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Científica e Pedagógica
O desafio da iniciação científica
Adroaldo Gaya
e colaboradores
Belo Horizonte
Setembro/2016
Projetos de Pesquisa Científica e Pedagógica
/ O desaf io da iniciação científica
Copyright 2016 Instituto Casa da Educação Física
Gaya, Adroaldo
G285 Projetos de pesquisa científ ica e pedagógica: o desaf io
da iniciação científ ica. Adroaldo Gaya e colaboradores.
– Belo Horizonte: Casa da Educação Física, 2016.
426p.
ISBN: 978-85-98612-35-5
CDD: 001.4
CDU: 001.81
Adroaldo Gaya
Porto Alegre, Março de 2016
Epígrafe
Uma carreira científica é peculiar de certas maneiras. Sua razão
de ser é o aumento do conhecimento. Ocasionalmente, portanto, um
aumento do conhecimento ocorre. Isso, porém, não demanda tato, e
sentimentos podem ser feridos. Pois em algum grau é inevitável que
visões previamente expostas se mostrem obsoletas ou falsas, Acho
que a maioria das pessoas pode reconhecer isso e aceitar que aquilo
que elas vêm ensinando há dez anos ou mais precisa de uma pequena
revisão; contudo, alguns sem dúvida acharão difícil aceitar, com um
golpe em seu amor-próprio, ou mesmo como uma invasão de
território que julgam ser exclusivamente seu, e devem reagir com a
mesma ferocidade que vemos entre alguns pequenos pássaros, nesses
dias de primavera, quando sentem a intrusão em seus pequenos
territórios. Acho que não se pode fazer nada a esse respeito; é inerente
à natureza de nossa profissão. Mas deve-se aconselhar e avisar o jovem
cientista de que, quando tiver uma joia a oferecer para o
enriquecimento da humanidade, alguns certamente desejarão cercá-
lo e despedaça-lo.
Ronald Fischer
Sumário
Prefácio ............................................................................................................. 9
1.
Creio que é um bom caminho iniciar nosso curso de iniciação científica
propondo desconstruir as interpretações que superestimam o significado e
alcance da ciência em nossa sociedade contemporânea. Deixo claro, no
entanto, que esta escolha não significa em absoluto qualquer tentativa de
desvalorizá-la. Muito pelo contrário. Trata-se de dimensioná-la
adequadamente. Demarcar com a clareza possível suas fronteiras
epistemológicas, suas limitações metodológicas e suas reais possibilidades
de produzir conhecimentos. Em outras palavras, o que proponho é limpar a
área, retirar alguns entulhos que dificultam nossa caminhada frente aos
efetivos desafios da iniciação científica.
2.
Acredito que o primeiro passo seja desconstruir a crença que atribui
exclusivamente ao conhecimento científico a prerrogativa de revelar a
verdade. Desconstruir a ideia de que a ciência é o último e definitivo estágio
de evolução do conhecimento humano.
1
Citado por Rubem Alves. 1999, p. 103.
2
Augusto Comte foi um importante filósofo e sociólogo francês do século XIX. É o criador do Positivismo.
3
O Positivismo, em linhas gerais, propõe à existência humana valores completamente humanos, afastando
radicalmente a teologia e a metafísica (embora incorporando-as em uma filosofia da história). Assim, o
Positivismo associa uma interpretação das ciências e uma classificação do conhecimento a uma ética humana
radical, desenvolvida na segunda fase da carreira de Comte.
4.
Provavelmente valorizamos além da conta o papel do cientista em
nossa sociedade por compartilharmos da tese positivista sobre a crença na
supremacia do conhecimento científico frente às outras formas de
conhecimento (senso comum, mitológico, religiosos, filosófico, artístico, etc.),
Afinal, como julgam os positivistas ortodoxos, e inscreve-se no imaginário
coletivo, os cientistas estariam no ápice da pirâmide do conhecimento. Eles
produzem o verdadeiro conhecimento. No entanto, o perigo é ainda maior
quando os próprios cientistas, aqueles que mantém-se distantes das leituras
e reflexões sobre a filosofia do conhecimento, creem no discurso positivista
tal como uma revelação sagrada e tornam-se vaidosos e pretensiosos donos
da verdade.
6.
Por outro lado, também é comum a tentativa de desacreditar o discurso
de outrem afirmando: “isto não é científico”, como se fosse sinônimo de
não verdade. Como sugere Rubem Alves4, afirmar a verdade ou desacreditá-
la afirmando que tal ou qual proposição é ou não científica, reafirma a
convicção positivista de que só é verdade o que é anunciado pelas regras
do conhecimento científico. Outra atitude arrogante e pretensiosa decorre
daqueles professores que exigem de seus alunos que uma qualquer afirmação
em sala de aula deva ser respaldada em autoridades científica. São aqueles
professores que normalmente questionam seus alunos: quais as referencias?
7.
Outra demonstração do poder da ciência no ideário popular nota-se
pela insistente utilização do padrão experimental clássico do método científico
nos anúncios publicitários que vendem sabão em pó, absorventes femininos,
pastas de dente e inseticidas. Esses anúncios promocionais valem-se, como
é evidente, da premissa positivista de que o conhecimento científico, baseado
no método científico é o “verdadeiro conhecimento”. Exemplo: na publicidade
de um determinado sabão em pó os publicitários apresentam o “teste das
cores”. No filme um ator vestindo jaleco; normalmente de óculos com “jeito”
de intelectual (o cientista); ao lado dele computadores (seu instrumento de
trabalho5); que revelam imagens incríveis “demonstrando” os efeitos de
4
Recomendo muito aos alunos de iniciação científica a leitura de Rubem Alves. Entre a ciência e a sapiência.
O dilema da educação. Principalmente, no que se refere ao nosso curso, a parte três do livro: Aos que moram
no templo da ciência, ps. 81 – 135.
Quando escrevia este livro recebi a notícia triste da morte deste grande intelectual brasileiro. Rubens Alves,
faleceu em Campinas em 19 de julho de 2014.
5
Antigamente, ao invés dos computadores as imagens publicitárias utilizavam o microscópio como
representação do conhecimento científico.
8.
Ainda mais! Por quê a comunicação social para tratar de temas
genéricos dá espaços generosos a tantos cientistas? Em debates sobre o
pênalti que bateu na trave, a derrota da seleção nacional, o divórcio de uma
personalidade pública, uma briga de rua, um crime perverso, a corrupção
na política, são convocados psicólogos, sociólogos, antropólogos, biólogos,
físicos e psiquiatras para explicar as prováveis causas e propor complexas
teorias post facto.
Isto me lembra Ortega y Gasset:
Dantes os homens podiam facilmente dividir-se em
ignorantes e sábios, em mais ou menos sábios ou mais
ou menos ignorantes. Mas o especialista não pode ser
subsumido por nenhuma destas duas categorias. Não é
um sábio porque ignora formalmente tudo quanto não
entre na sua especialidade: mas também não é um
e Artur Schopenhauer.
O cientista ao dedicar-se a um campo muito específico
do conhecimento, sem dar importância a todo o resto,
de fato se encontrará acima do vulgo em seu campo,
no entanto será como qualquer pessoa em todos os
outros. (A arte de escrever, 2009, p. 30)
9.
A supervalorização da ciência vai ainda mais longe ao atribuir aos
cientistas a propriedade de falar noutra língua: o “cientificês”. Alguns
cientistas falam e escrevem numa linguagem esotérica, e ainda, dependendo
das áreas científicas, com muitos dialetos. Linguagem e dialetos só entendidos
pelos iniciados. Exemplo: “As correlações tatracóricas entre variáveis
de teste foram submetidas a uma análise de fator centróide, e as
rotações ortogonais dos eixos primários foram tratadas pelo método
gráfico de Zimmerman até que a estrutura simplex e a cópia positiva
se aproximam”6. Entenderam? Mas, seria necessário falar tão difícil?
Acredito que não. Acredito que a essência dessas ideias possa ser
captada, e sua beleza apreciada, mesmo apresentadas em uma
linguagem não técnica (GLEISER, 2001, p.11).
10.
Ainda, em relação a redação científica, como consequência da
herança positivista, alguns cientistas ainda insistem em exigir que se utilize
6
Cf. Thomas, J,; Nelson,J. & Silverman, 2012, p.27.
11.
Mas sobre o “cientificês” posso ainda conjeturar que ele realmente
atrapalha nossos estudantes de iniciação científica. Evidências desses fatos
posso facilmente demonstrar a partir de um exercício que repetidamente
realizo nas minhas aulas de metodologia da pesquisa. Após algumas aulas
introdutórias sobre a preparação de projetos, quando já discutimos em aula
sobre os temas escolhidos, sobre a relevância destes temas e seus objetivos,
peço-lhes uma síntese. Peço-lhes primeiramente que discorram oralmente
para seus colegas sobre cada projeto individual. Posteriormente solicito-
lhes que entreguem um texto por escrito. O que constato? Ocorre que,
normalmente os estudantes conseguem com bastante clareza expor suas
ideias. Afirmam seus temas de investigação, esboçam seus objetivos.
