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MODUPE, meu amigo I Na esquina O professor se despediu da turma desejando a todos um bom feria- do. Era sexta-feira a tarde. Apressadamente, os alunos se dirigirarn ao portao da escola e foram encontrando pelos corredores os outros alunos que saiam de outras salas. No portao ia se formando uma grande multidao: muitas pessoas aguardavam o horario de saida. De longe se podia escutar o barulho das conversas. Anirnados, despe- diam-se ou combinavam encontros durante o feriado. Fabinho foi correndo para o campo de futebol: os colegas do time 0 esperavam para iniciar a partida. Ele era um bom goleiro e o time no comecava a partida sem a presenga dele. Na correria, ao cruzar uma esquina, sem perceber, ele deixou cair seu chaveiro com as cha- ves de casa. As chaves ficaram 1a, perdidas Anderson saiu distraido e, antes de voltar para casa, decidiu passar na biblioteca da escola para pegar um livro que 0 professor havia recomendado, Quando chegou em casa, depois de muita conversa na porta da escola, sua mae logo lhe perguntou: — Anderson, a tia Fernanda ligou e nos chamou para irmos passar © feriado com ela. Ja estou arrumando as nossas mochilas. Por que vocé nao convida o Fabinho para ir corn a gente? eK Moburé, Meu AMIGO logo ali! Ena mesma hora, Anderson chega com esse convite. Toma- ra que os meus pais me deixem ir para a praia!” Uma vez obtido o consentimento dos pais, Fabinho arrumou rapida- mente a mochila e, junto ao seu amigo, foi para a casa de Anderson, de onde eles sairiam para a viagem. II Na praia Acasa da tia Femanda ficava bem perto da praia, bastava caminhar um pouco para chegar até a areia. De manha bem cedo,Vera e Femanda le- varam Fabinho e Anderson para ver a chegada dos barcos de pesca. Elas aproveitaram para comprar peixes bem frescos. Tia Fernanda gostava de ficar conversando com os pescadores: perguntava se a pesca tinha sido boa, qual peixe que eles recomendavam para 0 dia, se o tempo ia mudar. Os pescadores respondiam tudo em detalhes, pareciam gostar dela. An- derson e Fabinho ficaram impressionados com os conhecimentos dos pescadores: como eles podiam saber tanto sobre o tempo? Eles faziam previ- sOes para a tia Fernanda e nunca erravam; até mesmo a chuva que caina na tarde de domingo eles disseram que iria acontecer. O feriado estava perfeito: muito sol e calor. Apés a compra dos pei- xes, todos foram juntos para a praia. Anderson e Fabinho ficaram mergulhando e nao queriam mais sair da 4gua. O namorado da tia Fernanda havia lhes emprestado mascaras de mergulho e uma bola de futebol, de modo que eles se divertiam muito. Na hora do almoco, tia Femanda preparou o peixe enquanto Vera cuidava dos acompanhamentos. Quando Fabinho e Anderson retor- naram da praia, j4 com muita fome, o almoco ja estava pronto, Como bons meninos, eles ajudaram na limpeza da cozinha. WY STEFANIA CAPONE £ LEONARDO CARNEIRO No tiltimo dia do feriado, no final da tarde, Anderson e Fabinho fo- ram jogar bola na praia para se despedirem. Ficaram 14 distraidos até que perceberam a chegada de um grupo de pessoas vestidas de branco, carregando flores, cestos com comida, um pequeno barco de brinquedo e trés atabaques. Aos poucos, aquelas pessoas cavaram alguns buracos na areia, nos quais acenderam velas e depositaram as flores. Anderson e Fabinho continuavam jogando, mas prestavam cada vez mais atencao no grupo que comegara a tocar os atabaques, a cantar e a dancar TS ee Mopupé, MEU AMIGO vem fazer festa para lemanja na praia; por isso no Brasil muita gen- te usa branco na noite do ano-novo. £ para agradecer e para fazer pedidos a