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A MACONARIA E A ILUSTRACAO BRASILEIRA* FREEMASONRY AND BRAZILIAN ENLIGHTENMENT Alexandre M. Barata** BARATA, A. M.: ‘Freemasonry and Brazilian enlightenment’. Historia, Ciéncias, Satide— Manguinbos 1): 78-99, jul-oct,, 1994, In addition to stressing the importance of brazilian freemasonry in the late 19" and early 20° centuries, this article's purpose fs to reassess freemasons" activity at that significant point in our political proces. Contrary to traditional bistoriography, which portrays Freemasonry as an insignificant institution at that time, the article shows that it was one of the main institutions involved in the struggle to establish a new national identity, thus directly confronting the Catholic Church, which strengtbened by conservative tramontane discourse. I also show how the emergence of the Religious Issue in 1872 botb galvanized Masonic debates and led to changes in Masonry’s field of action. The first such change was a greater identification with the so-called brazilian enlightenment movement in its struggle to change the face of the country. A second new trend was an increase in investment in charity and education as a way of counteracting the Catholic Church. What was at stake we the ability of each of these institutions to influence bow society was becoming organized. KEYWORDS: freemasonry: brazilian enlightenment; Catholic Church. Introdugao + Anigo elaborado a par Ap6s a clécada de 1870, reavivaram-se os debates que procuravam irda dissetagio de mes: tracar as novas linhas mestras que deveriam nortear a organizagao agio dos pedrelros-lives do pafs, Esse movimento de idéias foi compreendido por Roque brasileiros (1870-1910), S Sefendiia junto 20 pro: Spencer Maciel de Barros (1986, p. 9) a partir da nogao de uma gama de pésgraduagio iJustracio brasileira, que se estruturava na “crenga absoluta no dade Federal Fluminense poder das idéias, na confianga total na ciéncia e na certeza de que oa a educagao intelectual era o tinico caminho legitimo para melhorar 1 Brofessor do Depart gs homens, para transformar a nagao, para ilustrar o pais”. Cabia Universidade Federal de a0 movimento ilustraclo brasileiro um esforgo de integragao do pais i Se Ee na cultura ocidental, um esforco de universalizagao. A ilustragao brasileira, descrita pelo referido autor, estrutura-se a partir do confronto entre trés matrizes de pensamento, conside- radas por ele enquanto “mentalidades” especificas que marcaram a intelectualidade do final do século XIX ¢ inicio do XX: a mentalidade cat6lico-conservadora, a liberal e a cientificista. O impacto dos debates entre estas matrizes contribuiu para definigdes no campo de atuagio de cada uma delas. 78 MANGUINHOS Vol. 1 (1), 1 Podemos destacar 0 de Brasil Bandecchiy 4 thucha, a magonaria eo expirito liberal, o de Da- Mid'G, Vielta, © protes- tanttsmo, a magonarla @ @ quesiio religiosa no finds eo antigo de Ce de Barros Barreto, ago das sociedades se- cretas’. Encontramos tambérn algumas. rele fenclas nas obras de Sér- fio Buarque de Holanda, Exio Prado Jinor, Em Viotti da Costa © José Ho- nro Rodrigues. Quanto B historiogntia proc da por magons, conte poraneamente, desta. Eamse os nomes de Ni ola Aslan, MC. Fagan dsc Jose Casta Na 2 08 estudos ma gonees ‘encontramse aseante avangados. Po demos apontar os traba- thos de Alec Sellor, Paul Naudon, Ran Halevi, Pierre Chevallier, Mi Lepage, J. A. Ferer Be male Graga e'). §. da Silva Dias. A MAGONARIA E A ILUSTRAGAO BRASILEIRA Pode-se dizer que os debates que marcaram 0 periodo da ilustragao brasileira revelaram dois grandes interlocutores: a maco- naria, normalmente identificada com 0 pensamento liberal, ¢ a Igreja Catélica, fortalecida pelo processo da romanizacao e identi- ficada com 0 pensamento conservador. Em tal contexto, o presente artigo analisa a atuagio da institui¢ao magénica brasileira no seio desses debates. Mais explicitamente, dimensiona a forca do ideario macénico na estruturacao da nova sociedade brasileira. Entretanto, estudar a realidacle mag6nica € se aventurar em terreno pantanoso. O proprio cariter secreto, a existéncia de vocabulirio especifico, de rituais e de um simbolismo peculiar sao, efetivamente, barreiras que devem ser transpostas pelo historiador. Acrescente-se a isso 0 reduzido niimero de estudos académicos sobre 0 tema e a proporcionalmente vasta historiografia produzida por magons que se dedicam aos estucos hist6ricos sobre a Ordem, os quais, de maneira geral e compreensivel, assumem uma perspectiva factual e de valor zagio indiscutivel de seu papel!. Outro problema que merece grande atengo por parte do historiador é a complexidade da estrutura macénica revelada através da pesquisa empirica, que rompe de forma definitiva com 0 senso comum que percebe a maconaria enquanto instituicao monolitica e unitiria. Na realidade, além das especifici- dades nacionais, o que se descobre 6 uma maconaria marcada por grandes cisdes internas. Todas estas dificuldades obrigam a ressaltar, desde ja, 0 cardter explorat6rio deste trabalho, mais propenso a suscitar quest6es do que a buscar respostas definitivas. A ‘sociabilidade’ magénica A maioria dos historiadores magons pesquisados nao € unanime quando se trata de analisar as origens da instituigio mag6nica. ‘Todavia, grande parte concorda que as feiges da magonaria moderna remontam a 1717, marco da formacao da Grande Loja cle Londres que converteu a Ordem em uma espécie de escola de formacao humana de cariter cosmopolita e secreto, reunindo homens de diferentes racas, religides e linguas, com o objetivo de alcangar a perfeigao por meio do simbolismo de natureza mistica e/ou racional, da filantropia e da educagao (Benimeli, 1984, p. 464.) Nesse perfodo, a magonaria abandonou sua origem ligada as velhas confrarias de pedreiros da €poca medieval, permitindo a admissaio de novos elementos, sem a obrigatoriedade de serem ligados as corporagées de oficio ou as sociedacles de construtores: eram os ‘macons aceitos’. O rpido crescimento da institui¢ao nao se limitou ao territério inglés. Apesar das perseguigdes por parte dos governos e da Igreja Catélica, causadas pelo cardter secreto € nao-catélico da associacao, JUL-OUT 1994 79 ALEXANDRE M. BARATA ela se difundiu por toda Europa e pelo continente americano. Contudo, essa expansio nao ocorreu de modo uniforme, sendo de menor intensidade nas regides onde o poder do aparato persecu- trio da Igreja Catdlica era incontestivel, como em Portugal, na Espanha e na Itdlia. Isto porque, desde setembro de 1738, duas décadas apés a formagio da Grande Loja de Londres, 0 papa Clemente XII, na sua carta apostélica In Eminenti, instituiu a primeira condenagao pontificia da magonaria. O mesmo foi feito em 1751 por Bento XIV, com a constituigio apostélica Providas. Parece claro que a forma pela qual se processou essa expansao conferiu 4 Ordem mag@nica especificidades nacionais. Se na Ingla- terra ficou evidente uma maior alianga com o Estado, o mesmo nao ocorreu nos paises latinos, onde a perseguicao intensa fez com que a maconaria assumisse uma posicao