Todavia, quando redigem seus textos a clareza da exposição oral se perde
significativamente. Bem, dirão alguns apressadamente: isto é porque eles
não sabem ou tem muita dificuldade para escrever. Em ato contínuo se
atribuem culpas à internet, a falta de hábitos de leitura, à fragilidade da
educação básica, etc. Não creio exclusivamente nestas respostas. Eu
acredito que um dos obstáculo é a ameaça que impõe à exigência de uma
pretensa linguagem científica própria. Há o credo de que escrever
cientificamente exige tamanha assepsia, que sequer pode haver qualquer
vestígio de um sujeito humano por trás das palavras. Todavia, como posso
escrever sem envolver-me com o tema? Como estar neutro num tema que
me apaixona? Como escrever em linguagem impessoal se os pensamentos
que expresso e as interpretações que proponho são minhas (ou nossas)?
Então, das exigências do “cientificês” resulta como produto do exercício de
nossos estudantes um texto frio, seco, sem alma, sem autoria e, muito pior,
algumas vezes incompreensível.
13.
Tenho a convicção que um curso de iniciação científica deve começar
por privilegiar as boas ideias. Estimular novas e criativas ideias. Um curso
de iniciação científica não pode iniciar nem pela descrição dos métodos e
tampouco pelas regras e normas técnicas. O planejamento de um projeto
de pesquisa, antes de tudo, envolve o desabrochar de uma ideia cuja
relevância seja reconhecida. Um tema que suscite interesse e desperte a
curiosidade. Não obstante, o que encontramos em nossas classes
normalmente são propostas que se repetem numa tautologia infinita. Nossos
estudantes parecem supor que no campo da pesquisa científica todos os
principais temas já foram descobertos e agora, resta repeti-los e, se possível,
aperfeiçoá-los. A ciência normal, (aquela que cresce por acumulo progressivo
de informações) como sugere Thomas Khun,7 se impõe como dogma à
possibilidade de uma ciência revolucionária (aquela que quebra paradigmas
e impõe novas interpretações sobre a realidade). Senão revolucionária, pelo
menos mais criativa. E então tudo se repete, a cada semestre os temas se
repetem com algumas pequenas nuanças.
14.
Repito. Um curso de iniciação científica deve iniciar pela descoberta
de novas ideias. Cabe ao professor estimular este processo. Dialogar,
questionar e apoiar os estudantes para que possam ir além da mesmice
institucionalizada. O conhecimento científico, como nós veremos ao longo
deste per(curso), é uma atividade humana, portanto não pode negar tudo
aquilo que em nós caracteriza essa humanidade. Não devemos fazer ciência,
7
Cf. Kuhn, T. S. 2006.
15.
A ciência é um empreendimento humano que, fruto da criatividade,
do trabalho metódico, da honestidade intelectual, busca interpretar os
fenômenos que nos cercam. Copérnico, Giordano Bruno, Kepler, Galileu,
Darwin, Einstein, Marie Curie, Piaget e tantos outros grandes cientistas
que permanecem entre os grandes gênios da humanidade foram, antes
de tudo, homens e mulheres de imensa criatividade intelectual. Foi a
curiosidade, a engenhosidade em propor métodos para a solução de
dilemas, a capacidade de gerar hipóteses e testá-las que os fizeram
famosos. Não se forma um bom cientista adestrando-o apenas a manejar
instrumentos, técnicas e métodos. Não basta ser ágil no manejo de
computadores e sofisticados softweres. O mais importante é, sem dúvida,
estimular a criatividade, desafiar novas ideias. Como costuma dizer meu
querido amigo o prof. José Maia da Universidade do Porto é necessário
ligar o cérebro antes de ligar o computador.
16.
Este per(curso) tem a pretensão de colaborar com a formação de
pesquisadores autônomos. Não estamos inicialmente preocupados se
nossos estudantes vão ganhar o prêmio de jovem cientista em sua primeira
pesquisa ou se vão publicar na Science ou Nature. Tudo tem o seu
tempo. O que importa é que os estudantes compreendam e exercitem a
lógica do trabalho científico. Importa que eles percebam e exercitem a
lógica da redação científica. Que possam argumentar sobre as vantagens
e limitações na escolha do método. Que entendam e pratiquem os
pressupostos da ética em pesquisa. Enfim, importa torná-los autônomos.
Que possam, mesmo quando longe da universidade, utilizar o
conhecimento científico como ferramenta de sua vida profissional. Eis o
nosso per(curso): o desafio da iniciação científica.
Referências
ALVES, R. Entre a ciência e a sapiência. O dilema da educação.
(4a Ed.) São Paulo: Loyola, 2000.
GLAISER, M. Criação Imperfeita. Cosmo, vida e o código da
natureza. Rio de Janeiro: Record, 2010.
KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. Tradução de
Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. (9a Ed.) São Paulo:
Perspectiva. 2006.
SHOPENHAUER, A. A arte de escrever. Tradução: Paulo
Süssekind. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2009.
ORTEGA Y GASSET, J. A Rebelião das massas. Tradução: Herrera
Filho. Ed. Eletrônica Ridendo Castigat Mores. (www.jahr.org).
THOMAS, J,; NELSON,J. & SILVERMAN, S. Métodos de
pesquisa em atividade física. (6ª Ed.). Tradução: Ricardo
Petersen. Porto Alegre: ARTMED, 2012.
2.
A ciência e outras formas do conhecimento
Adroaldo Gaya
1.
O que é o conhecimento?
Vamos considerar, pelo menos, três hipóteses: (a) conhecimento como
habilidade, desempenho ou performance; (b) conhecimento por contato ou
familiaridade e; (c) conhecimento proposicional ou declarativo.
2.
O conhecimento como habilidade é representado pelo saber fazer.
“Eu sei”. Sei andar de bicicleta, sei nadar, sei tocar flauta transversal, etc.,
São conhecimentos. Conhecimentos extensivos às outras espécies de
animais. Os pássaros sabem construir seus ninhos, os cães sabem nadar, e
os macacos podem ser adestrados para andar de bicicleta e os elefantes
para subir em banquetas e elevar as patas dianteiras. É um conhecimento
que se manifesta numa ação, numa performance. Pedreiros e carpinteiros
sabem construir casas, embora, provavelmente não saibam discorrer sobre
as leis da física que garantem o sucesso de suas obras. Excelentes atletas
realizam performances corporais exuberantes, embora muitos deles não
saibam teorizar sobre as leis da biomecânica.
3.
O conhecimento por contato: poderíamos chamá-lo de conhecimento
das particularidades e por familiaridade Trata-se do conhecimento de objetos,
de pessoas, de locais, etc. Exemplo: conheço pessoalmente o escritor Mia
Couto e o sociólogo Boaventura de Sousa Santos; conheço Portugal e
Moçambique, conheço a música de Tom Jobim, a poesia de Mário Quintana.
Conheço o por do sol sobre o Lago Guaíba em Porto Alegre, na praia do
Jacaré em João Pessoa. É a manifestação do conhecimento que requer
uma experiência pessoal direta do sujeito com o objeto do conhecimento.
5.
É sobre o conhecimento proposicional ou declarativo que vamos nos
ocupar neste (per)curso, já que o conhecimento científico é uma de suas
manifestações.
Proponho uma definição para o conhecimento proposicional ou
declarativo
É o enunciado de uma proposição verdadeira.
Esta definição contém duas premissas: (a) enunciado de uma
proposição e; (b) verdadeira Vamos analisá-las.
6.
Se o conhecimento é o enunciado de uma proposição, evidentemente
ele deve ser compartilhado com outro(s) sujeito(s). É uma forma de
conhecimento que descreve um fato, relata uma experiência, propõe uma
hipótese, anuncia uma teoria. Portanto, o conhecimento proposicional está
1
Conceito clássico manifestado nos Diálogos Platônicos. Menon 97e – 98a e Teeteto 21c e 202d.
7.
Se, por um lado, há uma clara evidencia da necessidade de que o
conhecimento proposicional exija um enunciado. Todavia, por outro lado, é
mais complicado aceitarmos a crença de que tal enunciado seja verdadeiro.
A definição de conhecimento proposicional exige que o enunciado seja
verdadeiro. Não sendo verdadeiro não é conhecimento. Não obstante, como
afirmar a crença na verdade de uma proposição? Como garantir que esta
ou aquela declaração seja verdadeira? Entretanto, como afirma Johannes
Hessen (1987), não é suficiente que as proposições tenham a crença de
serem verdadeiras; necessitamos da certeza que são verdadeiras. Todavia,
o que nos dá a certeza de que as proposições são verdadeiras? Quais os
critérios que afirmam a verdade (ou falsidade) das proposições anunciadas?
Quais são os critérios da verdade?
Os critérios de verdade
8.
Em filosofia critério é o caráter, norma ou modelo que serve para a
apreciação de um objeto, ideia ou acontecimento. Um sinal a partir do qual
emitimos um juízo de valor. Em particular designa-se por critério da verdade
um sinal extrínseco ou um caráter intrínseco que permite reconhecer a
verdade e distingui-la do erro. Os critérios de verdade são os argumentos
passíveis de justificar a adequação ou falsidade de uma crença (GAYA,
2008).
10.