ela. —Puxa! E 0 que eles esto cantando agora? — Essa é uma cantiga para pedir sorte e ajuda. Todo 0 povo de santo , pois ela é 0 orixa que protege as vem pedir protecao para Iemanj; cabecas das pessoas. Anderson observava atentamente o grupo de pessoas levantarem 0 pequeno barco e o levarem até as aguas. Elas soltaram 0 barco, que foi navegando até desaparecer de vista Ill De volta para casa Na semana em que voltaram para casa, Anderson e Fabinho tiveram que fazer um trabalho para a escola Eles marcaram de se encontrar na casa do Fabinho para terminar de escrever. Quando ja estavamn cansados, Lticia, a mie de Fabinho, os chamou para lanchar. Sen- tados A mesa estavam Lucia, Anderson, Fabinho e Paulo, o pai de Fabinho. Os meninos comegaram a falar sobre o feriado que tinham passado juntos na praia. Contaram dos mergulhos, dos pescadores, dos peixes que comeram eda festa para lemanja que assistiram. Depois, Anderson perguntou: —Vocés ja viram uma festa de lemanja? Paulo respondeu: — Sim, Anderson, nés ja participamos dessa festa muitas vezes. E muito bonita, nao é? —£ mesmo, mas fiquei muito curioso. O Fabinho me explicou umas coisas, mas eu queria saber mais, por exemplo: tem outras festas como essa? A gente pode ir se quiser? —Sim, Anderson, tem outras festas. Mas nem todas sao na praia. Tem festas que so feitas na mata, outras em cachoeiras, mas a maioria acontece dentro dos terreiros e barracées, que sao os templos dessas JOE Mopurf, MEU AMIGO profundos conhecedores das religides e do poder das plantas, dos animais e dos minerais. No Brasil se juntararn pessoas de diversos lugares da Africa, com diferentes formas de conhecimentos, e passa- ram a cuidar do povo que aqui estava — nao somente dos africanos, mas de todos aqueles que buscavam a sua ajuda. Dessa mistura de diversos povos, surgiram essas diferentes religides no Brasil. No ter- reiro de candomblé, por exemplo, vocé pode encontrar orixas que eram cultuados em diferentes lugares da Africa. Agora, a tradicao dessas religides era a transmissdo oral de seus conhecimentos, por isso, nao havia livros como a Biblia, nao. Era mais ou menos assim: tudo o que era falado, vocé tinha que gravar na memoria! Mas, me- ninos, vao terminar 0 trabalho que vocés estao fazendo e no sabado a gente continua a conversa 1A no terreiro. Prometo que vou explicar um monte de coisas. 15 i | IV Na internet A curiosidade de Anderson era grande demais e ele nao conseguiu esperar até o sabado. Naquela mesma noite, chegando em casa, ele foi pesquisar na internet sobre os orixas. E comecou a descobrir um monte de coisas que ele nao sabia Encontrou alguns mapas que mostravam a rota dos escravos para 0 Brasil: rotas que saiam do Golfo da Guiné, do reino do Daomé e das cidades-estado dos iorubas, da regio do Congo, de Angola e até de Mocambique. Descobriu a historia da rainha Jinga de Matamba que enfrentou a Coroa portuguesa em Angola no século XVII. Descobriu que na Africa havia diferentes regides que cultuavam diferentes orixas; que no reino de Oyé se cultuava Xango, o on- x4 do fogo, da justiga e do poder, que em Oshogbo se cultuava Oxum, a iaba da beleza, da fertilidade e da riqueza, que em Ketu se cultuava Oxéssi, orixa cacador que vivia nas matas. Ao serem trazidos para o Brasil, os africanos criaram uma nova religiao que juntava todos os orix4s em um s6 espago — 0s terreiros. Nesses terreiros, podia-se cultuar os orixas e manter viva a heranga da cultura africana no Brasil STEFANIA CAPONE & LEONARDO CARNEIRO Anderson descobriu que existem varias comidas que vieram da Africa € que, no Brasil, elas sao preparadas pelas baianas para serem