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Ficha Catalográfica
CONSELHO EDITORIAL:
Presidente: Prof. Dr. Erivelto Goulart. Coordenadora Editorial:
Profa Dra Maria Suely Pagliarini. Membros: Prof. M.Sc. Evaristo
Atêncio Paredes, Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado, Prof. Dr. Ivan
Moreira, Prof. M.Sc. Osmar Gaspareto, Profa Dra Maria Helena
Sarragiotto, Prof. M.Sc. Massakazu Takakura, Prof a Dra Sílvia Inês
Coneglian C. Vasconcelos, Profa Dra Gisella Maria Zanin, Profa
M.Sc. Maria de Fátima Garcia, Prof. Dr. Elpídio Serra. Secretária:
Maria José de Melo Vandresen. Revisão Textual: Prof. Dr. Silvestre
Rudolfo Böing, Profa Márcia Lorca Ventura, Prof. Antonio Augusto
de Assis, Prof. M.Sc. Leonildo Carnevalli, Prof. José Hiran Sallée,
Profa M.Sc. Edna Castilho Peres, Profa Dra Marilurdes Zanini,
Profa Deonizia Zimovski Germani. Normalização Bibliográfica:
Amélia Yaegashi, Maria Salete Ribelatto Arita, Maria Júlia Carneiro
Giraldes.
a meus pais
ea
Joaci Pereira Furtado
E foi assim que desembarquei em Lisboa e segui para Coimbra. A
universidade esperava-me com as suas matérias árduas;
estudei-as muito mediocremente, e nem por isso perdi o grau de
bacharel; deram-mo com a solenidade do estilo, após os anos da
lei; uma bela festa que me encheu de orgulho e de saudades, -
principalmente de saudades. Tinha eu conquistado em Coimbra
uma grande nomeada de folião; era um acadêmico estróina,
superficial, tumultuário e petulante, dado às aventuras, fazendo
romantismo prático e liberalismo teórico, vivendo na pura fé dos
olhos pretos e das constituições escritas. No dia em que a
Universidade me atestou, em pergaminho, uma ciência que eu
estava longe de trazer arraigada no cérebro, confesso que me
achei de algum modo logrado, ainda que orgulhoso. Explico-me: o
diploma era uma carta de alforria; se me dava a liberdade,
dava-me a responsabilidade. Guardei-o, deixei as margens do
Mondego, e vim por ali fora assaz desconsolado, mas sentindo já
uns ímpetos, uma curiosidade, um desejo de acotovelar os outros,
de influir, de gozar, de viver, - de prolongar a Universidade pela
vida adiante...
Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas.
SUMÁRIO
*
Cf. FRAGOSO, J. L. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça
mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992 e FRAGOSO, J.
L., FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto; mercado atlântico, sociedade agrária e elite
mercantil no Rio de Janeiro (1790-1840). Rio de Janeiro: Diadorim, 1993.
conceito de modo de produção, tal como propostos por Ciro F. Cardoso e
Jacob Gorender. Se não o fizemos é porque, para o estudo da mentalidade
patriarcal da classe dominante escravista no Império, ainda perece-nos
bastante a consideração do antagonismo fundamental latente naquela
sociedade, entre proprietários rurais e escravos do eito - antagonismo que
obviamente extravasa essa relação e acaba, no limite, demarcando as
diferenças sociais crivadas pela cor.
Outras tantas obras vieram à luz nesse interim, revendo matérias que
vão desde itens teóricos como violência, paternalismo e liberalismo até
balanços historiográficos de diversas tendências. Caberá a outros
investigadores desses mesmos temários que procedam à sua atualização.
Portanto, o presente estudo privilegia um público iniciado, pelo que
achamos conveniente manter as notas de rodapé, que informam sobre
nossos prinicpais interlocutores. Nosso interesse pela história das idéias
jurídicas no Brasil do século XIX surgiu da percepção da carência de
estudos sistemáticos sobre o tema que buscassem, numa concepção
globalizante, as interações entre as representações mentais e a vida
material daquela formação social. Nesse sentido, este estudo visa
articular as obras de comentaristas do Código Criminal do Império do
Brasil de 1830 com a sociedade escravista, onde foram produzidas e à
qual se destinavam.
Dentre as 44 obras levantadas, 24 se prestaram diretamente à nossa
pesquisa por estarem carregadas de juízos de valor (ver "Em nome da lei",
a seguir). Todas têm em comum o mesmo objeto - as doutrinas contidas
no Código Criminal - e o período de publicação - 1830 a 1888.
O objetivo principal deste trabalho é procurar elaborar um
mapeamento dos valores da classe dirigente, tal como expressos e
articulados na sua produção jurídica, que constituíam os alicerces da
mentalidade escravista. Para isso, dividimos o presente ensaio em cinco
capítulos. O primeiro, de caráter introdutório, subdivide-se em três partes:
"A lei do território" apresenta sumariamente a afirmação da classe
dominante escravista como dirigente da construção do Estado imperial,
pelo qual foi produzido o Código; em "O território da lei" encontra-se
uma breve reflexão sobre a relação entre Direito e sociedade, além de
uma primeira apresentação do diploma penal do Império; por último, "A
leitura da lei" define os limites metodológicos da investigação.
No segundo capítulo, discute-se fundamentalmente a presença do
elemento escravo na legislação criminal, que obrigava os comentadores
pretensamente liberais a verdadeiras contorsões na justificação das
exceções que o negro nela fazia abrir. De tal presença decorria inclusive
toda sorte de relações verticais que colocavam uns indivíduos em
dependência e obrigação em relação a outros. Aqui se realiza também
uma primeira abordagem sobre o vigor do poder paternal na sociedade
escravista, que levou os legisladores a resgatarem com toda força o
Direito romano.
O terceiro capítulo aprofunda o anterior e investiga como se deu em
nosso direito criminal a necessária recuperação da configuração patriarcal
romana - decorrência da própria organização da unidade produtiva
fundamental da sociedade escravista, arranjada desde a colônia na forma
semi-autárquica do oîkos. Daí o poder incomensurável do senhor dentro
de seu domínio e a instituição legal do direito de propriedade do homem
pelo homem. A partir de tais entendimentos, sugere-se a existência de
uma homologia estrutural, perceptível no direito criminal, entre a forma
da célula doméstica e o Estado. Estudam-se, pois, as significações de
público e privado na mentalidade escravista brasileira.
No quarto capítulo analisa-se, em primeiro lugar, o tipo peculiar de
violência inerente à formação social escravista. Monopolizada pelo
senhor para impor o regime de trabalho compulsório e conter virtuais
resistências, ela era legitimada no discurso criminal. Em seguida,
aborda-se topicamente os limites da ideologia liberal na mentalidade
escravista.
No quinto, buscamos reconstituir um quadro genérico dos valores da
classe dominante - tal como expresso por sua elite -, tabulando a
hierarquia dos diferentes crimes a partir de suas distintas penas e
analisando tematicamente algumas outras matérias. Com isso quisemos
destacar os paradoxos que surgiam, inevitavelmente, da superposição
entre idéias liberais e relações escravistas - conforme o discurso jurídico
bem demonstra.
Vale o registro de que, embora aprofundadas mais em seus capítulos
específicos, as categorias classes sociais, público e privado, violência,
patriarcalismo e liberalismo perpassam todo o trabalho. O último capítulo
pressupõe os anteriores para tratar da noção de Direito e de transformação
histórica na percepção da elite dominante.
Por último, as "Considerações finais" retomam as discussões
precedentes, buscando concatená-las e delas destilar um nexo
interpretativo.
Capítulo I
EM NOME DA LEI
A lei do território
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São Paulo: Ática, 1974, onde se explica a vida em colônia pelas determinações do capitalismo em
âmbito mundial. Paulo Mercadante considera uma dupla face da economia colonial, feudal e
escravista em suas características internas, e mercantil e capitalista em relação ao mercado
internacional. MERCADANTE, P. op. cit., p. 221 . Ciro Cardoso, em diversos estudos, e Jacob
Gorender em seu clássico O escravismo colonial, sustentam a teoria do modo de produção
escravista colonial, regido por leis próprias e determinações endógenas. Ver CARDOSO, C. F. S.
Sobre los modos de producción coloniales de América e El modo de producción esclavista colonial
en América. In: ASSADOURIAN, Carlos Sempat et alii. Modos de producción en América Latina.
Córdoba: Cuadernos de Pasado y Presente, 1973; GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. 3 ed.
São Paulo: Ática, 1980; LAPA, J. R. do A. Modo de produção e realidade brasileira. Petrópolis:
Vozes, 1980. Através da crítica dessas matrizes, nomeadamente Cardoso, muito se avançou no
sentido do questionamento mesmo de alguns aspectos estruturais do modo de produção escravista
colonial. Um importante centro historiográfico que vem atuando nesse sentido é o núcleo de história
agrária da Universidade Federal Fluminense. Ver LINHARES, Maria Iedda e SILVA, Francisco
Carlos Teixeira da. História da agricultura brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1981; CASTRO, Hebe
Maria. Ao sul da história: lavradores pobres na crise do trabalho escravo. São Paulo, Brasiliense,
1987; MUNIZ, C. M. Os donos da terra. Niterói: UFF, 1979; FARIA, Sheila de C. Terra e trabalho
em Campos dos Goytacases. Niterói: UFF, 1987; FRAGOSO, João Luís Ribeiro. Sistemas agrários
em Paraíba do Sul. Rio de Janeiro: UFRJ, 1983; SILVA, Francisco C. T. da. A morfologia da
escassez: crises de subsistência e política econômica no Brasil colônia (Salvador - Rio de Janeiro
1680-1790). Niterói: UFF, 1990.
5 . A produção historiográfica posterior às teses do escravismo colonial, subscrevendo-as,
aprimorando-as ou refutando-as, é muito extensa. Ver GORENDER, J.
A escravidão reabilitada. São
Paulo: Ática, 1990.
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9 . Ibidem, p. 50. Ver também o estudo pioneiro de DIAS, M. O. S. op. cit., onde se chamou
a atenção para a lacuna que começaria a ser coberta pela obra de Matos.
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.
16
PRADO Jr., C. op. cit., p. 53. Também COSTA, E. V. da. Da Monarquia à República,
cit., p. 39. A implantação do regime republicano sobre os escombros do Império parece ter sido
análogo. Ver CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não
foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
17 . MERCADANTE, P.
op. cit., p. 51 e ss.; PRADO Jr., C. op. cit., p. 52.
18 . Diz Justiniano José da Rocha, em libelo de meados do século XIX: "No meio dessas
duas tendências em luta /liberais e conservadores/ - reprimiam-o de um lado o terror dos meios
expeditos da ditadura, do outro o respeito à lei e à consciência alheia;
tudo estava por fazer, tudo por
criar, pois não só era nova a forma constitucional, novas as instituições, como novo era o país até na
sua organização administrativa". (ênfase acrescentada) ROCHA, Justiniano José da. Ação, reação,
transação. In: MAGALHÃES Jr., R. Três panfletários do Segundo Reinado. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1956. p. 169-70. Também SAES, Décio. A formação do Estado burguês no Brasil
(1881-1891). Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1985. p. 134; SANTOS, Wanderley Guilherme dos.
Ordem burguesa e liberalismo econômico. São Paulo: Duas Cidades, 1978. p. 35, com visões
distintas sobre o mesmo problema.
19 . Cf. GORENDER, J.
A escravidão reabilitada, cit., p. 184: "Da mesma maneira pela
qual a monarquia portuguesa assentou sua dominação colonial sobre a exploração do trabalho
escravo, o ramo da casa de Bragança herdeiro da instituição monárquica no Brasil independente
conservou-se como superestrutura da mesma base econômica. A rígida centralização do aparelho de
Estado se revelou adequada à manutenção do mercado unificado de escravos e à proteção dos
interesses escravistas no vasto território do Brasil. Sob este aspecto, pode-se afirmar que a
metamorfose da América de colonização portuguesa num Estado independente único, em contraste
com a fragmentação da América de colonização hispânica, deveu-se a estas duas instituições
interligadas: o modo de produção escravista colonial e a monarquia". Já Caio Prado Jr. não atribui à
Monarquia esse mesmo relevo. Cf. PRADO Jr., C. op. cit., p. 53.
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O território da lei
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27 . Ibidem, p. 51.
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31 . Ver EHRARD, Jean. História das idéias e história social em França no século XVIII -
reflexões de método. In:
BERGERON, Louis (org.). Níveis de cultura e grupos sociais. Trad. Franco
de Sousa. Lisboa: Cosmos, 1974. p. 217, quando define "idéia": "Um conceito cuidadosamente
elaborado por um especialista da reflexão abstracta, mas igualmente uma opinião difusa, ou - com
mais profundidade - uma atitude intelectual e afectiva, uma forma do pensamento e da sensibilidade.
