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Resumo Abstract
Este texto apresenta atravessamentos This text presents crossings from the
da área da Dança com a Educação. No bojo area of Dance with Education. In the core
da reflexão encontra-se a dança imanente, of reflection is the immanent dance, artistic
práxis artística da Companhia Moderno de praxis of the Companhia Moderno de Dança
Dança – CMD, coletivo de Belém do Pará. - CMD, collective of Belém do Pará. The
Constam como referências principais da main references of the writing are the im-
escrita a dança imanente (MENDES, 2010) manent dance (MENDES, 2010) and issues
e questões em educação (FREIRE, 1996), in education (FREIRE, 1996), aligned to ap-
alinhados a abordagens que tratam sobre proaches that deal with body, immanence,
corpo, imanência, ensino e aprendizagem teaching and learning in dance and creation
em dança e processo de criação. A escri- process. The writing is based on the artis-
ta parte dos processos artísticos-formativos tic-formative processes of the CMD, ob-
da CMD, observando que a dança imanen- serving that immanent dance is crossed by
te é atravessada por questões educacio- educational issues that go beyond utopian
nais para além de considerações utópicas considerations about practices in dance and
acerca de práticas em dança e educação. education. As objectives, it is tried to deep-
Como objetivos, intenta-se aprofundar a ar- en the argumentation in immanent dance;
gumentação teórica em dança imanente; dialogue with contemporary approaches re-
dialogar com abordagens contemporâneas garding education; to provide folds and oth-
a respeito da educação; possibilitar dobras er looks for the artistic and formative issues
e outros olhares para as questões artísticas in the area of dance / art. Moreover, this text
e formativas na área da dança/arte. O pre- intends to allow the widening of the sens-
sente texto também intende possibilitar o es for the assumption that any knowledge
alargamento dos sentidos para a assunção in dance can and should be recognized and
de que qualquer conhecimento em dança legitimized by its makers as explicitly edu-
pode e deve ser reconhecido e legitimado cational.
por seus fazedores na qualidade de explici-
tamente educativos.
Palavras-chave Keywords
Dança imanente. Companhia Moderno de Immanent dance. Companhia Moderno de
Dança. Educação. Dança. Education.
cena n. 28
Com mais de quinze anos de existência 2 Resultado de um projeto contemplado pela FUNARTE no edi-
tal Bolsa de Estímulo à Produção Crítica em Dança de 2008.
e inserida no contexto artístico da produção
de poéticas contemporâneas em dança, a 3 Em 2019, a CMD lançará mais 3 volumes da coleção. Pre-
miado pelo prêmio de Dança Klauss Viana 2015, o volume 4,
CMD tem sua missão voltada para a pes- intitulado de Experimentações em Dança Imanente é resultado
quisa, criação e concepção de movimen- de minha pesquisa de mestrado junto ao Programa de Pós-Gra-
duação em Artes, PPGARTES/ICA/UFPA. O volume 5, A dança
imanente no ensino e criação em artes cênicas é resultado do
1 Esta citação faz referência ao período de criação da compa- pós-doutorado de Ana Flávia Mendes e, o volume 6, intitulado
nhia. Atualmente, a CMD não possui mais vínculo institucional Ensaios de uma companhia (Pós) Moderno de Dança, é forma-
com o Colégio Moderno, tendo como lócus de produção artística do por uma coletânea de textos sobre processos e poéticas de-
seu próprio espaço, o Espaço Companhia Moderno de Dança. senvolvidos na companhia.
1997 também fora o ano de meu ingres- onde quer que o homem se encontre.
so no grupo coreográfico desta escola. A Porém, dentre os múltiplos espaços so-
ciais nos quais a educação se manifes-
partir de então comecei a atuar no contexto ta, percebemos que a escola ainda de-
artístico, por meio de uma compreensão da tém uma função significativa, na medida
dança atrelada ao universo da escola e, por em que se destina a esse papel social.
Por vezes, é percebida, equivocada-
conseguinte, da educação formal. Inicial- mente, como único espaço realmente
mente, as aulas do grupo (até meados de responsável pelo educar.