vendidas nas Tuas ou servidas nos terreiros. Hoje, elas fazem parte da culinaria brasileira: o acarajé, 0 vatapa, 0 caruru, 0 cuscuz, 0 abara, 0 lelé. De repente, a avo de Anderson entrou no quarto dele e perguntou: — Menino, 0 que vocé esta fazendo? — Estou pesquisando sobre os orixas, vo. — Larga disso, menino. Ja € tarde e isso é tudo crendice! Anderson nao se deu por vencido e continuou a sua pesquisa na internet. Em um novo mapa, ele descobriu importantes centros das teligiGes afro-brasileiras: Salvador, Recife, Sdo Luiz do Maranhio, Rio de Janeiro, Porto Alegre... Mas também viu que essas religides sao praticadas em quase todas as cidades brasileiras. Descobriu que o samba havia nascido nas Pportas dos terreiros de candomblé e que a capoeira havia sido criada pelos descendentes de africanos no Brasil. Descobriu ainda o jongo, o maracatu e as di- ferentes manifestacGes do catolicismo negro: as. congadas, as folias e as charolas. Quanta coisa interessante havia para aprender com essas religiGes e com esses festejos! Os africanos introduziram uma riqueza tamanha no Brasil, 18 Mopupf, MEU AMIGO Ea quantidade de palavras da lingua portuguesa que vieram da Afri- ca: jilé, tutu, quindim, vatapa, dendé, batuque, candango, curinga, senzala, xingar, macumba, miganga, ginga, dengo, farofa, moleque, neném, quitanda, samba... Mas Anderson ficou pensativo quando leu um artigo que dizia que os cultos afro-brasileiros haviam sido proibidos e que seus praticantes, no passado, tinham sido discriminados e perseguidos pela policia Comecou, ento, a se perguntar por que Fabinho nunca havia Ihe contado nada sobre os orixas. Eles eram tao amigos e nunca haviam conversado sobre isso. Sera que Fabinho queria esconder que pertencia a essa religiao? ‘Anderson foi deitar, mas demorou a pegar no sono. Aquelas ideias haviam mexido com ele 19 V No terreiro Vera, a mae de Anderson, resolvera ir junto para a festa de candor blé para a qual Paulo e Lucia, os pais de Fabinho, haviam convidado. Como ela também nao tinha familiaridade com essa religiao, achou que seria interessante conhecer. Assim, no sabado a tarde, Vera e Anderson foram para a casa de Fabinho e de 1a foram todos juntos para um terreiro de candomblé que ficava no bairro vizinho. Paulo foi explicando algumas coisas enquanto Lucia dirigia: — £m um terreiro, nés nos tratamos como uma familia, que chama- mos de familia de santo: existe a mae ou 0 pai de santo, os filhos de santo, os avés e as avos, as tias € 0S tios, os sobrinhos de san- to... Nessa familia ha um grande respeito pelos mals velhos, sao eles sao eles que conviveram com as ha muito tempo, que mantém a memoria do terreiro, os mais antigos, que sabem como cultuar os orix: ncia e conhecimentos do qui mos a béngao aos mais ve- enfin eles tém mais experié esos tanls novos. Por isso, sempre saudamos € pedi thos. Vocés vao ver. Quando chegaram a porta do terreiro, Paulo explicou: assentamento de icenga para pode Exu para — Aqui i empre um qui na entrada existe semp! a dar protegao ao terreiro e sempre pedimos i R% JoNE E LEONARDO CARNEIRO grerania CAP grande arvore ali? Essa éuma que 0S. espiritos desde o tempo em ada, cheia de ergando aquela dos an- roco. Acreditamos estemunho vivo como esta enfeit 1. Vocés esto enx grada chamada I m nela. Ela é um t i fundado; yejam entra arvore Sa} cestrais reside’ que este terreiro fo Jacos brancos. s. Caminharam até a entrada de feitado, com flores, lai De uma das portas em-vestida, ya olhavam curioso’ Anderson e Ve tava também todo en uum barracao que es! GOs, conteceria 0 Olubajé uu uma senhora muito bi ares coloridos que pendiam nsa. Ela