Três níveis da realidade, e portanto três tipos de análise: a dos grandes sistemas filosóficos, na
realidade frequentemente pouco histórica; uma história da opinião, que é directamente da alçada do
método estatístico e da técnica da sondagem; finalmente, o estudo das estruturas do mental
colectivo".
32 . Ver BOTTOMORE, Tom (ed.).
Dicionário do pensamento marxista. Trad. Waltensir
Dutra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. p. 183-7.
33 . Ver EHRARD, J. op. cit., p. 223: "Com efeito, se é verdade que cada época inventa
conceitos novos, também é verdade que ela utiliza, para as suas próprias necessidades, a herança
conceitual das gerações passadas. Está aí a origem de uma distorção inevitável entre a antiga forma
de expressão e a novidade do seu conteúdo. Como diz Marx, a inércia das palavras dá às ideias novas
33
Os Brancos da Lei
um disfarce respeitável; parece-me, no entanto, que este disfarce engana e mistifica em primeiro
lugar aqueles que dele se servem".
34 . Gramsci ressalta a importância desse conceito e desse fato, pois seu desenvolvimento
político e prático representa "... um grande progresso filosófico, já que implica e supõe
necessariamente uma unidade intelectual e uma ética adequadas a uma concepção do real que
superou o senso comum e tornou-se crítica, mesmo que dentro de limites ainda restritos".
GRAMSCI, Antônio.
Concepção dialética da história. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 4 ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1981. p. 21. A legitimação só pode se efetuar através de um corpo de
intelectuais. Ver Idem. Os intelectuais e a organização da cultura. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 6
ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. p. 3, 4. Também CARDOSO, C. F. S. & PEREZ
BRIGNOLI, Hector. El poder. s. n. t., p. 16: "Essa função de legitimação, incrustrada na visão de
mundo de cada indivíduo, de cada grupo, de cada classe social, é o que permite o funcionamento da
sociedade".
35 . A partir do momento em que se consolida a concep ção de mundo como ideologia,
coloca-se o problema desta agir no sentido da conservação ideológica de todo o bloco histórico, o
qual está "... cimentado e unificado justamente por aquela ideologia". GRAMSCI, A.
Concepção
dialética da história, cit., p. 11.
36 . Ibidem, p. 16.
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42 . Os conceitos têm o sentido que a prática acaba por lhes incutir. Não obstante toda a
polêmica quanto ao termo
mentalidades, e talvez mesmo pela diversidade de suas definições e
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empregos, não nos sentimos tolhidos em usá-lo em relação aos valores próprios da classe dominante
do Império.
43 . Cf. PASUKANIS, E.
A teoria geral do Direito e o marxismo. Trad. S. Martins. Coimbra,
Centelha, 1977. p. 98. Gramsci, apontando a diferença entre ideologia orgânica e arbitrária,
reconhece o equívoco que consiste em se considerar toda ideologia como uma mera aparência, inútil
etc.: "Na medida em que são historicamente necessárias, as ideologias tem uma validade que é
`psicológica': elas organizam as massas humanas." GRAMSCI, A. Concepção dialética da história.
Trad. Carlos Nelson Coutinho. 4 ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1981. p. 62-3.
44 . No caso particular do Direito em relação à base material, numa carta a Conrad Schmdit,
de 27 de outubro de 1890, Engels parece estar narrando o pr óprio processo de construção do Brasil
imperial: "O mesmo sucede com o direito. Logo que a nova divisão do trabalho se torna necessária e
cria
juristas profissionais, abre-se, por sua vez, um novo domínio autônomo. Ao mesmo tempo que
depende, de uma maneira geral, da produção e do comércio, esse novo domínio não deixa de ter uma
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capacidade particular de reacção sobre esses domínios. Num Estado moderno, é necessário não só
que o direito corresponda à situação econômica geral e seja sua expressão, mas também que seja uma
expressão sistemática, cujas contradições internas não constituam um desmentido para si própria.
Para conseguir isso, o direito reflete cada vez menos fielmente as relações econômicas. E isso numa
escala tanto maior quanto mais raramente um código se apresenta como a expressão brutal,
intransigente e autêntica da dominação de uma classe, por que se tal ocorresse o próprio facto
contrariaria por si só a `noção de direito'". Apud MARX, K. & ENGELS, F. Sobre a literatura e a
arte. Trad. Álvaro Lima. Lisboa, Estampa, 1974. p. 33.
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. MARX, K.
48
Contribuição à crítica da economia política. Trad. M. H. B. Alves e C. R. F.
Nogueira. 2 ed. São Paulo : Martins Fontes, 1983. p. 24.
49 . A crítica mais contundente a Thompson e seus seguidores no Brasil est á em
GORENDER, J.
A escravidão reabilitada, cit., p. 14-44, 97-117. Pasukanis, discorrendo sobre a
ontologia das relações jurídicas, conclui que o Direito tem uma história real, que não se desenvolve
como sistema de pensamento, "... mas antes como um sistema particular de relações que os homens
realizam não de uma escolha consciente, mas sobre pressão das relações de produção".
PASUKANIS, E. op. cit., p. 69.
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Qualquer divisão do real para fins analíticos não deve ser aleatórea.
Para se reconstituir a visão de mundo das elites, a partir das idéias
jurídicas, todas as instâncias da formação social devem se repor
obrigatoriamente. Um grande historiador da cultura já deu a ênfase
devida à questão "... do caráter total da atividade humana e da ligação
indissolúvel entre os fatos econômicos e sociais e a história das idéias"50
(ênfase acrescentada).
50 . GOLDMANN, Lucien.
Ciências humanas e filosofia. Trad. L. Garande e J. A. Giannotti.
11 ed. Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 1988. p. 50 e ss.
51 . Como se lê em Bobbio: "Todo povo tem, na riqueza de suas determinações, uma
densidade histórica na qual o jurista ou o filósofo que se valem de categorias jurídicas para
compreender a história não são capazes de penetrar". BOBBIO, Norberto.
Estudos sobre Hegel;
direito, sociedade civil, Estado. Trad. L. S. Henriques e C. N. Cotinho. São Paulo : Brasiliense, 1989.
p. 71.
52 . Cf. MARX, K. & ENGELS, F.
A ideologia alemã. São Paulo : Moraes, 1984. p. 37.
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A leitura da lei
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56 . Conforme explicitam claramente muitos deles em seus exórdios. Ver, por exemplo, J.
A. de Araújo Filgueiras: "Não tenho a vaidade de apresentar um trabalho de fôlego; dou á estampa as
notas que fui accumulando no meu codigo criminal, omittindo, todavia, aquellas que melhor cabida
terão em um trabalho de commentarios, que, com o tempo, e si a fortuna quizer, terei a honra de
offerecer ao publico". FILGUEIRAS, J. A. de A.
CCIB; annotado com os actos dos poderes
legislativos... Rio de Janeiro : E. & H. Laemmert, 1873. Também SILVA, Josino do N. CCIB;
augmentado com as leis, decretos, avisos e portarias... Rio de Janeiro : E. & H. Laemmert, 1863;
VASCONCELLOS, João Marcelino P. de. CCIB; annotado com as leis, decretos, avisos e
portarias... Rio de Janeiro : Antonio Gonçalves Guimarães, 1860.
57 . São elas:
CCIB; e leis relativas a alguns artigos do Codigo Criminal. Recife, Tipografia
de Santos & Cia., 1836; DUTRA, José da Silva. CCBI; repertório ou indice alphabetico de todas as
disposições dos codigos Criminal e do Processo, disposições provisórias, leis de 3.12.1841,
regulamentos de 31.01 e 15.03 de 1842, e de toda legislação de decisões do governo relativas ás
citadas leis. Rio de Janeiro : Tipografia Austral, 1884; CCIB; annotado com as leis, decretos e
avisos... por J.M.P.V. Rio de Janeiro : A. Gonçalves Guimarães, 1859; PINTO, José Maria de Sousa,
AZAMBUJA, Bernardo A. N. Nascentes de. O Codigo Criminal explicado, ou analyses juridica e
philosophica da Carta de Lei de 16.12.1830. s.n.t., 1832; ROCHA, Justiniano José da.
Considerações sobre a administração da justiça criminal no Brazil, e especialmente sobre o jury.
Rio de Janeiro : Seignot & Plancher, 1835; VASCONCELOS, José Marcelino Pereira de. CCIB
annotado por...; nova edição revista, annotada e augmentada com a legislação respectiva até o
presente por Miguel Thomaz Pessoa. Rio de Janeiro : Laemmert, 1878.
58 . Cf. BARTHES, R., COMPAGNON, A. op. cit., p. 186: "Ler quer dizer
ler bem, decifrar
criticamente os textos: ler com atenção, de uma maneira bem informada, e não mecânica ou
inocentemente".
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Os Brancos da Lei
59 . "A explicitação de algo, enquanto isso ou aquilo, funda-se essencialmente sobre uma
aquisição e uma visão prévias, bem como sobre uma antecipação". HEIDEGGER, M.
Apud
RICOUER, Paul. Interpretação e ideologias. Trad. Hilton Japiassu. Rio de Janeiro : Francisco Alves,
1977. p. 34.
60 . Cf. RICOUER, P. op. cit., p. 22 e ss. Sobre interpreta ção ver REIS, C. op. cit., p. 39-60.
62 . "Podem-se imaginar cem comentários diferentes. Podemos ligar a obra à vida do seu
autor, mas podemos também tratá-la como um gênero literário em comparação com outros, ou
como
um documento etnográfico e histórico em relação com os costumes e as instituições de um dado meio
social. Uma exegese é uma hipótese que, como qualquer outra, possui um grau maior ou menor de
confirmação possível". (ênfase acrescentada) Cf. ORTIGUES, Edmond. Interpretação. Enciclopédia
Einaudi, cit., v. 11, p. 218-33.
44
Os Brancos da Lei
Mais que isso e que as palavras, importa buscar elementos ocultos e suas
interdependências e interações: estabelecer certas correspondências entre os
universos mental e real - ou o que o conhecimento mais nos permite deles
aproximar. Objetivamos apontar para esta articulação. Trata-se, portanto,
basicamente de um trabalho de comparação: dos textos entre si e destes com o
restante do conhecimento adquirido sobre o assunto64.
Por fim, reforçamos que a questão técnica da interpretação nunca foi para
nós um fim em si mesma, pelo que, cremos, fugimos à tentação quer de
confundir atos como "interpretação" e "explicação", "... quer de separar
artificialmente a `compreensão das razões' e a `explicação das causas'"65.
63 . "Ora, as inferências que podem fazer a partir do texto (sobretudo do texto recolocado no
seu contexto) ultrapassam largamente o horizonte psicológico do locutor. Se uma explicação de
sentido é possível, é porque o sentido nunca se reduz a um acontecimento psicológico, ou a uma
intenção subjetiva". Ibidem.
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Os Brancos da Lei
46
Capítulo II
O PRECEDENTE DA DIFERENÇA
66 1
. Cf. HOLANDA, S. B. de. A herança colonial - sua desagregação, cit. p. 9-39; Idem.
Herança rural. In: ________. Raízes do Brasil, cit. p. 41-60.
67 . Tese sustentada em obra clássica de Maria Sílvia de C. Franco: "Assim como o poder pessoal fechou o homem pobre na violência sem
expressão social, também impediu os grupos dominantes de identificarem seus objetivos econômicos comuns e de agirem como unidade (...). Ao lado do
latifúndio, a presença da escravidão freou a constituição de uma sociedade de classes, não tanto porque estivesse fora das relações de mercado, mas
principalmente porque excluiu dela os homens livres e pobres e deixou incompleto o processo de sua expropriação". FRANCO, M. S. de C.
Homens
livres na ordem escravocrata, cit., p. 219.
68 . Ibidem, p. 13.
Os Brancos da Lei
vida do escravo na lavoura cafeeira"). Gorender, comentando as análises de Saes sobre o caráter
escravista das instituições políticas coloniais, afirma: "A meu ver, os órgãos estatais, no Brasil
colonial, constituíam um prolongamento do Estado portugês. Existia, isso sim, uma classe dominante
colonial - a classe dos senhores de escravos -, encimada pela cúpula dos grandes plantadores."
GORENDER, J. A escravidão reabilitada, cit., p. 119-20. Conquistada a Independência, se
construiria um Estado escravista, cuja legislação só poderia ser "... organicamente abrangente e
legitimadora da escravidão". Legislação muito bem estudada por Décio Saes na obra citada.