2001) advinham de metodologias que insti-
gavam o corpo dançante mais como repro- Com efeito, compreendo que em todas
dutor do movimento do que criador. Mesmo as diversas formas de produção e repre-
tratando-se de uma formação cujos proces- sentação artística do homem, a dança en-
sos de ensino e aprendizagem priorizavam carna-se da noção de educação. A dança é
momentos de cópia e repetição de movi- educação independente de acontecer nas
mentos advindos do professor, ali também escolas, nos projetos sociais, em grupos da
havia espaço para a tessitura de relações da periferia, do centro da cidade, pois mesmo
dança produzida em sala de aula com ou- que não seja a dominante do trabalho, sem-
tros contextos, como o da educação. pre educa os corpos envolvidos neste fazer.
Ao longo do tempo, amadureceu-se a
compreensão de que a dança educa quem a O despertar desse corpo pode se dar
de diversas formas, não somente pela
faz e quem a frui. Os sentidos eram levados via da vivência de técnicas de sensibili-
a perceberem os potenciais educativos do zação corporal, como pensávamos ou-
fazer artístico, não somente por se tratar de trora. Uma atitude problematizadora por
uma dança inserida no âmbito escolar, mas, parte do educador torna-se imprescindí-
vel para que os alunos possam refletir
também, pela assunção de que a educação sobre suas formas de danças, das dan-
é característica sine qua non para a dan- ças conhecidas, do contexto em que se
ça onde quer que esteja sendo ensinada, realizam essas danças e, mais ainda,
para que possam reconhecer que além
aprendida, produzida, fruída. das danças já experimentadas, existem
Diante do exposto, expressões como muitas outras que, como as já vividas,
“Dança Educativa” e “Dança Educação” constituem-se em produções culturais
que merecem ser respeitadas (PORPI-
atreladas, na maioria das vezes, ao ensi- NO, 2006, p. 132).
no da dança na escola, passaram a perder
sentido sob minhas perspectivas enquanto Aos poucos fui percebendo e amadu-
artista da dança, ressoando como um pleo- recendo os atravessamentos da dança en-
nasmo. Em nossa sociedade a escola é por quanto conhecimento com questões relati-
excelência o espaço no qual o ser humano vas ao contexto da educação por meio de
encontra estímulos e certos conhecimentos minha própria trajetória artística na CMD, na
para transformar-se enquanto sujeito na re- qual atuo até os dias de hoje, e das experi-
lação com o outro, com o meio. Porém, o ências como docente no curso de Licencia-
sentido de educação habita muitos outros tura em Dança da Universidade Federal do
espaços que não apenas o escolar, pois, se- Pará.
gundo Porpino (2006, p. 124), Outra mola propulsora de inquietações
[...] constitui-se num fenômeno inerente
mais próximas das argumentações por ora
à vida do ser humano, é multifacetada apresentadas foi a inserção da disciplina
e faz parte das experiências humanas Escola, Dança e Educação no plano políti-
encontradas pistas das estruturas utilizadas virtual não é algo a que falta realidade,
nos processos de ensino e aprendizagem mas que se engaja num processo de
atualização seguindo o plano que lhe dá
em dança, as quais afetam sobremaneira os sua realidade própria. O acontecimento
comportamentos de todos os corpos envol- imanente se atualiza num estado de coi-
vidos. sas e num estado que faz com que ele
ocorra (DELEUZE, 2002, p. 12-14.).
Tratar acerca de atravessamentos edu-
cacionais na dança imanente é considerar
Em se tratando de conceber dança em
antes de tudo que questões relativas ao que
companhia, na CMD percebe-se que existe
se compreende por educação são consti-
um todo complexo justamente nas redes de
tuintes deste conceito, desta práxis, atuando
interação tecidas pelas vidas, imanências,
como motrizes dos processos vivenciados
instauradoras do trabalho no/do/em coletivo.
na CMD. Certos aspectos do trabalho subli-
A imanência congrega e sublinha ques-
nham fortemente tal assertiva.
tões particulares, peculiares do um, da vida.
