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FICHA TÉCNICA

Editoração Eletrônica: Capa:


.Marcos Kazuyoshi Sassaka - Criação:
Tiragem: .Jurandir Malerba
.1000 exemplares - Arte Final:
.Marcos Kazuyoshi Sassaka

Ficha Catalográfica

Malerba, Jurandir, 1964 -


C245b Os brancos da lei : liberalismo, escravidão e
mentalidade patriarcal no Império do Brasil / Jurandir Malerba ;
-- Maringá : EDUEM, 1994.
177 p. ; il.
Originalmente apresentada como dissertação do
autor (mestrado - UFF-RJ, 1992)
ISBN : 85-85545-13-5
1. Brasil - História - Império, 1822-1889. 2.
Escravidão negra - Brasil História. 3. Liberalismo - Brasil. 4.
Patriarcalismo - Brasil. 5. Direito - Brasil. I. Cardoso, Ciro
Flamarion, pref. II. Título.
CDD 20a ed. 981.04

Ficha catalográfica preparada pela divisão de processamento técnico da BCE/UEM.

Copyright Ó1994 da Editora da Universidade Estadual de Maringá


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Sarragiotto, Prof. M.Sc. Massakazu Takakura, Prof a Dra Sílvia Inês
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Rudolfo Böing, Profa Márcia Lorca Ventura, Prof. Antonio Augusto
de Assis, Prof. M.Sc. Leonildo Carnevalli, Prof. José Hiran Sallée,
Profa M.Sc. Edna Castilho Peres, Profa Dra Marilurdes Zanini,
Profa Deonizia Zimovski Germani. Normalização Bibliográfica:
Amélia Yaegashi, Maria Salete Ribelatto Arita, Maria Júlia Carneiro
Giraldes.
a meus pais
ea
Joaci Pereira Furtado
E foi assim que desembarquei em Lisboa e segui para Coimbra. A
universidade esperava-me com as suas matérias árduas;
estudei-as muito mediocremente, e nem por isso perdi o grau de
bacharel; deram-mo com a solenidade do estilo, após os anos da
lei; uma bela festa que me encheu de orgulho e de saudades, -
principalmente de saudades. Tinha eu conquistado em Coimbra
uma grande nomeada de folião; era um acadêmico estróina,
superficial, tumultuário e petulante, dado às aventuras, fazendo
romantismo prático e liberalismo teórico, vivendo na pura fé dos
olhos pretos e das constituições escritas. No dia em que a
Universidade me atestou, em pergaminho, uma ciência que eu
estava longe de trazer arraigada no cérebro, confesso que me
achei de algum modo logrado, ainda que orgulhoso. Explico-me: o
diploma era uma carta de alforria; se me dava a liberdade,
dava-me a responsabilidade. Guardei-o, deixei as margens do
Mondego, e vim por ali fora assaz desconsolado, mas sentindo já
uns ímpetos, uma curiosidade, um desejo de acotovelar os outros,
de influir, de gozar, de viver, - de prolongar a Universidade pela
vida adiante...
Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas.

SUMÁRIO

Prefácio .............................................................................................. xiii

Apresentação ............................................................................... xvii

I. Em Nome da Lei ....................................................................... 1

II. O precedente da Diferença ......................................................... 27

III. As Fronteiras da Casa-Grande .................................................... 55

IV. À Sombra da Senzala ................................................................. 83

V. Julgar e Medir ............................................................................ 115

Considerações Finais .................................................................. 139

Apêndice ..................................................................................... 143

Referências Bibliográficas .......................................................... 151


ABREVIATURAS

APB Anais do Parlamento Brasileiro

CCIB Código Criminal do Império do Brasil

HGCB História Geral da Civilização Brasileira

RIHGB Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro


APRESENTAÇÃO

O texto que ora se dá à luz deriva, basicamente, dos frutos da pesquisa


que empreendemos no Programa de Pós-graduação em História da
Universidade Federal Fluminense, entre 1988 e 191. Seu produto final, a
dissertação de mestrado intitulada Sob o verniz das idéias; liberalismo,
escravidão e valores patriarcais nos comentadores do Código Criminal do
Império do Brasil (1830-1888), teria sido, na melhor das hipóteses, mais
uma dentre tantas ao alcance de um restrito círculo universitário - ou apenas
abandonada, na imagem eloqüente de Marx, à crítica roedora dos ratos.
Carece a política educacional do país de apoiar iniciativas como a
que se começa a implementar na Universidade Estadual de Maringá,
coroando os trabalhos de seus profissionais com as graças do prelo.
Trabalhos como tantos outros que a própria União financia, através das
agências fomentadoras de pesquisa, e que, por falta de um mínimo
bom-senso, acabam por empilhar-se nas prateleiras dos programas de
pós-graduação e bibliotecas especializadas. Só resta esperar que tal
iniciativa perdure e se propague, resgatando uma rica produção
acadêmica quase impenetrável nos meios editorias comerciais.
Voltar a um escrito de quase três anos é algo muito difícil para o
historiador ainda em formação. Dentro do possível, procuramos atender a
todas as críticas e sugestões que nos ofereceram banca, amigos e
consultores editoriais. Mas retomar o texto original à luz de toda farta
produção acadêmica, implicaria implodi-lo para reconstruí-lo novamente.
Bastaria lembrar, como exemplo, os trabalhos de João Luís Fragoso*, em
que sumariza os modelos explicativos da economia colonial e inaugura
uma nova análise a partir da ênfase no conceito de formação social (o
"mosaico de formas não-capitalistas de produção"), de acumulação
endógena e de economia mercantil residente. A consideração dessa linha
de análise implicaria uma revisão integral da ênfase que atribuímos ao

*
Cf. FRAGOSO, J. L. Homens de grossa aventura: acumulação e hierarquia na praça
mercantil do Rio de Janeiro (1790-1830). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1992 e FRAGOSO, J.
L., FLORENTINO, Manolo. O arcaísmo como projeto; mercado atlântico, sociedade agrária e elite
mercantil no Rio de Janeiro (1790-1840). Rio de Janeiro: Diadorim, 1993.
conceito de modo de produção, tal como propostos por Ciro F. Cardoso e
Jacob Gorender. Se não o fizemos é porque, para o estudo da mentalidade
patriarcal da classe dominante escravista no Império, ainda perece-nos
bastante a consideração do antagonismo fundamental latente naquela
sociedade, entre proprietários rurais e escravos do eito - antagonismo que
obviamente extravasa essa relação e acaba, no limite, demarcando as
diferenças sociais crivadas pela cor.
Outras tantas obras vieram à luz nesse interim, revendo matérias que
vão desde itens teóricos como violência, paternalismo e liberalismo até
balanços historiográficos de diversas tendências. Caberá a outros
investigadores desses mesmos temários que procedam à sua atualização.
Portanto, o presente estudo privilegia um público iniciado, pelo que
achamos conveniente manter as notas de rodapé, que informam sobre
nossos prinicpais interlocutores. Nosso interesse pela história das idéias
jurídicas no Brasil do século XIX surgiu da percepção da carência de
estudos sistemáticos sobre o tema que buscassem, numa concepção
globalizante, as interações entre as representações mentais e a vida
material daquela formação social. Nesse sentido, este estudo visa
articular as obras de comentaristas do Código Criminal do Império do
Brasil de 1830 com a sociedade escravista, onde foram produzidas e à
qual se destinavam.
Dentre as 44 obras levantadas, 24 se prestaram diretamente à nossa
pesquisa por estarem carregadas de juízos de valor (ver "Em nome da lei",
a seguir). Todas têm em comum o mesmo objeto - as doutrinas contidas
no Código Criminal - e o período de publicação - 1830 a 1888.
O objetivo principal deste trabalho é procurar elaborar um
mapeamento dos valores da classe dirigente, tal como expressos e
articulados na sua produção jurídica, que constituíam os alicerces da
mentalidade escravista. Para isso, dividimos o presente ensaio em cinco
capítulos. O primeiro, de caráter introdutório, subdivide-se em três partes:
"A lei do território" apresenta sumariamente a afirmação da classe
dominante escravista como dirigente da construção do Estado imperial,
pelo qual foi produzido o Código; em "O território da lei" encontra-se
uma breve reflexão sobre a relação entre Direito e sociedade, além de
uma primeira apresentação do diploma penal do Império; por último, "A
leitura da lei" define os limites metodológicos da investigação.
No segundo capítulo, discute-se fundamentalmente a presença do
elemento escravo na legislação criminal, que obrigava os comentadores
pretensamente liberais a verdadeiras contorsões na justificação das
exceções que o negro nela fazia abrir. De tal presença decorria inclusive
toda sorte de relações verticais que colocavam uns indivíduos em
dependência e obrigação em relação a outros. Aqui se realiza também
uma primeira abordagem sobre o vigor do poder paternal na sociedade
escravista, que levou os legisladores a resgatarem com toda força o
Direito romano.
O terceiro capítulo aprofunda o anterior e investiga como se deu em
nosso direito criminal a necessária recuperação da configuração patriarcal
romana - decorrência da própria organização da unidade produtiva
fundamental da sociedade escravista, arranjada desde a colônia na forma
semi-autárquica do oîkos. Daí o poder incomensurável do senhor dentro
de seu domínio e a instituição legal do direito de propriedade do homem
pelo homem. A partir de tais entendimentos, sugere-se a existência de
uma homologia estrutural, perceptível no direito criminal, entre a forma
da célula doméstica e o Estado. Estudam-se, pois, as significações de
público e privado na mentalidade escravista brasileira.
No quarto capítulo analisa-se, em primeiro lugar, o tipo peculiar de
violência inerente à formação social escravista. Monopolizada pelo
senhor para impor o regime de trabalho compulsório e conter virtuais
resistências, ela era legitimada no discurso criminal. Em seguida,
aborda-se topicamente os limites da ideologia liberal na mentalidade
escravista.
No quinto, buscamos reconstituir um quadro genérico dos valores da
classe dominante - tal como expresso por sua elite -, tabulando a
hierarquia dos diferentes crimes a partir de suas distintas penas e
analisando tematicamente algumas outras matérias. Com isso quisemos
destacar os paradoxos que surgiam, inevitavelmente, da superposição
entre idéias liberais e relações escravistas - conforme o discurso jurídico
bem demonstra.
Vale o registro de que, embora aprofundadas mais em seus capítulos
específicos, as categorias classes sociais, público e privado, violência,
patriarcalismo e liberalismo perpassam todo o trabalho. O último capítulo
pressupõe os anteriores para tratar da noção de Direito e de transformação
histórica na percepção da elite dominante.
Por último, as "Considerações finais" retomam as discussões
precedentes, buscando concatená-las e delas destilar um nexo
interpretativo.
Capítulo I
EM NOME DA LEI

A lei do território

As revoluções ocorridas na Europa, desde o último quartel do século


XVIII até meados do seguinte, são expressão das tranformações
estruturais vivenciadas pelas sociedades de Antigo Regime. As
monarquias absolutas, primeiras feições do Estado moderno, foram as
empreendedoras da dominação colonial em bases mercantilistas. A
ascensão da burguesia, desfazendo a ferrugem feudal que ainda
impregnava as monarquias despóticas, veio alterar variadamente a vida
das colônias, segundo suas condições específicas na balança de poder
relativamente às respectivas metrópoles. Em verdade, o velho sistema
colonial já não era mais viável para a vitoriosa classe burguesa.
Rompendo com os privilégios, pactos e "exclusivos", a nova classe
dominante necessitava de mercados livres para se impor e estabelecer seu
padrão de dominação econômica, conforme os cânones do capitalismo
industrial. Com isso, abria-se caminho para que as ex-colônias se
emancipassem politicamente.

As idéias libertárias com as quais a burguesia derrubou a velha ordem


incidiram direta e diversificadamente sobre os segmentos coloniais, que
há muito já demonstravam sinais de insatisfação com sua condição. Delas
retirou-se a base ideológica percebida em movimentos como os
verificados - para tomar apenas o exemplo brasileiro - em 1788/9 em
Minas Gerais, 1794 no Rio de Janeiro e 1798 na Bahia. As diferentes
situações econômicas e "heranças coloniais" garantiram a especificidade
da emancipação política em cada região das Américas.

Assim, na América do Norte, a Independência dos Estados Unidos


(1776), decisiva para os sucessos da Revolução Francesa de 1789, foi o
nascedouro de uma nação federalista, fundada no regime representativo
Os Brancos da Lei

presidencialista. Da mesma forma, na América espanhola fragmentada


instituiu-se o sistema republicano à burguesa e, o que é mais importante,
aboliu-se o trabalho escravo na maioria dos novos países. Já na América
portuguesa, escravista e ameaçada pela desintegração, a monarquia
apresentou-se às classes dominantes como a melhor forma de governo
centralizado. Manter-se-ia aqui a mesma Casa de Bragança que reinava em
Portugal. Também colaborou para a efetivação da monarquia a transferência
da Corte bragantina para o Rio de Janeiro, influenciando sobremaneira nos
ânimos daqueles setores da colônia que já tinham aqui interesses arraigados1.

No período entre a chegada da Corte e a promulgação do Código


Comercial, em 1850, foram estabelecidas as linhas mestras da nação
brasileira - um corpo de leis que instituiu sua estrutura e funcionamento
político, jurídico e administrativo. Entre 1808 e 1822 importou-se da
burocracia lusa não apenas uma miríade de leis, avisos e decretos, mas
também os próprios quadros. Tratou-se primeiramente de adequar a vida
cortesã à realidade colonial. Em 1815, houve que reformulá-la com a
elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarves 2 . Os moldes
jurídicos da nova nação foram dados pela Constituição de 1824, pelo
Código Criminal de 1830, pelo Código do Processo Criminal de 1832 e,
finalmente, pelo Código Comercial de 1850.

A vida que transcorria na ex-colônia, no entanto, não estava simplesmente


à mercê dos acontecimentos europeus. Ela teve uma dinâmica particular e a

1 . Cf. PRADO Jr., Caio.


Evolução política do Brasil. 15 ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.
p. 44 e ss., para quem, "... estabelecendo no Brasil a sede da monarquia, o regente aboliu ipso facto o
regime de colônia em que o país até então vivera". Também COSTA, Emília Viotti da. Da
Monarquia à República: momentos decisivos. 5 ed. São Paulo: Brasiliense, [s.d.] p. 34-6, averiguou
como foram abolidas uma a uma as engrenagens da velha administração colonial, as restrições
econômicas e o estabelecimento de novos laços de dependência, agora com a Inglaterra. O mesmo
assunto, de outra ótica, está em MERCADANTE, Paulo. A consciência conservadora no Brasil. 2 ed.
Rio de Janeiro: Civilização Brasilieira, 1972. p. 50-67. DIAS, Maria Odila da Silva. A
interiorização da metrópole. In: MOTA, Carlos Guilherme (dir.). 1822: dimensões. São Paulo:
Perspectiva, 1972, onde se estudam os mecanismos inerentes à formação da nacionalidade brasileira,
sublinhando-se o enraizamento de interesses do antigo elemento colonizador na colônia.
2 . Cf. PRADO Jr., C. op. cit., p. 47 e ss.

20
Os Brancos da Lei

própria chegada da Corte, estabelecendo uma forma diferente de dominação,


foi um forte catalisador dos ânimos locais contra o estatuto colonial.

Para o entendimento preciso da constituição de uma classe dirigente


na ex-colônia, em concomitância com a edificação do Estado imperial
pelo qual a elite exercerá sua hegemonia, é proveitoso observar a situação
imediatamente anterior.

Com a expansão marítima do início da era mercantilista, subsidiada


pelo capital comercial, ocorreu a conquista e sucessiva ocupação do
continente americano, diferenciada em cada região pelo tipo de
colonizador e de empresa a que se propunha. Nas áreas que hoje
compreendem o Sul dos Estados Unidos, Cuba, Antilhas e Brasil
instaurou-se uma forma específica de ocupação e exploração, baseada no
latifúndio monocultor voltado para a exportação, na mão-de-obra escrava
e na dependência às respectivas metrópoles3.

Instituiu-se o sistema de donatarias e a ocupação da terra através da


concessão pela Coroa de sesmarias aos dignitários lusos. Estabeleceu-se o
"pacto colonial" ou "exclusivo metropolitano" que, pautado em rígidos
contratos quase unilaterais, estipulava os papéis da colônia - fornecedora
de matérias-primas e importadora de manufaturados - e da metrópole -
benificiária desse mesmo sistema. O monopólio do tráfico de escravos
ficou também nas mãos dos reinóis. Essa situação de extrema opressão
motivou nos portugueses e seus descendentes instalados no Brasil a
percepção de sua exploração pelos dirigentes metropolitanos. Mas estes
não abririam mão de seu confortável lugar sem muita resistência.

Há divergências na historiografia a respeito da autonomia ou da


dependência da vida na colônia em relação à metrópole4 . Partimos do

3 . Cf. CARDOSO, Ciro Flamarion Santana.


Agricultura, escravidão e capitalismo. 2 ed.
Petrópolis: Vozes, 1982. Para um balanço refinado das perspectivas historiográficas sobre o antigo sistema
colonial ver LAPA, José Roberto do Amaral. O antigo sistema colonial. São Paulo: Brasiliense, 1979.
4 . Na qual não entraremos. Para três das abordagens mais clássicas ver, por exemplo,
NOVAIS, Fernando A.
Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808). 2 ed. São
Paulo: Hucitec, 1983 e FRANCO, Maria Sílvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata.

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Os Brancos da Lei

suposto de que o ser social criado com a empresa colonial, sustentada


pelo trabalho compulsório dos escravos nas grandes propriedades
fundiárias, constituiu-se numa forma histórica inédita, num modo de
produção historicamente novo e determinado também, e principalmente,
por suas próprias contradições internas5.

No escravismo colonial as classes fundamentais são os fazendeiros


escravistas e os escravos rurais. Estes eram apresados violentamente na
África e trazidos para as lides no campo e nas minas. Com a existência
extenuante - variadamente conforme a atividade - e breve; as condições
das senzalas; o tratamento desumano com castigos que chegavam à
execução sumária do cativo dentro da grande propriedade; enfim, a
expropriação de sua vontade em relação ao próprio corpo, os negros,
embora uma classe em si, não tiveram condições históricas de se
constituírem em classe para si, com algum grau de consciência capaz de
qualquer crítica mais elaborada de sua sorte. Suas manifestações de

São Paulo: Ática, 1974, onde se explica a vida em colônia pelas determinações do capitalismo em
âmbito mundial. Paulo Mercadante considera uma dupla face da economia colonial, feudal e
escravista em suas características internas, e mercantil e capitalista em relação ao mercado
internacional. MERCADANTE, P. op. cit., p. 221 . Ciro Cardoso, em diversos estudos, e Jacob
Gorender em seu clássico O escravismo colonial, sustentam a teoria do modo de produção
escravista colonial, regido por leis próprias e determinações endógenas. Ver CARDOSO, C. F. S.
Sobre los modos de producción coloniales de América e El modo de producción esclavista colonial
en América. In: ASSADOURIAN, Carlos Sempat et alii. Modos de producción en América Latina.
Córdoba: Cuadernos de Pasado y Presente, 1973; GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. 3 ed.
São Paulo: Ática, 1980; LAPA, J. R. do A. Modo de produção e realidade brasileira. Petrópolis:
Vozes, 1980. Através da crítica dessas matrizes, nomeadamente Cardoso, muito se avançou no
sentido do questionamento mesmo de alguns aspectos estruturais do modo de produção escravista
colonial. Um importante centro historiográfico que vem atuando nesse sentido é o núcleo de história
agrária da Universidade Federal Fluminense. Ver LINHARES, Maria Iedda e SILVA, Francisco
Carlos Teixeira da. História da agricultura brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1981; CASTRO, Hebe
Maria. Ao sul da história: lavradores pobres na crise do trabalho escravo. São Paulo, Brasiliense,
1987; MUNIZ, C. M. Os donos da terra. Niterói: UFF, 1979; FARIA, Sheila de C. Terra e trabalho
em Campos dos Goytacases. Niterói: UFF, 1987; FRAGOSO, João Luís Ribeiro. Sistemas agrários
em Paraíba do Sul. Rio de Janeiro: UFRJ, 1983; SILVA, Francisco C. T. da. A morfologia da
escassez: crises de subsistência e política econômica no Brasil colônia (Salvador - Rio de Janeiro
1680-1790). Niterói: UFF, 1990.
5 . A produção historiográfica posterior às teses do escravismo colonial, subscrevendo-as,
aprimorando-as ou refutando-as, é muito extensa. Ver GORENDER, J.
A escravidão reabilitada. São
Paulo: Ática, 1990.

22
Os Brancos da Lei

descontentamento, até a Abolição, foram explosões de rebeldia, como a


fuga e o suicídio, que não chegaram a abalar em momento algum a
supremacia dos plantadores escravistas6.

Estes, enquanto vigorou o antigo sistema colonial, eram os afidalgados


portugueses beneficiários dos favores que seu Estado absolutista distribuía. Se
o elemento lusitano veio como colonizador, sua própria permanência, a
aquisição de bens e a expansão de suas relações socias (como núpcias e
família) contribuíram para transformá-lo em colono7.

Principalmente na região compreendida entre as faixas litorâneas


próximas ao Rio de Janeiro, no espaço que medeia o litoral e a Serra do
Mar e no Vale do Paraíba, estabeleceram-se propriedades rurais que
uniram, pelo casamento inclusive, nomes que se destacaram na empresa
da emancipação política do país, assumindo então o controle político do
Império nascente 8 . Segundo Ilmar Rohloff de Matos, as dinastias
canavieiras e cafeeiras de São Paulo compunham-se de negociantes,
advogados ou magistrados, europeus ou brasileiros de primeira geração,
que firmaram sua posição casando-se com nativas e aplicando suas
rendas e gordos dotes em bens fundiários. Em breve esses "homens de
uma espécie nova" ocupariam os principais lugares na vida social e
política da colônia9 . Tendo aqui enraizados seus interesses, os fardos
impostos pela Coroa portuguesa tornaram-se incômodos. Com a
transferência da Corte para terras coloniais, ficaram mais claras para o
colono suas divergências em relação ao elemento português.

. Cf. COSTA, E. V. da. Prefácio à segunda edição


6
. In: ________. Da senzala à colônia. 3
ed. São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 25-54.
7 . Cf. MATOS, Ilmar Rohloff de. A moeda colonial.
In: ________. O tempo saquarema. São
Paulo: Hucitec, 1987. p. 18-33.
8 . Ibidem, p. 40.

9 . Ibidem, p. 50. Ver também o estudo pioneiro de DIAS, M. O. S. op. cit., onde se chamou
a atenção para a lacuna que começaria a ser coberta pela obra de Matos.

23
Os Brancos da Lei

A instalação da Corte no Rio de Janeiro fez também dinamizar, como


é lógico, a tranformação da paisagem urbana da sede do Vice-reino. Com
o fim do monopólio português sobre o comércio colonial, o
abastecimento da capital tornou-se questão prioritária. Junto com a
incrementação da navegação costeira, cuidou-se de abrir estradas que
permitissem o escoamento da produção do interior para a capital. Tudo
isso levou os sertões, até então escassamente povoados, a sentirem as
mudanças provocadas pela nova situação. É de se destacar que a abertura
dessas novas regiões se fazia através de doações de sesmarias, de forma a
ir-se configurando uma integração por iniciativa da Corte10. O consórcio
entre esta e seus beneficiários viabilizaria a própria fundação do
Império11.

A maior resistência à emancipação política veio da burguesia


comercial lusa - que perdeu sua posição de intermediária na distribuição
da produção brasileira - e dos setores políticos coloniais mais
conservadores - que desejavam o regresso da Corte. Quando o Brasil foi
elevado a Reino Unido em 1815, o antagonismo entre brasileiros e
lusitanos já estava completamente configurado. A Revolução do Porto,
em 1820, de liberal tinha apenas o nome. Sua meta era, de fato,
reestabelecer a condição colonial ao Brasil, para restaurar a velha e

10 . Seria de extrema pertinência para o desenvolvimento deste tópico um estudo sistemático


sobre a instalação da corte joanina nos trópicos.

11 . "... A transformação de burocratas e negociantes em grandes proprietários rurais, a


aproximação de grupos nativos economicamente dominantes da Corte, por meio de negócios, a união
de famílias proprietárias através da conclusão de alianças matrimoniais, além da nobilitação de todos
aqueles que circulavam ao redor da Família Real. (...) Na área polarizada pela cidade do Rio de
Janeiro foi-se constituíndo o feixe de forças políticas que concretizaria o rompimento com as Cortes
portuguesas". MATOS, I. R. de. op. cit., p. 50.

24
Os Brancos da Lei

cômoda situação parasitária da qual a metrópole vinha se beneficiando há


três séculos12.

De maneira cada vez mais clara, a ruptura foi-se caracterizando


nos momentos finais do antigo sistema colonial. A luta entre
vassalos e funcionários reais transformou-se em oposição radical ao
governo metropolitano 13 . Se a ameaça recolonizadora da Corte
portuguesa era o perigo mais imediato para os interesses escravistas
radicados no Brasil, não era contudo o único. Os ingleses contrários
ao tráfico, os escravos rebeldes e a população miserável das cidades,
por exemplo, eram segmentos que promoviam, pelo antagonismo, a
identidade dos fazendeiros escravistas entre si. A classe até então
dominante no plano econômico se imporia à nação emergente como
nova liderança política14.

O golpe de misericórdia nas pretensões lusas de recuperar a


pródiga ex-colônia acabou sendo dado por um membro da Casa de
Bragança. É oportuno sublinhar que toda a agitação política em torno
da Independência foi um acontecimento intra-elites 15 . No dizer de

. Cf. COSTA, E. V. da.


12
Da Monarquia à República, cit., p. 38-40; MERCADANTE, P.
op. cit., p. 54; HOLANDA, Sérgio Buarque de. A herança colonial - sua desagregação. In: ________.
(dir.). HGCB. 5 ed. São Paulo: Difel, 1982. t. 2, v. 1. p. 13-5.
. Cf. COSTA, E. V. da.
13
Da Monarquia à República, cit., p. 22.
14 14
. Cf. MATOS, I. R. de. op. cit., p. 57. Ver também PRADO Jr., C. op. cit., p. 50: "No
desenvolvimento da revolução constitucional no Brasil é o segundo grupo de forças citadas - isto é, o
`partido brasileiro' como já então era chamado e que representava as classes superiores da colônia,
grandes proprietários rurais e seus aliados - que ganhará a supremacia. A reação recolonizadora,
embora contando com o apoio da metrópole e das cortes portuguesas, será levada de vencida porque
não era mais possível deter o curso dos acontecimentos e fazer o Brasil retrogradar na marcha da
história".
15 . Essa tendência "prussiana" ou da "modernização conservadora" no Brasil marcou toda
sua história, mesmo no século XIX. Ver MERCADANTE, P.
op. cit.; NOGUEIRA, Marco Aurélio.
As desventuras do liberalismo: Joaquim Nabuco, a Monarquia e a República. Rio de Janeiro: Paz &
Terra, 1984. p. 69-77; IANNI, Octávio. Idéias exóticas. In: ________. Revolução e cultura. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1983. p. 63-83. Sobre a "via prussiana", ver MOORE Jr., Barrington.
As origens sociais da ditadura e da democracia: senhores e camponeses na construção do mundo
moderno. Trad. M. L. Figueiredo Couto. São Paulo: Martins Fontes, 1983. p. 229-310, 427-47.

25
Os Brancos da Lei

um dos mais ilustres historiadores brasileiros, "... fez-se a


Independência à revelia do povo" 16 . Nada de levantes, de sangue
vertido, de participação popular. Se há autores que tomam a
Independência como uma ruptura ou mesmo uma revolução, parece
bem mais plausível a opinião de que se tratou de um "desquite
amigável", "... um tranqüilo rompimento, após sucessivos protestos
de união e desavenças domésticas, participando como juiz de família
a indefectível diplomacia britânica".17

Levada a bom termo a Independência, tornou-se imperativo à nova


classe dirigente organizar o Estado 18 , isto é, o ordenamento
jurídico-político de uma sociedade que permaneceria por mais quase 70
anos assentada sobre a mesma base19.

.
16
PRADO Jr., C. op. cit., p. 53. Também COSTA, E. V. da. Da Monarquia à República,
cit., p. 39. A implantação do regime republicano sobre os escombros do Império parece ter sido
análogo. Ver CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a República que não
foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.
17 . MERCADANTE, P.
op. cit., p. 51 e ss.; PRADO Jr., C. op. cit., p. 52.
18 . Diz Justiniano José da Rocha, em libelo de meados do século XIX: "No meio dessas
duas tendências em luta /liberais e conservadores/ - reprimiam-o de um lado o terror dos meios
expeditos da ditadura, do outro o respeito à lei e à consciência alheia;
tudo estava por fazer, tudo por
criar, pois não só era nova a forma constitucional, novas as instituições, como novo era o país até na
sua organização administrativa". (ênfase acrescentada) ROCHA, Justiniano José da. Ação, reação,
transação. In: MAGALHÃES Jr., R. Três panfletários do Segundo Reinado. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1956. p. 169-70. Também SAES, Décio. A formação do Estado burguês no Brasil
(1881-1891). Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1985. p. 134; SANTOS, Wanderley Guilherme dos.
Ordem burguesa e liberalismo econômico. São Paulo: Duas Cidades, 1978. p. 35, com visões
distintas sobre o mesmo problema.
19 . Cf. GORENDER, J.
A escravidão reabilitada, cit., p. 184: "Da mesma maneira pela
qual a monarquia portuguesa assentou sua dominação colonial sobre a exploração do trabalho
escravo, o ramo da casa de Bragança herdeiro da instituição monárquica no Brasil independente
conservou-se como superestrutura da mesma base econômica. A rígida centralização do aparelho de
Estado se revelou adequada à manutenção do mercado unificado de escravos e à proteção dos
interesses escravistas no vasto território do Brasil. Sob este aspecto, pode-se afirmar que a
metamorfose da América de colonização portuguesa num Estado independente único, em contraste
com a fragmentação da América de colonização hispânica, deveu-se a estas duas instituições
interligadas: o modo de produção escravista colonial e a monarquia". Já Caio Prado Jr. não atribui à
Monarquia esse mesmo relevo. Cf. PRADO Jr., C. op. cit., p. 53.

26
Os Brancos da Lei

O território da lei

A Constituição de 1824, outorgada pelo príncipe regente depois de


muito alvoroço 20 , é a viga mestra das orientações gerais sobre o
comportamento dos cidadãos. Não se inscreve em seus artigos o
elemento escravo ou o homem livre e pobre, mas apenas aqueles que, a
partir de rendas estipuladas, teriam acesso aos diferentes níveis de
participação política.

O Código do Processo Criminal era um conjunto de normas e


determinações práticas que deviam orientar o funcionamento do aparelho
judiciário. Logo, um instrumento fabricado por e para um segmento
específico da classe dominante: as autoridades judiciárias e policiais.

O Código Comercial, que surgiu só mais tarde, além de suas próprias,


prescreve algumas funções de um código civil, que não foi elaborado
durante o Império21. Regulamentava, portanto e basicamente, as relações
entre os proprietários de bens, inclusive o escravo-mercadoria.

Já o Código Criminal, onde se formularam definições substantivas,


doutrinárias, sobre a conduta criminal dos indivíduos, é de maior
espectro. Abrange todos os segmentos socias. O artigo 68, que comuta
para açoites as penas abaixo das galés destinadas ao elemento servil, é o
calcanhar-de-aquiles desse documento pretensamente liberal. A
burocracia está prevista na parte dedicada à má conduta dos funcionários
públicos. Os homens livres e pobres aparecem quando se trata dos vadios
e mendigos. Todas as pessoas podiam ser proprietárias. Apenas a um
número reduzido é atribuído aplicar a lei. Mas todos estavam sujeitos a
cometer delitos, conforme previa o Código.

20 . Cf. ARMITAGE, John.


História do Brasil. São Paulo: Martins, 1972, cap. VIII, sobre a
dissolução da Assembléia Constituinte.
21 . Cf. SAUL, Renato. Introdução. In: ________.
A modernidade aldeã. Porto Alegre:
Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1989.

27
Os Brancos da Lei

Por isso, juntamente com seus comentadores, este foi escolhido,


dentre todos os outros diplomas legais criados para o Estado nascente,
como a janela através da qual pretendemos sondar o quadro de valores da
classe escravista.

É impossível, em termos de mentalidades, estipular datas de


referência precisas e inflexíveis. 1830, contudo, é o ano da promulgação
da carta penal. Poder-se-ia ter eleito 1824 e não seria errado. Nas
discussões da Assembléia Constituinte já se observa um contorno da
visão de mundo escravista. Por isso, inclusive, não nos furtamos a
vasculhar os debates parlamentares em torno da elaboração do Código,
entre 1826 e 1830. O outro marco cronológico, que fecha o período,
constitui-se em novo problema. Até quando foi dominante a concepção
de mundo escravista, que tentaremos esquadrinhar nas seções seguintes?
Para uns, sua preponderância já se havia perdido desde a abolição do
tráfico intercontinental (1850); para outros, desde a queda do gabinete
liberal de Zacarias de Góes (1868) ou da lei do Ventre Livre (1871).
Tocaremos tangencialmente nessa questão que se constitui, em si, num
complexo objeto de investigação.

A extinção jurídica da escravidão em 1888 foi o outro referencial


adotado, embora o Código Penal da República tenha sido promulgado
somente em 1890. Todos os criminalistas investigados até o ano da
Abolição - e a maioria deles é posterior a 1870 - autorizam tipificá-los
como pensadores inseridos numa visão de mundo escravista.

Inúmeros autores criaram o mito de que o diploma criminal


promulgado em dezembro de 1830 seria um marco de modernidade,
portador das novas idéias liberais em voga na Europa, e que se
anteciparia a elas na legislação penal. Visto que ele veio substituir o
Livro V das Ordenações Filipinas, um amontoado secular de disposições
draconianas e inoperantes, isso até faz sentido:
Eram /as Ordenações Filipinas/ as bases mesmas do
edifício que aluíam, bases impedernidas em prolixos séculos
de iniqüidade, de fanatismo e de ignorância, concepção
monstruosa do direito penal, que erigia o crime em pecado,
em delitos os vícios, tirava à pena sua fixidez essencial para

28
Os Brancos da Lei

deixar-lhe a aplicação arbitrária segundo a graveza do caso e


a qualidade da pessôa, punia com a pena capital as mais
estupidas, ridículas ou iníquas práticas da feitiçaria, da
magia, da bruxaria...22
De fato, o Código serviu de modelo a diversos outros, como o
espanhol de 1848 e os que lhe sucederam (1850, 1870), o argentino de
1868, o paraguaio de 1880 e até a algumas disposições da carta penal
belga 23 . Mas estava longe de ser esse bastião de liberalismo que
embeveceu os contemporâneos e mesmo estudiosos posteriores.

A autoria do Código, que se atribui em grande parte a Bernardo


Pereira de Vasconcelos 24 , de cujo projeto se serviu amplamente a
Assembléia que o reescreveu e sancionou, é uma obra legislativa
conjunta. Não só o Código, mas toda a parafernália jurídica do Estado
emergente é a imagem da classe que o empreendeu, através de seu
segmento político letrado. De acordo com José Murilo de Carvalho, a
solução monárquica, garantidora da unidade da ex-colônia e de um
governo civil estável, foi em boa parte conseqüência do tipo de elite

22 . PEREIRA, Virgílio de Sá. Os códigos Criminal, do Processo e Comercial. Formação do


nosso direito civil. A reforma judiciária de 1871.
RIHGB. I Congresso de História Nacional, Rio de
Janeiro, v. 4, p. 152, 1914. Ver também LACOMBE, Américo Jacobina. A cultura jurídica. In:
________. HOLANDA, S. B. de (org.). HGCB, cit., t. 2, v. 3. p. 356-7; THOT, Ladislau. O Código
Criminal brasileiro de 1830. Estudo histórico-jurídico comparativo. Pandectas Brasileiras, Rio de
Janeiro, v. 1, n. 2, p. 119-26, 1930; Idem. O Código Criminal brasileiro de 1830. Archivo
Judiciário, s.l., v. 15, p. 39, 1930; LESSA, Pedro. O Direito no século XIX. RIHGB, Rio de Janeiro,
v. 68, n. 112, p. 507-36, 1905; GUSMÃO, Helvécio Carlos da Silva. Ligeiras notas sobre o Código
Criminal de 1830. RIHGB. I Congresso de História Nacional, Rio de Janeiro, v. 4, p. 415-27, 1914;
AZEVEDO, Vicente Alves Vicente de. O Código Criminal do Império - apreciação histórica e
jurídica. Pandectas Brasileias, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, p. 685-6, 1930; COSTA, Edgard. O
Código Criminal do Império de 16 de Dezembro de 1830. Ibidem, p. 681-5; RIBEIRO, C. J. de
Assis. História do direito penal brasileiro. Rio de Janeiro: Zélio Valverde, 1943.
23 . Cf. LACOMBE, A. J. op. cit., p. 357: THOT, L. O C ódigo Criminal de 1830..., cit., p.
120.

24 . Ver o "Apêndice" deste trabalho. Também SOUZA, Otávio Tarquínio de.


Bernardo
Pereira de Vasconcelos. Belo Horizonte: Itatiaia, 1988; WALSH, Robert. Notícias do Brasil
(1828-29). Trad. R. R. Junqueira. Belo Horizonte: Itatiaia, 1985. v.1.

29
Os Brancos da Lei

política existente na época da Independência, originada na própria prática


colonial portuguesa25.

A ordenação da nova sociedade segundo o ideal da classe dominante


seria incumbência da elite dos bacharéis recrutados nessa mesma classe.
Sérgio Buarque de Holanda foi quem originalmente percebeu que, com a
dinamização dos núcleos urbanos, em particular da "cidade capital",
novas ocupações citadinas - como a atividade política, a burocracia e as
profissões liberais - ganharam proeminência:
É bem compreensível que semelhantes ocupações venham
a caber, em primeiro lugar, à gente principal do país, toda ela
constituída de lavradores e donos de engenho. E que,
transportada de súbito para as cidades, essa gente carregue
consigo a mentalidade, os preconceitos e, tanto quanto
possível, o teor de vida que tinham sido atributos específicos
de sua primitiva condição.26

O desprezo pelo trabalho manual e a valorização das qualidades da


inteligência e da imaginação, peculiares a uma sociedade fundada em
relações escravistas, explica a exaltação e o prestígio universal do talento,
em contraposição ao esforço físico, que "suja as mãos e fatiga o corpo".
Em verdade, observa o historiador, não se tratava de amor ao pensamento

25 . Cf. CARVALHO, J. M. de.


A construção da ordem: a elite política imperial. Brasília:
UnB, 1981. p. 21, 34, 69 e 178, onde o autor sintetiza sua teoria: "Daí que, independentemente de ser
a elite política recrutada na classe dominante, colocava-se com toda força o problema de sua unidade
ideológica e de seu treinamento para tarefas de construção do novo Estado a partir das cinzas da
administração colonial. Dessa unidade podia depender em boa parte, como sustentamos que
dependeu, a manutenção da unidade do país e a natureza do próprio Estado a ser criado." Maria Odila
da Silva Dias, em estudo clássico, analisou o pensamento ilustrado da geração de brasileiros
formados na Europa que participaram da Independência, demonstrando terem um maior tino prático
para a resolução dos problemas materiais de seu país do que uma vocação mais metafísica ou
especulativa. Cf. DIAS, M. O. da S. Aspectos da ilustração no Brasil. RIHGB, Rio de Janeiro, v.
278, p. 105-70, mar/ 1968. Sérgio Adorno estudou a importância do bacharel de Direito,
nomeadamente o do largo de São Francisco, liberal, cuja participação na construção do Estado tem
peso igual ao dos bacharéis coimbrãos do período imediatamente anterior à fundação das escolas de
Direito no Brasil. Cf. ADORNO, Sérgio. Os aprendizes do poder. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1988.
26 . HOLANDA, S. B. de.
Raízes do Brasil. 17 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1984. p. 50.

30
Os Brancos da Lei

especulativo, mas "à frase sonora, ao verbo espontâneo e abundante, à


erudição ostentosa, à expressão rara"27.

Assim, aqueles bacharéis a quem incumbiria construir a ordem, a


quem a formação européia dava todo um verniz liberal, eram os
expoentes de uma classe que se sustentou - pelo menos até 1888 - à base
do açoite, no controle cotidiano dos escravos negros, sobre os quais
recaía todo o trabalho que movia o país, fosse no eito ou nas cidades.
Realmente, o viés ilustrado dessa elite assentava-se em sua postura
inegavelmente pragmática em relação à realidade - haja vista o pendor
com que os intelectuais se empenharam na obra de construção da nação.
Porém, jamais estiveram dispostos a abrir mão, em nome das "luzes", de
sua posição aristocrática28.

Dessa forma, é compreensível o status que ganha um título universitário


nessa sociedade onde a nobilitação dos expoentes de seus membros, pela
própria classe dominante, é prática difundida e valor universal:
Numa sociedade como a nossa, em que certas virtudes
senhoriais merecem largo crédito, as qualidades do espírito
substituem, não raro, os títulos honoríficos, e alguns de seus
distintivos materiais, como o anel de grau e a carta de
bacharel, podem equivaler a autênticos brasões de nobreza.
Aliás, o exercício dessas qualidades que ocupam a
inteligência sem ocupar os braços, tinha sido expressamente
considerado, já em outras épocas, como pertinente aos
homens nobres e livres, de onde, segundo parece, o nome de
liberais dado a determinadas artes, em oposição às mecânicas
que pertencem às classes servis.29

27 . Ibidem, p. 51.

28 . Cf. DIAS, M. O. da S. Aspectos da ilustração..., cit., p. 105-7. Também SANTOS, W. G.


dos. op. cit., p. 78, onde ressalva-se que : "... o Brasil não pretendia tornar-se uma república nem, tão
pouco, intentava construir uma sociedade rousseauniana com base na premissa de que todos os
homens são política e socialmente iguais".
29 . HOLANDA, S. B. de.
Raízes do Brasil, cit., p. 51.

31
Os Brancos da Lei

Nossa intensão, com o presente estudo, é penetrar na mentalidade


escravista através da obra desses bacharéis do açoite que, conforme
pudemos observar em seus juízos enquanto comentavam o Código
Criminal, permaneceu moeda corrente em todo o período, com algumas
exceções a confirmar a regra. São intelectuais, juristas que, ostentando
um discurso francamente liberal - alguns nem isto -, mal disfarçavam seu
compromisso com a ordem escravista que os sustentava.

Não se busca em nossa investigação resgatar uma história do Direito - ou


um aspecto da história do Direito - no Brasil, mas apenas utilizá-lo como meio
de estudar a mentalidade escravista. Ainda assim algumas dúvidas se impõem
sobre o caráter das fontes utilizadas. Em primeiro lugar é lídimo indagar-se
sobre a abrangência social das idéias jurídicas, dos valores que constituem a
mentalidade da elite. É muito difícil - e não nos propomos aqui - resolver a
questão de se outras classes compartilhavam ou não de sua concepção de
mundo. Todavia, somos persuadidos a referendar a teoria dos fundadores do
materialismo histórico - de que as idéias da classe dominante são as idéias
dominantes numa sociedade30.

As fontes a que recorremos não deixam dúvidas de que o objeto de


nossa investigação se insere na chamada história das idéias. Não obstante,
referimo-nos repetidas vezes no correr destas páginas à "mentalidade" ou
à "visão" ou "concepção de mundo" difundida pela elite imperial. No
curso da pesquisa essa questão conceitual ampliou-se.

. Cf. MARX, Karl, ENGELS, Friederich.


30
Manifesto do Partido Comunista. Trad. Álvaro
Pina. São Paulo: Novos Rumos, 1986. passim. Em Raízes do Brasil descreve-se como se deu a
improvisação forçada de uma burguesia urbana por ocasião da instalação do reino em terras
coloniais, sendo um de seus efeitos a apropriação dos ideais de conduta do patriciado rural por todas
as outras classes: "Esteriotipada por longos anos de vida rural, a mentalidade da casa-grande invadiu
as cidades e conquistou todas as profissões, sem exclusão das mais humildes. É bem típico o caso
testemunhado por um John Luccock, no Rio de Janeiro, do simples oficial de carpintaria que se vestia
à maneira de um fidalgo, com um tricórnio e sapatos de fivela, e se recusava a usar das próprias mãos
para carregar as ferramentas de seu ofício, preferindo entregá-las a um preto". HOLANDA, S. B. de.
Raízes do Brasil, cit., p. 55.

32
Os Brancos da Lei

Se aceitamos a polaridade entre cultura popular e erudita, então é


plausível que o estudo da literatura jurídica criminal do Império refere-se
à cultura erudita de um setor da classe escravista.

Ao localizarmos a produção jurídica dentro da cultura erudita - já que


estávamos tratando de conceitos elaborados por especialistas 31 -
impomos à nossa história intelectual o conceito de ideologia.
Principalmente quando refletimos sobre o "lugar das idéias", o
liberalismo - entendido como conjunto de doutrinas filosóficas, herdeiras
do iluminismo do século XVIII, produzidas na Europa no contexto da
eliminação de antigas barreiras e privilégios corporativos em favor de
uma suposta libertação do indivíduo -, transportado para o Brasil
escravista, configurou-se como ideologia no sentido mais usual do
termo 32 . Mas tratava-se quase de uma tautologia o fato de o discurso
jurídico ser "ideológico" - e o conceito em pouco contribuía para a
recuperação da visão de mundo que se pretendia reconstruir.

