvidosa preexistente. Nao 6 dificil dar um exemplo disso: se considerarmos 0 caso do. automével, constataremos que os primeiros que se fabricaram 76 Pe (como 0 famoso modelo «Ford T. 1909», ¢ ainda antes o célebre Benz «Dos a Dos», de 1899) nao passavam de uma adaptagtio das velhas carrogas e dos landés oitocentistas ao uso automobilistico, de tal modo que a sua forma resultava espiiria, e que sé na sequéncia de sucessivas modificagdes e segundo um processo de aperfeigoa- mento bastante lento se conseguiu chegar 4 forma actual «adequada». Em contrapartida, se considerarmos um objecto concebido desde. a sua origem para o uso-a que est4 destinado e que em tempos passados nunca teve nada de semelhante, por exemplo, © caso da maquina de costura ou da m4quina de escrever, veremos que a «correccfo» do seu design, a sua eficacia ¢ originalidade so tais que permanecem imutdveis durante muito tempo, ao ponto de dificilmente serem substituiveis. Neste caso, acaba pois por ser muito mais ébvio o plagio e menos condendvel a imitacao. 15 IMPORTANCIA DO FACTOR TECNOLOGICO Depois de me ter detido, talvez demasiado, a examinar os problemas do styling e da originalidade inventiva, gostaria de subli- nhar agora a importancia do factor tecnologico na determinacgio da forma, do aspecto exterior e ainda do funcionamento do objecto, factor fundamental para a boa compreensio da rfossa argumentagio. Frequentemente, o processo de fabricacio leva a modificar subs- tancialmente a forma e determina nao s6 importantes transfor- magées funcionais, como também modificagdes formais decisivas. Nao posso deixar de citar a este propésito um exemplo proporcionado por um especialista italo-argentino, o engenheiro Pablo Tedeschi ', relativo as modificagdes realizadas em alguns objectos construfdos pelo proce$so de soldadura eléctrica ou oxi-acetilénica, em substi- tuigdo do anteriormente utilizado, a fusio. No caso de inimeros ob- jéctos mecAnicos (maquinas-ferramentas, redutores de velocidade, etc.) obtém-se, pelo processo da soldadura, a unido de partes de chapa e de ago (conhecidas pelo nome inglés de weldments), assim se * Ver Pablo Tedeschi, La genesis de las formas y el disefio industrial, Editorial Universitaria, Buenos Aires, 1962. substituindo objectos andlogos anteriormente tratados pela fusio. Porém, enquanto pelo método da fus&éo se obtém uma maior liber- dade de formas, com o arredondamento dos Angulos e a curvatura sinuosa do invélucro, pelo outro processo, em contrapartida, o aspecto exterior do mecanismo parecer& mais anguloso, precisamente porque no permite a mesma plasticidade formal da fusdo, pelo que as juntas de soldadura apresentam perfis marcados, o que confere ao objecto um aspecto totalmente diferente e «novo». O processo de fuséo requer maiores espessuras, ao mesmo tempo que dispensa o reforco das nervuras, como acontece quando se soldam os elementos; e todos estes factores aliados contribuirao para determinar a forma do produto, que desde logo correspondera, também no aspecto estético, aos processos de manufactura adoptados 26. Tachos de ir ao lume. Des. Alan Swale. Prod. Empire Porcelain, Co., Stoke-on-Trent, 1963. Foto Council of Industrial Design, Londres, 380 27. Servigo de mesa em porcelana «Schonwald» 498. Des. Heinrich Loffel- hardt. Prod. Schonwald, Estugarda, 1962. Foto Moegle, Estugarda. para cada caso. Na realidade, vigora sempre o principio de nao «atraigoar» o préprio medium expressivo e, por isso mesmo, de nado adoptar, quando se segue um método de manufactura diferente, expressdes formais exigidas por outro método anterior e talvez até oposto. Poder-se-ia dar muitos exemplos semelhantes. Assim, cabe recordar a transformagao que o factor técnico trouxe 4 manufactura de alguns produtos tipicos, como a cerdmica, os vidros, os objectos de madeira (na sequéncia da adopgéo do material prensado, do prensado e curvo, de que tanto se serviram, e tao habilmente, um Alvar Aalto ou um Tapio Wirkkala), de aluminio anodizado (hoje muito empregue nas janelas e portas das habitagdes e em muitos elementos prefabricados), dos diversos materiais plasticos — os quais tornaram possivel uma estruturacao inteiramente distinta dos objec- tos caseiros, dos méveis, dos utensilios (precisamente pela possibili- dade de se obter elementos fundidos e prensados num bloco tinico) — da fusao parcial aplicada ao ago (que deu vida a toda uma série de electrodomésticos e de aparelhos de escritério) e assim por diante, quase até ao infinito... Talvez o sector de mobilidrio, mais do que nenhum outro, reflicta as profundas transformagdes decorrentes do factor tecnolégico. Ainda que — como é sabide — o sistema arte- sanal esteja longe de ter sido superado na produgéo do mével, contudo