Este artigo propõe-se não somente
Mas o um que não é isolado e não está aca-
acrescer reflexões disparadoras acerca da
bado. O um que é vários. Multiplicidade. A
dança imanente, mas, sobretudo, conside-
interação do coletivo no particular e a mão
rar que os atravessamentos educacionais
dupla que isso gera, o particular no coletivo.
peculiares a este fazer na CMD atuam como
Tomar como lente o conceito de ima-
forças motrizes desde seu surgimento até
nência para refletir sobre a multiplicidade do
os dias atuais, inclusive enquanto potência
um, vem propiciando à instigação de dife-
formativa do seu trabalho artístico em dan-
rentes possibilidades de criação em dança
ça.
na CMD. Para Deleuze, a imanência encon-
Um dos disparadores para a compre-
tra-se no plano de imanência que conecta
ensão da noção de dança imanente trata-se
todas as coisas vivas e que por esse motivo
do conceito de imanência, o qual “[...] não
não está contido dentro de um corpo, apri-
se reporta a Algo como unidade superior a
sionado ou em função de um objeto, mas
qualquer coisa, nem a um Sujeito como ato
relacionado aos seres vivos, cortando-os,
que opera a síntese das coisas: é quando a
atravessando-os, tornando-os simples e ab-
imanência já não é imanência a outra coisa,
solutamente, imanência.
que não a si, que se pode falar de um plano
A imanência enquanto vida sugere
de imanência” (DELEUZE, 2002, p. 12). Ain-
constante relação com os corpos, refletindo
da sobre esta questão, complementa:
neles nada mais que estados de vida. Esta-
Uma vida é a imanência da imanência, dos inconclusos, transitórios. Podemos pen-
a imanência absoluta: ela é potência e sar que a imanência enquanto vida também
beatitude completas. [...] Uma vida está afeta e interfere o estado de transitoriedade
por todos os lugares, por todos os mo-
mentos que atravessam este ou aquele de todo e qualquer corpo existente, onde
sujeito vividos: vida imanente trazendo tudo se relaciona dentro do plano de ima-
acontecimentos ou singularidades que nência, sem conclusões, sempre em estado
apenas se atualizam nos sujeitos e nos
objetos. Essa vida indefinida não tem,
de inacabamento, de devir.
ela mesma, momentos [...] mas apenas Ao sugerir uma visão de mundo onde
entretempos, entremomentos [...]. Uma as coisas encontram-se em relação e inaca-
vida contém apenas virtuais. Ela é fei- badas, observo que a noção de imanência
ta de virtualidades, acontecimentos,
singularidades. Isso que se chama de aplicada à dança abre espaço para um sen-
tindo amplo sobre a educação, posto que é
vista como inerente à própria existência hu- aqui como sendo as imanências, os corpos
mana na medida em que “É na inconclusão artistas da Companhia Moderno de Dança.
do ser, que se sabe como tal, que se funda
a educação como processo permanente. No que tange ao campo artístico... um
complexo tesouro é que a construção
Mulheres e homens se tornam educáveis na de laços antigos (com pessoas que já
medida em que se reconheceram inacaba- não estão em companhia) faz com que a
dos” (FREIRE, 1996, p. 58). A esse respeito, generosidade, o cuidado, a atenção e a
necessidade de endossamento desses
compreende-se que, laços sejam vistos como interpenetra-
dos para o fazer artístico... Especifica-
É a partir desse inacabamento, desta mente da cena. Com relação ao campo
riqueza existencial e suas infinitas pos- físico-afetivo... um tesouro é: as memó-
sibilidades que a educação, fenômeno rias dos gestos, do toque, do cheiro, da
tipicamente humano, torna-se possível. voz da pessoa...do mais antigo ao mais
Aprendemos, educamo-nos porque so- novo...e daqueles que fizeram parte...
mos seres inacabados, incompletos e essas memórias funcionam como ele-
temos consciência desse inacabamen- mento que conecta os afetos por cada
to, da abertura infinita ao aprimoramen- um...imprimindo uma relação específica
to, ao ser mais. (TROMBETTA; TROM- na cena e fora dela (em especial, fora
BETTA, 2010, p. 222). dela) e também imprimindo uma neces-
sidade de relacionar-se.
Se imanência se refere à vida, por in-
ferência, observa-se que o corpo humano é O depoimento acima, concedido para
ele próprio imanência. Na qualidade de ser este artigo, é de Andreza Barroso, uma das
uma vida e nada mais, atravessa o sujeito bailarinas da companhia. Dentre outros as-
vivido, isto é, o corpo ao ser atravessado de pectos, suas considerações impregnam-se
imanência, por sua capacidade de afetar e de uma intensa implicação entre as dimen-
ser afetado, também afeta outros corpos se- sões da vida e da arte, as quais permitem
gundo a própria vida que nele se atualiza. observarmos questões em educação para
Corpo imanência, corpo imanente, vida. Tão além de formalismos e estruturas estrita-
imanência porque encharcado de imanên- mente relativos aos contextos já consagra-
cias e construtor de imanências. dos para este fim.
