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AS PERSPECTIVAS DO EIXO SUDESTE

José Luís Neves e Washington F. Mathias


Introdução
A importância do Eixo Sudeste (formado pelos estados de São Paulo, Rio de
Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo) é inegável no contexto nacional. A grandeza e o
gênero das oportunidades de negócios que essa região oferecerá ao longo das próximas
décadas vão depender das formas que os agentes econômicos e políticos escolherem para
enfrentar os desafios do crescimento sustentado e equilibrado, sob condições de integração
comercial e produtiva com uma economia globalizada.

O caminho que este Eixo vai seguir nas próximas décadas pode ser em parte
inferido pelo exame conjunto de certos traços de sua estrutura (econômica, institucional e
social) e das tendências visíveis no ambiente que poderão influenciar o espaço de manobra
para ações de desenvolvimento; em outras palavras, existem hoje boas pistas sobre o
contexto que encontraremos nos próximos anos e de alternativas possíveis quanto à
trajetória a seguir.

O Eixo Sudeste tem uma importância ímpar no contexto nacional e deverá continuar
a participar decisivamente na formação do PIB do País. Sua indústria abarca a maioria dos
setores e possui elevada competitividade, sendo referência de excelência global em boa
parte deles. Além disso, a região caracteriza-se como centro financeiro e de serviços
consolidado, e sua malha de transportes e de telecomunicações é o ponto de convergência
de grande parte da produção nacional destinada ao mercado externo. Possui o maior setor
de serviços do Brasil e se encontra em vigoroso processo de reestruturação de sua estrutura
produtiva; desta reestruturação faz parte a correção das distorções ambientais, de tráfego e
de sistemas de comunicação, havendo grandes chances de que venha a reverter o
desemprego estrutural por meio da adoção de políticas de desconcentração urbana.

1 – O Contexto Econômico

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Com pouco mais de 10% do território brasileiro e mais de 62 milhões de habitantes 1,
o Sudeste conta com grande e avançado parque industrial, grau de urbanização elevado e
crescente, alta densidade viária e portos e aeroportos de grande movimento, assim como
algumas das principais universidades e centros de pesquisa do país. Coloca-se como o mais
expressivo centro produtor em serviços que requerem alta tecnologia, e concentra a maior
parcela da população e da riqueza do país; conta com desenvolvida estrutura de
telecomunicações e de transportes, sendo que por esta passa boa parte da produção nacional
destinada ao mercado exterior.

A região dispõe de uma indústria diversificada e de elevada competitividade, sendo


referência em muitos de seus setores. Possui um parque financeiro e de serviços avançado,
além de conter alguns dos segmentos mais dinâmicos da atividade industrial. Dispõe ainda
de uma estrutura agro-industrial capaz de garantir boa parte do abastecimento interno e
também de exportar, cabendo referir a presença de recursos naturais e estrutura de serviços
que se prestam para o turismo.

Um dos fenômenos que tem influenciado a região -- e deverá continuar a fazê-lo --


é a necessidade de exposição de numerosos segmentos produtivos à competição
globalizada, a qual obriga a aprimorar a capacidade competitiva das empresas no que diz
respeito a tecnologia, capacidade de gerenciamento e de formulação de estratégias. Essa
necessidade influencia também empresas menos voltadas para o mercado externo, ao criar
novos padrões de referência no que diz respeito a produtividade, encorajar o surgimento de
novas tecnologias e possibilitar oportunidades de ação conjunta que de outra forma não
existiriam; estimula a cooperação entre empresas e induz a ações associativas para a
promoção de iniciativas de interesse comum com custos compartilhados.

A competitividade das grandes empresas nacionais presentes no Eixo Sudeste


mantém um padrão elevado, estando elas hoje aptas a competir tanto no mercado nacional
quanto no internacional. Tanto empresas nacionais quanto internacionais, produtoras de

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Projeções indicam que a região deverá conter cerca de 37% da população brasileira daqui a duas décadas.

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bens industriais e serviços, vêm incrementando sua capacidade local de inovação e
competem com sucesso nos mercados do País, sul-americano e mundial.

No setor industrial, o papel das empresas estrangeiras sediadas na região mostra


integração crescente à estratégia nacional de aumentar a participação de produtos
industrializados nas exportações brasileiras. Observa-se tendência de fortalecimento da
capacidade de inovação das empresas brasileiras, como decorrência da maior interação
entre elas e as empresas estrangeiras.