Intuitivamentente, tínhamos apenas a convicção da necessidade de


articular os valores expressos na glosa jurídica às condições materiais que
os geraram. Assim, ganhava sentido falarmos simultaneamente de
escravidão, Aristóteles, jus vitae et necis ou pater familias33. Estávamos

31 . Ver EHRARD, Jean. História das idéias e história social em França no século XVIII -
reflexões de método. In:
BERGERON, Louis (org.). Níveis de cultura e grupos sociais. Trad. Franco
de Sousa. Lisboa: Cosmos, 1974. p. 217, quando define "idéia": "Um conceito cuidadosamente
elaborado por um especialista da reflexão abstracta, mas igualmente uma opinião difusa, ou - com
mais profundidade - uma atitude intelectual e afectiva, uma forma do pensamento e da sensibilidade.
Três níveis da realidade, e portanto três tipos de análise: a dos grandes sistemas filosóficos, na
realidade frequentemente pouco histórica; uma história da opinião, que é directamente da alçada do
método estatístico e da técnica da sondagem; finalmente, o estudo das estruturas do mental
colectivo".
32 . Ver BOTTOMORE, Tom (ed.).
Dicionário do pensamento marxista. Trad. Waltensir
Dutra. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988. p. 183-7.
33 . Ver EHRARD, J. op. cit., p. 223: "Com efeito, se é verdade que cada época inventa
conceitos novos, também é verdade que ela utiliza, para as suas próprias necessidades, a herança
conceitual das gerações passadas. Está aí a origem de uma distorção inevitável entre a antiga forma
de expressão e a novidade do seu conteúdo. Como diz Marx, a inércia das palavras dá às ideias novas

33
Os Brancos da Lei

lidando com intelectuais que Gramsci chamaria "orgânicos", cuja função


principal era a legitimação da hegemonia de uma classe 34 . Esses
intelectuais, não contrariando o que diz Gramsci, estavam preocupados
em, através de sua ideologia, dar uma ordem à sociedade, visando sua
própria conservação35.

Nesse sentido, deve-se dar ao termo ideologia "...o significado mais


alto de uma concepção de mundo, que se manifesta implicitamente na
arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações da
vida individuais ou coletivas".36

Estávamos, então, próximos de um conceito que poderíamos utilizar


para aliviar nosso déficit categorial. Ao extrairmos as emissões
valorativas das obras dos juristas, pretendíamos reconstruir uma

um disfarce respeitável; parece-me, no entanto, que este disfarce engana e mistifica em primeiro
lugar aqueles que dele se servem".

34 . Gramsci ressalta a importância desse conceito e desse fato, pois seu desenvolvimento
político e prático representa "... um grande progresso filosófico, já que implica e supõe
necessariamente uma unidade intelectual e uma ética adequadas a uma concepção do real que
superou o senso comum e tornou-se crítica, mesmo que dentro de limites ainda restritos".
GRAMSCI, Antônio.
Concepção dialética da história. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 4 ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1981. p. 21. A legitimação só pode se efetuar através de um corpo de
intelectuais. Ver Idem. Os intelectuais e a organização da cultura. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 6
ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982. p. 3, 4. Também CARDOSO, C. F. S. & PEREZ
BRIGNOLI, Hector. El poder. s. n. t., p. 16: "Essa função de legitimação, incrustrada na visão de
mundo de cada indivíduo, de cada grupo, de cada classe social, é o que permite o funcionamento da
sociedade".
35 . A partir do momento em que se consolida a concep ção de mundo como ideologia,
coloca-se o problema desta agir no sentido da conservação ideológica de todo o bloco histórico, o
qual está "... cimentado e unificado justamente por aquela ideologia". GRAMSCI, A.
Concepção
dialética da história, cit., p. 11.
36 . Ibidem, p. 16.

34
Os Brancos da Lei

percepção veiculada através daquele discurso muito específico37, mas que


espelhava a visão de mundo de toda a classe dominante.

Aqui incorporamos, então, mais um conceito. Recorremos à visão de


mundo, de Goldmann, porque se poderia constestar o emprego do
conceitual gramsciano - desenvolvido exclusivamente na observação e
busca de respostas para os problemas do proletariado na sociedade
capitalista - para um contexto escravista.

Goldmann, que empregou visão de mundo como instrumental


analítico - "indispensável para se compreender as expressões imediatas
do pensamento dos indivíduos" - deixou claro que o conceito constituía,
ao mesmo tempo, o "principal aspecto concreto do fenômeno que os
sociólogos tentam descrever (...) sob o termo de consciência coletiva"38.

Embora guardem suas diferenças, podemos aproximar a concepção


de mundo gramsciana da visão de mundo de Goldmann em pelo menos
dois pontos: como em Gramsci, para o autor de Ciências humanas e
filosofia o sujeito das visões de mundo é coletivo - são as classes sociais.
Estas são ligadas entre si por um fundamento econômico, que faz os
homens dedicarem a maior parte do seu tempo à produção material de sua
existência. Quando se trata das classes dominantes, resta-lhes ainda mais

37 . Ibidem, p. 12: "Pela própria concepção de mundo, pertencemos sempre a um


determinado grupo, precisamente o de todos os elementos sociais que partilham de um mesmo modo
de pensar e agir (...). Criticar a própria concepção de mundo, portanto, significa torná-la unitária e
coerente e elevá-la até o ponto atingido pelo pensamento mundial mais desenvolvido. (...)
O início
dessa elaboração crítica é a consciência daquilo que realmente somos, isto é, um `conhece-te a ti
mesmo' como produto do processo histórico até hoje desenvolvido, que deixou em ti uma infinidade
de traços recebidos sem benefício no inventário. Deve-se fazer, inicialmente, este inventário." (ênfase
acrescentada). Foi exatamente o que tentamos fazer: o inventário dos bens morais da classe
dominante escravista. Ver, no mesmo sentido, Idem. Os intelectuais e a organização da cultura, cit.,
p. 8.
38 . GOLDMANN, Lucien.
Dialética e cultura. Trad. Luís F. Cardoso et al. 2 ed. Rio de
Janeiro : Paz & Terra, 1979. p. 16, 17.

35
Os Brancos da Lei

tempo para dedicar à "... conservação de seus privilégios, à gerência e


aumento de sua fortuna"39.

O segundo ponto de contato - nos termos do pensador italiano - é que


concepção de mundo implica uma unidade intelectual e uma crítica da
realidade que supera a do senso comum e lhe garante a hegemonia40.

Para o historiador francês, por maior que seja a consciência que os


indivíduos tenham de si e seu tempo, ela será sempre relativa. Quando a
exprimirem no plano conceitual ou imaginário, serão filósofos e
escritores
... e suas obras serão tanto mais importantes quanto mais
se aproximarem da coerência esquemática de uma visão de
mundo, quer dizer, do máximo de consciência possível do
grupo social que exprimem.41
É nítido que os juristas e os legisladores exprimiam o máximo de
consciência possível da classe escravista, na busca da legitimação de suas
atitudes e valores para si e para a sociedade como um todo. Mas seriam
aqueles intelectuais, que atingiram o grau máximo de consciência sobre
sua sociedade, os "formadores de opinião" dos demais setores da classe
dominante? Ou seriam eles a síntese elaborada de uma mentalidade
escravista gerada pela classe como um todo?

Não pudemos resolver essa questão senão por uma hipótese: o


movimento é dialético, tem duplo sentido. Não pretendemos recuperar
esse movimento, mas apenas reconstituir um quadro esquemático da
mentalidade escravista42. Pautamos a construção do presente trabalho nas

39 . Ibidem, p. 19. Ver nota 37, supra.

40 . Ver nota 34.

41 . GOLDMANN, L. op. cit., p. 20.

42 . Os conceitos têm o sentido que a prática acaba por lhes incutir. Não obstante toda a
polêmica quanto ao termo
mentalidades, e talvez mesmo pela diversidade de suas definições e

36
Os Brancos da Lei

reflexões sintetizadas acima. Investigamos os valores emitidos por


"ideólogos" da sociedade escravista, que buscavam legitimar - e ao
mesmo tempo traduziam - pelo discurso jurídico uma visão ou
concepção de mundo: a da classe dominante imperial. Dessa
cosmovisão, sofisticadamente elaborada pela elite, destila a quintessência
de um estar para, de uma concepção de mundo ampla e difusamente
propagada pela classe escravista, que usou de seus intelectuais justamente
para estamparem em lei um conjunto de sentimentos e normas mais que
definidos pela experiência cotidiana.

Ao se afirmar o Direito como expressão do dever ser da classe


dominante, emerge o problema metodológico de o ser jurídico
corresponder ou não ao ser social, aquele inclusive conteúdo deste. O
Direito, enquanto fenômeno social objetivo - pois a atividade intelectual é
um fato social - não se esgota na norma. Esta deduz-se de relações já
existentes ou então representa, quando promulgada, o surgimento
próximo de novas relações43, ainda que pese toda a aparente discrepância
que se observa virtualmente, como no caso em análise, entre um ser
escravista e um dever ser liberal. Apenas nesse sentido o liberalismo
brasileiro dos Oitocentos pode ser considerado como ideologia. Quando
disposto sobre a realidade escravista, resulta uma configuração mental
peculiar, que não pode ser tomada apressadamente como liberal. É o que
tentaremos averiguar aqui44.

empregos, não nos sentimos tolhidos em usá-lo em relação aos valores próprios da classe dominante
do Império.
43 . Cf. PASUKANIS, E.
A teoria geral do Direito e o marxismo. Trad. S. Martins. Coimbra,
Centelha, 1977. p. 98. Gramsci, apontando a diferença entre ideologia orgânica e arbitrária,
reconhece o equívoco que consiste em se considerar toda ideologia como uma mera aparência, inútil
etc.: "Na medida em que são historicamente necessárias, as ideologias tem uma validade que é
`psicológica': elas organizam as massas humanas." GRAMSCI, A. Concepção dialética da história.
Trad. Carlos Nelson Coutinho. 4 ed. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1981. p. 62-3.
44 . No caso particular do Direito em relação à base material, numa carta a Conrad Schmdit,
de 27 de outubro de 1890, Engels parece estar narrando o pr óprio processo de construção do Brasil
imperial: "O mesmo sucede com o direito. Logo que a nova divisão do trabalho se torna necessária e
cria
juristas profissionais, abre-se, por sua vez, um novo domínio autônomo. Ao mesmo tempo que
depende, de uma maneira geral, da produção e do comércio, esse novo domínio não deixa de ter uma

37
Os Brancos da Lei

Cada classe possui graus diferenciados de consciência que se


exprimem num conjunto de normas éticas, morais e jurídicas definidoras
de uma visão de mundo específica - um estar para as outras classes e
para as outras sociedades, no qual legitimam suas próprias ações.
Buscaremos recuperar valores constituintes da mentalidade da classe
escravista a partir do direito penal - especificamente do Código Criminal
e dos juízos emitidos pelos seus comentadores durante o Império.

Nas novas tendências historiográficas sobre a escravidão no Brasil


tem-se utilizado, à fartura, um paradigma ao menos problemático.
Buscando recuperar - melhor: criar - uma relação entre senhores e
escravos branda e até mesmo terna, devido ao paternalismo, conceberam
uma fórmula para explicar toda a delícia que seria o ser escravo no Brasil
novecentista: o binômio resistência versus acomodação. Uma das
principais fontes dessas ilações é a obra de E. P. Thompson, da qual
importa observar sua noção de Direito.

Primeiramente, é oportuno lembrar que seus entendimentos são


produto de minuciosas investigações sobre a sociedade inglesa do século
XVIII - mas, uma vez importadas sem relativizações, serão tidas como
generalizações universais. Segundo Thompson, a lei pode ser tomada
instrumentalmente como mediação e reforço das relações de classe
existentes e, ideologicamente, como sua legitimadora. Mas isso não
esgota suas definições, "...pois se dizemos que as relações de classe
existentes eram mediadas pela lei, não é o mesmo que dizer que a lei não
passava da tradução dessas mesmas relações", no sentido de mascararem
ou mistificarem a realidade:

capacidade particular de reacção sobre esses domínios. Num Estado moderno, é necessário não só
que o direito corresponda à situação econômica geral e seja sua expressão, mas também que seja uma
expressão sistemática, cujas contradições internas não constituam um desmentido para si própria.
Para conseguir isso, o direito reflete cada vez menos fielmente as relações econômicas. E isso numa
escala tanto maior quanto mais raramente um código se apresenta como a expressão brutal,
intransigente e autêntica da dominação de uma classe, por que se tal ocorresse o próprio facto
contrariaria por si só a `noção de direito'". Apud MARX, K. & ENGELS, F. Sobre a literatura e a
arte. Trad. Álvaro Lima. Lisboa, Estampa, 1974. p. 33.

38
Os Brancos da Lei

... as relações de classe eram expressas, não de qualquer


maneira que se quisesse, mas através das formas da lei; e a lei,
como outras instituições que de tempos em tempos, podem ser
vistas como mediação (e mascaramento) das relações de
classe existentes (...), tem suas características próprias, sua
própria história e lógica de desenvolvimento independentes.45
O Direito é um dos principais campos onde se travam as lutas de
classes - mas trata-se de um equívoco pensar que as relações escravistas
ou quaisquer outras se expressariam dentro dos limites da lei 46 . Se a
própria classe dominante fizesse o conjunto da sociedade respeitar suas
leis, atingiria êxito absoluto e não seriam necessárias outras formas de
coação física ou cultural. A lei é uma forma ideal, um limite pretendido
pelo segmento hegemônico e a todo momento burlado pelas partes em
conflito. Não é mera "idéia" em sentido de abstração descolada da
realidade, mas uma tábua raza para o funcionamento do Estado como
organismo monopolizador da violência legítima. Nesse sentido é um
aspecto diminuto das interações e interdependências entre os vários
agentes socias, mas que traça seu perfil, mesmo em suas omissões e
mascaramentos47.

No final do excerto de Thompson, propõe-se que a lei possua "sua


própria história e lógica de desenvolvimento independentes". Tal

45 . THOMPSON, Edward Palmer.


Senhores e caçadores; a origem da lei negra. Trad.
Denise Bottmann. Rio de Janeiro, Paz & Terra, 1987. p. 353.
46 . A questão do Estado como detentor do monopólio da violência legítima será tratada
posteriormente. Por ora registre-se que nem mesmo o Estado age em sintonia com as leis que ele
próprio cria. Sobre as esferas de "ilegalidade da lei" ver POULANTZAS, Nicos.
O Estado, o poder
e o socialismo. 2 ed. Rio de Janeiro, Graal, 1985. p. 94 e ss.: "Freqüentemente o Estado age
transgredindo a lei-regra que edita, desviando-se da lei ou agindo contra a própria lei. Todo sistema
autoriza, em sua discursividade, delineado como variável da regra do jogo que organiza, o
não-respeito pelo Estado-poder de sua própria lei. (...) A legalidade é compensada por apêndices de
ilegalidade, e a ilegalidade do Estado está inscrita na legalidade que institui (...). Ilegalidade e
legalidade fazem parte de uma única e mesma estrutura institucional."
47 . Para Pasukanis trata-se de uma tautologia pensar que o Direito disciplina as rela ções
sociais. Ao contrário, a "
disciplina das relações sociais, em certas condições, reveste um caráter
jurídico". PASUKANIS, E. op. cit., p. 86.

39
Os Brancos da Lei

inferência de teor claramente idealista é tão insustentável quanto qualquer


outra que pleiteie a autonomia ou a independência de "esferas" ou
"níveis" do ser social. Ao menos do ponto de vista do materialismo
histórico, como se constata no famoso Prefácio de Marx à sua
Contribuição à crítica da Economia Política:
Nas minhas pesquisas cheguei à conclusão de que as
relações jurídicas - assim como as formas de Estado - não
podem ser compreendidas por si mesmas, nem pela dita
evolução geral do espírito humano, inserindo-se pelo
contrário nas condições materiais de existência de que Hegel,
à semelhança dos ingleses e franceses do século XVIII,
compreende o conjunto pela designação de "sociedade civil";
por seu lado, a anatomia da sociedade deve ser procurada na
economia política.48
É uma operação problemática, senão às vezes ardilosa, transpor para
a realidade escravista as idéias thompsonianas acerca de uma
universalidade e eqüidade da lei - idéia esta frágil ela mesma até para o
Direito burguês. A supervalorização da consciência de classe, da ação do
sujeito em detrimento das condições materiais de onde se fazem as
classes, parece constituir-se em outra imprecisão teórica49. A prática da
importação de modelos de análise adventícios para compreensão da
realidade brasileira carece de um maior apuro de reflexão. As
contribuições de pensadores como Thompson, Foucault, dos historiadores
ligados ao movimento em torno da revista Annales, por exemplo, têm
sido veio de inesgotáveis avanços no próprio modo de se conceber a
história - e assim, como fontes de inspiração teórica, devem participar da
pauta de discussão da historiografia. Contudo, seu uso, como tem sido
fartamente praticado no Brasil, enquanto modelos - além dessa prática

. MARX, K.
48
Contribuição à crítica da economia política. Trad. M. H. B. Alves e C. R. F.
Nogueira. 2 ed. São Paulo : Martins Fontes, 1983. p. 24.
49 . A crítica mais contundente a Thompson e seus seguidores no Brasil est á em
GORENDER, J.
A escravidão reabilitada, cit., p. 14-44, 97-117. Pasukanis, discorrendo sobre a
ontologia das relações jurídicas, conclui que o Direito tem uma história real, que não se desenvolve
como sistema de pensamento, "... mas antes como um sistema particular de relações que os homens
realizam não de uma escolha consciente, mas sobre pressão das relações de produção".
PASUKANIS, E. op. cit., p. 69.

40
Os Brancos da Lei

significar uma verdadeira mutilação de seus princípios teóricos - acabam


gerando trabalhos fragilizados, por "adequarem" a história a uma forma
teórica.

Qualquer divisão do real para fins analíticos não deve ser aleatórea.
Para se reconstituir a visão de mundo das elites, a partir das idéias
jurídicas, todas as instâncias da formação social devem se repor
obrigatoriamente. Um grande historiador da cultura já deu a ênfase
devida à questão "... do caráter total da atividade humana e da ligação
indissolúvel entre os fatos econômicos e sociais e a história das idéias"50
(ênfase acrescentada).

Por isso um estudo centrado exclusivamente na produção jurídica


seria falho. Aquilo que concatena as partes de uma totalidade, que faz de
um grupo humano uma sociedade, não é seu sistema legal, mas uma
conexão mais profunda da qual as leis são apenas uma manifestação. O
Direito, pelo seu próprio conceito, tende a nivelar diversidades e não
permite sozinho a compreensão de uma realidade histórica. É mister
buscar na articulação de cada uma de suas partes, de seus agentes, a
própria razão do ser jurídico51.

Os métodos de análise do trabalho que se apresenta, assim como os


de sua exposição, são inspirados no materialismo histórico: "... ao
contrário da ideologia alemã, que desce do céu para a terra, é da terra
para o céu que aqui se sobe". Partimos dos homens em suas relações
sociais de produção e delas buscamos interpretar suas representrações
jurídicas 52 . Ou, como sugere Pasukanis, deve-se seguir o exemplo da

50 . GOLDMANN, Lucien.
Ciências humanas e filosofia. Trad. L. Garande e J. A. Giannotti.
11 ed. Rio de Janeiro : Bertrand Brasil, 1988. p. 50 e ss.
51 . Como se lê em Bobbio: "Todo povo tem, na riqueza de suas determinações, uma
densidade histórica na qual o jurista ou o filósofo que se valem de categorias jurídicas para
compreender a história não são capazes de penetrar". BOBBIO, Norberto.
Estudos sobre Hegel;
direito, sociedade civil, Estado. Trad. L. S. Henriques e C. N. Cotinho. São Paulo : Brasiliense, 1989.
p. 71.
52 . Cf. MARX, K. & ENGELS, F.
A ideologia alemã. São Paulo : Moraes, 1984. p. 37.

41
Os Brancos da Lei

crítica da economia política para se fazer a crítica de uma jurisprudência,


atinando-se para as abstrações e generalizações consoantes às
necessidades dos homens que a elaboraram. Em outras palavras, é
imperativo descobrir o condicionamento histórico da norma jurídica53.

Resta, por fim, expor ainda que sucintamente o como fazer


empregado nos capítulos que se seguem.

A leitura da lei

Toda a presente pesquisa fundamenta-se numa prática específica: a


da leitura 54 . E mais: somos leitores de outros leitores. Para além do
próprio Código Criminal do Império do Brasil de 1830, fomos rastrear a
concepção de mundo escravista nos bacharéis em Direito, criminalistas,
juristas enfim, que se propuseram comentá-lo no todo ou em alguns de
seus artigos, entre 1830 e 1888. Esta atividade, com o fim de agilizar o
trabalho forense tal como hoje ainda é comum, tinha por objetivo
atualizar a legislação penal com os avisos, decretos e demais decisões
governamentais que alteravam o diploma. Além de uma ou outra fonte
diversa a que recorremos55, manipulamos 44 obras referentes ao Código
Criminal. Destas, é importante sublinhar, nem todas se prestaram
diretamente ao nosso empreendimento. No caso, 14 delas constituem-se
exclusivamente em trabalhos de atualização da legislação penal,

53 . PASUKANIS, N. op. cit., p. 63.

54 . Ver BARTHES, Roland, COMPAGNON, Antoine. Leitura.


Enciclopédia Einaudi. Trad.
C. Pais et alii. Lisboa : Imprensa Nacional, 1987. v. 11, p. 184-205, para quem a palavra não remete a
um conceito, mas a um conjunto de práticas desenvolvidas historicamente.
55 . Como
A escravidão no Brasil, de Perdigão Malheiros, que também chegou a comentar o
Código; o Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império, de Pimenta Bueno; a
Carta aos srs. eleitores da provincia de Minas Geraes e o Manifesto político e exposição de
princípios, de Bernardo de Vasconcelos, autor do diploma criminal; também a conferência de
Vicente de Souza em 1879 no Teatro São Luís sobre O Império e a escravidão; o Parlamento e a
pena de morte. Foram muito importantes como obras de referência o Diccionario bibliographico
portuguez (1870), de Inocêncio Francisco da Silva, e o Diccionario bibliographico brazileiro (1883),
de Augusto Vitorino Alves Sacramento Blake. Vasculhamos igualmente os anais do Parlamento
Brasileiro de 1826 a 1830.

42
Os Brancos da Lei

comunicando as alterações promovidas pela promulgação de leis e


decretos legislativos. Seus autores não intentavam emitir juízos de valor
nessa atividade56. Outras seis obras não constam dos arquivos consultados
ou estão extraviadas57.

Nas outras 24, como pudemos constatar, as emissões valorativas


apresentaram-se de forma qualitativa e quantitativamente diversa nos
juristas. Em alguns destes percorremos o volume todo para encontrar uma
ou outra manifestação carregada de juízos. Outras, e estas foram de fato a
matéria-prima de nossa investigação, são obras prenhes de julgamentos
morais e éticos pessoais, comentários teóricos, filosóficos, críticos - e não
apenas práticos - sobre o Código Criminal.

Lemos todas, sistemática 58 e seletivamente, recenseando as


informações interessantes enquanto percorríamos cada texto. Sem a

56 . Conforme explicitam claramente muitos deles em seus exórdios. Ver, por exemplo, J.
A. de Araújo Filgueiras: "Não tenho a vaidade de apresentar um trabalho de fôlego; dou á estampa as
notas que fui accumulando no meu codigo criminal, omittindo, todavia, aquellas que melhor cabida
terão em um trabalho de commentarios, que, com o tempo, e si a fortuna quizer, terei a honra de
offerecer ao publico". FILGUEIRAS, J. A. de A.
CCIB; annotado com os actos dos poderes
legislativos... Rio de Janeiro : E. & H. Laemmert, 1873. Também SILVA, Josino do N. CCIB;
augmentado com as leis, decretos, avisos e portarias... Rio de Janeiro : E. & H. Laemmert, 1863;
VASCONCELLOS, João Marcelino P. de. CCIB; annotado com as leis, decretos, avisos e
portarias... Rio de Janeiro : Antonio Gonçalves Guimarães, 1860.
57 . São elas:
CCIB; e leis relativas a alguns artigos do Codigo Criminal. Recife, Tipografia
de Santos & Cia., 1836; DUTRA, José da Silva. CCBI; repertório ou indice alphabetico de todas as
disposições dos codigos Criminal e do Processo, disposições provisórias, leis de 3.12.1841,
regulamentos de 31.01 e 15.03 de 1842, e de toda legislação de decisões do governo relativas ás
citadas leis. Rio de Janeiro : Tipografia Austral, 1884; CCIB; annotado com as leis, decretos e
avisos... por J.M.P.V. Rio de Janeiro : A. Gonçalves Guimarães, 1859; PINTO, José Maria de Sousa,
AZAMBUJA, Bernardo A. N. Nascentes de. O Codigo Criminal explicado, ou analyses juridica e
philosophica da Carta de Lei de 16.12.1830. s.n.t., 1832; ROCHA, Justiniano José da.
Considerações sobre a administração da justiça criminal no Brazil, e especialmente sobre o jury.
Rio de Janeiro : Seignot & Plancher, 1835; VASCONCELOS, José Marcelino Pereira de. CCIB
annotado por...; nova edição revista, annotada e augmentada com a legislação respectiva até o
presente por Miguel Thomaz Pessoa. Rio de Janeiro : Laemmert, 1878.
58 . Cf. BARTHES, R., COMPAGNON, A. op. cit., p. 186: "Ler quer dizer
ler bem, decifrar
criticamente os textos: ler com atenção, de uma maneira bem informada, e não mecânica ou
inocentemente".

43
Os Brancos da Lei

ingênua pretensão de que encontraríamos "uma outra verdade" ou "a


verdade" nos livros-objeto, nossa empresa hermenêutica implicou uma
aproximação maliciosa, armado que estávamos de todo o conhecimento
de que nos pudemos utilizar 59 . A partir daí, cumpria-nos interpretar
tecnicamente cada obra, abandonando um pouco o problema da
linguagem em si para pô-lo a serviço da busca de um ser no mundo pela
comparação e pelo contraste 60 . Nosso problema passou a ser como
ressituar o discurso nas estruturas do ser escravista e não estas mesmas
estruturas no discurso61.

Assim, em termos técnicos, propomo-nos um trabalho interpretativo


de outras obras interpretativas. Concordamos com Ortigues, para quem o
comentário não nasce diretamente do texto, mas das questões que
colocamos a seu propósito. O comentário exegético deve ser uma
hipótese - literária ou histórica - com a qual desejamos responder a
questões específicas postas a propósito de determinado texto ou
documento. São nossas questões que ligam exegese e documento,
dependendo dos dados pertinentes o gênero da inquirição62.

Nosso problema foi encontrar as questões que cada jurista punha ao


Código Criminal, indo da interpretação à explicação, e fazendo daqueles
comentários registros etnográficos e históricos do ser no mundo

59 . "A explicitação de algo, enquanto isso ou aquilo, funda-se essencialmente sobre uma
aquisição e uma visão prévias, bem como sobre uma antecipação". HEIDEGGER, M.
Apud
RICOUER, Paul. Interpretação e ideologias. Trad. Hilton Japiassu. Rio de Janeiro : Francisco Alves,
1977. p. 34.
60 . Cf. RICOUER, P. op. cit., p. 22 e ss. Sobre interpreta ção ver REIS, C. op. cit., p. 39-60.

61 . Cf. RICOUER, P. op. cit., p. 35.

62 . "Podem-se imaginar cem comentários diferentes. Podemos ligar a obra à vida do seu
autor, mas podemos também tratá-la como um gênero literário em comparação com outros, ou
como
um documento etnográfico e histórico em relação com os costumes e as instituições de um dado meio
social. Uma exegese é uma hipótese que, como qualquer outra, possui um grau maior ou menor de
confirmação possível". (ênfase acrescentada) Cf. ORTIGUES, Edmond. Interpretação. Enciclopédia
Einaudi, cit., v. 11, p. 218-33.

44
Os Brancos da Lei

escravista. A explicação de sentido que damos aos textos não é extraída


apenas dos fatos das mentes ou do que estivesse encerrado nas palavras
dos juristas. O sentido do que eles dizem, determina-se não só pelo texto,
mas igualmente pelo contexto e por nossas inferências lógicas63.

Mais que isso e que as palavras, importa buscar elementos ocultos e suas
interdependências e interações: estabelecer certas correspondências entre os
universos mental e real - ou o que o conhecimento mais nos permite deles
aproximar. Objetivamos apontar para esta articulação. Trata-se, portanto,
basicamente de um trabalho de comparação: dos textos entre si e destes com o
restante do conhecimento adquirido sobre o assunto64.

Por fim, reforçamos que a questão técnica da interpretação nunca foi para
nós um fim em si mesma, pelo que, cremos, fugimos à tentação quer de
confundir atos como "interpretação" e "explicação", "... quer de separar
artificialmente a `compreensão das razões' e a `explicação das causas'"65.

Nossas inferências, feitas a partir de um conjunto de obras


homogeneizadas por terem como referência uma mesma matéria, não se
pretendem últimas e derradeiras, definidas pelo crivo do falso ou
verdadeiro - mas plausíveis, sancionadas pelo critério do aceitável ou não
aceitável. Contudo, o veredito pertence ao leitor deste trabalho de glosa, o
leitor final, nesta cadeia que se inicia por volta de 1830.

63 . "Ora, as inferências que podem fazer a partir do texto (sobretudo do texto recolocado no
seu contexto) ultrapassam largamente o horizonte psicológico do locutor. Se uma explicação de
sentido é possível, é porque o sentido nunca se reduz a um acontecimento psicológico, ou a uma
intenção subjetiva". Ibidem.

64 . Sobre intertextualidade ver REIS, Carlos.


Técnicas de análise textual. 3 ed. Coimbra,
Livraria Almedina, 1981. p. 115-44.
65 . ORTIGUES, E. op. cit., p. 218.

45
Os Brancos da Lei

46
Capítulo II
O PRECEDENTE DA DIFERENÇA

À primeira vista, o Código Criminal de 1830 e a Constituição que lhe


antecedeu dão a impressão de negarem a herança colonial e rural da
nação que começavam a modelar66. Mas todo o ordenamento político e
jurídico do Império permanecerá fundado nas mesmas bases anteriores: o
latifúndio agro-exportador e o trabalho escravo.

Há quem defenda a subordinação das relações sociais vividas na


ex-colônia ao modo de produção dominante na Europa, devido à sua
inserção no mercado mundial. Tal postura leva a inferir que aqui nem se
haveria completado o processo de constituição de uma sociedade de
classes, em razão do exercício do poder pessoal67.

Por esse ângulo a escravidão não seria o princípio unificador da


colônia, "...a determinação fundamental da forma de sua integração e de
seu destino, / mas uma / instituição submetida a outras determinações que
lhe imprimem sentido"68.

Depois das teses sobre o escravismo colonial ficou muito difícil


explicar a configuração social do Brasil oitocentista por determinações

66 1
. Cf. HOLANDA, S. B. de. A herança colonial - sua desagregação, cit. p. 9-39; Idem.
Herança rural. In: ________. Raízes do Brasil, cit. p. 41-60.
67 . Tese sustentada em obra clássica de Maria Sílvia de C. Franco: "Assim como o poder pessoal fechou o homem pobre na violência sem
expressão social, também impediu os grupos dominantes de identificarem seus objetivos econômicos comuns e de agirem como unidade (...). Ao lado do
latifúndio, a presença da escravidão freou a constituição de uma sociedade de classes, não tanto porque estivesse fora das relações de mercado, mas
principalmente porque excluiu dela os homens livres e pobres e deixou incompleto o processo de sua expropriação". FRANCO, M. S. de C.
Homens
livres na ordem escravocrata, cit., p. 219.
68 . Ibidem, p. 13.
Os Brancos da Lei

externas. Sustentamos, assim, a novidade do modo de produção


escravista colonial e a peculiaridade de suas classes antagônicas69.

A oposição fundamental nesse escravismo é mais específica que a


simples distinção entre senhores e escravos em geral. Refere-se àquelas
classes que se antagonizaram no processo de produção característico do
modo de produção dominante, ou seja, o fazendeiro escravista e o escravo
rural70. Senhores e escravos constiuíam-se, de acordo com Décio Saes,
em ordens indispensáveis para a própria reprodução das relações
escravistas. Todavia, para esse autor, não é a luta entre ordens (escravos
versus homens livres) mas a luta entre classes (escravos rurais versus
fazendeiros escravistas) que seria a contradição fundamental para o modo
de produção, já que a grande maioria dos negros trabalhava no campo,
visando à exportação. Escravos artesãos e domésticos eram
numericamente minoritários71.

Do principal antagonismo de classes dependiam, inclusive, as


formas não-escravistas e as escravistas subordinadas - escravidão
doméstica e aquelas outras formas mais peculiares às atividades citadinas,
como os negros a ganho e aqueles outros habilitados com algum ofício
mecânico (artesãos em geral). Mas é apenas nesse grau de generalização
que podemos, aqui, estabelecer um vínculo entre a "base" e o âmbito das
idéias, que é o que nos interessa72.

69 . É muito difícil defender que uma


classe burguesa fosse dominante então. Somos inclinados a
entender que a classe dominante imperial era escravista. Ilmar R. de Mattos propõe outro conceito - o
de classe senhorial: "Não se constituindo unicamente dos plantadores escravistas, mas também dos
comerciantes que lhes viabilizavam e, por vezes, com eles se confundiam de maneira indiscernível,
além de setores burocráticos que tornavam possíveis as necessárias articulações entre política e
negócios, a classe senhorial se distinguiria nesta trajetória por apresentar o processo no qual se
forjava por meio do processo de construção do Estado imperial". MATTOS, I. O tempo saquarema,
cit. p. 57.
70 . "Pode causar surpresa que categorias mais amplas, isto é, os escravos em geral e os proprietários de escravos em geral, não sejam, aqui,
definidas como classes sociais fundamentais. Porém, escravos e proprietários de escravos não constituem, a nosso ver, classes sociais". SAES, D.
A
formação do Estado burguês no Brasil (1881-1891), cit., p. 80.
71 . Para uma introdução à problemática classes/ordens no escravismo ver CARDOSO, C. F. S.
A Afro-América; a escravidão
no Novo Mundo. 3 ed. São Paulo: Brasiliense, [s.d.].
72 . Cf. GORENDER, J.
O escravismo colonial, cit., p. 60-79; GENOVESE, Eugene. O mundo dos
senhores de escravos: dois ensaios de interpretação sociológica. Trad L. Falleiros. Rio de Janeiro:
Paz & Terra, 1979. p. 14-128; COSTA, E. V. da. Da senzala à colônia, cit., Parte 2 ("Condições de
28
Os Brancos da Lei

A reprodução in totum das relações sociais no plano das produções


mentais esvaziaria o próprio conceito de ideologia e, no caso em estudo, a
noção de Direito. A qualificação deste no Brasil entre 1830 e 1888, de
acordo com Saes, só pode ser avaliada como escravista, através de uma
análise de conjunto da estrutura jurídica e não de suas partes tomadas
isoladamente. Assim, a Constituição de 1824 só revelará seu caráter
escravista à luz do direito civil. Também o Código Comercial (1850), se
analisado em si mesmo, apresenta-se como um texto não-escravista.
Somente quanto à legislação penal do Império é impossível burlar esse
caráter73.

Juridicamente, bastava aos senhores escravistas reconhecer de modo


não diferenciado, pela exclusão, o elemento que lhes era antangônico por
excelência, o escravo, "seu inimigo inconciliável". Aí se expressava a
alteridade absoluta. Os demais componentes, pequenos proprietários
rurais, senhores urbanos de alguns escravos somente - e mesmo aqueles
homens livres desprovidos de escravaria, propriedade fundamental dessa
sociedade74 - eram complementos importantes, que cumpriam funções
subordinadas ou que, se não as desempenhavam, não punham em risco o
sistema como um todo.

vida do escravo na lavoura cafeeira"). Gorender, comentando as análises de Saes sobre o caráter
escravista das instituições políticas coloniais, afirma: "A meu ver, os órgãos estatais, no Brasil
colonial, constituíam um prolongamento do Estado portugês. Existia, isso sim, uma classe dominante
colonial - a classe dos senhores de escravos -, encimada pela cúpula dos grandes plantadores."
GORENDER, J. A escravidão reabilitada, cit., p. 119-20. Conquistada a Independência, se
construiria um Estado escravista, cuja legislação só poderia ser "... organicamente abrangente e
legitimadora da escravidão". Legislação muito bem estudada por Décio Saes na obra citada.
73 . Cf. SAES, D. op. cit., p. 107-13.

74 . Sobre o problema da reificação do escravo, pouco ou quase nada temos a acrescentar a


SAES, D. op. cit., p. 36-8, 102-7,
que sintetiza a discussão de Perdigão Malheiros a Gorender. Referendamos, com o primeiro autor, a
existência de um caráter contraditório no Direito das formações sociais escravista modernas: "A
impossibilidade de o Direito das formações escravistas coisificar integralmente o trabalhador
escravo, bem como a necessidade de tal direito personificar parcialmente este último, evidenciam o
seu caráter contraditório, já assinalado por autores como Pasukanis, Perdigão Malheiros e Gorender.
O Direito Civil afirma que o escravo é objeto de propriedade (coisa), mas reconhece-lhe a
possibilidade de ser proprietário (possuir peculium); o direito comercial define o escravo como objeto
de troca, mas reconhece sua capacidade em certas ocasiões, de realizar atos de troca; o direito penal
considera o escravo como objeto de delito em caso de ofensa física (reconhecimento de sua
personalidade). Mas simultaneamente determina que a indenização seja paga, não a ele, mas ao seu
proprietário (reconhecimento da propriedade)".
29
Os Brancos da Lei

Para recuperar a visão de mundo da classe superior é imperativo ter


em conta a organização da produção e, ao mesmo tempo, ir além dela. Só
assim é possível compreender a justificação das hierarquias de seus
valores. Nas análises seguintes, serão utilizados como índices de valor as
manifestações dos juristas a respeito da obediência, da família, da mulher
e da honra, do menor e dos vadios e mendigos, expressões mentais e ao
mesmo tempo morais - cimento ideológico de coesão social de mundos
diferentes e complementares75.

Pelos atributos fundamentais da sociedade imperial - liberdade e


propriedade - distinguiam-se, de acordo com Ilmar R. de Matos, a "boa
sociedade do povo mais miúdo"76. O critério da liberdade - ditado pela
propriedade de si - diferenciava o cidadão do não-cidadão. O da
propriedade de outrem, ou a "metáfora da renda", estabelecida pela
capacidade eleitoral censitária, distinguia cidadãos ativos de cidadãos
não-ativos. Dessa forma demarcava-se o papel de cada um, de maneira
que "... cada raça e cada uma das classes nunca deixavam de mais ou
menos manter e de conhecer o seu lugar"77.

Aos cidadãos ativos incumbia impor uma ordem àquele conjunto


heterogêneo de elementos: definir regras para si próprios na sua relação
com as outras classes e, sobretudo, estabelecer os limites de ação destas
últimas: o seu dever ser. Constituíam, portanto, o mundo do governo.

75 . A opção por essas variáveis impõe-se pela própria concepção holística de Estado como família ampliada, índice do imperativo do
patriarcalismo da sociedade de ordens que,
no plano mental, a despeito da divisão em classes, organiza a
sociedade. Observamos que a análise das hierarquias a partir do discurso jurídico criminal é precisa e
limitada, como demanda um estudo monográfico. Numa sociedade altamente contagiada pela
reverência à titulação nobiliárquica, um estudo sobre hierarquias que não considere a distribuição de
insígnias de nobreza, as cerimônias e etiquetas cortesãs finda obrigatoriamente incompleto. Mas isso
é em si matéria para outro trabalho. No Império a nobitilitação esteve desde o início, com D. João VI,
ligada à cooptação da elite política que mediava as relações entre os proprietários rurais e a Coroa.
Ver CARVALHO, J. M. de. Teatro de sombras: a elite política imperial. São Paulo: Vértice, 1988. p.
19. No mesmo sentido ver o estudo estatístico e descritivo de JARNAGIN, Laura. The role and
structure of the brasilian imperial nobility in society and politics. Anais do Museu Paulista, São
Paulo, v. 29, p. 99-157, 1979.
76 . A análise que se segue apóia-se em MATOS, I. R. de. op. cit.
, p. 109-29, tributária do texto clássico de SOUSA,
Antônio Cândido de Melo e. Dialética da malandragem. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros,
São Paulo, v. 8, p. 67-89, 1970.
77 . MATOS, I. R. op. cit.
, passim.
30
Os Brancos da Lei

Num mesmo sentido não parece impróprio falar em mundo da ordem, do


qual participavam os senhores, como rulers, e seu contrário
complementar, os escravos, a quem competia obedecer. Formavam estes
últimos o mundo do trabalho.

O contrário simétrico desse mundo ordenado dos que gorvernavam e


trabalhavam conformava o mundo da desordem, existente por derivação
do anterior, mas à margem dele. Tratava-se de uma população crescente
em razão geométrica, de homens livres pobres que se distribuíam de
maneira irregular pelo território78, contra os quais, como se verá, tanto a
legislação quanto os jurisconsultos seriam implacáveis.

A articulação entre esses mundos de ordem e desordem, tão


sensivelmente captada por Antônio Cândido na análise das Memórias de
um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida (1852) 79 ,
decorre da complexa urdidura da sociedade escravista, toda ela assentada
em seu modelo de família patriarcal. O próprio Estado imperial se erigiu
segundo seus parâmetros, marcadamente escravistas.

Tudo o que a nomenclatura marxista chama de super-estrutura, no


Brasil imperial deriva da produção organizada dentro da grande unidade
familiar, sob a tutela do senhor de escravos. A doutrina filosófico-política
do Estado vazou desse modelo. Foi Ilmar R. de Matos quem enunciou a
forma do exercício de dominação no Império. Segundo esse autor,
administrar a "casa" significava governar a família, na qual se incluíam
os próprios escravos, pois estes formavam uma ampliação do círculo
doméstico80.

78 . Cf. PRADO Jr., C.


Formação do Brasil contemporâneo. 18 ed. São Paulo: Brasiliense, 1983. p.
281; FRANCO, M. S. de C. op. cit.; SOUSA, Laura de Mello e. Os desclassificados do ouro: a
pobreza mineira no século XVIII. Rio de Janeiro: Graal, 1982.
79 . Cf. SOUSA, A. C. de M. Dialética da malandragem (Caracterização das "Memórias de um sargento de milícias"), cit.

80 15
. "Governar a escravaria consistia em não apenas fiscalizar o trabalho da massa de
escravos, ou em escolher com acerto os feitores e saber evitar-lhes as exagerações, mas sobretudo em
criar as condições para que as relações de poder inscritas na ordem escravista fossem vivenciadas e
interiorizadas por cada um dos agentes, dominadores e dominados." MATOS, I. R. de. op. cit.,
p. 119.
31
Os Brancos da Lei

O gerenciamento da casa dava poderes quase ilimitados ao senhor,


que detinha o monopólio da violência física dentro de seu domínio. O
exercício do poder público era como uma extensão do privado: sua
diferença não era de ordem qualitativa. De acordo com o mesmo autor,
governar o Estado consistia não apenas em regulamentar a ação dos
dirigentes da "casa", mas principalmente em garantir-lhes a continuidade
de seus monopólios: "Governar o Estado era, no fundo e no essencial,
elevar cada um dos governantes da casa à concepção da vida estatal."81

Noção análoga filia-se à tradição aristotélica da origem do Estado,


baseada na reconstrução histórica das etapas que a humanidade teria
experimentado desde as formas políticas mais primitivas às mais
evoluídas. As fases fundamentais são a família e a aldeia82. Semelhante
concepção paternalista, que vigorou até Hobbes, tem na família a origem
do Estado, este apenas uma forma quantitativamente ampliada daquela.

Hobbes inaugura uma ruptura no pensamento político ocidental. Seu


ponto de partida para a explicação racional abstrata (e não mais histórica
como a de Aristóteles) encontra-se no estado de natureza, no qual a
ausência de organização política configuraria o caos da luta de todos
contra todos83. A diferença fundamental entre os dois modelos, de acordo
com Norberto Bobbio, está na relação entre indivíduo e sociedade. No
aristotélico, vem no princípio a família, que será o núcleo de todas as
formas socias posteriores. Em Hobbes, é o indivíduo que está no
começo de tudo.

81 . Ibidem, p. 120.

82 . Cf. BOBBIO, Norberto, BOVERO, Michelangelo.


Sociedade e Estado na filosofia política contemporânea.
Trad. C. N. Coutinho. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 40-48.
83 . Cf. BOBBIO, N.
A teoria das formas de governo. Trad. S. Bath. 5 ed. Brasília, UnB: 1988. p.
107-16. Sobre o estado de natureza, diz o autor: "... a razão pela qual os indivíduos deixam o
estado de natureza para ingressar na esfera do Estado é que o primeiro, não regulado por leis
impostas por um poder comum, se resolve numa situação de conflito permanente (o famoso bellum
omnium contra omnes)."
32
Os Brancos da Lei

No primeiro caso - o estado pré-político por excelência - a sociedade


é compreendida no sentido amplo da organização da casa, do oîkos. Por
casa deve compreender-se tanto a sociedade doméstica quanto a
senhorial: "... é um estado no qual as relações fundamentais são relações
entre superior e inferior e, portanto, são relações de desigualdade, como é
o caso, precisamente das relações entre pais e filhos e senhor e
escravos".84

O modelo hobbesiano rompe com esse padrão paternalista,


estabelecendo o modo de ser pré-político - o estado de natureza - como
um agregado de indivíduos isolados, de liberdade e igualdade ou de
independência recíproca, pressuposto para a hipótese contratualista - base
do liberalismo burguês 85 . Não é por mero acaso ser esse modelo
jusnaturalista o reflexo teórico e, ao mesmo tempo, o projeto político da
sociedade burguesa em formação. Nele, pela primeira vez, aparta-se a
esfera econômica como distinta da política, a privada da pública 86.

