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O azulejo na arquitectura do Porto

O Azulejo na arquitectura do Porto

Introdução

“...A cerâmica, que intensamente decora e reveste mesmo o exterior dos edifícios é a
arte com que o Oriente capta e reflecte a luz solar fazendo dela a verdadeira matéria da
própria arquitectura. (...)”
Giulio Carlo Argan

Defendem alguns autores possa ser o mosaico romano o antepassado do azulejo. De


facto os romanos aplicavam pavimentos de mosaicos - a que chamavam opus tessallatum -
sob a forma de pequenos cubos polícromos de pedra ou mármore, constituindo painéis
decorativos com formas figurativas ou geométricas. Este tipo de pavimento perdurou até ao
início da Idade Média e acabou por ser o antepassado do estilo cosmatesco, que se
desenvolveu em Itália durante os séculos XII e XIII, que consistia no corte de placas de
variados tamanhos de mármore colorido e que passou a usar-se também como decoração de
parede. Porém, embora considerando já uma certa aproximação, nada disto seria ainda aquilo
a que hoje chamamos azulejo e mesmo esta aproximação acaba por ser muito tardia, pois que
a chegada dos povos árabes já no século VIII havia levado a que na Península Ibérica se
começasse bastante antes a utilizar a cerâmica mural como parte integrante dos edifícios.
De facto o azulejo, desde há muito conhecido dos povos do Médio Oriente, cedo
adquiriu uma grande importância na arquitectura islâmica. Para isso contribuiu, seguramente
a sua aplicação ornamental no exterior dos edifícios, atribuindo-lhe um carácter estrutural que
inclusive haveria de tardar a chegar à arquitectura portuguesa, sendo que, inicialmente, o
azulejo será utilizado apenas como decoração do interior de alguns edifícios, sobretudo
igrejas, conventos e palácios.
Os primeiros azulejos “alicatados”, assim chamados devido à sua técnica de fabrico,
pois eram cortados à medida com um alicate, desenvolvem-se na periferia das maiores
cidades do al-Ândalus, nomeadamente Córdova, Granada e, sobretudo, Sevilha, onde se
situavam as primeiras olarias que fabricam azulejos e que daí são enviadas para os outros
locais da península, nomeadamente para o território que é hoje Portugal.
Assim, é a tradição hispano-árabe, de carácter moçárabe e mudéjar que vai imperar até
ao início de uma produção portuguesa que verdadeiramente apenas se irá dar no início do
século XVI e que no entanto, tal como já foi referido, se irá confinar inicialmente apenas ao
interior dos edifícios.

Uma breve história do azulejo na arquitectura do Porto

Aparentemente é apenas a partir da época dos Descobrimentos e da expansão


portuguesa, durante o século XVI, que surge uma produção própria nacional de azulejos, na
qual a participação do Brasil parece ter uma significativa relevância.
Sabe-se que a partir de determinada altura, durante os dois séculos seguintes, as naus
que partiam de Lisboa para o Brasil levavam no porão, a servir de lastro, grandes quantidades
de azulejos, fosse sob a forma de painéis decorativos pintados, fosse sob a forma de azulejos
brancos. Assim, durante este período irão aparecer no Brasil alguns edifícios com as fachadas
integralmente revestidas de azulejos. Os bons resultados obtidos com a aplicação deste
material, influenciaram rapidamente uma utilização mais extensa e há mesmo alguns edifícios
brasileiros desta época que aparecem revestidos com azulejos brancos, que se destinariam a
revestir interiores. Talvez seja, porém, algo precipitado tirar ilações peremptórias deste factor,
pois não dispomos de elementos de estudo suficientes para relevar do papel fulcral, ou não, da
contribuição brasileira.
Seja como for, a generalização decorativa exterior, em que o azulejo é utilizado como
revestimento de fachada, dentro de um contexto arquitectónico, apenas se irá desenvolver
após a industrialização. A emigração intensa para o Brasil acabaria por levar a que, no seu
regresso, no início do século XIX, após a independência do Brasil, os emigrantes começassem
a utilizar nas suas casas o azulejo de fachada tal como sucedia no Brasil. Este gosto passa a
ser rapidamente imitado pelas populações, sobretudo nos locais onde essa emigração havia
sido preponderante, nomeadamente na região entre Douro e Minho. Este factor aliado à rápida
propagação das técnicas inovadoras de fabricação de azulejos propiciadas pela mecanização
que aportou a Revolução industrial levou a que, durante o século XIX, a utilização do azulejo
como revestimento arquitectónico de eleição se propagasse a todo o país.
Curiosamente é no litoral norte de Portugal que a tradição do revestimento azulejar de
fachadas vai atingir maior projecção e desenvolvimento, nomeadamente com aquilo a que
soeu chamar-se “fachadas especiais”, geralmente atribuídas a um só autor, alcançando a
região do Porto grande preponderância, sobretudo graças à implementação de fábricas que se
vinha fazendo sentir a partir de meados do séc. XVIII, nomeadamente: Massarelos (1766),
Miragaia (1775), Cavaquinho (1778) e Santo António do Vale da Piedade (1785). No século
seguinte o aumento de fábricas é exponencial e surgem mais cinco novas fábricas,
nomeadamente: Carvalhinho (1840), Fervença (1824), Torrinha (1844), Senhor do Além e
Devesas (1865). É precisamente no Porto que se encontram os melhores exemplares deste tipo
de aplicação de azulejo em fachadas, como a Igreja do Carmo de Mário Branco segundo
desenhos de Silvestre Silvestri (1910), a Capela das Almas de Eduardo Leite (1929), as
Igrejas dos Congregados (1929) e de St.º Ildefonso (1932) de Jorge Colaço.
Porém, se a atitude de integrar o azulejo no conjunto arquitectónico como um todo lhe
atribuiu uma nova dimensão e constituiu um importante passo na dignificação da arte
azulejar, em termos formais ela revela-se, infelizmente, na generalidade dos casos sob a forma
de revivalismos serôdios e de carácter historicista, que se limitam a recriar os painéis da época
barroca com que se decoravam alguns interiores de edifícios.
Os casos de fachadas Arte Nova revestidos com azulejos do mesmo estilo são, nesta
época de transição de século, os mais interessantes mas, infelizmente, bastante raros. No
Porto são apenas pontuais.
No entanto Lisboa, que inicialmente liderara este tipo de produção e onde se podem
encontrar alguns dos mais importantes exemplares desta forma de revestimento, irá
confrontar-se com uma crescente perda de protagonismo sobretudo devido à entrada em vigor
de uma proibição camarária que impedia a colocação de azulejos nas fachadas e que viria a
ser contestada pela primeira vez pelo arquitecto Tomás Ribeiro Colaço, em Junho de 19381.
No entanto a capital teria que esperar ainda quase uma década (1946) para que uma primeira
manifestação, embora tímida, de revestimento de uma fachada de um edifício tivesse lugar.
Assim, é na viragem do século que aparece aquilo que aparenta ser o grande precursor
do revestimento cerâmico arquitectónico pensado enquanto parte integrante da própria
arquitectura - as fachadas inteiramente decoradas com azulejos de igrejas e capelas.