Na área de agroindústria, observa-se o desenvolvimento de uma agricultura


moderna com elevados índices de produtividade e de alto valor agregado, uma vez que se
mostra capaz de se valer da infra-estrutura educacional e de Ciência & Tecnologia existente
nos Estados do Eixo Sudeste.

O segmento de turismo vem mostrando evolução considerável, tendo sua maior


expressão no Rio de Janeiro (preponderantemente turismo de lazer), e em São Paulo
(especialmente no turismo de negócios, suportado por uma extensa e sofisticada malha de
serviços correlatos).

Para atender a demanda regional de serviços mais complexos e de maior valor


agregado, o setor de serviços, principalmente o de informação, tem adquirido o status de
uma das atividades econômicas mais relevantes da região, consolidando-se como referência
nacional e (em alguns casos) internacional.

2 – Serviços, Informação e Conhecimento

A composição do PIB do Eixo Sudeste tem se alterado no sentido de maior


representatividade da Economia do Conhecimento, assim como maior participação do setor
de serviços e de segmentos vinculados a maior complexidade tecnológica. Esse movimento
é favorecido pela robustez e diversificação da economia, pelo grau de avanço de sua
Ciência e Tecnologia, pela existência de infra-estrutura educacional e de pesquisa
desenvolvida e pelo capital humano disponível.

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Outra característica da região é um forte crescimento, ao longo das últimas duas
décadas, dos setores mais sofisticados de serviços de apoio à indústria, fortemente baseados
em geração de conhecimento e informação. Este crescimento é sustentado pela evolução da
tecnologia, baseada na ampliação dos investimentos em C&T e no aporte de capitais de
risco para dinamizar a inovação.

O espaço compreendido pelo Eixo Sudeste exerce importante papel de difusor de


tecnologia, informação e conhecimento para as demais regiões do País, como conseqüência
de um setor produtivo consolidado e variado, tecnologicamente adiantado e instituições
desenvolvidas de educação, treinamento e P & D. Sob tais condições, muitas empresas com
sedes locais passaram a atuar em redes por todo o Brasil e na América do Sul.

Tem-se verificado na região uma crescente proximidade entre empresas e


instituições locais prestigiadas nos campos da educação, ciência e tecnologia
(universidades, centros de pesquisa e treinamento), com efeitos significativos sobre a
capacitação técnica e gerencial de recursos humanos. Tal proximidade favorece a geração
de conhecimento voltado para a busca de soluções e a descoberta de meios de agregação de
valor para os produtos das empresas da região, favorecendo o desenvolvimento dos arranjos
produtivos -- especialmente aqueles de alto conteúdo tecnológico, que dependem de força
de trabalho qualificada e especializada, de nível médio e superior.

As atividades de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação possuem grande relevância


para o aumento da competitividade da região, principalmente no auxílio ao
desenvolvimento de tecnologias que agregam valor aos produtos e serviços no cenário
internacional, e ao mesmo tempo em que promovem a evolução do agronegócio, da
indústria e do turismo regional.

Ao longo dos últimos anos, vem sendo facilitado o acesso da população às redes de
informação e bases de conhecimento e de serviços públicos, com implicações favoráveis
sobre o grau de qualificação da força de trabalho e de valorização do capital humano.

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A educação superior e tecnológica tem mostrado evolução expressiva, consolidando
a região como centro de referência em inúmeras modalidades e especialidades, e como
centro gerador e difusor de conhecimento para todo o País e para os países vizinhos.

3 – Meio ambiente e aspectos sociais

O desenvolvimento do Sudeste depende da correção de significativos problemas


ambientais, de tráfego e de sistemas de comunicação, além de reversão do nível de
desemprego estrutural por meio da adoção de políticas de desconcentração urbana. No que
diz respeito ao meio ambiente, tem-se verificado aumento da consciência preservacionista
da população em geral e do setor produtivo, a demandar ações amplas de vigilância e
controle para eliminação de riscos ambientais e investimentos em saneamento. Ainda
quanto ao ambiente, cabe referir a receptividade ao desenvolvimento de técnicas para
tratamento de produtos orgânicos e a valorização desses produtos pelos consumidores.