73 . Cf. SAES, D. op. cit., p. 107-13.
75 . A opção por essas variáveis impõe-se pela própria concepção holística de Estado como família ampliada, índice do imperativo do
patriarcalismo da sociedade de ordens que,
no plano mental, a despeito da divisão em classes, organiza a
sociedade. Observamos que a análise das hierarquias a partir do discurso jurídico criminal é precisa e
limitada, como demanda um estudo monográfico. Numa sociedade altamente contagiada pela
reverência à titulação nobiliárquica, um estudo sobre hierarquias que não considere a distribuição de
insígnias de nobreza, as cerimônias e etiquetas cortesãs finda obrigatoriamente incompleto. Mas isso
é em si matéria para outro trabalho. No Império a nobitilitação esteve desde o início, com D. João VI,
ligada à cooptação da elite política que mediava as relações entre os proprietários rurais e a Coroa.
Ver CARVALHO, J. M. de. Teatro de sombras: a elite política imperial. São Paulo: Vértice, 1988. p.
19. No mesmo sentido ver o estudo estatístico e descritivo de JARNAGIN, Laura. The role and
structure of the brasilian imperial nobility in society and politics. Anais do Museu Paulista, São
Paulo, v. 29, p. 99-157, 1979.
76 . A análise que se segue apóia-se em MATOS, I. R. de. op. cit.
, p. 109-29, tributária do texto clássico de SOUSA,
Antônio Cândido de Melo e. Dialética da malandragem. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros,
São Paulo, v. 8, p. 67-89, 1970.
77 . MATOS, I. R. op. cit.
, passim.
30
Os Brancos da Lei
80 15
. "Governar a escravaria consistia em não apenas fiscalizar o trabalho da massa de
escravos, ou em escolher com acerto os feitores e saber evitar-lhes as exagerações, mas sobretudo em
criar as condições para que as relações de poder inscritas na ordem escravista fossem vivenciadas e
interiorizadas por cada um dos agentes, dominadores e dominados." MATOS, I. R. de. op. cit.,
p. 119.
31
Os Brancos da Lei
81 . Ibidem, p. 120.
85 . "Através desta separação do indivíduo da sociedade e da natureza, separação essa intimamente relacionada com outras dualidades filosóficas,
tais como pensamento e ser, essência e aparência, (...), o conceito de indivíduo livre que o pensamento burguês opõe à Idade Média é concebido como uma firme
entidade metafísica. O indivíduo deverá ser abandonado a si próprio". HORKHEIMER, Max.
Autoridade e família; parte geral. Trad.
M. Sanches e T. R. Cadete. Lisboa: Apáginastantas, 1983. p. 72. Nesta obra se faz uma crítica
acurada da mistificação do "indivíduo livre" do pensamento burguês, mostrando como, quando da
transição para um regime de pastagens, os rendeiros foram afastados do campo, sendo libertados no
sentido negativo, já que aquilo não era exatamente sinônimo de possibilidade de escolha de local e
tipo de trabalho.
86 . Sobre o modelo jusnaturalista, o contrato social e a sociedade civil, comparados ao aristotélico, ver BOBBIO, N., BOVERO, M. op. cit., p.
13-102.
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87 ."... A filosofia política do jusnaturalismo expressa uma teoria do poder que está nos antípodas do poder tradicional e que contém todos os
principais elementos da forma de poder que Weber chamou de legal-racional: laicização do Estado e subordinação do príncipe às leis naturais que são as leis da
razão; primado da lei sobre o costume (...); relações impessoais, ou seja, através das leis, entre príncipes e funcionários (...) e entre funcionários e súditos (...); e
finalmente uma concepção anti-paternalista do poder..." Ibidem, p. 94.
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88 . Sendo da competência do juiz de primeira culpa, conforme aviso de 15 de fevereiro de 1837 e decreto 533 de 3 de setembro de 1847. Cf.
PERDIGÃO, Carlos Frederico Marques.
Manual do Codigo Penal Brazileiro: estudos syntheticos e practicos. Rio
de Janeiro: Garnier, 1882. p. 266. Manteremos a grafia original dos textos da época, visando evitar
qualquer desvirtuamento semântico que uma transcodificação poderia acarretar.
89 . "A pena de desterro, quando outra declaração não houver, obrigará os réus a sahir dos termos dos lugares do delicto, da sua principal
residencia, e da principal residencia do offendido, e a não entrar em algum delles, durante o tempo marcado na sentença". Nas consultas ao Código Criminal,
utilizou-se a edição constante na
COLEÇÃO das leis e decisões do Imperio do Brazil. Rio de Janeiro: Tipografia
Nacional, 1876. p. 141-89.
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90 . Cf. Artigo 60: "Se o réo for escravo, e incorrer em pena, que não seja a capital, ou de galés, será condemnado na de açoites, e, depois de os
soffrer, será entregue a seu senhor, que o obrigará a trazel-o com um ferro, pelo tempo, e maneira, que o juiz determinar. O número de açoites será fixado na
sentença; e o escravo não poderá levar por dia mais de cincoenta". Ver também aviso de 9 de setembro de 1850, cf. PERDIGÃO, C. F. M. op. cit., p. 243.
91 . "1. multas;
93 .
CCIB; annotado com todas as leis, decretos e avisos ... até 1878 por B. P. Rio de
Janeiro: J. G. de Azevedo, 1879. p. I; ver também PEREIRA, Virgílio de Sá. op. cit., p. 149-85. No
mesmo tomo ver ainda GUSMÃO, H. C. da S. op. cit., p. 417 e ss: "... a crueza de suas penas
chegava a ponto de infligir a morte natural (este qualificativo é do aludido Livro V) a simples
infracções policiaes; a pena passava da pessoa do delinqüente /a seus descendentes/ desaparecendo,
assim, a personalidade da responsabilidade criminal; confundia o crime com o pecado, e o vício, o
que importava a confusão do Direito com a religião e a moral; a individuação da pena era
desconhecida, porque o juiz fazia sua aplicação segundo a graveza do caso e a qualidade das
pessoas..."
94 . BLAKE, Augusto Vitorino Alves Sacramento.
Diccionario biographico brazileiro. Rio de Janeiro:
Tipografia Nacional, 1883. 8 v. e SILVA, Inocêncio Francisco da. Diccionario biographico
portuguez. Lisboa: Imprensa Nacional, 1870. 22 v. fornecem dados biográficos sobre a maioria
absoluta dos comentadores do Código Criminal.
95 . ALVES Jr., Tomás.
Annotações theoricas e practicas ao Código Criminal pelo... Rio de Janeiro:
Francisco Luís Pinto, 1864. t. I, p. 119-21.
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96 . Por exemplo: Bezerra Montenegro considera perfeita para os escravos a pena de açoites. As galés seriam uma alforria antecipada. Igualmente
a pena de morte, pois os escravos africanos "...acreditam na metempsycose ou transmigração das almas, e frequentemente se suicidam". MONTENEGRO, Manuel
Januário Bezerra.
Lições academicas sobre os artigos do Codigo Criminal. Recife: Tipografia Universal,
1860. p. 419 e ss.
97 ."Art. 44: A pena de galés sujeitará os réus a andarem com calceta no pé, e corrente de ferro, juntos ou separados, e a empregarem-se nos
trabalhos publicos da provincia, onde tiver sido comettido o delicto, á disposição do governo".
98 . FALCÃO, A.
CCIB; annaliysado por..., cit., p. 26.
99 . AZEVEDO, Manuel Mendes da Cunha.
Codigo penal do Imperio do Brazil, com observações sobre
alguns de seus artigos. Recife: Meira Henriques, 1851. p. 187-9.
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102 . MONTENEGRO, M. J. B.
Lições acadêmicas sobre os artigos do Código Criminal, cit., p. 364.
103 . Muitos autores, desde Sílvio Romero ("Explicações indispensáveis". In:
MENEZES, Tobias Barreto de. Vários
escritos. Rio de Janeiro: Laemmert, 1900. p. XVIII), passando por Antônio Cândido (O método
crítico de Sílvio Romero) até João Cruz Costa (Contribuição à história das idéias no Brasil, p. 112 e
ss), são unânimes quanto ao "bando de idéias novas" decorrentes da fermentação causada pelo
boom econômico de meados do século XIX. Embora esse fato seja inegável, desejamos apenas
chamar a atenção para um aspecto da passagem da mentalidade escravista, tacanha e atrasada, para
outra superior e modernizante, que a historiografia apresenta. Alfredo Bosi, por exemplo, identifica
uma viragem de mentalidade no Brasil por ocasião da crise de 1868 - a revolta dos liberais ao gesto
abrupto de Pedro II, quando demitiu o gabinete de Zacarias de Góis, majoritário no Parlamento - o
que desaguaria na lei do Ventre Livre. Seria, assim analisada, "uma crise de passagem do regresso
agromercantil, emperrado e escravista, para um reformismo arejado e confiante no valor do trabalho
livre". BOSI, A. A escravidão entre dois liberalismos. Estudos Avançados, São Paulo, v. 2, n. 3, p.
4-39, 1988. Vigorosa oposição liberal, esse momento é de fato um marco da afirmação de uma
classe e de um pensamento burgueses no cenário político. Mas como liberal autêntico pode ser
apontado já em 1824 José Bonifácio, o Patriarca, como se apura de sua Representação á Assemblea
Geral Constituinte e legislativo do Imperio do Brazil, sobre a escravatura. Rio de Janeiro: J. E. S.
Cabral, 1840. O fato de uma mentalidade burguesa manifestar-se em alguns baluartes da história
imperial não significa, todavia, que tenha sido dominante. E é de se questionar mesmo, como
suscitam nossas fontes jurídicas, se é um pensamento liberal-burguês que predomina depois da
inflexão apontada por Bosi, e se é ela que promove, igualmente, todo o leque de transformações do
período que medeia entre o Ventre Livre e a República.
A princípio as fontes jurídicas que compulsamos o negam. Somos tentados a crer que a
mentalidade escravista perdurou como dominante mesmo depois de abolida a escravidão e
proclamada a República. E que, persistindo, só foi sobrepujada por outra quando as transformações
nas relações sociais empreendidas pela própria classe dominante - referendamos a hipótese de que a
substituição do trabalho escravo pelo livre seguiu a chamada "via prussiana" - geraram a mudança
estrutural da própria classe e de sua visão de mundo. Esta conjetura, que tomamos como pressuposto,
fica à mercê de novas pesquisas.
104 . "A pena de açoites barbara, infamante e perturbadora das mais vulgares noções de humanidade, civilização e moralidade, é uma mancha negra
que se encontra em nosso código, resultado sem duvida da escravidão, que infelizmente ainda existe entre nós...". LUÍS, Francisco.
CCIB; theorica e
practicamente annotado. Maceió: T. de Menezes, 1885. p. 183.
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105 . "... E, por cujo facto /a escravidão/, nós confiados no braço escravo adquirimos habitos afidalgados e inteiramente adversos ao trabalho, o que
muito tem concorrido para não estarmos mais adiantados." VIDAL, Luís Maria.
Indice alphabetico ou repertorio geral da
legislação servil. Rio de Janeiro: Laemmert, 1876. p. XXXVI.
106 . Sobre o parágrafo 6o
. assim se expressa o jurista Manuel Januário Bezerra Montenegro:
"Razoavel por sem duvida é a doutrina deste parágrafo, pois que tende á conservação da
tranqüilidade domestica: o mal que resulta do castigo inflingido pelo pae ao filho, pelo senhor ao
escravo, pelo mestre ao discipulo se redunda em beneficio dos que o soffrem = é empregado para
fazel-os entrar no circulo de sua obrigações". (ênfase acrescentada). MONTENEGRO, M. J. B. de.
Lições academicas sobre os artigos do Codigo Criminal, cit., p. 181.
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Essa constelação de valores tão bem definida pela pena dos juristas -
que fazem da busca de difinições seu próprio métier - não deve dar vezo a
que o patriarcalismo derivado das relações de produção escravistas,
enquanto elemento ideológico, fosse fundante da sociedade,
constituindo o que Maria Sílvia de C. Franco chamaria de seu "princípio
unificador". Antes, decorria, em última instância, das relações que
travavam e definiam senhores escravistas e escravos rurais na plantation
- conceito com que se designa a unidade produtiva rural sob o escravismo
moderno. Desta é que se espraiava para outros níveis, como as relações
que envolviam senhores e escravos urbanos, artesãos e domésticos ou
homens livres entre si, ganhando novos matizes - mas preservando seu
caráter rigidamente estratificado, assentado no dever de obediência dos
inferiores e dependentes e no direito de mando dos superiores.