ja existe uma ampla gama de méveis totalmente indus- trializados e até produzidos em grande série. Entre eles contam-se os caracteristicos méveis metdlicos de escritério (por exemplo, os méveis recentemente produzidos pela casa «Olivetti» segundo projec- tos dos BBPR), as cadeiras e poltronas fabricadas com tubo de aco e materiais plasticos,. tao utilizadas nos cafés,. nos bares e nas reparticdes -publicas, Se a primeira utilizag&o do tubo de aco deve remontar (como veremos no apéndice histérico) 4 famosa poltrona de Breuer (1925) e as que se Ihe seguiram desenhadas por Le Cor- busier e¢ por Mies (a famosa «Barcelona» deste ultimo [1929] continua a ser produzida nos nossos dias, se bem que em série reduzida), a lista dos méveis que se sucederam a esses. primeiros exemplares é€ infinita e decerto transfigurou completamente um determinado sector do mobiliério. E é realmente interessante seguir 82 as sucessivas fases desta produc&io, que revolucionaram as formas e estruturas do mével: pense-se — para nos limitarmos a cadeira— na substancial diferenga existente entre a cldssica cadeira de madeira e essa outra feita com tubo de madeira que Thonet desenhou, ¢ nas que se lhe seguiram, de tubo metélico, até chegarmos as mais recentes, feitas de materiais plasticos, prensados e curvos, com caneluras, inteiramente realizadas por médulos, de que h4 o inte- Tessante exemplo de uma recentissima poltrona projectada e realizada por Mangiarotti. 83 16 VANTAGENS E INCONVENIENTES DO TRABALHO DE EQUIPA O trabalho de equipa (team-work) & outro dos factores que contribui para diferenciar o design industrial das demais formas Produtivas e sobretudo criativas que o precederam. Se € possivel conceber um objecto de artesanato criado por um s6 individuo, € impossivel, em contrapartida, conceber um objecto industrial que nao resulte de uma complexa convergéncia de miltiplas actividades, entre as quais o elemento primordial do Projecto apenas aparece como uma das etapas, mesmo que seja a mais importante e delicada. Com efeito, j4 o aparecimento do objecto prevé sempre a procura concreta do industrial ¢ exclui a invengio auténoma e incontrolada, Precisamente devido & necessidade de que os elementos técnicos, econémicos e mecdnicos, além dos estéticos, convirjam na mesma produgio, E verdade que nio faltam autores que tendem a considerar como «auténtico» o esbogo s6 por si, 0 projecto grafico, ou o primeiro modelo manual da autoria do designer, julgando todas as fases subsequentes como nfo necessariamente vinculadas ao momento da invengéo. Porém € evidente que, mesmo admitindo a «pureza» 85 deste «momento criativo» do design, permaneceré o facto irrefutavel de que sé uma vez ultimada a fabricag&o, se podera conceber como existente ¢ efectivamente operante o objecto em causa e que, por isso, deveremos referir-nos sempre, indiscutivelmente, a objectos j& existentes ¢ em condicées de funcionar. Assim, o designer actua sempre em ordem a programar o produto do ponto de vista da industria. N&o obstante, desejaria aludir ao facto de que— pelo menos sob o ponto de vista experimental — existe toda uma gama de designs que nao passam do estédio de esbogo ou de simples exercitagio, embora possam servir para determinar, num segundo momento, a realizagéo dos protétipos propriamente ditos de uma série. Como tal podem ser consideradas muitas das experiéncias realizadas para estudo nas escolas de design e cujo valor, ainda que s6 formal, nao deve ser ignorado. ‘Vejamos, em contrapartida, como se desenvolve o trabalho no seio da industria actual. Ainda que muitos defendam a tese de que o trabalho do projectista deve estar liberto de toda a ingeréncia e imposigéo por parte de quem o incumbe da tarefa, facil € compreender que isso nao é possivel. Mesmo nos casos mais favoraveis, em que o gosto pessoal do designer nao é coarc- tado pelo do produtor, aquele devera considerar-se sempre vin- culado tanto ao gosto do publico a que se destina o seu produto, como as exigéncias econémicas a que tenha de se submeter. & por estas duas razGes que se torna necessdrio trabalhar em equipa, para que 0 designer possa contar com toda uma série de individuos que se encontram em contacto directo com o sector produtivo e com © sector técnico e cientifico. A necessidade de um trabalho de equipa— que de certo modo também foi comprovada no campo da arquitectura—é bastante mais especifica no caso do objecto industrial: frequentemente, determinado produto requer conheci- mentos técnicos muito particulares (materiais pldsticos, ligas de metais leves, etc.) e somente a colaboracio com os técnicos de cada um desses sectores permitiré o projectista nfo incorrer em graves erros no momento de levar 4 pratica construtiva as suas «intuigdes» plasticas e formais. Além disso, torna-se cada vez mais indis- pens4vel a presenga na equipa de trabalho de especialistas em 86 técnicas de mercado, em pesquisa motivacional e em ergonémica (doutrina sobre as relagdes entre a maquina e o homem), assim como em outros métodos de investigagao concebidos para estudar as possibilidades de absorcio do produto e as provaveis tendéncias do gosto —especialmente quando se trata de objectos de grande difusio. 