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09/06/2020 Imprimer : Identidade social e identidade discursiva, o fundamento da competência comunicacional

Patrick Charaudeau - Livres, articles, http://www.patrick-charaudeau.com/Identidade-social-e-


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Identidade social e identidade discursiva, o fundamento da


competência comunicacional
In : PIETROLUONGO, Márcia. (Org.) O trabalho da tradução. Rio de Janeiro : Contra
Capa, 2009, p. 309-326.

Há pelo menos três razões que me levam a considerar o tema das identidades sociais e discursivas
como particularmente importante. A primeira é que, no domínio das ciências humanas e sociais, e
diante da expansão da sociologia, este tema justifica a existência de uma disciplina da linguagem
em posição central, tecendo ligações entre elas : não há sociologia, nem psicologia social nem
antropologia que não levem em conta os mecanismos linguageiros. A segunda diz respeito às
ciências da linguagem propriamente ditas, pois o tema das identidades sociais mostra a
necessidade de distinguir a língua do discurso, num sentido inverso ao de uma certa
representação que pretende que o discurso seja secundário em relação à língua : na realidade, o
discurso é que é fundador da língua. E se insistem em dizer que é através da língua que se dá o
funcionamento do discurso, é necessário precisar que se trata da língua enquanto discurso,
enquanto registro do discurso. Entretanto, esta posição não diz nada a respeito do sujeito que
fala. E é este, com efeito, o terceiro aspecto posto em evidência pelo tema das identidades : o da
existência de um sujeito, o qual se constrói através de sua identidade discursiva, que, no entanto,
nada seria sem uma identidade social a partir da qual se definir. É este terceiro aspecto que me
proponho a discutir aqui.

1. Da identidade em geral

A filosofia contemporânea – principalmente a fenomenologia - tem tratado esta questão como o


fundamento do ser : a identidade é o que permite ao sujeito tomar consciência de sua existência,
o que se dá através da tomada de consciência de seu corpo (um estar-aí no espaço e no tempo),
de seu saber (seus conhecimentos sobre o mundo), de seus julgamentos (suas crenças), de suas
ações (seu poder fazer). A identidade implica, então, a tomada de consciência de si mesmo.

Mas para que ocorra a tomada de consciência, é necessário que haja diferença, a diferença em
relação a um outro. É somente ao perceber o outro como diferente, que pode nascer, no sujeito,
sua consciência identitária. A percepção da diferença do outro constitui de início a prova de sua
própria identidade, que passa então a “ser o que não é o outro”. A partir daí, a consciência de si
mesmo existe na proporção da consciência que se tem da existência do outro. Quanto mais forte é
a consciência do outro, mais fortemente se constrói a sua própria consciência identitária. É o que
se chama de princípio de alteridade. Esta relação ao outro se institui através de trocas que fazem
com que cada um dos parceiros se reconheça semelhante e diferente do outro. Semelhante : na
medida em que, para que uma relação exista entre seres humanos, é necessário que estes
compartilhem, ainda que parcialmente, as mesmas motivações, as mesmas finalidades, as
mesmas intenções. Diferente : na medida em que cada um desempenha papéis que lhe são
próprios e que, em sua singularidade, cada um tem finalidades e intenções que são distintas das
do outro. Assim, segundo este principio, cada um dos parceiros da troca está engajado num
processo recíproco (mas não simétrico) de reconhecimento do outro e de diferenciação para com o
outro, cada um se legitimando e legitimando o outro através de uma espécie de “olhar avaliador” -
o que permite dizer que a identidade se constrói através de um cruzamento de olhares : “existe o
outro e existo eu, e é do outro que recebo o eu”. Se tomarmos o ponto de vista da comunicação
linguageira segundo E. Benveniste, não há eu sem tu, nem tu sem eu, o tu constitui o eu.

Uma vez percebida a diferença, desencadeia-se no sujeito um duplo processo de atração e de


rejeição em relação ao outro. De atração, inicialmente, porque há um enigma a resolver, o enigma
do Persa a que se referia Montesquieu, que equivale a perguntar-se : “como é possível alguém ser
diferente de mim ?” Descobrir que existe alguém diferente de si mesmo é descobrir-se incompleto,
imperfeito, inacabado. Daí a força subterrânea que nos move para a compreensão do outro ; não
no sentido moral, da aceitação do outro, mas no sentido etimológico de tomada do outro, de
domínio do outro, que pode ir até sua absorção, sua “predação” como dizem os etólogos. Não
podemos escapar a esta fascinação do outro, ao desejo de um outro si-mesmo.

Paralelamente ao processo de atração, o de rejeição se dá porque a diferença percebida, mesmo


sendo necessária, não deixa de ser, para o sujeito, uma ameaça. A diferença que percebo tornaria
o outro superior a mim ? Seria ele mais perfeito ? Teria mais razão de ser do que eu ? Eis porque a
percepção da diferença vem acompanhada de um julgamento negativo. E implica a própria
sobrevivência do sujeito : é como se fosse insuportável aceitar que outros valores, outras normas,
outros hábitos diferentes dos meus sejam melhores, ou, simplesmente, existam. Quando este
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julgamento endurece e se generaliza, transforma-se num estereótipo, num clichê, num


preconceito. O estereótipo tem principalmente uma função de proteção, constituindo uma arma de
defesa contra a ameaça que o outro, pela sua diferença, representa para o eu.