O critério da evidência objetiva: revela que são verdadeiros os
juízos que se assentam na presença ou realidade imediata do objeto
enunciado (Hessen, 1987), É a visão imediata do objetivamente dado. Para
Zeferino Gonzáles (1876) a evidência objetiva se pode definir como a aptidão
do objeto para apresentar-se ao entendimento com tal clareza e lucidez que
“obriga” o sujeito reconhecê-lo como verdade veemente. A evidência objetiva
é o resplendor vivo, energético e avassalador da verdade no objeto. O critério
da evidência objetiva está presente no conhecimento científico. Por exemplo:
quando enuncio que a obesidade é fator de risco para as diabetes em
adolescentes, faço-o a partir de observações empíricas. Ou seja, valho-me
de estudos factuais que evidenciam empiricamente a associação entre a
obesidade e a ocorrência de diabetes em adolescentes. Enfim, valho-me de
evidências objetivas para justificar a verdade do meu enunciado.
11.
O critério da não-contradição infere como verdade a concordância
do pensamento consigo mesmo. O princípio da não-contradição, tomado na
formulação clássica de Aristóteles no livro Gama da Metafísica, afirma que
é impossível predicar e não predicar o mesmo, do mesmo modo, sob o
mesmo aspeto e ao mesmo tempo (cf. CIRNE-LIMA 1993). Ou seja, não
podemos anunciar simultaneamente proposições contraditórias. Ao afirmar
que aqui e agora esta chovendo elimino necessariamente a proposição de
que aqui e agora não esta chovendo. O critério da não contradição pressupõe
a coerência entre os juízos enunciados. O exemplo clássio: “Todos os homens
são mortais” (premissa maior). “Sócrates é homem” (premissa menor).
12.
O critério da utilidade: O critério da utilidade consiste na definição
da verdade a partir da finalidade prática que assume o objeto descrito. Está
presente no pragmatismo americano, corrente filosófica fundada e
desenvolvida por Charles Peirce, William James, John Dewey, Donald
Davidson, Willard Quine e Richard Rorty (Cf. MURPHY, 1993). O critério
de utilidade abandona radicalmente o conceito de verdade como a
concordância entre o pensamento e o ser. Abandona o sentido de que o
conhecimento ou a verdade é uma representação do real (RORTY, 2002).
O critério de utilidade define a verdade como aquilo que é útil, valioso,
fomentador da vida. Aquilo que dá certo. O critério da utilidade altera o
sentido de verdade na medida em que parte de uma determinada concepção
de ser humano em que, homens e mulheres não são concebidos
essencialmente como seres teóricos ou pensantes, mas sim seres práticos,
seres de vontade e de ação.
O conhecimento científico
e outras formas de conhecimento
13.
Antes de prosseguir façamos uma breve síntese. O conhecimento
proposicional é o enunciado de uma proposição verdadeira. Justifica-se a
verdade através dos critérios de verdade. Porém, nada impede que nossa
crença pessoal sobre a verdade reúna alguns critérios em detrimento de
outros. Assim, posso aceitar o critério da evidência como um critério de
verdade e desacreditar do critério da autoridade. Todavia, devemos convir,
se eu não concordar em aceitar o critério da autoridade como pressuposto
de verdade eu terei dificuldade em partilhar das verdades manifestas nas
doutrinas religiosas e ideologias políticas. Sendo assim, a definição da
15.
Mas, quem acerta mais seus prognósticos? Ora, isto não está em
causa. O que difere a ciência do senso comum, não é simplesmente o número
de acertos e erros de um ou outro. É, isto sim, as exigências ou critérios de
verdade que ambos utilizam para validar suas formas de conhecimento.
Devemos perceber inicialmente que o conhecimento, seja religioso, filosófico,
científico do senso comum, sempre representa uma crença que se pretende
verdadeira. Se vou ao médico e leio as previsões do tempo nos jornais e
confio à construção da minha casa ao engenheiro é porque eu prefiro
acreditar na ciência. Eu acredito que os critérios de verdade que sustentam
o conhecimento científico são mais convincentes do que os critérios que
subsidiam o senso comum, pelo menos para tratar de doenças, prever
condições climáticas e construir casas. Há quem não concorde com minha
escolha. Respeito! É uma questão de crença. Há quem confie sua saúde ao
curandeiro, as previsões do tempo ao vidente e a construção da moradia ao
pedreiro e, nem por isso, podemos negar peremptoriamente a possibilidade
da cura, da previsão correta do tempo e de que a casa permaneça firme e
confortável por longo tempo. E, há também aqueles que entregam sua saúde,
a previsão do tempo e a construção de sua casa a ambos: frequentam
médicos e curandeiros, consultam meteorologistas e videntes, engenheiros
e pedreiros. Enfim, como afirma o provérbio popular: “eu não acredito em
bruxas, mas que elas existem... existem!”.
17.
Sendo assim, porque ainda permaneço acreditando (mais) na previsão
do meteorologista, na cura pelos médicos e na engenharia? Ocorre que a
previsão do meteorologista e o tratamento dos médicos e a construção do
engenheiro justificam-se a partir de teorias coerentes e consistentes (teorias
científicas, conhecimento proposicional). Os conhecimentos do
meteorologista, do médico e do engenheiro são sistemáticos diferentemente
da previsão do vidente e do tratamento do curandeiro e da construção do
pedreiro que se estruturam em sensações, sentimentos e percepções, enfim
em experiências. O conhecimento do senso comum é assistemático, o
conhecimento científico é sistemático. A previsão do meteorologista, o
tratamento do médico e a obra do engenheiro são saberes logicamente
ordenados, formando um sistema de ideias coerentes e empiricamente
verificáveis.
Religião e ciência
18.
Somos todos originários da costela de Adão. Da costela de Adão
fez-se a mulher. Eva. De Adão e Eva somos todos descendentes. Por ter
desobedecido a ordem do Senhor, Eva pecou. No Jardim do Éden,
convencido pela serpente, Eva comeu a maçã e nos deixou como herança
(está no DNA?) o pecado venial. Eis uma teoria sobre a origem da
humanidade. O criacionismo é uma corrente de pensamento compartilhada
19.
O conhecimento religioso é dogmático e inspiracional. Algo que brota
na mente, como soprado fosse pela divindade que governa o objeto
da crença (VIEGAS, 1999, p.39). Apoia-se em doutrinas reveladas. Todavia,
diferentemente tanto do senso comum como do conhecimento científico
que são ambos verificáveis, o conhecimento religioso não é verificável.
Como verificar ou negar a existência de Deus? Mas, por outro lado, o
conhecimento religioso enquanto doutrina é sistemático. Tal como o
conhecimento científico compõe um texto coerente (LAKATOS e
MARCONI, 1988). As religiões, (católicas, luteranas, adventistas, espíritas,
islâmicas, etc.) são instituições que organizam e sistematizam as crenças e
a transformam em conhecimentos. Conhecimentos que se constituem em
corpos de doutrina. Conhecimentos dogmáticos. Os discursos configuram-
se de forma lógica assumindo categorias com coerência formal. São
constructos que propõe verdades sobre a origem do Universo, o significado
da existência, finalidade do homem na terra, destino da alma após a morte,
etc. Os discursos doutrinários normatizam os comportamentos e impõe
regras: não beber, jejuar, ir ao culto, rezar diariamente, manter em dia o
dízimo, etc. Mas, a aceitação é a única atitude possível ao sujeito.
Filosofia e ciência
O desporto é um local, um espaço no qual o corpo é
interlocutor permanente, nele o corpo tem voz e fala:
com a sua carne, com seus músculos, com seus ossos,
com as suas vísceras e o seu sangue. No desporto, é
fulgurante a presença do corpo para cada um e do
20.
Em Jorge Bento há relações entre o esporte e o corpo. É um trecho
de um belo e longo artigo onde além dos sentidos, sentimentos e emoções,
há um território trilhado pela razão. É o domínio da filosofia (cf. VIEGAS,
1999). Filosofia, conhecimento onde os conceitos são criados a partir da
reflexão sobre a realidade. É um conhecimento introspectivo. A filosofia
almeja uma perspectiva sobre a realidade a partir do sujeito que especula
sobre ela.
21.
Mas, diferentemente do senso comum e do conhecimento religioso o
conhecimento filosófico, tal como o científico é racional. Seus argumentos
exigem enunciados logicamente correlacionados. O conhecimento filosófico
é lógico-dedutivo. Suas hipóteses e proposições visam uma representação
coerente da realidade estudada numa tentativa de configurá-la em sua
totalidade. O conhecimento filosófico transcende as qualidades perceptivas
dos sentidos. É metafísico. Metafísico e especulativo. Como afirma Viegas
(1999), representa o desejo do ser humano de ir além das aparências das
coisas. Especulação, de speculum espelho. O conhecimento filosófico é
dito especulativo porque a mente tenta refletir sobre a realidade última das
coisas e criar uma imagem da sua natureza mais profunda.
22.
Conhecimento filosófico, diferentemente do conhecimento científico
e do senso comum, mas semelhante ao conhecimento religioso não é
verificável. Seu ponto de partida são hipóteses que não podem ser validadas
ou refutadas, por procedimentos experimentais. Como “provar”
experimentalmente a existência do belo? Do justo? O conhecimento filosófico
investiga um largo espectro de temas. Trata do conhecimento enquanto
epistemologia; investiga sobre o belo enquanto estética; especula sobre o
bem e o mal enquanto axiologia e ética.
A ciência
24.