87 17 SONDAGEM DE MERCADO E SISTEMAS DE VENDA Nenhum outro produto artfstico esté t&éo submetido, como © industrialmente produzido, as férreas leis que regem o mercado 6 a que é destinado, pelo que toda a anilise estética deve ser acom- : panhada de uma investigag&o econémica e de mercado. Nio é este o lugar adequado para discutir a oportunidade e atendibilidade das investigagdes que devem ser empreendidas e em cuja base est%o os conhecidos sistemas estatisticos e numéricos de sondagem da opiniio publica (do tipo Gallup ou Doxa), nem a preferéncia a conceder aos inquéritos baseados nas amostragens populacionais ou nas entrevistas individuais orientadas directa e pessoalmente por habeis inquiridores especializados. O que aqui cabe é precisar a importancia do proprio principio de que essas andlises devem ser concomitantes com o projecto e a produg&o do produto, partindo da base de que se pode dar fé as respostas do publico e pressupondo que este tenha suficiente consciéncia dos melhores requisitos de um determinado produto do qual nao tenha tido conhecimento anterior- mente ou que apenas conheca superficialmente. A sondagem de mercado alarga-se cada vez mais, ao mesmo tempo que se véo adoptando as convenientes prdticas publicitarias -——directamente proporcionais as pesquisas motivacionais e sobre gests 89 Pog preferéncias do ptiblico—, sendo um dado de facto que a maior parte das vezes as campanhas publicitarias baseadas em dados assim obtidos revelam ser eficazes para a venda do produto, ainda que nos deixem na incerteza a respeito da auténtica «validade» do aspecto formal e estético conferido ao objecto com base nessas indagacoes. Ao considerar a sondagem de mercado, uma das primeiras condigdes que se deve ter em conta & se o produto em questio se destina a uma série pequena, a uma série média ou a uma grande série (como, por exemplo, quando se trata de maquinas de costura, de maquinas de café «expresso» ou de calculadoras electrénicas) ¢, além disso, se a «grandeza» da série depende do facto de a procura ser ainda restrita por razdes de ordem. econdmica e devido a uma escassa difuséo e popularizagio do produto (méveis assinados, televisores para fins escolares), ou por este pertencer a essas categorias «supra-individuais» a que j4 nos referimos, 0 que s6 permite a sua divulgacéo numa quantidade muito limitada. No primeiro dos casos sera possivel, e por isso util e desejavel, procurar uma mais ampla difusio do produto, ao passo que, no segundo caso, qualquer pressio sobre o consumidor sera inutil e de escasso proveito, dada a peculiaridade e raridade do uso e a impos- sibilidade de o alargar (electro-encefalégrafo, telesc6pio, etc.). Desta distingéo também dependeré, evidentemente, a oportunidade de uma maior ou menor preocupagaio pelo aspecto externo do objecto ¢ © cuidado pela sua excepcionalidade formal, uma vez que, no caso de um objecto que deva ser fabricado numa série limitadissima € se destine ao consumo supra-individual, a sua aparéncia exterior 86 de modo muito secundério influiré na venda. No outro caso, pelo contraério—o do objecto destinado ao consumo massivo — a aparéncia externa tera, como temos observado frequentemente, uma influéncia directa sobre a venda, em concorréncia com pro- dutos analogos presentes no mercado. Chegados a este ponto, entra imediatamente em jogo a «concorréncia», que influi directamente sobre um produto ser mais ou menos vendavel. Neste aspecto, conviré ter em conta alguns factores, como o meio ou meios de distribuig¢éo do objecto (através de filiais, agéncias especializadas nas diferentes marcas, revendedores, cadeias de supermercados, etc.) 90 Seat | 28. Jarras de vidro soprado. Des. Sven Palmquist. Prod. Orrefors. € © sistema econémico vigente nos paises produtor e consumidor. Muitos investigadores, sendo de opiniio que o fenémeno do styling Prevalece incontestavelmente nos paises de economia capitalista, como os Estados Unidos, mais do que nos de economia socialista, consideraram que nestes ultimos o fenémeno da concorréncia podia ser relegado para segundo plano. Porém, também aqui hi que distinguir entre dois tipos de concorréncia: pura e monopolista. Actualmente, a primeira est4 limitada a raras Areas bastante cir- cunscritas (ao passo