Ao contrapormos as análises de Mattos - sobre o caráter do Estado


imperial - às de Bobbio - sobre os modelos aristotélico (fundante do
Direito romano) e hobbesiano (fundante do jusnaturalismo de que se
apropria a burguesia) -, as evidências de uma concepção escravista de
mundo dão-se com grande transparência.

A partir da lógica jurídica dessa formação social altamente


hierarquizada, onde nem todos os ordenamentos jurídicos foram

84 . BOBBIO, N., BOVERO, M. op. cit., p. 44.

85 . "Através desta separação do indivíduo da sociedade e da natureza, separação essa intimamente relacionada com outras dualidades filosóficas,
tais como pensamento e ser, essência e aparência, (...), o conceito de indivíduo livre que o pensamento burguês opõe à Idade Média é concebido como uma firme
entidade metafísica. O indivíduo deverá ser abandonado a si próprio". HORKHEIMER, Max.
Autoridade e família; parte geral. Trad.
M. Sanches e T. R. Cadete. Lisboa: Apáginastantas, 1983. p. 72. Nesta obra se faz uma crítica
acurada da mistificação do "indivíduo livre" do pensamento burguês, mostrando como, quando da
transição para um regime de pastagens, os rendeiros foram afastados do campo, sendo libertados no
sentido negativo, já que aquilo não era exatamente sinônimo de possibilidade de escolha de local e
tipo de trabalho.
86 . Sobre o modelo jusnaturalista, o contrato social e a sociedade civil, comparados ao aristotélico, ver BOBBIO, N., BOVERO, M. op. cit., p.
13-102.

33
Os Brancos da Lei

reduzidos ao Direito estatal 87 , pode-se concluir que não se tratava de


uma jurisprudência e de uma sociedade burguesas. O caráter patriarcal,
tanto do Estado como da própria sociedade, fundada na desigualdade, é
decorrência da presença iniludível do cativeiro.

Ao universo mental que se elevava dessa realidade devia bastar a


segregação entre as ordens de homens livres e escravos. A sociedade e
mentalidade escravistas eram incompatíveis com o liberalismo, que
pleiteava uma horizontalidade entre indivíduos livres e iguais -
pressuposto para as relações contratuais de livre mercado.

À luz dessas observações é possível entender as concepções


escravistas a partir do Código Criminal e dos juízos emitidos por seus
comentadores. Cabe antes, porém, uma ligeira apresentação do referido
documento.

As penas previstas no Código Criminal são, das mais tenazes às mais


brandas, as de morte, galés, prisão com trabalho, prisão simples,
banimento, degredo, desterro, multas, perda e suspensão do emprego. A
pena capital, que será observada mais detidamente à frente, aplicava-se
em três casos: aos cabeças de insurreição escrava (artigos 113 e 114), aos
homicidas, cujo crime se efetuasse com situações agravantes (artigo 192),
e em caso de roubo com morte.

A pena de galés perpétuas aparece nos artigos 82 e 83 sobre pirataria,


como grau máximo, e no caso de insurreição, como grau médio - ambos
crimes públicos. Cumpriam-na igualmente os homicidas com ou sem
agravantes, nos graus médio e máximo respectivamente. Puniam-se com
galés temporárias os delitos previstos nos artigos 269 a 272, inseridos nos
crimes particulares contra a pessoa e a propriedade.

87 ."... A filosofia política do jusnaturalismo expressa uma teoria do poder que está nos antípodas do poder tradicional e que contém todos os
principais elementos da forma de poder que Weber chamou de legal-racional: laicização do Estado e subordinação do príncipe às leis naturais que são as leis da
razão; primado da lei sobre o costume (...); relações impessoais, ou seja, através das leis, entre príncipes e funcionários (...) e entre funcionários e súditos (...); e
finalmente uma concepção anti-paternalista do poder..." Ibidem, p. 94.

34
Os Brancos da Lei

Recorre o Código à prisão com trabalho em quase todos os atentados


contra a ordem pública, com exceção do Título V - dos crimes contra a
boa administração pública - cujas infrações, pelo seu próprio caráter, só
poderiam ser cometidas por cidadãos - já que apenas estes exerciam
funções públicas. As punições prescritas em seus 32 artigos são de prisão
simples por curto período - exceto crimes de falsidade e perjúrio, cujos
castigos são mais rigorosos - e suspensão temporária do emprego,
acompanhadas ou não por multa.

O banimento, que se resume à privação do direito de habitar o Brasil,


não se aplica em quaisquer dos artigos do Código Criminal88.

O degredo definido no artigo 51, que obrigava o réu a viver no lugar


destinado pela sentença durante o tempo por ela estabelecido, consta
apenas no artigo 141 - sobre exercício ilegítimo de autoridade militar -
nos graus médio e mínimo (oito e quatro anos, respectivamente). No grau
máximo, a punição passa a ser o desterro por 15 anos. Este último está no
artigo 52 do Código89. Prescrevem-no, além do referido, os artigos 219,
220, 221 e 224, sobre o crime de estupro.

Em um gráfico imaginário - em cujo eixo horizontal dispuséssemos


os crimes e no vertical as penas - ressaltar-se-iam as discrepâncias
escabrosas na aplicação diferenciada da lei segundo a qualidade do
delinqüente. As penas de prisão simples, degredo e multa praticamente só
atingem os funcionários públicos pelo mal cumprimento de seus deveres
e são geralmente leves.

88 . Sendo da competência do juiz de primeira culpa, conforme aviso de 15 de fevereiro de 1837 e decreto 533 de 3 de setembro de 1847. Cf.
PERDIGÃO, Carlos Frederico Marques.
Manual do Codigo Penal Brazileiro: estudos syntheticos e practicos. Rio
de Janeiro: Garnier, 1882. p. 266. Manteremos a grafia original dos textos da época, visando evitar
qualquer desvirtuamento semântico que uma transcodificação poderia acarretar.
89 . "A pena de desterro, quando outra declaração não houver, obrigará os réus a sahir dos termos dos lugares do delicto, da sua principal
residencia, e da principal residencia do offendido, e a não entrar em algum delles, durante o tempo marcado na sentença". Nas consultas ao Código Criminal,
utilizou-se a edição constante na
COLEÇÃO das leis e decisões do Imperio do Brazil. Rio de Janeiro: Tipografia
Nacional, 1876. p. 141-89.
35
Os Brancos da Lei

Aos escravos dirigem-se as punições mais rigorosas: morte, galés e


açoites. Quaisquer outras que se lhes prescrevessem judicialmente
deveriam ser comutadas para estas últimas 90 . Os apologistas da
modernidade do Código em relação à legislação que ele veio substituir
insistem na sua "humanidade", pela indistinção de suas penas e de como
deveriam ser aplicadas. As sevícias e mutilações ressaltavam à estampa
nas Ordenações Filipinas, cujas penas são realmente draconianas91.

O Código Criminal inaugurou, de fato, um período novo no direito


penal brasileiro, cumprindo, pelo menos em parte, o artigo 179, parágrafo
18, da Constituição, que estatuía que "... Organizar-se-á quanto antes um
código civil e criminal, fundado nas sólidas bases da justiça e
eqüidade"92, pois já "... não era mais admissível o carunchoso Livro V das

90 . Cf. Artigo 60: "Se o réo for escravo, e incorrer em pena, que não seja a capital, ou de galés, será condemnado na de açoites, e, depois de os
soffrer, será entregue a seu senhor, que o obrigará a trazel-o com um ferro, pelo tempo, e maneira, que o juiz determinar. O número de açoites será fixado na
sentença; e o escravo não poderá levar por dia mais de cincoenta". Ver também aviso de 9 de setembro de 1850, cf. PERDIGÃO, C. F. M. op. cit., p. 243.

91 . "1. multas;

2. confisco, como pena principal, ou acessória;


3. queimaduras com tenazes ardentes;
4. mutilação;
5. açoites, com baraço;
6. degredo para África, Brasil, Castro Mirim e para fora da vila ou bispado;
7. degredo para galés;
8. morte natural cruelmente, isto é, com todo o cortejo das antigas execuções, o
que dependia da ferocidade do executor, e capricho dos juizos, que nestes ou noutros casos tinham
arbítrio;
9. morte natural no fogo, isto é, a queimadura do réu vivo, mas por costume e
prática antiga primeiramente se dava garrote aos réus, antes de serem lançados às chamas;
10. morte natural, isto é, o condenado expiava o crime, sendo enforcado no
pelourinho, seu cadaver era levado pela confraria de misericórdia, e no seu cemitério sepultado;
11. morte natural para sempre, isto é, o padecente ia à forca da cidade, onde
morria, e ficava pendente até cair podre sobre o solo do patíbulo, insepulto, despindo-se seus ossos da
carne, que os vestia (...).
Além dessas penas, ainda havia duas outras muito originais, como sejam a capela de
chifres, que era colocada na cabeça dos maridos condescendentes e a polaina ou enxavaria vermelha
aplicada às alcoviteiras". RIBEIRO, C. J. de Assis. As Ordenações Filipinas In: ________. História
do direito penal brasileiro, cit., p. 139-41.
92 . Cf. escrevia em 1850 o Marquês de São Vicente. Ver BUENO, José Antônio Pimenta.
Direito público brasileiro e análise
da Constituição do Império. Brasília: UnB, 1978. p. 506.
36
Os Brancos da Lei

Ordenações Philiphinas, coberto (na phrase de um distincto parlamentar)


de ferrugem ghotica"93, conforme se pode apreender do "Apêndice" deste
trabalho. Percebe-se que as mutilações e castigos corporais das
Ordenações são todos suprimidos - à uma cara exceção: o açoite,
destinado exclusivamente aos escravos.

As Annotações theoricas e practicas ao Código Criminal, do


renomado jurista Thomas Alves Jr.94 - cujo primeiro tomo (sobre a parte
doutrinal) se publicou em 1864 e o segundo (sobre o estabelecimento dos
crimes e das penas) em 1870 -, são um ótimo índice de como a exceção
aberta ao emprego dos açoites no elemento servil é natural para o
pensamento escravista. O criminalista condena a pena pelo seu caráter
aviltante e inútil, que fere a moral do homem. Mas abre um precedente:
Felizmente o nosso codigo estabellecendo este castigo
infamante fez delle só applicação ao escravo.(...) Felizmente o
nosso legislador creou uma pena excepcional para um ente
que a sociedade quer que seja excepcional. O açoite existe
porque existe a escravidão.95
A maioria dos autores ataca a escravidão, mas justifica o açoite em
função dela. Essa atitude é recorrente na produção jurídica que discorre

93 .
CCIB; annotado com todas as leis, decretos e avisos ... até 1878 por B. P. Rio de
Janeiro: J. G. de Azevedo, 1879. p. I; ver também PEREIRA, Virgílio de Sá. op. cit., p. 149-85. No
mesmo tomo ver ainda GUSMÃO, H. C. da S. op. cit., p. 417 e ss: "... a crueza de suas penas
chegava a ponto de infligir a morte natural (este qualificativo é do aludido Livro V) a simples
infracções policiaes; a pena passava da pessoa do delinqüente /a seus descendentes/ desaparecendo,
assim, a personalidade da responsabilidade criminal; confundia o crime com o pecado, e o vício, o
que importava a confusão do Direito com a religião e a moral; a individuação da pena era
desconhecida, porque o juiz fazia sua aplicação segundo a graveza do caso e a qualidade das
pessoas..."
94 . BLAKE, Augusto Vitorino Alves Sacramento.
Diccionario biographico brazileiro. Rio de Janeiro:
Tipografia Nacional, 1883. 8 v. e SILVA, Inocêncio Francisco da. Diccionario biographico
portuguez. Lisboa: Imprensa Nacional, 1870. 22 v. fornecem dados biográficos sobre a maioria
absoluta dos comentadores do Código Criminal.
95 . ALVES Jr., Tomás.
Annotações theoricas e practicas ao Código Criminal pelo... Rio de Janeiro:
Francisco Luís Pinto, 1864. t. I, p. 119-21.
37
Os Brancos da Lei

sobre o diploma penal no século passado 96 . Já em 1831, o português


naturalizado brasileiro Anastácio Falcão esforçava-se por se recobrir com
o manto humanista do pensamento ilustrado. A barreira do elemento
negro, porém, comprometia suas intenções. Discorrendo sobre a pena de
galés97, julgava-a horrível e ignominiosa e sustentava que
Em hum Paiz livre, e Constitucional se he indispensavel
que hajão escravos para o serviço (o que se nega) parece que
esta pena deveria somente applicar-se aos escravos, e não aos
homens livres...98
Para o jurista, tal pena seria equivalente à de morte, mesmo se
aplicada por dez anos, já que "... na realidade vinte annos de galés he um
século de tormentos". Reforçava-se assim a ideologia do precedente, que
a legislação devia abrir em função do cativeiro. Ainda sobre as penas que
só haviam de sofrer os escravos - a de açoites -, o emérito jurista
pernambucano Manuel Mendes da Cunha Azevedo repugnou
veementemente as atrocidades que reconhecia vigorar na sociedade, em
relação aos maus tratos incalculáveis sofridos pelos escravos, à mercê
desses "lobos forrados de pele humana, que se chamão seus senhores":
Se as leis só permittem hum castigo moderado, os tigres,
debaixo de cujo dominio elles vivem, os submettem não a
castigos (porque tal nome não merece uma violência), porém
aos tratamentos mais rudes, e atrozes, que póde erigir em
castigo a phantasia de um scelerato99.

96 . Por exemplo: Bezerra Montenegro considera perfeita para os escravos a pena de açoites. As galés seriam uma alforria antecipada. Igualmente
a pena de morte, pois os escravos africanos "...acreditam na metempsycose ou transmigração das almas, e frequentemente se suicidam". MONTENEGRO, Manuel
Januário Bezerra.
Lições academicas sobre os artigos do Codigo Criminal. Recife: Tipografia Universal,
1860. p. 419 e ss.
97 ."Art. 44: A pena de galés sujeitará os réus a andarem com calceta no pé, e corrente de ferro, juntos ou separados, e a empregarem-se nos
trabalhos publicos da provincia, onde tiver sido comettido o delicto, á disposição do governo".

98 . FALCÃO, A.
CCIB; annaliysado por..., cit., p. 26.
99 . AZEVEDO, Manuel Mendes da Cunha.
Codigo penal do Imperio do Brazil, com observações sobre
alguns de seus artigos. Recife: Meira Henriques, 1851. p. 187-9.
38
Os Brancos da Lei

Sob o voraz ataque ao descumprimento da lei, no exercício privado


da aplicação de castigos sobre os escravos, mal consegue camuflar-se o
sentido de que a moderada "boa aplicação" dos açoites é legítima.

Ainda que fragmentariamente, os valores escravistas vão se dando à


luz. De todos os autores que coligimos, é forçoso reconhecer que Tomás
Alves Jr. pode ser tomado como um ideal-tipo da mentalidade escravista.
Presta-se este, melhor que qualquer outro jurista, à apreciação sobre a
divisão social ampla - e axiológica, naturalmente - entre cidadãos e
não-cidadãos, sustentada na e pela ideologia da exceção (ou do
precedente) que o escravo fez abrir na legislação. Apreciando
exatamente o famigerado artigo 60, defende o autor que:
As circunstancias especiais do pais levarão o legislador a
consignar no seu codigo penal a pena de açoites, que jamais
se deverá escrever em um codigo de nação culta que tem foros
de nação civilizada (...). Estudando as circunstancias do
infeliz escravo, conclue-se facilmente que nenhuma pena das
estabelecidas no Codigo poderá satisfazer a correção de
seus delictos(...). A condição, pois, do escravo legitima a pena
de açoites, de que falla o presente artigo.100
Aqui torna-se essencial argüir sobre o fundamento da difundida
ideologia do precedente. Refletindo acerca da prisão com trabalho, o
mesmo jurista não concorre por escamotear sua posição ante à escravidão.
Sua lógica é mordaz: se a prisão com trabalho se constitui numa melhoria
do padrão de vida do escravo, mantê-la só os incitaria ao crime. O caráter
escravista desse pensamento se esboça na íntegra quando o autor
principia a avaliar a pena de galés - para o que supõe necessário
abstraí-la da escravidão, "facto que desgraçadamente existe entre nós".
Assim, passa a avaliar a pena como se aquela não existisse, "... como se
não houvesse essa barreira de bronze, que separa os homens em senhores
e escravos"101. Haveria quem julgasse as galés uma horrorosa imoralidade,
mas necessária posto que intimidativa e exemplar - menos para os
escravos, acostumados à privações e trabalhos duros, "... para quem ella

100 . ALVES Jr., T. op. cit., t. 1, p. 621-2.

101 . Ibidem, p. 514.

39
Os Brancos da Lei

é uma carta de alforria, um meio de livrarem do azorrague, que é


substituido por guardas, que os deixam negociar, beber etc".102

Muitos autores utilizam-se do ardil de subtrair a existência da


escravidão da realidade brasileira para dar coerência às doutrinas liberais
que pretendem defender. Isso se verifica mesmo naqueles que
reconhecidamente são imbuídos dos princípios do liberalismo
burguês103. Por exemplo, em Francisco Luís, que produziu um extenso
comentário ao Código com manifesta terminologia liberal e
anti-escravista, aponta aquele lastro da excepcionalidade da escravidão104.

102 . MONTENEGRO, M. J. B.
Lições acadêmicas sobre os artigos do Código Criminal, cit., p. 364.
103 . Muitos autores, desde Sílvio Romero ("Explicações indispensáveis". In:
MENEZES, Tobias Barreto de. Vários
escritos. Rio de Janeiro: Laemmert, 1900. p. XVIII), passando por Antônio Cândido (O método
crítico de Sílvio Romero) até João Cruz Costa (Contribuição à história das idéias no Brasil, p. 112 e
ss), são unânimes quanto ao "bando de idéias novas" decorrentes da fermentação causada pelo
boom econômico de meados do século XIX. Embora esse fato seja inegável, desejamos apenas
chamar a atenção para um aspecto da passagem da mentalidade escravista, tacanha e atrasada, para
outra superior e modernizante, que a historiografia apresenta. Alfredo Bosi, por exemplo, identifica
uma viragem de mentalidade no Brasil por ocasião da crise de 1868 - a revolta dos liberais ao gesto
abrupto de Pedro II, quando demitiu o gabinete de Zacarias de Góis, majoritário no Parlamento - o
que desaguaria na lei do Ventre Livre. Seria, assim analisada, "uma crise de passagem do regresso
agromercantil, emperrado e escravista, para um reformismo arejado e confiante no valor do trabalho
livre". BOSI, A. A escravidão entre dois liberalismos. Estudos Avançados, São Paulo, v. 2, n. 3, p.
4-39, 1988. Vigorosa oposição liberal, esse momento é de fato um marco da afirmação de uma
classe e de um pensamento burgueses no cenário político. Mas como liberal autêntico pode ser
apontado já em 1824 José Bonifácio, o Patriarca, como se apura de sua Representação á Assemblea
Geral Constituinte e legislativo do Imperio do Brazil, sobre a escravatura. Rio de Janeiro: J. E. S.
Cabral, 1840. O fato de uma mentalidade burguesa manifestar-se em alguns baluartes da história
imperial não significa, todavia, que tenha sido dominante. E é de se questionar mesmo, como
suscitam nossas fontes jurídicas, se é um pensamento liberal-burguês que predomina depois da
inflexão apontada por Bosi, e se é ela que promove, igualmente, todo o leque de transformações do
período que medeia entre o Ventre Livre e a República.
A princípio as fontes jurídicas que compulsamos o negam. Somos tentados a crer que a
mentalidade escravista perdurou como dominante mesmo depois de abolida a escravidão e
proclamada a República. E que, persistindo, só foi sobrepujada por outra quando as transformações
nas relações sociais empreendidas pela própria classe dominante - referendamos a hipótese de que a
substituição do trabalho escravo pelo livre seguiu a chamada "via prussiana" - geraram a mudança
estrutural da própria classe e de sua visão de mundo. Esta conjetura, que tomamos como pressuposto,
fica à mercê de novas pesquisas.
104 . "A pena de açoites barbara, infamante e perturbadora das mais vulgares noções de humanidade, civilização e moralidade, é uma mancha negra
que se encontra em nosso código, resultado sem duvida da escravidão, que infelizmente ainda existe entre nós...". LUÍS, Francisco.
CCIB; theorica e
practicamente annotado. Maceió: T. de Menezes, 1885. p. 183.
40
Os Brancos da Lei

A presença do escravo criou outras "adaptações" na legislação. Se


era praxe os especialistas em Direito ostentarem um discurso liberal,
ainda que na maioria das vezes retórico mesmo para os contemporâneos,
a convivência com o cativeiro o matizava. O desprezo pelo trabalho105 -
"coisa de negro" -, a prática do clientelismo e do favor peculiares à
casa-grande, com sua jurisdição autônoma cujo soberano era o senhor,
geravam uma série de outras hierarquias que se sobrepunham e que
configuravam a visão de mundo escravista.

Em sua parte substantiva o Código define no artigo 14 os crimes


justificáveis, ou seja, aqueles para os quais não deveria ter lugar a
punição. Tal procedimento se daria, conforme reza seu parágrafo 6o.,
Quando o mal consistir no castigo moderado, que os paes
derem a seus filhos, os senhores a seus escravos, e os mestres
a seus discipulos; ou deste castigo resultar, huma vez que a
qualidade delle, não seja contraria ás Leis em vigor.
A presença de semelhante doutrina no corpo das leis penais do
Império é reveladora do caráter patriarcal de que se revestia a sociedade
escravista: justificava-se o crime quando cometido por superior legítimo
contra seu dependente (filho, escravo ou discípulo). A figura do escravo
obrigava os senhores outorgarem-se o direito do exercício privado da
justiça e da violência com o fim da correção106.

Se o cativo - elemento desprovido de vontade - era propriedade e não


respondia, a princípio, pelos seus atos, seria por isso comparável ao filho
menor ou discípulo. Todos deviam obediência ao senhor - tutor e

105 . "... E, por cujo facto /a escravidão/, nós confiados no braço escravo adquirimos habitos afidalgados e inteiramente adversos ao trabalho, o que
muito tem concorrido para não estarmos mais adiantados." VIDAL, Luís Maria.
Indice alphabetico ou repertorio geral da
legislação servil. Rio de Janeiro: Laemmert, 1876. p. XXXVI.
106 . Sobre o parágrafo 6o
. assim se expressa o jurista Manuel Januário Bezerra Montenegro:
"Razoavel por sem duvida é a doutrina deste parágrafo, pois que tende á conservação da
tranqüilidade domestica: o mal que resulta do castigo inflingido pelo pae ao filho, pelo senhor ao
escravo, pelo mestre ao discipulo se redunda em beneficio dos que o soffrem = é empregado para
fazel-os entrar no circulo de sua obrigações". (ênfase acrescentada). MONTENEGRO, M. J. B. de.
Lições academicas sobre os artigos do Codigo Criminal, cit., p. 181.
41
Os Brancos da Lei

protetor. Caberia difundir na sociedade o respeito à hierarquia, que a


própria legislação legitimava.

Tomás Alves Jr., em 1864, dá a perceber claramente a concepção de


Estado como núcleo familiar ampliado - que sanciona a coerção privada
e destaca o respeito pelas hierarquias -, ao comentar o aludido
parágrafo:
O exercicio do poder legitimo arrastra (sic) á
necessidade de fazer mal para reprimir o mal. O poder
legitimo divide-se em politico e domestico. O magistrado, ou
pai, ou aquelle que o representa, não podiam fazer respeitar
sua autoridade, um no Estado, outro na familia, se não
estivessem armados de meios coercitivos contra a
desobediencia. O mal que elles inflingem tem o nome de pena
ou castigo. Por estas vias de facto só procurarão obter o bem
da grande como da pequena sociedade, e não é preciso dizer
que o exercicio de sua autoridade legitima, é um meio
completo de justificação, pois que ninguem quereria ser pai se
não tivesse toda a segurança no emprego de seu poder.(...)
Não se pode, pois, duvidar, do Direito que existe no pai, no
senhor e no mestre de castigar o filho, o escravo e o discipulo.
(ênfase acrescentada).107
A diferença entre Estado e família é apenas quantitativa, ou seja,
somente uma questão de dimensões diferentes de uma mesma forma. Um
no Estado, outro na família, magistrado e pai devem fazer respeitar sua
autoridade, por meios coercitivos se necessário. Semelhante maneira de
ordenar a sociedade - leia-se: disciplinar as hierarquias -, tanto a pequena
como a grande, é um "meio completo" e incontestável de justificação do
direito à "correção" dos inferiores.

Manuel Mendes da Cunha Azevedo informa que essa doutrina foi


buscada no Direito romano:
O Jus vitae, et necis era a faculdade que tinha o pae,
como juiz domestico dos delictos commettidos pelos filhos, de

107 . ALVES Jr., T. op. cit., t. 1, p. 284 e ss.

42
Os Brancos da Lei

impor-lhes sem ser necessario recorrer aos Juizos Publicos a


pena merecida, e até a capital, quando della se fizessem
dignos, visto que ninguem melhor, do que os paes, podia
escrupulosamente exercitar este direito.108
O jurista parece não contestar a legitimidade da fórmula romana, como
demonstram suas observações sobre o assunto: "... ao amor paterno, á
prudencia dos mestres se deve abandonar o cuidado de não exceder o
castigo moderado, e nunca dele fazer materia de lei."109.

Na concessão aos superiores do uso privado da violência, deve-se


observar não apenas a homologia estrutural entre o ser e o dever ser na
sociedade escravista, mas igualmente o papel de relevo que assume a
obediência como valor universal. E não poderia ser de outro modo,
conforme registra Antônio Luís Ferreira Tinoco, ainda em 1886: "A
obediência, que mantem os laços da ordem e da subordinação dos
superiores e inferiores entre si, é uma necessidade, uma condição da vida
social".110

A obediência passiva é inerente ao escravismo e a classe dominante


empenhava-se por difundi-la - tanto que a implementou em seu mais
importante diploma criminal. Isso reflete sua própria concepção
hierárquica piramidal, cuja base era formada por seres inferiores e
dependentes (filhos de pais, escravos de senhores, cidadãos de
governantes), encimada pelo detentor supremo do poder, que nessa
sociedade assumia a forma do pater familias. Não deve ser outra a
origem da reverência que então se devotava às hierarquias. O respeito ao
mestre, superior, tutor ou a qualquer que esteja "em condição de pai",
maior que apenas o respeito à idade, é um mecanismo de manter a

108 . AZEVEDO, M. M. da C. op. cit., p. 184 e ss. Sobre o


jus vitae et necis, ver a definição de
GUTIÉRREZ-ALVIS Y ARMARIO, Faustino. Diccionario de Derecho romano. 2 ed. Madrid: Reus,
1976. p. 342: "Direito de vida e morte; correspondente ao pater-familias sobre todas as pessoas
submetidas ao seu poder desde o direito das XII Tábuas, podendo exercitá-lo livremente ouvindo o
parecer do concilium propinquorum. Cita-se como direito vigente à época de Constantino, embora
tenha desaparecido com respeito à mulher casada e seus descendentes. Requeria-se um motivo ou
causa legítima para sacrificar um escravo durante o Império. Foi abolido por Valentiniano."
109 . AZEVEDO, M. M. da C. op. cit., p. 184 e ss.

110 . TINOCO, A. L. Ferreira.


CCIB; annotado. Rio de Janeiro: Imprensa Industrial, 1886. p. 184 e ss.
43
Os Brancos da Lei

necessária subordinação, "... que é condição essencial da harmonia nas


relações da familia e do magisterio"111.

Essa constelação de valores tão bem definida pela pena dos juristas -
que fazem da busca de difinições seu próprio métier - não deve dar vezo a
que o patriarcalismo derivado das relações de produção escravistas,
enquanto elemento ideológico, fosse fundante da sociedade,
constituindo o que Maria Sílvia de C. Franco chamaria de seu "princípio
unificador". Antes, decorria, em última instância, das relações que
travavam e definiam senhores escravistas e escravos rurais na plantation
- conceito com que se designa a unidade produtiva rural sob o escravismo
moderno. Desta é que se espraiava para outros níveis, como as relações
que envolviam senhores e escravos urbanos, artesãos e domésticos ou
homens livres entre si, ganhando novos matizes - mas preservando seu
caráter rigidamente estratificado, assentado no dever de obediência dos
inferiores e dependentes e no direito de mando dos superiores.

É interessante notar como a obediência passiva, transpondo os limites


da relação fundamental, penetra no universo dos brancos livres,
impregnado também pelos mesmos princípios de subordinação. O Título
V - dos crimes contra a boa ordem e administração pública -, seção V -
excesso ou abuso de autoridade ou influência proveniente do emprego -,
estatui crime (artigo 142) expedir ordem ou fazer requisição ilegal.
As penas são de perda do emprego no grau máximo, suspensão por três
anos no médio e por um no mínimo.

Acresce que executar a dita ordem ou requisição contravencional


seria considerado obrar como se tal ordem não existisse. O contraventor
seria punido por excesso de poder ou jurisdição em que incorresse. Vale
dizer, o Código não dava importância à distinção entre mandatário e

111 . MONTENEGRO, M. J. B.
Lições academicas..., cit., p. 33 e ss. Ver também a posição de Tomás
Alvez Jr., ao comentar a situação agravante de penalidade prescrita no parágrafo 5o. do artigo 16: "É
reconhecimento de um principio natural: o respeito á velhice. O respeito é devido á velhice, ou
porque encerra os conhecimentos da experiencia, ou porque pela sua propria fraqueza exige proteção.
E na verdade aquelle que falta a estes deveres, quando offende a um velho, revela maior somma de
perversidade". ALVES Jr., T. op. cit., p. 318.
44
Os Brancos da Lei

mandante do crime de abuso de poder, castigando, embora


diferenciadamente, a um e outro. Contra tal doutrina voltava-se Tomás
Alves Jr., para quem, se mandatário e mandante tivessem igualdade de
atribuições, seria justo o artigo. Mas se a ordem se desse entre pessoas de
graus hierárquicos diferentes, ponderava o jurista:
Se dermos ao inferior o direito de entrar na analyse da
illegalidade da ordem, ser juiz dessa illegalidade, e
desobedecer não cumprindo-a, respeitamos os foros da
intelligencia humana abstractamente considerada, mas
sacrificamos os principios da ordem, condição vital da
sociedade, a que essa intelligencia, por mais superior que
seja, deve curvar-se: se mandarmos que cegamente obedeça o
tornamos automato ou instrumento material do crime, e
como exigir a responsabilidade?(...) Daqui se vê que o
principio do Codigo considerando criminoso o executor da
ordem sem mais reflexões ou limite não pode ser aceito.112
No quadro de valores escravistas a noção de ordem impera sobre a de
justiça. Embora uma inteligência privilegiada possa discernir entre uma
ordem legal e outra ilegal, não deve ser juíza delas e sim obedecer a elas
passivamente. Essa postura é assumida mesmo por aquele jurista que
mais se aparta de uma cosmologia escravista e aproxima-se da concepção
de um liberal burguês. Francisco Luís, apreciando o artigo 149 (da
mesma seção que vimos analisando) - que condena um superior por
constituir-se devedor de seu subordinado, tomá-lo como seu fiador ou
para com ele contrair algum tipo de obrigação pecuniária - acha que da
honra, da moral e da dignidade deve imbuir-se o empregado público,
sobretudo o magistrado - valores que, uma vez perdidos, tornam-se
dificilmente recuperáveis:
Desde que um superior se constitue em obrigação para
com seu inferior, para com seu subalterno, desapparece da
parte do superior a sua força moral, essa independencia e
liberdade de ação, que deve ter sobre seu inferior; e ao

112 . ALVES Jr., T. op. cit.


, t. 2, p, 523.
45
Os Brancos da Lei

mesmo tempo desaparece do inferior a obediencia e o respeito


que deve ter e guardar ao seu seu superior.113
A obediência, pudemos notar, é um valor profundamente arraigado
na mentalidade escravista - decorrência do modo patriarcal que a direção
da casa e do Estado assumem. Guardados estes parâmetros, resta menos
difícil interrogar nossas fontes jurídicas acerca do lugar da família, da
mulher e do menor.

Lançamos mão do modelo aristotélico sobre a origem do Estado, que


tem na unidade doméstica sua explicação genética, para tentar
compreender a relevância que ganham autoridade e obediência no
ideário escravista. A deferência para com semelhantes valores é um
reforço substantivo do exercício do poder de mando concentrado na
figura do senhor (do fazendeiro que administra a casa ou do dirigente do
Estado), tal como via Aristóteles - análogo ao pátrio poder, que se define
pela tendência a dissimular o excesso de autoridade sob a forma de
proteção.

A família era o núcleo tanto da "grande como da pequena sociedade".


Uma vez ameaçada, o próprio Estado corria perigo. Por isso a figura do
pai devia ser religiosamente preservada. Uma das críticas que Manuel
Mendes da Cunha Azevedo faz ao Código Criminal diz respeito à
generalidade do artigo 5, sobre cumplicidade, o qual atribui penas ao
cúmplice à revelia da gravidade do delito. Para ilustrar seu ponto de vista,
usa o exemplo do cúmplice de parricídio, que
... he debaixo de todas as relações moraes maes perigoso
á sociedade, do que o author de um homicidio: aquelle, que
aconselha, e anima com discursos, e socorros a resolução de
um filho para matar o author de seus dias he
incomparavelmente mais perverso, do que se fosse para
homicidar um estranho.114

113 . LUÍS, Francisco. op. cit., p. 279. Outro exemplo de deferência à autoridade na organização do corpo social encontra-se em PESSOA, V. A. de
P. op. cit., p. 257.

114 . AZEVEDO, M. M. da C. op. cit. p. 35.

46
Os Brancos da Lei

É na família que se produzem e reproduzem as hierarquias e a noção


de obediência; é o núcleo onde se ensinam os fundamentos do viver em
sociedade: a educação é um meio de disciplinar, de estabelecer uma
ordem - no caso, a ordem da desigualdade 115 . Em Carlos Frederico
Marques Perdigão observa-se a recorrência de um tal juízo. Ao analisar o
artigo 13 - que prescreve casa de correção aos criminosos menores de 14
anos que obram com discernimento - o autor deixa transparecer sua faceta
"disciplinadora", preocupada com a ordem: acha que os pequenos
abandonados à vida marginal não podem ser presos. Indica para eles um
tipo especial de adoção, que não seria mais uma pena, mas que visaria
suprir a educação doméstica e a casa de correção116.

A família era o átomo da conservação e sua estrutura precisava ser


preservada a qualquer preço. Para os segmentos dominantes, pelo menos,
devia constituir-se de acordo com as normas da Igreja, já que não se
praticava ainda o casamento civil. O desrespeito a essa regra, em razão
das conseqüências funestas que acarretava, sofria por isso reprovação
absoluta117.

Os agentes corrosivos do matrimônio, dos quais se destaca


primeiramente o adultério - previsto no diploma penal nos artigos 250 a
253 -, são matéria de reflexão de todos os juristas. Os artigos
mencionados punem o adúltero e a adúltera igualmente e nenhum poderia
ser castigado em separado daquele com quem perpetrou o crime. A pena
era de prisão com trabalho por um a três anos. Francisco Luís assim
justifica tamanho rigor:

115 . Sobre a pena de morte para os escravos que cometessem ofensa física contra os senhores (lei de 10.06.1835), concorda em 1864 José Liberato

Indice alphabetico ao Codigo Criminal, p. 94: "Esta disposição é uma consequencia da


Barroso em seu

escravidão: o legislador a considerou necessaria para manter a obediencia e subordinação domestica,


e a disciplina dos estabellecimentos, em que o trabalho se faz por braços escravos. Em um paiz de
escravatura a legislação não póde deixar de conter disposições repugnantes á civilização christã".
116 . "Afim de attingir esse resultado, é preciso isolal-os dos adultos criminosos, velar nas relações entre elles,
dar-lhes, sob disciplina
severa, educação paternal; applical-os a trabalhos que respondam melhor, no futuro, ás suas
necessidades individuais e ás da ordem social; é-lhes preciso, enfim, patrocinio conservador dos
fructos da educação" (ênfase acrescentada). PERDIGÃO, C. F. M. op. cit., v. 1, p. 113.
117 . "O matrimonio contrahido clandestinamente, ou entre individuos, que não se mostrão habituados na forma das leis, ataca os Direitos do estado
civil e domestico, que toda sociedade deve garantir, como uma condição de sua existencia". BARROSO, José Liberato.
Indice alphabetico do
Codigo Criminal, cit., p. 27.
47
Os Brancos da Lei

Na observancia da fé e felicidade conjugal, na


conservação e moralidade da familia, na educação da prole,
repousa a sociedade; e tem por isso o maior interesse. (...)
Atacando-as e perturbando-as, não póde deixar de ser punido
o adulterio, que é por isso o mais grave dos crimes, o mais
funesto dos desvios, que podem ser practicados pelo marido
ou pela mulher.118
Se o criminalista iguala aqui homem e mulher que cometem tal crime,
deve-se atentar para o fato de que não sustenta a mesma opinião o tempo
inteiro - como se verá em seguida. Da mesma forma, tal doutrina não é
majoritária entre os pensadores e certamente não corresponde à realidade
das práticas sexuais da sociedade escravista. Não se privava o senhor, por
exemplo, de relações extraconjugais e o adultério com escravas fazia-se,
muitas vezes, a despeito da própria vontade destas119.

Ao discorrer sobre o crime de poligamia - artigo 249 -, Paula Pessoa


menciona a opinião de diversos autores quanto à moralidade da questão e
pondera que, uma vez que o esposo ofendido consentisse em perdoar o
ultraje, à sociedade não interessaria mais a punição, advertindo: "Mas o
crime de bigamia ataca a mesma sociedade, porque esta tem por base a
boa familia, que repousa sobre a unidade do casamento; e é um crime
social"120.

A vítima maior do crime de bigamia - que tem como pena de um a


seis anos de prisão com trabalho - não seria o cônjuge ofendido, mas a
própria sociedade. E interessa notar que esse autor, diferentemente do
último a que se fez alusão, constrói um argumento à base de outros
peritos e exemplos históricos de culturas antigas, para provar como o
crime de adultério sempre pesa e é mais reprovável quando perpetrado
pela mulher do que pelo homem.

118 . LUÍS, F.
op. cit., p. 461.
119 . Ver NEQUETE, Lenine. As relações entre senhor e escravo no século XIX: o caso da escrava Honorata.
Revista Brasileira de
Estudos Políticos, Belo Horizonte, v. 53, p. 223-48, 1981.
120 . PESSOA, V. A. de P. op. cit., p. 423.

48
Os Brancos da Lei

Talvez seja um anacronismo afirmar que essa era uma moralidade


machista. Mas não resta difícil sustentar que, numa cultura que tenha o
pater no seu topo, à mulher não caberia muito espaço e voz121. Ela era
tida como tão inferior quanto filhos e escravos. Não comparável a estes
porque estava fora do círculo dos que mandavam e obedeciam. Via-se a
mulher como um ser inferior porque mais frágil, carente de proteção122.
Tinha que viver, portanto, à sombra daquele que devia socorrê-la, e em
troca havia de saber honrá-lo.

Em suas observações ao artigo 43, que proíbe as execução de


mulheres "prenhes", Paula Pessoa apela à caridade e à justiça no sentido
de se reconhecer a inferioridade da mulher, para poupá-la da hedionda
idéia que constitui a simples prisão de uma gestante. Para o autor, as
penas deveriam ser aplicadas diferenciadamente em razão do sexo, já que
a mulher "vive tanto pelas leis do caração, com muita brandura de
carater":
E basta lembrar que, sendo a mulher reduzida a um
estado necessario de menoridade e incapacidade, como
collocal-a, a esse ser tão fraco, esse menor, sobre o mesmo
nivel do homem, seu senhor e seu mestre, sendo que a sua
debilidade relativa do corpo, de temperamento e intelligencia,
deveria ser em vista da severidade das leis pennaes uma causa
geral de attenuação... (ênfase acrescentada)123.
Daí procede a um longo tratado sobre como a mulher é o anjo da
guarda do lar doméstico, o motivo da felicidade e da lapidação da rudeza

121 . Não será demais lembrar que tais inferências partem da análise do ponto de vista "de cima", daqueles que criavam a norma. Todo um mundo
de resistência a essa norma, driblando-a, negando-a, existia latente e pulsante. A recuperação da ação desses "sujeitos informais" (mulheres, crianças, minorias
étnicas, sexuais, etc) vêm sendo perscrutada por toda uma historiografia mais recente, como, no caso da história da mulher, bem ilustram os trabalhos de Michelle
Perrot. A obra de DIAS, Maria Odila da Silva.
Cotidiano e poder em São Paulo. São Paulo: Brasiliense, 1983,
inaugurou esse importante veio de pesquisa e reflexão no Brasil.
122 . "Quem abusa da sua superioridade em sexo, forças e armas para opprimir o desarmado, o fraco, a mulher,
collocada pela propria
natureza sob proteção do homem, denota um caracter baixo e ignobil". (ênfase acrescentada) LUÍS,
Fancisco. op. cit., p. 57. ALVES Jr., T. op. cit, t. 2, p. 552, explicando a doutrina do artigo 150,
sobre o empregado público solicitar ou seduzir uma mulher, nota que o legislador quis reprimir um
abuso muito possível, "... defendendo assim a fraqueza natural da mulher, em que facil e
naturalmente se poderia exercer esse abuso". (ênfase acrescentada).
123 . PESSOA, V. A. de Paula. op. cit., p. 54.

49
Os Brancos da Lei

do homem - naturalmente mais bruto - e sua salvação, citando gregos e


latinos e apelando para que os espíritos superiores abolissem a pena de
morte, "... maxime em relação á mulher"124.

Se vimos acima Francisco Luís defender que o adultério é "... o


mais funesto dos desvios que podem ser practicados pelo homem e pela
mulher", chama a atenção a volubilidade com que retoma posteriormente
o assunto, lendo-lhe afirmar agora que:
Os desvios do homem casado não tem os perigos, nem
produzem os mesmos resultados que os da mulher casada;
como os d'esta não fazem penetrar a perturbação e a
discordia no lar domestico; não introduzem no seio da familia
filhos que lhe são estranhos. Acresce ainda que a mulher
adultera nunca pode ser boa mãi de familia; a sua falta
desgraça a todos - esposo e filhos. O adulterio do homem não
ateia a guerra senão entre duas mulheres; guerra terrivel,
mas rara vez mortifera.125
No império do pater todas as licenças lhe são dadas; à mulher, nada.
Assim no governo da casa, assim no Estado. Vimos anteriormente como
os legisladores do Brasil independente, imbuídos da tarefa de
estabelecerem as regras da nova nação, lograram definir os devidos
lugares dos grupos sociais, a partir dos critérios da liberdade e
propriedade. Mas a distinção que eles próprios estabeleceram entre
cidadãos ativos e cidadãos não-ativos, a partir unicamente da "metáfora
da renda" - do critério censitário - é omissa quanto a outro contigente da
população:
Se porém é condição necessaria para votar e ser votado a
qualidade de brasileiro, isto é, de cidadão, nem todos os
cidadãos brasileiros gozão deste direito, o qual se acha
sujeito a certas clausulas ou qualidades de cidadãos activos e
não activos: aquelles que podem votar e ser votados, e estes

124 . Ibidem, p. 115.

125 . LUÍS, Francisco. op. cit., p. 461.

50
Os Brancos da Lei

que não podem votar nem ser votados, e nesta classe se acham
comprehendidas as mulheres. 126.
A cidadania, além dos expedientes excludentes de classes sociais
inteiras, pertencia ao mundo masculino. Dele a mulher estava excluída
por estar em permanente estado de menoridade e incapaciade, como se lê
acima. Não participava do exercício do poder pela alegação de sua
condição inferior e, sublinhe-se, de sua menoridade em relação ao
homem127. A atribuição ao pater (senhor de escravos, pai ou mestre de
aprendizes) do uso privado da violência - o "castigo moderado" - repõe
mesmo o que está fora dessas relações verticais sob a vontade do senhor,
a quem cabia ofertar proteção em troca de obediência. Não parece
abusivo o argumento de que o fundamento coercitivo da relação senhor
versus escravo - que no campo do Direito incorpora a questão da
reificação total ou parcial do cativo 128 - se legitimava nas mentes
escravistas pelo caráter intransponível, insuperável do escravo como
menor, no sentido jurídico de "menor de idade" - o que o fazia
dependente da benévola tutela de seus senhores. Assim quanto aos filhos.
Assim quanto às mulheres.

Não pode causar surpresa, portanto, dadas as concepções escravistas


sobre a mulher e a família, que a honra fosse um valor tão nobre a se
preservar a qualquer custo. Ao ultraje do defloramento ou tentativa de,
vê-se Paula Pessoa endossar as palavras de Sêneca, segundo as quais à
ofendida
... a morte é preferível, sendo o pudor para a mulher tão
precioso como a vida, não se tratando de uma injúria de que
se possa obter mais tarde a reparação inteira diante da

126 . ALVES Jr., T. op. cit., t. 2, p. 241.