A pesquisa científica requer um conjunto de postulados que
caracterizam um código de linguagem e racionalidade que difere de outras
formas do conhecimento. A Ciência opera no espaço de um conjunto
determinado de regras bem definidas. É um jogo de linguagem com normas
específicas. A definição do conhecimento científico em determinada área
do saber, (biologia, sociologia, psicologia, ecologia, cinesiologia), ocorre a
partir da demarcação de seu objeto de estudo. Um objeto teórico formal
(ALTHUSSER, 1985).
25.
O objeto de estudo de uma disciplina científica (objeto teórico formal)
é o corpo de conhecimentos que, orientado para um âmbito parcial da
realidade, da natureza, da sociedade, do pensamento ou do comportamento
humano, reflita suas normas de desenvolvimento sob a forma de teoria.
26.
Mas, a definição do objeto teórico formal exige outras necessidades.
Pressupõe a emergência de técnicas e procedimentos metodológicos de
investigação, de um sistema de conhecimentos estruturado a partir de
conceitos e categorias lógicas e passíveis de observação factual, de uma
coletividade (científica) e de uma linguagem formal (DELATRE, 1981).
28.
Enfim, a partir dessas proposições podemos concluir que o
conhecimento científico para consolidar-se como tal, requer alguns
pressupostos.
1. Coerência: entendida como a propriedade lógica, a argumentação
bem estruturada, o corpo sistemático e bem deduzido de
enunciados, o desdobramento do tema de modo progressivo e
disciplinado e a dedução lógica das conclusões. A coerência
permite que as ideias que compõem o conhecimento científico
possam combinar-se segundo um conjunto de regras lógicas,
com a finalidade de produzir novas ideias (LAKATOS e
MARCONI, 1988, p.29).
2. Consistência: entendida como a relativa capacidade de resistir a
argumentações contrárias. Difere da coerência porque esta é
estritamente lógica, enquanto a consistência se liga também
a atualidade da argumentação (DEMO, 1999, p.20). A
consistência verifica a adequação das hipóteses aos fatos através
da observação, da dedução ou da experimentação. A consistência
exige coerência entre a teoria e a experiência, as hipóteses e seus
resultados, O que se diz e o que se demonstra empiricamente.
3. Originalidade: entendida como a capacidade de produzir
argumentos não tautológicos. Ou seja, capacidade de produzir
novos conhecimentos ao invés de permanecer apenas a reprisar
experimentos, formas e modelos (infelizmente, afirmo com
convicção: há muito pouca originalidade em nossa comunidade
científica em geral).
29.
Enfim, devemos considerar que: a coerência, a consistência, a
originalidade, a objetividade e a verificabilidade são algumas categorias
inerentes à demarcação do conhecimento científico.
30.
Como sugere Henri Atlan (1994), a eficiência e as limitações do
conhecimento científico residem neste conjunto de critérios. Querer negá-
los é pretender substituir o conhecimento científico por outra forma de
conhecimento. Suprimir estas limitações sem sair da ciência é não só ilusório,
mas também autodestrutivo.
Síntese
Neste capítulo tratei sobre o conhecimento. Sugeri três hipóteses:
(a) conhecimento como habilidade; (b) conhecimento por familiaridade e;
(c) conhecimento proposicional. Dei ênfase ao conhecimento proposicional
definindo-o como “o enunciado de uma proposição verdadeira”. Argumentei
sobre a necessidade de definir “verdade” e o fiz propondo um conjunto de
critérios “os critérios de verdade”. A partir dos critérios de verdade
caracterizei brevemente distintas formas de conhecimento: senso comum,
religioso, filosófico e científico. Aceitá-los, um ou outro, depende das
2
Importante crítica a verificabilidade da ciência pode ser revista em Oliva, A. A Hegemonia da concepção
empirista de ciência a partir do novun organum de F. Baccon. In OLIVA, A. (org) Epistemologia: a cientificidade
em questão. São Paulo: Papirus, 1990, ps. 11 – 34.
Referências:
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ATLAN, H. Com razão ou sem ela. Lisboa: Instituto Piaget, 1994.
BENTO, J.O. Da saúde, do desporto, do corpo e da vida. In. Barbantti, V;
Amadio, A.C.; Bento, J.; Marques, A. Esporte e Atividade Física.
São Paulo: Manole, 2002.
CIRNE-LIMA, C.R.V.; Sobre a contradição. Porto Alegre: EDIPUCRS,
1993.
COSTA, C. F. A definição tradicional de conhecimento. Princípios,
ano 04, n. 05, p. 63 – 102 1997.
DELATRE, P. Teorias dos Sistemas e Epistemologia. Cadernos de
Filosofia 2. A Regra do Jogo. Lisboa: 1981,
DEMO. P. Metodologia científica em ciências sociais. São Paulo: Atlas,
1989
GAYA, A. Ciências do movimento humano. Introdução à metodologia
da pesquisa. Porto Alegre: ARTMED, 2008.
GONZALEZ, Z. Filosofia Elemental. Madrid: 1876, Tomo 1, ps. 145 –
198. In. WWW.filosofia.org/zgo/zgfe.htm <acesso em 27 de agosto de
2011>.
HESSEN, J. Teoria do Conhecimento. Arménio Amado:Coimbra,
1987.
LAKATOS, E.M. e MARCONI, M.A. Metodologia Científica. São Paulo:
Atlas, 1988.
MURPHY, J. O Pragmatismo de Peirce a Davidson. Porto: Edições
Asa, 1993.
OLIVA, A. A. Hegemonia da concepção empirista de ciência a partir
do novun organum de F. Baccon. In OLIVA, A. (org) Epistemologia:
a cientificidade em questão. São Paulo: Papirus, 1990, ps. 11 – 34.
PIAGET, J. Lógica e Conhecimento Científico. Vol.1, Porto: Civilização,
1980
1.
A escolha do tema é o primeiro passo no trajeto de elaboração de um
projeto de pesquisa científica. Em princípio, parece algo muito simples.
Afinal, não faltam assuntos para investigar, não faltam problemas para serem
equacionados e não faltam dúvidas a exigir esclarecimentos. Entretanto,
quando nos damos conta que vamos dedicar um tempo importante de nossas
vidas à planificação, execução e publicação da pesquisa, concluímos que
estamos perante um esforço intelectual que nos vai exigir um considerável
trabalho e, como tal, é essencial partirmos de uma boa ideia. Como sugere
Gilberto de Andrade Martins3 da Universidade de São Paulo escolher o
tema de uma pesquisa assemelha-se à elaboração de um roteiro de
iluminação de uma peça teatral. Com criatividade e engenhosidade é preciso
escolher onde se deve “jogar a luz”, dar o “zoom”, ou seja, buscar e engendrar
uma perspectiva que possibilite dizer algo que ainda não foi dito, ou rever,
1.
MARTINS. Gilberto de Andrade. Estudo de caso. Uma estratégia de pesquisa.(2ed). São Paulo: Atlas, 2008.
2
VOLPATO, G.; BARRETO, R. Elabore projetos científicos competitivos. Biológicas, exatas e humanas.
Botucatu: Best Writing Editora, 2014.
3.
Idem, ibidem, p.16.
2.
O tema é a explicitação de uma ideia. Um bom tema decorre de uma
boa ideia. Estimular a descoberta de boas e criativas ideias deve anteceder
à definição do tema de uma pesquisa científica. Escolher o tema não deve
ser uma tarefa imposta sobre pressão de tempo, por modismos esporádicos,
por imposição de orientadores e nem deve estar refém de métodos de
pesquisa pré-determinados. É a busca por um ideal (um conjunto de ideias).
É uma tarefa subjetiva. O tema deve representar o desabrochar de uma
ideia que suscite interesse e desperte a curiosidade. Uma ideia que passe
pelo coração e que mexa com os sentimentos. Uma ideia que envolva a
razão, a emoção e o sentimento. Como referi na epígrafe citando Volpato e
Barreto (2014): Um projeto de qualidade não decorre de seu sofrimento,
mas de seu pensamento”.
3.
A escolha do tema representa o primeiro passo relevante em todo o
processo de investigação. O tema se configura como o assunto que, embora
inicialmente se apresenta de forma ainda pouco clara, é capaz de localizar
a área de estudo e a intenção do pesquisador.
A escolha do tema significa:
(a) encontrar uma ideia que possa ser investigada cientificamente.
Em outras palavras, uma ideia que possa ser formulada e delimitada
de maneira clara e que as hipóteses decorrentes sejam suscetíveis
de refutação através de argumentos lógicos e evidencias
empíricas. Por exemplo: Enunciar que a vitória do meu time de
futebol foi uma dádiva divina constitui-se numa hipótese que não
pode ser refutada empiricamente. Como tal, não é uma hipótese
científica. Eu posso crer nesta afirmação, pagar uma promessa
pela graça concedida, posso enfileirar vários argumentos em prol
da minha conjectura, mas não poderei utilizar a ciência como
argumento para justificá-la. Como tal, não é um tema próprio para
um projeto de investigação científica.
4.
Aconselho que na fase da escolha do tema o estudante apresente
suas ideias a seus colegas, seus professores e pessoas próximas. Discuta
sobre a conveniência e relevância de uma ideia. É uma atitude sensata.
4.
GRAY, D. Pesquisa no mundo real. Tradução de Roberto Costa (2ed), Porto Alegre: Penso, 2012.