se dirigiu a binho. Ela quadros na parede... Ali a javarn para o barracao, entro nde turbante na cabeca e col: a mae de santo Rosa de Ta cao, e assim fizeram Lucia e Fal e Vera e os convidou a sentarem, que di com um gral de seu pescogo; era paulo, que tomou-lhe a bén' sorriu simpatica para Anderson pois a cerimonia iria comecar. Em um dos cantos do barracao havia trés atabaques, que logo come- caram a ser tocados Fabinho e Paulo se juntaram aos rapazes que estavam tocando os tambores. Liicia ficou sentada fazendo compa- nhia para Anderson e Vera, e logo tratou de explicar-Ihes 0 que esta- va acontecendo. A porta por onde saira mae Rosa de Iansa dava para um quarto de onde comegou a sair uma grande fila de pessoas; elas safam dancgando com umas roupas tao bonitas... Comegava Bore a roda de candomblé que tocava cantigas para todos os orixas ni um determinado momento algumas pessoas que estavam na roda 22 WK Mopupé, MEU AMIGO comegaram a dangar de olhos fechados, e como dangavam bem! Lu- cia Ihes explicou que aquelas pessoas haviam incorporado os orixas. De repente, ela exclamou: — Olhem, agora vao servir 0 Olubajé! Algumas pessoas comecaram a sair pela porta de um dos quartos do terreiro. Elas entravam no barracao carregando diversas bandejas e panelas de barro cheias de iguarias. No chao, no meio do barracao, foram colocadas algumas esteiras sobre as quais se depositavam as comidas: “E a mesa do Olubajé”, Lucia exclamou. Ao redor da mesa, algumas mulheres se sentaram para servir a comida. Em seguida, sairam os orixés Omolu, Nana, Oxumaré e Eua, que fica~ ram dancando ao redor da mesa. Que impressionantes que eles eram! Quando comecaram a servir, cada um dos presentes foi atéa mesa, e as mulheres serviam um pouco de cada comida em pratos feitos de folhas de mamona. Liicia explicou que era importante comer daquilo, pois era urn banquete ofertado por todos os orixas para Omolu, que dividia conosco a fartura e nos brindava com a cura de nossas doencas: — Omolu é considerado o rei da terra, mas ele esta também ligado ao fogo no interior da Terra, as lavas dos vulcées. Ele é 0 orixa que tem o poder da cura de muitas doengas, por isso é considerado o grande médico da nossa religiao, Muitas lendas sobre Omolu dizem que ele sofreu de todos os males, foi mendigo, malquerido 23 RK STEFANIA CAPONE B LEONARDO CARNEIRO or o transformou em um grande os humanos. OS orixa: tureza. Nana, por s, mas toda a sua d cas e dos sofriment ou a elementos da na ue reina sobre 0S pantanos e é ja e, segundo a nossa tanos, para elas pessoa: iS ES- conhecedor das doen odos ligados a forgas uma iabaé muito idosa q possui grande sabedor alama, retirada dos pan Mas ao final da vida, todos a nos emprestou, tao ti exemplo, é a mae de Omolu. Ela mitologia, foi ela quem cedeu s corpos dos seres humanos. Iver para Nana aquilo que el os corpos tém que voltar a terra, moldar o: nés temos que devo! ou seja, quando morremos, noss 4 lama de onde viemos. E quem entrega nossos corpos a Nana é 1 da terra. Assim o ciclo da vida pode se c! m vir ao mundo: vida e morte estao rgia se transforma. Omolu, o senho ompletar e novos seres humanos pode ligadas. Na natureza, toda matéria e toda ene! Acreditamos que a matéria que forma 0 nosso corpo retornara ao mundo, e a nossa energia, que nos chamamos de axé, também tem que ser devolvida. Por tudo isso, € muito importante para nos participar do Olubajé e comer 0 banquete que Omolu nos oferece: assim recebemos a sua bénco, a protecao contra muitas doen¢as e também pedimos que ele nos acompanhe quando partirmos — Lucia explicou. Com a mesa no chao, Omolu pés-se a dangar pelo barracao. Seu ros- to $ seu corpo eram cobertos de palha e ele carregava nas maos um objeto chamado xaxara. As pessoas cantavam, batiam pal: i tavam a saudacao de Omolu: “Atoté, meu pai! Atotat" a 24 RK Mopupé, MEU AMIGO Anderson e Vera deixaram o terreiro impressionados com a beleza e a riqueza daquela religiao. 