Vê-se então o paradoxo no qual se constrói a identidade. Cada um precisa do outro em sua
diferença para tomar consciência de sua existência, mas ao mesmo tempo desconfia deste outro e
sente necessidade ou de rejeitá-lo, ou de torná-lo semelhante para eliminar a diferença. O risco
está no fato de que, ao rejeitar o outro, o eu não disponha mais da diferença a partir da qual se
definir ; ou, ao torná-lo semelhante, perca um pouco de sua consciência identitária, visto que esta
só se concebe na diferenciação. Daí o jogo sutil de regulação que se instaura em todas as nossas
sociedades (mesmo nas mais primitivas) entre aceitação e rejeição do outro, valorização ou
desvalorização do outro, reivindicação de sua própria identidade contra a do outro. Assim, não é
simples ser eu-mesmo, pois ser eu-mesmo passa pela existência e pela conquista do outro. “Eu é
um outro” disse Rimbaud. Completamos : “Eu é um outro eu-mesmo semelhante e diferente”.

2- Os componentes da identidade

Considerando-se que a identidade resulta de um mecanismo complexo que consiste na


construção, não de identidades globais, mas de traços de identidades, cabe indagar qual é a
natureza destes traços. Para tanto, parto de alguns exemplos.

1° exemplo

Um pai de família chega em casa, e ao ver que seu filho está fazendo pilhas com os
pratos de porcelana de Limoges herdados de sua avó, diz calmamente : “Ué !? eu
não sabia que os pratos da vovó eram brinquedo !” E o menino recoloca os pratos no
armário.

Um pai tem uma identidade social tanto por filiação biológica (genitor de uma criança) quanto pelo
que a lei determina (detém direitos e deve submeter-se a deveres especificados na lei). É este
conjunto que lhe confere uma autoridade parental, no âmbito do que chamaremos de “identidade
social”. Mas cada pai constrói, além disso, por seus comportamentos e seus atos de linguagem,
diferentes identidades de pai : autoritário, protetor, compreensivo, castrador, indiferente, etc.
Estas identidades são construídas através de atos de discurso. Em seu conjunto, sua identidade de
“ser” resultará da combinação de atributos de sua identidade social com tal ou qual traço
construídos por seus atos de linguagem. No exemplo acima, o pai constrói para si uma identidade
de pai não autoritário, irônico, e ao que parece, de alguém que está se posicionando quanto ao
que aqueles pratos representam. Mas além disso, faz com que seu filho recoloque no lugar o
objeto de sua transgressão.

2° exemplo :
[ Reunião de trabalho de um grupo de pesquisa : depois de elaborar um projeto que deve ser
submetido à avaliação de uma comissão, um dos membros do grupo sugere que seria oportuno
saber quem faz parte de tal comissão.] Segue-se o seguinte diálogo :

A – Nessa comissão eu conheço JF.


B – Bem, eu também conheço, mas te aconselho a não ir falar com ele, porque é
uma pessoa rígida e detesta ser pressionado.
A – Mas eu não disse que ia falar com ele, eu só disse que eu conheço o JF.
B - Bom, eu sei que você não disse que ia falar com ele, mas o que eu disse,
simplesmente, é que é preciso agir com prudência.

Neste caso, tratava-se, para B, de mostrar que ela (B. é uma mulher) conhecia JF melhor do que
A, mostrar que era mais prudente ou mais lúcida que A, assumindo uma posição de “conselheira”,
colocando-se acima de A. Sabendo-se, além disso, que B é a superior hierárquica de A,
compreende-se que sua meta tenha sido reafirmar o seu status tanto para A quanto para o grupo.
A identidade construída pelos atos de linguagem serve, aqui, para reativar a identidade social.

3° exemplo :
[Em 1988, por ocasião da campanha eleitoral à presidência da República, F. Mitterand e J. Chirac
compareceram a um debate televisivo. Durante o debate, F. Mitterand dirigia-se a seu adversário
chamando-o freqüentemente de “Senhor Primeiro Ministro”, cargo que este efetivamente
ocupava.]

- J. Chirac (um tanto aborrecido) : “Senhor Mitterand, não me chame de Primeiro


Ministro. Aqui, eu não sou o seu Primeiro Ministro, e o senhor não é o Presidente da
República. Somos apenas dois candidatos que se apresentam aos eleitores”.
- F. Mitterrand (com um ligeiro sorriso nos lábios) : “Está certo, o senhor tem razão,
senhor Primeiro Ministro.”

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Este é um caso em que o político, com sua réplica, constrói para si a imagem de uma pessoa ao
mesmo tempo dominadora, segura de si, mas também distante e desenvolta, permitindo-se
brincar com seu adversário, atraindo a cumplicidade do público ao fazer ironia ; além disso,
assume uma imagem paternalista (“ora, ora, isso aqui não passa de um jogo”) bem ao gosto dos
franceses. Neste exemplo, é a estratégia de discurso que constrói diversas máscaras de identidade
psicológica.