5.
Idem, ibidem, p. 41.
6.
Vamos em frente. O aluno, após defrontar-se com as questões de
seu professor, em nova conversa acrescenta mais uma indicação para seu
tema de pesquisa.
8.
Nosso aluno6, após algumas leituras, diálogos e reflexões reapresenta
seu tema de pesquisa:
6.
Este projeto foi proposto na aula de metodologia da pesquisa em educação física do curso de graduação da
UFRGS pelo estudante Giordano Greco no primeiro semestre de 2011.
7.
Trata-se da monografia de graduação de Dilamar Pereira apresentada no segundo sem
estre de 2009 no Seminário de TCC da ESEF-UFRGS.
10.
A estudante tem a expectativa de que um programa de educação
física escolar através do esporte poderá alterar o comportamento e as atitudes
dos alunos.
11.
A ideia sugere um tema relevante. É passível de ser investigado por
método científico. Além do mais está de acordo com os interesses, inclinações
e experiências da estudante. Há uma forte motivação para a realização do
projeto. A estudante, como professora de educação física de uma escola do
MST, está a propor um estudo de caso, talvez uma pesquisa avaliativa.
Uma pesquisa capaz de validar uma intervenção pedagógica através do
esporte sobre o desenvolvimento moral dos alunos de sua escola. Muito
bom!
8
MST, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é um movimento social da maior relevancia política no
Brasil, principalmente em prol da reforma agraria e da justice social.
13.
A estudante após uma breve revisão da literatura:
9
Teutônia é um município brasileiro localizado na região central do estado do Rio Grande do Sul de colonização
alemã.
15.
Um conjunto de sugestões foi discutido com a estudante: 1.
Poderíamos tratar sobre o fluxo migratório para a região, afinal, trata-se de
um município de colonização alemã com suas características culturais onde
o associativismo em geral e o esportivo em especial é muito considerado. 2.
Poderíamos localizar o período em que os colonos alemães chegaram à
região e constituíram sua comunidade. Sabemos que em determinado
momento histórico no Brasil e em especial no Rio Grande do Sul os colonos
alemães foram perseguidos e admoestados, o que certamente leva a uma
tendência maior para o associativismo. 3. Poderíamos identificar outras
formas de associativismo e relacioná-los com a emergência dos clubes
esportivos. (4) Deveríamos identificar as primeiras associações esportivas
e descrever o contexto de sua criação. (5) Deveríamos identificar as
principais modalidades esportivas praticadas nessa comunidade. Enfim,
transformar a ideia inicial no tema da pesquisa exigira definir um mapa bem
demarcado para nortear o caminho a ser seguido.
16.
Após consulta a biblioteca da cidade de Teutônia, conversas com
antigos moradores, reuniões com sua orientadora (professora de história do
esporte) a estudante apresenta o tema de seu TCC:
Projeto de TCC apresentado à disciplina de Metodologia da Pesquisa em Educação Física (UFRGS) pela
10.
estudante Cecília Elisa Kilpp em 2009. A estudante apresentou seu TCC em 2010. Em 28 de junho de 2011
submeteu novo projeto na mesma linha de investigação a prova de qualificação do Mestrado em Ciências do
Movimento Humano da UFRGS. Seu projeto de mestrado intitula-se: Associativismo Esportivo em Teutônia/
Estrela: mudanças e resistências ao “abrasileiramento”.
17.
Nesta fase de definição do tema da pesquisa é importante ressaltar
mais uma vez o papel do professor/orientador. Ele poderá auxiliar muito o
estudante desafiando-o através de comentários, perguntas, críticas e
indicação de leituras. Noutro livro (Gaya, 2008), sugeri algumas estratégias
que servem de guia para a definição de um bom tema de pesquisa. Por
exemplo: seria interessante para o aluno: 1. que proceda a divisão do assunto
em suas partes constitutivas; 2. que identifique as relações entre as variáveis
que pretende investigar. 3. que defina operacionalmente, ainda que de forma
preliminar suas principais variáveis; (4) que indique as circunstâncias em
cujos limites se circunscreve o assunto. Procedimentos como esses permitem
ao estudante a delimitação clara de seu tema de estudo a partir de suas
potencialidades, de suas condições de trabalho e principalmente de seus
interesses particulares.
Síntese
Neste capítulo tratei sobre o tema da pesquisa. Sugeri sobre a
relevância que a escolha do tema origine-se de uma boa e criativa ideia.
Ressaltei sobre a importância de que o tema seja escolhido com calma,
com parcimônia e que não seja refém de modismos, da ditadura do método
ou da imposição de orientadores. A partir da definição de uma boa e criativa
ideia apresentei um conjunto de critérios que servem para apoiar o estudante
de iniciação científica na definição de seu tema de pesquisa. A escolha do
tema deve considerar: o interesse do pesquisador; suas inclinações e aptidões;
as possibilidades operacionais para a execução do projeto. Por fim,
apresentei três exemplos de como as ideias iniciais de três alunos da
disciplina de metodologia da pesquisa em educação física se constituíram
em temas de pesquisa bem delimitados.
1.
Planejar uma viagem requer evidentemente que saibamos onde
pretendemos ir. Nosso destino é que vai importar nas decisões que devemos
tomar para o adequado planejamento. Definir com clareza para onde vamos
vai nos permitir escolher o caminho que percorreremos; se vamos de carro,
avião, bicicleta ou a pé; se em nossa mala levaremos roupas leves de verão
ou roupas mais pesadas para o frio; etc. É assim, da mesma forma, quando
se trata de planejar um projeto de pesquisa. Saber onde queremos chegar é
a condição essencial para apresentação de um bom projeto. Em outras
palavras, declarar o objetivo (objetivamente) é exigência fundamental para
o sucesso da nossa pesquisa.
2.
A especificação clara do objetivo nos dá o rumo que permite definir:
a natureza do trabalho; o tipo de problema que iremos anunciar; os sujeitos
que vamos selecionar; o delineamento metodológico que vamos adotar; as
3.
É importante ressaltar que na fase de preparação de um projeto de
pesquisa (quando ainda não temos dados, resultados e interpretações), o
objetivo do pesquisador é a referência central no processo de redação. É o
alicerce, que ainda na planta, dá sustentação ao projeto do edifício que
pretendemos construir. O objetivo estabelece os propósitos, a intenção e a
ideia principal de um projeto3. Daí minha insistência sobre a necessidade de
darmos muita atenção à formulação do objetivo. Não é aconselhável seguir
em frente: preocuparmo-nos com os métodos e estratégias, com a amostra,
com os prováveis resultados, com a revisão de literatura, etc., sem antes
termos estabelecido com precisão e rigor o destino que queremos alcançar.
4.
O objetivo é normalmente apresentado na introdução ou capítulo
introdutório de um projeto (ou relatório de pesquisa). Pode estar no início do
texto, bem como pode situar-se após a justificativa ou mesmo ao final, após
uma breve contextualização do tema e de sua relevância. Não há uma
regra absoluta que defina onde situar o objetivo no texto ou capítulo
introdutório de um projeto (ou relatório de pesquisa). Por exemplo: se o
objetivo é oriundo de uma observação empírica sobre a qual tenho ainda
pouca leitura, porque não iniciar pelo objetivo? Posto que, provavelmente,
será este objetivo que vai orientar minhas leituras preliminares e, mais
adiante, a minha revisão de literatura. Por outro lado, o objetivo pode se
originar da leitura de textos. Neste caso, não seria mais lógico iniciar com o
referencial teórico que motivou o objetivo? Acredito que a lógica da redação
1.
VOLPATO, G. Bases teóricas para a redação científica. (2ª reimpressão). São Paulo: Cultura Acadêmica,
Vinhedo: Scripta, 2011, p.54.
2
VOLPATO, G.; BARRETO, R. Elabore projetos científicos competitivos: biológicas, exatas e humanas. Botucatu:
Best Writhing Editora, 2014.
3.
Cf. CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa. Métodos qualitativo, quantitativo e misto (2ª ed.); tradução de Luciana
de Oliveira da Rocha. - Porto Alegre: ARTMED, 2007, p.101.
5.
Dependendo da abrangência do projeto da pesquisa o objetivo pode
desdobrar-se em objetivo geral e objetivos específicos. Quando o projeto
tem uma demarcação restrita, por exemplo, à descrição de uma determinada
variável ou associação entre duas variáveis, provavelmente a definição de
um único objetivo possa ser suficiente. Por exemplo: descrever o perfil
nutricional de escolares da rede publica municipal de Porto Alegre; ou
comparar os níveis médios de pressão arterial em idosos fisicamente ativos
e sedentários. Como podemos observar nesses casos, não há necessidade
de desdobrar tais objetivos. Entretanto, muitos estudantes insistem em fazê-
lo, provavelmente presos a ideia de que devem atender uma regra
(burocrática) que exige de todo o projeto a necessidade de apresentar pelo
menos um objetivo geral e dois ou mais objetivos específicos. Esta regra
absolutamente não existe.
6.