111 . MONTENEGRO, M. J. B.
Lições academicas..., cit., p. 33 e ss. Ver também a posição de Tomás
Alvez Jr., ao comentar a situação agravante de penalidade prescrita no parágrafo 5o. do artigo 16: "É
reconhecimento de um principio natural: o respeito á velhice. O respeito é devido á velhice, ou
porque encerra os conhecimentos da experiencia, ou porque pela sua propria fraqueza exige proteção.
E na verdade aquelle que falta a estes deveres, quando offende a um velho, revela maior somma de
perversidade". ALVES Jr., T. op. cit., p. 318.
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113 . LUÍS, Francisco. op. cit., p. 279. Outro exemplo de deferência à autoridade na organização do corpo social encontra-se em PESSOA, V. A. de
P. op. cit., p. 257.
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115 . Sobre a pena de morte para os escravos que cometessem ofensa física contra os senhores (lei de 10.06.1835), concorda em 1864 José Liberato
118 . LUÍS, F.
op. cit., p. 461.
119 . Ver NEQUETE, Lenine. As relações entre senhor e escravo no século XIX: o caso da escrava Honorata.
Revista Brasileira de
Estudos Políticos, Belo Horizonte, v. 53, p. 223-48, 1981.
120 . PESSOA, V. A. de P. op. cit., p. 423.
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121 . Não será demais lembrar que tais inferências partem da análise do ponto de vista "de cima", daqueles que criavam a norma. Todo um mundo
de resistência a essa norma, driblando-a, negando-a, existia latente e pulsante. A recuperação da ação desses "sujeitos informais" (mulheres, crianças, minorias
étnicas, sexuais, etc) vêm sendo perscrutada por toda uma historiografia mais recente, como, no caso da história da mulher, bem ilustram os trabalhos de Michelle
Perrot. A obra de DIAS, Maria Odila da Silva.
Cotidiano e poder em São Paulo. São Paulo: Brasiliense, 1983,
inaugurou esse importante veio de pesquisa e reflexão no Brasil.
122 . "Quem abusa da sua superioridade em sexo, forças e armas para opprimir o desarmado, o fraco, a mulher,
collocada pela propria
natureza sob proteção do homem, denota um caracter baixo e ignobil". (ênfase acrescentada) LUÍS,
Fancisco. op. cit., p. 57. ALVES Jr., T. op. cit, t. 2, p. 552, explicando a doutrina do artigo 150,
sobre o empregado público solicitar ou seduzir uma mulher, nota que o legislador quis reprimir um
abuso muito possível, "... defendendo assim a fraqueza natural da mulher, em que facil e
naturalmente se poderia exercer esse abuso". (ênfase acrescentada).
123 . PESSOA, V. A. de Paula. op. cit., p. 54.
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que não podem votar nem ser votados, e nesta classe se acham
comprehendidas as mulheres. 126.
A cidadania, além dos expedientes excludentes de classes sociais
inteiras, pertencia ao mundo masculino. Dele a mulher estava excluída
por estar em permanente estado de menoridade e incapaciade, como se lê
acima. Não participava do exercício do poder pela alegação de sua
condição inferior e, sublinhe-se, de sua menoridade em relação ao
homem127. A atribuição ao pater (senhor de escravos, pai ou mestre de
aprendizes) do uso privado da violência - o "castigo moderado" - repõe
mesmo o que está fora dessas relações verticais sob a vontade do senhor,
a quem cabia ofertar proteção em troca de obediência. Não parece
abusivo o argumento de que o fundamento coercitivo da relação senhor
versus escravo - que no campo do Direito incorpora a questão da
reificação total ou parcial do cativo 128 - se legitimava nas mentes
escravistas pelo caráter intransponível, insuperável do escravo como
menor, no sentido jurídico de "menor de idade" - o que o fazia
dependente da benévola tutela de seus senhores. Assim quanto aos filhos.
Assim quanto às mulheres.
127 . Isso fez Tobias Barreto, em texto de 1884, indignar-se com a legislação que reconhece a maioridade civil da mulher apenas aos 21 anos e a
criminal aos 17: "A mulher que na opinião de todos os cavalleiros de um baile, ou todos os convivas de um banquete, inclusive legisladores e juristas (...), a
mulher que, na opinião de todos êstes, quando os sons de uma linda valsa convidam a dançar, ou o sabor dos licores desafia a
musa do brinde, é a
princesa dos salões e a estrêla que mais brilha nas grandes solemnidades, volta a ser no dia seguinte,
na opinião dos peritos, uma creança permanente, que não pode ter completa autonomia, que não deve
ser abandonada a si mesma!..." MENEZES, T. B. de. Menores e loucos em direito criminal: estudo
sobre o artigo 10 do Codigo Criminal. Rio de Janeiro: Organizações Simões, 1951. p. 57 e ss.
128 . Ver nota 9.
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130 ."... Sendo o nosso Codigo nesta parte, como em tantas outras racional e philosophico, por isso que as paixões vivas da mocidade não permittem
ao mal-feitor a força de vontade e firmeza de resolução, com reflexão e calma e sangue frio, que são indispensaveis para os castigos mais severos, como a morte e
gales." Ibidem, p. 87.
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altura: "E, por ventura,uma boa Lei de locação de serviços não obviaria
um pouco o mal?"132
132 . PESSOA, V. A. de P. op. cit., p. 478. Também ver LUÍS, Francisco. op. cit., p. 537: "Por uma boa lei de locação de serviços é preciso incutir
no seio da sociedade o amor ao trabalho que, além de ser a mais proveitosa das devoções e a mais util das penitencias, as que primeiro nos ensinou e impos o
Creador, é ao mesmo tempo a mais vantajosa das distracções."
133 . O mesmo fenômeno social já se acusava nos códigos das possessões espanholas dos tempos coloniais.
Ver, a respeito, GARCIA
GALLO, Concepción. Sobre el ordenamiento juridico de la esclavitud en las Indias espanholas.
Anuario de Historia del Derecho Español, [s.l.], v. 50, p. 1005-38, 1980, especificamente p. 1011 e
1018.
134 . Ver CASTRO, José Antônio de Azevedo.
Breves annotações á lei do elemento servil no. 2.040 de
Setembro de 1871. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1873; Idem, Considerações geraes sobre a lei de
20 de setembro de 1871 que altera algumas disposições da legislação judiciaria. Rio de Janeiro:
Tipografia do Apóstolo, 1872.
135 . LUÍS, F. op. cit., p. 538.
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Capítulo III*
AS FRONTEIRAS DA CASA-GRANDE
para lhes contrapor as relações de Direito público como relações de `poder', ou de `domínio'".
KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. Trad. J. B. Machado. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes,
1987. p. 296 e ss.
139 . Ver, por exemplo, BUENO, J. A. P.
Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império,
cit., p. 7 e ss.
140 . Segundo Jürgen Habermas, um modelo ideológico que afirmou sua continuidade séculos afora, uma continuidade "exatamente nos termos da
História das Idéiais". HABERMAS, J.
Mudança estrutural na esfera pública. Trad. F. R. Kothe. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1984. p. 16-9. É manifesta a reverência dos juristas imperiais ao Direito romano:
"... o Corpus Juris está para o bacharel, jurisconsulto ou juiz, assim como o Breviario está para o
sacerdote, que tem a imperiosa obrigação de ler diariamente este livro sagrado, do mesmo modo que
aquelle acerca do Corpus Juris, deposito da sciencia do mundo inteiro". MONTENEGRO, M. J. B.
Crime de injuria; estudo analytico, theorico, comparativo e practico do artigo 236 e 239 do Codigo
Criminal. Recife: Tipografia Comercial, 1875. p. 9.
141 . "...Nas condições da economia agrícola - monocultora, latifundiária e escravagista -, o grupo econômico quase por completo se identificou com
o grupo de parentesco, acrescido dos agregados e dependentes que constituíam a vasta clientela da família patriarcal. A família-grande, hipertrofiada e
multifuncional, em que os laços de sangue se aumentavam pelos da servidão, foi a unidade econômica colonizadora do Brasil, e por isso mesmo, fez-se centro e
núcleo, quase absoluto, da vida social". PINTO, L. de A. C. op. cit., p. 25.
142 . No que toca à organização do grande domínio fundiário, monocultor e patriarcal, concordamos com quem estabelece uma continuidade
fundamental entre a configuração colonial e a do Império. Ver Ibidem, p. XII
: "No Império, apesar das mudanças na organização
política, que não alteraram nem podiam alterar abruptamente o quadro fundamental, foram se
ampliando, entretanto, progressivamente, os fatores de consolidação do poder político, mas
essencialmente pela fusão das duas ordens - o que foi a coluna mestra da monarquia. Como nunca,
poder econômico e poder político se identificaram".
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146 . De Oliveira Viana, passando por Sérgio Buarque até Caio Prado Jr., muitos já o haviam afirmado exaustivamente: "Submetendo à sua
autoridade outras agências e instituições de poder e controle social, hierarquizando abaixo de si o vasto grupo de parentes e a massa de seus exércitos privados, o
pater familias brasileiro, mais que um simples caudilho, foi, como seu modelo romano, centro
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Os Brancos da Lei
irradiador de força estável - legítima ou não, mas sempre efetiva, que é o fato mais notável daquela
organização política". PINTO, L. A. C. op. cit., p. 27.
147 . Cf. PASUKANIS.
E. op. cit., p. 172: "Quando o poder patriarcal (...) assume o papel de garante
da paz e indispensável, portanto, aos contatos comerciais, essas novas funções fazem-no assumir um
caráter público, que lhe era originalmente estranho. Um poder do tipo feudal ou patriarcal não
conhece fronteiras entre o privado e o público".
148 . É o que se expressa confusamente na tradução brasileira de J. Habermas: "A posição do senhor da casa no processo de produção pode, no
entanto, ser comparada com o poder `privado' de dispor que gozavam o
oîko-despotes ou o pater-familias. Dominação fundiária
(e a vassalagem que dela deriva), quintessência de todos os direitos individuais de dominação, pode
ainda ser entendida como jurisdictio ; não se submete à antítese de domínio privado (dominium) e
autonomia pública (Imperium)". HABERMAS, Jürgen. op. cit. p. 18.
149 . FRANCO, M. S. de C.
Homens livres na ordem escravocrata, cit., p. 111-28: "Aí /no âmbito das
administrações locais/ se vê o agente governamental imerso nas situações concretas em que
desempenhava suas atribuições funcionais, com sua conduta se orientando antes pelos fortes
interesses e influências que envolvia a sua vida de maneira imediata, que por longínquos e abstratos
controles". Ibidem, p. 113.
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Os Brancos da Lei
Há, por outro lado, os que apenas concebem uma sociedade organizada
politicamente sob um Estado. Embora seja inegável o vigor do aparelho
político-administrativo imperial, é preciso destacar suas peculiaridades e
interações, que são homólogas às do domínio rural. As relações sociais de
apadrinhamento, informais, personalistas, em última análise patriarcais,
geradas na dinâmica da unidade produtiva reproduzem-se, latu sensu, no
Estado. Isso, antes de uma fraqueza mesma do aparelho estatal, foi o
verdadeiro obstáculo a que se desenvolvessem instituições "... que
representassem a coletividade de maneira impessoal e abstrata",
principalmente no caso da administração da justiça, impondo que perdurasse
mais longamente seu exercício privado150.
153 . "No Maranhão, em 1735, queixava-se um governador de que não vivia em comum, mas em particular, sendo a casa de cada habitante ou de
cada régulo uma verdadeira república, porque tinha os ofícios que a compõem...". Ibidem, p. 48.
154 . Embora caiba o registro da historiografia hodierna que relativiza essa tese, conforme veremos a frente.
155. Sobre poder público/privado na sociedade feudal ver DUBY, Georges (org.).
História da vida privada: da Europa
feudal à Renascença. Trad. M. L. Machado. São Paulo : Companhia das Letras, 1990. v. 2, p. 17-46.
Sobre feudalismo versus escravismo colonial ver GORENDER, J. O escravismo colonial, cit., p.
113-8.
156 . HOLANDA, S. B. de.
Raízes do Brasil, cit., p. 49. Para uma distinção entre escravismo clássico
e colonial ver GORENDER, J. O escravismo colonial, cit., p. 166-72.