4° exemplo :
Por fim, o slogan publicitário do banco BNP na França :

“O seu dinheiro me interessa”.


Este slogan aparecia num out-door, ao lado da foto de um homem que representava
um executivo (usando terno e gravata e os cabelos penteados para trás) em posição
frontal, numa espécie de claro-escuro austero, olhando o transeunte bem nos olhos.

O objetivo, na época, era construir uma certa imagem de banqueiro correspondente à que circula
nas representações sociais (e que teve o respaldo de uma pesquisa prévia), mas que geralmente
não é declarada : “o banqueiro não é um altruísta, ele lucra com nosso dinheiro”.

A identidade construída pelo slogan visava, ao que parece, a produzir um efeito de sinceridade, a
não mascarar uma certa identidade social do banqueiro (a que circula nas representações). O
discurso implícito seria mais ou menos este : “eu, pelo menos, estou dizendo a verdade. Logo,
você pode confiar em mim.”

Vê-se nestes exemplos que a identidade do sujeito comunicante é compósita. Ela inclui dados
biológicos (“somos o que nosso corpo é”), dados psicossociais atribuídos ao sujeito (“somos o que
dizem que somos”), dados construídos por nosso próprio comportamento (“somos o que
pretendemos ser”). Entretanto, como, do ponto de vista da significação, os dados biológicos
adquirem as significações que os grupos sociais lhes atribuem, pode-se reduzir estes componentes
a dois : o que chamaremos, por comodidade, de identidade social e o que chamaremos de
identidade discursiva.

Os exemplos acima nos mostram, por um lado, que a identidade social não explica a totalidade da
significação do discurso, pois seu possível efeito de influência não está inteiramente dado por
antecipação ; por outro lado, é certo que o discurso não é apenas linguagem, sua significação
depende também da identidade social de quem fala. A identidade social necessita ser reiterada,
reforçada, recriada, ou, ao contrário, ocultada pelo comportamento linguageiro do sujeito falante,
e a identidade discursiva, para se construir, necessita de uma base de identidade social.
Postulamos, pois, que existe uma diferença entre estes dois tipos de identidade, e que é pela sua
combinação que se constrói o poder de influência do sujeito falante.

A identidade social

A identidade social tem como particularidade a necessidade de ser reconhecida pelos outros. Ela é
o que confere ao sujeito seu “direito à palavra”, o que funda sua legitimidade. É necessário, então,
verificar em que consiste esta legitimidade.

A noção de legitimidade não é exclusiva do domínio político. De modo geral, designa o estado ou a
qualidade de quem é autorizado a agir da maneira pela qual age. Pode-se ter sido legitimado ou
não a tomar a palavra numa assembléia ou numa reunião, a estabelecer uma lei ou uma regra, a
aplicar uma sanção ou a dar uma gratificação. O processo pelo qual alguém é legitimado é o de
reconhecimento de um sujeito por outros sujeitos, em nome de um valor aceito por todos, tal
como foi constatado nos exemplos que examinamos. Assim sendo, a legitimidade depende de
normas institucionais, que regem cada domínio da prática social e que atribuem funções, lugares e
papéis aos que são investidos através de tais normas.

Por exemplo, no domínio jurídico, que é regido por uma lógica da lei e da sanção, os atores são
legitimados pela obtenção de um diploma e o status institucional é adquirido através de um
sistema de ingresso por concurso, aliado a um sistema de nomeação pelos pares ou pelos
superiores hierárquicos.

Desse modo, a profissão está protegida pelas regras da instituição. Mas no caso de haver uma
desobediência a uma destas regras (o segredo profissional, por exemplo) ou um comportamento
que esteja em divergência com relação a uma norma esperada (como a “perseguição judiciária” a
jornalistas que denunciam irregularidades), imediatamente se põe em questão a legitimidade da
ação dos juízes. O mesmo ocorre no domínio de certas profissões liberais. No caso da medicina,
por ser regida pela lógica da expertise e ter por finalidade lutar contra o sofrimento e a morte, a
legitimidade de alguns de seus atores seria questionada se estes viessem a cometer erros médicos
ou a priorizar seus interesses financeiros em detrimento de sua atuação como médicos.

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No domínio econômico, que é regido pela lógica do lucro, os atores têm por obrigação respeitar as
regras de concorrência, e no domínio empresarial que lhe é adjacente, as leis do trabalho. Em
nome desta lógica, não é ilegítimo despedir empregados, procurar tomar a maior fatia de um
mercado, ou mesmo fazer uma cultura extensiva. Mas quando uma empresa utiliza crianças,
explora seu pessoal, dispensa sem critério, exerce um monopólio de mercado, ou então quando se
descobrem os efeitos nefastos de uma política econômica (cultura extensiva), pode-se atacá-la em
sua legitimidade (por não ter o direito de agir dessa forma). Entretanto, trata-se de uma
ilegitimidade quanto à moral, e não quanto ao lucro.