127 . Isso fez Tobias Barreto, em texto de 1884, indignar-se com a legislação que reconhece a maioridade civil da mulher apenas aos 21 anos e a
criminal aos 17: "A mulher que na opinião de todos os cavalleiros de um baile, ou todos os convivas de um banquete, inclusive legisladores e juristas (...), a
mulher que, na opinião de todos êstes, quando os sons de uma linda valsa convidam a dançar, ou o sabor dos licores desafia a
musa do brinde, é a
princesa dos salões e a estrêla que mais brilha nas grandes solemnidades, volta a ser no dia seguinte,
na opinião dos peritos, uma creança permanente, que não pode ter completa autonomia, que não deve
ser abandonada a si mesma!..." MENEZES, T. B. de. Menores e loucos em direito criminal: estudo
sobre o artigo 10 do Codigo Criminal. Rio de Janeiro: Organizações Simões, 1951. p. 57 e ss.
128 . Ver nota 9.

51
Os Brancos da Lei

justiça, porque é uma mancha que condena toda a vida da


vitima.129
Não é fortuito que o Código dispense aos crimes contra a honra
(estupro, rapto com fim libidinoso) dez artigos (219 a 228). Também é
coerente com a percepção escravista que o artigo 222 - ter cópula carnal
por meio de violência ou ameça com qualquer mulher honesta -
estabeleça pena de prisão com trabalho por três a 12 anos, além de dotar a
ofendida. Mas sendo esta uma prostituta - uma mulher que já perdeu a
honra -, o castigo para o mesmo crime reduz-se à prisão simples por um
mês a um ano. Ao pater cabia preservar a honra da mulher, que com sua
condição frágil e pouco discernimento estava sob tutela do senhor.

A menoridade está prevista no corpo do Código Criminal, no artigo


18, sobre circunstâncias atenuantes dos crimes, em seu parágrafo 10o -
que atenua as penas aos criminosos menores de 21 anos. Ao comentá-lo,
o mesmo Paula Pessoa acaba explicitando o elemento definidor do
menor. Segundo ele, a resolução criminosa tem dupla origem: o
conhecimento e a vontade. O primeiro não diminui a culpa, pois o
assassino menor "... obrou certamente com conhecimento de causa,
podendo sua consciencia apreciar toda a gravidade do crime, e é regra
geral, pelo menos". Mas quanto à vontade, a menoridade deve ser
considerada circunstância atenuante - e motivo para que não sejam
aplicadas as penas de morte e galés130.

O menor de idade é desprovido de iniciativa. Ou antes, como seus


atos são guiados pelas paixões e não pela razão, é legítimo expropiar a
esses seres inferiores a sua vontade e submetê-los à de outrem - o senhor,
o pater, em sentido genérico e figurado.

Vimos esquadrinhando na mentalidade escravista do século XIX


aspectos do mundo da ordem - trabalho e governo - submetido à tutela
patriarcal. Sob a vontade do pai ou governante, a casa e o Estado eram

129 . PESSOA, V. A. de P. op. cit., p. 54.

130 ."... Sendo o nosso Codigo nesta parte, como em tantas outras racional e philosophico, por isso que as paixões vivas da mocidade não permittem
ao mal-feitor a força de vontade e firmeza de resolução, com reflexão e calma e sangue frio, que são indispensaveis para os castigos mais severos, como a morte e
gales." Ibidem, p. 87.

52
Os Brancos da Lei

dirigidos com respeito rígido à obediência. Só tendo como ponto de


referência esse mundo de ordem torna-se intelígel a virulência da
legislação para com seu oposto, o mundo da desordem.

Assim, são considerados delitos


... não tomar qualquer pessoa uma ocupação honesta, e
util, de que possa subsistir, depois de advertido pelo Juiz de
Paz, não tendo renda suficiente.
Ou simplesmente "andar mendigando" (artigos 295 e 296,
respectivamente). Penas de prisão com trabalho de oito a 24 dias,
simplesmente por ser vadio, e de prisão simples ou com trabalho,
"segundo o estado das forças do mendigo", de oito dias a um mês, por
estar mendigando.

Anastácio Falcão comunga com a opinião do Código - e considera os


mendigos e vadios "cancros, roedores que dilacerão a sociedade", alvos
de severa punição porque "não saem d'estas duas classes degradantes
por vicio" e por costume insistem em volver a elas:
... e digo mais, que se eu legislasse, e admitisse a pena de
morte, talvez não hesitasse em votar que sofressem a pena de
morte, todos aquelles que positiva e maliciosamente
reincidissem em semelhantes crimes131.
O mendigo se lhes afigurava um ente incorrigível, que deveria ser
segregado da boa sociedade. Paula Pessoa via na mendicidade uma chaga
social: "é o parasitismo no estado chronico; é a exploração regular da
caridade pela hippocresia; é uma escola de deppravação", uma vez que o
indivíduo que não exercesse por hábito uma profissão seria forçosamente
predisposto ao crime. "É já um mao começado e um malfeitor futuro".
Proclamava o autor impiedosa crítica ao fato de a lei brasileira ser letra
morta sobre a matéria. Admitia sim o socorro à miséria social, mas sem
contudo permitir que o câncer da vagabundagem - "... que é o desespero
das nações que tem o estimulo das artes, industria e agricultura" - se
propagasse. É esclarecedor observar o remédio que se prescreve a essa

131 . FALCÃO, A. op. cit., p. 54.

53
Os Brancos da Lei

altura: "E, por ventura,uma boa Lei de locação de serviços não obviaria
um pouco o mal?"132

O "cancro da vagabundagem", que não era peculiar apenas à América


portuguesa 133 , deveria ser severamente punido e a todo custo evitado.
Talvez seja possível ligar-se a solução apontada de uma lei de locação de
serviços e a apologia do trabalho ao momento em que surgem as duas
proposições (1885) 134 . O que nos importa, contudo, é simplesmente
registrar a condenação total da vagabundagem e da mendicidade pelos
criminalistas imperiais - atitude guiada por sua constelação de valores.
Não é possivel permittir-se uma profissão, que consiste
em dispensar-se de todo trabalho util, admittirem-se em plena
civilização bandos de nomadas, vivendo na promiscuidade,
transmitindo o germen de todos os vicios physicos e moraes e
lançando no seio da sociedade pequenos e pobres seres
gerados nesse charco immundo, a podridão.135
Isso deriva de que o mundo da desordem, que provém do próprio
sistema escravista como um todo, está por definição fora da esfera de
poder do pater, gerente da casa e do Estado. Portanto, é a negação de
um mundo da ordem, da obediência passiva, sustentáculo do poder que a
classe dominante pugna por incutir na mentalidade de todos esses
mundos. Sua forma delineia-se, em última instância, lá onde se forjam as
relações sociais fundamentais entre, no plano das mentalidades, senhor
versus escravo e, no âmbito da produção, entre fazendeiros versus

132 . PESSOA, V. A. de P. op. cit., p. 478. Também ver LUÍS, Francisco. op. cit., p. 537: "Por uma boa lei de locação de serviços é preciso incutir
no seio da sociedade o amor ao trabalho que, além de ser a mais proveitosa das devoções e a mais util das penitencias, as que primeiro nos ensinou e impos o
Creador, é ao mesmo tempo a mais vantajosa das distracções."

133 . O mesmo fenômeno social já se acusava nos códigos das possessões espanholas dos tempos coloniais.
Ver, a respeito, GARCIA
GALLO, Concepción. Sobre el ordenamiento juridico de la esclavitud en las Indias espanholas.
Anuario de Historia del Derecho Español, [s.l.], v. 50, p. 1005-38, 1980, especificamente p. 1011 e
1018.
134 . Ver CASTRO, José Antônio de Azevedo.
Breves annotações á lei do elemento servil no. 2.040 de
Setembro de 1871. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1873; Idem, Considerações geraes sobre a lei de
20 de setembro de 1871 que altera algumas disposições da legislação judiciaria. Rio de Janeiro:
Tipografia do Apóstolo, 1872.
135 . LUÍS, F. op. cit., p. 538.

54
Os Brancos da Lei

escravos da plantation. Aí, no espaço doméstico, a desordem sucumbe


sob a autoridade do pater familias.

55
Os Brancos da Lei

56
Capítulo III*
AS FRONTEIRAS DA CASA-GRANDE

No Brasil do período colonial - e de todo o século XIX - afirmara-se a


preponderância da esfera privada sobre uma constituição política débil. Vários
fatores levaram a unidade doméstica a se consolidar como núcleo da organização
da vida social 136 . Nosso objetivo aqui é alinhavar as concepções da classe
dominante sobre essas noções, depois de uma primeira abordagem mais
conceitual sobre as mesmas - tão enraizadas na história do Direito que não raro
passam por categorias a priori do pensamento jurídico137.

Depois de Hegel vigora que o Direito por excelência é o privado -


estabelecido contratualmente entre pessoas em condições jurídicas iguais
-, tratando-se as de direito público mais de relações de poder - portanto,
de imposição de uma vontade soberana aos indivíduos isolados138.

136 * In: MALERBA, J.


Os brancos da Lei. Liberalismo escravidão e Mentalidade patriarcal no Império
do Brasil. Maringá: EDUEM, 1994.
. Em PINTO, Luís de Aguiar Costa. Lutas de famílias no Brasil: introdução ao seu
estudo. 2 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1980, encontram-se sugestões muito
pertinentes sobre como da divisão social do trabalho, da implantação dos sitemas de donatarias e
capitanias hereditárias e da herança do Direito romano resultou o re-aparecimento da ordem privada
como agência de sanção penal no Brasil, impondo que as frágeis instituições trazidas pelo europeu
para a América dessem lugar à recuperação de um sistema de sanções arcaico e semi-bárbaro.
137 . Por exemplo: RADBRUCH, Gustav.
Filosofia do Direito. Trad. L. C. de Moncada. 6 ed. Coimbra:
Américo Amado, 1979. p. 231-5. Cf. BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade, cit., p. 13 e ss.
MIAILLE, Michel. Uma introdução crítica ao Direito. Trad. Ana Prata. Lisboa: Moraes Editores,
1979. p. 147, posiciona-se contra a separação tradicional entre público e privado que os juristas
estabelecem, opondo indivíduo e sociedade. Tal maniqueísmo qualifica peremptoriamente o Direito:
o imperativo no direito público, o permissivo no privado.
138 . Ver BOBBIO, N. Direito privado e direito público em Hegel. In:
________. Estudos sobre Hegel. 2 ed. São
Paulo: Unesp, 1989. p. 111-42; PASUKANIS, E. op. cit., cit. p. 87; MOREIRA, Vital. Sobre o
Direito. In: PASUKANIS, E. op. cit., p. 263; BOBBIO, N. Estado, governo, sociedade, cit., p. 34-5.
GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. p. 10. Hans Kelsen assim sintetisa as
opiniões: "Segundo a concepção dominante /sobre a distinção entre direito público e privado/,
trata-se de uma repartição de relações jurídicas. Assim, o direito privado representa uma relação entre
sujeitos em posição de igualdade - sujeitos que tem juridicamente o mesmo valor - e o direito público
uma relação entre um sujeito supra-ordenado e um sujeito subordinado - entre dois sujeitos, portanto,
dos quais um tem em face do outro, um valor jurídico superior. A relação típica do direito público é a
que existe entre o Estado e o súdito. Também se costuma designar as relações de Direito privado
como relações jurídicas tout court, como relações `de Direito', no sentido próprio e estrito da palavra,
Os Brancos da Lei

A esse enunciado parece que não sabe contrapõem os juristas


brasileiros do século passado 139 , já que ele é um legado da cultura
helência clássica, assimilado pelos romanos e por estes difundido na
Península Ibérica140. Porém, uma análise mais detida acusará nuanças que
se originam, em última instância, da organização da unidade produtiva - a
plantation141.

Sob o revestimento da fórmula patriarcal, o elemento dominante


geriu a vida do amplo grupo familiar, que ultrapassava os limites
consangüíneos e incluía toda uma gama de dependentes nos mais
diversos graus. Não será exagero reafirmar que é no antagonismo
fundamental de classes - e na divisão social do trabalho - onde se
encontra a gênese de todas essas formas.

O predomínio da esfera privada sobre a pública no Império do


Brasil 142 arranjou-se na forma do oîkos. Para Weber, sua função
fundamental, enquanto grande fazenda doméstica, autoritariamente

para lhes contrapor as relações de Direito público como relações de `poder', ou de `domínio'".
KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. Trad. J. B. Machado. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes,
1987. p. 296 e ss.
139 . Ver, por exemplo, BUENO, J. A. P.
Direito público brasileiro e análise da Constituição do Império,
cit., p. 7 e ss.
140 . Segundo Jürgen Habermas, um modelo ideológico que afirmou sua continuidade séculos afora, uma continuidade "exatamente nos termos da
História das Idéiais". HABERMAS, J.
Mudança estrutural na esfera pública. Trad. F. R. Kothe. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1984. p. 16-9. É manifesta a reverência dos juristas imperiais ao Direito romano:
"... o Corpus Juris está para o bacharel, jurisconsulto ou juiz, assim como o Breviario está para o
sacerdote, que tem a imperiosa obrigação de ler diariamente este livro sagrado, do mesmo modo que
aquelle acerca do Corpus Juris, deposito da sciencia do mundo inteiro". MONTENEGRO, M. J. B.
Crime de injuria; estudo analytico, theorico, comparativo e practico do artigo 236 e 239 do Codigo
Criminal. Recife: Tipografia Comercial, 1875. p. 9.
141 . "...Nas condições da economia agrícola - monocultora, latifundiária e escravagista -, o grupo econômico quase por completo se identificou com
o grupo de parentesco, acrescido dos agregados e dependentes que constituíam a vasta clientela da família patriarcal. A família-grande, hipertrofiada e
multifuncional, em que os laços de sangue se aumentavam pelos da servidão, foi a unidade econômica colonizadora do Brasil, e por isso mesmo, fez-se centro e
núcleo, quase absoluto, da vida social". PINTO, L. de A. C. op. cit., p. 25.

142 . No que toca à organização do grande domínio fundiário, monocultor e patriarcal, concordamos com quem estabelece uma continuidade
fundamental entre a configuração colonial e a do Império. Ver Ibidem, p. XII
: "No Império, apesar das mudanças na organização
política, que não alteraram nem podiam alterar abruptamente o quadro fundamental, foram se
ampliando, entretanto, progressivamente, os fatores de consolidação do poder político, mas
essencialmente pela fusão das duas ordens - o que foi a coluna mestra da monarquia. Como nunca,
poder econômico e poder político se identificaram".
56
Os Brancos da Lei

dirigida, não é necessariamente a aquisição capitalista de valores


monetários, mas suprir organizadamente as necessidades do senhor. O
próprio Weber, porém, atenta para o fato de que o oîkos nunca foi uma
economia puramente autárquica em nenhuma de suas formas.

Usando como exemplo o Leste da Alemanha e as terras negras da


Rússia no século XIX, Weber mostra como a utilização da mão-de-obra
servil era, com freqüência, a única maneira de adquirir dinheiro. Apenas
por isso desenvolveu-se dentro da unidade familiar uma "grande
exploração agrícola". Não obstante o trabalho compulsório dentro do
oîkos, pôde seu senhor assemelhar-se ao gerente de uma empresa
capitalista e integrá-lo inteiramente a ela143.

O fundamento do poder doméstico reside na convivência pessoal,


permanente e íntima da comunidade. Para a mulher significa a
superioridade normal da energia física e espiritual do homem. Para o
filho jovem, sua necessidade natural de ajuda. Para o escravo, sua falta de
proteção fora da jurisdição do senhor, a serviço do qual se encontra desde
a infância por circunstâncias da vida144.

O exercício de dominação na célula doméstica assume a forma


patriarcal, o que significa que nela a submissão pessoal ao senhor é o que
lhe garante a legitimidade de sua jurisdição. Os limites de seu poder
procedem de normas consagradas pela tradição 145 . Essa matriz - a
onipotência do pater-familias146 - é determinante para o entendimento do

143 . Cf. WEBER, Max.


Economia y sociedad: esbozo de sociología comprensiva. 2 ed. México:
Fondo de Cultura, 1987. p. 311.
144 . "Os filhos de todas as mulheres que vivem no lugar, como esposas ou como escravas, são admitidos em seu círculo sem se fazer caso da
paternidade física, porquanto o senhor os considera como `seus' filhos, no mesmo sentido que considera como seu gado os animais nascidos dos rebanhos que lhe
pertencem". Ibidem.

145 . Ibidem, p. 753.

146 . De Oliveira Viana, passando por Sérgio Buarque até Caio Prado Jr., muitos já o haviam afirmado exaustivamente: "Submetendo à sua
autoridade outras agências e instituições de poder e controle social, hierarquizando abaixo de si o vasto grupo de parentes e a massa de seus exércitos privados, o

pater familias brasileiro, mais que um simples caudilho, foi, como seu modelo romano, centro
57
Os Brancos da Lei

Brasil oitocentista. Sua força atinge a própria configuração do Estado


imperial.

Não é simples diferenciar com precisão a esfera privada da pública na


sociedade oitocentista brasileira147. Há quem não aceite, por um lado, que
as relações domésticas ou familiares pertençam ao âmbito privado,
entendido no sentido hegel-marxiano de sociedade civil, locus por
excelência das relações entre iguais, à base de contrato 148 . Aí se
desenvolveriam as atividades econômicas. De acordo com essas
definições do pensamento jurídico moderno, a condição de factibilidade
do direito privado é a igualdade ao menos formal das partes contratantes;
a do direito público, a desigualdade. Se essa análise é adequada para a
sociedade capitalista, para a escravista é imprópria.

Não se trata de apenas evocar as teses que diagnosticam na


debilidade do aparelho de Estado imperial o vigor do poder particular.
Essa operação leva à conclusão imediata de que a mistura entre a coisa
pública e os negócios privados, devido à miséria do Estado e da
administração, fundamentava a extensão do controle pessoal à toda a
esfera pública149 . Há nesse raciocínio um pouco de simplificação - ao
considerar-se que a diluição de fronteiras entre o público e o privado
estendia o controle pessoal a todo patrimônio do Estado. Essa não é toda
a verdade.

irradiador de força estável - legítima ou não, mas sempre efetiva, que é o fato mais notável daquela
organização política". PINTO, L. A. C. op. cit., p. 27.
147 . Cf. PASUKANIS.
E. op. cit., p. 172: "Quando o poder patriarcal (...) assume o papel de garante
da paz e indispensável, portanto, aos contatos comerciais, essas novas funções fazem-no assumir um
caráter público, que lhe era originalmente estranho. Um poder do tipo feudal ou patriarcal não
conhece fronteiras entre o privado e o público".
148 . É o que se expressa confusamente na tradução brasileira de J. Habermas: "A posição do senhor da casa no processo de produção pode, no
entanto, ser comparada com o poder `privado' de dispor que gozavam o
oîko-despotes ou o pater-familias. Dominação fundiária
(e a vassalagem que dela deriva), quintessência de todos os direitos individuais de dominação, pode
ainda ser entendida como jurisdictio ; não se submete à antítese de domínio privado (dominium) e
autonomia pública (Imperium)". HABERMAS, Jürgen. op. cit. p. 18.
149 . FRANCO, M. S. de C.
Homens livres na ordem escravocrata, cit., p. 111-28: "Aí /no âmbito das
administrações locais/ se vê o agente governamental imerso nas situações concretas em que
desempenhava suas atribuições funcionais, com sua conduta se orientando antes pelos fortes
interesses e influências que envolvia a sua vida de maneira imediata, que por longínquos e abstratos
controles". Ibidem, p. 113.
58
Os Brancos da Lei

Há, por outro lado, os que apenas concebem uma sociedade organizada
politicamente sob um Estado. Embora seja inegável o vigor do aparelho
político-administrativo imperial, é preciso destacar suas peculiaridades e
interações, que são homólogas às do domínio rural. As relações sociais de
apadrinhamento, informais, personalistas, em última análise patriarcais,
geradas na dinâmica da unidade produtiva reproduzem-se, latu sensu, no
Estado. Isso, antes de uma fraqueza mesma do aparelho estatal, foi o
verdadeiro obstáculo a que se desenvolvessem instituições "... que
representassem a coletividade de maneira impessoal e abstrata",
principalmente no caso da administração da justiça, impondo que perdurasse
mais longamente seu exercício privado150.

Muito das formulações sobre o patriarcalismo é inspirado - guardadas


as diferenças de toda ordem que os afastam - em Oliveira Viana e Sérgio
Buarque de Holanda. O primeiro, investigando as origens do prestígio e
da ascendência incontestáveis da "nobreza paulista", assevera seu
fundamento local: "... o domínio rural é o centro de gravitação do mundo
colonial (...). Sobre ele a figura do senhor de engenho se ateia,
prestigiosa, dominante, fascinadora."151

Também para Sérgio Buarque o domínio rural define-se como


elemento celular da vida colonial152. Sob a mão do proprietário rural a
célula doméstica seria praticamente auto-suficiente, autárquica,
carecendo suprir-se de um número reduzido de produtos do exterior. Esse

150 . Ibidem, p. 142.

151 . VIANA, Francisco José de Oliveira.


Populações meridionais do Brasil e instituições políticas
brasileiras. Brasília: Câmara dos Deputados, 1982. p. 84 e ss.
152 . Conforme se disse acima, quando falamos em
colonial estamos nos referidndo à formação social que tem
o modo de produção escravista colonial como dominante - que, segundo Sérgio Buarque, permance
como base da sociedade imperial: "É efetivamente nas propriedades rústicas que toda a vida da
colônia se concentra durante os séculos iniciais da ocupação européia (...). Com um pouco de exagero
pode dizer-se que tal situação não se modificou em essencial até à Abolição." HOLANDA, S. B. de.
Raízes do Brasil, cit., p. 41.
59
Os Brancos da Lei

era o fundamento do predomínio total do privado sobre o público, desde o


período colonial153.

Semelhante forma de organização econômica - própria ao escravismo


moderno -, pulverizada em células praticamente autônomas 154 , deu ao
poder do patriarca amplitude praticamente incontestável. E não há como
confundi-la com outra coisa qualquer - como feudal, por exemplo 155 .
Sérgio Buarque de Holanda participa do número daqueles para quem a
explicação do poder patriarcal está na organização do grande domínio
rural:
Nos domínios rurais é o tipo de família organizada
segundo as normas clássicas do velho direito
romano-canônico, mantidas na Península Ibérica através de
inúmeras gerações, que prevalece como base e centro de toda
a organização. Os escravos das plantações e das casas, e não
somente os escravos, como os agregados, dilatam o círculo
familiar e, com ele, a autoridade imensa do pater-famílias.
Esse núcleo bem característico, em tudo se comporta como
seu modelo da Antigüidade, em que a própria palavra
"família", de famulus, se acha estreitamente vinculada à idéia
de escravidão, e em que mesmo os filhos são apenas os
membros livres do vasto corpo, inteiramente subordinado ao
patriarca, os liberi.156
A extensão do poder patriarcal pode ser medida pela outorga ao
senhor do direito de execução da violência privada - tópico discutido no
capítulo seguinte. Por ora, registre-se apenas que a vida familiar, no oîkos

153 . "No Maranhão, em 1735, queixava-se um governador de que não vivia em comum, mas em particular, sendo a casa de cada habitante ou de
cada régulo uma verdadeira república, porque tinha os ofícios que a compõem...". Ibidem, p. 48.

154 . Embora caiba o registro da historiografia hodierna que relativiza essa tese, conforme veremos a frente.

155. Sobre poder público/privado na sociedade feudal ver DUBY, Georges (org.).
História da vida privada: da Europa
feudal à Renascença. Trad. M. L. Machado. São Paulo : Companhia das Letras, 1990. v. 2, p. 17-46.
Sobre feudalismo versus escravismo colonial ver GORENDER, J. O escravismo colonial, cit., p.
113-8.
156 . HOLANDA, S. B. de.
Raízes do Brasil, cit., p. 49. Para uma distinção entre escravismo clássico
e colonial ver GORENDER, J. O escravismo colonial, cit., p. 166-72.
60
Os Brancos da Lei

- que no plano ideológico revestia-se da roupagem paternalista - foi


gerada, em última instância, das relações sociais escravistas157.

Como o conceito de esfera privada, "público" na sociedade imperial


tem um sentido bastante impreciso. Elaborá-lo implica dimensionar o
papel da grande família patriarcal - até onde participa das relações
privadas, a partir de quando já intervém na vida pública.

Sociedades que possuem Estado ou qualquer outra dimensão


político-administrativa, são caracterizadas por relações de subordinação
entre indivíduos em posição de desigualdade158. A sociedade natural dos
jusnaturalistas ou a sociedade de mercado dos economistas clássicos,
modelos de esfera privada contraposta à pública, são caracterizadas por
relações entre iguais159.

157 . É próprio às teorias serem simplificações de realidades mais complexas. Por isso vimos tratando a sociedade imperial de maneira
generalizante, simplificadora da riqueza de suas configurações. Ao aceitarmos a determinação em última instância das interações entre fazendeiro e escravo rural,
não desprezamos as infinitas relações sociais que passam ao largo daquela. Tenha-se o pecúlio do escravo por exemplo. Weber afirma que uma autonomia era
atribuída aos não-livres, possibilitando-lhes, numa descentralização da comunidade doméstica, auferir uma possessão própria (inclusive familiar). Tal sociedade
paralela - ou interna - ao
oîkos, embora o enfraqueça, convive perfeitamente com ele. Cf. WEBER, M. op. cit.,
p. 756. Manuela C. da Cunha aborda tangencialmente a questão do peculium do escravo, observando
que, na lei costumeira até 1871, e na positiva depois desta data, houve sempre uma licença ao escravo
para constituir seu pecúlio. Sua função seria a de acomodar as contradições do direito imperial à
linguagem do liberalismo. Cf. CUNHA, M. C. da. Sobre os silêncios da lei, cit., p. 47 e ss. Para a
América espanhola ver GARCÍA GALLO, C. Sobre el ordenamiento juridico de la esclavitud en las
Indias Españolas, cit., p. 1016-21. Deve-se perguntar como um escravo obteria pecúlio. Só havendo
dentro do sistema uma licença, mínima que fosse, para ele trabalhar para si, em busca de um objetivo
quase quimérico - mas virtualmente factível - de juntar o valor correspondente ao que lhe compraria a
própria liberdade. Aqui, os estudos pioneiros de Ciro F. S. Cardoso sobre a "brecha camponesa"
ganham importância. Ver artigo homônimo em CARDOSO, C. F. S. Agricultura, escravidão e
capitalismo, cit., p. 133-54. Idem, Escravo ou camponês? o protocampesinato negro nas Américas.
São Paulo: Brasiliense, 1987. Uma crítica contundente a suas teses está em GORENDER, J. A
escravidão reabilitada, cit., p. 70-86.
158 . Idéia consagrada no pensamento político clássico é a de que a essência do Estado reside na concentração da força. Usando a metáfora hegeliana
das pedras de uma pirâmide, concerta Bobbio que seu encaixe é a Constituição - "encadeamento racional das partes numa única autoridade estatal". Mas a
Constituição é somente o meio para a formação do Estado, não seu fundamento: "... mais uma vez, como tudo aquilo que se refere ao direito, é forma, não

O fundamento de todo Estado é a força." (ênfase acrescentada). BOBBIO, N. Estudos sobre


substância.

Hegel, cit., passim.


159 . Bobbio apontou a flexibilidade de algumas categorias como a família, que convencionalmente pertence à esfera privada, embora seja
essencialmente uma sociedade de desiguais. Cf. BOBBIO, N.
Estado, governo, sociedade, cit., p. 15-6. Sobre o liberalismo
clássico e o Estado moderno ver MACPHERSON, C.B . The political theory of possessive
individualism. Oxford: Oxford University, 1962.
61
Os Brancos da Lei

A partir do século XVIII, com os economistas clássicos, passou-se a


distinguir as esferas econômica da política - a primeira identificada,
formalmente ao menos, com o direito entre iguais e a segunda entre
desiguais. Aqui se destaca mais uma especificidade do Brasil no século
XIX. Vimos como seu ordenamento político censitário e machista
permitia que somente a iguais - brasileiros maiores de 21 anos, que não
fossem religiosos enclausurados ou soldados rasos - se concedia a
cidadania. Vale dizer, participar da vida política, de uma relação entre
desiguais: governantes e governados.

Um segundo complicador do Direito brasileiro oitocentista surge


quando se observa as relações econômicas - lembrando tratar-se de uma
sociedade pós-jusnaturalista e pós-economistas clássicos. Se se contrapor
à esfera pública (entendida no sentido de sociedade política) a sociedade
civil (onde indivíduos em igualdade jurídica travam relações
econômicas), ressalta a impropriedade dessa conceituação para o
escravismo colonial.

O próprio conceito de sociedade civil, lavrado no pensamento


político definitivamente a partir de Hegel 160 , surge no contexto da
afirmação da sociedade burguesa, onde bürgerliche gesellschaft designa
ao mesmo tempo sociedade burguesa e sociedade civil 161 - enfim, o
mercado franco onde os homens geram a economia. No escravismo, as
relações de produção fundamentais ocorrem no âmbito da família, sob o
signo patriarcal, entre desiguais - senhor e escravos. Desta relação
originada em nível celular na gerência da economia da casa vazou o
modelo de organização do poder público, fundado na onipotência do
senhor e coroada no Estado pelo Poder Moderador162.

160 . Ver Idem.


Sobre a noção de sociedade civil. In:________. Estudos sobre Hegel, cit., p.
179-92.
161 . Cf. Idem.
Estado, governo, sociedade, cit., p. 37 e ss. Também HABERMAS, J. op. cit.,
passim.
162 . Essa idéia já fora lançada por HOLANDA. S. B. de.
Raízes do Brasil, cit., p. 50: "Representando (...) o
único setor onde o princípio da autoridade é indisputado, a família colonial fornecia a idéia mais
normal do poder, da respeitabilidade, da obediência, da coesão entre os homens. O resultado era
predominarem, em toda vida social, sentimentos próprios à comunidade doméstica, naturalmente
particularista e antipolítica, uma invasão do público pelo privado, do Estado pela família".
62
Os Brancos da Lei

Assim, e por isso, confundem-se as fronteiras entre público e privado


na sociedade escravista e patriarcal. O Estado moderno europeu detém o
monopólio legítimo da violência. Na sociedade patriarcal, onde a
produção de mercadorias ocorre dentro da unidade doméstica,
reservava-se ao pater esse expediente163.

Nela, as facções políticas eram constituídas, à semelhança da família,


em todos indivisíveis, cujos membros se achavam associados por
sentimentos e obrigações - não por interesses e idéias. Coube a Sérgio
Buarque de Holanda - ao derrubar as pretensões dos que defendiam o
"liberalismo" de José da Silva Lisboa, visconde de Cairu - explicar a
essência da morfologia política do Estado imperial. Na obra do visconde
salienta-se a noção bem característica de sociedade política, considerada
uma espécie de prolongamento ou ampliação da sociedade doméstica164.

A grande família patriarcal fornecia o parâmetro das relações entre


monarca e súditos. Com sua explicação própria, Oliveira Viana acaba
compartilhando dessa tese, ao asseverar que dentro das instituições
sociais essenciais do direito público costumeiro brasileiro está a
solidariedade familial - a que denomina "clã parental"165.

É incontestável a importância das categorias de "clã rural" e "clã


parental" introduzidas por Oliveira Viana na crítica política brasileira. Na
"Introdução" de Antônio Paim à Populações meridionais do Brasil e
instituições políticas brasileiras, reeditada em 1982 pelo Senado Federal,

163 . Sobre a questão do monopólio da violência legítima ver BOBBIO, N. et alii.


Dicionário de política, cit., verbetes
"Estado" e "Violência"; POULANTZAS, N. Poder político e classe sociais. São Paulo: Martins
Fontes, 1977. p. 13-104; ELIAS, Norbert. Processes of State formation and nation building. In:
WORLD CONGRESS OF SOCIOLOGY, 7, 1972, Viena. Transactions of the 7th. World Congress
of Sociology. Viena, s.e., 1972. v. 3, p. 275-84; Idem. Violence and civilization: the state monopoly
of phisical violence and its infringement. In: KEANE, John. Civil society and the State: new
european perspectives. Londres: Verso, 1988, p. 177-98.
164 . "O primeiro princípio da economia política", segundo Cairu, "é que o soberano de cada nação deve considerar-se como chefe ou cabeça de uma
vasta família, e conseqüentemente amparar a todos que nela estão, com seus filhos e cooperadores da geral felicidade".
Apud HOLANDA, S. B.
de. Raízes do Brasil, cit., p. 52 e ss.
165 . "Embora, originalmente, uma instituição privada, teve, e tem, muitos reflexos e influência sobre nossa estrutura política". VIANA, Oliveira.
op. cit., p. 435 e ss.

63
Os Brancos da Lei

são analisadas suas teses fundamentais, a que Wanderley Guilherme dos


Santos caracterizou posteriormente como autoritarismo instrumental.

Segundo este conceito, o autoritarismo seria um instrumento


transitório a que cumpre recorrer a fim de se estabelecer no país uma
sociedade com instituições liberais autênticas. Vale dizer, seria preciso
um sistema político autoritário para se construir uma sociedade liberal166.
De acordo com esses autores, é possível detectarem-se sinais de
autoritarismo instrumental desde a Independência. Pensamos, ao
contrário, que não se intentava instituir uma sociedade liberal
autoritariamente, durante o Império. Antes, o autoritarismo é um atributo
ontológico da sociedade escravista.

É imperioso igualmente relativizar o "caráter quase autárquico" dos


clãs rurais proposto por Viana. A historiografia da escravidão tem
questionado essa "autonomia" da plantation, como são exemplos as
fazendas mineiras no século XIX, voltadas ao abastecimento das regiões
cafeeiras e da Corte167. Outras obras têm indagado sobre a dependência
absoluta dos trabalhadores rurais livres ao grande proprietário, bem como
afirmam a importância das pequenas propriedades fundiárias voltadas à
exportação168. Não obstante a relevância dessas novas descobertas, que
têm redefinido os modelos interpretativos do escravismo colonial, para a
reconstituição da mentalidade escravista, importa resgatar a tese do
patriarcalismo na sociedade imperial brasileira, que tem em Oliveira
Viana uma de suas principais matrizes169.

A concepção paternalista de sociedade e Estado, configurada nos


valores escravistas, acusa mais um sólido argumento contra as teses que
sustentam o liberalismo como doutrina vigente no Brasil imperial. As
idéias revolucionárias inspiradas na filosofia da ilustração, fundamentais

166 . Cf. PAIM, Antônio. Introdução. In: VIANA, O. op. cit., p. 24. Também SANTOS, W. G. dos. op. cit., p. 93 e ss.

167 . Cf. MARTINS, Amilcar, MARTINS, Roberto Borges.


Slavery in a non-export economy: nineteenth-century
Minas Gerais revisited. Hispanic American Historical Review, Madison, v. 63, n. 3, p. 537-68,
1983.
168 . Cf. CASTRO, H. M.
Ao sul da história, cit.
169 . Ver em VIANA, O. op. cit., o capítulo "Função simplificadora do domínio rural", onde se propõe a auto-suficiência dos latifúndios.

64
Os Brancos da Lei

na derrubada do absolutismo francês, cuja teoria do poder é expressa pelo


jusnaturalismo, assenta-se nos seguintes traços principais: laicização do
Estado e subordinação do príncipe às leis naturais - que são as leis da
razão; primado da lei sobre o costume; relações impessoais entre o
príncipe e o funcionário, de onde nasce o Estado como estrutura
burocrática, e entre o funcionário e o súdito, donde o Estado de direito; e,
finalmente, como ensina Bobbio, uma concepção antipaternalista do
poder estatal harmônica com os princípios do iluminismo,
... definido como a era na qual o homem finalmente se
tornou adulto, no Estado que tem como meta não fazer os
súditos felizes, mas torná-los livres. (ênfase acrescentada)170
Pimenta Bueno, futuro marquês de São Vicente, talvez o mais
conhecido crítico do direito público brasileiro, mostra-se avesso às teses
liberais esboçadas acima. Defende, ao contrário, o Estado eudemonista -
que busca a felicidade para seus súditos, como o pai ao filho -, distante
portanto da concepção formal-racional (segundo Weber) da filosofia
política moderna171. São expressivas as funções que o renomado fidalgo
atribui ao direito civil, que determina o estado das pessoas, "marca a
maior e a menoridade, os direitos do pátrio poder e dos filhos", enfim, as
relações pessoais dos particulares entre si 172 . O mentor do Código
Criminal, em sua carta-programa aos eleitores de Minas Gerais, enquanto
relatava suas atividades na gestão anterior e fazia sua propaganda
eleitoral, brindava às mudanças que experimentava a política:
Parabens, oh! brasileiros; renascem as esperanças da
futura felicidade e da consolidação do maior Império do

170 . BOBBIO, N.
Sociedade e Estado na filosofia política moderna, cit. p. 93 e ss. Ver também a
obra clássica de LASKI, Harold. O liberalismo europeu. Trad. A. Cabral. São Paulo: Mestre Jou,
1973.
171 . "Estes dois direitos ou interesses, estas duas sociedades política e civil, são ambos filhos da razão esclarecida e da complexa natureza social,
ambos eles têm um igual e mesmo fim,
a felicidade de todos e de cada um. A diferença está somente em
proceder-se, segundo a refletida natureza de cada um deles, do todo para os indivíduos, ou dos
indivíduos para o todo. É, certamente, necessário que não só a comunidade, mas também cada
indivíduo seja feliz; é o bem ser destes que compõe o bem-estar geral." (ênfase acrescentada)
BUENO, J. A. P. op. cit., p. 6. São impagáveis as críticas de Tobias Barreto ao marquês. Ver o texto
de 1881 de MENESES, T. B. de. Direito público brasileiro. In:________. A questão do poder
Moderador e outros ensaios brasileiros. cit., p. 122-51.
172 . Cf. BUENO, J. A. P. op. cit., p. 10.

65
Os Brancos da Lei

mundo, e estas esperanças não serão esmagadas: o Imperador


e a Assemblea Geral vélão por vossa felicidade.173
A noção paternalista de Estado só poderia dotá-lo de um caráter
eudemonista; daí sua permissividade quanto ao arbítrio, tanto ao pai em
sua casa como ao monarca, que deveria dirigir o país como uma grande
família, num verdadeiro exercício tutelar174. Tobias Barreto, comparando
Monarquia e República em 1882, simpatizante do regime republicano, via
com maus olhos a outra forma centralizada e autoritária de poder que,
... com seu chefe de Estado perpétuo e hereditário, é uma
tutela política, que desagrada ao povo; porque ninguém quer
ser dirigido pelos outros, e o caráter de perpétua minoridade
é ultrajante à nação. (ênfase acrescentada)175
Para esse autor, a hereditariedade monárquica vigente no Brasil é o
que mais acentuava seu caráter odioso de tutela perpétua176.

Dadas as fontes de primeira mão consultadas, seria impossível


somente a partir delas descer às peculiaridades sobre as categorias de
público e privado esboçadas acima. Esse preâmbulo categorial deve
servir, no entanto, para definir os marcos da mentalidade escravista. Se
tivéssemos passado diretamente à análise das noções incutidas nas

173 . VASCONCELOS, B. P. de.


Carta aos srs. eleitores... p. 8.
174 . Oliveira Viana, na obra comentada, vai na mesma direção, mas em sentido contrário: ao falar da gênese dos clås e do espírito de clå, afirma que
a concentração de centenas de pessoas em torno de um senhor rural não é de natureza religiosa, militar ou econômica. O que os impele à congregação é a
"necessidade de defesa contra a anarquia branca", originada pela corrupção e abuso de cabedal dos homens de prestígio, motivo de toda sorte de prevaricações e
anarquia. O que colocaria em permanente estado de desproteção "os cidadãos sem fortuna (...), as camadas proletárias contra a violência, o arbítrio e a
ilegalidade". Caberia somente ao fazendeiro esta função tutelar. Toda a legislação colonial, inclusive, tende a fazê-lo "centro histórico da gravitação colonial do
povo rural". VIANA, F. J. O. op. cit., p. 148-56. Isso quer dizer que, para o teórico do autoritarismo, a anarquia e seu antídoto, a tutela para os desprotegidos, vêm
de cima para baixo e não o contrário. Era o abuso das autoridades públicas que obrigava o senhor rural assumir o papel e a função de
pater. Pensamos,
em sentido oposto, que as relações paternalistas fundadas na plantation são o que dá forma ao
homólogo paternalismo estatal.
175 . MENESES, T. B. de. Preleções de direito constitucional. In:
________. A questão do poder moderador..., cit., p.
129.
176 . Diferentemente de uma burocracia racionalmente constituída a partir de relações informais, o Estado imperial foi hipertrofiado e ineficiente,
servidor dos interesses daqueles aduladores áulicos fincados ao pé do trono a espreita de suas sinecuras. Um exemplo de sua onipotência está na literatura, onde
o Estado é feito um sucedâneo à falta de um público de leitores. Ver SOUSA, A. C. de M. e. O escritor e o público. In:
________. Literatura e
sociedade: estudos de teoria e história literária. 7 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1985.
p. 73-88.
66
Os Brancos da Lei

explanações dos jurisconsultos, outras que - como a de oîkos - as


explicam não encontrariam termo de expressão.

Com os fragmentos de texto recolhidos dos criminalistas devemos, agora,


tentar elaborar seu próprio conceito de público e privado. Em seguida, verificar
quais as aparentes confusões de território entre uma e outra esfera; qual, no
plano mental, predomina sobre a outra e que particularidades contêm. No
fecho, veremos como o governo monárquico é visto pelos representantes da
classe dominante incumbidos de pensar as leis criminais.

Não é preciso lembrar a existência de outras fontes que bem se


prestariam ao estudo do público e do privado, como é o caso, na própria
legislação, da Constituição de 1824. Dela já se observou a divisão que
impõem na sociedade os critérios da liberdade e da propriedade,
fundantes das distinções entre cidadãos e não-cidadãos e entre cidadãos
ativos e não-ativos. O critério censitário elevava os "homens de bem" e os
habilitava com exclusividade a participar da vida pública, conforme
estabeleciam os padrões de cidadania177.

A definição clara de público e privado da Carta de 1824 não é regra,


no entanto, nos comentadores do Código Criminal. Estes usaram os mais
diversos modelos para proceder à diferenciação dos elementos do
binômio. Por exemplo, a partir da expiação da pena e da satisfação do
dano, Paula Pessoa considera que a primeira visaria a compensação pelo
mal moral do delito, isto é, a ofensa física feita à lei e à sociedade - e com
a satisfação expiraria o mal material do delito, isto é, o dano causado ao
ofendido.
Na legislação romana se chamavam crimes publicos
aquelles cuja repressão interessava ao povo inteiro, e podiam
ser perseguidos por qualquer cidadão (...); e crimes privados
os que lesavão somente aos individuos, unicos aptos a
perseguil-os.178

177 . "Os direitos políticos são os que conferem uma participação mais ou menos direta na gestão dos negocios publicos, e são: a aptidão ás formas
publicas, o direito de ser jurado, de eleger e ser eleito, as funcções que dependem de eleição e os direitos acessórios ao direito eleitoral. Esses direitos só
pertencem aos cidadãos sendo reputado tal qualquer brasileiro com vinte e um annos completos". PESSOA, V. A. de P. op. cit.
, p. 191.
178 . Ibidem, p. 92 e 163.

67
Os Brancos da Lei

Essa distinção ignora que uma ofensa à sociedade pode ser material
(como a danificação de um prédio público) ou que a agressão ao
indivíduo pode ser moral (por exemplo, o defloramento de uma virgem).
Outro critério de distinção recorrente está, para muitos autores, no objeto
do delito, em quem recebe o mal - definidor inclusive das áreas do
Direito:
Quando a violação da Lei produz um mal exclusivamente
individual, não há ahí mais do que um facto civil, que obriga á
indemnização. Quando, porém, da viollação resulta um mal
publico, o facto entra no domínio do Direito Criminal; e
corresponde-lhe uma pena.179
Direito civil, quando o crime aflige apenas um indivíduo. Direito
criminal, ao tratar-se de um mal público. É interessante notar quando os
juristas asseveravam que os desastres causados por um dano menor, que
atingisse um número reduzido de pessoas, não seria por isso suscetível de
crescer e propagar-se - merecendo portanto penas reduzidas. Já um
desastre causado por um dano cuja natureza prejudicasse grande número
de pessoas, com conseqüências funestas para a população, deveria ter
penas agravadas.

Dessa forma, público significa um conjunto de indivíduos privados - e os


males que podem sofrer enquanto tais - e não algo mais abstrato, maior que a
soma de meras individualidades. Assim também se expressa Vieira de Araújo,
ao refletir sobre a relação entre o indivíduo e a totalidade:
As individualidades humanas como unidades e as suas
aggregações como somma de taes unidades, por seus
caracteres, por sua conduta, agem e reagem umas sobre as
outras como forças, cujo equilibrio estavel ou instavel vai
depender das respectivas acções. (ênfase acrescentada)180
Como se vê, imperam nesses juristas definições particularistas do que
seja público ou privado por falta de um critério unificado. Cada autor
opera a partir de um postulado próprio, o que talvez tenha impelido um

179 . PERDIGÃO, C. F. M. op. cit., p. 133 e ss.

180 . ARAÚJO, J. V. de.


Ensaio de direito penal ou repetições escriptas sobre o CCIB. Recife: Jornal
do Recife, 1884. p. 51.
68
Os Brancos da Lei

deles a afirmar que, para refazer os códigos superando seus anacronismos,


haveria a necessidade de estender-se a ação pública a todos os crimes,
sem distinção de públicos ou particulares181. Torna-se necessário, pois,
observar mais atentamente cada uma daquelas esferas para se atingir uma
maior compreensão sobre os fenômenos que geram tais indefinições. Para
isso seguiremos o caminho tradicional, do todo para a parte - do público
para o privado.