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Os Brancos da Lei
157 . É próprio às teorias serem simplificações de realidades mais complexas. Por isso vimos tratando a sociedade imperial de maneira
generalizante, simplificadora da riqueza de suas configurações. Ao aceitarmos a determinação em última instância das interações entre fazendeiro e escravo rural,
não desprezamos as infinitas relações sociais que passam ao largo daquela. Tenha-se o pecúlio do escravo por exemplo. Weber afirma que uma autonomia era
atribuída aos não-livres, possibilitando-lhes, numa descentralização da comunidade doméstica, auferir uma possessão própria (inclusive familiar). Tal sociedade
paralela - ou interna - ao
oîkos, embora o enfraqueça, convive perfeitamente com ele. Cf. WEBER, M. op. cit.,
p. 756. Manuela C. da Cunha aborda tangencialmente a questão do peculium do escravo, observando
que, na lei costumeira até 1871, e na positiva depois desta data, houve sempre uma licença ao escravo
para constituir seu pecúlio. Sua função seria a de acomodar as contradições do direito imperial à
linguagem do liberalismo. Cf. CUNHA, M. C. da. Sobre os silêncios da lei, cit., p. 47 e ss. Para a
América espanhola ver GARCÍA GALLO, C. Sobre el ordenamiento juridico de la esclavitud en las
Indias Españolas, cit., p. 1016-21. Deve-se perguntar como um escravo obteria pecúlio. Só havendo
dentro do sistema uma licença, mínima que fosse, para ele trabalhar para si, em busca de um objetivo
quase quimérico - mas virtualmente factível - de juntar o valor correspondente ao que lhe compraria a
própria liberdade. Aqui, os estudos pioneiros de Ciro F. S. Cardoso sobre a "brecha camponesa"
ganham importância. Ver artigo homônimo em CARDOSO, C. F. S. Agricultura, escravidão e
capitalismo, cit., p. 133-54. Idem, Escravo ou camponês? o protocampesinato negro nas Américas.
São Paulo: Brasiliense, 1987. Uma crítica contundente a suas teses está em GORENDER, J. A
escravidão reabilitada, cit., p. 70-86.
158 . Idéia consagrada no pensamento político clássico é a de que a essência do Estado reside na concentração da força. Usando a metáfora hegeliana
das pedras de uma pirâmide, concerta Bobbio que seu encaixe é a Constituição - "encadeamento racional das partes numa única autoridade estatal". Mas a
Constituição é somente o meio para a formação do Estado, não seu fundamento: "... mais uma vez, como tudo aquilo que se refere ao direito, é forma, não
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166 . Cf. PAIM, Antônio. Introdução. In: VIANA, O. op. cit., p. 24. Também SANTOS, W. G. dos. op. cit., p. 93 e ss.
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170 . BOBBIO, N.
Sociedade e Estado na filosofia política moderna, cit. p. 93 e ss. Ver também a
obra clássica de LASKI, Harold. O liberalismo europeu. Trad. A. Cabral. São Paulo: Mestre Jou,
1973.
171 . "Estes dois direitos ou interesses, estas duas sociedades política e civil, são ambos filhos da razão esclarecida e da complexa natureza social,
ambos eles têm um igual e mesmo fim,
a felicidade de todos e de cada um. A diferença está somente em
proceder-se, segundo a refletida natureza de cada um deles, do todo para os indivíduos, ou dos
indivíduos para o todo. É, certamente, necessário que não só a comunidade, mas também cada
indivíduo seja feliz; é o bem ser destes que compõe o bem-estar geral." (ênfase acrescentada)
BUENO, J. A. P. op. cit., p. 6. São impagáveis as críticas de Tobias Barreto ao marquês. Ver o texto
de 1881 de MENESES, T. B. de. Direito público brasileiro. In:________. A questão do poder
Moderador e outros ensaios brasileiros. cit., p. 122-51.
172 . Cf. BUENO, J. A. P. op. cit., p. 10.
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177 . "Os direitos políticos são os que conferem uma participação mais ou menos direta na gestão dos negocios publicos, e são: a aptidão ás formas
publicas, o direito de ser jurado, de eleger e ser eleito, as funcções que dependem de eleição e os direitos acessórios ao direito eleitoral. Esses direitos só
pertencem aos cidadãos sendo reputado tal qualquer brasileiro com vinte e um annos completos". PESSOA, V. A. de P. op. cit.
, p. 191.
178 . Ibidem, p. 92 e 163.
67
Os Brancos da Lei
Essa distinção ignora que uma ofensa à sociedade pode ser material
(como a danificação de um prédio público) ou que a agressão ao
indivíduo pode ser moral (por exemplo, o defloramento de uma virgem).
Outro critério de distinção recorrente está, para muitos autores, no objeto
do delito, em quem recebe o mal - definidor inclusive das áreas do
Direito:
Quando a violação da Lei produz um mal exclusivamente
individual, não há ahí mais do que um facto civil, que obriga á
indemnização. Quando, porém, da viollação resulta um mal
publico, o facto entra no domínio do Direito Criminal; e
corresponde-lhe uma pena.179
Direito civil, quando o crime aflige apenas um indivíduo. Direito
criminal, ao tratar-se de um mal público. É interessante notar quando os
juristas asseveravam que os desastres causados por um dano menor, que
atingisse um número reduzido de pessoas, não seria por isso suscetível de
crescer e propagar-se - merecendo portanto penas reduzidas. Já um
desastre causado por um dano cuja natureza prejudicasse grande número
de pessoas, com conseqüências funestas para a população, deveria ter
penas agravadas.
182. Para um tratamento mais detido de cada capítulo do Código ver BRANDÃO, Berenice et alii.
A polícia e a força policial no
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: PUC, 1981; e NETO, Zaidé M. Direito penal e estrutura social:
comentário sociológico ao Código Criminal de 1830. São Paulo: Saraiva, 1977.
69
Os Brancos da Lei
183 . PERDIGÃO, C. F. M. op. cit., p. 221. Também ARAÚJO, J. V. de. op. cit., p. 4; PESSOA, V. A. de P. op. cit., p. 147.
186 . "A sociedade tem o direito á conservação de seus membros (...). O homem foi creado para viver em sociedade, a sua vida pertence á
sociedade", que não lhe atribui sequer o direito ao suicídio. Ibidem, p. 383.
70
Os Brancos da Lei
Ora, toda essa exaltação da esfera pública que vimos acima vai de
encontro à nossa afirmação anterior do predomínio do privado sobre o
público durante o Império. Esse fenômeno é causado pela inserção de
elementos do Direito burguês - vigente na Europa - na sociedade
escravista e patriarcal dos trópicos. A dimensão do coletivo é tão
defendida, como veremos, por ser a garantia do poder quase ilimitado do
cidadão dentro de sua casa, do pater dentro de seu domínio.
187 . Ibidem, p. 89. Marques Perdigão subscreve este princípio: "O castigo, com effeito, deve estar em proporção com o delicto; deve exercer certa
intimidação e previnir o regresso das infracções; deve ainda favorecer a emenda do delinqüente (...). A pena deve, portanto, por a mira no exemplo e na emenda
moral do culpado". PERDIGÃO, C. F.M. op. cit., p. 217.
71
Os Brancos da Lei
189 . Ver CUNHA, Pedro Otávio Carneiro da. A fundação de um Império liberal. In: HOLANDA, S. B. de (org.).
HGCB, t. 2, v. 1, p.
135-78; SOUSA, J. A. Soares de. O Brasil e o Prata até 1828. Idem, ibidem. Para as guerras
intestinas que eclodem principalmente no período regencial, Ibidem, t. 2, v. 2; MOTA, C. G.
Nordeste: 1817. São Paulo: Perspectiva, s.d., trata dos movimentos anticolonialistas do momento
precedente. Sobre a Revolução do Porto ver COSTA, E. V. da. Da Monarquia à República, cit., p.
36-40.
190 . Há um certo consenso de que a Revolta da Praia em 1848 encerra o ciclo de agitações libertárias mais sentido pela época regencial.
191 . "Tentar directamente, e por factos, destruir a indepedencia ou a integridade do Imperio. Penas - de prisão com trabalho por cinco a quinze
annos.
72
Os Brancos da Lei
paradoxo contido nela - e não se pode, a bem da razão, tomar suas críticas
como infundadas. Um paralelo interessante pode ser traçado entre Tomás
Alves Jr. e Anastácio Falcåo, uma vez que ambos acusam a mencionada
contradição, mas têm concepções distintas de público e privado.
Se o crime se consummar
Penas - de prisão perpétua com trabalho no gráo maximo; prisão com trabalho por vinte
annos no medio; e por dez no minimo."
192 . FALCÃO, A. op. cit.
, p. 34; ALVES Jr., T. op. cit., p.18-21.
73
Os Brancos da Lei
193 ."Donde se conclue com toda evidencia e clareza, que o crime de conspiração he muito mais aggravante que o de matar; porque este he a causa
de males particulares, e do outro sempre resultão males geraes que prejudicão toda a sociedade". FALCÃO, A. op. cit.
, p, 46.
194 . "Nesta classificação não incluímos o crime de insurreição (art. 113), que é de todo especial, e que deveria ser riscado do Codigo para figurar
transictoriamente em alguma lei especial, enquanto durasse entre nós o facto da escravidão". ALVES JR., T. op. cit.,
passim.
74
Os Brancos da Lei
195 . "Todos soffrem se os empregados publicos se deixam viciar e corromper; e todos os contemplam sem os desculparem de suas faltas por mais
leves que sejam." LUÍS, F. op. cit., p. 15. Ver também FALCÃO, A. op. cit., p. 31; ARARIPE, T. de A.
CCIB, cit., p. I-II.
196 . LUÍS, F. op. cit.
, p. 32.
197 ."A vida privada dos magistrados, diz Serre, Guarda dos Sellos em França, não pertence senão a elles, sendo que sua vida pública pertence a
todos. É o direito, é o dever de cada um dos seus concidadãos, exprobar-lhes publicamente seus desvios e faltas públicas". PESSOA, V. A. de P. op. cit., p. 409.
198 . "... Qualquer que seja o respeito de nossas leis para o privilégio da vida privada, aquella dos funccionarios não pode gozar de uma completa
inviolabilidade. O bom serviço de um empregado público depende, mais do que se imagina, da regularidade da vida privada." Ibidem,
p. 284.
75
Os Brancos da Lei
199 . LUÍS, F. op. cit., p. 300. Observe-se que as duas últimas citações são quase idênticas.
202 . MERCADANTE, P.
A consciência conservadora no Brasil, cit., p. 192 e ss.
203 . MONTENEGRO, M. J. B. de. op. cit., p. 22.
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Os Brancos da Lei
nação a dirigia como sua família. Dos grandes críticos do Poder Moderador,
Tobias Barreto, discutindo a forma de governo brasileira, que os "aduladores
áulicos" insistiam em relacionar à inglesa, asseverava:
... o governo do Brazil não deve ser, não é parlamentar; a
mesma Constituição é contrária a esse regime, visto como tem
por base a confiança unica no primeiro representante da
nação, o qual é só capaz de conduzir-nos à prosperidade
infinita que o futuro nos reserva. Logo, convém banir essas
idéias de constitucionalismo liberal, e deixar que o Imperador
seja o que a Constituição quis que ele fosse, isto é,
independente, preponderante, Soberano.204
Em momento algum a soberania estaria no povo. Na casa ela pertence ao
senhor; no Estado, ao imperador. Ambos são inatingíveis em seus
domínios. O que nada mais há de razoável ante o olhar dos súditos - que
têm no direito de graça do monarca uma das mais belas e legítimas
disposições constitucionais:
Qualquer que seja o nome do depositário da soberania
nacional - Rei, Imperador, Presidente, chefe do poder
executivo - o direito de graça é uma das suas mais belas e
importantes prerrogativas. (ênfase acrescentada)205
Apesar de não constar no direito positivo, o jus vitae, et necis do
Direito romano era sancionado no Brasil escravista pelo direito
costumeiro e pelo discurso criminalístico. O direito de graça que se
atribui ao Poder Moderador está previsto no artigo 66 do Código
Criminal. Já se disse que o êxito da consolidação do "poder nacional" no
século XIX deveu-se, sobretudo, ao prestígio imperial, à majestade e
inviolabilidade do rei206, homóloga, a despeito das dimensões, à soberania
doméstica do senhor.
204 . MENESES, T. B. de. A questão do poder moderador (o governo parlamentar no Brasil), cit., p. 82 e ss.
78
Os Brancos da Lei
207 . Que Sérgio Buarque de Holanda eleva a um dos fatores que teriam conduzido à queda do regime monárquico. Cf. HOLANDA, S. B. de.
79
Os Brancos da Lei
212 . AZEVEDO, M. M. da C. op. cit., p. 181. Ver também ALVES Jr., T. op. cit., p. 252; PERDIGÃO, C. F. M. op. cit., p. VII.