A aplicação da noção de imanência na Como anteriormente dito, a dança ima-
operação de um pensamento em dança na nente foi cunhada inspirada na noção de
CMD também promove a construção de uma imanência, imbricada nos estudos de douto-
práxis explicitamente educativa no tocante à rado de Ana Flávia. Naquele tempo a artista
assunção da ausência de hierarquia entre criou o termo como metodologia da poética
os corpos. De tal feita, ocorre a percepção do espetáculo Avesso, objeto de sua pesqui-
da dependência, do cuidado, da escuta, da sa. “Os modos operacionais do espetáculo
partilha sensível que se encontra principal- apontaram os procedimentos criativos ins-
mente nas fendas, no trânsito, na ignorân- taurados na construção do mesmo, sendo
cia, na incompletude presente no trabalho este, portanto, o nascedouro da dança ima-
em arte deste coletivo. nente” (MENDES, 2016, p. 2096).
Considero que a lida na CMD pulsa in- Mesmo embrionariamente enquanto
ventando suas tensões nos cruzamentos, no metodologia já apontava atravessamentos
trânsito, nos nós que se laçam, nos afetos, potentes relativos à educação, pois, “Não se
nas forças, cada ponto deste metaforizado trata apenas de uma metodologia de criação
descoberta de uma dança do um, do entre, O fazer com, em companhia, tem sido uma
da vida, de um pensamento de dança do(s)/ das maiores marcas na trajetória do grupo,
no(s)/para o(s) corpo(s) que dança(m). Su- das mais moventes,
blinho novamente percepções de que a dan- Logo nos anos iniciais, as escolhas es-
ça imanente já iniciava um percurso atraves- téticas constantemente espelhavam-se na
sada da ideia de educação, a qual, segundo figura tradicional do coreógrafo(a) (aquele
a autora, seria possível de alterar processos que tem a função de criar os movimentos
artísticos e formativos do homem. para a coreografia) que, naquele momento,
era Ana Flávia. A diretora contava que um
É por isso que reconheço, [...], a real de seus maiores sonhos era descobrir uma
possibilidade de difusão desta poética
da dança imanente como uma manei- “dança diferente”, nunca dançada, nunca
ra de fazer com predicados de prática vista. Aos poucos, o que figurava como uma
artístico-pedagógica, assim como ide- quimera foi se materializando nas condições
aliza Izabel Marques (2001) em sua
dança centrada no contexto. Sinto que
geradas pelo processo, no tocante à relação
tudo isso que a CMD vem construindo da coreógrafa com os próprios bailarinos,
não é para uso próprio, mas sim para o consolidando-se principalmente no período
aproveitamento de outros, com fins de onde foram levantados os primeiros questio-
investir em formação cidadã (MENDES,
2010, p. 339). namentos relativos à dança imanente.
Talvez não tenha havido uma escolha
Foco de estudo nos processos criati- de “descentralização criativa” da coreógra-
vos da companhia, em pesquisas acadêmi- fa para os bailarinos (que aos poucos pas-
cas (dentre as quais cito meu doutorado), e saram a criar o(s) movimento(s)/dança(s)),
compartilhando espaços em contextos não pois tudo foi muito intuitivo e progressiva-
acadêmicos, a dança imanente vem adqui- mente ganhou maturidade nas poéticas do
rindo novos contornos. Passou não somente grupo. Foi-se percebendo que quanto mais
a refletir as características de uma poética coletiva, compartilhada, a criação era, mais
como a assumir-se enquanto práxis artística diversa ela seria. De estímulo a estímulo,
da CMD. processo a processo. O(s) movimento(s)/
Ao propor que o corpo na dança é ima- dança(s) seria(m) muito mais diverso(s),
nência, Ana Flávia inaugurou ainda o con- múltiplo(s), inusitado(s), quanto mais pesso-
ceito de corpo imanente, o qual tece cone- as pudessem experimentar, conceber, ges-
xões com todas as relações operantes nas tar.