A segunda parte do Código Criminal intitula-se "Dos crimes


públicos" e é composta por seis títulos, a mais extensa e de penas mais
duras. Os dois primeiros tratam dos crimes contra a existência política do
Império e contra o livre exercício dos poderes políticos, sendo portanto
garantidoras do lado forte, do poder institucionalmente estabelecido. O
título terceiro fala dos crimes contra o livre gozo dos direitos políticos
dos cidadãos, amparando a base daquele poder - considere-se o modo
censitário da cidadania.

O quarto título pretende proteger a ordem "dos crimes contra a


segurança interna do Império, e pública tranqüilidade". São estes os de
conspiração, rebelião, sedição, insurreição, resistência, tirada ou fugida
de presos do poder da justiça e arrombamento de cadeias, além do de
desobediência à autoridade182.
O quinto título, em vez de crime público propriamente dito, refere-se
a delitos praticados por funcionários públicos, que vão desde
prevaricações, abuso ou omissões até o perjúrio, passando por diversas
seções com vários artigos, já que eram inúmeras as maneiras de um
empregado público infligir a lei. Por fim, o título sexto define os crimes
contra o tesouro e a propriedade nacionais.

Só pelos títulos dessa parte do Código já transparece certa


complexidade para se estabelecer o sentido de público na sociedade

181 . Cf. LUÍS, F. op. cit., p. 6.

182. Para um tratamento mais detido de cada capítulo do Código ver BRANDÃO, Berenice et alii.
A polícia e a força policial no
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: PUC, 1981; e NETO, Zaidé M. Direito penal e estrutura social:
comentário sociológico ao Código Criminal de 1830. São Paulo: Saraiva, 1977.
69
Os Brancos da Lei

imperial. Mas não é incomum entre os juristas - ao contrário, é bastante


recorrente - o ponto de vista que releva o público em detrimento do
privado. Marques Perdigão, opinando sobre o "lugar" do direito penal
entre as áreas do Direito, julga-o interessante não apenas para o direito
privado, mas também para o público interno,
... porque não só o exige o estado social e se deduz da
relação do homem com a sociedade, como suppõe sempre a
sociedade lesada pela infracção e diretamente interessada na
applicação dos castigos. Segue-se dahi que o interesse publico
deve predominar sobre o interesse privado; assim em regra,
as partes lesadas não podem, transigindo o accusado,
suspender o effeito da acção publica nem a applicação da lei
penal. (ênfase acrescentada)183
Alguns fazem tábua rasa deste princípio. Nos apontamentos de
Francisco Luís, os crimes públicos são definidos como "... aquelles que
por sua natureza atacam directamente o edificio social em seus
fundamentos e offendem a cada um e a todos os cidadãos em geral"184.
Mas ao apreciar o artigo 100, que declara crime obstar um cidadão de
votar, exprime claramente a afirmação da preponderância do público
sobre o privado. Segundo esse jurista, a disposição do referido artigo tem
por fim garantir ao cidadão o livre gozo e exercício do direito de votar e
ser votado,"... tanto ou mais sagrado que os de vida, honra, liberdade e
propriedade, por ser a garantia delles e de todos os que delle derivam".185

É a opinião geral entre os comentadores: só a sociedade


politicamente ordenada pode garantir aos indivíduos seus direitos
privados. O todo é maior que suas partes 186 . As penas, por sua vez,
diferentemente das infamantes, vexatórias e imoladoras da legislação
filipina, deveriam ser guiadas por princípios que visassem à recuperação

183 . PERDIGÃO, C. F. M. op. cit., p. 221. Também ARAÚJO, J. V. de. op. cit., p. 4; PESSOA, V. A. de P. op. cit., p. 147.

184 . LUÍS. F. op. cit.


, p. 143.
185 . Ibidem, p. 198.

186 . "A sociedade tem o direito á conservação de seus membros (...). O homem foi creado para viver em sociedade, a sua vida pertence á
sociedade", que não lhe atribui sequer o direito ao suicídio. Ibidem, p. 383.

70
Os Brancos da Lei

do delinqüente e não seu aniquilamento. Sua legitimidade se deduziria do


direito que tem a sociedade de se defender dos e previnir os crimes, "... e
o seu fim principal /é/ a emenda do culpado, a garantia do direito de
todos" 187 . O indivíduo haveria de ser recuperado para o bem-estar da
sociedade.

Ora, toda essa exaltação da esfera pública que vimos acima vai de
encontro à nossa afirmação anterior do predomínio do privado sobre o
público durante o Império. Esse fenômeno é causado pela inserção de
elementos do Direito burguês - vigente na Europa - na sociedade
escravista e patriarcal dos trópicos. A dimensão do coletivo é tão
defendida, como veremos, por ser a garantia do poder quase ilimitado do
cidadão dentro de sua casa, do pater dentro de seu domínio.

Impõe-se, assim, buscar a diferenciação entre direito público e


político na sociedade escravista. Em Marques Perdigão distinguem-se os
crimes públicos de outros por serem políticos. Mas o autor adverte que
nem todo delito contra a coisa pública é de caráter político. O Estado teria
outros interesses: "Assim é elle credor ou proprietário, e a violação de
seus direitos sob essa relação nada tem de política"188.

A explicação para a existência de toda uma parte tão extensa do


Código dedicada aos crimes políticos prende-se ao contexto de sua
redação. O Título I da Parte II - "Dos crimes contra a existência do
Império", desmembra-se. No capítulo primeiro discriminam-se os delitos
contra a independência, integridade e dignidade da nação, principalmente
diante de uma ameaça externa. No capítulo segundo são arrolados os
crimes contra a Constituição do Império e sua forma de governo.

O Título III prescreve as infrações contra o livre exercício dos


direitos políticos dos cidadãos. O IV - "Dos crimes contra a segurança
interna do Império, e pública tranqüilidade"-, como se viu anteriormente,

187 . Ibidem, p. 89. Marques Perdigão subscreve este princípio: "O castigo, com effeito, deve estar em proporção com o delicto; deve exercer certa
intimidação e previnir o regresso das infracções; deve ainda favorecer a emenda do delinqüente (...). A pena deve, portanto, por a mira no exemplo e na emenda
moral do culpado". PERDIGÃO, C. F.M. op. cit., p. 217.

188 . PERDIGÃO, C. F. M., op. cit., p. 318.

71
Os Brancos da Lei

atenta a minudências ao definir os eventuais motins intestinos:


diferencia-se pormenorizadamente conspiração, sedição, insurreição e
resistência. Os títulos seguintes referem-se aos crimes públicos
não-políticos, derivados dos abusos ou faltas dos empregados estatais.

Tamanho excesso de zelo quanto aos delitos de origem política ganha


sentido quando se pensa o contexto em que o Código Criminal foi dado à
luz. A Independência já não se tomava como como "desquite amigável":
Portugal espreitava e a Revolução do Porto testemunha que a nobreza
lusa longe estava de resignar-se com a perda de sua tutelada mais
prestimosa. As fronteiras não estavam asseguradas - conforme acusavam
os conflitos no Prata. Internamente, talvez mais ameaçador que o perigo
externo, o país estava em polvorosa189.

A afirmação de uma fisionomia política própria, diversa e


suficientemente forte para enfrentar as ameaças estrangeiras e apaziguar
os confusos ânimos internos - mais lusófobos que qualquer outra coisa -
era fundamental para que o país se sustentasse. Superada essa etapa,
reconhecida sua soberania e debelados os focos de insurgência mais
contundentes190 , aqueles capítulos do Código tornaram-se praticamente
letra morta. Sintomático disso é que a maioria dos comentadores faz vista
grossa sobre a matéria, saltando da análise da Parte I - "Dos crimes e das
penas" - para o Título V da Parte II, sobre a conduta dos empregados
públicos.

Um último aspecto a se observar quanto aos crimes políticos é


originado da doutrina do artigo 68 191 . Muitos autores atentam para o

189 . Ver CUNHA, Pedro Otávio Carneiro da. A fundação de um Império liberal. In: HOLANDA, S. B. de (org.).
HGCB, t. 2, v. 1, p.
135-78; SOUSA, J. A. Soares de. O Brasil e o Prata até 1828. Idem, ibidem. Para as guerras
intestinas que eclodem principalmente no período regencial, Ibidem, t. 2, v. 2; MOTA, C. G.
Nordeste: 1817. São Paulo: Perspectiva, s.d., trata dos movimentos anticolonialistas do momento
precedente. Sobre a Revolução do Porto ver COSTA, E. V. da. Da Monarquia à República, cit., p.
36-40.
190 . Há um certo consenso de que a Revolta da Praia em 1848 encerra o ciclo de agitações libertárias mais sentido pela época regencial.

191 . "Tentar directamente, e por factos, destruir a indepedencia ou a integridade do Imperio. Penas - de prisão com trabalho por cinco a quinze
annos.

72
Os Brancos da Lei

paradoxo contido nela - e não se pode, a bem da razão, tomar suas críticas
como infundadas. Um paralelo interessante pode ser traçado entre Tomás
Alves Jr. e Anastácio Falcåo, uma vez que ambos acusam a mencionada
contradição, mas têm concepções distintas de público e privado.

Segundo Falcão, para se destruir a Constituição seria necessária uma


revolução com criminosos de imensa força moral e física e, se estes
conseguissem "perverter a ordem social e aniquilar o saudavel pacto
social", os vitoriosos nunca aplicarião penas em si mesmos. Alves Jr.
segue o mesmo raciocínio: já que a verdade não é "imutável e perene",
sendo o poder questão de ponto de vista (dos que o detêm ou não),
deve-se distinguir o criminoso político do comum, este último um
verdadeiro mal para a sociedade. Mas pergunta-se o jurista, acabando por
referendar o golpe da Maioridade:
E o que é em geral o criminoso político? É aquelle que,
embora professe a idea do bem, do justo e do verdadeiro em
sua these absoluta e abstrata, aparta-se do pensamento de
outro sob a idea relativa do bem, da justiça e da verdade,
querendo que a sua opinião sobre a forma de governo seja a
melhor; quando pretende que um dos poderes creados pela
Constituição não é conveniente á boa organização social;
quando enfim entende que um regente é funesto ao país, é
melhor chamar logo o soberano á maioridade.192
Consumada a revolução, estabelecida nova ordem de coisas, a vitória
nobilita quem, vencido, seria condenado como criminoso. Ambos autores
concordam nesse ponto. Indo além, Alves Jr. considera severas as penas
para os crimes políticos. Já Falcão, por sua vez, reputa o conspirador mais
criminoso que o homicida, que uma vez em busca de sua glória e
interesse não se importa em sacrificar "... parentes, amigos, governo,
Pátria, concidadãos, e tudo quanto possa existir no mundo o mais

Se o crime se consummar
Penas - de prisão perpétua com trabalho no gráo maximo; prisão com trabalho por vinte
annos no medio; e por dez no minimo."
192 . FALCÃO, A. op. cit.
, p. 34; ALVES Jr., T. op. cit., p.18-21.
73
Os Brancos da Lei

sagrado". O homicida só deseja tirar a vida a alguém por vingança ou


cobiça e as conseqüências de seus atos seriam de menor alcance193.

A disparidade de pontos de vista entre ambos autores talvez se


explique pelos diferentes momentos em que viveram. Falcão, português
naturalizado brasileiro, escreve seus comentários em 1831, quase um ano
após a promulgação do Código, nove após a Independência. É
compreensível sua incisiva condenação dos crimes políticos. Alves Jr.,
em 1870, já vive num Império consolidado politicamente e vê outras
ameaças maiores à sociedade, como a substituição da mão-de-obra
escrava. Esta sempre surge nesse autor como algo anódino, fadado a
desaparecer brevemente.

É relevante notar também que o crime de insurreição se exclui, em


ambos juristas, do rol dos crimes públicos. Para Falcão, por não tratar-se
de ameaça à ordem pública alguém lutar pela liberdade. A escravidão,
naquele momento, era instituiçåo sólida.

Para o outro, que incorpora a "ideologia do precedente", em 1870 os


rumos que tomariam a condição servil já estavam de algum modo
traçados 194 . O tráfico intercontinental interrompera-se em 1850.
Experiências com imigrantes europeus vinham ganhando cada vez mais
simpatizantes. A lei do Ventre Livre estava engavetada desde 1864,
aguardando o fim da Guerra do Paraguai. A voz abolicionista já ecoava
alto, pelo menos desde A escravidão no Brasil (1866), de Perdigão
Malheiros.

Para precisar a noção de público dos juristas cumpre ainda analisar os


juízos dos criminalistas sobre o comportamento privado dos funcionários
estatais. É unânime o reconhecimento de que era necessária a probidade

193 ."Donde se conclue com toda evidencia e clareza, que o crime de conspiração he muito mais aggravante que o de matar; porque este he a causa
de males particulares, e do outro sempre resultão males geraes que prejudicão toda a sociedade". FALCÃO, A. op. cit.
, p, 46.
194 . "Nesta classificação não incluímos o crime de insurreição (art. 113), que é de todo especial, e que deveria ser riscado do Codigo para figurar
transictoriamente em alguma lei especial, enquanto durasse entre nós o facto da escravidão". ALVES JR., T. op. cit.,
passim.
74
Os Brancos da Lei

desses cidadãos195. Ao mesmo tempo, a inviolabilidade da vida privada,


resguardada pela lei criminal em vários artigos da Parte III - "Dos crimes
particulares" - é proclamada por todos os juristas. Observa-se, porém,
exceção no caso dos funcionários públicos. Francisco Luís, refletindo
sobre a liberdade de imprensa, concorda que a censura deve ter um limite.
Ser rigorosa, decente e comedida,
... jamais chegar ao ponto de desmoralizar o princípio da
autoridade, de atacar a vida privada dos funcionarios
publicos; não deve ir a ponto de implantar a anarchia e a
desordem no seio da sociedade. (ênfase acrescentada)196
Semelhante permissividade consentida aos cidadãos é recorrente em
outros juristas, como Paula Pessoa, para quem o funcionário é
completamente diferente do indivíduo privado. A lei só deseja proteger
nessas disposiões seu caráter público. Segundo seu entendimento, deve-se
resguardar a vida particular do funcionário, que só a ele pertence. Que se
lhe critiquem suas irregularidades na conduta pública197.

Mas esse entendimento não é comungado por todos. Já em outra


passagem, aquele último autor, invertendo suas premissas, afirma a
necessidade da observação da vida privada dos servidores públicos, que
deve ser exemplar em todos os aspectos198. Em Francisco Luís também se
verifica essa mudança de opinião - o criminalista acaba quase replicando
suas próprias palavras. Por mais inviolável que fosse a vida privada, o
simples particular escandaloso, jogador por profissão e ébrio por hábito -
notoriamente inepto no cumprimento de seus deveres domésticos e
sociais - não gozaria de conceito algum. Em sendo um funcionário

195 . "Todos soffrem se os empregados publicos se deixam viciar e corromper; e todos os contemplam sem os desculparem de suas faltas por mais
leves que sejam." LUÍS, F. op. cit., p. 15. Ver também FALCÃO, A. op. cit., p. 31; ARARIPE, T. de A.
CCIB, cit., p. I-II.
196 . LUÍS, F. op. cit.
, p. 32.
197 ."A vida privada dos magistrados, diz Serre, Guarda dos Sellos em França, não pertence senão a elles, sendo que sua vida pública pertence a
todos. É o direito, é o dever de cada um dos seus concidadãos, exprobar-lhes publicamente seus desvios e faltas públicas". PESSOA, V. A. de P. op. cit., p. 409.

198 . "... Qualquer que seja o respeito de nossas leis para o privilégio da vida privada, aquella dos funccionarios não pode gozar de uma completa
inviolabilidade. O bom serviço de um empregado público depende, mais do que se imagina, da regularidade da vida privada." Ibidem,
p. 284.

75
Os Brancos da Lei

público, esses vícios e faltas degradantes não poderiam deixar de ser


elevados à categoria de crime - por isso deveria ser tido como relaxado,
incapaz e indigno do cargo que ocupa: "Mais do que se imagina, o bom
desempenho dos deveres públicos depende da regularidade da vida
privada."199

A pluraridade de opiniões quanto à inviolabilidade ou não do espaço


privado do funcionário público, que vimos demonstrando, deve contribuir para
a construção da noção de privado na elite letrada do Império.
A vida privada, a vida no interior da familia, deve ficar
murada. Se entre seus actos achão-se alguns que tenhão o
caracter de crimes, denunciae-o regularmente, com vossos
riscos e perigos. Senão, calae-vos. Não vos é permitido a
critica pela imprensa da conduta privada de vosso vizinho.
(ênfase acrescentada)200
Privado, no conceito fundido e difundido pela classe superior,
refere-se a doméstico, a familiar, não ao que seja individual, pessoal. O
espaço privado por excelência é definido nos limites do oîkos ou
dominus, onde a família tutelada e protegida pelo pater é extensa: inclui
toda sorte de dependentes, fâmulos e trabalhadores escravos - todos, por
padecerem de um estado permanente de menoridade, desprovidos de
vontade (jurídico-política, notoriamente) e à merce do comando paterno.

No espaço privado, na unidade rural de produção caracteriza-se o


domínio do detentor legítimo do uso da violência sobre seus dependentes.
A inclusão da escravaria na família, reforçada pela inserção dos escravos
domésticos na casa grande 201 , não dissimula contudo o permanente
conflito entre o produtor direto e o senhor que o submete.

199 . LUÍS, F. op. cit., p. 300. Observe-se que as duas últimas citações são quase idênticas.

200 . PESSOA, V. A. de P. op. cit., p. 33.

201 . Ver FREIRE, Gilberto.


Casa grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime
patriarcal. 7 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1952, 2 v.; MATOSO, K. de Q. Ser escravo no
Brasil. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 122-42; COSTA, E. V. da. Da senzala à colônia, cit., p.
253-350.
76
Os Brancos da Lei

Esse quadro se reproduz no governo do Estado. A criação do Poder


Moderador é o maior sintoma da fenda que se abre na Constituição de
uma pretensa Monarquia parlamentar. Discutindo se as atribuições desse
poder extrapolavam seus próprios limites, se toda a política do Império
não derivava da vontade do soberano, se se poderia admitir a influência
da personalidade do imperador em termos tão absolutos, Paulo
Mercadante definiu essa forma de ser como um "fenômeno culturalista".
Neste, a linguagem do grupo dominante impregnava a coletividade e o
indivíduo singular participava de um pensamento geral, de tal maneira
que o modo de pensar do indivíduo confundia-se com o ideário coletivo.

O exercício do arbítrio do imperador, o pôr à prova o absoluto de sua


vontade, não contrariava a tendência geral da época, "a ideologia que atravessa
a atmosfera". Nisso residia a autenticidade do imperador ou sua
representatividade:
O poder pessoal não se extravasava, não se tornava
estranho às forças sociais, ajustando-se, ao contrário, à
corrente das elites do domínio. O imperador-indivíduo,
tomado pois concretamente, tinha em si mesmo uma estrutura
social e, para empregar uma expressão de Marcel Mauss, o
homem total possuía em si tudo o que possuía a sociedade
total. (ênfase acrescentada)202
Para além de legal, a onipotência do imperador era absolutamente legítima.
Seu arbítrio era lídimo na medida em que, de fato, tratava-se de um pater
familias gerindo sua casa. Esse valor estava de tal maneira assentado nos
corações e mentes dos homens do Império que trancreveu-se em lei:
Em virtude da mesma Constitução a pessoa do monarcha
é inviolavel e sagrada e nenhuma de suas acções se reputam
criminosas, nem é submettida á tribunal algum.203
A lógica de tais idéias resume-se no seguinte enunciado: havia uma
homologia estrutural entre a casa e o Estado, entre o privado e o público. O
senhor da casa era o soberano em seu domínio; ou seu duplo: o soberano da

202 . MERCADANTE, P.
A consciência conservadora no Brasil, cit., p. 192 e ss.
203 . MONTENEGRO, M. J. B. de. op. cit., p. 22.

77
Os Brancos da Lei

nação a dirigia como sua família. Dos grandes críticos do Poder Moderador,
Tobias Barreto, discutindo a forma de governo brasileira, que os "aduladores
áulicos" insistiam em relacionar à inglesa, asseverava:
... o governo do Brazil não deve ser, não é parlamentar; a
mesma Constituição é contrária a esse regime, visto como tem
por base a confiança unica no primeiro representante da
nação, o qual é só capaz de conduzir-nos à prosperidade
infinita que o futuro nos reserva. Logo, convém banir essas
idéias de constitucionalismo liberal, e deixar que o Imperador
seja o que a Constituição quis que ele fosse, isto é,
independente, preponderante, Soberano.204
Em momento algum a soberania estaria no povo. Na casa ela pertence ao
senhor; no Estado, ao imperador. Ambos são inatingíveis em seus
domínios. O que nada mais há de razoável ante o olhar dos súditos - que
têm no direito de graça do monarca uma das mais belas e legítimas
disposições constitucionais:
Qualquer que seja o nome do depositário da soberania
nacional - Rei, Imperador, Presidente, chefe do poder
executivo - o direito de graça é uma das suas mais belas e
importantes prerrogativas. (ênfase acrescentada)205
Apesar de não constar no direito positivo, o jus vitae, et necis do
Direito romano era sancionado no Brasil escravista pelo direito
costumeiro e pelo discurso criminalístico. O direito de graça que se
atribui ao Poder Moderador está previsto no artigo 66 do Código
Criminal. Já se disse que o êxito da consolidação do "poder nacional" no
século XIX deveu-se, sobretudo, ao prestígio imperial, à majestade e
inviolabilidade do rei206, homóloga, a despeito das dimensões, à soberania
doméstica do senhor.

204 . MENESES, T. B. de. A questão do poder moderador (o governo parlamentar no Brasil), cit., p. 82 e ss.

205 . LUÍS, F. op. cit., p. 136.

206 . Cf. VIANA, F. J. O. op. cit., p. 299.

78
Os Brancos da Lei

O uso e abuso da nação pelo soberano207, como faz o pater em sua


casa, não passou despercebido aos olhos atentos dos juristas. A crítica
voraz de alguns revela o descomedimento do summa potestas imperial e
o aproxima do oîkos despotes ou pater familias208.

No Império em construção, na primeira metade do século XIX,


efetiva-se esse vício. O personalismo, o apadrinhamento, a proteção e o
arbítrio são a regra. Quando não mais agradam as regras, que se as
mudem, como está ilustrado em vários momentos de nossa história, desde
a dissolução da Assembléia Constituinte por D. Pedro I209. Tomás Alves
Jr. atribuía a origem de toda a anarquia reinante no Império ao seu
sistema eleitoral:
Com o suffragio universal de homens sem consciencia de
seus direitos politicos, acostumados a viver das migalhas do
poder, famelicos ou criados humilissimos desse poder, que
tambem precisa viver apoiado na massa de pedintes e baixos
adoradores, por ahi vai de triumpho em triumpho á custa da
degradação do paíz, que pouco a pouco se vai engolfando nas
trevas de um scepticismo atroz e desanimador. É impossivel
que isto assim continue na idea de que o paiz deve ser grande;
a immoralidade solapa o corpo social, e, menos felizes que os
romanos, cahiremos rachiticos sem termos atingido ao apogêo
de nossa grandeza como nação.210
Em carta dirigida aos filhos e netos no preâmbulo aos dois volumes
de seu Manual do Código Criminal, Marques Perdigão lhes dedica sua
obra e explica ao público por que se recusou, apesar dos convites

207 . Que Sérgio Buarque de Holanda eleva a um dos fatores que teriam conduzido à queda do regime monárquico. Cf. HOLANDA, S. B. de.

HGCB, t. 2, v. 5; COSTA, E. V. da. Da monarquia à República, cit., p. 59-78.


208 . Ao comentar o artigo 50 - sobre a pena de banimento - Mendes da Cunha reconhecia que tal pena era inaplicável em "grandes conjunturas
políticas", como queriam alguns autores, pois seria utilizada inescrupulosamente: "Nós facilmente conviríamos com estes autores, se a politica fosse sempre
moral, e a moral nunca politica; mas quando a moral se tem feito huma sciencia positiva e peculiar de cada um dos estados em apoio da política que a cada um
convém adoptar, e a politica uma sordida especulação de comando e fortuna, e hum sistema de corromper, e degradar as virtudes mais heróicas e civilizadoras da
espécie no interesse de uns poucos velhacos,
que usufruem as nações, como os particulares seu patrimonio, o
banimento não pode deixar de ser um acto de espólio, de vingança e de violência, ainda mesmo que
seja judiciariamente imposto." (ênfase acrescentada) AZEVEDO, M. M. da C. op. cit., 299.
209 . Cf. ARMITAGE, J.
História do Brasil, cit., p. 51-62.
210 . ALVES Jr., T. op. cit., v. 2, p. 252.

79
Os Brancos da Lei

insistentes, a entrar para a carreira política. Porque ela seria simplesmente


podre. Critica asperamente os partidos políticos no Brasil - suas paixões
sem causa séria, sua incapacidade de manter um governo durável, a
"astucia a que se chama o equilibrio dos partidos!":
Eis ahi porque, fugindo dessa escola onde tão má é a
cartilha, condenei-me á innação, nessa senda de prompto
engrandecimento, privando-me assim de penetrar no espirito
de nossa época, onde, por concessões mutuas, ter algumas
chapas de metal penduradas no peito da casaca, o título de
Conselho ou a excelencia por direito, como meios, embora
estereis e frivolos, de lisonjear a vaidade e de supprir, pelo
brilho do continente, a insufficiencia do conteudo.211
Todas as arbitrariedades do governo central, "verdadeiras bizarrias",
fizeram Mendes da Cunha Azevedo caracterizar o Império como excêntrico. É
esclarecedor perceber como os próprios setores dirigentes do Império
estampavam em livros seu descontentamento. Permita-se o longo excerto:
Dizemos de raridades para não o chrismar com outro
nome mais adequado ao que todos sabemos por experiência. A
impunidade dos crimes mais atrozes, e mais conhecidos por
aquelles, que menos se ocuppão de investigal-os, a
indifferença para a honra, para o saber, e para o merito na
escolha dos agentes da Authoridade publica, a distribuição da
Justiça ao mercado, e á mercê do governo nos crimes
políticos, a ommissão incalculavel de todos os officios
policiaes judiciareos, ou administrativos, o thesouro das
graças aberto para remunerar serviços particulares, e as
graças distribuídas por alguns homens de reputação
escandalosa, as eleições á vontade omnipotente dos Ministros
da Côrte, e por intermédio de seus Presidentes, e agentes
policiaes nas Provincias, a força finalmente, o arbítrio, a
vingança, em que o governo se ostenta em todos os actos de
publica administração, são outros tantos motivos, que
tornarião perplexo o homem mais tolerante, e mais resignado
a soffrer as misérias da fraqueza humana sobre se o Brazil he

211 . PERDIGÃO, C. F. M. op. cit.


, p. VII.
80
Os Brancos da Lei

uma sociedade civil, ou uma aggregação de individuos, que


tivessem convencionado viver debaixo de hum sistema
contrario a todos os sistemas até hoje conhecidos, como huma
raça nova, com disposições também novas para tudo, que
repugna com o senso moral, e a consciencia de todo o genero
humano! Só nos podem contradizer os cumplices de nossas
desgraças, e aquelles, que dellas tem tirado proveito.212
A mesma voracidade encontra-se em muitos outros autores. Alguns
acusam a imoralidade e a corrupção desde os escalões mais baixos da
administração até os mais superiores. São unânimes em denunciar o torpe
desvio dos funcionários e dos mandantes governamentais, comparando a
falência do Brasil à queda do Império Romano. Nas notas de Paula Pessoa ao
capítulo do Código referente a prevaricações, abusos etc., percebe-se a
importância que têm para os juristas, em vista do mal que podem causar: Roma
caiu devido à degradação dos costumes e do espírito público213.

De resto, toda a corrupção e arbítrio que acusa veementemente o


excerto anterior vêm de cima para baixo: a vontade do soberano, suas
idiossincrasias na lida com a coisa pública são, no limite, a lei - assim
como na casa do senhor de engenho ou da fazenda de café o é a voz do
pater. De uma tal configuração seria impossível depurar-se a vigência de
doutrinas liberais. Estas sofreram inevitavelmente a sorte de conviverem
com o elemento servil, numa congregação marcada pela disseminação da
violência como atributo ontológico do sistema patriarcal.

212 . AZEVEDO, M. M. da C. op. cit., p. 181. Ver também ALVES Jr., T. op. cit., p. 252; PERDIGÃO, C. F. M. op. cit., p. VII.

213 . "Entre os crimes que mais compromettem a paz publica, não se poderia deixar de dar uma classe principal aos que os funcionarios publicos commettem no exercicio de
suas funcções, sendo manifestamente perturbada a ordem, quando os que são encarregados de mantel-a, são os primeiros a infringil-a". PESSOA, V. A. de P. op. cit., p. 233.

81
Os Brancos da Lei

82
Capítulo IV
À SOMBRA DA SENZALA

Os movimentos anticolonialistas do início do século XIX inauguraram uma


nova corrente no discurso político brasileiro, segundo o qual com eles se teriam
plantado - e com a Independência se efetivado - as raízes do liberalismo
renovador sobre as cinzas das tradições ligadas à velha ordem. Essa construção
ideológica é até hoje reproduzida mesmo pela historiografia. A importação do
vocabulário liberal e sua apropriação pelos setores letrados dominantes não
fazem liberais, apenas por isso, os homens e o Estado imperiais. Os limites do
liberalismo foram aqui definidos pelas próprias relações sociais de produção
escravistas.

Estas estabeleceram as interações e interdependências entre os


agentes na sociedade brasileira do Oitocentos. Sob a predominância da
grande família patriarcal, que incluía o processo de produção,
impuseram-se padrões de conduta caracterizados pela reverência à
autoridade e por formas específicas de violência. Na primeira parte deste
capítulo tentaremos caracterizar as peculiaridades da violência escravista.
Na segunda, tendo como eixo a discussão sobre a pena de morte,
destacaremos a casuística do ideário liberal dos dirigentes do Império.

A autoridade paterna era um valor inquestionável na mentalidade


escravista. A violência, sublinha Horkheimer, é um princípio inerente
a qualquer relação autoritária214. Só ela faz com que alguém ceda, contra
sua vontade, a outrem que lhe é de alguma maneira mais forte. A
violência física é óbvia, mas existem outras formas mais veladas e tão
pungentes quanto a coerção corporal, produzidas e difundidas por uma

214 . Cf. HORKHEIMER, M.


Autoridade e família, cit., p. 61-95.
Os Brancos da Lei

cultura autoritária 215 . Além de relativamente autônoma, a cultura


autoritária sofre um processo de interiorização que pressupõe, em certa
medida, uma identificação do coagido com o sujeito da coação216.

Afirmar que uma sociedade escravista é violenta soa algo redundante


e nada explica. É o mesmo que dizer que as sociedades contemporâneas,
apesar do processo civilizatório, também o são217. Em todas as sociedades
humanas até hoje houve formas de violência, mas nem por isso ela deve
ser encarada como algo inerente à "esssência humana", portanto
imprópria para ser usada como categoria histórica. Antes, é necessário
buscar suas especificidades em cada cultura.

Para chegarmos ao caso particular do escravismo colonial é


imperativo partirmos de uma conceituação geral e mais abstrata acerca da
violência. Para tanto, nenhuma mais própria que a do verbete homônimo
do Dicionário de política, de Bobbio218. De acordo com este, ela pode
ainda ser direta - quando atinge diretamente o corpo de quem a sofre -
ou indireta - quando opera uma alteração no ambiente físico da vítima.
Em qualquer caso, o resultado é uma modificação no estado físico - e/ou
moral, acrescentaríamos - do indivíduo ou grupo alvo da ação violenta.

215 . "Toda cultura é assim incluída na dinâmica histórica: os seus campos, portanto, os hábitos, os costumes, a arte, a religião, a filosofia constituem
no seu entrelaçamento fatores dinâmicos na manutenção ou destruição de uma determinada sociedade. A cultura é ela própria em cada momento um conjunto de
forças no processo de mutação cultural". Ibidem, p. 45.

216 . No mesmo sentido, Norbert Elias mostrou como o autocontrole, a pacificação individual indicam uma profunda transformação civilizatória de
toda a estrutura da personalidade, que tende a uma aversão ao uso da violência: "Somente quando este autocontrole de impulsos espontâneos à violência se torna
consensual, o problema do ato da violência intencional e refletido nas sociedades civilizadas pode ser corretamente entendido".
ELIAS, N. Violence
and civilization: the state monopoly of physical violence and its infringement, cit., p. 180. Ver
também Idem. Processes of state formation and nation building, cit., p. 274-83.
217 . Ver a respeito o "Dossiê Violência" da
Revista USP, São Paulo, v. 9, 1991; também o suplemento
"Violência". Ciência Hoje, São Paulo, v. 5, n. 28, 1987.
218 . "Por violência entende-se a intervenção física de um indivíduo ou um grupo contra outro indivíduo ou grupo (ou também contra si mesmo).
Para que haja violência é preciso que a intervenção física seja voluntária (...). Além disso, a intervenção física, na qual a violência consiste, tem por finalidade
destruir, ofender e coagir (...). Exerce violência quem tortura, fere ou mata, quem, não obstante a resistência; imobiliza ou manipula o corpo do outro; quem
impede materialmente outro de cumprir determinada ação". BOBBIO, N. et alii (orgs.).
Dicionário de Política, cit., p. 1291-98.
84
Os Brancos da Lei

Em termos descritivos, pode-se tomar o conceito como sinônimo de


força, mas não de poder, do qual se distingue de maneira precisa219. O
poder coercitivo pode basear-se ainda na violência em ato ou apenas em
sua ameaça. Em sua continuidade, o uso da violência como punição para
a desobediência demonstra a ineficácia da ameaça como solução
imediata, enquanto a prepara como poder coercitivo para o futuro220. A
violência pode, por fim, estar imbuída de um caráter demonstrativo,
"pedagógico".

A partir dessas definições gerais pode-se afirmar o caráter violento da


sociedade escravista. Em tudo, enfim, adapta-se aquele conceito à
realidade escravista colonial: desde a apreensão dos africanos - e
conseqüente desmantelamento da sociedade tribal -, de sua remoção
para o Brasil nos tumbeiros - início da reificação de sua pessoa -, da
venda nas praças públicas ao domínio absoluto de seu corpo no trabalho
compulsório no eito, na casa ou nas ruas, na sua violação sexual, nos
castigos físicos moderados ou não.

A noção de criminalidade implica a construção da alteridade do


delinqüente. Os detentores do poder distinguem os que transgridem suas
normas como "outros" que merecem castigo e correção. O criminoso
comum causa na sociedade um medo inofensivo e necessário e sua
existência provoca a ilusão tranqüilizadora de que o Direito permanece
intacto221. Incorporada essa construção ideológica pela sociedade, resulta
natural a definição legalista de crime como quebra da lei, como infração
do direito positivo - conforme consta nos artigos iniciais do próprio
Código Criminal 222 . Doutrina de grande receptividade entre os seus

219 . "O poder é a modificação da conduta do indivíduo ou grupo, dotada de um mínimo de vontade própria. A violência é a alteração danosa do
estado físico de indivíduos ou grupos. O poder muda a vontade do outro; a violência, o estado do corpo ou de suas possibilidades ambientais e instrumentais".
Ibidem.

220 .
Cf. Ibidem.
221 . Cf. ENZENSBERGER, Hans Magnus.
Reflexões diante de uma vitrine. Revista USP, cit., p. 18.
SOUSA, A. C. de M. A verdade da repressão. Ibidem, p. 28.
222 . "Art. 1o
. Não haverá crime, ou delicto (palavras sinonimas neste Codigo) sem uma lei
anterior, que o qualifique.
85
Os Brancos da Lei

comentadores, como é exemplo Marques Perdigão, quando reflete sobre


o parágrafo 6o. do art. 16 - circunstância agravante da superioridade em
sexo, força e armas:
O que afinal será a superioridade em sexo? E em força e
armas? Demonstrará o requinte de perversidade do agente?
Quanto a nós são purammente meios de execução do delicto,
que se pode estudar sob a forma geral de - violência, que é
o emprego da força para consummar a violação do direito.
(ênfase acrescentada).223
Esse conceito instrumental de violência exprime a visão do detentor do
poder: um último recurso contra os que transgridem a ordem. Dessa ótica
torna-se inaceitável, por exemplo, que os virtuais rebeldes (ou criminosos)
possam agir contra uma violência anterior que os oprime 224 . Seria o caso da
violência empregada nas grandes revoluções como a Francesa ou a Russa, ou nas
guerras antiimperialistas, para combater um estado de coisas ainda mais opressor
e despótico. Nesta categoria cabem as rebeliões de escravos. O ponto de vista de
onde se enfoca a violência - legalista do opressor ou antilegalista do oprimido -
torna muito difícil uma clara conceituação.

A violência legítima, ao contrário de "instrumento histórico para o


progresso da humanidade", tende geralmente a ser concebida do ponto de
vista dos que detêm o poder. Mas, concordando com Jacob Gorender, não
está isenta da incidência de variáveis históricas:
Mudam as formas e graus de violência legítima, ou seja,
socialmente aprovada. Formas e graus cambiam através do
tempo, porém a violência legitimada nem por isso deixa de ser

Art. 2o. Julgar-se-ha crime, ou delicto: 1o. Toda a acção, ou ommissão contraria ás lei
penaes."
223 . PERDIGÃO, C. F. M.
Manual do codigo penal brasileiro, cit., p. 149.
224 . Para uma noção de violência diversa de "violação do Direito" é preciso pensá-la do ponto de vista do oprimido: "Tudo depende de que se possa
ou não reconhecer na violência um instrumento do progresso histórico da liberdade, o resultado de uma contradição real entre formas da particularidade e `razões
do universal'. Se a violência constitui a reação à violência da humanidade do homem, ela se mostra legítima porque necessária
em si (dotada de
razões suficientes) e para nós (para que seja possível repercorrer retrospectivamente a história dos
homens como história de sua libertação)". BURGIO, Alberto. Do discurso à violência: com Hegel,
depois de Hegel. Síntese Nova Fase, Belo Horizonte, V. 46, p. 37, 1989.
86
Os Brancos da Lei

reconhecida como violência, pelos que a aplicam e pelos que


a sofrem.225
A legitimidade da violência privada no escravismo é ex natura, como na
relação entre pai e filho. O senhor detém o direito legal da aplicação do castigo
moderado como pai e protetor de seus fâmulos, responsável pela garantia da
ordem em seus domínios 226. Na casa grande esse preceito é insofismável. Na
discussão anterior sobre a obediência passiva ressaltou-se a veneração pelo dever
filial à voz paterna. Mais de um dos jurisconsultos afirma que "... o exercicio do
poder legítimo arrasta á necessidade de fazer o mal, para reprimir o mal (...)
pois que ninguem quereria mais ser magistrado, ou pae, se não houvesse
segurança de seu poder”.227

É no regime servil que se funda o poder patriarcal. Quando o trabalho


se desmoraliza e é resultado de uma imposição, afirma Emília Viotti da
Costa, os dominantes vêem-se obrigados a apelar à violência física228. No
plano das representações mentais essa prática tinha a força de um axioma.
Razoável por sem dúvida é a doutrina deste paragrafo,
pois que tende á conservação da tranquilidade domestica: o
mal que resulta do castigo infligido pelo pae ao filho, pelo
senhor ao escravo, pelo mestre ao discipulo se redunda em
beneficio dos que o soffrem = é empregado para fazel-os
entrar no circulo de suas obrigações. (ênfase acrescentada)229

225 . GORENDER, J.
A escravidão reabilitada, cit., p. 24. Também BURGIO, A. op. cit., p. 45: "...
A moral julga a legitimidade das leis monstrando como freqüentemente sob esse nome se afirma a
violenta tutela dos interesses particulares e indicando em muitos casos a desobediência como o único
comportamento aceitável." (ênfase acrescentada).
226 . Não se está afirmando que o emprego da força pelo soberano da casa fosse apenas arbítrio. A organização da sociedade sob a forma patriarcal

funcionava, no sentido de que, não obstante a subordinação que a expropriação dos meios de
produção criava nos dependentes, não obstante sua assimilação aos valores criados pela classe
dominante, o emprego da força física serviu de fato para impedir a insubordinação e para domesticar
toda forma de desobediência. Ver, sobre a eficácia social do emprego da coerção física, BOBBIO, N.
Estado, governo, sociedade, cit., p. 83.
227 . MONTENEGRO, M. J. B.
Lições academicas sobre o Codigo Criminal, cit., p. 148.
228 . "Para manter o ritmo de trabalho, impedir atitudes de indisciplina ou reprimir revoltas, para atemorizar os escravos, mantê-los humildes e
submissos, evitar e punir fugas, os senhores recorriam aos mais variados tipos de castigo, pois os acordos e reprimendas pouco valiam. Não se concebia outra
maneira de regular a prestação de serviços e a disciplina do escravo. O que se poderia condenar era o exceço, o abuso cometido por alguns senhores ou seus
mandatários: feitores ou cabras...". COSTA, E. V. da.
Da senzala à colônia, cit., p. 303.
229 . MONTENEGRO, M. J. B.
Lições academicas..., p. 181. Parece que há uma similaridade em
relação à América espanhola: "O poder correcional do senhor sobre o escravo está limitado neste
87
Os Brancos da Lei

O exercício privado da violência pelo senhor na correção moral de seus


dependentes, embora legítimo, não a torna por isso mais branda. A origem da
violência na sociedade escravista reside nesse atributo do senhor.

No Código Criminal, o artigo 28, por exemplo, que obriga o réu à


satisfação sem incriminá-lo, prescreve em seu parágrafo 1o. que o
senhor é responsável pelos danos causados por seu escravo até o valor
deste. Para Mendes da Cunha Azevedo a doutrina desse artigo é
extremamente abusiva, uma violência que privava o senhor dos serviços
que o escravo lhe prestava antes do delito:
Por maior, e mais intença que seja a vigilancia, e
atividade do senhor sobre seus escravos, não é possivel conter
sempre a todos nos limites do respeito, e obediencia ás leis do
paiz, e ás sabias prescrições da moral; logo tomar por base
da reparação do damno semelhante imputação he partir de
um principio falso, e de um dado supposto.230
A ideologia do precedente, que fazia os autores nadificarem a existência da
escravidão para que suas análises liberais não caíssem em contradição,
estendeu-se à própria legislação. Uma lei de 10 de junho de 1835 estabeleceu e
um aviso de 14 de fevereiro de 1852 ratificou que a ofensa ou ferimento de
escravos contra senhores, administradores e respectivas mulheres e familiares
deveriam ser punidos com pena de morte. Do que concluiu um jurista:
Esta disposição é uma consequencia da escravidão: o
legislador considerou necessaria para manter a obediencia e
subordinação domestica, e a disciplina dos estabelecimentos,
em que o trabalho se faz por braços escravos. (...) Em um pais
de escravatura a legislação não pode deixar de conter
disposições repugnantes á civilização christã.231
A escravidão é a explicação em última instância do poder patriarcal e da
difusão da violência. Dela se expandia para todas as camadas sociais,

tempo. A Lei reconhece ao senhor poder para castigar ao escravo pelos delitos e faltas que comete,
em vez de levá-lo a juízo, podendo segundo a lei das Partidas matá-lo ou castigá-lo com ordem do
juiz local." GARCIA GALLO, C. op. cit., p. 1028.
230 . AZEVEDO, M. M. da C. op. cit., p. 256.

231 . BARROSO, J. L.
Indice alphabetico do Codigo Criminal, cit., p. 94.
88
Os Brancos da Lei

impregnando as mais diversas relações, desde a época colonial232. Importantes


obras já trataram do assunto. O clássico estudo de Maria Sílvia de Carvalho
Franco contribuiu para deslindar o processo de institucionalização social da
violência dentro dos códigos morais do século XIX e sua incorporação como
modelo socialmente válido de conduta no meio rural, entre homens livres e
pobres233.

Oliveira Viana tocou tangencialmente o assunto ao esquadrinhar a


formação social e política das populações rurais do Centro-Sul234. Esses
estudos pioneiros, contudo, acabam por negligenciar a presença do
elemento servil na explicação da violência no Brasil até pelo menos a
Abolição.

A violência foi registrada com freqüência por cronistas e viajantes.


Há um depoimento que demonstra a prática da violência entre pessoas da
própria elite dirigente, ao mesmo tempo em que fala sobre a escravidão.
O naturalista inglês James Fox Bunburry, que esteve no Brasil entre
1833-1835, relata o caso que envolveu o redator do jornal Brasil Aflicto,
Clemente José de Oliveira; seu assassino foi o oficial Carlos Miguel de
Lima e Silva, filho de Francisco de Lima e Silva, regente do Império. O
viajante registra perplexo o desfecho do acontecimento, que teve ampla
repercursão, e a prática da época. Tudo ocorreu em plena luz do dia e na
presença de grande número de pessoas. Dois ou três dias depois o homem
morreu e o assassino entregou-se à Justiça. Quando chegou a ocasião de
seu julgamento, como não havia aparecido nenhuma testemunha para
depor contra ele, o Tribunal do Júri julgou improcedente a acusação.