No domínio midiático, que é regido por uma lógica ao mesmo tempo de informação cidadã e de
concorrência comercial, [1] é mais difícil pôr em questão a legitimidade de seus atores, uma vez
que a “máquina midiática” tem o poder notável de recuperar-se de seus próprios desvios. [2] Mas
a corrida desenfreada para obter e difundir um “furo” (a síndrome paparazzi), a difusão de
informações falsas e não confirmadas (a síndrome de Timisoara [3]), a enorme espetacularização
na mise-en-scene da informação, podem pôr em questão o sacrossanto dever de informar.

Existe, entretanto, uma outra legitimidade, aquela que é atribuída de fato, pela força do
reconhecimento, por parte dos integrantes de uma comunidade, do valor de um de seus membros.
É a legitimidade conferida pela atribuição de um prêmio (como nos festivais) ou de um título
honorífico, ou a entronização numa sociedade cultural (a Academia), ou, num outro tipo de
atividade, a performance ou a vitória na competição esportiva. Pode acontecer um curioso
deslocamento entre esta legitimidade, atribuída em nome de um certo “saber fazer”, e uma
“legitimidade da palavra” : a dos antigos desportistas que se tornam jornalistas ou dos diretores
de cinema que passam a exercer a crítica cinematográfica, etc. ; a do engajamento pessoal que
permite falar em nome de sua prática (“eu pertenço ao partido comunista, eu sei do que estou
falando”) ; a do testemunho que permite falar em nome de uma experiência vivida (“aconteceu
comigo” ou “eu estava lá”, “posso testemunhar”). Isso porque o premiado, o medalhista, o
homenageado, o engajado e a testemunha estão como num pedestal, é neles que uma
comunidade pode olhar-se e reconhecer-se. Esta “legitimidade da palavra” provém de um “saber
fazer”.

A identidade social (a rigor, psicossocial, pois está impregnada de traços psicológicos) é, pois, algo
“atribuído-reconhecido”, um “pré-construído” : em nome de um saber reconhecido
institucionalmente, de um saber-fazer reconhecido pela performance do indivíduo (experto), de
uma posição de poder reconhecida por filiação (ser bem nascido) ou por atribuição (ser eleito/ ser
condecorado), de uma posição de testemunha por ter vivido o acontecimento ou ter-se engajado
(o militante/ o combatente). A identidade social é em parte determinada pela situação de
comunicação : ela deve responder à questão que o sujeito falante tem em mente quando toma a
palavra : “Estou aqui para dizer o quê, considerando o status e o papel que me é conferido por
esta situação ?” Entretanto, como veremos, esta identidade social pode ser reconstruída,
mascarada ou deslocada.

A identidade discursiva

A identidade discursiva tem a particularidade de ser construída pelo sujeito falante para responder
à questão : “Estou aqui para falar como ?” Assim sendo, depende de um duplo espaço de
estratégias : de “credibilidade” e de “captação”.

A credibilidade está ligada à necessidade, para o sujeito falante, de que se acredite nele, tanto no
valor de verdade de suas asserções, quanto no que ele pensa realmente, ou seja, em sua
sinceridade. O sujeito falante deve pois defender uma imagem de si mesmo (um “ethos”) que lhe
permita, estrategicamente, responder à questão : “como fazer para ser levado a sério ?” Nesse
sentido, pode adotar diferentes atitudes discursivas, a saber :

de neutralidade, atitude que leva o sujeito a apagar, em seu discurso, qualquer vestígio de
julgamento ou avaliação pessoal. É a atitude da testemunha que fala para constatar, para
relatar o que viu, ouviu, experimentou. Naturalmente, esta não pode despertar a mínima
suspeita sobre os motivos que a teriam levado a falar, e acima de tudo, dar margem a que
se pense que foi subornada por alguém para defender sua causa. Descartando estes casos,
o discurso testemunhal é um discurso da verdade “em estado bruto” que não pode, por
definição, ser questionada. Na comunicação midiática, a condição de credibilidade se traduz
por um discurso de autenticação dos fatos, com o reforço dos depoimentos das
testemunhas [4].
de distanciamento, que leva o sujeito a adotar a atitude fria e controlada do especialista
que raciocina e analisa sem paixão, tal como um experto, tanto para explicar as causas de
um fato, comentar os resultados de um estudo, quanto para demonstrar uma tese.
de engajamento, que leva o sujeito, contrariamente ao caso da neutralidade, a optar (de
maneira mais ou menos consciente) por uma tomada de posição na escolha de argumentos
ou de palavras [5], ou por uma modalização avaliativa trazida a seu discurso. Esta atitude
destina-se a construir a imagem de um sujeito falante como “ser de convicção”. A verdade,

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aqui, confunde-se com a força de convicção daquele que fala, e espera-se que esta
influencie o interlocutor.

Tais atitudes discursivas estão a serviço de uma atitude demonstrativa, a qual impõe argumentos
e um certo modo de raciocínio que o outro deveria aceitar sem discussão, pois a verdade é
apresentada como incontornável, independente dos sujeitos que a defendem, à qual cada um deve
submeter-se. Persuadir o outro equivale, neste caso, a colocá-lo num universo de evidências que
exclui a possibilidade de discussão.