que era dominante ainda no periodo da primeira industrializagio, no século XVIII); quanto a segunda, difundiu-se Por todos os paises de elevado nivel industrial em que o elemento Concorrencial serve para diferenciar o produto com base nas suas efectivas caracterfsticas técnicas, econémicas e simbélicas. Esse gé- nero de concorréncia baseia-se essencialmente na Ppossibilidade, por 1 parte de um sistema industrial, de obter 0 monopélio de determinado produto em detrimento de. outros produtos inferiores em qualidade e menos apeteciveis. De resto, é um erro julgar-se que esse tipo de concorréncia monopolista n@o possa dar-se nos pafses. socialistas, apenas pelo facto de a produgao ter passado para as miios do Estado. Efectivamente, também neste tipo de sistema econémico existe concorréncia entre os produtos, se bem que provavelmente de forma menos agudizada. E, além do mais, é inverosimil poder-se chegar a um ponto de equilfbrio entre a procura e a oferta se se prescindir do mébil psicolégico.criado precisamente pelo aspecto exterior do produto, mesmo quando esse aspecto lhe tiver sido conferido para satisfazer, j& nfo um complexo monopolista privado, mas antes um complexe monopolista estatal. i 18 DESIGN INDUSTRIAL: E «MASS MEDIA» Surge neste ponto uma questo que se prende, nfo s6 com © design industrial, mas em geral com todos os aspectos mais recentes da arte planificada e mecanizada, ou seja, com todas as formas artisticas e para-artisticas tornadas possiveis exclusivamente em consequéncia da intervencgéo da maquina” e da mecanizacaio propria da era industrial. Pense-se, para apresentar apenas alguns exemplos, no caso da misica reproduzida em discos ou faixas e transmitida pela televisio ¢ a radio, na prosa, no teatro que, através destes mesmos canais, ttm uma difuséio e uma difusibilidade que nunca antes puderam alcangar; e considerem-se ainda outros casos de formas pseudo-artisticas (como bandas desenhadas, as fotonovelas, etc.), que atingem tiragens noutros tempos inconcebiveis. Acontece hoje a escala universal o que s6 muito limitadamente se verificara gragas & invengfio de Gutenberg, e que talvez tenha consequéncias ideolé- gicas e estéticas que superem em muito as originadas pela invencio da imprensa. - ‘As obras destinadas a este novo tipo de «funcéo de massa» devem responder necessariamente a alguns requisitos de gosto ¢ de nivel artistico que as tornem idéneas para serem desfrutadas, 93 eee tec eee cece cee ee ec 29. Servigo de cristal de xerez. Des, F, Meydam. Prod. Koninklijke Nederlandsche Glasfabrick, Lee: dam, 1957, compreendidas e apreciadas por todos; devem, pois, prescindir do sofisticado e do excepcional. Trata-se de um dado de facto reco- nhecido Por quase todos os estudiosos dos problemas ligados aos mass media*, 0 qual leva a conclusio de que cada vez mais se * Um dos melhores documentos sobre os problemas relativos aos fenédmenos de massa e sobre os mass media 6 a antologia de Bernard Rosenberg e David Manning White, Mass Culture, The Free Press, Nova Iorque, 1957. Ver também a este respeito o livro de Edgard Morin, L’Esprit du temps, Grasset, Paris, 1962, 94 impde um género de arte, senfio decididamente lowbrow (de nivel inferior), pelo menos middle brow (de nivel médio); uma arte, com efeito, que satisfaz a sensibilidade média, 0 gosto médio e j& nao é exclusivamente destinada as elites. Esta realidade adquire uma importancia estético-social relevante coloca problemas de ordem ética que néo podem ser menosprezados. Efectivamente, se estamos dispostos a acordar numa provavel estan- dardizacio e numa certa nivelag&o do gosto (no campo musical, 30. Recipientes com tampa e pegas de madeira de teca. Des. Jens Quistgaard. Prod. Dansk Designs, Copenhague. As cagarolas sio de cobre esmaltado Por dentro. 31. Candeeiro de mesa «Palladen. Des. Sergio Asti e Sergio Favre. Prod. ‘Adrasteia, Miléo, 1962, Foto Mari, Miléo. O globo, em vidro opalino, 6 de produgéo em série e encontra-se facilmente no mercado, mas neste caso foi aplicado sobre uma base metalica. teatral, narrativo...) em consequéncia do advento dos mass media, devemos observar, por outro lado, que precisamente gragas a esses meios se torna possivel «introduzir subrepticiamente» em ambientes que sempre tinham estado fechados a elas, formas artisticas desti- nadas a elites e que assim acabam por ser admitidas, toleradas e finalmente amadas também pelas «massas», assim como compreen- didas por elas, Com efeito, o que distingue as elites (culturais, entenda-se, niio econémicas, uma vez que estas ultimas est&o fre- quentemente ainda mais distanciadas dos estratos médios da popu- lag&o) das classes populares é to-s6 a auséncia nestas de uma certa educagio artistica. Por isso, gragas