213 . "Entre os crimes que mais compromettem a paz publica, não se poderia deixar de dar uma classe principal aos que os funcionarios publicos commettem no exercicio de
suas funcções, sendo manifestamente perturbada a ordem, quando os que são encarregados de mantel-a, são os primeiros a infringil-a". PESSOA, V. A. de P. op. cit., p. 233.
81
Os Brancos da Lei
82
Capítulo IV
À SOMBRA DA SENZALA
215 . "Toda cultura é assim incluída na dinâmica histórica: os seus campos, portanto, os hábitos, os costumes, a arte, a religião, a filosofia constituem
no seu entrelaçamento fatores dinâmicos na manutenção ou destruição de uma determinada sociedade. A cultura é ela própria em cada momento um conjunto de
forças no processo de mutação cultural". Ibidem, p. 45.
216 . No mesmo sentido, Norbert Elias mostrou como o autocontrole, a pacificação individual indicam uma profunda transformação civilizatória de
toda a estrutura da personalidade, que tende a uma aversão ao uso da violência: "Somente quando este autocontrole de impulsos espontâneos à violência se torna
consensual, o problema do ato da violência intencional e refletido nas sociedades civilizadas pode ser corretamente entendido".
ELIAS, N. Violence
and civilization: the state monopoly of physical violence and its infringement, cit., p. 180. Ver
também Idem. Processes of state formation and nation building, cit., p. 274-83.
217 . Ver a respeito o "Dossiê Violência" da
Revista USP, São Paulo, v. 9, 1991; também o suplemento
"Violência". Ciência Hoje, São Paulo, v. 5, n. 28, 1987.
218 . "Por violência entende-se a intervenção física de um indivíduo ou um grupo contra outro indivíduo ou grupo (ou também contra si mesmo).
Para que haja violência é preciso que a intervenção física seja voluntária (...). Além disso, a intervenção física, na qual a violência consiste, tem por finalidade
destruir, ofender e coagir (...). Exerce violência quem tortura, fere ou mata, quem, não obstante a resistência; imobiliza ou manipula o corpo do outro; quem
impede materialmente outro de cumprir determinada ação". BOBBIO, N. et alii (orgs.).
Dicionário de Política, cit., p. 1291-98.
84
Os Brancos da Lei
219 . "O poder é a modificação da conduta do indivíduo ou grupo, dotada de um mínimo de vontade própria. A violência é a alteração danosa do
estado físico de indivíduos ou grupos. O poder muda a vontade do outro; a violência, o estado do corpo ou de suas possibilidades ambientais e instrumentais".
Ibidem.
220 .
Cf. Ibidem.
221 . Cf. ENZENSBERGER, Hans Magnus.
Reflexões diante de uma vitrine. Revista USP, cit., p. 18.
SOUSA, A. C. de M. A verdade da repressão. Ibidem, p. 28.
222 . "Art. 1o
. Não haverá crime, ou delicto (palavras sinonimas neste Codigo) sem uma lei
anterior, que o qualifique.
85
Os Brancos da Lei
Art. 2o. Julgar-se-ha crime, ou delicto: 1o. Toda a acção, ou ommissão contraria ás lei
penaes."
223 . PERDIGÃO, C. F. M.
Manual do codigo penal brasileiro, cit., p. 149.
224 . Para uma noção de violência diversa de "violação do Direito" é preciso pensá-la do ponto de vista do oprimido: "Tudo depende de que se possa
ou não reconhecer na violência um instrumento do progresso histórico da liberdade, o resultado de uma contradição real entre formas da particularidade e `razões
do universal'. Se a violência constitui a reação à violência da humanidade do homem, ela se mostra legítima porque necessária
em si (dotada de
razões suficientes) e para nós (para que seja possível repercorrer retrospectivamente a história dos
homens como história de sua libertação)". BURGIO, Alberto. Do discurso à violência: com Hegel,
depois de Hegel. Síntese Nova Fase, Belo Horizonte, V. 46, p. 37, 1989.
86
Os Brancos da Lei
225 . GORENDER, J.
A escravidão reabilitada, cit., p. 24. Também BURGIO, A. op. cit., p. 45: "...
A moral julga a legitimidade das leis monstrando como freqüentemente sob esse nome se afirma a
violenta tutela dos interesses particulares e indicando em muitos casos a desobediência como o único
comportamento aceitável." (ênfase acrescentada).
226 . Não se está afirmando que o emprego da força pelo soberano da casa fosse apenas arbítrio. A organização da sociedade sob a forma patriarcal
funcionava, no sentido de que, não obstante a subordinação que a expropriação dos meios de
produção criava nos dependentes, não obstante sua assimilação aos valores criados pela classe
dominante, o emprego da força física serviu de fato para impedir a insubordinação e para domesticar
toda forma de desobediência. Ver, sobre a eficácia social do emprego da coerção física, BOBBIO, N.
Estado, governo, sociedade, cit., p. 83.
227 . MONTENEGRO, M. J. B.
Lições academicas sobre o Codigo Criminal, cit., p. 148.
228 . "Para manter o ritmo de trabalho, impedir atitudes de indisciplina ou reprimir revoltas, para atemorizar os escravos, mantê-los humildes e
submissos, evitar e punir fugas, os senhores recorriam aos mais variados tipos de castigo, pois os acordos e reprimendas pouco valiam. Não se concebia outra
maneira de regular a prestação de serviços e a disciplina do escravo. O que se poderia condenar era o exceço, o abuso cometido por alguns senhores ou seus
mandatários: feitores ou cabras...". COSTA, E. V. da.
Da senzala à colônia, cit., p. 303.
229 . MONTENEGRO, M. J. B.
Lições academicas..., p. 181. Parece que há uma similaridade em
relação à América espanhola: "O poder correcional do senhor sobre o escravo está limitado neste
87
Os Brancos da Lei
tempo. A Lei reconhece ao senhor poder para castigar ao escravo pelos delitos e faltas que comete,
em vez de levá-lo a juízo, podendo segundo a lei das Partidas matá-lo ou castigá-lo com ordem do
juiz local." GARCIA GALLO, C. op. cit., p. 1028.
230 . AZEVEDO, M. M. da C. op. cit., p. 256.
231 . BARROSO, J. L.
Indice alphabetico do Codigo Criminal, cit., p. 94.
88
Os Brancos da Lei
232 . De acordo com Sérgio Buarque de Holanda, a esfera da vida doméstica na sociedade colonial, à sombra do pátrio poder, esteve sempre muito
pouco exposta às forças corrosivas estranhas vinda do exterior: "Nesse ambiente, o pátrio poder é virtualmente ilimitado e poucos freios existem para sua tirania.
Não são raros os casos como o de um Bernardo Vieira de Melo, que, suspeitando a nora de adultério, condena-a à morte em conselho de família e manda executar
a sentença, sem que a justiça dê um único passo no sentido de impedir o homicídio ou de castigar o culpado, a despeito de toda publicidade que deu ao fato o
próprio criminoso". HOLANDA, S. B. de.
Raízes do Brasil, cit., p. 49.
233 . Cf. FRANCO, M. S. de C. O código do sertão. In.________:
Homens livres na ordem escravocrata. cit.
234 . Cf. VIANA, Oliveira. op. cit.
89
Os Brancos da Lei
escravos, mais por vingança que por roubo. Houve casos famosos de
senhores que usavam seus escravos para assassinar pessoas de quem
tinham ódio.
Uma coisa podemos concluir com segurança: o senhor,
tendo poder ilimitado e irresponsável sobre seus escravos, é
contrário à razão supor que muitas vezes ele não abuse desse
poder. Não sei, de fato, se as leis ostensivamente concedem ao
senhor o poder de vida e de morte; aliás creio que não; mas
se as leis são tão ineficientes mesmo para a proteção dos
cidadãos livres, é claro que não podem oferecer segurança
alguma a uma infeliz raça de homens que são privados de
todos os direitos sociais e políticos.235
Embora a violência seja um atributo ontológico da escravidão, registrada
pelos cronistas e estudada em trabalhos sobre criminalidade, na década de 1980
houve uma tendência em negá-lo na historiografia brasileira 236 . O paradigma
teórico que estabelece uma igualdade entre senhor e escravo - inspirado por
obras de autores como Stuart Schwartz, Eugene Genovese e principalmente
Edward Palmer Thompson -, na busca da recuperação do escravo como sujeito
histórico, vem supervalorizando seu papel a ponto de supor que essa relação
91
Os Brancos da Lei
241. Idem. La sociedade inglesa del siglo XVIII: Lucha de clases sin clases?
In:________. Tradicción, revuelta y
consciência de clase. Barcelona: E. Crítica, 1979. p. 13-61; Idem. Senhores e caçadores, cit.
242 . "Podemos denominar uma concentração de autoridade econômica e cultural de `paternalismo' se assim desejamos. Mas, se admitimos o termo,
devemos admitir também que é demasiado grosseiro para uma análise discriminatória. Diz muito pouco sobre a natureza do poder e do Estado, sobre formas de
propriedade, ideologia e cultura, e é muito grosseiro para distinguir entre modos de exploração, entre mão-de-obra servil e livre." Idem.
La sociedad
inglesa del siglo XVIII: lucha de clases sin clases?, cit., p. 17.
243 . Ibidem, p. 18.
92
Os Brancos da Lei
244 . Não entraremos aqui na questão do "mito da democracia racial", que já tem uma historiografia da historiografia. Ver COSTA, E. V. da. O mito
94
Os Brancos da Lei
escravos, esta classe viu-se obrigada a dobrar-se diante das leis que ela
mesma criara 248 . Em primeiro lugar parece pouco sustentável que a
Abolição foi precedida de um processo de "erosão da hegemonia
senhorial"249. Segundo, transparece o entendimento de paternalismo como
relação dócil.
248 . "Dessa maneira, às regras paternalistas que desde há muito permearam as relações sociais da camada dominante, por intermédio de ritos de
apadrinhamento e alforria, aliou-se a imagem de uma figura senhorial calcada na observância das leis". Ibidem, p. 32.
249 . Tanto a substituição da mão-de-obra escrava pela livre como a mudança do regime político, de acordo com as teorias da modernizaçåo
conservadora da "via prussiana", foram imposições estruturais levadas a efeito pela própria classe dominante. Ver a "Introdução" deste trabalho; também
NOGUEIRA, Marco Aurélio.
As desventuras do liberalismo, cit., p. 69-77.
250 . MACHADO, M. H. P. T. op. cit., p. 51.
252 . "Objetivos econômicos e posturas paternalistas conjugaram-se ao tratamento dispensado à mão-de-obra escrava, que, por sua vez, fazendo
frente à super-exploração de seu trabalho, procurou lançar mão de direitos adquiridos nas lides diárias e transformá-los em direitos costumeiros". Ibidem, p. 58 e
ss.
95
Os Brancos da Lei
257 . Ibidem.
99
Os Brancos da Lei
266 . "Colônia e metrópole não recobrem modos de produção diferentes, mas são situações particulares que se determinam no processo
interno
de diferenciação do sistema capitalista mundial, no movimento imanente de sua constituição e
reprodução. Uma e outra são desenvolvimentos particulares, partes do sistema capitalista, mas
carregam ambas, em seu bojo, o conteúdo essencial - o lucro - que percorre todas as suas
determinações. Assim, a produção e a circulação de idéias só podem ser concebidas como
internacionalmente determinadas, mas com o capitalismo mundial pensado na forma indicada, sem a
dissociação analítica de suas partes" Cf. FRANCO, M. S. de C. As idéias estão no lugar. Cadernos de
Debate, São Paulo, V. 1, p. 61-2, 1976.
267 . "As idéias estão no lugar" foi a réplica de Franco a "As idéias fora do lugar", de Schwarz, cuja tréplica aconteceu em pelo menos mais dois
ensaios deste autor. Em "Pressupostos, salvo engano, de `dialética da malandragem'" o crítico literário é claro quanto a seus pontos de vista: "Quando critica a
filiação das
Memórias ao gênero picaresco, e sugere que elas são uma forma sui generis, plasmada a
partir da sociabilidade popular e do jornalismo satírico da regência, Antonio Candido reitera o
procedimento da crítica nacionalista desde seus primórdios: a literatura brasileira não é repetição de
formas criadas na Europa: ela é algo de novo. Entretanto, há uma diferença de pontos de vista, pois a
questão é tratada fatualmente, e não como de amor-próprio nacional, à maneira do patriotismo
romântico. A tese da filiação picaresca é examinada sem prevenção, e o problema crítico estaria
resolvido - na expressão do autor - caso ela convencesse. Nada obsta, em princípio, a que se cultive
no Brasil uma forma que não seja particular ao país." (ênfase acrescentada) SCHWARZ, R.