As estratégias de captação surgem quando o Eu-falante não está, para com seu interlocutor, numa
relação de autoridade. Se estivesse, seria suficiente dar uma ordem para que o outro a cumprisse.
A captação vem da necessidade, para o sujeito, de assegurar-se de que seu parceiro na troca
comunicativa percebe seu projeto de intencionalidade, isto é, compartilha de suas idéias, suas
opiniões e/ou está “impressionado” (tocado em sua afetividade [6]). Deve então responder à
questão : “como fazer para que o outro possa ‘ser tomado’ pelo que digo”. Neste caso, o objetivo
do sujeito falante passa a ser o de “fazer crer”, para que o interlocutor se coloque numa posição
de “dever crer”.

Será necessário tentar persuadir (fazer pensar recorrendo à razão) ou seduzir (fazer sentir
recorrendo à emoção) o outro que, então, deverá pensar ou sentir o que foi significado. Assim
sendo, o sujeito pode escolher entre diferentes atitudes discursivas, dentre as quais destacam-se :

uma atitude polêmica, tentando antecipar, para eliminá-las, as possíveis objeções que
outro(s) poderia(m) apresentar, o que levará o sujeito falante a questionar certos valores
defendidos pelo interlocutor ou por um terceiro. Trata-se de “destruir um adversário”
questionando suas idéias, e, até mesmo, sua pessoa.
uma atitude de sedução, propondo ao interlocutor um imaginário no qual desempenharia o
papel de herói beneficiário. Esta atitude manifesta-se quase sempre através de um relato
no qual as personagens podem funcionar como suporte de identificação ou de rejeição para
o interlocutor.
uma atitude de dramatização, que leva o sujeito a descrever fatos que concernem os
dramas da vida, em relatos cheios de analogias, comparações, metáforas, etc. A maneira de
contar apóia-se largamente em valores afetivos socialmente compartilhados pois trata-se de
fazer sentir certas emoções.

Assim, a identidade discursiva se constrói com base nos modos de tomada da palavra, na
organização enunciativa do discurso e na manipulação dos imaginários socio-discursivos. Ao
contrário da identidade social, a identidade discursiva é sempre algo “a construir- em construção”.
Resulta de escolhas do sujeito, mas leva em conta, evidentemente, os fatores constituintes da
identidade social. Examinando-se os exemplos iniciais, constata-se que ora a identidade discursiva
reativa a identidade social (ex. 2), ora a mascara (ex. 1), ora a desloca (ex. 3 e 5).

É neste jogo de vai-vem entre identidade social e identidade discursiva que se realiza a influência
discursiva. Segundo as intenções do sujeito comunicante ou do sujeito interpretante, a identidade
discursiva adere à identidade social formando uma identidade única “essencializada” (“eu sou o
que eu digo”/”ele é o que ele diz”), ou se diferencia formando uma identidade dupla de “ser” e de
“dizer” (“eu não sou o que eu digo”/”ele não é o que ele diz”). No último caso, ou se pensa que é
o “dizer” que mascara o “ser” (mentira, ironia, provocação), ou se pensa que o “dizer” revela um
“ser” que ignora a si mesmo (denegação, revelação involuntária : “sua voz o traiu”).

3. As identidades em situação de comunicação

O jogo entre identidade social e identidade discursiva, e a influência daí resultante, não podem ser
considerados fora de uma situação de comunicação. É a situação de comunicação, em seu
dispositivo, que determina antecipadamente (graças ao contrato [7] que a define) a identidade
social dos parceiros do ato de troca verbal. Além disso, esta lhes fornece instruções quanto à
maneira de comportar-se discursivamente, isto é, define certos traços da identidade discursiva. Ao
sujeito falante restará a possibilidade de escolher entre mostrar-se conforme as instruções,
respeitando-as, ou decidir mascará-las, subvertê-las ou transgredi-las.

Assim, antes de proceder à análise das estratégias concernentes à identidade discursiva, é


necessário considerar quais são as características da identidade social de cada situação, bem como
as instruções que são dadas à identidade discursiva.

Para exemplificar a seqüência destes procedimentos, comparamos abaixo as situações de


comunicação política e as de comunicação publicitária.

A situação política

No que concerne ao sujeito político, a questão seria : “Estou aqui para defender quais idéias ? e
como fazer aderir a estas idéias ?” Com efeito, o sujeito político se encontra numa dupla posição :
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ser o portador e o garantidor de valores fundadores de uma certa “idealidade social”, e, ao mesmo
tempo, promover a adesão do maior número de cidadãos a estes valores. O homem político está
colocado, pois, entre “o político”, sede de um pensamento a respeito de como viver em sociedade,
e “a política”, que concerne à gestão do poder.