mais identificada com a luta pela liberdace de pensamento e contra o absolutismo mondrquico, geralmente aliado a Igreja. Se a magonaria moderna nasceu na Inglaterra, foi na Franga, no decorrer do século XVIII, que ela atingiu sua plenitude. Afora as divergéncias historiograficas, Ran Halévi defende que, na Franga, © inicio da atividade mag6nica remonta a 1725, com a instalagao de uma loja em Paris. A partir da capital, a maconaria se expandiu em diregio as cidades do interior de forma ininterrupta, mas apresentando um ritmo irregular. De maneira geral, nos anos que antecederam ao ocaso do Antigo Regime, verificou-se um cresci- mento consideravel do mtimero dle novas lojas no territ6rio francés. Entre 1779 e 1789, esse crescimento alcancou a cifra de 52% (Dias, 1986, tomo 2, vol. 2, p. 596; Halévi, 1984, p. 43). Nesse contexto, as lojas magOnicas se transformaram em terreno propicio & discussio e divulgacao do idedrio da ilustracio (Chevalier, 1983, tomo 2, p. 110; Hobsbawn, 1983, p. 77; Chaunu, 1985, p. 299). Essa nogSo, que identifica a atuago magénica no século XVIII como instrumento de propaganda do pensamento ilustrado, passa a ser redimensionada, sobretudo com a publicagio do trabalho de Maurice Agulhon, Pénitents et francs-magons de Vancienne Proven- ce. Segundo esse autor, no século XVIII, ocorreu uma identificagao entre “sociabilidade” e “civilizacao”, expressa no crescimento do ntimero de saldes, cafés, clubes, academias. Para ele, a maconaria era a instancia mais conhecida e melhor estruturada dessa nova sociabilidade, que poderia ser considerada liberal, na medida em que veiculava as idéias da ilustragio, e também porque sua existéncia se baseava no carater associativo voluntario ¢ livre (Agulhon, 1984, pp. 165-211). Por sua vez, Koselleck (1979, p. 57) amplia os contornos desta discussio, ao defender que, dentro do Estado absoluto, as lojas 80 MANGUINHOS Vol. 14) A MAGONARIA E A ILUSTRAGAO BRASILEIRA macénicas, envoltas no véu dlo secreto, representavam a formagao tipica de um “poder indireto”, exercido pela nova burguesia. Apesar da evocagao de mitos € mistérios antigos e do desenvolvimento de uma hierarquia propria, a magonaria nao se enquadrava nos cdnones de uma sociedade religiosa. Ela representava um tipo de organizagao particular 4 nova sociedade civil. Nas lojas magnicas, e através delas, a burguesia articulava uma forma social propria, vivendo de acordo com suas ‘préprias’ leis. Contudo, esta verdadeira liberdade civil praticada no interior das lojas magénicas, dentro do contexto do Antigo Regime, sé era possivel sob a protegio do secreto. Koselleck diz que a fungio protetora do secreto relaciona-se A necessidade de a maconaria separar as esferas da moral e da politica. Para a magonaria, a agio moral se realizava no compromisso de abarcar em seu seio toda a humanidade, ou melhor, unir 0 mundo burgués & sociedade de forma mais original. O secreto criava um novo género de comuni- dade, onde o ‘mistério’ era o cimento da fraternidade e uma forma de educagio moral, forjada no compromisso fundamental de guardar segredo. Ao rejeitar a realidade politica externa, por consideré-la a negacao da posi¢io moral interna do mundo das lojas, a magonaria assumia uma agio politica indireta. Portanto, a principal funcao do secreto era dissimular as conseqiténcias pol cas dos procedimentos morais de oposi¢ao ao Estado absoluto. Parece claro que os autores mencionados tém, como ponto central de suas anilises, a percep¢ao da atuacao da maconaria como uma ‘sociedade de pensamento’ profundamente vinculada a nova sociabilidade pré-democratica, que se consolidava na Franga do século XVIII. Entretanto, € preciso atentar para os aspectos que singularizavam a magonaria enquanto instancia dessa nova socia- bilidade. Além do carter secreto, a magonaria se distinguia de outras instituigdes destinadas a difusio das idéias vinculadas a0 movimento ilustrado, como academias e clubes, por ser uma sociedade iniciética, marcada por rigida hierarquia (toda dividida em graus) e por rituais profundamente influenciados pelo esoteris- mo. Como analisa Peter Partner (1991, p. 111), a maconaria “Era um ‘mistério’ no duplo sentido da palavra: um mister de viver que pretendia 0 mesmo mistério do segredo profissional defendido pelos artestios de outros misteres, no exercicio de suas atividades”. Pelo exposto, vé-se que a magonaria, instituigo fundamental para a sociabilidade ilustrada, acotando como principios bisicos a defesa da liberdade de pensamento e o racionalismo, apresenta, ao nivel da organi- zaco, elementos inequivocamente tomados 2 tradigzio medieval. E € esta tradigio que produz o substrato para a estruturacao, em fins do século XVIM, da matriz de pensamento conservador que, em oposicao a Revolugao Francesa, clefendia a conservagao da antiga ordem. JUL-OUT 1994 81 ALEXANDRE M. BARATA Colocaclos em campos opostos pelo debate intelectual, liberalismo e conservaclorismo estabeleceram singular diélogo na estruturagao da instituicho mag6nica. Investigar a natureza dessa ‘dualidade’ é tarefa fundamental & compreenstio da complexa magonaria. Assim, a harmonia entre ‘luzes' e ‘sombras’ diferenciava a sociabili- dace macénica. No interior das lojas, protegidos pelos véus do segredo, os magons arquitetavam uma forma social prépria, baseada nos princi- pios da igualdade, da liberdade civil e da fraternidade. As idéias magénicas chegam ao Brasil Embora a ilustragao portuguesa possa ser considerada “acovardada”, no dizer de Anita Novinski (1990, p. 357), ela possibilitou a formacao intelectual de toda uma geracio de estudantes brasileiros que, depois de passar pela Universidade de Coimbra, foram os principais respon- siveis pela introdugao das idéias ilustradas no mundo colonial. Com base nestas idéias, diversos setores livres dla sociedade comecaram a questionar o ‘pacto colonial’ ¢ a procurar vias alternativas para a sua superagio. As conjuragées do final do século XVIII (Mineira, 1789; Carioca, 1794; Baiana, 1798) reforcam o argumento do historiador Fernando Novais, (1989, p. 169), segundo o qual, no corpo te6rico do pensamento das Luzes, germinavam contradigdes que podiam levar a uma leitura revoluciondria, sobretudo se feita em situagio colonial, na medida em que, dificilmente, deixariam de estimular uma tomada de consciéncia sobre as questées da colonizagao. Além de receber 0 idedrio ilustrado, a sociedade brasileira do final do século XVIII e inicio do XIX acolheu também a Ordem mag6nica que, segundo a literatura corrente, transformou-se no principal veiculo de divulgacao desse pensamento. Vamireh Chacon afirma que as associagdes magénicas penetraram no Brasil através dos estudantes brasileiros que freqtientavam as universidacles européias. Apés conclui- rem seus cursos na Universidade de Coimbra, completavam os estudos na Inglaterra e na Franga, particularmente na Faculdade de Medicina de Montpellier, um dos focos mac6nicos franceses. Diz ainda este autor que os arquivos do Grande Oriente da Franga, em Paris, apontam a existéncia de duas lojas dos estudiantes brasileiros: uma em Montpellier € outra na quase vizinha Perpignan (Chacon, 1989). Até o final do século XVIII, nao existia no Brasil a magonaria, entendendo-se como tal uma organizagio institucio- nalizada e com funcionamento regular nos mesmos moldes das outras organizagées magénicas internacionais (Viei- ra, 1980, p. 45). Todavia, 0 movimento magénico entao nascente logo assumiu um carater nitidamente antimetro- politano, ou seja, engajado nas articulagdes de eman 82. MANGUINHOS Vol. 1 (1) A MAGONARIA E A ILUSTRAGAO BRASILEIRA cAopoliticadaCol6nia.Issosignifica dizer que a luta pela emancipagao esteve associada A expansio das idéias liberais € da prépria magonaria. Ao recrutar homens dispostos a organizar ‘© movimento de luta contra o pacto colonial, as lojas criavam, a0 mesmo tempo, suas bases € as bases politico-ideologicas para o rompimento definitivo com a Metrépole. A consolida¢gaio da maconaria no Brasil (1870-1910) Fora de qualquer cliivida, as tltimas décadas do século XIX foram extremamente significativas para a instituicdo magGnica. Pressionada, sobretudo, pelos confrontos com a Igreja Catélica, transformou-se em palco de debates entre diversas concepgées sobre o propésito de sua atividade na sociedade brasileira, evidenciando seus limites e especi- ficidades enquanto organizagao. Debates estes que softiam fortes inflexdes da conjuntura externa ao mundo fechado das lojas. De modo particular, a estrutura organizacional da magonaria em nosso pais, neste periodo, apresentou trés fases bastante distintas. Na primeira, de 1863 a 1883, o poder central da Ordem estava dividido em dois grupos: o Grande Oriente do Brasil, da rua dos Beneditinos, € 0 Grande Oriente do Brasil, da rua do Lavradio. Essa divisio, iniciada em 1863, sofreu um pequeno intervalo entre maio e setembro de 1872, devido a formagao do Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brasil. A segunda fase, de 1883 a 1890, € marcada pela unio oficial entre o Grande Oriente do Lavradio e o Grande Oriente dos Bene tinos, formando, novamente, o Grande Oriente do Brasil. E a terceira, a partir de 1890, com a formagio dos grandes orientes estaduais, vinculados ou nao ao Grande Oriente do Brasil. A divisio nas fileiras do Grande Oriente do Brasil ocorreu durante o grio-mestrado do visconde de Cairu, em 1863. Sete lojas, com aproximadamente mil e quinhentos membros, formaram uma nova Obediéncia — o Grande Oriente dos Beneditinos — e elegeram para grao-mestre Joaquim Saldanha Marinho, politico e jornalista bastante conhecido por suas posigdes anticlericais e pela defesa do regime republicano. Tal divisio certamente pode ser atribuida a descontentamentos com o processo eleitoral ocorrido para a dire- ¢40 do Grande Oriente do Brasil. Mas é preciso ressaltar que 0 grupo liderado por Saldanha Marinho sofria grande influéncia da corrente magOnica francesa, e nao aceitava a idéia que identificava exclusivamente magonaria com filantropia. Esta perspectiva pode ser apreendida no artigo de A. F. Amaral publicado no Boletim do Grande Oriente, editado pelo citculo dos Beneditinos em 1873: “A magonaria € mais alguma coisa do que uma companhia de socorro miituo: é uma instituigao filantrépica no sentido mais lato JUL-OUT 1994 83 ALEXANDRE M. BARATA 2 Ver Boletim do Grande Oriente Unido e Supremo Gonselbo do Brasil, Rio de Janeiro, 2 (2-3): 104, fev-mar. 1873. 3 Ver Boletim do Grande Oriente do Brasil ao Vale do Lavradio, Rio de Ja- nelro, 1 (1): 15, dez. 1871. da palavra. ... Compreendeu, pois, a magonaria criada para proteger a humanidade e dar-lhe pleno desenvolvimento, que a sua misso era dupla, como dupla é a natureza do homem. Para realizé-la cumpria-lhe, portanto, no s6 dar palo aos famintos, vestir os nus e abrigar os que nao tivessem teto, como também procurar dar toda expansio as faculdades morais do homem — a inteligéncia, livre-arbitrio —, dons sagrados que o elevam acima da natureza criada, e 0 tornam elo visivel entre ela e a divindade. ... Mas cultivar a inteligéncia das massas, ensinar-lhes os seus direitos, dizer a0 infimo dos parias, ao tiltimo dos hilotas, ao mais degradado dos vildes — tu és homem, € portanto és livre —, foi sempre coisa grave € perigosa: a ilustracio e a liberdade das massas fere e derruba os interesses ilegitimos dos fortes e dos espertos® Se 0 circulo dlos Beneditinos, chefiado por Saldanha Marinho, defendia uma atuagio mais vigorosa e politica na defesa do racionalismo, dia libercdade de consciéncia, enfim, clos principios caros 2 ‘modemidade’, © circulo do Lavradio identificava-se mais com a corrente inglesa. Em dezembro de 1871, durante o griio-mestrado do visconde do Rio Branco, foi publicacia no Boletim do Grande Oriente do Brasil da rua do Lavradio uma resolugio, de setembro, que estabelecia o fechamento de todos os templos a magons do Grande Oriente cla Franga ou dos que reconheces- sem a supremacia deste> ‘Apesar dessas divergéncias, entre maio e setembro de 1872, ocorreu breve uniao dos dois circulos face 4 necessidade de combater um inimigo comum. Isso aconteceu por ocasidio da celeuma provocada pela Questo Religiosa ou Questo Episco-mag6nica, que culminou com a prisio de d. Vital e d. Anténio Macedo Costa, bispos de Olinda e Belém, respectivamente, A partir da segunda metade do século XIX, a Igreja Cat6lica no Brasil, seguindo uma tendéncia internacional, empreendeu uma reorganizagio intema conhecida como romanizagio do clero. A romanizagio acarretou o fortalecimento da Igreja como instituicao, dando inicio a um movimento de condenagio aos chamados ‘erros modemos': 0 progresso, 0 racionalismo, o liberalismo, a liberdade religiosa. Esbogava-se, concretamente, um novo contexto. A magona- ria que fora, até entio, uma das instituigdes mais organizadas do pais, passava a softer fortes ataques da Igreja Catélica ultramontana/con- servadora que era a Igreja ‘oficial’ do Estado. A eclosio da Questio Religiosa, em 1872, contribuiu sobrema- neira para mobilizar toda a organizagio magénica que, através do Parlamento e da imprensa, desencadeou uma verdadeira luta contra os adversirios dla liberdade de pensamento, do racionalismo, da liberdade religiosa, enfim, do liberalismo. Foi por causa disso que, a 20 de maio de 1872, o Grande Oriente do Lavradio, presidido pelo visconde do Rio Branco, ¢ o Grande Oriente dos Beneditinos, 84 —MANGUINHOS Vol. 1 (1) 4 Ver Defesa da macona- ria no Parlamento brasi- leiro, pelos srs. visconde do Rio Branco (presiden- te do Conselbo de Minis tres) ¢ Alencar Avaripe (membre da camara Tempordria), Ouro Pre- to, Tipografia Echo de Minas, 1873, p. 6. A. MAGONARIA E A ILUSTRAGAO BRASILEIRA dirigido por Saldanha Marinho, fundiram-se numa tinica Obedién- cia: o Grande Oriente Unido e Supremo Conselho do Brasil. Entretanto, a derrota do visconde do Rio Branco no pleito para a escolha do gro-mestre da nova Obediéncia bastou para restaurar a situacao anterior, até 1883. Na realidade, a existéncia de duas obediéncias no seio da comunidade mag6nica brasileira, mesmo diante de uma oposigio radical do ultramontanismo catélico, revela a distincia entre as posicdes de Saldanha Marinho e do