Para Bunburry esse desenlace foi resultado da ineficácia da polícia e


da Justiça do país, que deixavam os crimes sempre impunes. Dizia o
naturalista que, em geral, os delitos eram freqüentemente cometidos por

232 . De acordo com Sérgio Buarque de Holanda, a esfera da vida doméstica na sociedade colonial, à sombra do pátrio poder, esteve sempre muito
pouco exposta às forças corrosivas estranhas vinda do exterior: "Nesse ambiente, o pátrio poder é virtualmente ilimitado e poucos freios existem para sua tirania.
Não são raros os casos como o de um Bernardo Vieira de Melo, que, suspeitando a nora de adultério, condena-a à morte em conselho de família e manda executar
a sentença, sem que a justiça dê um único passo no sentido de impedir o homicídio ou de castigar o culpado, a despeito de toda publicidade que deu ao fato o
próprio criminoso". HOLANDA, S. B. de.
Raízes do Brasil, cit., p. 49.
233 . Cf. FRANCO, M. S. de C. O código do sertão. In.________:
Homens livres na ordem escravocrata. cit.
234 . Cf. VIANA, Oliveira. op. cit.

89
Os Brancos da Lei

escravos, mais por vingança que por roubo. Houve casos famosos de
senhores que usavam seus escravos para assassinar pessoas de quem
tinham ódio.
Uma coisa podemos concluir com segurança: o senhor,
tendo poder ilimitado e irresponsável sobre seus escravos, é
contrário à razão supor que muitas vezes ele não abuse desse
poder. Não sei, de fato, se as leis ostensivamente concedem ao
senhor o poder de vida e de morte; aliás creio que não; mas
se as leis são tão ineficientes mesmo para a proteção dos
cidadãos livres, é claro que não podem oferecer segurança
alguma a uma infeliz raça de homens que são privados de
todos os direitos sociais e políticos.235
Embora a violência seja um atributo ontológico da escravidão, registrada
pelos cronistas e estudada em trabalhos sobre criminalidade, na década de 1980
houve uma tendência em negá-lo na historiografia brasileira 236 . O paradigma
teórico que estabelece uma igualdade entre senhor e escravo - inspirado por
obras de autores como Stuart Schwartz, Eugene Genovese e principalmente
Edward Palmer Thompson -, na busca da recuperação do escravo como sujeito
histórico, vem supervalorizando seu papel a ponto de supor que essa relação

235 . BANBURY, Charles James Fox.


Viagem de um naturalista inglês ao Rio de Janeiro e Minas Gerais
(1833-1835). Trad. H. G. de Sousa. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981. p. 38-40. São inúmeras as
referências à violência cometida por senhores contra escravos na literatura dos viajantes. Ver, por
exemplo, BURTON, Richard F. Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho. Trad. David Jardim Jr.
Belo Horizonte: Itatiaia, 1976. p. 207-10, 233-9; EWBANK, Thomas. Vida no Brasil. Trad. Jamil
Almansur Haddad. Belo Horizonte: Itatiaia, 1976. p. 65, 94-6, 301, 323; RUGENDAS, João
Maurício. Viagem pitoresca através do Brasil. Trad. Sérgio Milliet. Belo Horizonte: Itatiaia, 1979. p.
245-86; SAINT-HILAIRE, Auguste de. Segunda viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São
Paulo (1822). Trad. Vivaldi Moreira. Belo Horizonte: Itatiaia, 1974. p. 47. Agradecemos esse
levantamento a Joaci Pereira Furtado.
236 . Da historiografia brasileira, cuja principal matriz é o clássico estudo de Gilberto Freire,
Casa grande e Senzala, são
exemplos: MATOSO, K. de Q. Ser escravo no Brasil, cit.; LARA, Sílvia H. Campos da violência:
escravos e senhores na capitania do Rio de Janeiro (1780-1808). Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1988;
VAINFAS, Ronaldo. Ideologia e escravidão: os letrados e a sociedade no Brasil colonial. Petrópolis:
Vozes, 1986; GEBARA, A. O mercado de trabalho livre no Brasil, cit.; LAMOUNIER, Maria Lúcia.
Da escravidão ao trabalho livre; a lei de locação de serviços de 1879. Campinas: Papirus, 1988;
MACHADO, Maria Helena P. T. Crime e escravidão: trabalho, luta e resistência nas lavouras
paulistas (1830-1888). São Paulo: Brasiliense, 1987; MARSON, Isabel A. O "cidadão criminoso": o
engendramento da igualdade entre homens livres e escravos no Brasil durante o Segundo Reinado.
Estudos Afro-asiáticos, São Paulo, v. 16, p. 141-56, 1989.
90
Os Brancos da Lei

baseava-se num contrato tácito - ou acordo sistêmico237. A chave de tal teoria


encontra-se no binômio resistência versus acomodação que, no limite, acaba por
pintar um quadro da escravidão como uma relação social amena, branda e, no
limite, interessante para a própria escravaria. Daí o resgate vigoroso da obra de
Gilberto Freire.

No capítulo introdutório deste trabalho discutiu-se a proposição


thompsoniana a respeito de uma virtual eqüidade e universalidade da lei.
Agora impõe-se resgatar seu conceito de paternalismo, para verificarmos
como se opera sua assimilação por aquela historiografia. Tomaremos
como referência o estudo de Maria Helena P. T. Machado, uma vez que
tem como objeto justamente a relação crime versus escravidão; depois,
porque trabalha com o mesmo período de nossa investigação.

Em clássico ensaio de 1974, Thompson demonstrou como se travava


a luta de classes entre patrícios e plebeus na sociedade inglesa do século
XVIII238. O controle da classe dominante exercia-se primeiramente numa
hegemonia cultural e apenas secundariamente através de poder
econômico ou físico (militar). Para o autor britânico, definir o controle
em termos de hegemonia cultural não significa desistir da análise mas, ao
contrário, prepará-la nos pontos em que pode efetivamente ser construída:
dentro das imagens de poder e autoridade arraigadas na própria
mentalidade popular de subordinação.

Uma hegemonia cultural desse tipo induziria a um estado mental no


qual as estruturas da autoridade e os meios de exploração apareceriam
como naturais, o que não impediria ressentimentos ou mesmo
sublevações de protesto ou vingança - mas apenas a rebelião efetiva239.
Assim como no teatro, entre dominantes e dominados estabeleciam-se
diferentes papéis, mas de igual peso. À dominação dos rulers respondia a
turba - the mob - com um movimento de três características principais: a
tradição anônima, o contra-teatro e a ação direta. E o preço que a

237 . Ver GORENDER, Jacob. Violência, consenso e contratualidade. In:


________. A escravidão reabilitada, cit., p.
19-43.
238 . Cf.THOMPSON, E. P. Patrician society, plebeian culture.
Journal of Social History, s.l., v. 4, p. 387, 1974.
239 . Cf. Ibidem, p. 387 e ss.

91
Os Brancos da Lei

aristocracia e a gentry pagavam por uma monarquia limitada e um Estado


fraco era, naturalmente, a licenciosidade da multidão (the crowd). Este
era o fundamento da reciprocidade de relações entre rulers e ruled240.

O historiador inglês desenvolveu suas teses em trabalhos


posteriores241, e dificilmente incorrerá em erro quem afirmar que foi
esta a fonte da qual se importou o binômio resistência versus
acomodação. No artigo "La sociedad inglesa del siglo XVIII...", a questão
do paternalismo é tratada detidamente. O autor inicia com excertos de
dois historiadores, muito parecidos entre si, que descrevem senhores
proprietários de terra do século que estuda. Em seguida, justamente para
afirmar a impropriedade do conceito de paternalismo, pela sua pouca
precisão e operacionalidade, acusa que uma e outra citação referem-se a
sociedades absolutamente distintas. Uma descreve um membro da gentry
inglesa; a outra, os donos de escravos do Brasil colonial. Ambas
serviriam ainda para pintar outras realidades, como a Roma antiga ou os
donos de escravos da Virgínia242.

Além disso, trata-se de uma descrição de relações sociais vistas de


cima - o que é mais grave, pois isto faz com que o conceito esteja
carregado de implicações valorativas:
... sugere calor humano, numa relação mutuamente
admitida; o pai é consciente de seus deveres e
responsabilidades para com o filho, o filho está de acordo
com ou consciente de seu estado filial.243
Não obstante sua própria crítica, o conceito thompsoniano de paternalismo
foi amplamente apropriado pela historiografia brasileira. A reciprocidade entre
dominantes e dominados que o autor percebe e analisa na Inglaterra do

240 . Cf. Ibidem, p. 402 e ss.

241. Idem. La sociedade inglesa del siglo XVIII: Lucha de clases sin clases?
In:________. Tradicción, revuelta y
consciência de clase. Barcelona: E. Crítica, 1979. p. 13-61; Idem. Senhores e caçadores, cit.
242 . "Podemos denominar uma concentração de autoridade econômica e cultural de `paternalismo' se assim desejamos. Mas, se admitimos o termo,
devemos admitir também que é demasiado grosseiro para uma análise discriminatória. Diz muito pouco sobre a natureza do poder e do Estado, sobre formas de
propriedade, ideologia e cultura, e é muito grosseiro para distinguir entre modos de exploração, entre mão-de-obra servil e livre." Idem.
La sociedad
inglesa del siglo XVIII: lucha de clases sin clases?, cit., p. 17.
243 . Ibidem, p. 18.

92
Os Brancos da Lei

Setecentos é trazida sem mediações para a realidade da escravidão brasileira,


onde a equiparação de papéis entre senhores e escravos se funda no famigerado
binômio. Isso propicia a recuperação da imagem de uma sociedade terna e dócil
difundida pela própria classe dominante e, posteriormente, pela obra de Freire244.
Daí para a exclusão da violência do quadro da realidade escravista bastou um
modismo.

A origem da confusão reside na vulgarização do conceito equivocado


de paternalismo como relação dócil, de proteção a que o filho ou
dependente estaria sujeito em relação à figura paterna. A concentração de
poder - no direito costumeiro, até de vida e morte - nas mãos do senhor,
ao contrário, dá margem a todo tipo de arbitrariedade e violência.

Vimos anteriormente os juristas legitimarem o jus vitae, et necis - a


faculdade de que dispunha o pai, no Direito romano, de ser juiz dos
delitos cometidos no ambiente doméstico, de impor se necessário a pena
capital, sem recorrer aos juízos públicos, "visto que ninguém melhor do
que os pais podia escrupulosamente exercitar esse direito". Pudemos
também observar em vários autores como se referendava o açoite para os
escravos e o castigo moderado do senhor sobre seus dependentes.

É problemático, de acordo com os valores dos criminalistas,


entender-se por brando o poder patriarcal. O importante estudo de Maria
Helena P. T. Machado, dada a sua inquestionável seriedade, nos sirva
como paradigma. Perpassa em todo o trabalho a concepção do
contratualismo entre senhores e escravos 245 . Se é correto que a
mentalidade patriarcal fundava-se nas relações escravistas, é difícil

244 . Não entraremos aqui na questão do "mito da democracia racial", que já tem uma historiografia da historiografia. Ver COSTA, E. V. da. O mito

. In:________. Da Monarquia à República, cit., p. 248-65, detalhada resenha


da democracia racial no Brasil

historiográfica sobre o tema; CARDOSO, C. F. S. Fundamentos históricos do "problema negro" no


continente americano. In:________. Agricultura, escravidão, capitalismo, cit., p. 95-132, sobre as
origens das diferenças do problema racial nas Américas; GEBARA, A. Introdução. In:________.
op. cit., p. 11-28; TOPLIN, R. B. From slavery to fettered freedom: attitudes toward the negro in
Brazil. Luso-brasilian Review, Madison, v. 7, n. 1, p. 8, 1970.
245 . Cf. com a definição de BOBBIO, N.
Dicionário de política, cit., p. 272-83: em sentido amplo, por
contratualismo deve-se compreender as teorias que vêem no contrato a origem da sociedade e o
fundamento do poder, isto é, "... um acordo tácito ou expresso entre a maioria dos indivíduos, acordo
que assinalaria o fim do estado natural e o início do Estado social e político".
93
Os Brancos da Lei

sustentar, como se faz em Crime e escravidão, que a "... apreensão da


mentalidade senhorial condiciona-se à reconstrução do universo
ideológico e social dos escravos"246.

O universo mental dos senhores é de fato inapreensível se não se


considerar as relações entre senhores e escravos, como também entende a
autora. Quanto ao dos escravos, importa muito pouco na reconstrução da
concepção escravista de mundo, além de ser praticamente irrecuperável,
devido a entraves de ordem metodológica. Os registros trabalhados por
Machado são processos-crimes, ou seja, documentos produzidos pelos
dominantes a respeito de delitos de escravos. Não se pode cair
ingenuamente na ilusão de que um documento oficial estivesse
"interessado no estabelecimento da verdade sobre o crime"247.

A superestimação do papel do escravo leva a autora a crer que sua


autonomia "é o espelho dos limites da dominação senhorial" e - inspirada
em historiadores sociais ingleses como Thompson, Hobsbawn, Douglas
Hay, Peter Linebaugh e outros - que "o conceito de crime social como ato
consciente de resistência ao sistema de dominação material e ideológico"
ressurge renovado. Trata-se de duas flagrantes inversões: primeira, os
limites da autonomia dos escravos eram dados pelo aparelho repressor do
senhor - e não o contrário. Quando este era inócuo, tinha o Estado
escravista para proteger seus interesses. Segunda, a despeito de todo
crime ser um ato social, é no mínimo problemático atribuir à rebeldia
escrava - como o suicídio ou o homicídio de feitores ou mesmo senhores
- um grau qualquer de consciência de classe. Isso pelo menos até os
últimos anos da escravidão, quando a ação abolicionista, ativando os
caifazes, organizou a fuga em massa dos negros das fazendas.

Dessas orientações teóricas gerais emanam muitas conclusões de


difícil sustentação. Importam aquelas passagens que revelam a concepção
de paternalismo como instituição não-violenta. Partindo da hipótese de
que, no final da escravidão, ruía-se a hegemonia dos senhores de

246 . MACHADO, M. H. P. T. op. cit., p. 13.

247 . Ibidem, p. 22.

94
Os Brancos da Lei

escravos, esta classe viu-se obrigada a dobrar-se diante das leis que ela
mesma criara 248 . Em primeiro lugar parece pouco sustentável que a
Abolição foi precedida de um processo de "erosão da hegemonia
senhorial"249. Segundo, transparece o entendimento de paternalismo como
relação dócil.

As instituições paternalistas teriam minado parcialmente a coesão e a


identificação dos escravos, impossibilitando movimentos grupais 250 . A
estrutura fundiária, principalmente na região norte da província de São
Paulo, colaboraria nesse sentido, através da estabilização de
mecanismos paternalistas, "para o decréscimo das tensões violentas entre
senhores e escravos"251. Toda a acomodação decorreria da combinação
bem dosada de um trabalho rigidamente disciplinado: vigilância e
castigos constantes com incentivos mais ou menos diretos ao produtor,
gerados nos contatos entre senhores e escravos252.

A palavra-chave de toda a equação é reciprocidade numa relação


entre iguais. O senhor dependeria do escravo tanto quanto o inverso, o
que conferiria equivalência de poder de barganha às partes. E ambos
teriam consciência disso. Conforme se aproximava 1888, mais pediu o
escravo, mais teve que ceder o senhor. O paternalismo, enquanto sistema
contratual, seria a postura capaz de amenizar tendências opostas e
traduzir-se em política de mão-de-obra - ao mesmo tempo que indicaria a
conquista pelo escravo de um espaço autônomo dentro do sistema.
Comportamento humanitário e sede de lucros seriam respondidos,
reciprocamente, com acomodação e resistência253.

248 . "Dessa maneira, às regras paternalistas que desde há muito permearam as relações sociais da camada dominante, por intermédio de ritos de
apadrinhamento e alforria, aliou-se a imagem de uma figura senhorial calcada na observância das leis". Ibidem, p. 32.

249 . Tanto a substituição da mão-de-obra escrava pela livre como a mudança do regime político, de acordo com as teorias da modernizaçåo
conservadora da "via prussiana", foram imposições estruturais levadas a efeito pela própria classe dominante. Ver a "Introdução" deste trabalho; também
NOGUEIRA, Marco Aurélio.
As desventuras do liberalismo, cit., p. 69-77.
250 . MACHADO, M. H. P. T. op. cit., p. 51.

251 . Ibidem, p. 52.

252 . "Objetivos econômicos e posturas paternalistas conjugaram-se ao tratamento dispensado à mão-de-obra escrava, que, por sua vez, fazendo
frente à super-exploração de seu trabalho, procurou lançar mão de direitos adquiridos nas lides diárias e transformá-los em direitos costumeiros". Ibidem, p. 58 e
ss.

253 . Ibidem, p. 60, 111.

95
Os Brancos da Lei

Essas passagens são suficientes para exprimir o entendimento de


paternalismo como "comportamento humanitário" e, ao final, a
escravidão como "sistema contratual". De um tal ponto de vista se
esvanece o autoritarismo ontológico da concepção milenar do direito
de castigo que o pai tem sobre o filho, amenizada e difundida pela elite
dirigente. O paternalismo - ressurgido com o renascimento da escravidão
no mundo moderno e revitalizador do Direito romano - corresponde à
concentração de poder nas mãos do senhor, gerada na relação básica entre
senhor e escravo e que a extrapolava.

É essa concentração geradora da obediência cega que um jurista


chamou de "o temor reverencial dos filhos para com seus pais" 254 . O
medo, na sociedade escravista, emana da própria figura paterna e chegou
a inserir-se mesmo na carta penal em seu artigo 10, parágrafo 3o.255 .
Comentando este artigo, Paula Pessoa levanta o problema de a fome e a
miséria serem ou não justificativas de um crime, crendo poder
considerá-las no máximo circunstâncias atenuantes da pena256. Ademais,
assevera o autor que no Brasil essas desgraças encontram sempre
... uma mão caritativa que se estende para alivil-as no
caso de uma calamidade (...) a prática do crime não se deve á
miseria verdadeira e sim aos mais audazes, que se prevalecem
de uma ocasião para exercer mais de publico a profusão do
furto. (...) O miserável, o que tem fome, pede por instincto, o

254 . MONTENEGRO, M. J. B. op. cit.


, p. 118 e ss.
255 . Cf. artigo 10, parágrafo 3o
. - não serão considerados criminosos os que cometerem crimes
violentados por força ou medo irresistíveis - de que fala Ladislau Thot: "O problema da força
irresistível, como no caso da necessidade, já era regulado, como se sabe, no Código penal francês de
1810 (art. 64), no austríaco (art. 2) e no napolitano (art. 62). Mas, o Código Penal brasileiro de 1830,
não se contentou com a simples aceitação da idéia, mas a ligou também com a de medo". THOT, L.
O Código Criminal brasileiro de 1830. Archivo judiciario, Rio de Janeiro, 15: 122, 1930. Mendes
da Cunha Azevedo considera a questão delicada. O crime sob coação se dá pela força ou pelo medo.
A primeira é indiscutível. Já o constrangimento moral estaria à mercê de toda a sorte de
controvérsias. Dá exemplos de criminalistas (Barbeyrac) para quem uma pessoa ameaçada apenas
moralmente agiria com uma espécia de vontade. Outro (Chaveau), que considera que o que se pune é
a pusilanimidade da pessoa, e não o ato, não sendo portanto criminoso. Outros ainda consideram a
coação moral apenas circunstância atenuante. Cf. AZEVEDO, M. M. da C. op. cit., p. 135 e ss.
256 . "... Declarando-se o agente não culpado, se reconheceria que as regras da justiça moral têm o seu limite e suas excepções, ao mesmo tempo que
se daria a muitos culpados uma excusa difficil de contestar". PESSOA, V. A. de P., op. cit.
, p. 47.
96
Os Brancos da Lei

homem habituado á preguiça, e sem nenhum sentimento de


honra, - furta.257
A grande família patriarcal era a fonte desse tipo de sentimento, já que a
ajuda e o favor eram instituições sociais importantíssimas de sua configuração.
Muito já se falou do medo endêmico dos senhores em relação às insurreições
escravas, que os próprios contemporâneos denominaram "haitianismo" em
função da grande revolução de São Domingos, liderada por Toussant Louverture.
Gorender menciona a superabundância de documentação sobre o medo no
escravismo, que existia como sentimento latente ou manifesto, origem de
suspeitas constantes de conspirações, feitiçarias, envenenamentos etc. Chegou-se
ao limite de se fazer do medo fator explicativo da substituição da mão-de-obra
cativa pela livre258.

Chamamos a atenção para um outro olhar sobre o problema. Numa


sociedade em que a violência lhe é inerente, o medo é derivação
obrigatória e natural disso. Emana, antes de mais nada, do poder paternal
do senhor. Registrar apenas o temor que sentiam os senhores da rebeldia
daqueles a quem afligiam é assimilar, mais uma vez, o discurso dos
dominantes. O medo maior e anterior era provocado por essa mesma
classe de homens em suas atitudes diárias. Perto dele, qualquer alarde
diante da "onda negra" revela seu caráter ideológico. Assim já percebia
um famoso jurista e literato do Império:
O parágrafo 3o. do art. 10 é atinente à questão da vis
absoluta, à questão da violência, maximé, porém, da violência
moral. O mêdo é realmente um estado psicológico, em que
muitas vezes se podem cometer ações de caráter criminoso,
que aliás não se reputam crimes, pela ausência de uma livre
determinação da vontade. Mas nem todos estados
psicológicos, que por um lado se ressentem dessa mesma

257 . Ibidem.

258 . Cf. AZEVEDO, Célia Maria Marinho de.


Onda negra, medo branco; o negro no imaginário das elites
no século XIX. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1987. p. 28: "Os homens de elite, que desde o início do
século XIX começaram a formular uma série de propostas relativas à instituição do mercado de
trabalho livre em substituição ao escravo não sabiam decerto em que solução resultaria o problema
que tanto os angustiava. Suas falas previdentes e planejadoras (...) /deixam/ entrever todo um
imaginário perpassado pelo medo, pela tensão sempre presente nas relações entre ricos proprietários
brancos e miseráveis negros e mestiços escravos e livres".
97
Os Brancos da Lei

ausência, e que por outro não se deixam classificar entre os


casos de imputatio juris, podem entrar na categoria do mêdo.
Acima deste sentimento está, por exemplo, o sentimento de
obediência, pelo qual um filho se vê arrastado a cumprir uma
ordem criminosa de seu pai, ou em geral um subordinado a de
seu superior.
Nestas e iguais circumnstâncias, tão pouco existe o mêdo,
isto é, a apreensão de um perigo eminente, do qual se
pretende fugir pelo cumprimento da ordem, que não raras
vezes, o executor tem certeza de que a execução importa o seu
próprio aniquilamento. A vida militar é cheia de exemplos de
tal natureza.
Dir-se-ía que o mesmo não sucede na vida comum. Mas é
inexato. A hipótese dos filhos, ou de escravos, que malgrado
seu, e somente levados pela fôrça da obediência paterna, ou
heril, vão atrás da morte certa na perpetração de um crime
ordenado, será de todo gratuita?.259 (ênfase acrescentada)
A importação de modelos teóricos estrangeiros - como é o caso do binômio
resistência versus acomodação - não é um privilégio de nossa historiografia
contemporânea, mas verifica-se desde sempre na história das idéias no Brasil.
Assim se passou com as doutrinas liberais trazidas da Europa, onde se ilustrou a
elite letrada imperial. Os ideólogos construtores da nação brasileira, antes da
fundação das escolas de Direito (1827) e medicina no Brasil, formavam-se nas
tradicionais universidades do Velho Mundo (Coimbra, Bolonha e Montpellier,
por exemplo). Em contato com o ideário liberal que brotava por lá, dele se
desposavam e o traziam para seu país de origem. Já os próprios contemporâneos
acusavam o fenômeno da impropriedade da adequação das idéias estrangeiras à
realidade brasileira260.

No final da década de 1970 reinstaurou-se a polêmica sobre o "lugar


das idéias" liberais em relação à sociedade escravista. Para Roberto
Schwarz, se era razoável a persistência do raciocínio econômico burguês
da prioridade do lucro - devido à presença do comércio internacional - e a
apropriação das idéias francesas, americanas e inglesas em nome das

259 . MENESES, T. B. de.


Sobre o artigo 10 do Código Criminal, cit., p. 116.
260 . Como se verifica nas obras críticas de Machado de Assis e Sílvio Romero. Cf. SCHWARZ, Roberto. Nacional por subtração.
In:
________. Que horas são? Ensaios. São Paulo, Companhia das Letras, 1987. p. 29-48.
98
Os Brancos da Lei

quais se proclamou a Independência do Brasil, esse conjunto ideológico


iria colidir frontalmente com sua estrutura social fundada em relações
escravistas - e com ela teria de conviver. Disso resultou que a escravidão
impugnaria definitivamente a ideologia liberal, sem contudo orientar-lhe
o movimento.

Embora a escravidão fosse a relação de produção fundamental, o


nexo de toda vida ideológica era dado pela prática do favor, que ligava o
homem livre e pobre ao latifundiário261. Cumpria o importante papel de
mediador entre os pólos da sociedade e, mais simpático que o nexo
escravista, foi utilizado pelos escritores que nele basearam sua
interpretação do Brasil, "... involuntariamente disfarçando a violência,
que sempre reinou na esfera da produção"262.

O crítico literário não foi o único - nem o primeiro - a acusar o


problema. Na historiografia merece alusão o estudo de Emília Viotti da
Costa sobre a emancipação política do Brasil. Para a autora, o
analfabetismo, a marginalização do povo da vida política e a deficiência
dos meios de comunicação constituíam barreiras materiais à difusão das
idéias ilustradas. Os maiores entraves advinham, no entanto, da própria
essência dessas idéias incompatíveis com a realidade brasileira. Na
Europa elas surgiram do empenho da burguesia contra as instituições do
Antigo Regime, os excessos do poder real, os privilégios da nobreza, que
impediam o desenvolvimento da economia.

Aqui, o liberalismo teria significado mais restrito e não se apoiaria


em bases sociais similares. Fora importado da Europa. Não existia uma
burguesia dinâmica e ativa que pudesse ter servido de suporte a essas
idéias. Seus adeptos no Brasil pertenciam às categorias rurais e sua
clientela.
As camadas senhoriais empenhadas em conquistar e
garantir a liberdade de comércio e autonomia administrativa

261 . Idem. As idéias fora do lugar. In:


________. Ao vencedor as batatas. São Paulo : Duas Cidades, 1977.
p. 14 e ss.
262 . Ibidem, p. 16

99
Os Brancos da Lei

e judiciária não estavam, no entanto, dispostas a renunciar ao


latifúndio ou à propriedade escrava. A escravidão constituiria
o limite do liberalismo no Brasil.263 (ênfase acrescentada)
A historiografia tem equacionado o problema a partir de opiniões
divergentes quanto às relações de produção - o que resulta em conclusões
diversas acerca do liberalismo no Império. Para quem, como Paulo Mercadante,
as relações de produção se duplicavam em internas - escravistas e feudais - e
externas - capitalistas -, o senhor rural só poderia agir numa duplicidade
econômica e moral264.

Tais construções teóricas dualistas, que tentam justificar a


existência de um ou algum liberalismo junto à escravidão, não se
sustentam. Primeiramente porque as relações externas não eram nem
nunca foram liberais - principalmente se considerarmos o liberalismo
próprio ao capitalismo de livre concorrência do século XIX, em
contraposição ao monopolista de sua fase imperialista posterior 265 . A
produção brasileira esteve sempre cerceada por potências estrangeiras
que, através de políticas e tratados, não permitiam, por exemplo, o
desenvolvimento da indústria nacional. O papel do Brasil era de produtor
de bens primários voltados à exportação que, mesmo após a
Independência, continuaria monopólio de um país europeu - neste caso,
a Inglaterra. Segundo, a produção em base escravista impede, em
definitivo, o uso do conceito de liberalismo, mesmo se restrito à esfera da
circulação de mercadorias.

Outros seguem as proposições de Maria Sílvia de Carvalho Franco


que, tendo por paradigma as teorias da dependência, explica toda a vida

263 . COSTA, E. V. da.


Da Monarquia à República. cit., p. 27. Na mesma obra ver "A consciência
liberal nos primórdios do Império", p. 119-38.
264 . "Vive numa fazenda de escravos, de látego em punho, enquanto se empolga pelas idéias liberais correntes nos países europeus já libertos do
feudalismo; revolucionário quando analisa as relações de produção com o mercado externo, e conservador, quando reage a quaisquer idéias de Abolição. Seu
caminho é necessariamente o compromisso entre a escravatura e o liberalismo." Cf. MERCADANTE, P. op. cit., p. 59. Marco A. Nogueira, op. cit., p. 24 e ss.,
concorda com essas orientações, ao analisar o processo de Independência: "Novas relações externas ao lado das mesmas velhas relações internas, numa original
combinação de liberalismo econômico no comércio exterior e escravatura no sistema produtivo".

265 . Ver HOBSBAWN, Eric J.


Da revolução industrial inglesa ao imperialismo. Trad. Donaldson M.
Garschagen. Rio de Janeiro: Forense, 1978. Também LENIN, Vladimir I. O imperialismo, fase
superior do capitalismo (ensaio popular). In:________. Obras escolhidas. 3 ed. São Paulo:
Alfa-Ômega, 1986. v. 1, p. 575-735.
100
Os Brancos da Lei

social no Império como determinada por relações capitalistas dominantes


em âmbito mundial. Ao descartar as determinações das contradições
inerentes à própria realidade escravista, deságua no entendimento de que,
assim como são dominantes as relações capitalistas de produção, a
ideologia intrínseca a essas relações é igualmente dominante em âmbito
mundial. Assim as idéias estariam naturalmente no lugar.266

Apesar de coerentes com seus próprios pressupostos, a lógica de


autores como Mercadante e Franco é frágil, pois apóia-se em análises
imprecisas da sociedade brasileira267.

266 . "Colônia e metrópole não recobrem modos de produção diferentes, mas são situações particulares que se determinam no processo
interno
de diferenciação do sistema capitalista mundial, no movimento imanente de sua constituição e
reprodução. Uma e outra são desenvolvimentos particulares, partes do sistema capitalista, mas
carregam ambas, em seu bojo, o conteúdo essencial - o lucro - que percorre todas as suas
determinações. Assim, a produção e a circulação de idéias só podem ser concebidas como
internacionalmente determinadas, mas com o capitalismo mundial pensado na forma indicada, sem a
dissociação analítica de suas partes" Cf. FRANCO, M. S. de C. As idéias estão no lugar. Cadernos de
Debate, São Paulo, V. 1, p. 61-2, 1976.
267 . "As idéias estão no lugar" foi a réplica de Franco a "As idéias fora do lugar", de Schwarz, cuja tréplica aconteceu em pelo menos mais dois
ensaios deste autor. Em "Pressupostos, salvo engano, de `dialética da malandragem'" o crítico literário é claro quanto a seus pontos de vista: "Quando critica a
filiação das
Memórias ao gênero picaresco, e sugere que elas são uma forma sui generis, plasmada a
partir da sociabilidade popular e do jornalismo satírico da regência, Antonio Candido reitera o
procedimento da crítica nacionalista desde seus primórdios: a literatura brasileira não é repetição de
formas criadas na Europa: ela é algo de novo. Entretanto, há uma diferença de pontos de vista, pois a
questão é tratada fatualmente, e não como de amor-próprio nacional, à maneira do patriotismo
romântico. A tese da filiação picaresca é examinada sem prevenção, e o problema crítico estaria
resolvido - na expressão do autor - caso ela convencesse. Nada obsta, em princípio, a que se cultive
no Brasil uma forma que não seja particular ao país." (ênfase acrescentada) SCHWARZ, R.
Pressupostos, salvo engano, de "dialética da malandragem". In:________. Que horas são?, cit., p. 34.
João Cruz Costa já havia pensado da mesma forma há 30 anos atrás. Sobre o fenômeno da
importação das idéias dizia que não era apenas a transposição de um modelo, mas "uma experiência
nova" resultante do "... encontro tumultuoso de idéias elaboradas em meios que a cultura fôra já
profundamente trabalhada pela história, com as condições de vida de `nações novas', há pouco saídas
do estado colonial". COSTA, J. C. Esboço de uma história das idéias no Brasil na primeira metade do
século XIX. Revista de História, São Paulo, v. 19, n. 9, p. 179-194, 1954. Em estudo clássico o autor
demonstra como neste período e nas escolas voltadas aos únicos letrados da sociedade,"... a nossa
experiência intelectual só podia ter sido, como aliás foi, apenas expressão de nossa situação colonial,
que o artifício, o sibaritismo e o diletantismo das classes cultas e possuidoras de fortuna,
representadas nesse Parlamento, procurava mascarar. Que expremirão êsses letrados políticos? Os
seus interesses e uma cultura que deriva das vicissitudes da importação européia". COSTA, J. C.
Contribuição à história das idéias no Brasil. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.
101
Os Brancos da Lei

A polêmica do "lugar das idéias" transcende o universo da crítica literária


e se instaura na historiografia como questão aberta268. Durante a construção do
Estado nacional brasileiro, o termo liberal teve várias conotações. A princípio,
identificava os membros do "partido brasileiro" que, na luta pela
Independência, afirmaram seu rompimento com os interesses portugueses.
Depois, passou a ser empregado por aqueles que defendiam uma maior
descentralização político-administrativa no período regencial. À prática
mercantil instaurada a partir da abertura dos portos (1808) às "nações amigas"
também se atribuiu o epíteto. Apropriaram-se do termo igualmente os
próceres da causa abolicionista. E os republicanos. Alfredo Bosi atenta para a
polissemia da palavra e lhe resgata outros quatro sentidos269.

A este outro crítico literário, inclusive, coube descortinar os falsos


impasses que suscita a questão liberalismo versus escravidão. Observa
que aqueles que se autoproclamavam liberais eram os representantes da
classe dominante agrária, defensora da e responsável pela manutenção
do tráfico, que rompeu com a metrópole por interesses e privilégios
próprios - mas que em hipótese alguma defendia o caráter de cidadania
ampliada próprio do conceito de liberalismo. Daí o caráter funcional e
tópico de seu emprego pelos senhores escravistas no século passado.

Para o autor, nada haveria de excêntrico em que os políticos das


regiões onde predominava a plantation empregassem as idéias liberais
em proveito deles mesmos. Uma proposta moderna e democrática das
oligarquias rurais é que seria extemporânea. Aquelas, inclusive, nem
tiveram que se preocupar em ocultar o latifúndio, o tráfico e a escravidão

268 . De fato, é amplamente difundida a prática de se tomar o homem do século XIX e seu pensamento a partir do conceito que ele fazia de si próprio. E, a despeito da
tendência de todos os autores detectarem o descolamento entre ideologia liberal e sociedade escravista, o que se observa é a aceitação do emprego de conceitos como liberal e/ou liberalismo
para a situação escravista. O que ocorre, inclusive, mesmo na historiografia hodierna. Ver qualquer um dos libelos constantes em MAGALHÃES Jr., R.
Três panfletários
do Segundo Império, cit.; VIANA, F. J. de. O. O occaso do Imperio. São Paulo: Melhoramentos,
1933; LIMA, Oliveira. O Imperio brazileiro (1822-1889). Rio de Janeiro: Melhoramentos, s/d. Da
historiografia mais atual ver CUNHA, P. O. C. da. A fundação de um Império liberal. In:
HOLANDA, S. B. de. HGCB, t. 2, v. 1, p. 135-264, 379-403; SANTOS, W. G. dos. op. cit.;
QUEIRÓS, Sueli Robles Reis de. Aspectos ideológicos da escravidão. Estudos Econômicos. São
Paulo, v. 13, n. 1, p. 85-101, 1983.
269 . BOSI, Alfredo. A escravidão entre dois liberalismos.
Estudos Avançados, São Paulo, v. 2, n. 3, p. 8, 1988.
102
Os Brancos da Lei

com ficções jurídicas, à moda européia. Bastou aos senhores de engenho


e fazendas o uso eficaz de suas instituições parlamentares270.

A análise do autor de História concisa da literatura brasileira só se


afasta da nossa na medida em que incorre numa apreciação distinta do
que foi a classe dominante no período. Ao observar a vaga reacionária
que assolou as instituições parlamentares a partir de 1843, reconhece a
maioridade antecipada de D. Pedro II como uma conquista da "burguesia
fundiária" nacional 271 . Própria desta classe seria uma equivalente
"mentalidade agrária", da qual Bernardo de Vasconcelos, mentor do
Código Criminal, teria sido o grande porta-voz272.

Como é sabido, as idéias liberais são produtos da luta da burguesia


européia contra os entraves políticos do Antigo Regime. No Brasil não
houve uma classe burguesa dominante durante o século XIX, tampouco
uma revolução burguesa 273 . A própria substituição da mão-de-obra

270 . É coincidente a análise de DIAS, M. O. da S. Ideologia liberal e construção do Estado do Brasil.


Anais do Museu Paulista,
São Paulo, v. 30, p. 212, 1980/1: "Esta minoria de letrados, inspirada nos ideais do despotismo
ilustrado do século XVIII, reservava para si a missão paternalista de modernizar e reformar o
arcabouço político e administrativo do país, sem comprometer a continuidade social e econômica da
sociedade colonial. Não respondiam a impulsos internos de transformação social, mas a forças
externas de pressão, principalmente da Inglaterra, no sentido da integração do Brasil, como Estado
independente, no novo sistema de equilíbrio internacional, gerado pelo desenlace das guerras
napoleônicas..." (ênfase acrescentada). Opinião, como se vê, oposta à tese do "autoritarismo
instrumental", de que fala SANTOS, W. G. dos. op. cit., p. 50: "Desde a Independência que o
problema teórico e prático predominante e de alta visibilidade das elites políticas e intelectuais
brasileiras tem sido este: de que modo se implementar e garantir o eficiente funcionamento da ordem
liberal burguesa".
271 . BOSI, A. op. cit., p. 12.
À página 16 o autor emprega a expressão "burguesia agrária" como
sinônimo.
272 . Ibidem, p. 13-4.

273 . Diferentemente do que sustentam FERNANDES, Florestan.


A revolução burguesa no Brasil: ensaio de
interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1975; PRADO Jr., Caio. Evolução política do
Brasil, cit. Essas matrizes certamente condicionaram a historiografia no sentido de aceitar a idéia de
uma revolução burguesa no Brasil. Marco Aurélio Nogueira incorpora-se à visão tradicional que tem
a monarquia como liberal, embora ressaltando tratar-se de um "liberalismo específico" graças à
formação histórica do país: "A prática da cooptação, portanto, nascia como imposição da realidade
histórico-social do país. Completava e orientava sua evolução enquanto nação, sendo ao mesmo
tempo sua autêntica expressão. Continha em si o moderno e o tradicional, o velho e o novo; mesclava
liberalismo e favor, cidadania e clientelismo, liberdade e escravidão. (...) Era manifestação e fator de
reprodução de todas essas características, parte integrante da forma própria que adquiria a revolução
103
Os Brancos da Lei

escrava pela livre foi mais o resultado de uma mudança de atitude da


antiga classe dominante do que do empenho de setores burgueses da
sociedade. Acrescer a adjetivação "fundiária" ou "agrária" não resolve
esse delicado problema conceitual.

Entendemos que existiu no Império uma classe dominante com sua


concepção de mundo particular, constituída durante a construção do
Estado nacional e que se mantém após a Abolição e a República -
também gerenciadora desses processos. A partir desses supostos,
subscrevemos as análises de Bosi de que não existiu paradoxo no
"liberalismo-escravismo", pois não houve liberalismo no sentido pleno
da palavra, "... equivalente à ideologia burguesa do trabalho livre que se
afirmou ao longo da revolução industrial européia"274.
Filtragem ideológica e contemporização, estas seriam as
estratégias do nosso liberalismo intra-oligárquico em todo o
período em que se construía o Estado nacional.275
Quanto ao "lugar das idéias", é insustentável que estivessem no lugar, em
relação ao Brasil escravista, se se concebe o liberalismo em seu sentido e
conteúdo históricos 276 . Tampouco estiveram deslocadas. A ideologia liberal

burguesa no Brasil, com seu caráter conservador, não democrático e excludente da participação
popular". (ênfase acrescentada) NOGUEIRA, M. A. op. cit., p. 55 e ss.
274 . Para o autor esse liberalismo não existiu enquanto ideologia dominante, no período que se segue à "...Independência e vai até os anos centrais
do Segundo Reinado". BOSI, A.
op. cit., p. 5. Relutamos quanto a essa sua tese de que o influxo na mentalidade
da classe dominante no Brasil oitocentista teria ocorrido entre 1865 e 1871, por ocasião da derrubada
do gabinente liberal de Zacarias de Góes, em mais um dos gestos inabilidosos do monarca. Para além
do fato deste ser um referencial de ordem eminente e exclusivamente política, supomos que a
mentalidade senhorial prolonga-se, de acordo com o que já dissemos anteriormente, e uma
mentalidade burguesa não poderia ser dominante já nesta época. Ousamos a hipótese de que a
concepção escravista de mundo - pelo menos do que se depreende da literatura jurídica - foi
majoritária até mesmo à Abolição, talvez transpassando-a. No campo do direito criminal nenhum
expoente o contradiz. Se o regime servil caiu em 1888, não foi devido a uma mudança no universo
mental dos dirigentes. Não teria havido primeiro a derrubada do ideário escravista pelo burguês e sim
a necessidade já estrutural, além das pressões conjunturais (abolicionismo, imigração, revoltas
escravas, relações internacionais), de substituição de um regime de trabalho por outro. A visão de
mundo senhorial ainda perduraria. Mas tal questão é assunto para uma outra tese, que obviamente
não cabe desenvolver aqui.
275 . Ibidem, p. 16.

276 . Ver em HORKHEIMER, Max. op. cit., p. 72-96 uma crítica contundente à ficção liberal exprimida pela idéia da libertação do indivíduo,
tomado como categoria abstrata, centro de forças metafísico fechado sobre si mesmo e separado do resto do mundo, "...uma mónada entregue por Deus à mercê de
si própria e absolutamente solitária". O liberalismo clássico, todavia, difunde a idéia dos indivíduos solitários em competição num mercado livre de toda sorte de

104
Os Brancos da Lei

esteve devidamente situada, mesmo na cabeça dos dirigentes imperiais, que


dela se apropriaram e fizeram uso tópico e funcional277.

Os glosadores do Código Criminal são exemplos típicos dessa


prática, como demonstram suas opiniões a respeito da mais violenta das
penas - do "castigo crudelíssimo", como se dizia da pena de morte. Desde
as discussões parlamentares do projeto de Código até o final do período
de legalidade da escravidão, nos argumentos contra e a favor e nas fontes
do Direito que a proibiam ou justificavam, encontra-se esse ardil da
mentalidade escravista. Destaquemos apenas três exemplos: da questão
da escravaria, do que era público e privado e da religião.

Em sessão da Câmara dos Deputados a 14 de setembro de 1830, a


ordem do dia era justamente a permanência ou não da pena capital no
Código Criminal que se estava elaborando. O deputado Martim Francisco
não poupou ataques contra essa punição, já que existia e era inútil.
Também seria inócua se destinada aos escravos pois, sendo homens
dados ao trabalho, morreriam só de ir para uma prisão - o que já seria
uma pena de morte. Além disso, acreditando que ao falecer retornariam a
seus países de origem, eram naturalmente compelidos ao crime em busca
do sonho de liberdade278.

protecionismos e clientelismos. Ver ABRANCHES, Sérgio H. Nem cidadãos, nem homens livres: o dilema político do indivíduo na ordem liberal-democrática.

Dados, Rio de Janeiro, V. 28. N. 1, p. 5-25, 1985. Mesmo essas concepções do liberalismo clássico
são impróprias para a sociedade escravista moderna, porque ocorre que nela a unidade da sociedade
não é o indivíduo solitário mas, pela ideologia patriarcal, o indivíduo é membro de um corpo: sua
unidade é a familiar. A pessoa não está só e desamparada, mas "protegida" à sombra do pater
familias. A soberania política não é abdicada em favor do Estado, mas da família, que deve zelar pela
proteção e felicidade de todos os agregagados.
277 . A apropriação do ideário liberal-burguês pelos dominantes escravistas é um fenômeno natural, conforme observa João Cruz Costa nos
interessados em estudos de filosofia durante o século XIX, imbuídos sempre por "... um incessante empenho de servirem-se dessas idéias e doutrinas como
`equipamentos de campanha', como instrumentos que lhes permitissem empreender - e dar solução - a problemas práticos, sobretudo sociais e políticos, da
condição brasileira; um contínuo embora versátil esforço de adequar idéias nascidas da cultura ocidental, a que estamos ligados, à nossa circunstância, de
proceder à nossa integração no pensamento ocidental,
o que já constitui uma originalidade, como original parece a
utilização que decorre deste trabalho de glosa e comentário, que conduziu a um vago universalismo
idealista, voltado para a ação, e que assumiu uma forma singular de pragmatismo". (ênfase
acrescentada). COSTA, J. C. O pensamento brasileiro sob o Império. in: HOLANDA, S. B. de.
HGCB, cit., t. 2, v. 3, p. 325.
. ANNAES do Parlamento Brasileiro (APB). Câmara dos Deputados. 1o
278
. ano da 2a. legislatura. Sessão de 1830, p.
513.
105
Os Brancos da Lei

É curioso o fato de que o mesmo legislador paulista, mais de 40 anos


depois, mude radicalmente de opinião, motivando ser publicamente
criticado pelo republicano e abolicionista Vicente de Souza 279 . Este
registrou numa conferência - aludindo ao assassinato do latifundiário
ituano Dias Ferraz por um de seus escravos - que "... o digno
representante da monarchia pede e insta pela pena de morte", sem
articular sequer o menor gesto contra "o procedimento dos assassinos
cobardes do escravo condemnado"280. O republicano indigna-se diante do
argumento do parlamentar de que a pena de morte é necessária e
conveniente. É o caso dos escravos, em que qualquer outra seria, como as
galés, a concessão de uma melhoria da condição de vida do réu:
O que é o serviço de galé? É a licença para possuir e
para vender pequenos objectos, resultado da industria dos
escravos que se acham presos: é a vida em intimidade com os
guardas; é, pela concessão desse pequeno peculio aos mesmos
guardas, uma vida de quasi liberdade. (...) Os escravos, pois,
reconhecem a pena de galés como um grande melhoramento
em relação ao serviço a que são sujeitos nas situações
rurais...281
Naqueles trabalhos parlamentares que preparavam o Código em 1830, no
dia seguinte ao das locuções do deputado Martim Francisco, Paula Sousa talvez
seja o primeiro intelectual a acusar o problema do lugar das idéias, que estariam
deslocadas. Sustentava que era urgente elaborar-se um código para um "povo
real", que já existia e tinha costumes bárbaros, como era o brasileiro. Porém,
... no estado em que nos achamos, quer se fazer um
codigo como se nos achassemos no mais alto grao de
civilização. A verdade é que foi feito um codigo muito

279 . Cf. SOUSA, Vicente.