aos mass media poderemos alcangar uma educacéo do gosto popular que doutro modo seria inconcebivel, o mesmo podendo ser conseguido—no que res- peita ao aspecto visual—no caso do design industrial. De facto, n&o raro um objecto realmente bem desenhado ganha a aceitacio 96 e predileccio de todos devido as suas qualidades estéticas in- trinsecas, tendo sido até demonstrado que populagdes ainda nado «viciadas» pelo uso de objectos industriais de design inferior acei- taram com mais compreenséo 0 «good design» do que populagées consideradas como «mais civilizadas». Vem a propésito referir, a este respeito, como — sob um ponto de vista antropolégico — se p6de comprovar um fenémeno bastante instrutivo acerca da difuséo desses objectos entre populagdes menos cultas ou completamente subdesenvolvidas. Nalguns casos, a precoce introdugfio de certos mecanismos industriais tipicos (maquinas de costura) em determinadas 4reas de civilizagéo atrasada (Africa Central) condicionou a tal ponto o gosto das populagSes que levou a que estas apenas aceitassem esse tipo de maquina antiquada a que se tinham acostumado e rejeitassem os novos modelos redesenhados e¢ estilizados por os considerarem amenos belos» — ou, diriamos nés, menos simbolicamente eficazes — do que o antigo. (E sabido que algumas firmas, como a Necchi, se viram obrigadas a manter em vigéncia velhos modelos precisa- mente para satisfazer a respectiva procura nessas dreas subdesen- volvidas.) Noutros casos aconteceu o oposto, ou seja, a introdugaio 32, Candeeiro de tecto. Des e prod. Staff & Schwarz GMBH Leuchtenwerk, Lippe, 1961. O reflector é de metal negro e o vidro opalescente. 7 97 33. Candeeiro-retlector. Des, Achille e Piergiacomo Castiglioni. Prod. Flos, Ponte Marlengo (Merano}, 1963. Base em metal envernizado e pé em metal cromado, regulaével. A alimentagéo da lampada provém de um transformador universal fixado, a vista, na base, e que constitui ao mesmo tempo um contra-peso estabilizador. A relacdo entre a fragilidade do p6, muito longo, e o aspecto macico da base, que nao é visivel aqui, constitui um interessante elemento de contraste. de objectos conhecidos ou que nunca tinham sido ‘possuidos em determinadas zonas (por exemplo, o televisor no sul de It4lia) levou a que parte da populacao, que nunca tinha sido condicionada pela existéncia de determinado modelo antiquado, preferisse de longe os objectos de melhor design e esteticamente mais inovadores. Como estes dois exemplos demonstram, a difuséo de objectos industriais em zonas de populac&o atrasada ou em estado selvagem coloca problemas de grande interesse estético-antropolégico, que deveraio ser considerados num futuro préximo. O que venho dizendo contradiz, porém, uma opiniao bastante divulgada e de que eu proprio partilho: através da industrializacio dos meios de comunicag&o expressivos e da arte em geral, é o 34. Talheres de ago inoxidével. Des, David Mellor, Prod. Walker & Hall, Sheftield, 1960. Foto Council of Industrial Design, Londres. Esta foto e as seguintes mostram a variedade e ao mesmo tempo a ja conseguida estandardizagéo das formas dos talheres em todos os paises. Também aqui & vélido © que diziamos acerca do «plagion e da inevitével homogeneizagao de um produto téo divulgado. 35. Conjunto para grelhados. Des. Dana Pajnic. Prod. Pasarstvo Pirnat, Liubliana, 1959. kitsch (a «nao-arte»), e néo a arte, que se torna ubiquo e triunfante. Todavia, se é certo que dar como alimento as populagées as bandas desenhadas e as fotonovelas significa condicionar essas populagdes de modo a apreciarem este género de produtos artisticos, também © contrario € possivel; ou seja, é a nés que cabe, precisamente, fornecer através dos canais de comunicagéo de massa objectos de bom gosto, pressupondo que é nosso desejo alcangar-se uma efectiva educag&o artistica da populagao. Efectivamente, se hoje em dia a cultura de massa peca por falta de diferenciagéo fruitiva, n@o obstante o produto destinado * 0 problema do kitsch é analisado no meu livro Le oscillazioni del gusto, Lerici, Miléo, 1958, e também no meu artigo «Kitsch e cultura», in Aut Aut, nim. 73, 1963. Veja-se também — para uma interpretacio te6rica do kitsch — 0 livro de Ludwig Giese, Phinomenologie des Kitsches, Rothe Ve 36. Aquecedor de carne. Des. Harman-Powell. Prod. Ekco Plastics, Ltd., Essex. Foto C. G. Stanford. 37. Maquina de barbear com bateria, modelo «Milward Couriery. Des. Kenneth Grange. Prod. Henry Milward & Sons, Redditch, 1962. Foto John Maltby, Londres, Revestimento de melamina, estojo de resina semi- transparente. 