visconde do Rio Branco e, conseqiientemente, dos dois grupos magénicos. Exercendo, de forma paralela, a grio-mestria do Grande Oriente e a presicléncia do Conselho de Ministros, a posigao do visconde do Rio Branco no encaminhamento cla Questio Religiosa evidencia-se atra- vés dos debates parlamentares, onde encontrou em Candido Mendes de Almeida seu principal interlocutor e opositor. A argumentacao do conde tinha, como ponto de partida, a reafirmagao da especifici- dade ca magonaria brasileira diante de suas congéneres européias. Se as lojas mac6nicas européias interferiam excessivamente nos aspectos ligados & religito € A politica dos Estados, as lojas brasileiras se ocupavam precipuamente do aperfeigoamento moral ¢ intelectual do homem e de atos de beneficéncia.4 Esta postura de Rio Branco, que procurava acentuar a especifi- cidade da magonaria brasileira, contribuia muito pouco para o avanco das propostas dlefendicas pela ilustragao brasileira, estrutu- rada na separagao entre Igreja ¢ Estado, na liberdade de expresso e de pensamento. Para os macons do circulo do Lavradio, a Questao Religiosa se resumia ao antagonismo entre a maconaria e o ultramontanismo, que interrompia a plena harmonia existente até aquela época entre as duas instituigdes. Na realidade, ao se destacar 0 carater apolitico e beneficente da Orclem mag6nica e sua relagio harmoniosa com o Estado e a Igreja, procurava-se fortalecer as concepg6es regalistas que encontravam aprovagao da maioria dos membros do Conselho de Estado e do imperador (Nabuco, 1975, p. 828). O regalismo, que se estruturava a partir da nogao de subordina- cao da Igreja ao Estado, entrava em choque com o pressuposto fundamental do pensamento liberal clissico, que era a liberdade de consciéncia. Para os liberais classicos, a solugao da crise s6 poderia ser alcangada através da separagio entre Igreja e Estado. Um dos principais expoentes do liberalismo classico, no seio da comunidace magénica, foi Saldanha Marinho (1816-95). Como jornalista do Didrio do Rio de Janeiro e do Jornal do Commercio, publicou, sob o pseudénimo de ‘Ganganeli’ — papa Clemente XIV (1705-74), que havia dissolvido a Ordem dos jesuitas —, varios artigos onde, dentre os temas principais, destacavam-se a defesa da separagio da Igreja e do Estado e a liberdade de consciéncia. JUL-OUT 1994 85 ALEXANDRE M. BARATA 5 Ver Boletim do Grande Oriente Unido e Supremo Conselbo do Brasil, Rio de Janeiro, 2 (4-6): 251, abr.-jun. 1873. Os artigos publicados no Jornal do Commercio, entre 1873-76, foram posteriormente reunidos nos quatro volumes da obra A Igreja e 0 Estado. Dentro da perspectiva liberal de que a liberdade de consciéncia era incompativel com o regime de uniao entre Igreja e Estado, Saldanha Marinho argumentava: “Para que a fé religiosa, que serviu de base a uma sociedade nascente, possa também servir-lhe de ponto de apoio na continuagio de sua vida politica, seria preciso que essa fé religiosa fosse estavel, ao abrigo. de qualquer mudanga, de qualquer inovagio, de qualquer increduli- dade nos espiritos. Em todo Estado em que a lei politica é baseada sobre a fé religiosa, a lei politica baqueia, logo que a fé religiosa € atacada. ... A lei politica é, pois, apesar de todos os rigores que se possa imaginar, impotente para manter as crengas religiosas. Seus rigores podem fazer vitimas ou hipécritas, mas nao fario crentes” Barros, 1985, p. 333). ‘A magonaria, escrevia Saldanha Marinho, nao podia permanecer indife- rente aos interesses que contribuiriam para o “bem-estar geral da humani- dade”. Obedecendo ao bom senso € 2 raz3o, era seu programa disseminar a edlucagio livre e racional; promover a instituiga0 do casamento e do registro civil; defender a secularizagio clos cemitérios; promover a absoluta liberdade de culto. Tais reformas nada mais sfio do que ‘corolirios da liberdade cle consciéncia e cla tolerancia’> © pontificado de Pio IX (1846-78), consagrando a obra de seu antecessor Gregério XVI, potencializou ao maximo a luta entre 0 catolicismo e a sociedade moderna. A série de condenagdes diretas e sistematicas dirigidas 4 maconaria pela Igreja Cat6lica contribuiu para reforcar no imagindrio coletivo — em especial entre os cat6licos — uma visio identificada com o perigo e coma subversao. Nocio que se fortalece pelo fato de ser a maconaria uma sociedade secreta, pois, como ensina G. Simmel (1986, p. 379), para estrutura das agdes sociais reciprocas entre os homens, o secreto (6 que se esconde) é sempre a expressio sociolégica da maldade moral, Para anilise clo Brasil conflituoso clo final do século pasado, a adogio lo enfoque que enfatiza que o sistema mitol6gico possui uma dimensio mobilizaciora possibilita uma an‘lise mais rica das nuangas do debate entre maconaria e Igreja Catélica (Girardet, 1987, p. 17). O primeiro ponto levantado pela Igreja Catélica na constru- cio do mito do complé é a clara definigio de que a maconaria, na sua origem, é inimiga em potencial da Igreja, visto que ela descende da Ordem dos Templirios e atua sob a protegao do protestantismo. Logo, toda magonaria é inimiga e nao ha hipotese de especifici- dades nacionais. O pecado é original e mortal ao mesmo tempo: “Na loja oculta, os macons arremes- sam a mascara, desprezam e repelem o simbolismo ao mesmo 86 | MANGUINHOS Vol. 1 (1) © 0 Apéstolo, Rio de Ja- neiro 9.7.1871, p. 221 ‘A MAGONARIA E A ILUSTRAGAO BRASILEIRA temporidiculoe perversodas primeirasiniciagdes, vo direto a0 fato: guerra a Deus, ao seu Cristo € a sua Igreja! Guerra aos reis e a todo poder humano que nao esteja conosco! Tal é a divisa, tal € © seu grito de reuniao.”® Como se pode perceber, as questées relativas ao carater organi- zacional da instituigao magénica eram instrumentos sumamente importantes para a construgio do mito do compl6, sobretudo nos aspectos referentes A questio do secreto € A da iniciagio. Para o discurso cat6lico-conservador, a iniciagio era considerada um ato grotesco e criminoso, na medida em que ameagava com a morte aquele que porventura traisse a Ordem magOnica, ou seja, revelasse seus segredos. Tal perspectiva conflufa para a identificagao dos magons como os homens do Sata: invisivel e onipresente. Raoul Girardet (1987, pp. 47-8) defende que, a0 mesmo tempo em que se desenvolve 0 processo de demonizagao do homem do compl6, o anatema de que ele € objeto aparece cada vez mais como uma réplica ou como um eco dos velhos processos de feitigaria. Com seus rituais clandestinos, seu cerimonial inicidtico, suas hie- rarquias submetidas 4 mais rigorosa das disciplinas, a seita conspi- radora aparece como aquela contra-Igreja, consagrada ao exch servico do mal, que os antigos tratados de demologia denunciam. Outro aspecto a ser destacado, que fica patente na narrativa mitica da conspiragio, é 0 fato de que ela se constitui no principal instrumento do pensamento conservador na sua luta contra os principios liberais. Como afirmou, em 1873, d. Macedo Costa, bispo de Belém do Pard, em sua instrugio pastoral dirigida aos cat6licos, a magonaria deveria ser condenada em trés aspectos: moral, por ser intrinseca- mente