O Império e a escravidão; o Parlamento e a pena de morte; conferência
realizada no Teatro São Luis a 23 de março de 1879. Rio de Janeiro: Molarinho & Montalverne,
1879. (Edição facsimilar).
280 . Ibidem, p. 26.

281 .
Apud ibidem, p. 32-4.
106
Os Brancos da Lei

sofisticado, copiado por sociedades no mais alto grao de


civilização.282
Haveria, segundo o deputado, que se adaptar o futuro código à barbárie em
que vivia o país e se adotar a maior das penas para conter a escravaria.
Quem duvida que tendo o Brazil trez milhões de gente
livre, incluindo ambos os sexos e todas as idades, este numero
não chegue para arroustar dous milhões de escravos, todos ou
quase todos capazes de pegarem em armas!283
A solução a que se chegou com a emenda Rego Barros, aprovada no mesmo
dia, é sintomática dos interesses escravistas e referenda o raciocínio recorrente
em todo o período: a necessidade de se brecar a "onda negra". A pena capital
deveria ser abolida nos casos políticos mas não em homicídios, "... e para conter
a escravatura"284.

Já nos debates parlamentares, que antecederam a promulgação do


Código Criminal, detecta-se aquilo que Bosi denominou de emprego
tópico e funcional das idéias liberais. Verifica-se no discurso do deputado
Martim Francisco o apelo à exclusão da pena capital visando à
manutenção do sistema escravista. Seu colega de tribuna exige sua
permanência, mas pelo mesmo motivo. A solução encontrada com a
emenda Rego Barros preserva intocados os cidadãos - no sentido
censitário estabelecido pela Constituição de 1824 - e reconhece por
exclusão o elemento escravo, expropriado de direitos civis. O "primado
axiológico do indivíduo" imanente ao liberalismo 285 é estranho ao
escravismo.

Um segundo aspecto revelador que se destaca naquele debate diz


respeito à legitimidade da pena. O deputado Bernardo de Vasconcelos,

282 .
APB, sessão de 15.09.1830, p. 513. O argumento é utilizado casuisticamente nas sessões
em que se debatia o assunto, conforme se apura do parecer da comissão encarregada de julgá-lo, de
31 de agosto de 1829, constante no "Apêndice" deste trabalho".
283 . Ibidem, p. 513.

284 . Ibidem, p. 511.

285 . Ver nota 63


supra. Também BOBBIO, Norberto. Liberalismo velho e novo. In:________. O
futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Trad. M. A. Nogueira. Rio de Janeiro: Paz &
Terra, 1986. p. 107-28.
107
Os Brancos da Lei

autor do projeto de código que embasou o aprovado, justifica como


legítima a sentença máxima pelo fato desta estar prevista na Constituição
do Império, em seu artigo 27o., e que se utilizou deste recurso apenas
porque "... é necessario conter o crime do qual a innocencia é vitima".
Sua tese é subscrita por outros legisladores e posteriores analistas do
diploma penal 286 . Um contra-argumento, apresentado pelo deputado
Rebouças, tem uma dupla base filosófica:
Quem souber que a pena de morte viola o direito divino,
que está fora do poder humano, não concorrerá para que se
perpetre o atrocissimo crime de infringil-a. (...) Como se pode
atribuir á sociedade o poder de tirar por applicação de pena
aquillo que ella não pode conceder por atribuição de serviço,
ou premio?287
Ambos raciocínios - da soberania divina ou civil sobre o indivíduo - serão
recorrentes em todos os comentadores durante a vigência do Código. Francisco
Luís, em 1885 - com o abolicionismo já em pleno vigor - faz uma enérgica
defesa do direito à vida e contra a arbitrariedade de uma pena que, a despeito da
margem de erro da justiça humana, é irreparável e irrevogável. O apelo religioso
é patente: "A existencia é de origem divina; e a conservação da sociedade não
justifica jamais a pena de morte."288 Tal discurso, no mesmo ano, é empregado
por um dos mais ilustres juristas imperiais: "Deos diz no evangelho - não quer a
morte do pecador e sim sua conversão como um dever essencial"289.

286 . Por exemplo, durante a elaboração do Código, o deputado Paula Cavalcante: "Nós, legisladores, podemos e devemos legislar sobre o assunto,
sem que exorbitemos de nossas atribuições". APB, cit., p. 507-12.

287 . Ibidem, p. 507.

288 . LUÍS, F. op. cit., p. 97. Em compensação há quem pense em sentido diametralmente oposto: "Se Deos é o creador e só Elle pode tirar: então,
já que todos os beneficios vem de Deos, nenhuma pena poderia ser imposta aos homens. (...) A justiça social é um dever e a pena uma necessidade indeclinavel;
pelo que a de morte foi admittida, nos Codigos Penaes". MONTENEGRO, M. J. Bezerra.
Lições academicas..., cit., p. 346-7.
289
, p. 102 e ss. É digna de nota a constância com que os argumentos da
. PESSOA, V. A. de P. op. cit.

injustiça da pena capital - irreparável em caso de erro humano - e do apelo religioso aparecem lado a
lado. "Fallivel como é, a justiça não pode tirar o que em caso de erro, não pode restituir; não deve
tirar a vida de quem quer que seja. De todas as sociedades deve ser excluida a pena do talião: a
violência é uma inutil barbarie; as contorções da vitima um insulto á humanidade; o sangue humano
derramado um insulto ao Creador." LUÍS, F. op. cit., p. 375. Também Paula Pessoa, p. 104 e ss.;
Lino Coutinho, em fala na Câmara dos Deputados, APB, cit. p. 505. Houve quem não tevisse falsos
escrúpulos e defendeu abertamente a pena de morte, como Bezerra Montenegro: "Passemos aos
effeitos e primeiras qualidades da pena: Ella é exemplar, reformadora e instructiva; - 1o. produzindo
um mal visivel á todos, e cuja impressão possa intimidar e reter aquelles que se dispunham á imitar o
culpado; -2o. regenerando o caracter e habitos viciosos do condemnado; 3 o. fortificando mais ou
108
Os Brancos da Lei

A legitimidade de se exterminar a parte para a conservação do todo


reincide ao longo do período. Anastácio Falcão, um dos primeiros
comentadores da carta penal do Império, insiste em posicionar-se sempre
contra a maior das penas. Abre exceção, todavia, quanto ao Título IV -
"Dos crimes contra a segurança interna do Imperio, e publica
tranquilidade" - da Parte II, referente aos crimes públicos de conspiração,
rebelião, sedição e insurreição. O matiz discriminatório da elite imperial
revela-se nesse detalhe: os três primeiros crimes visam, grosso modo, à
queda do Império; o quarto, a revolta do escravo contra sua condição. No
Código de 1830 apenas aos cabeças deste último delito prescreve-se a
execução do criminoso.

Sempre opondo-se à "mais vil das penas", no entanto, Falcão hesita


ao pensar nesses crimes do Título IV, que "... são de tal natureza que não
considero outros piores"290. Considera tênues as penas para os crimes que
objetivam a ruína do Império. Insurreição seria somente a busca do negro
pelo natural direito de liberdade - e por isso delito menos grave que a
conspiração, a rebelião e a sedição. Diz que, se fosse admissível a pena
de morte, os líderes destes últimos crimes não deveriam ser privilegiados
por serem brancos e livres291.

A unidade política do país, no momento em que escreve Falcão -


1831 - é de tal importância que causa aos homens de governo a ilusão de
ser uma questão mais grave que a existência do cativeiro, base de todo
edifício social, então completamente assegurada. Seus pontos de vista
renovam-se quando trata dos artigos 70 e 71, sobre traição ao Império.

menos nos espiritos a convicção da perversidade dos actos, que ella pune." MONTENEGRO. M. J.
B. op. cit., p. 311.
290 . FALCÃO, A. op. cit., p. 43 e ss.

291 . Manuel Januário B. Montenegro reafirma a ideologia da exceção ao declarar-se francamente a favor da pena última: "Os mais povos /além
dos romanos/ admittiam-na; e temos esta base, para por sobre ella assentarmos a doutrina do Codigo, tanto mais sustentavel, quanto elle é só escrupuloso em sua
applicação, empregando-a tam somente nos casos do art. 192 - gráo maximo, assassinato com circumnstancias aggravantes e do art. 271, gráo maximo. (...)

Quanto aos casos do art. 113 sobre a insurreição, sua disposição é exigida pelas circumnstancias
peculiares do paiz que não pode ser justificada pelos principios do Direito criminal". (ênfase
acresecentada) MONTENEGRO. M. J. B. op. cit., p. 340 e ss.
109
Os Brancos da Lei

Considera suas penas muito tênues, "...por serem aquelles os crimes mais
horrorosos que se comettem na sociedade". São voluntários e espontâneos
e por isso imperdoáveis, já que "... com traidores não deve haver
piedade". Aos traidores espiões de que fala o artigo 72, a maior pena do
Código - "não obstante minha opinião" - também não lhes faria muita
injustiça 292 . Idêntica postura confirma-se quanto aos homicídios com
agravantes:
... se a sociedade tem o direito de decretar esta pena, e
destruir o que não pode restituir (descoberta a inocencia):
justissima será sua applicação, mas este crime somente se
verifica por meio de provas e se estas são formadas de
testemunhas, parece pois respeitosamente falando que se
considerarmos a maldade dos homens, e a desmoralização do
século, seria preciso decretar a maior, e a mais terrivel pena
contra os perjuros293.

Mas os perjuros recebem punição inferior ao que considera suficiente


o criminalista: se alguém que mata merece a morte, o mesmo merece
aquele que manda um inocente ao cadafalso. Está persuadido de que "...
este he o caso unico em que deve ser applicada; que da falsidade das
testemunhas resultão á sociedade os maiores damnos, e aos cidadãos os
maiores desastres".
Dos exemplos acima depreende-se a concepção que privilegia a unidade do
Estado e da nação como o próprio sentido de todo o complexo social, que é
maior que a mera soma de suas partes. Dos crimes contra o indivíduo, ou sua
propriedade, não poderiam resultar efeitos tão danosos quanto os que atentam
contra o todo - o Estado. Nenhum homicídio, estupro, roubo ou qualquer dano à
pessoa ou a seus bens poderia ser tão prejudicial quanto aqueles que
comprometessem a existência do garantidor da felicidade geral. Em harmonia
com o conceito eudemonista de Estado, a lei sancionada pelo monarca deveria
tratar dos problemas públicos. Os particulares seriam atribuições do pater
familias, que os resolveria no território doméstico sob sua jurisdição.

292 . FALCÃO, A. op. cit., p. 29-32.

293 . Ibidem. p. 45.

110
Os Brancos da Lei

As reflexões acima, que negam aparentemente o que dissemos


anteriormente, na verdade vêm reforçar nossas conjeturas - de que a
esfera privada impera sobre a pública - ao se resgatar o entendimento
peculiar de "privado" na concepção escravista de mundo. Diferentemente
da sociedade burguesa, que exalta o indivíduo como centro da sociedade,
naquela "privado" referia-se ao núcleo familiar. Por isso, ao crime
contra a pessoa não se reservavam penas tão graves quanto na sociedade
burguesa. O controle e a punição dos indivíduos, no escravismo
brasileiro, eram questões domésticas.

Se Falcão propõe anular a parte para conservar-se o todo - juízo


razoável em 1831, quando a nação dá seu primeiros passos, tropeçando
em obstáculos de ordem interna e externa -, Tomás Alves Jr., em 1864,
inverte os termos e defende a necessidade de se salvar cada parte, sem o
que o todo estaria comprometido: "Matar o criminoso é o mesmo que o
medico que amputa um membro do corpo humano, não porque seja
necessario á cura, e sim porque a cura seja mais dificil e morosa."294

A pena capital não cumpriria com o fim último das penas, que
deveria ser a regeneração do homem e sua correção moral, para o bem da
sociedade. Isso pode ser interpretado de duas maneiras. Primeira, nesse
momento já se manifestaria uma mudança na concepção de mundo
escravista, fruto de novas idéias individualistas burguesas que se
infiltravam, aumentando a importância do indivíduo frente ao Estado.
Segunda, pelo mesmo motivo, transfomava-se a mentalidade apenas em
parte, dando-se maior valor à célula, mas em função da recuperação da
saúde do corpo, do todo - o que não era um fim em si mesmo. Esta
segunda concepção, ainda escravista embora atenuada, parece mais
plausível pois uma visão individualista burguesa de mundo não poderia

294 . ALVES Jr., T. op. cit.


, t. 1, p. 494.
111
Os Brancos da Lei

ser ainda dominante em 1864, embora já existisse embrionariamente e


tendendo a crescer295.

Assim, a execução da pena última é contrária à vontade divina, como


vimos em Francisco Luís e Paula Pessoa - assertiva estranha às premissas
liberais, entendendo-se o liberalismo como herdeiro do ilumininismo
racionalista e antiteológico, típico da tendência geral da "enfática
secularização" oitocentista296.

No entender de Marques Perdigão, Falcão e Montenegro a aplicação


da pena de morte é legítima porque atende à necessidade de preservação
da sociedade. Esta só é factível pela salvação do indivíduo - e
conseqüente abolição da pena capital (Paula Pessoa, Thomas Alves Jr.).
Qualquer opinião além desses exemplos, legitimando ou condenando sua
aplicação, contribui para elucidar a diferença essencial entre as noções de
privado no ideário liberal - que tem como fundamento o primado
axiológico do indivíduo - e no escravista - onde está associado ao
conceito de oîkos.

Daí que o emprego do liberalismo pelos dirigentes do Império só


poderia ter sido tópico e funcional, como de fato foi e Bosi definiu com
acerto. Daí também a inversão apenas aparente que resulta na maior
valorização da esfera pública em detrimento da privada no discurso dos
juristas, que apenas contribui para expor sua concepção peculiar do que
era privado.

295 . Ver nota 61, supra. Marques Perdigão, produtor de extenso comentário ao Código em 1882, utiliza-se dos mesmos princípios de Falcão para
legitimar a pena de morte: "... a pena de morte é justa, porque a consciencia revela que certos atentados de gravidade excepcional não podem ser punidos senão
pela pena de morte; que é necessaria, pois que a razão indica o perigo que haveria, com a imperfeição actual de nossas instituições repressivas, em deixar a
sociedade desarmada pela abolição do mais temido dos castigos; que não é illegitima, porque a sociedade tem o direito de se defender, e o dever de proteger seus
membros. Sua manutenção é pois razoavel, mas á condição de ser efficaz, isto é, capaz de produzir impressão e ser preventiva, e que seja, além disso,
indispensavel, ou por outro, que o estado social o exija.". PERDIGÃO, C. F. M. op. cit., p. 237.

296 . Cf. HOBSBAWN, Eric J. A ideologia religiosa. In:


________. A era das revoluções 1789-1848. Trad. M. T.
L. Teixeira e M. Penchel. 5 ed. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 1982. p. 239-54. Também COSTA, E.
V. da. Da Monarquia à República, cit., p. 28, acusa mais esta especificidade do liberalismo
brasileiro, marcado pela presença importantíssima de clérigos nos movimentos revolucionários da
primeira metade do século XIX, como a Revolução Pernambucana de 1817, também chamada de
"revolução dos padres". Ver também MOTA, Carlos G. Nordeste: 1817. cit.
112
Os Brancos da Lei

É de se destacar, por fim, que apesar de todos os argumentos contra a


pena capital, ela permanceu durante toda a vigência do Código. Mais que
expressão da violência latente na sociedade escravista, essa duração
talvez se constituísse num reforço do caráter patriarcal não só da
sociedade mas do próprio Estado. Era a garantia de que o direito de graça
que detinha o imperador - o protetor da nação - ainda vigorava.

113
Os Brancos da Lei

114
Capítulo V
JULGAR E MEDIR

Vimos anteriormente como, no Direito brasileiro do século XIX, delineia-se


uma concepção de mundo onde o antagonismo fundamental de classes é
eclipsado pela ideologia do precedente, aberto pela existência da escravidão na
legislação pretensamente liberal. A inserção do negro no círculo familiar como
dependente e protegido é decorrência da primazia da unidade doméstica - oîkos
-, onde se desenvolviam as atividades produtivas fundamentais. De onde a
recuperação do Direito romano para legitimar a exacerbação do pátrio poder - e a
propriedade do homem pelo homem. A partir dessas orientações foi possível
chegar às peculiaridades do liberalismo do Império do Brasil, bem como indicar
uma explicação para a violência imanente à jurisprudência e ao escravismo
brasileiros.

Desde os primeiros contatos com o Código Criminal, ele se patenteou


como instrumento ímpar para mensuração dos valores próprios à classe
dominante, investigada através de seus juristas. Inferimos que, se não
fosse de todo preciso, seria ao menos possível estabelecer uma relação de
equivalência entre os diferentes crimes, tendo por índice as diversas
penas. Pasukanis já havia proposto que a pena proporcionada à culpa - ou
a reparação ao dano - é a expressão aritmética do rigor de uma sentença:
tantos e tantos dias, meses etc. de privação de liberdade, multa de tal ou
tal montante, perda de tais ou quais direitos etc. Assim o direito penal
moderno realiza o princípio da reparação de equivalentes297.

O Código Criminal encerra uma axiologia, expressa em suas


conceituações do que era contrário às normas estabelecidas. Essa
axiologia se explicita na hierarquia das penas, que corresponde a uma
tábua dos próprios valores da sociedade ou pelo menos de seus setores
dirigentes. O infrator teria que responder com a privação de sua liberdade

297 . PASUKANIS, E. op. cit., p. 236.


Os Brancos da Lei

ou qualquer outra forma de punição, através de um quantum


proporcional à gravidade de seu ato. Esse modo especial de circulação do
Direito moderno, que reveste um caráter jurídico baseado num contrato
de resgate, constitui-se na própria essência do direito penal298.

A primeira parte do Código, de caráter doutrinal, define seus


principais conceitos: crime, criminoso, justificação, circunstâncias
atenuantes e agravantes, formas de satisfação - bem como a qualidade das
penas e as maneiras como se haveria de impô-las e cumpri-las. As partes
subseqüentes dos crimes públicos, particulares e policiais qualificam cada
um dos delitos e lhes atribuem a pena correspondente.

Sendo finito o número de crimes - constantes dos artigos 68 a 310 - e


de penas - no total, dez -, percebemos que sua tabulação possui uma
matemática própria, que atribui valor numérico idêntico ou aproximado a
atos criminais diversos. Tal equivalência se torna mais precisa - e de mais
difícil tabulação - com uma terceira variável: a graduação das penas em
máxima, média ou mínima de que fala o artigo 63299.

Realizamos essa tabulação, que passamos a examinar agora. Feito


esse primeiro exercício de caráter quantitativo, elaborado a partir dos
dados do Código, tentaremos complementar o quadro de valores
escravistas com uma aprecição crítica, novamente qualitativa, dos juízos
dos comentadores sobre alguns assuntos que não foram abordados até
aqui.

A intuição de uma "matemática das penas" tornou-se exeqüível


quando deparamos com o "Comentario theorico e critico ao Codigo

298 . Ibidem, p. 229-38. Essa doutrina é reproduzida pelos juristas imperiais, para quem a punição deve ser medida sobre o grau de culpabilidade do
delinqüente e sobre os danos sociais sofridos. Cf. PESSOA, V. A. de P. op. cit.
, p. 144. Também PERDIGÃO, C. F. M. op. cit.,
217. Liberato Barroso nela se pauta ao analisar o problema da reincidência criminosa, reveladora da
insuficiência corretiva da primeira pena, que demanda o agravamento da segunda para o
ressarcimento dos danos sociais e "...para que cale em seu espírito a vontade de corrigir-se".
BARROSO, J. L. Questões practicas de direito criminal, cit., p. 217.
299 . "Art. 63 - Quando este Codigo não impõe pena determinada, fixando sómente o maximo, e o minimo, em attenção ás suas circumnstancias
aggravantes, ou attenuantes, sendo de maior gravidade, a que se imporá o maximo da pena; o minino o de menor gravidade, a que se imporá a pena minima; o
medio, o que fica entre o maximo, e o minimo, a que se imporá a pena no termo medio entre os dous extremos".

116
Os Brancos da Lei

Criminal" de Tobias Barreto, obra inconclusa de 1881, onde a relação de


proporcionalidade entre crime e pena, culpa e reparação é assim
sistematizada:
Com effeito, se o crime é uma obra da lei, no sentido de
não julgar-se tal, se não o facto que a mesma lei de ante-mão
assim o qualifica, ameaçando-o com penas, não há melhor
critério de distincção entre o quantum e o quale da punição
comminada. A pena é uma espécie de expoente da
criminalidade; ella indica, por assim dizer, a potencia, o grao
de responsabilidade juridica, a que o legislador elevou a
practica deste ou daquelle acto, e com bastante fundamento,
que a tarifa da pena é o gradimetro do valor dos bens sociaes,
quanto maes alto é o bem, maior é a punição imposta ao seu
violador. (ênfase acrescentada)300
Usando as diversas penas como índice ou "gradímetro dos bens sociais",
buscamos estabelecer o valor relativo destes bens. É importante ressaltar que se
visa um quadro amplo, genérico, para o qual não importaram todas as penas e
relações de proporcionalidade, mas somente as mais patentes e expressivas.
Assim, interessam sobretudo os diferentes crimes que possuem penas idênticas -
ou aproximadas -, e não toda a variedade de detalhes da aplicação das punições,
cuja precisão não contribua diretamente na feitura do painel que se tem em vista.

A pena capital prevista no artigo 38o. se aplica apenas aos cabeças


de insurreição de escravos (artigos 113, se forem negros, e 114, se
brancos), aos homicidas (192) e em caso de roubo com morte (271). O
primeiro constitui-se em crime público contra a segurança interna do
Império; o segundo, particular, contra a segurança individual; o terceiro
contra a propriedade. Vimos anteriormente o repúdio do jurista Anastácio
Falcão contra as penalizações do Título IV - "Dos crimes contra a
segurança interna do Império e pública tranqüilidade" - sobre os delitos
públicos. Parecia-lhe incorreto punir conspiração, rebelião, sedição etc.
com penas mais brandas que as previstas aos cabeças de insurreição - que
não passava da luta do escravo contra sua condição 301 . A exceção

300 . MENESES, T. B. de. Commentario theorico e critico ao Codigo Criminal brasileiro. In:
________. Estudos de direito, cit.,
p. 85.
301 . Cf. FALCÃO, A. op. cit., p. 50: "... se todos os racionaes que o Omnipotente creou tem o direito á sua liberdade, como será justo decretar a
pena de morte contra quem dirigir 20, ou mais escravos para haverem liberdade por meio de força?"

117
Os Brancos da Lei

constituída pelo criminalista confirma apenas a obstinação da classe


dominante como um todo em preservar sua propriedade fundamental,
responsável pela totalidade da mão-de-obra da sociedade: o escravo302.

Tão grave como esse delito apenas outros dois: homicidar alguém
(artigo 192) com quaisquer das circuntâncias agravantes do artigo 16 e o
roubo com morte (artigo 271). A circunstância agravante que mais chama
atenção é a de número 7303. Merece a pena capital quem atenta contra a
base da pequena sociedade - a família unida sob o poder patriarcal-, onde
se assenta por sua vez a grande sociedade, configurada pelo Estado304.
Igualmente a merece quem mata ao cometer um furto, privando da vida o
cidadão ofendido.

A pena de galés (artigo 44) obriga o condenado a trabalhos forçados


à disposição do governo, com calceta no pé e correntes de ferro.
Aplica-se perpetuamente no grau máximo em dois crimes: exercitar
pirataria (artigos 82 e 83) e perjúrio que concorra à condenação de um réu
em causa capital (artigo 196). Ambos de ordem pública, o primeiro
pertence ao rol dos atentados à existência política do Império e o segundo
ao Título V, contra a boa ordem e administração pública.

Destes, as prevaricações, abusos, omissões, falta de exação no


cumprimento dos deveres e peculato têm penas brandas, pois só podem
ser cometidas por cidadãos - já que cidadãos não-ativos e não-cidadãos

302 . Bezerra Montenegro ataca ostensivamente a doutrina do artigo 28, parágrafo 1o


. - que obriga ao senhor responder pelo
seu escravo até o valor deste - e a Mendes da Cunha, que o defende: "O Sr. Cunha Azevedo quer
attender a disposição do Codigo absolutamente; quer que ainda mesmo que o escravo morra, ou seja
condemnado á galés perpetuas, o senhor fique responsavel; mas esta é uma interpretação gratuita,
porque nestes casos já o escravo não tem valor algum, havendo sido o senhor prejudicado".
MONTENEGRO, M. J. B. op. cit., p. 289.
303 . "Haver no offendido a qualidade de ascendente, mestre, ou superior do delinquente, ou qualquer outra, que o constitua á respeito deste em
razão de pai".

304 . Por isso justifica-se o poder do uso privado da violência: "Quando menos a immoralidade, alliada com os vicios e a corrupção, invadindo todas
as classes da sociedade, e muitas vezes lançando o luto e a infamia no lar domestico, então o potentado negligente e o mais humilde proletario sentem a
necessidade de possuir meios para chamar a acção da justiça sobre o que perturba a paz das familias, para o qual é essencial a proteção á moral..." VIDAL, Luiz
Maria.
Manual do crime para uso do povo..., cit , p. VIII.
118
Os Brancos da Lei

não tinham direito de exercer cargos públicos. O juramento falso nessa


parte é o que acarreta maiores castigos.

Condena-se às galés temporariamente por outros dois delitos


particulares: de um a oito anos por alguém roubar fazendo violência à
pessoa ou à coisa (artigo 269); quatro a 12 anos, quando nesse atentado se
cometer ofensa física irreparável de que resulte deformidade ou "aleijão"
(artigo 272). Se dessa ofensa resultar incômodo que inabilite ao trabalho
por mais de um mês, dobra-se a pena para dois a 17 anos. Percebe-se que,
na doutrina do Código, a ofensa física com seqüelas é duplamente mais
grave que roubar fazendo violência.

A maior incidência da prisão com trabalho ocorre nos quatro títulos


dos crimes públicos: contra a existência política do Império; contra o
exercício dos poderes políticos; contra o livre gozo dos direitos políticos
dos cidadãos e contra a segurança interna do Império. No Título V -
contra a boa ordem e administração pública -, como dissemos, delitos
praticados por cidadãos, amainam-se as punições. São mais de 35
variações na aplicação da prisão com trabalho: de perpétuas no grau
máximo (artigos 71 e 85) às menores, de oito a 24 dias (artigo 295) e de
oito a 30 dias (artigo 296) 305 . Vejamos as proporcionalidades mais
interessantes operáveis com essa pena.

Quando se lê no item 1o. do artigo 84 306 as penas por crime de


pirataria, percebe-se que as destinadas ao capitão são de quatro a 16 anos,
exatamente o dobro da de seus subordinados: dois a oito anos. A
distinção de um cabeça ou líder na mentalidade escravista decorre do
enaltecimento da figura do mandante hierárquico sobre seus inferiores.

São delitos que têm como castigo a prisão com trabalho por um a três
anos: fazer arrombamento na cadeia, por onde fuja ou possa fugir o preso

305 . Eis o resumo desses artigos: art. 71: auxiliar alguma nação estrangeira a fazer guerra contra o Império, fornecendo gente ou recursos materiais;
art. 85: consumar a destruição da Constituição política do Império ou sua forma de governo; arts. 295 e 296: contra vadios e mendigos, respectivamente.

306 . "Art. 84. Também commeterá pirataria: 1o


. O que fizer parte de qualquer embarcação, que navegue
armada, sem ter passaporte, matricula de equipagem, ou outros documentos, que provem a
legitimidade da viagem..."
119
Os Brancos da Lei

(art. 123); infanticídio de mãe para ocultar desonra (art. 198); mulher ou
homem casados que cometerem adultério (art. 251); homem casado que
tiver concubina, teúda e manteúda (art. 251); ferimento ou ofensa física
de que resulte deformidade (art. 204); em ajuntamentos ilícitos, aqueles
que cometerem violências após a primeira admoestação do juiz (art. 294).

Crimes dos mais distintos gêneros se equivalem na hierarquia dos


valores da classe dominante: contra a segurança do Império e pública
tranqüilidade (art. 123); contra a segurança e vida da pessoa (198, 204);
contra a segurança do estado civil e doméstico (294). Se se observar
atentamente, todos esses artigos concorrem para a preservação tanto da
grande como da pequena sociedade - do Estado e da casa. Assim,
equivalem-se o infanticídio que cometer a mulher para manter sua honra
e a poligamia destruidores do lar - do ambiente doméstico - e o
arrombamento em cadeias ou o ato violento num distúrbio coletivo, que
atacam o Estado.

Mantendo-se essa pena de prisão com trabalho por um a três anos


como um índice, um fator fixo, observam-se seus múltiplos. Atribui-se o
dobro da gravidade dos delitos acima, pois têm penas de dois a seis anos
de prisão com trabalho, os seguintes crimes: obstar ou impedir de
qualquer maneira o efeito das determinações dos poderes Moderador e
Executivo que forem conformes à lei (art. 96); deixar fugir os presos por
conivência (art. 125); fornecer com conhecimento de causa drogas ou
quaisquer meios para produzir aborto (art. 200); e cometer violência
contra juiz de paz depois da primeira admoestação para desfazer um
ajuntamento ilícito (art. 294). Portanto, são crimes públicos os dos artigos
96 - contra o livre exercício dos poderes políticos - e 125 - que
ameaçam a segurança interna do Império. O artigo 200 é de ordem
particular e protege a segurança e a vida da pessoa. O art. 294 é de caráter
policial. Todos visam proteger casa e governo dos crimes que lhes
representem perigo dobradamente em relação aos que analisamos atrás.

Ao tresdobro da gravidade daqueles primeiros delitos equivalem as


penas de prisão com trabalho de quatro a 12 anos: a quem tentar
diretamente e por fatos uma falsa justificação de impossibilidade física ou
120
Os Brancos da Lei

moral do Imperador (art. 88) - crime público contra o exercício do poder


político; ou ao médico, boticário ou cirurgião praticante destas "artes"
que fornecer, com conhecimento de causa, drogas para produzir aborto
(art. 200) - ofensa particular contra a segurança da pessoa. Aqui, apenas
atentar contra o soberano da nação equipara-se ao ato do especialista que
concorre para a destruição de um futuro elemento da casa.

A prisão simples aplica-se nas mais diversas modalidades de crimes,


mas concentra-se naqueles do Título V - dos crimes públicos - e,
principalmente, em crimes particulares contra a segurança e liberdade
individuais. São na maior parte de menor duração que as de prisão com
trabalho - não há prisão simples acima de 12 anos e 31 delas são
inferiores a seis meses - e acompanham-se geralmente de multas.

Qualquer um que violar tratados legitimamente feitos com nações


estrangeiras (art. 274) e o juiz que em processo criminal impuser ao réu
pena maior que a expressa em lei (art. 161) merecem de um a seis anos de
prisão - embora o primeiro se constitua em atentado contra a existência
política do Império e o segundo, excesso ou abuso de autoridade, contra a
boa ordem e administração públicas.

Matar um recém-nascido (art. 197) e ter cópula carnal por meio de


violências ou ameaças com qualquer mulher honesta (art. 222) são
contravenções de gravidade aproximadamente dobrada em relação às
anteriores - três a 12 anos de prisão. Ambas particulares, a primeira ataca
a segurança e a vida da pessoa; a outra, a segurança da honra. Estas
abalam a existência doméstica, aquelas ferem a ordem pública.

São quase infinitas as possibilidades de comparação entre os


diferentes crimes a partir da combinatória de suas punições. Esses dados
poderiam ser cruzados ad nausean na medição das penas. As que melhor
se prestam a informar sobre os valores que vimos investigando são as
maiores, usadas nos exemplos acima.

121
Os Brancos da Lei

As inferiores não são impróprias, mas apresentam maior grau de


dificuldade para serem tabuladas: a de banimento não se encontra em
artigo algum do Código, sendo de competência do juiz de primeira
culpa307. A de degredo aparece uma única vez (art. 140), não havendo
pois outro termo de comparação. As de perda de emprego aplicam-se
apenas a uma categoria social (aos cidadãos). As de multa, simples ou
compostas com outras penas, serviriam somente para alcançar
minudências desnecessárias aos nossos propósitos.

Bastam os exemplos utilizados para demonstrar que por definição


cada um dos artigos volta-se sempre para a defesa de duas instituições
caras aos contrutores da nação brasileira: a preservação da casa onde,
enfim, gestava-se a própria economia. E a moldagem e conservação do
Estado, cuja estrutura patriarcal emana do quadro familiar.

Nas sessões anteriores procurou-se demonstrar as peculiaridades de


um direito criminal produzido por uma classe proprietária de escravos,
através de seus setores letrados de formação européia. Dessa combinação
resultou a jurisprudência imperial, marcada pela ideologia da exceção e
pelo resgate do Direito romano - referendando a configuração patriarcal
assumida pela unidade produtiva fundamental.

Caracterizada pela afirmação do poder do pater familias, a mentalidade


escravista exprime a legitimação da violência na execução da justiça privada,
única forma de se assegurar o controle da mão-de-obra. Nessas circunstâncias,
a apropriação das doutrinas do liberalismo pela classe dos senhores de escravo
só poderia ter se constituído numa ideologia liberal, cuja aplicação efetiva
seria feita tópica e funcionalmente.

A partir dessas orientações buscaremos completar o esboço dos


valores das camadas dirigentes imperiais, reconstituindo seus elementos
principais a partir de noções fragmentárias colhidas nos comentadores
do Código Criminal. Recortamos, dentre as mais recorrentes e

307 . Segundo aviso de 15.02.1835 e Decreto 533 de 03.09.1842. Cf. PERDIGÃO, C. F. M., op. cit., p. 266.

122
Os Brancos da Lei

importantes, as definições de Direito, de progresso e mudança e,


finalmente, as noções rudimentares de teoria da história.

Pudemos observar anteriormente o forte apelo religioso peculiar ao


nosso liberalismo. A Independência política e a instituição de uma nova
legislação não poderiam simplesmente apagar toda uma tradição de 300
anos inculcada sob o jugo lusitano. A filiação ibérica e jesuítica estava
profundamente arraigada em nossa cultura, para que o mero contato com
civilizações em processo acelerado de laicização as pudesse sublimar308.
Muitos encontram nessa dimensão humana a própria explicação do ser
social:
Percorrei a terra, diz Plutarco, e achareis cidades sem
muros, sem sciencia, sem artes, sem reis, achareis povos sem
habitações fixas, sem uso nem conhecimento da moeda, sem
exercicios do corpo, sem theatros, sem espetaculos, mas não
achareis sem Deos, sem cultos e sem sacrificios. (...) A
religião sendo o principal fundamento social, é de alto
assumpto politico; porque ella (...) tem as suas razoes na
natureza humana; sendo o homem um ser religioso e ao
mesmo tempo social, como é, dotado da faculdade de exprimir
os seus pensamentos pela palavra.309
O vigoroso maniqueísmo que se detecta nos juristas não pode ter outra
origem. O respeito às hierarquias, o limite da submissão da mulher, filhos e
inferiores hierárquicos em geral ao pater residia na capacidade deste em
distinguir entre o mal e o bem, o permitido e o proibido 310 . Por isso a
legitimidade do artigo 10, parágrafo 2o., que isentava de culpa os menores de 14
anos. Bezerra Montenegro, em suas "lições" de 1860, concorda que o indivíduo
na tenra idade não pode sofrer a imputação;

308 . Muitos autores já demostraram o sentido expiatório das penas nas Ordenações Filipinas, quase sempre desproporcionais ao mal causado,
aproximando-se muito da penitência religiosa. Cuidando de crimes como heresia, apostasia e blasfêmia, o Estado agia como guardião do sagrado. Cf. a reedição
do livro de 1895 de MARTINS, José Isidoro.
História do Direito nacional. 2 ed. Recife: Cooperativa Editora e de
Cultura Intelectual, 1941; RIBEIRO, C. J. de A. História do direito penal brasileiro, cit., v. 1
(1500-1822); NETO, Zaidé M. T. M. Direito penal e estrutura social. cit., p. 31-47.
309 . PESSOA, V. A. de P. op. cit., p. 464-5, onde se lê também que a religião, considerada em tudo o que regula o interior da consciência, não está
senão entre o homem e Deus. Pertence à sociedade, da qual "... é o primeiro bem nas verdades geraes, que espalha nos preceitos de moral, que ensina nos laços
que estabelece entre todos os homens". Ver Ibidem, p. 107, 357. Francisco Luís, ao fazer uma enérgica e comovida defesa do direito à vida e contra a
arbitrariedade da pena de morte, manifesta forte apelo religioso. Cf. LUÍS, F. op. cit., p. 97, 375.

310 . Cf. PESSOA, V. A. de P. op. cit.


, p. 48.
123
Os Brancos da Lei

... porque, não tendo ainda suas faculdades


desenvolvidas, não pode ainda distingüir o que é bem e o que
é mal; e se a moral que tem uma esphera muito mais ampla,
não tem acção sobre elle, como poderá ter a justiça
humana?311
No entender desses juristas, o homem não pode, pela sua própria fraqueza,
fugir à religião e à necessidade de Deus. O catolicismo abre as portas da grande
casa onde Deus Pai todo-poderoso ensinará o certo e o errado aos filhos,
eternamente condenados à fraqueza e à menoridade.

José Murilo de Carvalho estudou as diferenças entre os movimentos


abolicionistas norte-americano e brasileiro, decorrentes de colonizadores
de culturas diversas, como os ibéricos e os quackers. Seu raciocínio
explica inclusive a família patriarcal, que encontrou terreno propício em
solos tropicais. Nos Estados Unidos, as correntes de idéias religiosas e
filosóficas, ligadas ou não a movimentos religiosos ou políticos, não se
apoiavam na "razão nacional" e eram a vanguarda do pensamento
abolicionista. Seus pressupostos eram independentes, senão opostos às
posições oficiais.

Grupos de opinião imbuídos de valores libertários prendiam-se,


fundamentalmente, à concepção moderna do indivíduo como valor em si
a despeito da sociedade a que pertencesse. O individualismo viria romper
com o predomínio de valores comunitários, bem como com tendências
despóticas - uma vez que ambos se assentam na dominância do todo
sobre a parte 312 . O mundo ibérico, em particular o brasileiro, passou
incólume a tudo isso - escapou ao impacto da Reforma e do iluminismo
libertário313.

311 . MONTENEGRO, M. J. B. op. cit.


, p. 98.
312 . "Mesmo a vertente religiosa do Abolicionismo /nos EUA/ sorvia inspiração na mesma fonte. A interpretação do cristianismo em direção
libertária devia-se sem dúvida, em parte, à quebra do monopólio da hierarquia católica sobre a interpretação da Bíblia, um dos frutos da Reforma, como se devia à
quebra da visão medieval da sociedade hierarquizada e às vitórias contra o absolutismo.
Quando os quackers passam a substituir, na
interpretação da Bíblia, a hierarquia pela luz interior, eles participam do mesmo movimento que
levou os teóricos do liberalismo a defenderem o indivíduo contra a opressão do Estado Absolutista".
(ênfase acrescentada) Cf. CARVALHO, J. M. de. Escravidão e razão nacional. Dados, Rio de
Janeiro, v. 31, n.3, p. 305, 1988.
313 . "A Igreja católica manteve-se ligada ao Estado absoluto (...). O máximo a que chegavam era propor idéia suavizada da escravidão que a
aproximasse dos valores comunitários da família. Era a escravidão cristã à moda de São Paulo". Ibidem.

124
Os Brancos da Lei

A revolução científica em marcha na Europa desde há um século


parece ter sido ignorada nos trópicos. As idéias de evolução e de
progresso da humanidade - nem contínuo e linear, nem descontínuo e
contraditório - aqui ganharam muita expressão314. Vigorava a finitude do
homem, separado de Deus por suas limitações315, além de uma variada
ordem de hierarquias impostas pela Igreja Católica, imperante entre os
ibéricos.

Não bastava à classe dirigente a difusão da fé entre os súditos - era


necessário que fosse a sua fé. Para ela não havia dúvidas de que em
matéria religiosa e de consciência toda falta de tolerância seria sempre
danosa - e contribuiria para o desequilíbrio social. Anastácio Falcão
lembra que a própria Constituição decretou tolerância aos cultos. Mas
adverte:
A religião Dominante he a catholica. Todos os cidadãos
tem por dever serem catholicos; mas todos que não forem
cidadãos podem seguir a religião que bem quizerem contanto
que não offendão o culto existente nessas leis
estabellecidas.316
O catolicismo impunha-se como um quesito para a cidadania. O discurso
retoricamente liberal de Falcão nem é regra, no entanto, entre os comentadores.
Alguns, como Mendes da Cunha Azevedo, não se furtam a invectivar
abertamente contra a liberdade de culto. Segundo ele, esta nem deveria existir,
uma vez que ataca a religião oficial, a única verdadeira e um dos pilares da
sociedade317.

314 . Cf. HOBSBAWN, Eric J.


A era do capital (1808-1875). 3 ed. Trad. L. C. Neto. Rio de Janeiro: Paz
& Terra, 1982 . p. 263.
315 . "Enquanto o homem (...) tiver a consciencia de sua fraqueza, vendo-se continuamente em presença do fim mais ou menos próximo, mas
inevitavel, de sua existencia actual (...) elle experimentará a necessidade irresistivel de elevar-se pelo pensamento acima do finito, procurando, além das coisas
presentes, um apoio, que não encontra em si...". PESSOA, V. A. de P. op. cit., p. 465.

316 . FALCÃO, A. op. cit., p. 99.

317 . "O Brazil queria hum governo liberal; mas não pediu, nem propoz a liberdade de cultos diversos do seu (...); nem he da essencia dos governos
representativos a pretendida liberdade de culto; porque o typo da universalidade, e excelencia da Religião Catholica Apostholica Romana se observa
principalmente na sua relação harmonica com todas as formas de governo, huma vez estabellecidas para conservação, e progresso das sociedades humanas".
AZEVEDO, M. M. da C. op. cit., p. 105.

125
Os Brancos da Lei

Deus é fonte natural do Direito para a maioria dos juristas imperiais,


embora houvesse os que O desabilitassem em favor do direito positivo,
elevando como sua maior fonte a própria lei, produto da sociedade. O
fundamento místico condiciona a sobrevivência de uma sociedade ao
reconhecimento da moral divina, inscrita nos livros santos e nos corações
dos homens 318 . A religião, reguladora da consciência humana, estaria
entre o homem e Deus - seu único juiz - e pertenceria à sociedade como
seu primeiro bem, que se espalha nos preceitos morais e estabelece os
laços entre os indivíduos319.

Semelhante concepção maniqueísta e mística do Direito está nas


definições iniciais de Francisco Luís, nas reflexões que precedem a
análise dos artigos do Código Criminal:
Lei, em these geral, é a relação definida dos cidadãos
entre si e a sociedade; é a expressão do Direito. Direito, o
conhecimento profundo do bem e do mal, do justo e do injusto.
(ênfase acrescentada)320
Houve juristas, porém, que repudiavam semelhantes conceitos e buscavam
exprimir entendimentos opostos, mais sincronizados com os ditames europeus.
Estavam impregnados de valores conservadores e pugnavam pela difusão do
respeito às hierarquias e à obediência passiva; traziam do Direito romano a
legitimação jurídica da concentração do poder paterno, que tinha plena
receptividade numa sociedade altamente verticalizada como era a escravista. No
entanto, esses juristas tinham formação européia, que disseminava valores
humanistas, cujas raízes remontavam à ilustração do século XVIII.

Esse paradoxo fazia parte da configuração mental da classe letrada


brasileira do século passado, obrigada a harmonizar em seu discurso a
discrepância de realidades opostas. Assim, ao mesmo tempo em que ela
validava os açoites e a pena de morte, sustentava retóricas de teor liberal.

318 . "Não há Direito contra direito, e a legislação de um povo não pode ser uma insurreição contra a vontade de Deos". PESSOA, V .A. de P. op.
cit., p. 465.

319 . "É sob essa relação que ella recebe proteção da sociedade, e não é como professando essa crença, mas como cidadão, como sujeito da Lei, que
cada um é responsável diante da justiça não do que crê mas da maneira pública porque se exprime". PESSOA, V. A. de P. op. cit., p. 467. Ver também ALVES
Jr., T. op. cit., p. 532.