Compreende-se então como o resultado desta combinação produz um “Eu-nós”, uma identidade
do singular-coletivo. O homem político, em sua singularidade, fala por todos : enquanto portador
de valores transcendentes, sua voz é a voz de todos (“Juntos construiremos uma sociedade
melhor”). Mas, ao mesmo tempo, dirige-se a estes “todos” como se fosse apenas o porta-voz de
um terceiro, o enunciador de uma idealidade social. A partir de então, estabelece um “pacto de
aliança” entre estes três tipos de vozes (a voz do Terceiro, a voz do EU, a voz do TU-todos) que
acabam por fundir-se num corpo social abstrato, muitas vezes expresso por uma construção
indefinida (“Não se pode aceitar que os direitos legítimos do indivíduo sejam vilipendiados”) ou
por um “nós” (“Se queremos defender nossos interesses e guardar nossa independência…”).

A identidade social da instância política se define através de um princípio de legitimidade, o qual


se fundamenta em soberania. Apesar disso, a legitimidade através da soberania institucional não é
una : varia em função da “posição” e dos “papéis” que os atores são levados a assumir nas
situações de troca social nas quais estão engajados, o que faz com que variem os discursos que
proferem.

Pode-se considerar que existem duas situações bem distintas : a de candidatura ao sufrágio dos
eleitores e a de governo. A primeira coloca o sujeito político na posição em que deve defender e
promover um projeto de sociedade ideal inscrita num sistema de valores, propor um programa de
realização do projeto, e engajar-se sem hesitação para que este se cumpra. A segunda coloca o
sujeito político numa posição em que deve decidir (tomar medidas concretas, assinar decretos,
fazer cumprir as leis, promover ações de defesa, de hostilidade, de repressão) e em que deve
justificar as razões destas decisões. O que faz com que os tipos de discurso que emanam de tal
posição sejam, em parte, performativos, pois, neste caso, “dizer é fazer” ; e em parte, sejam
justificativas, pois é necessário fornecer explicações, tanto antecipadas (prever objeções) quanto a
posteriori (responder a críticas e a reações de protesto).

Essa identidade social desempenha um duplo papel : por um lado, fornece instruções ao sujeito
obrigando-o a construir, através de seu discurso, um “nós” enunciador que reúne o Eu-instância
política, o Tu-instância cidadã e um Ele-voz de um Terceiro de referência que fundamenta os
valores sobre os quais se apóia ; por outro lado, a identidade social constitui a base sobre a qual o
sujeito político poderá tentar construir uma credibilidade, seja rejeitando os valores aos quais se
opõe, seja reforçando os valores que defende, seja ainda justificando os valores e ações que
cumpriu e que são questionados.

A situação publicitária

A identidade social da instância publicitária é – contrariamente ao que se possa pensar – bem


diferente da que caracteriza a instância política. A instância publicitária propõe um sonho (p. ex.
“permanecer jovem”), mas se mantém exterior ao destinatário, cuja voz – a voz do desejo – é que
constrói o sonho. Não há, aí, pacto de aliança, pois a publicidade se dirige ao indivíduo (“A sua
beleza faz diferença”), não há idealidade social, apenas a singularidade do desejo (“Gillette, uma
carícia de amor”). [8] Três grandes diferenças aparecem entre o discurso político e o discurso
publicitário.

A primeira é que as propriedades discursivas de persuasão e de sedução são inversamente


proporcionais nestes dois tipos de situação de comunicação. No discurso publicitário, domina a
atividade de sedução, no discurso político a atividade de persuasão, o que é fácil de
compreender : o discurso publicitário tenta tocar o que há de singular no indivíduo, dirigindo-se ao
desejo ; o discurso político trata o indivíduo como sujeito coletivo, dirigindo-se à razão. Trata-se
então, para o sujeito político, de destacar a seriedade da atividade persuasiva – o que, aliás,
explica o porquê, quando há exagero no comportamento sedutor dos políticos, se façam tantos
comentários irônicos, caricaturas, zombarias, suscetíveis de desacreditar quem age desta
forma. [9] O que não ocorre com o sujeito publicitário, que nunca é acusado de excesso na
tentativa de sedução.

A segunda diferença reside no fato de que, no discurso publicitário, o anunciante não se confunde
com o produto, ao passo que o político é, ao mesmo tempo, o auxiliar da idealidade social (ele
está a serviço desta idealidade) e aquele que propõe o projeto político. Votar em tal político, é, ao
mesmo tempo, votar nele e em seu programa. Comprar um determinado produto pela marca, é
comprar o produto e não a marca. Isso explica porque o sujeito político deva demonstrar
convicção, aderindo a seu próprio projeto, engajando-se na proposta que apresenta aos cidadãos,
ao contrário da instância publicitária, que deve mostrar-se frívola, como fonte geradora de prazer.

A terceira diferença está no fato de que a instância publicitária não precisa, a priori, de
legitimidade. O que a torna legítima, justamente, é ser bem sucedida enquanto ato de sedução-
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persuasão (e por isso ela também dispensa a credibilidade). Já a instância política pressupõe uma
posição de legitimidade que precisa ser constantemente reiterada, e, além disso, gozar de
credibilidade.

4. Identidades e modelo de análise

Esta reflexão sobre a diferença entre os dois tipos de identidade serve de base ao modelo
comunicacional de análise do discurso que venho propondo, definido em torno de três tipos de
competência e de três tipos de estratégias, os quais retomo em seguida.