5 VI Pela cidade: os lugares sagrados Uma semana se passara e, em uma ensolarada manha de domingo, ‘Anderson e Fabinho sairam para um passeio de bicicleta, A semana fora repleta de atividades e eles nao tinham tido oportunidade de conversar sobre a festa de candomble. Assim, quando desceram da picicleta para subir uma ladeira, Ander- son perguntou: — Fabinho, por que vocé nunca me falou nada sobre a sua religiao? — Ah, isso 6 complicado... E que tem muita gente que nao aceita Tem gente que diz que fazemos macumba e que isso é coisa ruim. Tem pessoas que falam que macumba é 0 nome de uma arvore na Africa, mas é também o nome de um tambor. E nos chamam de ma- cumbeiros, falando mal de nés! Tenho muito orgulho da minha reli- giao, mas nao gosto de falar muito disso. —Puxa, mas isso é uma pena, porque tem tanta coisa bonita por la. — Se vocé quiser, eu posso te explicar mais algumas coisas. Vamos 1a! Quando chegaram no alto da ladeira, avistaram a cidade do topo de uma pedreira, De 14 Fabinho comegou a falar: —TA vendo, Anderson? Pra nos, aqui em cima mora Xang6, que é um orixé ligado aos raios e aos trovdes, um grande guerreiro justiceiro. 8 STEFANIA CAPONE E LEONARDO CARNEIRO Dizem que um dia um inimigo muito violento chegou ue rein Oyé, onde reinava Xango. Este inimigo vinha Bese muitas m des contra os guerreiros e contra a populagao do reino. Desespel e furioso, Xang6 subiu no alto de uma pedreira e comecou a Di co seu machado de duas laminas nas pedras. Ele batia com t forca, que comecaram a sair faiscas que viraram raios e atingira inimigo que vinha chegando. Xangé venceu o inimigo dali, do alt pedreira, com os raios saindo de seu machado. Mas ele nao foi inj to com 0 inimigo, nao. Ele deixou todos voltarem para casa. E as ficou conhecido como o guerreiro justiceiro. Logo abaixo, passando por um bambuzal que “dancava” ao sabor ventos, Fabinho explicou: — Aqui mora lansa, que também é chamada de Oia. Elaé a rainha ventos, esposa de Xang6 e mae de nove filhos. Conta uma lenda q ela tinha 0 poder de se transformar em bufalo, Um dia, um caca toubou a pele de bifalo enquanto ela tomava banho. Ela foi obriga a viver com ele até as outras mulheres descobrirem o seu segret lansa resolveu entio fugir, mas deixou dois chifres de bufalo com sel nove filhos, Assim, Sempre que eles precisassem, era s6 bater um cl fre no outro que ela viria Para protegé-los, lansa é como o vento, li mas sempre atenta ao bem-estar dos seus filhos! 28 Ss Mopuré, Meu AMIGO ‘Ao chegarem a uma cachoeira ao lado de uma mata, Fabinho pés se a falar — Ness cachoeira mora Oxum, a iaba mais bonita. Oxum se apal xonou por Oxéssi, um grande cagador que morava nas matas. Mas Oxéssi nao sabia nadar e tinha medo de chegar perto de Oxum. As sim, para atrai-lo, ela resolveu passar mel no corpo. Oxéssi nao resis tiu e acabou indo para o fundo das aguas. Os dois tiveram um filho, que chamaram de Logun-edé. Ele mora metade do tempo com a mie, nas cachoeiras, e metade do tempo com 0 pai, nas matas. A tarde caja e Anderson e Fabinho resolveram voltar para casa. Ao verem o pér do sol, Fabinho falou sobre Eua, a iaba que faz a passa- gem do dia para a noite. Anderson agradeceu ao amigo pelas histo- rias que tinha lhe contado e disse para Fabinho que ele poderia lhe falar muitas vezes mais sobre a sua religiao. Disse que, apesar de ter outra crenga, ele nao se importava. Ao contrario, ele gostava de aprender coisas novas, tao interessantes. 