Da mesma forma, tem crescido a atenção para o emprego de métodos eficientes de


despoluição de rios e tratamento adequado de lixo urbano e industrial. A racionalização e a
eliminação de desperdícios de recursos naturais vêm sendo objeto de regulamentação ativa,
com reflexos sobre a capacidade de preservação e fortalecimento de áreas de conservação.
Como resultado, áreas antes devastadas pelo emprego de métodos não-racionais de manejo
agrícola se transformam em sistemas produtivos auto-sustentáveis; observa-se consciência
da importância de adotar iniciativas como coleta seletiva de lixo e implementação de
sistemas de reciclagem, além de tecnologias industriais limpas.

A mecanização da agropecuária tem liberado grandes contingentes de mão-de-obra,


que se deslocaram para cidades nem sempre preparados para os receber, o que tem
contribuído para a formação e o crescimento de favelas e cortiços. Um dos desafios deste
Eixo é o de lidar com as disparidades associadas a essa dinâmica demográfica, tornando

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necessária uma vigorosa política de desconcentração urbana que possibilite o
fortalecimento de cidades médias e pequenas.

Quando postas em prática, tais políticas vêm gradativamente resultando em


progresso substantivo da qualidade de vida, com diminuição do desemprego local, melhoria
das condições de segurança e recuperação ambiental. Com efeito, a questão habitacional
vem sendo favorecida na região pelo incentivo à ocupação das cidades médias e pequenas,
e pelo o desenvolvimento de programas de melhoria da infra-estrutura urbana para as
regiões metropolitanas.

4 – Política e Estrutura Institucional

No que diz respeito ao aspecto político-institucional, o Sudeste tem observado


novas formas de organização social para equacionar problemas comunitários, com a criação
de ONGs articuladas com o poder público e voltadas para a obtenção de melhores
condições sociais e redução de disparidades, com a criação de conselhos municipais e
outras formas de participação da sociedade civil orientados para a melhoria da qualidade de
serviços públicos.

Nesta região, que dispõe de recursos hídricos altamente disputados e até mesmo
escassos em razão de uma demanda concentrada e crescente, vêm sendo definidas diretrizes
para funcionamento comitês de bacias hidrográficas, fato determinante para equacionar as
disputas e regulamentar de forma aceitável as práticas do setor, melhorando a capacidade
de investimento da sociedade e evitando desperdícios.

No que diz respeito ao processo de representação social, cabe referir que a evolução
da experiência dos Conselhos Municipais e a ampla participação da sociedade civil vêm
criando espaço para aprimorar o desempenho e a qualidade de serviços dos órgãos públicos,
com importante efeito de demonstração e irradiação para as demais regiões.

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Considerações finais

Apresentamos algumas evidências de que o Eixo Sudeste, apesar dos grandes


desafios que enfrenta, constitui combinação promissora de uma base institucional avançada
com a presença de elementos objetivos consolidados, para favorecer a expansão de seus
agentes econômicos.

Na mesma medida em que conta com problemas intrincados, a região dispõe dos
meios e de condições para lidar com eles. A conformação do processo de resolução desses
problemas, seu ritmo e eficácia moldarão o tipo e a magnitude das oportunidades de
negócios que surgirão nos próximos anos. A questão que se coloca é a de quão capazes
serão Estado e agentes econômicos, de agir coordenadamente para remover empecilhos,
desobstruir caminhos e viabilizar estratégias de crescimento.

Não será necessário que todos seus problemas estejam resolvidos para que a região
alcance um patamar aceitável de desenvolvimento ao longo das próximas décadas. Também
não será necessário que o Estado tome para si decisões e iniciativas que empresas e
instituições não-governamentais podem executar melhor. E nem sequer será necessário
criar condições a partir do zero.

O progresso da região, assim como o do País, dependerá em grande medida do


quanto se afirmar a convicção na primazia das iniciativas dos agentes econômicos. Nas
sociedades desenvolvidas tal convicção pressupõe, pelo menos, a presença de um conjunto
de obrigações fiscais suportáveis e a garantia de condições institucionais mínimas que dêem
segurança na tomada de decisões de investimento. Juntos, Estado e setor produtivo poderão
lidar melhor com ameaças e deficiências, assim como colaborar para a geração e o
aproveitamento de oportunidades. Buscar a forma mais adequada de fazê-lo é o tipo de
coisa que requer constante atenção, esforço contínuo de adaptação e boa vontade, para que
se construa uma sociedade desenvolvida, socialmente mais justa e mais coesa.

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José Luís Neves (josen4@hotmail.com) é mestre em Administração. Washington
Franco Mathias (wfmathia@usp.br) é professor da Fea-USP.

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