bordas, fendas, “dentro”, “fora” do corpo no Estar com, compartilhar, dividir tessitu-
início, meio e fim do processo de criação. ras de vida e tecê-las juntas demanda gran-
Com efeito, “A dança imanente é, como o des esforços, afetos e grandes responsabi-
próprio adjetivo retrata, uma dança de ima- lidades, ainda mais em se tratando de uma
nências, de multiplicidades. A imanência é partilha de vida e arte onde “O querer bem
o dançarino. O dançarino é o seu mundo e ao outro, tão necessário ao aprendizado do
este mundo, um plano de imanência” (MEN- diálogo, implica antes de qualquer coisa um
DES, 2014, p. 13). querer bem de modo genérico à vida, impli-
Os compartilhamentos coletivos pre- ca um estar no mundo e saber-se perten-
sentes no trabalho da companhia como um cente a ele, implica um sentir-se vivo, sim-
todo são também reflexos dos atravessa- plesmente”. (DOWBOR, 2008, p. 74).
mentos educacionais tratados neste artigo.
riência é cada vez mais rara (BONDÍA, Uma educação plural, educações pos-
2002, p.21). síveis, construtoras de caminhos. Educação
em dança como atravessamento e não como
A dança imanente, então, vem promo- acessório, opção, escolha. Educação sendo
vendo espaços de experiência artística, ela mesma imanência, operando como força
priorizando o bailarino como o próprio su- que garante vida ao devir dança em suas di-
jeito da experiência. Não como aquele que versas camadas na contemporaneidade.
precisa fazer, fazer e fazer sem que nada se Sem desejar encerrar os caminhos para
passe. Mas como alguém que se coloca em onde estas reflexões podem levar, observo
passividade para que as experiências acon- que contribuem, dentre outros aspectos,
teçam. Pois, para o amadurecimento nos estudos de-
senvolvidos a respeito da dança imanente,
[...] seja como território de passagem,
seja como lugar de chegada ou como compreendendo que atravessamentos que
espaço do acontecer, o sujeito da expe- perpassam a história da CMD, e aqueles
riência se define não por sua atividade, que se cruzam, conectam e afetam os que
mas por sua passividade, por sua re-
ceptividade, por sua disponibilidade, por percorrem minha própria trajetória artística,
sua abertura Trata-se, porém, de uma são geradores e instauradores dos princí-
passividade anterior à oposição entre pios que vêm corroborando na maturação
ativo e passivo, de uma passividade
feita de paixão, de padecimento, de pa-
do trabalho e referenciais epistemológicos
ciência, de atenção, como uma recepti- na rede da dança imanente. Assim, compar-
vidade primeira, como uma disponibili- tilho das quimeras de Mendes (2010, p. 342)
dade fundamental, como uma abertura ao dizer que
essencial (BONDÍA, 2002, p. 24).
Tudo parte de uma necessidade de criar
e encenar dança permeada por valores
Considerações estéticos diferenciados, sem a preo-
cupação em seguir princípios e proce-
dimentos vigentes em outras poéticas
Diante do exposto, percebo que as re- ou metodologias coreográficas. Muito
flexões por ora apresentadas sublinham que mais que isso, no entanto, tudo parte
da construção de uma aspiração que se
os atravessamentos educacionais da dança pretende realizar, de uma quimera que
imanente são motrizes que encharcam os se quer efetivar, de uma visibilidade de
corpos dançantes antes, durante e depois mundo que se quer visível nos homens
de processos de formação e criação, e que por meio da arte do movimento. cênico.
impregnam, evidentemente, as obras e as
vidas ali presentes, isto é, operam como
imanências que afetam os corpos-imanên-
cias da Companhia Moderno de Dança, fa- Referências
zendo com que esta práxis seja educativa.
Por fim, ao desenvolver as considera- BONDÍA, Jorge Larrossa. “Notas sobre a
ções apresentadas nesta escrita, desejo ra- experiência e o saber da experiência.” In:
tificar que a dança imanente está investida Revista Brasileira de Educação. Nº 19. Jan/
das dominantes artística e educativa, cons- Fev/Mar/Abr. 2002.
tituindo-se de potências sem as quais não
pode ser compreendida e praticada.
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