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Polidez/Cortesia/Descortesia:

noção de face positiva e negativa


Introdução aos Estudos de Língua Portuguesa II
Prof. Dr. Paulo Roberto Gonçalves Segundo
30.09.2015 – Aula 14
A noção de face
“O termo face pode ser definido como um valor social positivo que uma pessoa
reclama para si mesma através daquilo que os outros presumem ser a linha tomada
por ela durante um contato específico. Face é a imagem do eu delineada em
termos de atributos sociais aprovados (...)” (GOFFMAN,1967:5)

Para o autor, toda interação é potencialmente ameaçadora, o que leva os


interlocutores a realizarem, continuamente, um trabalho de monitoramento do
comportamento verbal de todos os participantes, incluindo o seu, de modo a
realizar, sempre que possível, os reparos necessários para a manutenção da
imagem pública e da harmonia social.

Tentativa de manutenção do equilíbrio:


1. evitar comportamentos que ameacem a face;
2. corrigir atos verbais de ameaça à face.
Noções auxiliares para a compreensão da dinâmica de faces
A noção de linha (enquadre interacional) está ligada ao modo como os interactantes
concebem a interação em termos de ação, de papéis sociais e de relações intersubjetivas
de poder e de solidariedade. Leva em conta, portanto:
1. gênero discursivo;
2. grau de intimidade e de familiaridade;
3. hierarquia social;
4. localização na dinâmica de grupos (nós x eles);
5. contexto situacional (dinamicamente atualizado).
A combinação de gêneros de oralidade concepcional, a graus altos de intimidade e de
familiaridade e diferença hierárquica mínima, em contextos em que os atores se vejam
como nós leva à emergência de um padrão interacional de fundo ou de bastidor.
A combinação de gêneros de escrituralidade concepcional, a graus baixos de intimidade e
de familiaridade, alta diferença hierárquica, em contextos nos quais a divisão nós x eles
seja mais estrita leva à emergência de um padrão interacional de frente ou de fachada.
A preocupação com a imagem pública é bem maior nas interações de frente/fachada.
A elaboração da noção de face
Brown e Levinson (1987)
1. Face positiva: desejo de aceitação e aprovação social, de ser reconhecido. Vontade de ser
valorizado.
2. Face negativa: desejo de liberdade, de não ser coagido e de não sofrer imposição. Vontade de
que o universo pessoal não seja exposto.
O processo interacional pode gerar situações em que uma das faces é ameaçada. Tais atos verbais
são chamados de “atos de ameaça à face” (AAF), mais conhecidos pelo termo inglês face
threatening acts (FTA).

É possível relacionar às distintas faces as noções de autonomia e afiliação, ambas relacionadas à


dinâmica de grupos, e desenvolvida por Bravo (1999). A afiliação diz respeito à nossa tendência de
adquirir valores e comportamentos (linguísticos e não linguísticos) que permitam que nos
identifiquemos com um dado grupo, o que está ligado ao desejo de ser reconhecido como membro
dessa comunidade e, portanto, com a face positiva. A autonomia refere-se à nossa tendência de
querer ser reconhecido como um indivíduo com contornos próprios no âmbito do grupo, com
direito a liberdade e a posicionamento, o que se relaciona à face negativa.
Atos de ameaça à face
Ameaça à face positiva Ameaça à face negativa

Ouvinte Desaprovações, insultos, Elogios, ofensas, pedidos,


censuras, críticas, ironia. ordens, conselhos, perguntas
íntimas.
Falante Autoconfissões, pedidos de Agradecimentos, aceitação de
desculpas (?), autocríticas. ofertas, promessas.

Deve-se considerar que o grau de ameaça à face de um ato depende do contexto e de uma série de
fatores de ordem psicossocial e interacional. Os principais fatores, segundo Brown e Levinson
(1987), seriam:
a. Distância social entre os interlocutores (D).
b. Diferença de poder entre os interlocutores (P).
c. Imposições culturais e situacionais no que tange a serviços e produtos (R).