Pressupostos, salvo engano, de "dialética da malandragem". In:________. Que horas são?, cit., p. 34.
João Cruz Costa já havia pensado da mesma forma há 30 anos atrás. Sobre o fenômeno da
importação das idéias dizia que não era apenas a transposição de um modelo, mas "uma experiência
nova" resultante do "... encontro tumultuoso de idéias elaboradas em meios que a cultura fôra já
profundamente trabalhada pela história, com as condições de vida de `nações novas', há pouco saídas
do estado colonial". COSTA, J. C. Esboço de uma história das idéias no Brasil na primeira metade do
século XIX. Revista de História, São Paulo, v. 19, n. 9, p. 179-194, 1954. Em estudo clássico o autor
demonstra como neste período e nas escolas voltadas aos únicos letrados da sociedade,"... a nossa
experiência intelectual só podia ter sido, como aliás foi, apenas expressão de nossa situação colonial,
que o artifício, o sibaritismo e o diletantismo das classes cultas e possuidoras de fortuna,
representadas nesse Parlamento, procurava mascarar. Que expremirão êsses letrados políticos? Os
seus interesses e uma cultura que deriva das vicissitudes da importação européia". COSTA, J. C.
Contribuição à história das idéias no Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.
101
Os Brancos da Lei
268 . De fato, é amplamente difundida a prática de se tomar o homem do século XIX e seu pensamento a partir do conceito que ele fazia de si próprio. E, a despeito da
tendência de todos os autores detectarem o descolamento entre ideologia liberal e sociedade escravista, o que se observa é a aceitação do emprego de conceitos como liberal e/ou liberalismo
para a situação escravista. O que ocorre, inclusive, mesmo na historiografia hodierna. Ver qualquer um dos libelos constantes em MAGALHÃES Jr., R.
Três panfletários
do Segundo Império, cit.; VIANA, F. J. de. O. O occaso do Imperio. São Paulo: Melhoramentos,
1933; LIMA, Oliveira. O Imperio brazileiro (1822-1889). Rio de Janeiro: Melhoramentos, s/d. Da
historiografia mais atual ver CUNHA, P. O. C. da. A fundação de um Império liberal. In:
HOLANDA, S. B. de. HGCB, t. 2, v. 1, p. 135-264, 379-403; SANTOS, W. G. dos. op. cit.;
QUEIRÓS, Sueli Robles Reis de. Aspectos ideológicos da escravidão. Estudos Econômicos. São
Paulo, v. 13, n. 1, p. 85-101, 1983.
269 . BOSI, Alfredo. A escravidão entre dois liberalismos.
Estudos Avançados, São Paulo, v. 2, n. 3, p. 8, 1988.
102
Os Brancos da Lei
burguesa no Brasil, com seu caráter conservador, não democrático e excludente da participação
popular". (ênfase acrescentada) NOGUEIRA, M. A. op. cit., p. 55 e ss.
274 . Para o autor esse liberalismo não existiu enquanto ideologia dominante, no período que se segue à "...Independência e vai até os anos centrais
do Segundo Reinado". BOSI, A.
op. cit., p. 5. Relutamos quanto a essa sua tese de que o influxo na mentalidade
da classe dominante no Brasil oitocentista teria ocorrido entre 1865 e 1871, por ocasião da derrubada
do gabinente liberal de Zacarias de Góes, em mais um dos gestos inabilidosos do monarca. Para além
do fato deste ser um referencial de ordem eminente e exclusivamente política, supomos que a
mentalidade senhorial prolonga-se, de acordo com o que já dissemos anteriormente, e uma
mentalidade burguesa não poderia ser dominante já nesta época. Ousamos a hipótese de que a
concepção escravista de mundo - pelo menos do que se depreende da literatura jurídica - foi
majoritária até mesmo à Abolição, talvez transpassando-a. No campo do direito criminal nenhum
expoente o contradiz. Se o regime servil caiu em 1888, não foi devido a uma mudança no universo
mental dos dirigentes. Não teria havido primeiro a derrubada do ideário escravista pelo burguês e sim
a necessidade já estrutural, além das pressões conjunturais (abolicionismo, imigração, revoltas
escravas, relações internacionais), de substituição de um regime de trabalho por outro. A visão de
mundo senhorial ainda perduraria. Mas tal questão é assunto para uma outra tese, que obviamente
não cabe desenvolver aqui.
275 . Ibidem, p. 16.
276 . Ver em HORKHEIMER, Max. op. cit., p. 72-96 uma crítica contundente à ficção liberal exprimida pela idéia da libertação do indivíduo,
tomado como categoria abstrata, centro de forças metafísico fechado sobre si mesmo e separado do resto do mundo, "...uma mónada entregue por Deus à mercê de
si própria e absolutamente solitária". O liberalismo clássico, todavia, difunde a idéia dos indivíduos solitários em competição num mercado livre de toda sorte de
104
Os Brancos da Lei
protecionismos e clientelismos. Ver ABRANCHES, Sérgio H. Nem cidadãos, nem homens livres: o dilema político do indivíduo na ordem liberal-democrática.
Dados, Rio de Janeiro, V. 28. N. 1, p. 5-25, 1985. Mesmo essas concepções do liberalismo clássico
são impróprias para a sociedade escravista moderna, porque ocorre que nela a unidade da sociedade
não é o indivíduo solitário mas, pela ideologia patriarcal, o indivíduo é membro de um corpo: sua
unidade é a familiar. A pessoa não está só e desamparada, mas "protegida" à sombra do pater
familias. A soberania política não é abdicada em favor do Estado, mas da família, que deve zelar pela
proteção e felicidade de todos os agregagados.
277 . A apropriação do ideário liberal-burguês pelos dominantes escravistas é um fenômeno natural, conforme observa João Cruz Costa nos
interessados em estudos de filosofia durante o século XIX, imbuídos sempre por "... um incessante empenho de servirem-se dessas idéias e doutrinas como
`equipamentos de campanha', como instrumentos que lhes permitissem empreender - e dar solução - a problemas práticos, sobretudo sociais e políticos, da
condição brasileira; um contínuo embora versátil esforço de adequar idéias nascidas da cultura ocidental, a que estamos ligados, à nossa circunstância, de
proceder à nossa integração no pensamento ocidental,
o que já constitui uma originalidade, como original parece a
utilização que decorre deste trabalho de glosa e comentário, que conduziu a um vago universalismo
idealista, voltado para a ação, e que assumiu uma forma singular de pragmatismo". (ênfase
acrescentada). COSTA, J. C. O pensamento brasileiro sob o Império. in: HOLANDA, S. B. de.
HGCB, cit., t. 2, v. 3, p. 325.
. ANNAES do Parlamento Brasileiro (APB). Câmara dos Deputados. 1o
278
. ano da 2a. legislatura. Sessão de 1830, p.
513.
105
Os Brancos da Lei
281 .
Apud ibidem, p. 32-4.
106
Os Brancos da Lei
282 .
APB, sessão de 15.09.1830, p. 513. O argumento é utilizado casuisticamente nas sessões
em que se debatia o assunto, conforme se apura do parecer da comissão encarregada de julgá-lo, de
31 de agosto de 1829, constante no "Apêndice" deste trabalho".
283 . Ibidem, p. 513.
286 . Por exemplo, durante a elaboração do Código, o deputado Paula Cavalcante: "Nós, legisladores, podemos e devemos legislar sobre o assunto,
sem que exorbitemos de nossas atribuições". APB, cit., p. 507-12.
288 . LUÍS, F. op. cit., p. 97. Em compensação há quem pense em sentido diametralmente oposto: "Se Deos é o creador e só Elle pode tirar: então,
já que todos os beneficios vem de Deos, nenhuma pena poderia ser imposta aos homens. (...) A justiça social é um dever e a pena uma necessidade indeclinavel;
pelo que a de morte foi admittida, nos Codigos Penaes". MONTENEGRO, M. J. Bezerra.
Lições academicas..., cit., p. 346-7.
289
, p. 102 e ss. É digna de nota a constância com que os argumentos da
. PESSOA, V. A. de P. op. cit.
injustiça da pena capital - irreparável em caso de erro humano - e do apelo religioso aparecem lado a
lado. "Fallivel como é, a justiça não pode tirar o que em caso de erro, não pode restituir; não deve
tirar a vida de quem quer que seja. De todas as sociedades deve ser excluida a pena do talião: a
violência é uma inutil barbarie; as contorções da vitima um insulto á humanidade; o sangue humano
derramado um insulto ao Creador." LUÍS, F. op. cit., p. 375. Também Paula Pessoa, p. 104 e ss.;
Lino Coutinho, em fala na Câmara dos Deputados, APB, cit. p. 505. Houve quem não tevisse falsos
escrúpulos e defendeu abertamente a pena de morte, como Bezerra Montenegro: "Passemos aos
effeitos e primeiras qualidades da pena: Ella é exemplar, reformadora e instructiva; - 1o. produzindo
um mal visivel á todos, e cuja impressão possa intimidar e reter aquelles que se dispunham á imitar o
culpado; -2o. regenerando o caracter e habitos viciosos do condemnado; 3 o. fortificando mais ou
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Os Brancos da Lei
menos nos espiritos a convicção da perversidade dos actos, que ella pune." MONTENEGRO. M. J.
B. op. cit., p. 311.
290 . FALCÃO, A. op. cit., p. 43 e ss.
291 . Manuel Januário B. Montenegro reafirma a ideologia da exceção ao declarar-se francamente a favor da pena última: "Os mais povos /além
dos romanos/ admittiam-na; e temos esta base, para por sobre ella assentarmos a doutrina do Codigo, tanto mais sustentavel, quanto elle é só escrupuloso em sua
applicação, empregando-a tam somente nos casos do art. 192 - gráo maximo, assassinato com circumnstancias aggravantes e do art. 271, gráo maximo. (...)
Quanto aos casos do art. 113 sobre a insurreição, sua disposição é exigida pelas circumnstancias
peculiares do paiz que não pode ser justificada pelos principios do Direito criminal". (ênfase
acresecentada) MONTENEGRO. M. J. B. op. cit., p. 340 e ss.
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Os Brancos da Lei
Considera suas penas muito tênues, "...por serem aquelles os crimes mais
horrorosos que se comettem na sociedade". São voluntários e espontâneos
e por isso imperdoáveis, já que "... com traidores não deve haver
piedade". Aos traidores espiões de que fala o artigo 72, a maior pena do
Código - "não obstante minha opinião" - também não lhes faria muita
injustiça 292 . Idêntica postura confirma-se quanto aos homicídios com
agravantes:
... se a sociedade tem o direito de decretar esta pena, e
destruir o que não pode restituir (descoberta a inocencia):
justissima será sua applicação, mas este crime somente se
verifica por meio de provas e se estas são formadas de
testemunhas, parece pois respeitosamente falando que se
considerarmos a maldade dos homens, e a desmoralização do
século, seria preciso decretar a maior, e a mais terrivel pena
contra os perjuros293.
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Os Brancos da Lei
A pena capital não cumpriria com o fim último das penas, que
deveria ser a regeneração do homem e sua correção moral, para o bem da
sociedade. Isso pode ser interpretado de duas maneiras. Primeira, nesse
momento já se manifestaria uma mudança na concepção de mundo
escravista, fruto de novas idéias individualistas burguesas que se
infiltravam, aumentando a importância do indivíduo frente ao Estado.
Segunda, pelo mesmo motivo, transfomava-se a mentalidade apenas em
parte, dando-se maior valor à célula, mas em função da recuperação da
saúde do corpo, do todo - o que não era um fim em si mesmo. Esta
segunda concepção, ainda escravista embora atenuada, parece mais
plausível pois uma visão individualista burguesa de mundo não poderia
295 . Ver nota 61, supra. Marques Perdigão, produtor de extenso comentário ao Código em 1882, utiliza-se dos mesmos princípios de Falcão para
legitimar a pena de morte: "... a pena de morte é justa, porque a consciencia revela que certos atentados de gravidade excepcional não podem ser punidos senão
pela pena de morte; que é necessaria, pois que a razão indica o perigo que haveria, com a imperfeição actual de nossas instituições repressivas, em deixar a
sociedade desarmada pela abolição do mais temido dos castigos; que não é illegitima, porque a sociedade tem o direito de se defender, e o dever de proteger seus
membros. Sua manutenção é pois razoavel, mas á condição de ser efficaz, isto é, capaz de produzir impressão e ser preventiva, e que seja, além disso,
indispensavel, ou por outro, que o estado social o exija.". PERDIGÃO, C. F. M. op. cit., p. 237.