Todavia, quando o projeto tem maior abrangência, pode ser necessário
apresentar um objetivo geral que, por sua vez, exija para ser mais bem
delineado um conjunto de objetivos específicos. Exemplo: Verificar a
associação das variáveis do crescimento, maturação sexual e atividade física
com os valores de tensão arterial em crianças e adolescentes4. Embora, o
objetivo geral descreva as perspectivas gerais do projeto, explicite a intenção
da pesquisadora, ainda assim não é possível, pela generalidade da
formulação, identificar detalhadamente o que ela pretende evidenciar. Neste
caso aconselha-se que o objetivo geral possa ser orientado por um conjunto
de objetivos específicos. Assim, no exemplo em tela, a pesquisadora
4.
GAYA, A. R. Actividade física e factores de risco das doenças cardiovasculares. Um estudo com ênfase nos níveis
de tensão arterial infanto-juvenil. Tese de Doutoramento em Atividade Física e Saúde apresentada à Faculdade
de Desporto da Universidade do Porto em dezembro de 2009.
7.
Outro aspecto relevante que deve ser enfatizado num bom projeto
de pesquisa é a redação clara e precisa do(s) objetivo(s). Para isto é essencial
a escolha adequada do(s) verbo(s) que o(s) anuncia(m). Devemos evitar
verbos genéricos que não definem com objetividade as ações pretendidas
pelo pesquisador. Devemos evitar a utilização de verbos do tipo: conhecer,
investigar, saber, entender, etc. Tais verbos são pouco operacionais e,
normalmente, são redundantes. É óbvio que quem propõe um projeto de
pesquisa queira investigar, saber, conhecer, entender. Portanto, é mais
adequado selecionar verbos que, de certa forma, já indiquem com clareza a
finalidade e o direcionamento da pesquisa. Não é necessária uma lista com
mais do que quatro ou cinco verbos para enunciar adequadamente o objetivo
de um projeto. Verbos como descrever, associar, comparar, interpretar e
predizer normalmente são suficientes. O verbo descrever, por exemplo,
evidencia tratar-se de um design descritivo. Como tal, temos a expectativa
de encontrar na descrição dos resultados tabelas com ocorrências de
frequências, tabelas com médias e desvios padrão, mediana, provavelmente
gráficos de colunas ou em forma de pizza, etc. O verbo associar evidencia
tratar-se da possibilidade de estabelecer relação entre variáveis. Imaginamos
ver os resultados através de técnicas estatísticas de correlação (qui quadrado,
tabelas de contingência, correlação linear ou ordinal, correlação múltipla,
correlação logística), diagramas de dispersão, etc. O verbo comparar, embora
também manifeste uma associação entre variáveis, vai mais longe. Sugere
a possibilidade de identificar relações de causa e efeito entre uma ou mais
8.
A seleção adequada do verbo que anuncia o objetivo do projeto pode
de forma muito precisa informar aos leitores e, principalmente aos revisores
dos comitês de pesquisa, de ética e aos editores dos periódicos as pretensões
do pesquisador. Ainda, o objetivo quando bem formulado indica os próximos
passos do projeto e permite aos revisores evidenciar a coerência interna da
proposta, fator determinante de qualidade de um projeto científico. Enfim,
embora a redundância, deve-se adotar como regra que o(s) objetivo(s)
deve(m) ser apresentado(s) objetivamente5.
9.
Gilson Volpato6, sugere ao estudante que “enxergue” seu objetivo.
Para isso ele propõe que o pesquisador crie esquemas para não ter dúvidas
sobre as suposições lógicas que faz. Volpato propõe que se coloquem as
variáveis em “caixas” e conecte as “caixas” com setas.
5..
GAYA, A. Op. Cit. 2008, p. 63.
6.
VOLPATO, G. Ciência: da filosofia à publicação. 6a edição. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2013, p. 205 – 6.
Um exemplo perigoso
Exemplo 4: Nas cidades à beira mar em dias de calor há associação
(sem relação de causa e efeito) entre o consumo de sorvetes e a ocorrência
de afogamentos7.
11.
Sugeri ao estudante que discorresse sobre como pretendia concretizar
seu projeto.
Muito bem! Mas como você pretende medir a força e quais exercícios
serão selecionados?
8.
O Treinamento Concorrente é um método de treinamento físico que combina numa mesma sessão o
treinamento de força e da capacidade aeróbia.
9.
Projeto de TCC do aluno César Leal Marchiori, apresentado à disciplina de metodologia da pesquisa em
educação física da UFRGS no segundo semestre de 2010.
VOLPATO, G. Método lógico para redação científica. Botucatu: Best Writing, 2011.
10.
Projeto de TCC de bacharelado em educação física de Rodrigo de Azevedo Franke apresentado a disciplina
11.
14.
Sobre os objetivos específicos: são duas variáveis independentes (os
modelos de intervenção) e quatro variáveis dependentes (os marcadores
de lesão). O objetivo é comparar a eficiência dos modelos em relação aos
15.
Alguns orientadores provavelmente sugeririam explicitar os quatro
objetivos de forma independentes:
1. Comparar a eficiência da crioterapia e dos exercícios de
alomgamento sobre dor muscular tardia causado por exercício
físico;
2. Comparar a eficiência da crioterapia e dos exercícios de
alongamento sobre a Creatina Kinase e lactato desidrogenase
após exercício físico;
3. Comparar a eficiência da crioterapia e dos exercícios de
alongamento sobre a Proteína c-reativa após exercício físico;
4. Comparar a eficiência da crioterapia e dos exercícios de
alongamento sobre a espessura muscular após exercício físico.
Pode ser, não obstante a primeira forma diz a mesma coisa com
economia de palavras e sem a repetição do texto introdutório em cada
objetivo específico.
18.
Definir com clareza os objetivos de um projeto de pesquisa são passos
essenciais. Se o destino está bem definido certamente nossas escolhas
posteriores vão evitar muitos percalços ao longo de nosso percurso. Nosso
projeto é nosso plano de viagem e nele os objetivos são os destinos que
Síntese
Neste capítulo tratei da relevância da lógica da redação clara dos
objetivos de um projeto de pesquisa científica. Salientei que objetivos precisos
indicam os caminhos que o pesquisador deverá seguir ao longo da preparação
do projeto. Fiz referência sobre a importância da escolha dos verbos na
redação dos objetivos. Não utilizar verbos genéricos do tipo: investigar,
entender, saber, etc. Utilizar verbos operacionais como: descrever, associar,
comparar, interpretar. Discorri sobre a economia de informações na redação
dos objetivos. Reduzir os objetivos (gerais e específicos) ao que é essencial
ao projeto. Não poluir o texto com repetidas expressões e informações
tautológicas. Concluí o capítulo com três exemplos de projetos de estudantes
de metodologia da pesquisa em educação física onde sugiro os procedimentos
que auxiliam os estudantes a apresentar seu tema de pesquisa em forma de
objetivos.
1.
Nos capítulos precedentes tratamos do tema da pesquisa e definimos
os objetivos. Demos passos importantes na configuração do projeto. Temos
informações suficientes capazes de orientar com eficiência nossas próximas
tarefas. Minha sugestão para o passo seguinte é elaborar a justificativa
sobre a relevância do projeto. A relevância, assim como o(s) objetivo(s),
situa(m)-se na introdução ou capítulo introdutório do projeto. A explicitação
clara da relevância do estudo é fator determinante que justifica sua aprovação
pelos comitês de pesquisa, de ética e pelos editores e consultores de revistas
e livros científicos. A relevância descreve o que a pesquisa pode trazer de
efetiva colaboração para o conhecimento, para a ciência ou para área de
pesquisa na qual o projeto esta vinculado. A justificativa deve descrever o
que a investigação propõe como teoria, como inovação, como descoberta,
etc. Talvez a melhor forma de discorrer sobre este conteúdo seja através
de exemplos e comentários provenientes de projetos de boa qualidade. É
que proponho a seguir
Projeto de pesquisa apresentado à disciplina de metodologia da pesquisa em educação física da UFRGS pela
1.
3.
No parágrafo seguinte a estudante segue apresentando as dificuldades
desses pacientes:
4.
Tendo apresentado adequadamente o ambiente e o contexto onde se
realizará a pesquisa a estudante dá ênfase ao papel da recreação terapêutica
como campo de intervenção da educação física no ambiente hospitalar.
em ciências do movimento humano do PPG Ciências do Movimento Humano da UFRGS por Matias Noll. 2010.
6.
O mestrando ainda, alerta sobre as causas multifatoriais dos problemas
de dor nas costas e dos desvios posturais:
7
A partir do sexto parágrafo o mestrando aborda especificamente a
relevância de seu tema de pesquisa.
Síntese
Neste capítulo tratei de enfatizar a importância de uma boa
argumentação como justificativa da relevância de um projeto de pesquisa.
A necessidade de convencer o orientador e os comitês de avaliação para
aprovação do projeto, eventualmente para requer apoio financeiro, etc. A
relevância da pesquisa explicita aos leitores qual sua efetiva colaboração
para o conhecimento, para a comunidade científica. Deve informar o que a
realização do projeto propõe como teoria, como inovação. Mantive a
estratégia de apresentar exemplos reais de projetos de pesquisa aos quais
acrescento meus comentários críticos.
1.
