Você está na página 1de 3

A ESQUINA DE UMA GERAÇÃO – CORONA VÍRUS E A JUSTIÇA PENAL:

Interferência Política na Polícia Federal.


Fernando Henrique Cardoso1

Ao tempo que pensei em fazer esse texto, queria fazer um apanhado geral do que
observara nos “últimos tempos” – essa nova realidade de quarentena dá ao tempo outra
sensação – em relação ao funcionamento de Justiça Criminal (execução, investigação,
atos processuais, “novos” tipos de ações aparentemente típicas e reações de prevenção).
Todavia, deixarei isto para a parte 2 desta reflexão.
Explico: os recentes episódios da nossa Política me fizeram pensar como um
assunto aparentemente lateral à Justiça Penal pode lançar luz em questões como a
Democracia que construímos a partir da limitação de poder – essa mecânica tão cara ao
próprio funcionamento do Estado de Direito que é muito comum em sofisticadas
leituras sobre “Direito Penal”, v.g. “a limitação do poder punitivo”.
Pois bem. No episódio atual da Humanidade, algum jovem roteirista escreveria
sobre como líderes mundiais, estadistas e influenciadores estariam focando suas
energias em potencializar a saúde, incentivar o cuidado da população e organizar
objetivamente uma política coordenada de administração da pandemia. Mas, como diria
Tom Jobim, o Brasil não é para principiantes – recordes de mortos a cada dia, e o que
temos é uma crise política.
Temos então a aparente Interferência Política na Polícia Federal por Parte do
Presidente da República. Hipótese: controlar atos e conclusões de investigações.
Demissão de Ministro acompanhada de troca do encarregado pela PF, sendo
posteriormente anulada pelo Supremo Tribunal Federal – caso semelhante aos Governos
Dilma e Temer, dando ao STF a peixa de “interferir politicamente no executivo”.

Para nós, agora não foi diferente – mas e aí?

Parando para pensar na limitação de Poder como um guia para um design


institucional no constrangimento à “interferências particulares”, reflitamos sobre a
Polícia Federal, mote da vez: Qual a lógica de um modelo que tem como responsáveis
pelas investigações os agentes mas que concentra nos delegados o poder de decidir qual
1
Sócio Fundador da Cardoso, Siqueira & Linhares. Doutorando em Sociologia e Direito, sendo um dos
coordenadores do UFF nas Ruas do InEAC/UFF e da linha Direito Penal Econômico do LEDH.uff da
Faculdade de Direito da UFF. Professor e Advogado.
informação é aproveitada ou não no caderno que formaliza o procedimento? Num termo
jurídico tão amado por criminalistas, aonde está a “Paridade de Armas”, princípio
processual afeto também aos direitos humanos, quando se tem acesso apenas às
informações escolhidas para entrarem no relatório final do inquérito, e não em tudo que
apareceu durante investigações? E, em tempos de reforma administrativa, também fica a
dúvida: além dos problemas apontados, é este o modelo mais eficiente?
Afinal de contas, que tipo de Poder o responsável por esta ação tem no próprio
curso de fatos políticos e jurídicos que podem alterar significativamente a opinião
pública, logo Eleições e o Mercado de Capitais e, principalmente, a vida privada de um
sem número de pessoas? Seria o poder de botar o governo de joelhos?2
Soa tragicômico comemorações da “limitação do Poder do Presidente” pelo
STF, como se isso fosse dar integridade à atos de investigação, quando a própria
organização administrativa da Polícia Federal – já que este é o nosso exemplo – passa
por um problema bem específico no que tange às investigações: quem define o que entra
ou sai não é quem investiga; quem define a capitulação indicada ao Ministério Público
Federal não é quem teve acesso a todo o caminho da produção de provas. E este “design
institucional”, que privilegia cargo em detrimento de competências, por si só já
enfraquece a instituição. Isso sim deveria preocupar a sociedade.
Descentralizar Poder é racionalizá-lo, limitá-lo, colocá-lo em forma para que
fique sob o escrutínio público a qualquer momento – antes de uma crítica a qualquer das
instituições até então citadas ou seus membros é, pelo contrário, um apontamento
secular que percorre toda a retórica liberal do Estado para única e exclusivamente dizer
que Poder bom é Poder controlável.
É isto que dá ao mesmo a legitimação de seu exerício e manutenção, e não uma
suposta limitação, aí sim política (!), de movimentos tópicos deste ou daquele ator
institucional. Não seria (nem será) a primeira vez que uma opinião aponta os
“problemas” da atual estrutura administrativa que concentra Poder na mão de Delegados
da Polícia Federal3, mas nesse contexto de “crise política” por “interferência particular”,
vem a contento os apontamentos supra para que pensemos em alguns assuntos, por
exemplo, como a Cadeia de Custódia das investigações que inundaram o noticiário nos

2
https://jornalggn.com.br/noticia/como-os-delegados-da-pf-colocaram-o-governo-de-joelhos/
3
https://www.conjur.com.br/2020-jan-20/marcos-camargo-laudos-periciais-fase-pre-processual
últimos anos ou mesmo a tão necessária reforma nas polícias, palco de discussões no
Congresso Nacional4.
Passando para outro ponto distante do sanitarismo, mas também pertencente ao
contexto Corona, isto é, a rápida escalada da presença cotidiana de ferramentas
pertencentes às Tecnologias de Informação e Comunição (TIC), trazer a discussão
acima é pensar: qual o resultado da equação que soma esta parcela ao fato de que a
legislação que regula o tratamento de dados pessoais para fins de segurança pública,
defesa nacional e de investigação de infrações penais, disposto no art.4º, §1º da LGPD?
Por fim, se circulou pela Internet um “meme” que o Corona Vírus foi motivo de
uma “inclusão digital” em diversas empresas, mas no âmbito Democrático e da Justiça
Penal não é isto que se vê. Vale dizer: estamos, mais uma vez, nas mãos de alguns
poucos, mas até quando?

4
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?
codteor=1674236&filename=REL+1/2018+CEUNIFI
https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1819333
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-60892016000400009

Você também pode gostar