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Então você vai fazer um programa de redução de custos?

Não há muita controvérsia quanto à natureza das ações praticadas em programas amplos de
redução de custos. Em geral, as pessoas concordam quanto a ser um mal necessário e que
exige coragem, dadas as implicações relacionadas com o futuro da organização.

Não há dúvida quanto à importância de se concentrar nas categorias de custos realmente


importantes; diferenciar os elementos que estão dentro da esfera de domínio daqueles que
não estão; atentar para novos custos que poderão vir junto com as decisões de corte; pedir
sugestões às pessoas diretamente envolvidas nos processos; fazer uso da confiança e
envolvimento com fornecedores que possam ajudar; identificar desperdícios para que sejam
eliminados, esforços duplicados e processos que poderiam ser reformulados ou eliminados;
renegociar contratos; eliminar custos financeiros de compras e do uso de fundos; melhorar o
giro dos estoques; reexaminar condições de tributação; aumentar a produtividade de recursos
materiais e humanos. Busca-se melhoria da gestão de processos, estabelecem-se indicadores
de desempenho relacionados com resultados e com a condução das ações; fixam-se objetivos,
mecanismos e práticas de controle do programa; examinam-se custos menos visíveis,
exploram-se limites quanto às condições de aproveitamento dos recursos disponíveis.

Da mesma maneira, não é incomum que se saiba previamente aonde chegar. A distância na
qual se fixa o ponto de chegada se vincula a problemas conhecidos da organização, que podem
estar associados a fenômenos externos (mudança do comportamento de itens de custos,
escassez de itens adquiridos, ações de um concorrente a estabelecer novo patamar de
concorrência) ou a motivação interna (opção por passar a praticar preços mais competitivos,
mudança na estratégia, deliberação espontânea de operar fazendo mais com menos,
insatisfação com os ganhos presentes ou com a taxa de lucratividade do negócio, necessidade
de abraçar outra fatia do mercado). Elementos assim apontam uma direção quanto ao volume
do efeito desejável. Não raro, pela magnitude das categorias de despesas e pelo exame de seu
comportamento histórico, sabe-se de antemão em quais itens será inevitável ter de trabalhar.

Embora se tenha uma noção do que é possível fazer e aonde se pretende chegar, muitos
programas têm resultados insatisfatórios. Deficiências de planejamento e erros no
estabelecimento de expectativas são percebidos durante a execução; as condições para
realização dos esforços se mostram diferentes do esperado; fatores humanos interferem de
forma não prevista; surgem controvérsias quanto às especificações dos esforços e mesmo
quanto à presença de meios reais para viabilizá-los; objetivos consensados passam a ser
questionados; desdobramentos revelam conseqüências e vinculações não antevistas entre
elementos do processo de gestão. O que fazer para evitar isso?

Sejam parciais ou amplos, os esforços de contenção devem ser pensados e conduzidos


estrategicamente. Há elementos ligados à questão de como fazer que são decisivos; associam-
se ao grau de inteligência do programa de redução e têm a ver com aspectos como os
seguintes:

 equilíbrio dinâmico - não raro as organizações percebem que fizeram cortes em áreas
vitais depois que é tarde para corrigir as ações ou compensá-las. Uma visão míope de
números desacompanhados da visão de processo na organização pode levar a uma
leitura insuficiente de indicadores e a decisões erradas, por desconsiderar implicações
mútuas entre fatos e fenômenos da organização. Métricas e painéis servem para
retratar momentos da dinâmica da gestão; não são importantes por si sós. São
flagrantes de um ciclo de horizonte temporal longo, cabendo considerar tanto os
efeitos imediatos dos cortes quanto suas conseqüências no longo prazo. É preciso
identificar, nas decisões do programa, aquilo que poderá gerar transtornos depois e a
interligação entre os elementos afetados, sob pena de vir a cortar algo além dos
desperdícios.

 diferenciar custos conforme seu grau de contribuição - há elementos no produto ou


serviço que o cliente não qualificaria como prioritários; ele não os percebe nem
valoriza. É o caso de equipamentos mal aproveitados, rotas de transporte ineficientes,
controles cujo custo/benefício não se justifica; coisas assim devem ser objeto de
revisão. É preciso distinguir entre excedentes (que não têm razão de ser) e custos
realmente necessários para gerar valor; e é ilusória a ideia de que, por conhecer o
próprio negócio, os gestores da empresa sabem exatamente onde estão os
desperdícios. Identificá-los requer um trabalho profundo de análise para encontrar
ineficiências, excessos, inchaços e perdas evitáveis tanto nas áreas de produção
quanto nas de suporte.