A redação de uma primeira aproximação ao texto de introdução ao
projeto de pesquisa constitui-se num exercício muito útil ao estudante de
iniciação científica. Permite a elaboração de uma síntese, que possibilita
obter uma visão clara, objetiva e operacional do estado em que se encontra
seu projeto. Como costumo manifestar em minhas aulas, a primeira
aproximação à introdução possibilita ao estudante “ter nas mãos”, “agarrar
com firmeza”, constituir um objeto concreto. Em outras palavras, são suas
ideias até então um tanto dispersas que serão redigidas num texto com
coerência e objetividade. Este exercício, como se fosse um mapa, indica
com precisão os próximos passos e, como tal, evita que o estudante siga por
desvios que lhe afastem do destino principal. Talvez, seja importante salientar
que em muitos casos a falta de uma definição precisa do: tema do projeto,
sua contextualização, seus objetivos e a clareza sobre a relevância do tema
são fatores que não permitem ao estudante encontrar sua trilha, fazendo-o
andar em círculos e, por consequência, defrontar-se com dificuldades em
avançar rumo as suas reais pretensões.
2.
No atual estágio de nossa caminhada já tratamos do tema da pesquisa,
avançamos até os objetivos e justificamos a relevância de nosso projeto. Já
temos informações suficientes para anunciar com clareza nossos propósitos.
Portanto, nesta fase eu sugiro aos estudantes que redijam uma síntese.
Preparem um resumo. Um pequeno texto capaz de expressar com
objetividade e rigor lógico a intenção do pesquisador e a relevância do tema.
Em outras palavras, proponho um exercício onde o estudante, como num
quebra-cabeça, junte as peças que elaborou e que até então estão dispersas.
Que peças são essas? 1. o tema da pesquisa; 2. os objetivos e; 3. a relevância
do projeto.
4.
Afirma Gilson Volpato1 que a lógica da redação científica, mais que
qualquer coisa, determine as decisões na estruturação e redação do texto
científico e isto pressupõe liberdade e criatividade. Ou seja, a redação
científica é uma atividade criativa guiada pelas regras da lógica formal.
A redação de um texto introdutório deve conter o essencial. Deve
ser claro e objetivo. Texto organizado, em outras palavras, sem torna-se
repetitivo, sem informações “requentadas” e desnecessárias, enfim, sem
“blá, blá, blá” ou sem “encher linguiça”. É muito importante que o estudante
de iniciação científica, desde e início exercite sua capacidade de síntese.
Encaminhe seu projeto propondo sínteses parciais para que não perca o
rumo e tenha sempre presente a coerência inerente à lógica da redação
científica.
1.
Volpato, G. Método lógico para a redação científica. Botucatu: Best Writing,2010, p.14.
Projeto de artigo científico apresentado por Anelise Reis Gaya às provas de doutoramento na Faculdade de
3.
Desporto da Universidade do Porto. O artigo proveniente do projeto esta publicado em: Rev. Bras. Educ. Fis.
Esp., São Paulo, v.19, n3, p. 199 – 207, jul/set 2005.
7.
No parágrafo seguinte a pesquisadora discorre preliminarmente sobre
sua principal variável de investigação tratando de dar-lhe a devida relevância.
8.
Em sequência a estudante trata de valorizar a importância da avaliação
dos fatores de risco cardiovasculares na infância e adolescência e insere a
variável maturação sexual, objeto de sua principal preocupação.
10.
A pesquisadora após estes preâmbulos, diga-se de passagem, muito
adequado ao contexto de sua pesquisa, no texto que segue introduz seu
tema específico e justifica sua relevância utilizando, entre outras, a estratégia
de cotejar informações distintas oriundas da bibliografia.
11.
O texto introdutório, na minha avaliação, apresentou de forma bem
precisa e sucinta o tema da pesquisa. O contexto foi bem delimitado. A
justificativa bem fundamentada, com referências bibliográficas consistentes.
A utilização de estratégia que cotejam ideias controversas serviu para
valorizar a importância da pesquisa. Um bom texto introdutório. No entanto,
ainda falta anunciar os objetivos da investigação de forma clara e operacional.
A estudante optou por apresentar um objetivo geral e tratou de especificá-
lo através de duas questões de pesquisa.
Questões da pesquisa:
1. Valores da PAS apresentam diferenças estatisticamente
significativas em relação aos estágios de MS quando se controlam
os efeitos das variáveis EST, MC e IC?
2. Valores da PAD apresentam diferenças estatisticamente
significativas em relação aos estágios de MS quando se controlam
os efeitos das variáveis EST, MC e IC?
12.
O propósito da pesquisadora está bem definido. Ela reconhece que
os estágios de maturação sexual têm efeitos sobre os níveis de pressão
arterial, todavia, também sabe que as variáveis: estatura, massa corporal e
idade cronológica são consequências naturais da maturação biológica e,
como tal, associam-se aos efeitos da maturação sexual sobre os valores de
pressão arterial. Dito de outra forma há efeitos compartilhados entre
maturação sexual, estatura, e massa corporal e idade cronológica nos valores
de pressão arterial. Neste contexto os objetivos específicos do projeto são:
verificar se a maturação sexual, independente das variáveis estatura, massa
corporal e idade cronológica tem efeito sobre os valores de: 1. pressão
arterial sistólica e 2. pressão arterial diastólica. Como se pode observar,
este texto introdutório dá indicações precisas do propósito do projeto. Do
caminho que a pesquisadora pretende seguir, bem como define com clareza
o contexto e a relevância da pesquisa.
14.
Esta forma de redigir o texto introdutório é distinta do exemplo anterior.
No primeiro exemplo nota-se que a pesquisadora anunciou seus objetivos
após ter apresentado o tema, contextualizado seu espaço de pesquisa,
justificado sua relevância. Ou seja, no exemplo 1 os objetivos foram
anunciados no fim do texto introdutório. Neste segundo exemplo, a estudante
deixa claro nas linhas iniciais o seu propósito. Quero salientar ao destacar
tais diferenças que na concepção de um texto introdutório não há uma
regra rígida a determinar sua forma. O texto deve ser concebido pelo autor
conforme sua inspiração e, principalmente, sendo fiel a forma como nasceu
o projeto. Explico melhor: muitos projetos de pesquisa nascem num contexto
teórico onde já há alguma experiência prévia. Onde algumas ou muitas
leituras foram realizadas, onde outras pesquisas foram publicadas, enfim
pode nascer no seio de um grupo de estudiosos com algum caminho já
percorrido. Neste caso, é pertinente que o estudante ao propor seu projeto
inicialmente localize e justifique a relevância de seu estudo no contexto
onde se insere. Por outro lado, há projetos que nascem diretamente de uma
experiência do cotidiano. Uma pergunta proveniente de um acontecimento
inesperado ou de uma dúvida que surge ao observar algum fato interessante.
Seminário de TCC da ESEF-UFRGS. O texto foi adaptado ao contexto deste ensaio de modo a servir como um
exemplo prático da proposta metodológica que sugerimos.
15.
Como podemos observar no primeiro parágrafo do texto introdutório
deste segundo exemplo, a autora delimita com clareza o propósito da
pesquisa. O tema é localizado num espaço demarcado (escola Nossa Senhora
de Fátima em Viamão), num tempo delimitado (primeiro semestre de 2009),
os sujeitos são definidos com precisão (alunos do 8º e 9º anos). A intervenção
pedagógica é enunciada com clareza (aulas de educação física com
conteúdos esportivos) e as variáveis são bem enunciadas (desenvolvimento
moral, atitudes comportamentais e relações interpessoais).
16.
Em seguida a autora delimita o contexto de seu projeto.
17.
Como afirmei no capítulo anterior, uma das principais exigências para
uma boa introdução é descrevermos com clareza os objetivos da pesquisa.
Ao enunciarmos com precisão os objetivos informamos sobre a natureza
do trabalho, o problema da pesquisa, o material a ser coletado. Os objetivos
devem ser formulados evitando-se expressões genéricas (conhecer,
investigar, saber, entender, etc.) em prol de expressões que indiquem
operacionalmente as ações do pesquisador (descrever, associar, comparar,
interpretar). Vejamos em nosso exemplo:
18.
Uma breve referência sobre as teorias que fundamentam o projeto é
outra exigência de uma boa introdução de um projeto de pesquisa. Todavia,
diferentemente de um projeto de pesquisa tradicional, num estudo de caso
sugerimos substituir a tradicional revisão de literatura por um referencial
teórico. Ao invés de relatarmos dados sobre trabalhos semelhantes já
realizados, sugerimos explicitar os fundamentos pedagógicos que sustentam
as convicções do pesquisador. Isto se justifica por dois motivos: 1. o trabalho
de estudo de caso não tem pretensões de inferências ou generalizações para
além dos limites de sua intervenção; 2. o estudo de caso como intervenção
pedagógica é filosoficamente comprometido. Não há espaços para a
Introdução
Os anos pré-escolares caracterizam-se pela aquisição, intensa
e vigorosa, de um amplo espectro de habilidades motoras que
possibilitarão às crianças um domínio gradativo de seus corpos,
elaborando seus próprios meios de transporte para empreender
essa viagem chamada vida. O movimento realizado naturalmente
pelas crianças pode fazê-las conquistar muito do que precisam
para crescer e se desenvolver, mas parte dessa conquista
depende do que lhes é oportunizado nos ambientes pelos quais
transita.
Projeto de TCC de autoria de Joana Noronha Louzada Magni, apresentado à disciplina de metodologia da
5.