29 VII Na sala de aula Na segunda-feira, a professora de Histéria propés um dialogo sobre a diversidade religiosa no Brasil. Ela comecou falando sobre as religides indigenas. Falou sobre Tupa, Anhanga, Iracema, Jussara e também so- bre as Icamiabas (também chamadas de Amazonas) e Jaci. Ela trouxe imagens que mostravam os rituais de cura das doencas, de iniciagao dos cacadores e os ligados aos cultivos agricolas. Todos acharam muito bonito. Algumas meninas até disseram que gostariam de viver como as Icamiabas. Todos riram bastante! A professora interveio e disse que hoje as mulheres tém cada vez mais poder na sociedade e lembrou que uma mulher ja tinha chegado a presidéncia da Republica do Brasil. Em seguida, a professora propés que alguns alunos falassem sobre o cristianismo. Muitos se levantaram e falaram sobre Jesus Cristo, sobre @ perseguicao que ele sofreu, sobre como ele morreu na cruz. Tam- bém falaram sobre o batismo, as. igrejas e as diferentes formas do cris- tianismo: havia alunos catélicos que falaram da missa, havia alunos Protestantes que falaram sobre os cultos, enfim, a conversa foi muito animada. Quando todos terminaram, a professora disse a turma: — Estao vendo como mesmo quando 0 Deus é 0 mesmo, as religides podem ser diferentes? Mas elas sao todas importantes para a popu- lacao brasileira, HE STEFANIA CAPONE E LEONARDO CARNEIRO Ao final, ela comecou a falar sobre as religides afro-brasileiras. De pronto, Tadeu, um dos alunos, a interrompeu: Mas, professora, isso é coisa de macumbeiro! Nao é coisa boa. Mais uma vez, todos riram. Anderson, ento, levantou-se e tomou a palavra — Gente, nao é assim! As religides afro-brasileiras, como o candom- blé e a umbanda, sao religi6es que acreditam nos orixés, que sao deuses assim como os deuses das religides indigenas, ou, como estu- damos no ano passado, das religides grega e romana da Antiguida- de... Devemos respeitar essas religides como todas as demais! —Mas como vocé sabe disso? — Perguntou Aline, uma colega da turma — Ora, porque eu vi uma festa de lemanja 14 na praia, fiquei curioso e fui aprender sobre os orixds, E aprendi um monte de coisas muito interessantes... Aprendi que as matas, as cachoeiras, e até as pedras © 0 por do sol, so Sagrados para essas religides. Aprendi que nelas as 32 ++ Mopuré, Meu AMIGO Foi mal, turma, acho que o Anderson tem razao. Nao podemos mesmo desrespeitar as religides dos outros! — exclamou Tadeu A professora terminou parabenizando a turma, falando que aquilo era a propria riqueza da cultura brasileira: a diversidade e a busca da boa convivéncia entre os diferentes modos de pensar e de viver. Fabinho se sentiu muito orgulhoso da reacao de Anderson, que con- seguiu compreender a sua religido e transmiti-la a seus colegas de sala. Pensou naquele momento em Oxala, o pai de todos os outros orixas. Agradeceu ao velho senhor da sabedoria e pediu que ele abencoasse a todos que participaram daquele momento. Fabinho olhou para Anderson e disse: — Obrigado, meu amigo! Modupé! 