ma, em decorréncia do seu cariter secreto; religioso, por ser oanticristianismo organizado defensor da escola laica, do casamen- to civil e da secularizagio dos cemitérios; ¢ social, por ser um poderoso instrumento de desorganizacio social, “escola prepara- t6ria” de revolugdes (Costa, s.d.). Sem sombra de divida, a desqualificagao da organizagio mag6- nica através do mito da conspiragio politica proporcionou uma certa homogeneidade ao discurso cat6lico ultramontano. Para os cat6licos, os magons eram todos iguais, inimigos dos tronos ¢ dos altares, nao sendo possivel a existéncia de especificidades nacio- nais. A magonaria é una e universal. Contrapondo-se a essa homogeneidade do discurso catélico, constata-se a existéncia de um discurso mag6nico dividido em duas vertentes, com variagdes na aproximagio com as idéias ilustradas. Se Saldanha Marinho representava uma vertente do discurso mag6nico mais préxima do liberalismo clissico, ao assumir a necessidade da separagio entre Igreja e Estado, Rio Branco representava aquela vertente que, sem JUL-OUT 1994 87 ALEXANDRE M, BARATA abandonar as idéias liberais, estava fortemente identificada com o regalismo. Assim, a identificacao dos magons brasileiros com a elite ilustrada do final do século XIX nao deve ser percebida de forma unfvoca. Todavia, cabe ressaltar que a eclosio da Questo Religiosa ea radicalizacao dos debates entre Igreja e magonaria tiveram um papel essencial, pois sustentaram, mesmo que em negativo, a identificagao magonaria-ilustracao. Em marco de 1882, Saldanha Marinho pediu demissao do cargo de grio-mestre do circulo dos Beneditinos, possibilitando as nego- ciagdes para a fusao definitiva dos dois grandes orientes. A unizio oficial da magonaria brasileira foi entao celebrada em 18 de janeiro de 1883, sob a diregio de Francisco José Cardoso Junior. No contexto do crescimento da propaganda ultramontana da Igreja Cat6lica, as raz6es que possibilitaram essa uniao relacionam-se, em certa medida, com a fragilidade da instituicAo apés 0 longo perodo de cisdes internas. A década de 1890 marcou, contudo, uma nova etapa para a organizagao mag6nica brasileira, Paralelamente a instalagao da ordem republicana federalista, o Grande Oriente do Brasil agitou-se, de novo, durante o grdo-mestrado de Ant6nio Joaquim de Macedo Soares, pois muitas lojas passaram a questionar a autoricade do Grande Oriente do Brasil como Obediéncia central. Ocorreu, assim, a federalizagao da magonaria brasileira, formando-se varios grandes orientes esta- duais, auténomos e independentes, como 0 Grande Oriente Paulista (1893), Grande Oriente e Supremo Conselho do Rio Grande do Sul (1893) e Grande Oriente Mineiro (1894). Como a Repiiblica, a maconaria federalizava-se. Sua disseminagio pelo territ6rio brasileiro, apesar de ininterrupta, ocorreu em ritmo bastante peculiar; entre 1860 e 1920 a variagao do ntimero de lojas no Brasil apresentou quatro fases bem definidas. Na primeira (1860-80) percebe-se um crescimento do ntimero de lojas, o que pode ser atribuido a duas causas. Uma tem a ver com os aspectos organizacionais da maconaria, ja que a cisio da Ordem entre o Grande Oriente do Lavradio ¢ 0 Grande Oriente dos Beneditinos levou cada Obediéncia a incentivar a fundagio do maior ntimero possivel de novas lojas para consolidar sua hegemo- nia sobre a comunidade mag6nica, Outra ordem de questdes tem a ver com a fragilidade institucional da Igreja Catdlica, decorrente do padroado e da heterodoxia do clero brasileiro, contrariamente ao que acontecia na Europa. A segunda fase (1880-90) corresponde ao periodo de uniao dos dois circulos magénicos, efetivada em 1883. Sob 0 ponto de vista quantitativo, a fusdo ocasionou pequena diminuigio do niimero de lojas em funcionamento, mas, em troca, consolidou a base para o crescimento vertiginoso verificado na fase seguinte. 88 MANGUINHOS Vol. (1) A MAGONARIA E A ILUSTRAGAO BRASILEIRA Entre 1890 e 1910, 0 ntimero de lojas em atividade em todo o pais aumentou cerca de 54% em relaciio ao periodo precedente. Sa0 Paulo e Rio Grande do Sul transformaram-se nos dois grandes focos macénicos brasileiros, abrigando com 0 Rio de Janeiro cerca de 63% das lojas existentes. A criagio do Grande Oriente Paulista e do Grande Oriente e Supremo Conselho do Rio Grande do Sul, em. 1893, iniciando a gradativa federalizacao da magonaria brasileira, explica a rapida expansao das atividades nos dois estados. ‘A quarta fase (1910-20) sinaliza um momento de refluxo. Estima- se que © ntimero de lojas tenha diminuido em 16%. Essa inflexao coincide com 0 auge do processo de ‘institucionalizacao’ da Igreja Catélica, iniciado no final do século XIX, € marcado pela criagio de varias dioceses nas principais ciclades do pais € pela estruturagio de uma ampla rede de aliangas com os detentofes locais do poder oligarquico, com o claro intuito de consolidar sua influéncia politica e neutralizar a agio de seus principais adversdrios (Miceli, p. 21). ATabela 1 mostra a evoluciio do ntimero de lojas em cada estado brasileiro, entre 1860-1920. Se, na primeira metade do século XIX, a atividade mag6nica se concentrava no Rio de Janeiro, na Bahia e em Pernambuco, na passagem do século XIX para o XX grande ntimero de lojas foi criado em diversas regides do pais, em pequenas e grandes cidades, especialmente em Sao Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Apesar de o ntimero de lojas em atividade oscilar, 0 que se pode constatar, efetivamente, é a consolidagiio da Ordem mag6nica em todo territ6rio nacional. Entre 1861-65 funcionavam 180 lojas; no qiiinqiiénio 1916-20 eram j4 417. Espalhadas por todo o pais, estas lojas se articulavam para defender seus principios, a busca do aperfeigoamento moral do homem e a luta por uma sociedade mais secularizada, podendo-se considerar a organizagio magénica singular em relagio a outras instituigdes do periodo, como a Igreja, 0 Exército € 0 proprio aparelho de Estado, que possufam bases espaciais muito frigeis (Carvalho, 1981 ¢ 1985; Reis, 1988). A acho organizacional magénica Sérgio Buarque de Holanda (1985, p. 289), ao analisar a crise do regime monarquico brasileiro, assinalou © declinio da instituigio macénica, o que, de certa maneira, teria possibilitado 0 crescimento da doutrina positivista. Se nas décadas de 1820 e 1830 ser magom era sindnimo de ser patriota, no final do Império generalizou-se a crenga na regeneracao da humanidade pela ciéncia, viga mestra da filosofia cle Comte. JUL-OUT 1994 89 ALEXANDRE M. BARATA Tabela 1: Evolugao do némero de lojas macdnicas no Brasil, por estado, em qiiinguiénios (1861-1920) ‘Anos Estados 1861 1866 1871 1876 1881 1886 1891 1896 1901 1906 1911 1916 1865 1870 1875 1880 1885 1890 1895 1900 1905 1910 1915 1920 Rio de Janeiro 76 78 95 108 99 69 70 8 97 9 8 66 Sao Paulo 19 25° «435259277153 1761281499 Minas Gerais 2 3 30 36 34 16 2 70 78 65 54 44 Rio G. do Sul 23°«1220:«38 ST 5029 40 BT127 12136 Bahia EY Pernambuco 130 14 220 21 2091S 6B Parand 5 2 9 NW 10 9 23 7 2 22 2 Santa Catarina 30 4 5 6 6 5 4 5 7 F 7 6 Espirito Santo 1 1 302 2 4 1 9 2 4 7 3 ‘Mato Grosso 0 0 5 6 7 4 3 6 7 7 