O azulejo na arquitectura contemporânea e os painéis cerâmicos de autor

Assim é apenas no final do século XIX, início do século XX, que o azulejo passa a ser
verdadeiramente integrado na arquitectura, levando a que seja também a partir desta época
que a intervenção dos arquitectos começa a fazer-se sentir. Graças à proibição que existia em
Lisboa, a primeira metade do século XX vai ser dominada pelo Porto.

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Casos como o interior da Estação de S. Bento do arquitecto Marques da Silva (1915),
que é o maior conjunto nacional de azulejos num só edifício, pintados por Jorge Colaço,
relevam da profícua relação entre os arquitectos e os artistas/ceramistas nortenhos, ajudando a
cristalizar esta situação e incentivar o uso cada vez mais intenso do azulejo na arquitectura.
Trata-se, porém, de um conjunto interior. Um dos melhores exemplos que podemos observar
no Porto de revestimento integral de uma fachada será, seguramente, o edifício dos antigos
escritórios da Fábrica de Cerâmica das Devezas. Trata-se de um edifício, aparentemente
projectado por José Joaquim Teixeira Lopes em 1890, que constitui um caso de revivalismo
de arquitectura hispano-muçulmana, dentro do carácter romântico da época.
O modernismo que entretanto despoleta vai começar a aportar uma nova forma de ver
a integração do azulejo na arquitectura. Em primeiro lugar, o carácter a-histórico deste
movimento vai levar a que se abandonem as anacrónicas soluções anteriores de carácter
hitoricista. A preocupação então crescente com os espaços públicos e sociais leva por sua vez
a que se comecem a pensar formas de levar a arte às populações menos favorecidas, sendo o
azulejo visto como uma forma eficaz de o fazer e para o qual contribui, seguramente, o seu
carácter económico e resistente ao tempo e à intempérie, começando assim a ser visto como
um dos materiais ideais para levar a arte ao contacto com um público. Casos paradigmáticos
são os painéis executados pelo grande pintor portuense Júlio Resende para as torres do bairro
social do Aleixo e para o café “Sical”, projectado pelo arquitecto Carlos Loureiro, ou mais
recentemente os painéis para o salão nobre dos paços do concelho de Matosinhos (1987),
projectado por Alcino Soutinho. Da mesma forma podemos citar também os painéis
exteriores e interiores de Jorge Barradas no “Edifício Atlântico”, da ARS arquitectos (1946);
o conjunto habitacional do Lima 5, do arquitecto Carlos Loureiro, com azulejos idealizados
pelo próprio e, muito recentemente, os azulejos interiores executados na fábrica “Viúva
Lamego” para a Casa da Música, do arquitecto holandês Rem Koolhaas.
Casos há em que os painéis adquirem um carácter singular na própria arquitectura
sendo predominantes em relação ao suporte e local onde se inserem. É o caso, por exemplo do
painel exterior do café “A Brasileira”, de Cecília de Sousa; dos painéis interiores do edifício
“A Confidente”, de Mário Silva (197...) e, sobretudo, da grande obra-prima de Júlio Resende
“A Ribeira Negra” (1985).
Nos últimos anos o revestimento exterior tem adquirido também um grande impulso,
facto para o qual, no Porto bastante contribuiu o arquitecto Carlos Loureiro e que se pode
verificar em obras como as estações do Metro, de Souto de Moura e Álvaro Siza.
Conclusão

O azulejo atinge no Porto características verdadeiramente singulares. As


características de que se reveste propiciam uma aplicação intensa e profusa que se verifica
sobretudo a partir de meados do século XIX, dando uma nova característica a toda a cidade.
Por outro lado algumas importantes obras recentes, como a Casa da Música no Porto, o
Pavilhão de Portugal em Lisboa, e estudos aportados por alguns arquitectos contemporâneos,
como o de Carlos Loureiro, sobre esta arte milenar, vieram dar novo impulso à sua utilização
na arquitectura.

Manuel da Cerveira Pinto


2008-03-24

Bibliografia

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