33 f candango. Nome dado aos operdrios que trabalharam na construgao de Brasilia, e que ficou como nome do morador e de tudo que se refere A cidade, A palavra veio da lingua dos bantos, ¢ era usada pelos povos de Angola e Congo para falar dos portugueses 16, Religido afro-brasileira que cultua os orixas. A palavra é de origern banto candomblé. ig! i) caruru, Ensopado feito com quiabo, camario e peixe, temperado com coco e azeite de dendé. charola, Andor para levar imagens de santos em procissao, Por extensao, a propria procissao. cidades-estado. Cidades fortificadas africanas que podiam fazer parte de reinos ou impérios congada. Festa popular criada pelos africanos no Brasil f uma procisséo, com cantos € dangas, que leva 0 rei € @ rainha do Congo para serem coroados. Congo. Pais africano na regio do antigo reino Kongo de onde vieram varios povos como escravos para o Brasil, Os bakongos deixaram suas marcas na organizagao do candomblé banto (angola e congo). curinga. Carta de baralho que pode substituir qualquer carta de que um jogador pre- cisa, Por extenséo, uma pessoa com muitas habilidades cuscuz. Prato feito com farinha de milho umedecida e cozida no vapor. Daomé. Entre os séculos XVII e XIX, existiu um reino com esse nome na regiao africa~ na que corresponde hoje em dia ao Benim, dendé, Oleo feito da polpa dos coquinhos do dendezeiro. dengo. Jeito carinhoso ou manhoso. A palavra parece vir da lingua dos bantos. divindade, Nome geral para qualquer tipo de ser que recebe culto em qualquer reli- giao: o Deus cristo, 0 Jeova judaico, 0 Ala mugulmano, os orixas africanos, os espiritos indigenas etc, encantaria, f, urna religiao do Nordeste que combina crengas africanas, indigenas & europeias. Eua. labé ligada 4 chuva e As transformagées como a reciclagem da matéria e a pas sagem entre a vida e a morte ou entre o dia e a noite, Exu, Orixé dono dos caminhos e das encruzilhadas. £ o mensageiro que eva para os Outros orixas os pedidos e as oferendas dos fiéis, aD) dada com algun tipo de gordura e i ioca torrada, frita ou escall rinha de mandios ees . Fe es mida dos pobres em gran temperos. Sempre foi a col filho de santo, Pessoa iniciada nas religides afro-brasileiras. : fe reis 6 uma festa em que um grupo de misicos, dangarinos € canto- res desfilam pela cidade yisitam as casas entre 0 Natal e o dia aoe Reis Magos (6 de janeiro). A folia do divino é bem parecida, so que acontece no dia de Pentecostes (cinguenta dias depois da pascoa), que é 0 dia em que o Espirito Santo desceu sobre apéstolos de Jesus Cristo. Essas festas vieram de Portugal, mas, em algumas partes do prasil, elas sao muito ligadas as religioes afro-brasileiras. ginga. Movimento de balango do corpo. Na capoeira, a adversario. Guiné, golfo da. Regiao correspondende a Africa Ocidental de onde sairam popula- m conhecida como Costa da Mina bes escravizadas trazidas para as Américas. Tambél folia. A folia d ginga serve para enganar 0 Taba. Titulo que o povo do candomblé da aos orixas femininos das aguas: Nan, le- manjé, lansé, Oxum, Ob4 e Eua. A palavra é da lingua iorubé e significa “senhora”, “mulher mais velha”’ Jansa. laba guerreira, esposa de Xango, senhora dos ventos das tempestades. Tam- bém chamada de Oia. Icamiabas. No século XV, o aventureito espanhol Francisco Orellana disse que viu ‘umas mulheres guerreiras numa cidade de pedra 14 no interior da Amaz6nia, Ento, os europeus inventaram uma hist6ria copiada da lenda grega das Amazonas. Mas nunca foram achados sinais de que elas realmente existiram. Os pesquisadores pensam que Orellana viu guerreiras tupinambas que lutavam junto com os homens das suas tribos. Temanja. laba das 4guas do mar, considerada a grande mae. If. Cidade-estado considerada sagrada pelos iorubs. iorubas. Povo da Africa ocidental que fundou cidades-estado como Ifé, Oy6, Osh regio onde hoje é a Nigéria, Os iorubas também sao conhecidos no Brasil como" ae : omo “nagés”. ipeté. Piro de inhame cozido, temperado com camarao, cebola e azeite de dendé. Iracema. Personagem do romance famo: é nl Se oa ee 5 nada por ele. Trata-se de um i an personagem real, Martim Soares