101 € essa mesma fruic&o despersonalizada e niveladora requer, para ser aceite, alguma diferenciacao, a qual determina,.por parte do publico, a incessante procura dos produtos «individualizadosy e «novos». E certo que o gosto das massas s6 até certo ponto podera ser individualizado, pois é impossivel o produtor impor-um produto que nao seja aceite por muitos, o que impediria a sua vasta Produc&o em série. Todavia, 0 efeito despersonalizante da producaio de massa ser4 certamente menos grave quando se tratar de objectos de uso comum, como séo a maior parte dos que se devem ao design industrial (relégios, frigorificos), do que quando se trata de musica ou de literatura a base de «resumos» e de séries ilustradas. Eis porque sera talvez através de um melhoramento — mesmo que despersonalizante—do objecto de uso comum que se podera esperar alcangar um progressivo avango no gosto mesmo relativa- mente as obras de arte propriamente ditas, nas quais a despersona- lizagio € mais perigosa. 102 19 TENTATIVA DE CLASSIFICACAO DO DESIGN INDUSTRIAL, Chegados a este ponto da nossa dissertacéo, parece oportuno procurar classificar os diversos objectos produzidos industrialmente e cujas caracteristicas sao tais, que permitem a sua inclusao no sector de que estamos a tratar. Na realidade, uma classificagdo destas é um tanto dificil, além de que me parete discutivel a sua importancia, uma vez que s6 levaria a uma mondtona enumera¢aio dos objectos. Assim, dado o caracter mais estético do que técnico deste volume, parece-me inutil insistir em fazer uma andlise minu- ciosa dos materiais nele examinados, andlise que pouco valor teria se ndo se fizesse acompanhar de um estudo profundo desses mesmos materiais sob um ponto de vista quimico, organoléctico, fisico, estrutural, etc. Porque, conforme ja fiz notar.antes, uma coisa € 0 estudo cientifico e técnico dos sistemas de elaboracéo e produgao de qualquer categoria de objectos (estudo que ‘obviamente pertence ao, campo da técnica industrial e administrativa) e outra coisa, muito { diferente, é examinar as constantes estéticas e metodolégicas que presidem ao desenvolvimento do design industrial. E decerto que ' nado podem. ser da competéncia deste exame os pormenores cienti- ficos sobre a constituigao fisica e mecdnica dos objectos em questo. 103 _ Por esse motivo, nio podemos hoje considerar positiva ¢ efi- ciente uma catalogacéo dos objectos do design industrial como a que Herbert Read levou a cabo. Este estudioso inglés, numa obra de sua autoria merecedora dos maiores elogios, partia de princfpios um tanto antiquados que levavam a identificar, ou pelo menos a assimilar, 0 objecto de arte- sanato € 0 objecto industrial, pela simples razio de que muitas vezes eram feitos das mesmas matérias-primas (ceramica, madeira, vidro, metal...). Trata-se de uma posig&o que, como tenho afirmado por varias vezes, ja nao podemos aceitar. Pela mesma razio, também deixou de ser valida a classificago dos objectos de acordo com os materiais usados, quer pela frequente mistura dos mesmos, quer pela extrema complexidade da sua manufactura, de tal modo que os dados (sobre a sua constituig&o fisica, sobre a criacg&o de ligas metlicas, sobre a diferente composigéo das massas ceramicas, a preparacdo do vidro, etc.) proporcionados por Read seriam total- mente inadequados para quem, baseando-se neles, pretendesse ater-se a um projecto pratico e 4 valoragao dos diversos objectos; ao passo que, por outro lado, essa classificagéio mais nao faria do que sobrecarregar a presente dissertagéo com dados pseudo-cientificos totalmente irrelevantes para a delimitag&o estéttco-metodolégica do problema que estamos a examinar. Naturalmente, sera de impor- tancia primordial, hoje como ontem, ter em conta o material espe- cifico de que o objecto é construido, a fim de valorizar as suas qualidades quer técnicas quer estéticas, precisamente devido 4 neces- sidade, que nunca é demais acentuar, de que a forma se alie a natureza do material, condigéo primeira de toda a funcionalidade construtiva. E por isso sera ainda possivel proceder a uma divisio dos objectos-de acordo com o material de que sdo construidos (como, por exemplo, a classificago vigente no Arquivo de Darmstadt), embora deva ficar bem claro que essa classificagio — utilissima do ponto de vista pratico e organizativo — s6 poderd oferecer-nos esclarecimentos muito limitados sobre a validade estética do objecto em questo. Daf que prefira recorrer a outros tipos de catalogacio que respondam melhor as relagGes entre a fungio e a forma, relacdes tipicas de todo o sector do design industrial. 