9 9 Goids o 0 o 1 2 2 2 4 1 1 1 2 Pars 5 5 0 9 9 6 6 8 8 8 HN 2 ‘Amazonas o 0 4 2 2 2 3 0 Ww 6 1 1B Ace 0 0 60 0 0 60 6 0 0 6 7 7 Piak 1 1 304 4 3 2 1 1 5 5 5 Maranhio 6 6 86 8 5 5 3 1 4 6 6 7 Sergipe 5 2 5 3 3 4 2 6 5S 4 4 1 Alagoas 1 4 7 6 7 3 4 3 8 8 7 6 ears 1 1 1 1 303 3 2 8 7 4 5 R. G.do Norte 2 2 2 2 2 2 3 3 3 4 3 3 Paraiba 1 1 30 3 4 4 1 1 2 2 2 2 Rondénia 0 0 0 6 0 0 0 0 0 0 o 4 TOTAL: 180 172 306 «343341244280 «4971S. 553 507417 Fonte: Kurt Proeber, Cadastro geral das lojas macénicas no Brasil: ativas, abatidas e inativas. Rio de Janeiro, ed. do autor, 1975. Colegao dos Boletins do Grande Oriente no Brasil. Mesmo sem apresentar as razes do declinio, a posi¢ao do autor vem sendo corroborada pela historiografia, que insiste em conside- rar a magonaria como instituigio que atuou de forma mais efetiva apenas durante 0 processo de emancipacao brasileira, com presenga inexpressiva posteriormente. Minha proposta de repensar o papel por ela desempenhado no final do século XIX ¢ inicio do XX, procurando vinculd-la a ilustra- cAo brasileira, visa justamente questionar essa posicao da 90 MANGUINHOS Vol. 1 (1), A MAGONARIA E A ILUSTRAGAO BRASILEIRA historiografiabrasileira Evidentementenacexclucaatuagaodos positivistasnaestruturacacelegitimacaodoregimerepublicano, comobemdemonstraram José Murilo de Carvalho e Roque Spencer Maciel de Barros. Entretanto, quero destacar o inegivel crescimento organizacional magénico e seu papel na formagao de uma expressiva parcela da elite politica do periodo (Carvalho, 1990, Ppp. 129-40; Barros, 1986, pp. 107-95). Células basicas da magonaria, entre 1870 e 1910, as lojas trans- formaram-se em centros de discussio e formagao de consenso sobre os grandes temas relacionados & construgio de uma nova identidade nacional. Além de se voltarem para a Questo Religiosa, os debates magénicos expressavam um claro interesse em intervir na resolugio dos problemas nacionais, especialmente a ‘questio servil’ e a idéia de Reptiblica. Embora fosse bastante importante, em algumas ocasides até decisiva, a atuacio da magonaria nao ocorreu sem dificuldades. Herdeiros da ilustragio, os _macons, obviamente, nao poderiam adotar uma posicao de indiferenga num momento tao rico e propicio para a afirmacgao do pensamento liberal. Mas nao se pode esquecer que, durante todo 0 processo de sua estruturagao, a maconaria foi sempre marcada por cisdes entre seus membros, existindo, pois, niveis de aproximagao diferenciados entre eles € © movimento da ilustragio brasileira. Entretanto, a despeito das divergéncias internas, é possivel visualizar a magonaria como herdeira do discurso ilustrado do século XVIII. E evidente que esta identificagao liga-se, em grande parte, ao préprio contexto de sua formag4o na Europa e ao seu papel dentro da sociabilidade que se estruturou no século XVIIL Apesar do seu cariter secreto/fechado, a magonaria é produto do seu tempo, refletindo a conjuntura € os interesses vividos pelos seus membros. E, como j4 foi assinalado, a sociabilidade propor- cionada pela magonaria a transformava em sede de uma racionali- dade e de uma pedagogia ilustrada, mediante as praticas do sufragio, do debate entre os pares ¢ da deliberagao. E a partir da crenca na universalidade da natureza humana e no racionalismo, pressupostos fundamentais do movimento ilustrado, que o discurso mag6nico se estrutura. Ao se definir como uma escola de formagio moral da humanidade, ensinando as virtudes cardeais a liberdade de pensamento ea independéncia da razaio—, assumia © compromisso clas ‘luzes’, combater as ‘trevas’, representadas pela ignorancia, pela superstigao e pela religiio revelada. Durante os tiltimos anos do século XIX € os primeiros do XX, a presenga da maconaria brasileira nos debates que visavam construir uma nova nogao de identidade nacional foi uma constante. Ela foi, sem dtivida, a principal e a mais bem estruturada organizagio, dentre as que se engajaram na instituigao de uma sociedade mais JUL-OUT 1994 91. ALEXANDRE M. BARATA 7 Ver Circular aos sentantes do Gr. Or. do Brasil ao vale dos benedi- tinas acreditados junto das alias poténcias mags nnicas, Rio de Janeiro, T pografia Perseveranca, 1895, pp. 378. secularizada, Todavia, nio se limitou a combater o ultramontanismo cat6lico. Seus compromissos, de acordo com Quintino Bocaitiva, em 1865, poderiam ser assim sintetizados: “No dia em que aos conselhos deliberativos da nagao subirem homens iniciados nos nossos augustos mistérios, ilustrados pelas nossas doutrinas, edificados pelos nossos exemplos, identifica- dos conosco na crenca pelo progresso, nesse dia, meus irmaos, a magonaria brasileira ter4 realizado a sua magna obra, sem haver descurado os deveres secundarios que Ihe sao inerentes. ... E abolida a escravidao que é nossa nédoa e o nosso pesadelo; acabada a ignorancia das classes inferiores pela difusao das escolas; libertado 0 comércio das peias da rotina suspeitosa; ampliadas enfim todas as liberdades que fortificam uma socieda- de; a instrugio € 0 trabalho livre e moralizado fundarao defini- tivamente a nossa grandeza moral e material, nosso poder e a nossa riqueza. Os direitos politicos acompanharao também de perto o desenvolvimento dos direitos individuais. E abatidas pela lei da fraternidade as barreiras que ainda hoje se opdem entre nds a fusao das nacionalidades, nao havera mais estrangeiros no Brasil, mas concidadaos enraizados ao nosso solo e identificados com os nossos destinos.” 7 Em face aos desafios institucionais com que a maconaria passou a se defrontar apés a Questo Religiosa, cumpre ressal- tar a atuacao dos magons brasileiros, no sentido de expandir as suas atividades. Além do crescimento quantitativo de lojas ma- cénicas nas diferentes regides do pais que, diante da fragilidade dos mecanismos de representagao existentes tanto no Império quanto na Repiiblica, assumiam uma fungao pedagégica de formagao ideolégica de seus membros, os tiltimos anos do século XIX e os primeiros do XX presenciaram uma atividade mais efetiva dos magons no que concerne ao auxilio mtituo e a beneficéncia; na construgio e financiamento de escolas; na imprensa e no Parlamento. Estava em jogo a capacidade da magonaria de influir na estruturagao da sociedade brasileira, barrando, portanto, 0 conservadorismo catélico. O auxilio miutuo e a beneficéncia A ajuda miitua entre os magons constitui a propria esséncia da instituigao, consubstanciada no ideal da fraternidade. A transforma- 40 moral do homem passa fundamentalmente pela pratica da cooperagao, pela solidarieciade e pela fraternidade. Essa busca pelo aperfeicoamento moral do homem, através do desenvolvimento de 92. MANGUINHOS Vol. I (1) ‘A MAGONARIA E A ILUSTRAGAO BRASILEIRA uma consciéncia mais fraterna, acabou por transformar a grande maioria das lojas mag6nicas em instrumento para a pratica da filantropia e da beneficéncia. No inicio do século XX, varias delas passaram a construire financiar asilos, orfanatos e hospitais. Na realidade, o ideal de fraternidade, traduzido na pratica da solidariedade e da beneficéncia, traz consigo uma dindmica equa- lizadora, na medida