 reconhecer a existência de problemas - localizar e tratar deficiências são ações


benéficas a serem incentivadas; desenvolver uma cultura que favoreça essas atitudes é
importante para que desvios possam ser realmente percebidos e tratados. É preciso
mensurar e cobrar regularmente e com base em critérios claros e aceitos, sob pena de
prevalecer uma cultura de leniência e mesmo desinteresse em identificar fatores
trabalháveis na redução dos custos. Os condutores do programa devem possuir firme
e continua disposição de não aceitar que se forme um clima de indisciplina e falta de
cobrança, no qual coisas erradas são tidas como normais. Da mesma forma, contentar-
se com resultados medianos reduz o potencial de um programa, tanto quanto a falta
de compreensão do que acontece, de questionamento ou a ausência da real intenção
de atingir o melhor resultado possível. O grau de engajamento dos envolvidos deve ser
suficiente para que problemas sejam admitidos, entendidos e enfrentados.

 ter a amplitude e a magnitude necessárias - programas de redução de custos podem


falhar por serem pouco ambiciosos ou por considerar que devem cobrir menos
aspectos do negócio do que os realmente necessários. A expectativa modesta de obter
resultados apenas razoáveis pode trazer a desagradável descoberta de que aspectos
não tratados dos problemas existentes terão impedido mesmo o atingimento de
resultados parciais e reduzidos. Por vezes são necessárias alterações radicais na forma
de trabalhar para que seja significativa a diminuição dos custos. Sem a determinação
para calibrar os esforços na medida da real necessidade da organização, na melhor
hipótese os resultados serão subotimizados; na pior, podem fugir ao controle da
organização e se transformar em perdas e desbalanceamento.

 combinar a necessidade de crescimento e a de reduzir custos - a visão de que crescer


e diminuir custos são coisas opostas pode gerar impasses desnecessários. Há
denominadores comuns e uma zona de intersecção entre elas, que toma a forma da
geração de caixa e lucros. Providências para aumentar vendas e para aproveitar da
melhor forma os recursos disponíveis devem ser pensadas em conjunto para que
sejam adotadas simultaneamente e é possível que existam oportunidades de
aperfeiçoamento e geração de ganhos em todas as áreas da empresa. Para que sejam
identificadas e exploradas, convém que haja na organização pessoas dotadas de visão,
instrumentos de aferição adequados e uma cultura que encoraje o debate relacionado
com as providências necessárias.

Quem recebe a incumbência de elaborar um programa de redução de custos deve buscar


respostas satisfatórias para perguntas como as seguintes:
- É possível diferenciar entre particularidades da situação da organização e elementos que são
comuns a outras experiências conhecidas?

- Estão sendo devidamente considerados a interligação entre os elementos que sofrerão


mudanças e seu impacto sobre o conjunto?

- Não estaríamos ultrapassando limites do equilíbrio entre situação presente e futuro, isto é,
adotando providências hoje que comprometerão as condições de ganho de amanhã?

- Quão treinadas e engajadas estão as pessoas envolvidas hoje? E em futuro próximo?

- Está sendo destinada a devida atenção a aspectos que dependem de uma análise mais
profunda, indo além do aparente no que diz respeito aos processos?

- Estamos realmente dispostos a promover mudanças que tenham o tamanho e a


profundidade necessárias?

Programas de redução de custos bem sucedidos são consistentes internamente e coerentes no


tempo. Refletem entendimento de como a organização funciona, além de visão profunda das
causas de problemas e disposição para enfrentá-los. Sua construção é uma questão de
engenho, discernimento e arte, mais do que de saber imitar e aplicar receitas. Chegar a bons
resultados depende de inteligência e determinação, tanto quanto da presença de valores
como humildade e senso de colaboração. Assim como acontece com outras práticas, o hábito
de planejar bem os esforços de redução, executar cuidadosamente, controlar resultados e
promover correções contribui mais para o sucesso quando está acompanhado de uma cultura
que favorece o engajamento, a responsabilização e a cooperação.

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José Luís Neves é profissional da área de planejamento e finanças. Administrador


e economista, tem mestrado em Administração pela USP. Possui mais de 25 anos
de experiência em empresas de consultoria e serviços como gestor de finanças,
coordenando  processos de controladoria, financeiro e contábil. Reside em São
Paulo.

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