104 Uma das subdivisées possiveis sera, por exemplo, a que tiver em conta a presenca ou auséncia no objecto de uma secgéo mecnica que dele faca parte integrante. Ou seja, teremos, por um lado, uma categoria de objectos criados mecanicamente mas desprovidos de mecanismo; enquanto, por outro, deveremos considerar a notével gama de objectos em que a forma externa corresponderé uma «forma interna» derivada da presenca de uma parte mecdnica, A este segundo grupo pertencem numerosos objectos de uso corrente nos nossos dias, do relégio 4 m4quina de barbear eléctrica, do automével a maquina de ura, do transistor ao radiogramofone, do motor ao fervedor eléctrico ou ao esquentador a gés. Enquanto a primeira categoria de objectos deveré apresentar uma forma que corresponda aos seus requisitos especificos (tanto funcionais como estéticos), sem ter em conta outras exigéncias, a segunda categoria, em con- trapartida, dever& responder a exigéncias que também incluam a delicada presenca do mecanismo, o qual dever4 ser integrado, pro- 38. Bomba de gasolina. poe Mar- cello Nizzoli_y Olivie AGIP, San Donato Milanese. totes. Sbjecroe, assim como as estagdes de ser- vigo, etc., tém vindo a adquirir uma importancia cada vez maior no pano- rama urbano. 105 tegido e, conforme os casos, evidenciado ou disfargado (também isto em relag&io nfo sé com razées praticas mas também, como vimos, estético-simbélicas). Sem sairmos dos limites desta segunda categoria, poderemos fazer ainda outra distingdo, conforme o objecto pertenga ou nao @ familia dos objectos com «chassis», ou seja, consoante a sua parte mecdnica estiver intimamente integrada no objecto ou apenas for acrescentada ou associada a ele; e, sobretudo, consoante a forma externa, enquanto tal, tenha uma relagéo mais ou menos estreita com a estrutura do mecanismo. Esta constitui uma das mais importantes determinagées da forma do objecto, pois é sabido que muitos objectos providos de mecanismos est&éo revestidos de «car- cacas» metalicas ou de materiais plasticos que os ocultam e servem quer para a sua proteccéio, quer para a proteccio do homem (maqui- nas de escrever e de costura, calculadoras, etc.). Também nao é preciso dizer que a carrogaria dever «casar-sey da melhor maneira possivel com o elemento mecanico, integrando os seus diversos elementos sem desperdicio de espago, de material, de peso, etc. Naturalmente que é vasto o leque interpretativo a respeito do ele- mento «chassis»: basta ter em conta o carro de corridas, em que a analogia entre a forma do motor e o aspecto exterior do veiculo quase nfo existe, pois neste caso o invdlucro devera corresponder nao s6 aos requisitos de «coberturay do motor, mas também aos de «habitabilidade» para o piloto, de eficicia simbélica do veiculo e outros, Além desta classificagdo poderemos evocar aqui uma outra, a que ja aludimos a propésito das relagdes entre o design e a moda, a saber, a concebida e proposta pelo engenheiro holandés Kalff. Esta baseia-se na maior ou menor qualidade «individualistay do produto, ou seja, no facto de se destinar a uma fruigdo estritamente individual (que tera sobretudo em conta o factor estético-ornamental) ou a uma de tipo «supra-individual», que atenderé predominante- mente ao factor funcional-pratico. Entre os primeiros objectos inclui Kalff os que n&o «se encontram no mercado», que nado podem ser de aquisicéo publica (como torres de alta tensio, comboios, postes de iluminagao publica, marcos de correio); e entre os segundos, todos os objectos que podem ser vendidos no comércio e que se 106 fa.) aoa Benz «Dos & ». Prod. Daimler Benz, A.G., Stuttgart Unterturkheim, 1899. Este célebre automével denota ainda o «empréstimo» da forma propria das antigas car- rogas, sendo por isso absurdo do ponto de vista semantico. Nada indica nele a nova ca- racteristica da mobilidade au- ténoma. ¢ diferenciam por gradagées subtis, conforme prevaleca neles o aspecto funcional (ventiladores, radiadores, artigos desportivos, tacos de golfe, fuzis, etc.) ou, pelo contrario, o aspecto afectivo e personalista (como nos relégios, na ceramica e nos objectos de uso doméstico e, ainda mais, nas pegas de «toilette» e de vestudrio, que em geral so feitas industrialmente e nao por processos artesanais). Segundo Kalff, objectos puramente funcionais (e n&o «pessoais») como um projéctil, um foguete, uma plataforma para avides, etc., nao podem estar submetidos a influéncia da estética industrial e, por isso mesmo, devem ser absolutamente excluidos do nosso Ambito de estudo. Na minha opiniéo, mesmo no caso de uma procura supra- -individual, ha também um coeficiente estético, mesmo que subor- dinado ao estritamente tecnicomecanico. Em definitivo, resumindo os aspectos positivos das diferentes catalogages e sem querer conferir qualquer valor axiomatico as que propusemos e enumerémos, julgo poder definir da seguinte maneira as principais categorias de objectos que podem ser consideradas como fazendo parte integrante da grande familia do design industrial: 1) Objectos de uso individual (com a presenga de um meca- nismo interior ou sem ela) de acentuada funcionalidade, pouco sujeitos a moda ¢ ao consumo: grande parte dos electrodomésticos, dos instrumentos de preciséo, dos microsc6pios, dos éculos de grande Spr 107 alcance, dos telefones, dos gira-discos, dos altifalantes, das maquinas de escrever e de costura, dos aparelhos sanitarios... 