Uma competência comunicacional (ou situacional) que corresponde, no sujeito, à sua aptidão em
reconhecer a estruturação e as restrições da situação de comunicação, na qual são determinadas,
entre outras, as características da identidade social dos parceiros da troca linguageira, e na qual
se organizam, num dispositivo, as relações que se instauram entre estes parceiros : seu status,
seu papel social e o lugar que ocupam na relação comunicacional. É a partir deste conjunto de
traços constituintes da identidade comunicacional dos sujeitos que a legitimidade – isto é, aquilo
que justifica seu “direito à palavra” – e a relação de força que se instaura entre eles são
determinadas. Esta identidade é social (atribuída por estatuto) mas inclui igualmente as instruções
que presidem à construção da identidade discursiva. Uma competência semântica que
corresponde, para o sujeito, à sua aptidão em organizar seus diferentes tipos de saberes (os quais
constituem suas referências) e em “tematizá-los”. [10] Uma competência discursiva que
corresponde às possibilidades de organização enunciativa, narrativa e argumentativa do discurso,
em função das restrições do quadro comunicacional, organização graças à qual se constrói, entre
outras coisas, a identidade discursiva do sujeito. Mas é necessário igualmente que o sujeito tenha
uma competência semiolinguistica, a qual lhe permite combinar formas (escolha das formas em
relação com o sentido e as regras de combinação), em função das restrições da língua, e em
relação com as restrições do quadro situacional e os dados da organização discursiva. A identidade
discursiva encontra aqui sua “corporificação”.

As estratégias discursivas, por sua vez, se definem em relação ao contrato de comunicação. Para o
sujeito, trata-se inicialmente de avaliar a margem de manobra de que dispõe no interior do
contrato, para jogar entre, e com, as restrições situacionais e as instruções de organização
discursiva e formal. Em seguida, escolher, entre os modos de organização do discurso e os modos
de construção textual, em relação com os diferentes conhecimentos e crenças de que dispõe, os
procedimentos que melhor correspondam a seu próprio projeto de fala, às metas da influência que
pretende exercer sobre o interlocutor, e às condições que ele se impõe. Estas estratégias são
múltiplas, mas podem ser agrupadas em três espaços, cada um correspondendo a um tipo de
condição para a mise-en-scene discursiva. São as estratégias de legitimação, de credibilidade e de
captação, que não se excluem umas às outras, mas que se distinguem por sua finalidade. As
estratégias de legitimação advêm da necessidade de criar ou de reforçar a posição de legitimidade
do sujeito falante quando este tem dúvidas quanto à maneira pela qual o outro percebe seu
“direito à palavra”. Precisa então persuadir seu interlocutor de que sua fala e sua maneira de falar
correspondem à posição de autoridade que seu status lhe confere. As estratégias de credibilidade
levam o sujeito falante não mais a assegurar sua legitimidade, (embora muitas vezes estejam
ligadas), mas a fazer crer ao interlocutor que o que ele diz é “digno de fé”. As estratégias de
captação levam o sujeito falante a fazer com que o interlocutor dê sua adesão absoluta (não
racional) ao que ele diz, e, além disso, à sua própria pessoa.

Estes três tipos de estratégias constroem uma identidade discursiva própria ao sujeito, ao passo
que o contrato de comunicação constrói, por suas instruções, uma identidade discursiva
convencional, a que se coloca em conformidade com o contrato. Assim, no nível das estratégias, o
sujeito comunicante pode escolher falar em conformidade ou não com as instruções dadas pelas
restrições do contrato de comunicação, e fazer valer sua especificidade identitária.

Terminarei propondo um novo esquema que retoma a idéia de uma representação piramidal do
funcionamento da comunicação linguageira :

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09/06/2020 Imprimer : Identidade social e identidade discursiva, o fundamento da competência comunicacional

Comentários

(1) A base dos imaginários socio-discursivos é o lugar de estruturação das diversas


representações sociais. Estas são “socio-discursivas” porque são representações construídas pelo
dizer, sendo pois perceptíveis e identificáveis nos e pelos discursos que circulam nos grupos
sociais. Resultam de diferentes tipos de saberes, que muitas vezes encontram-se “misturados” :
saberes de crença, de experiência e de erudição. [11] Dentre essas representações, e sem que se
possa distinguir com clareza suas diferentes dimensões, algumas são de ordem cultural, outras de
ordem societal, outras ainda de ordem comunitária e outras de ordem grupal. [12] Estes
imaginários socio-discursivos exigem do sujeito uma competência semântica.

(2) O quadro socio-comunicacional é o lugar em que se estabilizam as trocas sociais constituindo


dispositivos de troca que funcionam como contratos de comunicação e que fornecem instruções
sobre as maneiras de se comportar através da linguagem. Pode-se igualmente dizer que é o lugar
da constituição dos gêneros, mas que serão chamados de “gêneros situacionais” significando que
é um lugar de “instrução do como dizer”. Exige uma competência comunicacional (ou situacional).