Moreno, que fundou a capitania do Ceara e ‘iu 0 apoio dos potiguaras para lutar contra os holandeses. Iroco. O deus-A 1us-Arvore, sua presenga ¢ indispensavel em cada terreiro de candomblé. Jaci. Deus da Lua na mitologia dos povos i z 8 indigenas brasileis a et @ tem duas eeposae: Kaeru Mbija (Venus como estrela ds sean do Sol (Coa- (Venus como estrela da tarde), Jaci governa as marés e a vida r ee een 0 verdadeiro pai dos filhos das mulheres, Pee emetce jeje. Povo africano da regio onde hoje fica a Reptiblica do Benirn jilé, Fruto nativo da Africa, mas foi trazido para o Brasil e virou cornida de todo di e todo dia Jinga de Matamba, Rainha. Nzinga Mbande (1583-1663) foi rain de Mz g0 (regio da atual Angola) depois do irmao, Ngoli Mbondi. Lutou seccmeetses Sear Ml batrrre Gorter estabelacertratados de paz. Ficou famoca mor nemtorer antigos escravos na sociedade e por nao inserir o reino no trafico de et jongo. £ uma dan¢a afro-brasileira. Os jongueiros fazern uma roda e, urn de cada vez, Wyao entrando na roda, onde dancam e cantam. O ritmo marcado por tambores. Jussara. f uma cabocla “de pena” (um espirito indigena) ‘Ketu. Nome de uma das cidades-estado iorubas, situada na atual Republica do Benim. Jelé. Doce feito de canjiquinha cozida com cravo, canela, leite de coco e coco ralado Logun-edé. £ 0 filho dos orixas Oxum e Oxéssi ‘machado de duas laminas. No candomblé é 0 simbolo de Xang6, também chamado de “oxé’ ‘macumba. Nome popular dado as religides afro-brasileiras, geralmente gamento, querendo dizer que essas religides séo ruins. Parece vir de uma palavra da " Tingua dos bantos que significa magia, feitico. “mie de santo, Nas religides afro-brasileiras, é a mulher chefe de um terrexxo jmamona. Planta africana cuja folha é usada para servir os alimentos nas festas de como xin- lordeste, apresentada por grupos fantasiados £ uma danca popular no N com as festas tocar instrumentos, cantam e dangam. Esses grupos comecaram cao dos reis do Congo. £uma conta redonda usada para fazer colares, P tradicionais sao feitas de vidro ou porcelani afro-brasileiras usam outros tipos de contas, como para fazer varios objetos de culto. me dado no Brasil aos escravos vindos 4 da Guiné, - vulseiras e outros aderecos. a, Além das micangas. 35 firmas, buzios, cristais © a Costa da Mina, hoje conhecida aF HVAT ATMO) RCE Bem ec a Ee aC ES frequenta os terreiros de candomblé desde o comeco dos anos 1980. Diretora do Centro Nacional de Pesquisa Cientifica da Franga (CNRS), ela mora e leciona em Paris. Entre seus livros, destacam-se A busca da Africa no candomblé e Os yoruba do Novo Mundo. LEONARDO CARNEIRO é professor do curso de Geografia e do pro- et Nol Sac ce aCe ac iC RCO mtntce ECR Cree domblé no Tlé Axé If Monge Gibanaué, que fica em Queimados, RJ, idee CM LMC Me le)t ve) 4-e (ole) oc Neary te ltenls) EMA ET) bry bars ad do Rio de Janeiro. Atualmente coordena py oee EES ACL Toit att comunidades de terreiro e quilom- saad WoC Bs CIOtL Tair i tee Gee oe nee CE mon ester te SCE Locate lois eT etey PRR CRs ROR ye eeeteen ely fim de semana na praia ree Els ee tC Le bed Pre oeeege oReeEMe nat Peres ion ent CRE nor iw let Roan CC nes CRE d eee en EMS Eston eee BrurttecraeCb eC Berries imate also Rect Oh ecternc OR: CORON im Colo ee Leckie ate rues iste ecect rebel scr erasale TE sane gy mocthila, ligue seu computador, converse com seus amigos, fale com seus parentes, com os professores, e descubra por que os mais velhos fete tt Me (ayia velop csr lela Reco ele- le Re Ruoiar lel oBe (Bios oom mesmo que sejam diferentes dos nossos. Mihi

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