2) Objectos de uso individual, sujeitos a modificagées perid- dicas do gosto, ligados & moda, que apresentam requisites de funcio- nalidade limitada e estéo submetidos a um rdpido consumo: objectos de uso pessoal e de vestuario, canetas, lapiseiras, cinzeiros, objectos de decoragio, alguns méveis de série, automdveis, motocicletas, lanchas-automéveis, etc., candeeiros e outros elementos de decoragao e, em geral, utensilios caseiros (ceramica, vidraria, talheres vul- gares...) que se fabricam em série. 3) Objectos destinados a um uso «supra-individual», submeti- dos a alteragdes do gosto pouco significativas, ndo ligados 4 moda, que respondem a requisitos de absoluta funcionalidade e dependem de um género de consumo exclusivamente tecnolégico e nado estético: avides, submarinos, navios, comboios, turbinas, serpentinas de des- tilagio, mAquinas-ferramentas, elementos de equipamento urbano (marcos de correio, postes de iluminac&o, candeeiros de iluminagdo publica, etc.). 4) Objectos «inuteis», construidos na base de um projecto de tipo industrial tipicamente em série mas sem qualquer fim «pré- tico», que fazem parte da chamada arte programada. (Que eu saiba, esta ultima categoria nao havia sido incluida até agora em nenhum estudo relativo ao design industrial, embora o merega, pelos desen- volvimentos que no futuro podera apresentar.) 5) Alguns sectores mais destacados da «arquitectura indus- trializada»: juntas, articulagées, curtain-walls, remates e outras partes dos edificios prefabricados; ctipulas geodésicas de Buckminster- -Fuller, articulagdes dos elementos modulares de Wachsmann, etc., considerando além disso que esses elementos séo muito diferentes dos da arquitectura propriamente dita. renee 20 VALORES E LIMITES DA ACCAO DO DESIGNER AO PROJECTAR Nao € descabido repetir aqui que o designer nao deve ser considerado apenas como um «desenhador», no sentido que esta palavra pode ter comummente, ou seja, como um individuo dotado de especial talento e pericia para o desenho: Precisamente na intencdo de demarcar a nogéo de design (contraposto ao inglés drawing, que € 0 esbogo artistico, que nada tem a ver com 0 objecto), deveremos considerar o designer como um projectista do objecto que ha-de ser produzido industrialmente e também como um pla- neador desse processo produtivo. Com efeito, antes de se dedicar a projectar e desenhar determinado objecto, devera ter precisado a sua tarefa de criador do mesmo no Ambito da operacio produtiva no seu todo. Um dos seus primeiros objectivos sera, por conseguinte, rea- grupar sinteticamente os dados resultantes das informagées que lhe sio fornecidas pelos diferentes especialistas, técnicos, estatisticos peritos do mercado e das técnicas operativas, de tal modo que possa extrair as conclusdes que Ihe permitam individuar o tipo de produto que deve projectar. Eis porque é impossivel que um designer chegue a possuir as nogées técnicas e cientificas necessarias 109 See eee ae eee eee Para projectar qualquer produto, mesmo que se tenha especializado num determinado ramo da industria. Em contrapartida, é natural que, valendo-se das informagées obtidas dos técnicos e especialistas, Possa projectar objectos apesar de nao ter penetrado totalmente nos seus requisitos cientificos. Assim se justifica também o facto de no nosso estudo—como na maior Parte dos que se ocupam do problema—se passar por alto toda a complexa matéria das bases cientificas de cada produto manufacturado, precisamente por- que um conhecimento superficial das mesmas seria insuficiente Para nos permitir a investigacéo, ao passo que, contando com os dados fornecidos pelos especialistas, sera possivel orientar da melhor maneira, no momento oportuno, o Projecto de cada objecto. Efectivamente, ao designer industrial cabe uma tarefa bastante mais complexa e importante do que «estilizary uma determinada forma, ou seja, revestir de superficies apropriadas e novas um mecanismo cujas caracteristicas vitais ele ignora. Na_ realidade, © designer, por estar a par das sondagens relativas as exigéncias 40. Volkswagen Limousine, Prod, Volkswagenswerk, Wolfsburg, 1938. Cons- titui uma das poucas tent is sérias de superar as formas antiquadas ayptivneey & perteicéo técnica, em detrimento do coeficiente estético lo objecto, 110

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