(3) O nível da mise-en-scene discursiva é o lugar em que o sujeito, tendo mergulhado nos
imaginários socio-discursivos, e levando em conta as restrições do quadro situacional e de suas
instruções, procede à organização de seu discurso, e portanto, constrói para si uma identidade
mais ou menos “individuada”. Neste nível devem ser acionadas as competências discursiva e
semiolingüística. [13]

Pode-se concluir, num primeiro momento, que a distinção entre identidade social e identidade
discursiva revela-se operatória : sem identidade social não há percepção possível do sentido e do
poder da identidade discursiva ; sem identidade discursiva diferente da identidade social e
reveladora do “posicionamento” do sujeito, não há possibilidade de estratégias discursivas, e sem
estratégias discursivas, não há possibilidade para o sujeito de se individuar, o que corresponderia
a um sujeito sem desejo.

Num segundo momento, pode-se concluir que nunca se pode assegurar a captação total de uma
identidade, e que a prudência aconselharia a que se fale de “traços identitários”, sendo uns
psicossociais, outros discursivos, para evitar cair na armadilha da “essencialização”.

Entretanto, a questão identitária é uma questão complexa. Por um lado, porque resulta de um
entrecruzamento de olhares : o do sujeito comunicante que procura construí-la e impô-la a seu
parceiro, o sujeito interpretante ; este não pode evitar, a seu turno, de atribuir uma identidade
àquele em função de seus próprios a priori. Por outro lado pelo fato de que, por mais que queira
evitar a armadilha da essencialização, todo sujeito tem o desejo de se ver (ou de ver o outro)
constituído como uma identidade única, o desejo de se saber “ser alguma coisa”, isto é, uma
essência. É este movimento de essencialização constitutivo do processo identitário que leva à
afirmação de que a identidade não passa de uma ilusão [14]. Como uma máscara que seria
mostrada ao outro (e a si mesmo), mas uma máscara que, se for tirada, deixa ver uma outra
máscara, depois outra, e outra ainda… Talvez não sejamos nada mais do que uma sucessão de
máscaras. Mas na impossibilidade de se resolver este enigma, manteremos a distinção entre
identidade psicossocial e identidade discursiva, por permitir compreender como se processa este
jogo social de substituição de máscaras.

Tradução efetuada a partir do original em francês por :


Angela Maria da Silva Corrêa

[1] Ver, de nossa autoria, Le discours d’information médiatique. La construction du miroir social,
Paris, Nathan-INA, 1997, cap.4.
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09/06/2020 Imprimer : Identidade social e identidade discursiva, o fundamento da competência comunicacional

[2] Ibidem, cap.13 e 14.

[3] N. T. : Timisoara é uma cidade da Romênia que ficou conhecida como um lugar onde houve
um massacre em dezembro de 1989. O número de pessoas mortas que a imprensa difundiu, na
verdade era uma estimativa fantasiosa, cem vezes superior ao que realmente ocorrera,
caracterizando-se assim a falsidade das notícias ligadas ao episódio. A esse propósito, pode-se
consultar : http://www.acrimed.org/article1.html

[4] Ibidem, cap.11.

[5] Exemplo : o político da extrema direita francesa, J.M. Le Pen, ao atacar seus adversários,
prefere o termo “établissement”[estabelecimento] em vez de “stablishment”.

[6] Ver nosso “Une problématique discursive de l’émotion. A propos des effets de pathémisation à
la télévision”. In : Les émotions dans les interactions. Lyon, Presses universitaires de Lyon, 2000.

[7] A respeito desta noção, ver nosso artigo Le dialogue dans un modèle de discours, Cahiers de
linguistique française, 17, Genève, Université de Genève, 1995, p. 141-178.

[8] Referimo-nos aqui às características gerais do contrato publicitário, o que não exclui a
possibilidade de se utilizar uma estratégia que jogue com os termos do contrato, ou mesmo que
os transgrida, como foi o caso de Benetton em suas campanhas de promoção. Ver nosso artigo :
“Le discours publicitaire, genre discursif”, Mscope, 8, Versailles, CRDP, 1994, p. 34-44.

[9] Isso começou, na França, em 1959, com a primeira campanha televisionada para a eleição em
sufrágio universal do Presidente da República. Jean Lecanuet, que aparecia pela primeira vez aos
telespectadores, havia tomado aulas de postura e de dicção. Os humoristas, caricaturistas e
outros comentaristas atacaram sem perdão o comportamento artificial do político, o que acabou
por ser-lhe desfavorável, ao contrário do que pretendia.

[10] Sobre a questão da organização dos saberes, ver nosso artigo “Tiers, où es-tu ? A propos du
tiers du discours,” in Les non-dits du discours. La voix cachée du Tiers. L’Harmattan, Paris, 2004.

[11] Cf. nosso artigo “Tiers où es-tu ?” , op.cit.

[12] Evidentemente, nem sempre é fácil fazer a repartição entre essas quatro ordens.

[13] Para estes diferentes tipos de competência, ver nosso artigo : CHARAUDEAU, P. Da
competência social de comunicação às competências de discurso. In : COLLES L. et alii (éds),
Didactique des langues romanes. Le développement de compétences chez l’apprenant, Louvain-la-
Neuve, DeBoeck-Duculot, 2001, 34-43

[14] Cf. Bayart J.F. L’illusion identitaire, Paris, Fayard,1996.

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