320 24
. LUÍS, F. op. cit., p. 9.
126
Os Brancos da Lei

Isso explica, por exemplo, que o famoso bacharel pernambucano João


Vieira de Araújo, na primeira das 19 lições que compõem seu Ensaio de
direito penal ou repetições sobre o Codigo Criminal do Imperio do Brazil
(1884), expressasse seu entendimento de Direito como objeto científico e
positivo, ao gosto da época:
A noção do justo, do Direito, como um principio anterior
á toda Lei, á toda sociedade, gravada pela mão de Deos, no
coração do homem, nem ao menos dizem ao cérebro. É
simplesmente um absurdo.321
Outro pernambucano famoso implode em seus comentários qualquer apelo
místico. Tratando da relação entre crime e ordem, Tobias Barreto reconhece
tautologicamente que, encarado de um ponto de vista compreensivo, o crime é
uma irregularidade. Irregular, para ele, é tudo aquilo que se afasta de uma regra,
de uma norma de proceder; o irregular, portanto, subentende o regular.
Mas esta regra não é a subjectiva da consciencia, porém
a objetiva da sociedade, cuja mais alta expressão é a lei. É
claro pois que, quer se trate de acções, quer de ommissões, a
lei é o pressuposto logico e chronologico do crime.322
Perante a lei não haveria, para Barreto, outra definição de crime senão a que
ela mesma estabelece. Considerado como um fato humano, como fenômeno
social, o crime pode ser medido pela balança ética ou religiosa, condenado como
uma infâmia ou louvado como um ato de heroísmo. Mas ainda não será crime
enquanto não houver a base legal: "É o que exprime a conhecida paremia:-
nullum crimen sine lege"323.

Insatisfeito com sua própria definição legalista de crime, o mesmo


autor invoca a necessidade de se avançar essa definição formal. O crime é

321 25
. Cf. ARAÚJO, J. V. DE op. cit., p. 1. p. 88. Ver Idem. Antropologia criminal. O
Direito, Rio de Janeiro, v. 49, p. 178-9, 1889, onde detectam-se claramente as influências
"cientificistas" de criminalistas como Lombroso e Ferri.
322 26
. MENESES, T. B. de. Commentario theorico e critico ao Codigo criminal brasileiro,
cit., p. 88. Ver Idem. Menores e loucos em direito criminal. cit., p. 74, onde se aponta a diferença
essencial entre uma obra literária e outra jurídica: "Quando se trata de lei ou de direito, o critério do
seu valor não é o da verdade, mas o critério da conformidade ou não conformidade ao fim que a lei se
propôs. O direito é um regulador, não do pensamento, porém das acções; não se lhe deve, portanto
aplicar a medida teorica do verdadeiro, mas a medida teorica do conveniente".
323 . Idem. Commentario theorico e critico..., cit., p. 105.

127
Os Brancos da Lei

igual ao que vai de encontro à lei estabelecida. Só então se poderá


compreender, por exemplo, por que alguns fatos que contribuem para a
destruição do conjunto das condições vitais da sociedade são definidos
como crime e outros não. Para o criminalista, a resposta vai um pouco
além do horizonte jurídico. A aplicação da penalidade é obrigatória
quando a sociedade não pode passar sem ela.
Como isto porém é assumpto da experiência individual,
das circunstâncias da vida e do estado moral dos diversos
povos e épocas, a extensão da penalidade em face do Direito é
historicamente mutavel.324
É interessante observar como os jurisconsultos do Império variam de
opinião a respeito da mudança, da transformação social. Para alguns, ela é um
dado natural - outros já são complemente refratários, conservadores convictos.
Mas é forçoso reconhecer que a idéia de progresso é amplamente difundida no
meio que vimos investigando.

Já se disse algo anteriormente sobre a improcedência dos artigos 68 e


seguintes325. A preocupação do legislador, nos finais da década de 1820,
quando foi elaborado o Código, era a proteção do Estado emergente
contra os perigos internos e externos que o ameaçavam. Sua
impropriedade devia-se a dois motivos: primeiro porque, negando a
doutrina do artigo 2o., parágrafo 2o., no artigo 68 elavava-se a tentativa à
categoria de crime. Segundo, não podendo o delito previsto no artigo 68
ser punido depois de efetivado, sua doutrina compreende por crime
consumado a tentativa326.

Mais importante que essas digressões no âmbito da jurisprudência,


importa relevar a percepção dos juristas sobre a mudança social. Ela é

324 . Ibidem, p. 106.

325 . "Art. 68 - Tentar directamente e por factos, destruir a independencia ou a integridade do Imperio.

Penas - de prisão com trabalho por 5 a 15 annos.


Se o crime se consummar.
Penas - de prisão perpetua com trabalho no grao maximo; prisão com trabalho por vinte
annos no medio; e por 10 no minimo.
326 . Cf. LUÍS, F. op. cit., p. 149.

128
Os Brancos da Lei

que fazia os homens conservadores ou progressistas. Francisco Luís deixa


transparecer sua abertura ao novo quando avalia o teor das penas dos
crimes políticos. Em sua opinião, o Código estaria longe da verdade por
aplicar profusamente a pena de prisão nessa categoria de infração. Tais
contravenções de um momento para outro se transformariam em virtude,
pelo triunfo das idéias. Por isso deveriam ser punidas com penas
especiais, como o banimento, o desterro, o degredo ou o exílio327.

Paula Pessoa, fiel às suas convicções católicas, também difunde a


idéia de progresso. Proclama a necessidade da atenuação das penas, que
deveriam visar à alma - e não o corpo - do indivíduo, procurando
recuperá-lo e não puni-lo 328 . Só o progresso traz o melhoramento nos
costumes e a penalidade deve se revestir de outro caráter que não a
crueldade. Por isso acredita que a sociedade imperial já dera um passo em
direção às luzes, pois a morte do culpado não seria mais precedida de
lenta e dolorosa agonia, "... sendo já expeditivo o meio de fazer passar o
criminoso da vida à morte"329.

O caráter "progressista" que se manifesta em algumas mentes do


escol imperial tem limites muito precisos. Ninguém pensa em
progresso fora da ordem. Apenas acusam a urgência da melhoria - ou
criação - de um sistema educacional eficiente como única maneira de se
lançar as luzes sobre a sociedade. Também solicitam a remodelação do
sistema carcerário330.

327 . Ibidem, p. 144.

328 . Tais preocupações são para o autor "... os felizes efeitos de uma civilização em progresso, e a civilização ainda não disse a sua última palavra".
PESSOA, V. A. de P. op. cit., p. 96.

329 . Ibidem, p. 105.

330 . Sobre o artigo 49 - enquanto não houver prisões apropriadas a pena de prisão com trabalho deverá transformar-se em prisão simples, acrescida
de mais a sexta parte de sua duração - diz M. J. B. Montenegro, op. cit., p. 384: "A necessidade deste artigo é palpavel, principalmente entre nós, onde
desgraçadamente se dá o pessimo costume de crear instituições sem os edificios necessarios, para realizal-os; estabelecem-se penas, que demandam casas proprias
para sua execução, antes da construção das mesmas". Para Francisco Luís o fim da pena deve ser corrigir, regenerar e reabilitar e por isso não aprova as penas
simples e mais severas: "... sobre o governo de todos os povos pesa o rigoroso dever de adoptar, o quanto antes, um bom systema penitenciario, pelo qual possam
ser dispensadas aquellas barbaras e anachronicas penas". LUÍS, F.
op. cit., p. 6.
129
Os Brancos da Lei

Desde as discussões do projeto de Código se insistia que o meio


principal de se propagar a moral era a promoção da instrução pública. O
homem, conhecendo seus direitos, assim saberia respeitar os de seus
semelhantes e conheceria seus deveres para com a nação.
As penas não são os verdadeiros meios com que se
extirpão os delictos, e sim com casas de correcção,
promovendo a instrução primária e a moral publica, e não
com o pessimo systema de sacrificar homens.331
Particularmente aqueles autores que se opunham à pena capital são prolixos
na defesa da necessidade da instrução pública para moralização dos costumes e,
sobretudo, da recuperação do indivíduo para a sociedade. Convencido de que o
crime é uma moléstia moral e de que as penas são seus remédios e a cadeias
hospitais - onde devem ser recolhidos e moralmente curados "esses doentes
chamados criminosos" -, Francisco Luís não poupa ataques à pena de morte.
Ela é vã para os que a afrontam, inútil para os que estão moralmente mortos e
exagerada para os que se arrependem. A sociedade que a admite é a primeira a
dar licença e exemplo de que se pode matar,
... se pode estancar uma fonte de produção e reprodução,
reduzir á cinza um ser humano por ventura ainda cheio de
vida, intelligencia e actividade, o qual bem dirigido,
moralizado, corrigido e regenerado poderia tornar-se útil a si,
aos seus e á mesma sociedade.332
Tristão de Alencar Araripe, futuro ministro da Fazenda do governo
republicano de Deodoro333, já na "Advertência" de seu trabalho de comentários
ao Código Criminal demonstra seu horror à pena capital, que destrói e não
castiga o delinqüente, e às penas de encarceramento longo, que "... acarretão em
geral o definhamento do prezo, e muitas vezes produzem o embrutecimento e a
loucura". E prescreve:
É para corrigir, e não para inutilizar o omem (sic), que a
sociedade pune e castiga; cumpre portanto ser parco na

331 . Fala do deputado Ernesto em sessão da Câmara dos Deputados a 13.09.1830.


APB, p. 505.
332 . LUÍS, F. op. cit.
, p. 96. Ver também Idem, p. 89, 98.
333 . Cf. BLAKE, A. V. S. op. cit., v. 7, p. 320.

130
Os Brancos da Lei

applicação de penas de consequencias em muito casos


perniciosas, e contrarias ao fim da punição.334
Paula Pessoa se agrega a um número de intelectuais a favor de penas
moderadas, pois seriam mais eficientes que as draconianas - das quais os
condenados sempre encontrariam maneiras de safar-se. Para ele, os castigos
deveriam ser humanos e justamente graduados em relação ao gênero do delito;
iguais e isentos de qualquer arbítrio judiciário; inalteráveis depois de decretados;
repressivos, públicos e corretores das propensões morais do condenado: "Na
época moderna, a tendencia generosa de todas as sociedades é corrigir o culpado,
erguendo o ser decahido"335.

Independentemente das concepções de Direito que tenham Deus, a lei


ou a moral como fonte principal, prepondera o ideal de humanidade, que
tem no resgate do réu para a sociedade a própria razão de ser do Estado.
É recorrente a orientação de que a recuperação do criminoso só se daria
através da difusão da instrução pública, cujo veículo mais eficiente seria a
imprensa. Bernardo de Vasconcelos, na mencionada Carta aos srs.
eleitores da provincia de Minas Geraes, defende que um dos meios mais
profícuos de disseminar a instrução pública pelos membros de uma
sociedade é a liberdade de imprensa - "a experiencia das nações cultas
demonstra com evidências esta verdade"336.

Quase 60 anos depois reverbera o mesmo mote a favor da instrução


pública e da liberdade de imprensa:
Sim. São os livros e os jornais que espancam as trevas da
ignorancia, que infelizmente reproduz-se como o próprio
homem; são os livros e os jornais que inoculam todos os dias
no cerebro de milhões de individuos novas idéias e melhores

334 . ARARIPE, T. A. op. cit., p. I e II.


Vários autores expressam sua deferência à educação e ao resgate do
criminoso, como o próprio mentor do Código Criminal, o deputado Bernardo de Vasconcelos: "Eu
vos faria, Srs. Eleitores, atroz injuria se me demorasse na explanação dos bens que da publica
instrucção percebe uma nação (...); devo porem assegurar-vos que a Assemblea Geral nas duas
primeiras sessões tem trabalhado na propagação e augmento das luzes, como vos convencereis pela
leis que passo a refletir". VASCONCELOS, B. P. de. Carta aos srs. eleitores..., cit., p. 84. Ver
também PESSOA, V. A. de P. op. cit., p. 112.
335 . PESSOA, V. A. de P. op. cit., p. 95 e ss.

336 . VASCONCELOS, B. P. de. op. cit., p. 84.

131
Os Brancos da Lei

sentimentos; são os livros e os jornais que guiam a


humanidade pelas esplendorosas vias do progresso e da
civilização. Por uma vez convençam-se todos os fanaticos e
todos os despotas do mundo: o maior correctivo da imprensa
é a propria imprensa; desmoralizam-se sempre os que
procuram comprimil-a.337
Se se estampam essas enfáticas defesas em favor da difusão das luzes, da
humanização da aplicação das penas, da melhoria do sistema penitenciário, da
salvação moral do indivíduo em prol da sociedade, é preciso frisar que nem todos
desposavam idéias tão despojadas. Fica patente em Mendes da Cunha, por
exemplo, quando aprecia os artigos referentes à liberdade de imprensa, seu
repúdio em relação ao uso pernicioso que alguns "comunistas" fariam da
imprensa contra a ordem - um tremendo perigo ao corpo social:
Depois que se estabelleceram officinas typographicas
neste Imperio, que Deos na sua ira parece ter abandonado ás
especulações dos homens mais corrompidos e ignorantes da
terra, armou-se uma phalange de libelistas para combater
com os recursos do prélo todas as virtudes, e todos os
principios, que se opõe aos interesses da anarchia, e á
depravação dos costumes.338
Se se lembrar a vitalidade da imprensa nesses meados de século em que
escreve o jurista, fica mais fácil se entender o mal-estar que causava a um
homem conservador essa "falange de libelistas". O autor invectiva contra o
mesmo artigo 9, parágrafos 3o. e 4o. do Código Criminal, que autorizam tecer
"analyses razoaveis da Constituição". Para ele, nem isso deveria ser consentido,
já que incitaria as facções políticas e seria o germe da destruição da organização
sócio-política do país - que era e deveria permanecer monárquico-hereditária,
constitucional e representativa339.

337 . LUÍS, F. op. cit., p. 26-7.

338 . AZEVEDO, M. M. da Cunha. op. cit., p. 88 e ss. Francisco Luís também expressa sua aversão ao comunismo, quando trata do título III, dos
crimes contra a propriedade: "A propriedade é tão antiga e sagrada, quanto a vida humana; pois que é um dos meios de mantel-a. O comunismo é incompativel
com a organização, necessidades e aperfeiçoamento quer do indivíduo, quer da sociedade. (...) O direito de propriedade não é resultado de uma convenção
humana, ou de uma lei positiva; funda-se na propria natureza humana; e como a liberdade nasceu com o homem e ha de sobreviver á todas as utopias novas e
renovadoras." LUÍS, F.
op. cit., p. 468.
339 . LUÍS, F.
op. cit., p. 115 e ss.
132
Os Brancos da Lei

Quer os ânimos dos juristas se firmassem contra ou a favor da idéia


de evolução e de progresso, é forçoso reconhecer que elas estavam
presentes em todos. Influência inevitável do pensamento burguês
vitorioso que produziu um Condorcet340, fruto da afirmação da ciência
como conhecimento positivo expresso em Comte341 e Darwin, a noção
de mudança é patente nos criminalistas. Incutidas em seus juízos
encontram-se interpretações pessoais e rudimentares de como se
procede a evolução, se organiza e se transforma a sociedade. Tome-se
por exemplo Vieira de Araújo:
Assim a evolução intellectual, parallela na humanidade á
evolução social, da qual ela é ao mesmo tempo causa e effeito,
é sobre todos os seus aspectos um progresso da potencia da
representação do pensamento.342
A noção de progresso contida no excerto traz em si, ainda que elementar,
uma teoria da história: a de que a evolução intelectual é causa e efeito do
progresso social. É uma visão peculiar de determinação. Observemos pois as
poucas mas significativas concepções de história que colhemos nos
comentadores do Código Criminal.

Paula Pessoa também faz alusão à impropriedade do artigo 68, que


mencionamos acima. Nesse autor encontra-se a melhor distinção entre
crime comum e político. Quem incorre no primeiro transgride uma regra
da moral universal, que existe na consciência dos homens e a qual não se
pode violar sem ferir a humanidade. Já o ato político não apresentaria, em
certos casos ao menos, essas características.
Na transformação incessante, na evolução inevitavel,
que é a mesma vida das nações, esse acto constitui um
esforço, uma manifestação, uma aspiração particular para um

340 . Cf. FURET, François, OSOUF, Mona.


Dicionário crítico da Revolução Francesa. Trad. Henrique de
Araújo Mesquita. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. p. 230-9.
341 . Ver GARDNER, Patrick.
Teorias da História. Trad. V. M. e Sá. 3 ed. Lisboa: Calouste
Gulbenkian, 1984. p. 60-70, 88-101. Também HOBSBAWM, E. J. A era do capital (1848-1875).
Trad. Luciano Costa Neto. 3 ed. Rio de Janeiro : Paz & Terra, 1982. p. 261-85.
342 . ARAUJO, J. V. de.
Ensaio de direito penal..., cit., p. 2.
133
Os Brancos da Lei

novo estado de cousas, que passará ou não, na realidade dos


factos, segundo a somma das forças sociaes.343
À frente reforça sua crença no progresso da civilização no devir histórico. Na
Antiguidade, a liberdade individual ofereceria garantias imperfeitas, que se foram
aprimorando com o progresso das nações. Ficou estabelecido que cada cidadão deveria
gozar do direito de dispor livremente de sua pessoa, obtendo da sociedade proteção e
reparação contra as detenções ilegais, violações de domicílio ou qualquer atentado à
segurança de cada um344.

Vieira de Araújo tem uma concepção própria de determinação na


história, segundo a qual existem dois fenômenos sociais: os extrínsecos
(geológicos, meteorológicos etc.) e os intrínsecos (caráter físico,
emocional, intelectual do homem).
Entre esses grupos numerosos de phenomenos (estados
da língua, do saber, da moral, das artes e as organizações
intra sociaes: a domestica, a politica, a eclesiastica, a
cerimonial, a industrial), existe um consensus; sendo o
resultado mais bello que se possa esperar na sociologia
abraçar ella o vasto aggregado heterogeneo do genero
humano, de modo a ver como cada grupo se acha em cada
periodo, determinado em parte por seus proprios antecedentes
e em parte pelas acções passadas e presentes que os outros
grupos exercem sobre elle.345
Nessa passagem perpassa uma intuição de dupla determinação social
endógena e exógena, de influência declaradamente spenceriana. A despeito da
importância que atribui aos fenômenos sociais extrínsecos, não passam
desapercebidas ao autor as diferenças internas, entre as classes existentes na
sociedade, como quando declara que no seu alvorecer a lei era a do mais forte;
depois teria vindo o talião: olho por olho, dente por dente. Respondia-se à
violência com violência.
A tarefa de applicar essa lei primitiva foi á principio
deixada ás partes interessadas; porque as classes diretoras

343 . PESSOA, V. A. de P. op. cit., p. 206.

344 . Ibidem, p. 321.

345 . ARAUJO, J. V. de. op. cit., p. 3.

134
Os Brancos da Lei

sonharam longo tempo em cousas muito diversas de


administrar a justiça.346 (ênfase acrescentada)
Temos visto todos esses autores referendarem uma noção de progresso, de
evolução histórica, mesmo aqueles, como Mendes da Cunha, que vêem nisto um
mal. E não há paradoxo no fato de os mais "progressistas" - ou melhor, aqueles
que aderem a uma idéia de progresso como busca da libertação humana - não
considerarem em suas reflexões a condição do ser escravo que existia entre eles.

Este era, como se propõe no capítulo II deste trabalho, um acidente


de percurso, um mal provisório e necessário que por isso mesmo não
devia ser computado. Ou, simplesmente, todo esse discurso progressista
exclui de fato a classe dos escravos, pois quando se falava em "homens",
referia-se a "cidadãos" - condição da qual o elemento servil era a base,
mas que na prática lhe era totalmente vedada347.

De qualquer forma repõe-se aqui a ideologia do precedente, que o


cativeiro fez abrir não só na legislação, mas na própria mentalidade
escravista da classe dominante. Sintoma maior, já o apontamos
anteriormente, está na distribuição das penas, nos termos estabelecidos
nos artigos 38 a 60. São todas elas aflitivas, com exceção da de açoites
(art. 60), que é , infamante348. As primeiras atacam os bens físicos do
homem, sua vida, liberdade e fortuna; as segundas, exclusividade dos
escravos, prejudicam os bens morais do sujeito: sua honra, posição social
e direitos de família349. Mas é indiscutível o preceito: "A pena de açoites
é a mais propria para punir os escravos..."350.

346 . Ibidem, p. 4.

347 . Cf. ALVES JR., T. op. cit., v. 2, p. 70: "A escravidão é um facto excepcional que a nação encontrou em seu berço, foi uma herança que veio
obriga a aceitar, e carregar com seus ônus.
A escravidão forma uma população excepcional com direitos e deveres
diversos dos demais individuos ou pessoas que formão a nação, portanto nem esses direitos nem
esses deveres podem ser definidos e classificados em um codigo comum". (ênfase acrescentada)
348 . Bezerra Montenegro assim se expressa sobre esse artigo: "Começamos por lamentar, que a existencia da escravidão entre nós reclame essa
legislação excepcional, que marca para os escravos uma penalidade diferente da do homem livre: ao menos sirva-nos de desculpa, que não fomos nós os
introductores della; já a achamos estabellecida, quando nos constituímos em Estado; e por isso, não tendo nós a responsabilidade de sua fundação, não somos
dignos de censura, por procurarmos a nossa segurança em leis excepcionais, como são este artigo e a lei de 10 de junho de 1835." MONTENEGRO, M. J. B. de.

op. cit., p. 419.


349 . Cf. PERDIGÃO, C. F. M. op. cit., p. 231.

350 . MONTENEGRO, M. J. B. op. cit., p. 420.

135
Os Brancos da Lei

O problema só se torna compreensível na medida em que se pensar


na divisão do controle policial e político entre Estado e particulares. O
funcionamento da produção, dentro da grande unidade familiar, dispunha
o controle dos escravos ao encargo dos senhores, salvo em casos de
insurreições e eventuais assassinatos. Nas cidades, onde proliferavam os
escravos a ganho - e os senhores mais humildes sem grandes aparatos
privados de coerção - incumbia ao Estado interceder a favor dos
proprietários, promovendo a justiça particular com a instituição do
calabouço, investido da função de recolher e administrar as punições
que os senhores determinassem a seus escravos351.

O cativeiro era uma borra que sujava a sociedade, mas da qual não se
abria mão por ser o próprio esteio desta. Mesmo após a lei do Ventre
Livre, de 1871, a escravidão estava firmemente assentada e contava com
a aprovação velada dos setores dirigentes.
Presentemente o facto da emancipação servil, apenas
iniciada ainda não fez sentir seus effeitos reaes no paiz, por
isso que o serviço do lar domestico, os trabalhos braçaes da
cultura, das fabricas, das minas, e das artes mechanicas estão
entregues aos escravos; este ainda constitue uma parte
importante da riqueza nacional ou da propriedade particular.
É necessario desde já ir-se preparando os hábitos do paiz
para o trabalho livre, ir-se acostumando a mocidade á vida
agrícola, despertando nella uma inclinação animada por
idéas grandiosas a respeito da arte de cultivar os campos; é
necessario desterrar de nós certos habitos afidalgados que
sustentão em todos um aborrecimento ao trabalho.352
O uso tópico que fizeram os dirigentes imperiais da doutrinas liberais não
ocorreu apenas em termos do debate das idéias. Toda a produção legal e sua
aplicação foi realizada tópica e funcionalmente. Basta lembrar, no que diz
respeito ao trabalho, as "leis para inglês ver" sobre a emancipação dos escravos,
prometidas pelo Brasil à Inglaterra desde 1826 e descumpridas sistematicamente
até a solução drástica do Bill Aberdeen, de 1845, que desaguaria na abolição

351 CUNHA, M. C. da. op. cit.


, p. 45-60.
352 . VIDAL, L. M.
Indice alphabetico..., cit., p. XXXVIII.
136
Os Brancos da Lei

derradeira do tráfico com a lei Eusébio de Queirós, em 1850. Mas os rumores


dessa peleja ecoaram até pelo menos a década de 1860, com a "questão Christie".

A outra base da classe escravista, a propriedade da terra, esteve


envolvida por uma legislação dúbia, que acabou por proteger sempre os
interesses latifundiários contra uma eventual pulverização das unidades
rurais353. Os senhores conviviam muito bem com a escravidão, que era
sua razão mesma de ser. Quando já estava condenada, ainda assiste-se a
muitos que dela não queriam abrir mão. Com a sorte do regime de
trabalho escravo definitivamente selada, restava aos senhores darem um
fim aos negros, que certamente não seria o engajamento na sociedade,
mas a marginalização. Em 1860 Bezerra Montenegro já pressentia o fim
do regime servil e lançava sua proposta para o enfrentamento do
"problema negro":
A escravatura esta extincta entre nós de alguma maneira,
faltando-nos somente a lei de emancipação dos escravos e sua
reexportação, como aconteceo nos Estados Unidos, onde se
fundou a Colonia Siberia, que esta florescendo...354
A classe dirigente recusou-se enquanto pôde a substituir o regime de tabalho
servil, sustentáculo de seu poderio econômico e de seu status social por mais de
três séculos. Porém, conforme demonstrou Emília Viotti da Costa, não teve
escrúpulos ou critérios ao "libertar os brancos do fardo da escravidão,
abandonando os ex-escravos à sua própria sorte" com a Abolição, já quase em
pleno século XX355.

353 . Cf. CARVALHO, J. M. de. A modernização frustrada. A política de terras no Império.


Revista Brasileira de História, São
Paulo, V. 1, p. 39-57, 1981.
354 . Cf. MONTENEGRO, M. J. B. op. cit., p. 344.

. COSTA, E. V. da. Prefácio à segunda edição.


355
Da senzala à colônia, cit., p. 44.
137
Os Brancos da Lei

138
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscou-se neste trabalho reconstituir o quadro de valores constituinte


da mentalidade escravista na sociedade brasileira do século XIX. As
fontes escolhidas conduziram a um panorama específico, peculiar à elite
incumbida de ditar os parâmetros legais a partir dos quais todos os
indivíduos deveriam se mover.

A concentração de comentários ao Código Criminal na segunda


metade do século não apenas referenda como comprova a hipótese de
uma continuidade da mesma configuração mental da classe letrada por
todo o período. É importante lembrar que tal classe não era homogênea,
como também não deveriam ser suas representações mentais. Homens
havia, dentro do segmento letrado da classe escravista, que não toleravam
o cativeiro. Mas eram exceções a uma mentalidade dominante. Isso
corrobora o fato de que o "bando de idéias novas" que assolou o país na
década de 1870 não teve a mesma receptividade no pensamento jurídico.

O fato de algumas obras serem mais densas quanto à emissão de


juízos valorativos que outras não compromete sua homogeneidade.
Trabalhamos, se não com todos, com a maioria dos comentadores, de
modo a termos operado com um corpo documental expressivo dos
valores da classe dominante.

Pudemos observar como a importação de doutrinas adventícias,


próprias ao contexto da afirmação da sociedade burguesa e industrial
européia, ganharam um significado novo e específico no quadro da
emancipação política de uma ex-colônia ibérica, cujas classes dominantes
não cederam em abrir mão do trabalho escravo.

Devido a vários fatores - que vão desde a implantação do sistema de


donatarias e capitanias hereditárias até o isolamento do meio rural e as
Os Brancos da Lei

fronteiras abertas para um sertão praticamente infinito -, durante o


período colonial instaurou-se o tipo de unidade produtiva de caráter
semi-autárquico semelhante ao oîkos da Antiguidade clássica, que
concentrava no pater familias uma autoridade irreplicável.

O Direito espelha fielmente esse ardil histórico, na recuperação dos


princípios do Direito romano. Por mais que os juristas ostentassem um
discurso liberal, coerente com as doutrinas da igualdade entre
indivíduos livres, a existência do cativeiro o impugnava e obrigava a
verdadeiras contorções discursivas. A sociedade escravista só podia
produzir - como o fez de fato - um Direito escravista.

O desejo de ocultar a escravidão do Direito obrigava a que, quando se


tratasse de matérias relativas ao elemento servil, os juristas se
comportassem como se estivessem lidando com algo excepcional. O fato
mais sintomático dessa prática é a presença do artigo 60, que comuta para
açoites todas as penas abaixo das galés destinadas aos escravos. Com isto,
autorizava-se ao senhor o uso privado da violência legítima - que foi feita
exclusividade do Estado pelo Direito moderno.

Era a maneira de legitimar-se juridicamente a única forma de conter


a escravaria e discipliná-la sob o regime ostensivo de trabalho da
plantation. Depositava-se nas mãos do senhor a gerência da unidade de
produção, organizada como uma grande família, que incluía todos como
seres inferiores, dependentes das mercês do senhor. Ficavam mulheres,
filhos, agregados e principalmente escravos num estado constante de
menoridade diante do poder "protetor" do soberano da casa.

Essa configuração serviu de modelo à construção do Estado imperial


- Estado eudemonista -, que atribuía ao soberano da nação o mesmo
arbítrio que tinha o senhor em seu domínio, na busca da felicidade dos
súditos. Assim comprovam os artigos que atribuem ao Poder Moderador
o direito de graça ou de moderação das penas, bem como a reverência dos
magistrados a essa cláusula. Não são poucas, igualmente, as
manifestações de indignação de alguns juristas diante do arbítrio do
soberano, que dirigia a nação como uma família ampliada.

140
Os Brancos da Lei

O uso privado da violência, legitimado em vários artigos e


ratificado pela unanimidade dos juristas, foi o modo de se assegurar o
controle sobre os produtores diretos: os escravos. Consolidavam-se com o
poder patriarcal as doutrinas do Digesto romano, que validavam o direito
ao castigo moderado que os pais dessem aos filhos, os mestres aos
discípulos e os senhores aos escravos - legalizando-se assim a
verticalização das relações sociais. A ascendência hierárquica, a
obediência passiva, o absoluto paterno deviam ser inquestionáveis.

A ideologia milenar da obrigação paternal de proteger e zelar pela


felicidade de seus dependentes construiu a imagem positiva e redentora
do pai. Na escravidão do mundo moderno isso se desmitifica. Revestida
de caridade paterna, legitimava-se, mesmo no direito criminal, a violência
da sociedade escravista, gerada em primeiro lugar nas relações
fundamentais de produção, a partir das quais se difundia como prática
em todas interações sociais.

A escravidão e a prática do favor próprias das relações familiares


impediram as pretensões dos dirigentes da nação de implantar nos
trópicos as doutrinas do liberalismo, que não passou de ideologia, mesmo
no sentido primitivo de ocultação ou inversão da realidade. As idéias
liberais estiveram fartamente presentes na classe diretora do Império,
como expressa o próprio direito criminal. Contribuíram para configurar
uma visão de mundo peculiar, justamente pela sua adequação a uma
sociedade assentada no trabalho compulsório. O emprego do liberalismo
entre nós não foi, como não poderia deixar de ter sido, mais que tópico e
funcional.

Diante desse quadro, buscamos resgatar uma hierarquia dos valores


escravistas, tabulando a matemática dos crimes à razão do valor numérico
de suas penas e relevando os aspectos mais recorrentes nos juristas
quanto a suas noções de Direito e história.

Os limites deste trabalho são muito claros. A partir deles perde-se


toda a riqueza da própria história do Império, como as lutas e políticas
para a solução do problema da substituição da mão-de-obra escrava.
Problema enfrentado desde a Independência, quando já se
141
Os Brancos da Lei

instensificavam as pressões inglesas, que só alcançaram êxito com o Bill


Aberdeen, culminando na extinção do tráfico em 1850.

Além da questão da transição do regime de trabalho, diluem-se as


influências de fenômenos conjunturais ou mesmo de "tempo breve" dos
acontecimentos sobre a mentalidade dos dirigentes do Império. Se não é
possível mensurar-se o impacto, por exemplo, do boom econômico dos anos
1850 ou do início da imigração sobre a concepção escravista de mundo, as
fontes utilizadas permitem afirmar que, no campo jurídico, tais
acontecimentos têm uma interferência praticamente desprezível. O direito
criminal permaneceu escravista enquanto vigorou no Brasil esse regime de
trabalho.

Excluem-se ainda de nosso campo de análise, sobretudo, todo aquele


amplo território de ninguém batizado por Antonio Candido de "mundo da
desordem", situado fora do alcance da lei, que pretendia regulamentar o
mundo ordenado do governo e do trabalho, de senhores e escravos.
Haverá que se pensar, a partir de novas pesquisas, o que significava a lei
para aqueles sujeitos informais por quem uma historiografia mais
recente vem crescentemente se interessando.

Não pretendemos solucionar, igualmente, o complexo problema


conceitual da abrangência ou da representatividade da mentalidade
escravista - que aqui significou o conjunto de valores embutidos nas
idéias jurídicas do segmento letrado e dirigente da sociedade imperial.
Não entramos, deliberadamente, no mérito da questão da circularidade ou
não dessas idéias entre as classes dominadas. Tampouco estivemos
preocupado em definir se nosso objeto pertence ao âmbito da cultura, da
ideologia, das idéias ou das mentalidades.

Acreditamos que a cultura erudita, que alguns chamam ideologia,


carrega em si um estar para o mundo, que não é simplesmente ideologia,
mas corresponde às expectativas e aos valores da classe que a produziu.

A partir desses pressupostos, apreciamos os valores emitidos pelos juristas


e os expressos nas doutrinas do Código Criminal. A pertinência de nossas
análises, por sua vez, aguardam o veredito de seus próprios leitores.
142
Os Brancos da Lei

143
Apêndice
HISTORICO DO CODIGO CRIMINAL DO IMPERIO1

Constituido o Brazil em nação livre e independente, não podia


continuar sob o regimen das leis pennaes portuguezas. O art. 179
paragrafo 18 de nossa Constituição Politica estatuiu que quanto antes se
organizasse um codigo criminal, fundado nas solidas bases da justiça e
da equidade. Na verdade, não era mais admissivel o carunchoso livro 5o.
das Ordenações Philipinas, coberto (na phrase de um distincto
parlamentar) de ferrugem ghotica, incapaz de apparecer no seculo XIX e
em um paiz americano.

E assim, logo seis dias depois de aberta a primeira sessão da


Assembleia legislativa Brasileira, o deputado José Antonio da Silva Maya
propoz, em 12 de Maio de 1826, que se convidasse a commissão de
legislação para indicar com urgencia as medidas a tomar para a
organização dos Codigos civil e criminal. No mesmo dia o deputado
Gervasio Pires Ferreira propoz que se decretasse um premio a quem
dentro do espaço de 2 annos apresentasse o melhor projecto de Codigo.

Em sessão de 3 de Junho do mesmo anno o deputado José Clemente


Pereira apresentou um projecto de lei contendo as bases para um codigo
criminal e do processo.

Na sessão de 4 de Maio de 1827 o deputado Bernardo Pereira de


Vasconcellos apresentou um projecto de codigo criminal*.

1 .
Apud Codigo Criminal do Imperio do Brazil annotado com todas as leis, decretos e
avisos referentes aos seus diversos artigos, até 1878, e acompanhado de um indice alphabetico, por B.
P. Rio de Janeiro: Livraria J. G. de Azevedo, 1879, p I-XI.
* . Esse projecto achou-se impresso no fim do 2o
. tomo dos Annaes da Camara dos deputados, do anno de
1829.
Os Brancos da Lei

A commissão especial encarregada de examinar esses dois projectos,


a qual era composta dos deputados José Antonio da Silva Maya, Candido
José de Araujo Vianna (depois Marquez de Sapucahy), José da Costa
Carvalho (depois Marquez de Monte-Alegre), Manuel Caetano de
Almeida e Albuquerque e João Candido de Deus e Silva, apresentou em
14 de Agosto do mesmo anno um parecer, cuja primeira conclusão,
aprovada pela Camara, era que se imprimissem ambos os projectos, não
só para que os deputados podessem melhor formar o seu juizo sobre o
merecimento d'elles, como para dar logar ás observações dos
jurisconsultos e sabios da nação.

Resolveu-se posteriormente convidar ao Senado para nomear uma


commissão com o mesmo numero de membros que a supramencionada
da Camara, a fim de, reunidas, examinarem maduramente cada um dos
artigos dos referidos projectos, e interporem seu parecer sobre a
preferencia, offerecendo as emendas que julgassem necessarias, e
propondo os meios mais efficazes para abreviar a discussão em ambas as
Camaras. Neste sentido officiou a Camara ao Senado em 9 de Maio de
1828, e o Senado a 12 do mesmo mez respondeu ter annuido, e já foi
nomeada a Commissão.

Essa commissão mixta leu na sessão de 31 de Agosto de 1829 o seu


parecer, que, por ser muito importante, aqui transcrevemos.

PARECER

"A commisão das duas camaras encarregada de examinar os dous


projectos de Codigo Criminal offerecidos pelos Sr. Vasconcellos e
Clemente Pereira, tomou por padrão da sua discussão o 1o., como havia
indicado a 1a. commisão da camara dos deputados, tendo sempre á vista e
numa devida consideração o 2o.; e empregando em negocio de tanta
importancia todo seu desvello compativel com o trabalho ordinario das
camaras, fazendo as alterações que lhe pareceram convenientes, e
avaliando em mais o damno da demóra que o das imperfeições que com o
vagar podesse corrigir, apressa-se a apresentar o resultado dos seus
trabalhos no projecto novamente redigido.
144
Os Brancos da Lei

"Divide-se este projecto em 4 partes: trata a primeira dos crimes e das


penas em geral; n'ella se qualificam as acções criminosas, e dão as regras
para conhecer e graduar a imputação; trata-se da satisfação do damno;
definem-se as penas adoptadas, e estabelecem-se as regras geraes para
sua applicação e execução. Pode-se dizer que esta 1a. parte contem a
theoria dos systemas que nas outras se desenvolve em um quadro
classificado de todos os crimes.

"A 2a. trata dos crimes contra os interesses geraes da nação.

"A 3a. trata dos crimes contra os interesses dos individuos.

"E a 4a. comprehende os crimes policiaes sobre que a auctoridade


publica deve cuidadosamente velar para previnir maiores males.

"A commissão desejou suprimir a pena de morte, cuja utilidade


rarissimas vezes compensa o horror causado na sua applicação,
principalmente no meio de um povo de costumes tão doces, qual o
brazileiro; porém o estado actual da nossa população, em que a educação
primaria não pode ser geral, deixa ver hypotheses em que seria
indispensavel; tendo a consolar-se desta triste necessidade com a
providencia da Lei, que prohibe a execução de tal pena sem o
consentimento do poder moderador, que seguramente o reservará, quando
convier a substituição.

"A commissão não recommenda como obra perfeita o projecto


offerecido, nem é tanto dado á homens; mas comparando-o com a
legislação actual, não receia affirmar a uttilidade, e mesmo a necessidade
de ser adoptado.

"Nós não temos codigo criminal, não merecendo este nome o acervo
de leis desconexas, dictados em tempos remotos, sem o conhecimento
dos verdadeiros principios, e influidas pela superstição e por grosseiros
prejuizos, egualando ás de Draco em barbaridade, e excedendo-as na
qualificação absurda dos crimes, irrogando penas á factos fóra dos limites
do poder social: ellas tem tambem o vicio de distinguir as pessoas dos
145
Os Brancos da Lei

delinquentes, e de extender as penas aos innocentes. Ao contrario, o


projecto offerecido é baseado no Arty. 179 P. 2o. da Constiuição do
Imperio: "Nenhuma lei será estabelecida sem uttilidade publica".

"Este principio, que evidentemente se deduz da natureza social e


abraça todas as suas relações, claro em si mesmo, destruidor de todos os
erros a que os dogmaticadores têm sido conduzidos no vasto campo das
abstracções, respeitado mais ou menos por todos os legisladores, ainda
quando mal fixado, é o regulador do projecto.

"Não se lisongêa a commissão de ter seguido com todo o rigor da


analyse o desenvolvimento do principio cardeal da utilidade, nem de ter
calculado com justeza os bens e os males resultantes das acções
criminosas, oppondo-lhes em justa proporção outros males que tirem ou
enfraqueçam fortemente a tentação ao crime: a sciencia da legislação
criminal a este principio está na sua infancia, e nunca chegará a
madureza: tendo, porém, feito quanto coube nas suas forças e tempo, está
intimamente convencida que muito avançaremos para a perfeição
substiuíndo ás leis existentes, indignas do seculo em que vivemos, um
codigo organizado systematicamente sobre uma base solida tomada na
natureza social e já consagrada no nosso codigo fundamental.

"Neste convencimento, e considerando a importancia com que a


nação anhela pela reforma de um ramo da legislação tão incompleto
como barbaro, é de parecer que o projecto offerecido se adopte sem
passar pelas discussões dos regimentos das camaras, cuidando-se só em
corrigir os seus deffeitos mais salientes; e para que este fim se consiga
com brevidade, propõe o seguinte

PLANO

"1o. O projecto do Codigo Criminal, redigido pela commissão das


duas camaras, será impresso e destribuido.

146
Os Brancos da Lei

"2o. Logo que for destribuido na camara da iniciativa, se assignará


um praso fixo para serem recebidas as emendas que cada membro da
camara quizer fazer, e as memorias que qualquer cidadão offerecer.

"3o. As emendas e memorias, apresentadas dentro do prazo, serão


remmettidas á uma commissão ad hoc, composta de tres membros, e
poderão ser convidados os das memórias.

"4o. A commissão fundirá em uma só as emendas que contiverem a


mesma doutrina, ou em que os seus auctores concordarem: examinará a
harmonia ou discordancia em que as emendas possam estar com o todo
do projecto, e proporá como emenda o que nas memorias encontrar digno
de ser adoptado.

"5o. Logo que a commissão ad hoc apresentar as emendas, e estas


forem impressas, será dado o projecto com ellas para a ordem do dia.

"A discussão começará pela questão - si o projecto deve ou não ser


admittido? Vencendo-se que sim, serão discutidos os artigos emendados,
tendo-se os outros como approvados.

"Terminada a discussão, si o projecto for adoptado, será remettido á


outra camara, onde se procederá do mesmo modo.

"Rio de Janeiro, 31 de Agosto de 1829.- Nicolau Pereira de Campos


Vergueiro.- José Antonio da Silva Maya.- Manuel Caetano de Almeida e
Albuquerque.- José da Costa Carvalho.- João Candido de Deus e Silva."

Em 6 de Maio de 1830 entrou em discussão, e foi approvado esse


parecer da commissão mixta. E na ssessão de 7 nomeou-se uma
commissão especial composta dos deputados Antonio Pinto Chichorro da
Gama, Honorio Herméto Carneiro Leão e Joaquim Francisco Alves
Branco Muniz Barreto para encarregar-se de receber as emendas, e
memorias offerecidas sobre esse codigo, e marcou-se praso para a
discussão das referidas emendas e das que se offerecessem até o dia 1o.

147
Os Brancos da Lei

de junho. Ainda em 12 desse mez o deputado Paula Albuquerque


offereceu, e foram submettidas á dita commissão especial, as suas
observações sobre o projecto de codigo redigido pela commissão mixta.

Só a 10 de Setembro começou a ser discutido esse projecto. Mas


sendo a discussão artigo por artigo, Rebouças, Carneiro da Cunha, Paula
e Souza, Ernesto França e outros fizeram ver que era isso muito moroso,
e que por tal caminho tão cedo não havia Codigo. Então foi approvada
uma indicação de Paula e Souza para elerger-se uma commissão especial
que apreciasse todas a emendas já offerecidas ou que se offerecessem até
o dia seguinte; apresentasse as que se julgasse absolutamente
indispensáveis; e tudo dentro de seis dias. Elegeu-se a commissão, que
ficou composta de Antonio Paulino Limpo de Abreu (hoje Visconde de
Abaeté), Francisco de Paula Souza e Mello, e Luiz Francisco Paula
Cavalcanti de Albuquerque.

Em 19 de Outubro essa commissão apresentou o seu parecer, e a 22


foi approvado, e adoptado, o Codigo para ser remettido ao senado.

No senado foi encarregado de fazel-o imprimir o senador José


Ignacio Borges, que na sessão de 3 de Novembro declarou já se achar
impressa a 1a. parte para ser distribuida pelos senadores, e na de 8
requereu que a commissão passasse desde logo a examinar o codigo á
medida que se fossem imprimindo as partes, para depois dar sobre elle o
seu parecer. No dia 22 disse Vergueiro que já se achando impresso e
distribuido o codigo, se tractasse de approval-o, para subir a sancção
resolveu-se que a commissão désse seu parecer com urgencia.

E de feito, na secção de 23 apresentou ella o seu parecer, declarando


que julgava o codigo bem organizado e fundado nos principios da
philosophia juridica dos tempos, e opinando que fosse elle adoptado sem
outra discussão mais do que se mostrar ser mais conveniente adoptal-o
assim, deixando alguma correcção para o que a practica fosse
demonstrando digno de reforma, do que privar o Imperio por mais um
anno do beneficio que devia resultar de sua admissão, que acaba de um
golpe com as leis barbaras e repugnantes do Estado actual.
148
Os Brancos da Lei

Esse parecer foi assignado pelos Senadores Marquez de Inhambuque,


Nicolau Pereira dos Santos Vergueiro, Manuel Caetano de Almeida
Albuquerque e João Antonio Rodrigues de Carvalho; e sendo
approvado, entrou o Codigo no mesmo dia em 1a. discussão. Approvado
em 1a. e depois em 2a., foi em 3a. no dia 25.

Á 26 recebeu o Senado um officio da Camara remettendo a


verdadeira redacção do art. 310 em que tinha um equivoco, quando fôra
redigido: o Senado approvou a nova redacção, e communicou á Camara.

Foi sanccionado pelo 1o. Imperador aos 16 de Dezembro de 1830, e


publicado como Lei a 8 de Janeiro de 1832.

Eis a marcha da elaboração do Codigo Criminal do Brazil. Esse


padrão de honra da legislação patria foi toda obra de legisladores
brazileiros, e excitou applausos e tem merecido elogios de abalizados
criminalistas estrangeiros.

149
Os Brancos da Lei

150
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