em que deve ser estendido a todos os homens, a todos os irmaos. Busca-se, através dele, estabelecer a igualdade real © nio apenas juridica entre os homens, acrescentando aos direitos individuais um direito social. Contudo, para os magons, a fraternidade nao pode existir apenas nas palavras, pois a solidez da instituigao encontra-se justamente na solidariedade entre seus membros. O contetido afetivo intrinseco ao juramento de fraterni- dade fortalece os lagos de estreita uniao, dando aos magons um sentimento de seguranca e forga. Como afirmou Simmel (1986, pp. 394-5), o segredo acarreta a reciprocidade, pois a primeira relagao interna da sociedade secreta é a confianga mtitua entre seus membros. Mas a valorizagao do ideal de fraternidade pelos magons apresenta também uma outra fungio: procura negar o carater excludente e aristocritico da sociedade secreta. A maconaria é uma forma de sociabilidade que, por ser secreta, exclui todos os que 0 esto explicitamente incluidos, mas que, paradoxalmente, tem por principio moral abarcar em seu seio toda humanidade. A imprensa e o Parlamento ‘A imprensa foi um importante vefculo de divulgacao do pensamen- to mag6nico. O principal e mais regular periédico foi o Boletim do Grande Oriente do Brasil, ctiado pelo decreto n® 2 de 22 de setembro de 1871. Estava mais voltado para o ptiblico interno, visando a integracao dos macons das diferentes localidades, 20 dedicar um grande espaco a divulgagao dos atos oficiais do Grande Oriente do Brasil. Contudo, a eclosiio da Questio Religiosa provo- cou o surgimento de varios pequenos jornais, com o fim tinico de divulgar a causa magdnica, marcada pelo combate intransigente 20 ‘jesuitismo’ e a defesa da ampla liberdade de consciéncia. No Rio de Janeiro, destacavam-se: A Familia, O Pelicano, Familia Mag6- nica, O Mundo Mac6nico, e Aurora Escosseza. A existéncia de uma imprensa magOnica nao excluia a utilizaco, pelos macons, da chamada grande imprensa. Ao contrario, toda a série de artigos escritos por Saldanha Marinho em combate a0 ultramontanismo dos bispos d. Macedo e d, Vital foi publicada, a principio, no Jornal do Commercio, 0 que evidenciava o interesse em atingir igualmente o puiblico externo. JULOUT 1994 93 ALEXANDRE M. BARATA 8 Ver Boletim do Grande Oriente do Brasil, Rio de Janeiro, 34(5): 196-213, jul. 1909. 9 ver bario de Javari, Organizagées e progra” mas_ministeriais, pp. 251-7; Otaviano Bastos er al, Livro magénico do centendrio, pp. 289-301; José Castellani, A mago- naria e 0 movimento re- spitbicane, passim, Nico- la Aslan, Pequenas bio- grafias’ de grandes ‘magons brasileiros, pas- sim; M. C. Fagundes, ‘Subsidios para a bistoria da literatura magénica brasileira, passim; © Bo- letim do Grande Oriente do Brasil, Rio de Janeiro, 21 (10): 618, dez. 1896. Entre 1870 e 1910, a participagio de magons no Parlamento e em postos de destaque da administragao publica foi bastante expres- siva. O II Congresso Magénico de 1909 chegou a defender expressa- mente: “a maconaria deve fazer a larga politica de principios, contribuindo para que representantes de suas doutrinas tenham palavra © voto nas assembléias legislativas ou nos conselhos municipais da Reptiblica”. ® Essa estratégia diferia, em certa medida, daquela utilizada pela ctipula da Igreja Catdlica. Segundo Sérgio Miceli (1988, pp. 21-3), durante a Republica Velha, raras foram as altas autoridades ecle- sidsticas que participaram diretamente do trato dos negécios puibli- cos. As metas expansionistas da organizacao eclesiastica desenvolveram-se no sentido da formalizagao de uma sélida alianga politico-doutrindria com as liderangas oligirquicas, convertendo a propria Igreja em espago de encenagao das solenidades de legiti- magio € ostentacio deste poder oligarquico. Uma anilise dos 85 nomes que compuseram os gabinetes ministeriais, durante o Segundo Reinado, entre 1870 e 1889, revelou que aproximadamente 13% pertenciam ou ja tinham pertencido & maconaria. J no Conselho de Estado este percentual aumentava para 30% dos 48 conselheiros no mesmo periodo. Por sua vez, entre os 77 senadores vitalicios das seis provincias mais importantes do Império — Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Si0 Paulo, Bahia e Pernambuco — cerca de 21% foram magons. E preciso ressalvar que esses dados sao parciais. A dispersio das informagées nas diversas lojas do pais dificulta a obtengio de uma relagio completa de todos os macons atuantes no periodo. Assim, para construir as percentagens, trabalhei com dados incompletos obtidos em algumas relagdes publicadas nos Boletins do Grande Oriente do Brasil e na propria historiografia mag6nica? Na Reptiblica, a presenga magGnica no diminui, continuando expressiva. Pode-se, inclusive, dizer que grande parte da primeira geracio republicana possuia estreito contato com a Ordem macénica. Foram magons Deodoro da Fonseca, Prudente de Morais, Campos Sales, Nilo Pecanha, Quintino Bocaitiva, Francisco Glicério, Lauro Sodré, Rui Barbosa, Silva Jardim, entre outros. Escolas Entretanto, é a construgao de uma ampla rede de escolas primarias e de bibliotecas 0 instrumento mais s6lido utilizado pela magonaria para a divulgagio das suas idéias. As escolas e aulas noturnas para 0s filhos dos magons e para as camadas populares fortalecia a identificagdo das lojas mag6nicas como herdeiras das ‘luzes’, 94 —MANGUINHOS Vol. 1 (1) 10 Ver 4 Familia, Rio de Janeiro, 12.12.1872, p. 1; ‘Boletim» do Grande O- Tiente do Brasilao vale do Lavradio, Rio de Janeiro, 6.(1):31, jan. 1877. 1 Ver Boletim do Gran- de Oriente Unido do Bra- sil, Rio de Janeiro, 1 (8): 301, jul. 1872. A MAGONARIA E A ILUSTRAGAO BRASILEIRA libertadoras da consciéncia dos homens e suas fiéis escudeiras no combate as trevas, representadas pelo fanatismo da Igreja Catolica. De forma andloga, essas escolas se contrapunham a identificagao da magonaria com a idéia do compl6, da conspiragio, tao incentivada pela Igreja. A instalagio de escolas era uma pritica largamente utilizada na Europa pela magonaria francesa. No Brasil, esse engajamento comegou a partir cle 1870, atingindo seu apogeu no inicio do século XX. Ja em 1872, no Rio de Janeiro, foi fundada uma loja com o sugestivo nome de Vesper, e com o fim especial de difundir a instrugio nas classes populares. Em 1877, 0 visconde do Rio Branco dirigiu uma sesso extraordinaria no Grande Oriente do Brasil em que se discutiu uma atuagio mais efetiva da magonaria nas atividadles de instrugao ptiblica.!° Estas iniciativas demonstram que, para ela, a universalizagao do ensino primario laico era o principal remédio para combater os adversitios dlo progresso, os partidarios da ignorancia, do fanatismo e da intolerZincia, ou seja, era o melhor meio de realizar sua ‘alta politica’ “Instruamos nossas mulheres, instruamos nossos filhos. Nés os liberta- remos do medbo, do terror que certos homens se obstinam em fazer penetrar em suas almas fracas e sensiveis por cloutrinas insensatas, € por mentiras que todos os dias impunemente divulgam.”