Peso de um FTA = Distância Social + Diferença de Poder + Imposições Culturais


Cortesia (Leech e Kerbrat-Orecchioni)
Leech (1983)
1. Máxima de tato: diminui o custo para o “outro” e aumenta o benefício para o “outro”;
2. Máxima de generosidade: diminui o benefício ao “eu” e aumenta o custo ao “eu”;
3. Máxima de aprovação: diminui o desagrado ao “outro” e aumenta o agrado ao “outro”;
4. Máxima de modéstia: diminui o agrado ao “eu “ e aumenta o desagrado ao “eu”;
5. Máxima de concordância: diminui discórdia entre “eu” e “outro” e aumenta concórdia
entre “eu” e “outro”;
6. Máxima de simpatia: diminui antipatia entre “eu” e “outro” e aumenta simpatia entre
“eu” e “outro”.
Kerbrat-Orecchioni (2006)
Face Flattering Acts (Atos de valorização da face): agradecimento, elogio, apoio, pedido de
desculpas.
Caracterização dos Atos de Ameaça à Face (FTA) – Brown & Levinson (1987)

sem-polidez-(bald-on-record)
Falante é direto e claro no que
concerne à ameaça.
Potencialmente conflitivo, embora
ON-RECORD- dependa da combinatória entre D, P e
on-record R.
TYPE
Falante assume o FTA, deixando
positiva
explícita a ameaça à face.
Orientada para a face positiva do
Responsabilização enunciativa pelo
ato. ouvinte.
COM- Destaca a proximidade, familiaridade,
com-polidez
POLIDEZ-TYPE
solidariedade e coesão intra-grupo.
Projetam-se desejos em comum.
FTA-
fta negativa
TYPE
Orientada para a face negativa do
ouvinte.
Destaca a formalidade, o
distanciamento, o tato.
Projeta-se respeito pela liberdade de
ação do ouvinte.
off-record
Falante não assume o FTA, deixando
implícita a ameaça.
Trata-se de uma estratégia baseada
na geração de um subentendido.
Derresponsabilização enunciativa
pelo ato.
Cortesia/Polidez Positiva
demonstrar-interesse-e-admiração
Atender aos interesses e
necessidades do ouvinte.
CONSTRUIR- Exagerar a aprovação, simpatia ou
construir-território-comum
TERRITÓRIO-COMUM-TYPE interesse em relação ao ouvinte.
pertencimento-a-grupo
convergência-discursiva
Buscar concordância, evitar
discordância.
CORTESIA_POSITIVA- Reforçar pontos de vista comuns.
cortesia_positiva Valer-se de bom humor.
TYPE
CONSTRUIR- indicar-conhecer-a-vontade-do-ouvinte
construir-cooperação
COOPERAÇÃO-TYPE demonstrar-reciprocidade
Oferecer e prometer. Ser otimista.
Incluir o ouvinte na atividade.
Dar ou pedir explicações.
fazer-a-vontade-do-ouvinte
Cortesia/Polidez Negativa
não-presumir
Perguntar. Modalizar.
dar-opções-para-não-agir
Ser indireto. Perguntar. Não assumir
que o ouvinte pode ou deseja fazer
NÃO-COAGIR- algo.
não-coagir-ouvinte
OUVINTE-TYPE
Ser pessimista quanto ao ouvinte
desejar realizar algo.
minimizar-ameaça
CORTESIA_NEGATIVA-
cortesia_negativa Minimizar a imposição R.
TYPE
Agir com deferência tendo em vista P
e D.
COMUNICAR-DESEJO-DE- desculpar-se
comunicar-desejo-de-não-coagir-ouvinte
NÃO-COAGIR-OUVINTE-TYPE impessoalização
Evitar pronomes pessoais de primeira
e segunda pessoa.
Expressar o FTA como uma regra.
Nominalizar. Passivizar.
não-colocar-ouvinte-em-débito

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