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Os Brancos da Lei
114
Capítulo V
JULGAR E MEDIR
298 . Ibidem, p. 229-38. Essa doutrina é reproduzida pelos juristas imperiais, para quem a punição deve ser medida sobre o grau de culpabilidade do
delinqüente e sobre os danos sociais sofridos. Cf. PESSOA, V. A. de P. op. cit.
, p. 144. Também PERDIGÃO, C. F. M. op. cit.,
217. Liberato Barroso nela se pauta ao analisar o problema da reincidência criminosa, reveladora da
insuficiência corretiva da primeira pena, que demanda o agravamento da segunda para o
ressarcimento dos danos sociais e "...para que cale em seu espírito a vontade de corrigir-se".
BARROSO, J. L. Questões practicas de direito criminal, cit., p. 217.
299 . "Art. 63 - Quando este Codigo não impõe pena determinada, fixando sómente o maximo, e o minimo, em attenção ás suas circumnstancias
aggravantes, ou attenuantes, sendo de maior gravidade, a que se imporá o maximo da pena; o minino o de menor gravidade, a que se imporá a pena minima; o
medio, o que fica entre o maximo, e o minimo, a que se imporá a pena no termo medio entre os dous extremos".
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300 . MENESES, T. B. de. Commentario theorico e critico ao Codigo Criminal brasileiro. In:
________. Estudos de direito, cit.,
p. 85.
301 . Cf. FALCÃO, A. op. cit., p. 50: "... se todos os racionaes que o Omnipotente creou tem o direito á sua liberdade, como será justo decretar a
pena de morte contra quem dirigir 20, ou mais escravos para haverem liberdade por meio de força?"
117
Os Brancos da Lei
Tão grave como esse delito apenas outros dois: homicidar alguém
(artigo 192) com quaisquer das circuntâncias agravantes do artigo 16 e o
roubo com morte (artigo 271). A circunstância agravante que mais chama
atenção é a de número 7303. Merece a pena capital quem atenta contra a
base da pequena sociedade - a família unida sob o poder patriarcal-, onde
se assenta por sua vez a grande sociedade, configurada pelo Estado304.
Igualmente a merece quem mata ao cometer um furto, privando da vida o
cidadão ofendido.
304 . Por isso justifica-se o poder do uso privado da violência: "Quando menos a immoralidade, alliada com os vicios e a corrupção, invadindo todas
as classes da sociedade, e muitas vezes lançando o luto e a infamia no lar domestico, então o potentado negligente e o mais humilde proletario sentem a
necessidade de possuir meios para chamar a acção da justiça sobre o que perturba a paz das familias, para o qual é essencial a proteção á moral..." VIDAL, Luiz
Maria.
Manual do crime para uso do povo..., cit , p. VIII.
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Os Brancos da Lei
São delitos que têm como castigo a prisão com trabalho por um a três
anos: fazer arrombamento na cadeia, por onde fuja ou possa fugir o preso
305 . Eis o resumo desses artigos: art. 71: auxiliar alguma nação estrangeira a fazer guerra contra o Império, fornecendo gente ou recursos materiais;
art. 85: consumar a destruição da Constituição política do Império ou sua forma de governo; arts. 295 e 296: contra vadios e mendigos, respectivamente.
(art. 123); infanticídio de mãe para ocultar desonra (art. 198); mulher ou
homem casados que cometerem adultério (art. 251); homem casado que
tiver concubina, teúda e manteúda (art. 251); ferimento ou ofensa física
de que resulte deformidade (art. 204); em ajuntamentos ilícitos, aqueles
que cometerem violências após a primeira admoestação do juiz (art. 294).
121
Os Brancos da Lei
307 . Segundo aviso de 15.02.1835 e Decreto 533 de 03.09.1842. Cf. PERDIGÃO, C. F. M., op. cit., p. 266.
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308 . Muitos autores já demostraram o sentido expiatório das penas nas Ordenações Filipinas, quase sempre desproporcionais ao mal causado,
aproximando-se muito da penitência religiosa. Cuidando de crimes como heresia, apostasia e blasfêmia, o Estado agia como guardião do sagrado. Cf. a reedição
do livro de 1895 de MARTINS, José Isidoro.
História do Direito nacional. 2 ed. Recife: Cooperativa Editora e de
Cultura Intelectual, 1941; RIBEIRO, C. J. de A. História do direito penal brasileiro, cit., v. 1
(1500-1822); NETO, Zaidé M. T. M. Direito penal e estrutura social. cit., p. 31-47.
309 . PESSOA, V. A. de P. op. cit., p. 464-5, onde se lê também que a religião, considerada em tudo o que regula o interior da consciência, não está
senão entre o homem e Deus. Pertence à sociedade, da qual "... é o primeiro bem nas verdades geraes, que espalha nos preceitos de moral, que ensina nos laços
que estabelece entre todos os homens". Ver Ibidem, p. 107, 357. Francisco Luís, ao fazer uma enérgica e comovida defesa do direito à vida e contra a
arbitrariedade da pena de morte, manifesta forte apelo religioso. Cf. LUÍS, F. op. cit., p. 97, 375.
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Os Brancos da Lei
317 . "O Brazil queria hum governo liberal; mas não pediu, nem propoz a liberdade de cultos diversos do seu (...); nem he da essencia dos governos
representativos a pretendida liberdade de culto; porque o typo da universalidade, e excelencia da Religião Catholica Apostholica Romana se observa
principalmente na sua relação harmonica com todas as formas de governo, huma vez estabellecidas para conservação, e progresso das sociedades humanas".
AZEVEDO, M. M. da C. op. cit., p. 105.
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318 . "Não há Direito contra direito, e a legislação de um povo não pode ser uma insurreição contra a vontade de Deos". PESSOA, V .A. de P. op.
cit., p. 465.
319 . "É sob essa relação que ella recebe proteção da sociedade, e não é como professando essa crença, mas como cidadão, como sujeito da Lei, que
cada um é responsável diante da justiça não do que crê mas da maneira pública porque se exprime". PESSOA, V. A. de P. op. cit., p. 467. Ver também ALVES
Jr., T. op. cit., p. 532.
320 24
. LUÍS, F. op. cit., p. 9.
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321 25
. Cf. ARAÚJO, J. V. DE op. cit., p. 1. p. 88. Ver Idem. Antropologia criminal. O
Direito, Rio de Janeiro, v. 49, p. 178-9, 1889, onde detectam-se claramente as influências
"cientificistas" de criminalistas como Lombroso e Ferri.
322 26
. MENESES, T. B. de. Commentario theorico e critico ao Codigo criminal brasileiro,
cit., p. 88. Ver Idem. Menores e loucos em direito criminal. cit., p. 74, onde se aponta a diferença
essencial entre uma obra literária e outra jurídica: "Quando se trata de lei ou de direito, o critério do
seu valor não é o da verdade, mas o critério da conformidade ou não conformidade ao fim que a lei se
propôs. O direito é um regulador, não do pensamento, porém das acções; não se lhe deve, portanto
aplicar a medida teorica do verdadeiro, mas a medida teorica do conveniente".
323 . Idem. Commentario theorico e critico..., cit., p. 105.
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325 . "Art. 68 - Tentar directamente e por factos, destruir a independencia ou a integridade do Imperio.
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328 . Tais preocupações são para o autor "... os felizes efeitos de uma civilização em progresso, e a civilização ainda não disse a sua última palavra".
PESSOA, V. A. de P. op. cit., p. 96.
330 . Sobre o artigo 49 - enquanto não houver prisões apropriadas a pena de prisão com trabalho deverá transformar-se em prisão simples, acrescida
de mais a sexta parte de sua duração - diz M. J. B. Montenegro, op. cit., p. 384: "A necessidade deste artigo é palpavel, principalmente entre nós, onde
desgraçadamente se dá o pessimo costume de crear instituições sem os edificios necessarios, para realizal-os; estabelecem-se penas, que demandam casas proprias
para sua execução, antes da construção das mesmas". Para Francisco Luís o fim da pena deve ser corrigir, regenerar e reabilitar e por isso não aprova as penas
simples e mais severas: "... sobre o governo de todos os povos pesa o rigoroso dever de adoptar, o quanto antes, um bom systema penitenciario, pelo qual possam
ser dispensadas aquellas barbaras e anachronicas penas". LUÍS, F.
op. cit., p. 6.
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338 . AZEVEDO, M. M. da Cunha. op. cit., p. 88 e ss. Francisco Luís também expressa sua aversão ao comunismo, quando trata do título III, dos
crimes contra a propriedade: "A propriedade é tão antiga e sagrada, quanto a vida humana; pois que é um dos meios de mantel-a. O comunismo é incompativel
com a organização, necessidades e aperfeiçoamento quer do indivíduo, quer da sociedade. (...) O direito de propriedade não é resultado de uma convenção
humana, ou de uma lei positiva; funda-se na propria natureza humana; e como a liberdade nasceu com o homem e ha de sobreviver á todas as utopias novas e
renovadoras." LUÍS, F.
op. cit., p. 468.
339 . LUÍS, F.
op. cit., p. 115 e ss.
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346 . Ibidem, p. 4.
347 . Cf. ALVES JR., T. op. cit., v. 2, p. 70: "A escravidão é um facto excepcional que a nação encontrou em seu berço, foi uma herança que veio
obriga a aceitar, e carregar com seus ônus.
A escravidão forma uma população excepcional com direitos e deveres
diversos dos demais individuos ou pessoas que formão a nação, portanto nem esses direitos nem
esses deveres podem ser definidos e classificados em um codigo comum". (ênfase acrescentada)
348 . Bezerra Montenegro assim se expressa sobre esse artigo: "Começamos por lamentar, que a existencia da escravidão entre nós reclame essa
legislação excepcional, que marca para os escravos uma penalidade diferente da do homem livre: ao menos sirva-nos de desculpa, que não fomos nós os
introductores della; já a achamos estabellecida, quando nos constituímos em Estado; e por isso, não tendo nós a responsabilidade de sua fundação, não somos
dignos de censura, por procurarmos a nossa segurança em leis excepcionais, como são este artigo e a lei de 10 de junho de 1835." MONTENEGRO, M. J. B. de.
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Os Brancos da Lei
O cativeiro era uma borra que sujava a sociedade, mas da qual não se
abria mão por ser o próprio esteio desta. Mesmo após a lei do Ventre
Livre, de 1871, a escravidão estava firmemente assentada e contava com
a aprovação velada dos setores dirigentes.
Presentemente o facto da emancipação servil, apenas
iniciada ainda não fez sentir seus effeitos reaes no paiz, por
isso que o serviço do lar domestico, os trabalhos braçaes da
cultura, das fabricas, das minas, e das artes mechanicas estão
entregues aos escravos; este ainda constitue uma parte
importante da riqueza nacional ou da propriedade particular.
É necessario desde já ir-se preparando os hábitos do paiz
para o trabalho livre, ir-se acostumando a mocidade á vida
agrícola, despertando nella uma inclinação animada por
idéas grandiosas a respeito da arte de cultivar os campos; é
necessario desterrar de nós certos habitos afidalgados que
sustentão em todos um aborrecimento ao trabalho.352
O uso tópico que fizeram os dirigentes imperiais da doutrinas liberais não
ocorreu apenas em termos do debate das idéias. Toda a produção legal e sua
aplicação foi realizada tópica e funcionalmente. Basta lembrar, no que diz
respeito ao trabalho, as "leis para inglês ver" sobre a emancipação dos escravos,
prometidas pelo Brasil à Inglaterra desde 1826 e descumpridas sistematicamente
até a solução drástica do Bill Aberdeen, de 1845, que desaguaria na abolição
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Apêndice
HISTORICO DO CODIGO CRIMINAL DO IMPERIO1
1 .
Apud Codigo Criminal do Imperio do Brazil annotado com todas as leis, decretos e
avisos referentes aos seus diversos artigos, até 1878, e acompanhado de um indice alphabetico, por B.
P. Rio de Janeiro: Livraria J. G. de Azevedo, 1879, p I-XI.
* . Esse projecto achou-se impresso no fim do 2o
. tomo dos Annaes da Camara dos deputados, do anno de
1829.
Os Brancos da Lei
PARECER
"Nós não temos codigo criminal, não merecendo este nome o acervo
de leis desconexas, dictados em tempos remotos, sem o conhecimento
dos verdadeiros principios, e influidas pela superstição e por grosseiros
prejuizos, egualando ás de Draco em barbaridade, e excedendo-as na
qualificação absurda dos crimes, irrogando penas á factos fóra dos limites
do poder social: ellas tem tambem o vicio de distinguir as pessoas dos
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Os Brancos da Lei
PLANO
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