! Esta orientagao se manteve sempre em vigor, tanto que, em 1915, Lauro Sodré, grao-mestre da Ordem mag6nica no Brasil, deu um Passo importante para a expansio do ntimero de escolas mantidas pela magonaria. Pelo decreto n® 513 ficava definido que, nas localidades onde nao existissem escolas gratuitas mantidas pelo Estado, as lojas e os magons ali residentes deveriam suprir essa falta, Buscava-se ocupar, dessa forma, 0 vazio deixado pela insufi- ciente atuagao do Estado, tanto imperial quanto republican, no setor educacional (Bastos ef al., 1922, p. 235) A Tabela 2, extraida do Livro mag6nico do Centenario, revela a dimensio do trabalho desenvolvido pelos macons brasileiros de 1915 até julho de 1922, com destaque especial para os estados de So Paulo e Rio de Janeiro. Para os macons brasileiros, a manutengio de escolas, voltadas sobretudo para a alfabetizagio das camadas populares, era mais uma tarefa visando elevar o pais ao nivel do século. Para alcangar a civilizagao era preciso difundir as ‘luzes’, Contudo, nesse mesmo. periodo, a Igreja Catdlica também se voltou para a prestagio de servigos educacionais. Assim, magonaria € Igreja disputaram no mesmo espago a formagao de mentes. No bojo das mudangas internas sofridas pela Igreja Cat6lica a partir de 1870, a prestagio de servigos educacionais, sobretudo para as elites, tornou-se uma das principais diretrizes adotadas pela JUL-OUT 1994 95 ALEXANDRE M, BARATA Tabela 2: Nimero de escolas mantidas pela maconaria brasileira e respectivos alunos, julho de 1922 Estados Numero Alunos Estados Namero Alunos Acre (territério) 15 275 Parana 4 135 ‘Amazonas 3 131 Pernambuco 4 270 Bahia 4 118 Rio G, do Norte 2 53 Cearé 3 107 Rio G. do Sul 3 53 Espirito Santo 1 = Rio de Janeiro 10 598 ‘Maranhao 2 98 Santa Catarina 2 58 Minas Gerais 10 244 S30 Paulo 59 4.626 Pars 205 Sergi = = Paraiba 59. TOTAL 132 7.030 Fonte: Octaviano Bastos et alii, Livro magénico do centenério, p. 237. 96 MANGUINHOS Vol. organizagio eclesidstica, dando resultados mais expressivos durante a Republica Velha, com a criagao de colégios religiosos em pratica- mente todas as cidades-sede das circunscrigdes eclesidsticas. A criagao dessa rede de escolas religiosas, tanto femininas quanto masculinas, contou com o significativo apoio dos governos estaduais, através da cessio de terrenos e prédios em condigées vantajosas, ou da concessio de subsidios financeiros diretos ou bolsas de estudo. Para Sérgio Miceli (1988, p.145), além de proporcionar uma fonte de renda segura para a manutengio da estrutura organizacional ecle- sidstica, a prestagio de servicos educacionais para as elites tornou sua ligagio com a Igreja mais estreita. Enquanto a Igreja se voltava para a educagio das elites, a maconaria ampliava o ntimero de escolas leigas destinadas aos setores populares. Tal estratégia revelava, de certa maneira, um interesse em ampliar 0 recrutamento de membros junto a esses setores, 0 que requeria, conseqtientemente, posicionamentos mais claros sobre os problemas da chamada questio social. Em 1892, no discurso de posse como grio-mestre da Ordem macGnica, Antonio Joaquim de Macedo Soares, ministro do Supremo Tribunal de Justica, propés que a ‘questo social’ se transformasse no eixo central de atuagao da magonaria brasileira. Em 1902 e 1903, por iniciativa da loja Amor ao Trabalho, Belisario Pernambuco (1903, p. 8) realizou duas conferéncias no Grande Oriente do Brasil em comemoragio ao 1° de Maio, com grande repercussio entre 0s macons e na imprensa, Nas duas ocasides, defendeu o engajamento da magonaria brasileira na “grande revolugio pacifica de transformagao social, exercendo-se a propaganda de libertagio dos proletirios, pelas normas da eqiiidade, evitando-se, com maior empe- 1@ A MAGONARIA E A ILUSTRAGAO BRASILEIRA nho, as violéncias, dando sempre garantias ao trabalho — capital intrinseco — e & propriedade, fonte de salirio — capital remune- rador”. ‘Associando os principios socialistas com o ideal de fraternidade macénico, Belisdrio Pernambuco (idem, p. 22) defendia que o tinico meio de harmonizar 0 conflito entre capital trabalho era o incentivo 4 formagao de associagées operirias a ampliagio do ntimero de escolas voltadas para o operariado: “Sim, meus irmaos, a causa € nobre porque redime; é santa porque é humanitaria; é politica porque da melhor organizacao a sociedade; é filoséfica porque inspira-se no cristianismo; é finalmente mag6nica porque é limpa e pura, fazendo do vilipendiado operario um homem livre e de bons costumes!”. Para 0 autor, ao incentivar a fundagao de escolas voltadas para os setores populares, a maconaria demonstrava na pritica a sua utilidade te6rica: trabalhar pelo melhoramento material e moral e pelo aperfeigoamento intelectual e social da humanidade (ibidem, p. 15). Como afirmou o editorial do jornal Aurora Escosseza, a magona- ria, como a luz, deve estar em toda parte: “atuar sobre a educacao que di a primeira forma aos coragdes humanos, sobre as sociedades 2 Ver Aurora Escoseza, que agrupam os individuos e, assim, influindo sobre os governos Rio de janeiro, 1.11881, s a pel. que caminham & frente das sociedades” .!? BARATA, A. M.:‘A magonaria e a ilustragao brasileira jul-out., 1994 . Hist6ria, Ciéncias, Satide— Manguinbos (1): 78-99, Além de enfatizar a importincia da instituigto mag6nica brasileira no final do século XIX ¢ inicio do XX, este trabalho pretende, de alguma forma, contribuir para redimensionar a atuagio dos pedreiros-livres naquele momento tio significativo de nosso processo hist6rico. Contrariando a tradigio historiogrifica, que julga a magonaria uma instituigao inexpressiva no periodo, o artigo procura demonstrar que ela foi uma das principais instituigdes engajadas na luta pela estruturacao de uma nova identidade nacional, entrando em confronto direto com a Igreja Catdlica, fortalecida pelo discurso conservador ultramontano. Mostra também que a eclosio da Questao Religiosa, em 1872, além de galvanizar 0s debates mag6nicos, acabou propiciando transformagdes em seu campo de atuacao. A primeira foi a maior identificagao com o movimento da ilustragao brasileira na sua luta pela modificacao da face do pais. Outra transformagio foi ampliar os investimentos em beneficéncia ¢ instrugio, como forma de se contrapor ao fortalecimento da Igreja Catélica: estava em jogo a capacidade de cada uma dessas instituigoes de influenciar a organizagao da sociedade. PALAVRAS-CHAVE: magonaria; ilustragio brasileira; Igreja Catélica REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS Agulhon, Maurice Pénitents et francs-magons de Vancienne Provence: essai sur la sociabilité 1984 méridionale. 2 ed., Paris, Fayard, JUL-OUT 1994 97 ALEXANDRE M. BARATA Aslan, Nicola sd. Aslan, Nicola 1973 Bandecchi, Brasil 1982 Barreto, Célia de B. 1985 Barros, Roque S. M. de 1986 Barros, Roque S. M. de 1985 Barros, Roque S. M. de 1985 Bastian, J-P. (org) 1990 Bastos, O.; Carajurd, ©. e Dias, E. 192 eli, J. AF. 984 Beni Besouchet, L 1985 Carvalho, José M. de 1990 Carvalho, José M. de 1985 Carvalho, José M. de 1981 Castellani, José 1989 Chacon, Vamireh 1989 Chaunu, Pierre 1985 Chevalier, J-J. 1983 Coggiola, O. 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