21.
Todavia, já no próximo parágrafo a pesquisadora relativiza esta
afirmação. Sua crítica é uma sutil e inteligente forma de valorizar a relevância
de seu projeto na medida em que sugere que há variáveis intervenientes
significativas e, como tal, o desenvolvimento motor não é uma aquisição
meramente determinada por fatores biológicos.
22.
Nos parágrafos que seguem a pesquisadora sublinha com traços fortes
a importância da faixa etária que compreende principalmente os primeiros
oito anos de vida para o desenvolvimento motor. Este procedimento é
pertinente, pois se constituem em argumentos que justificam com muita
propriedade a relevância de seu estudo que propõe investigar com uma
população de crianças entre cinco e seis anos.
23.
Na sequência de seu texto introdutório, Joana introduz outra
preocupação que também é pertinente como argumento de justificativa para
relevância de sua proposta. São preocupações inerentes aos baixos níveis
de competência motora de nossas crianças.
24.
Na sequência a pesquisadora insere uma justificativa clássica em
muitos projetos de pesquisa. Ela assinala a carência de estudos sobre o
tema e, mais importante, revela que os estudos não permitem conclusões
seguras. Evidentemente, esse argumento valoriza a relevância de seu projeto.
25.
No trecho seguinte Joana, introduz sua variável independente entre
outras intervenientes nos níveis de desempenho motor.
26.
Após inserir a variável independente (sexo) a estudante justificou
sua escolha assinalando diferenças na forma como meninos e meninas são
tratadas por pais, professores, treinadores, etc.
27.
Nos sete parágrafos finais Joana demonstra com evidências
bibliográficas a divergência entre vários estudos que tratam das associações
entre desempenho motor e sexo. Este é um forte argumento para valorizar
28.
Por fim, os objetivos. Joana opta por apresentar seus objetivos num
texto claro e preciso e derivando dos objetivos propõe três hipóteses de
pesquisa.
São pertinentes as opções por apresentar hipóteses de pesquisa. Não
obstante, em seu texto introdutório a autora discute resultados de diversas
pesquisas semelhantes a que propõe e conclui que os resultados são
inconclusivos. Ora, Sendo assim que argumentos justificam a definição de
suas hipóteses que comparam o desempenho motor entre meninos e
meninas?
Referência:
VOLPATO, G. Método lógico para a redação científica. Botucatu: Best
Writing, 2010.
1.
Delimitamos o tema (cap. 3), demarcamos os objetivos (cap.4),
anunciamos a relevância do projeto (cap. 5) e propusemos uma primeira
aproximação à introdução - uma primeira síntese de nossas pretensões (cap.
6). Portanto, já devemos ter “nas mãos” nosso objeto de estudo. Desta
caminhada inicial resultou possivelmente uma clara demarcação do que
queremos investigar através da pesquisa científica. Como tal, estamos em
condições de anunciar de forma clara e objetiva o problema cujas respostas
pretendemos desvendar no campo teórico (revisão de literatura) e no campo
empírico (trabalho de campo). O problema da pesquisa.
2.
Como referem Marconi e Lakatos (1990, p. 60 -61):
A proposição do problema é tarefa complexa, pois
extrapola a mera identificação, exigindo os primeiros
reparos operacionais: isolamento e compreensão dos
fatos específicos, que constituem o problema no plano
de hipóteses e informações. A relevância de um
problema depende da importância dos objetivos e da
eficácia das alternativas2.
1. CERVO, A. L. & BERVIAN, P. A. Metodologia Científica. 3ª Ed. São Paulo: McGraw-Hill, 1983.
2. MARCONI, M. A. & LAKATOS, E. M. Técnicas de Pesquisa. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 60 - 61.
6.
Esta redação do problema representa com pertinência a intenção do
pesquisador. Lembremos que no capítulo 4 o estudante iniciou a explanação
de seu projeto anunciando que formaria dois grupos de idosos. Um grupo
seria submetido ao treinamento concorrente e outro ao treinamento
exclusivamente de força. Portanto, torna-se necessário que a definição do
problema explicite esta intenção. Daí a ênfase: (a) comparar (há diferenças
7.
O problema, tal como se apresenta, também deixa claro o desenho
metodológico do projeto. Trata-se de um estudo quantitativo de comparação
entre as médias de dois grupos. O problema trata de um objeto real, o
ganho de força; é plenamente factível por metodologia científica; é relevante
e gerador de novos conhecimentos. Anuncia as variáveis (treino de força
concorrente e de força) e a relação entre as variáveis (comparar). Enfim, é
um bom problema? Estas é a minha sugestão para o projeto de Cesar
Marchiori.
8.
Não obstante, provavelmente outros orientadores exigiriam mais
informações, por exemplo:
10.
Bem, o primeiro aspeto que devemos considerar é que o problema
da pesquisa deve enfatizar a preocupação do pesquisador em responder
sua questão essencial. Em minha opinião, o problema não deve de início
limitar a pesquisa às fronteiras das relações entre suas variáveis
dependentes. Vejamos: O que parece interessar ao Rodrigo Franke neste
projeto é a eficiência das duas formas de tratamento (crioterapia e
alongamento muscular) no dano muscular. Esta é a questão essencial. Enfim:
a dor muscular; a creatina kinase e lactato desidrogenase; proteína c-reativa
e; a espessura muscular são os indicadores que permitem ao pesquisador
comparar objetivamente a eficiência dos dois tratamentos experimentais.
3. Projeto de TCC de bacharelado em educação física de Rodrigo de Azevedo Franke apresentado à disciplina
de metodologia da pesquisa em educação física na UFRGS em 2011.
11.
Entretanto, algum estudante poderia contrapor: o problema não é
assim tão genérico. O pesquisador não se refere aos efeitos sobre o dano
muscular em abstrato. Ele é objetivo. Refere os efeitos dos dois tratamentos
experimentais sobre os marcadores indiretos de dano muscular (dor muscular;
a creatina kinase e lactato desidrogenase; proteína c-reativa e; a espessura
muscular). A objeção é pertinente. Todavia, ainda assim me parece, que a
intenção principal que move o pesquisador é identificar qual o melhor
tratamento para o dano muscular e que, portanto, os marcadores são apenas
os indicadores que permitirão quantificar ou operacionalizar a variável “dano
muscular induzida por exercício físico”.
12.
Mas, por outro lado, ao considerar pertinente a crítica do estudante
eu poderia, ainda sim, sugerir duas possibilidades:
1. Introduzir a expressão “indicadores de dano muscular” na redação
do problema:
Objetivos específicos
1. Descrever o contexto sociocultural do município de Teutônia
entre 1865 a 1900;
2. Descrever as modalidades esportivas praticadas neste
período histórico.
3. Descrever as primeiras associações esportivas organizadas
no município de Teutônia.
4. Projeto de TCC apresentado à disciplina de Metodologia da Pesquisa em Educação Física (UFRGS) pela estudante
Cecília Elisa Kilpp em 2009.
15.
Provavelmente, quem sabe, poderíamos ainda agregar questões
auxiliares ao problema central da pesquisa, na medida em que a pesquisadora
delimita com clareza as categorias de análise que pretende investigar.
16.
Tendo delimitado com objetividade o problema da pesquisa o estudante
tem seu rumo definido com clareza. Ele está de posse da pergunta chave. A
pergunta que vai conduzir seus passos seguintes. É com essa pergunta
chave que ele vai abrir as portas e percorrer a literatura procurando aglutinar
ideias afins de autores diferentes, reunir estudos com distintas perspectivas
e, quem sabe, distintos resultados e conclusões. Da mesma forma, é o
problema da pesquisa que vai conduzir a definição dos procedimentos
metodológicos do trabalho empírico. Enfim, com a delimitação do problema
da pesquisa se inicia propriamente a investigação científica.
Síntese
Neste capítulo discorri sobre a delimitação do problema de pesquisa.
Fi-lo com a convicção de que é o momento adequado. Quando o estudante
já definiu seu tema, já enuncio seus objetivos e necessita de uma pergunta
guia que vai lhe conduzir pelos caminhos da revisão de literatura e das
decisões metodológicas.
Iniciei o capítulo referindo-me sobre as nuanças que cercam a redação
dos objetivos e do problema da pesquisa. Tratei de enunciar algumas das
principais características e exigências. Em sequência apresentei três
Referências
CERVO, A. L. & BERVIAN, P. A. Metodologia Científica. 3ª Ed. São
Paulo: McGraw-Hill, 1983
MARCONI, M. A. & LAKATOS, E. M. Técnicas de Pesquisa. 2ª Ed.
São Paulo: Atlas, 1999.
PEREIRA. M. G. Artigos científicos. Como redigir, publicar e avaliar.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011.
1.
A partir da formulação do problema de pesquisa (capítulo 7), é passo
seguinte: a Revisão de Literatura. A Revisão de Literatura objetiva delinear
com máxima precisão e atualidade o Estado da Arte do tema que se pretende
pesquisar. O Estado da Arte, por sua vez, é uma parte importantes do trabalho
científico na medida em que, através da revisão de literatura, descreve o
que já se tem afirmado sobre o assunto a ser pesquisado. Como tal, através
da Revisão de Literatura se evita a possibilidade de repetir investigações já
sobejamente confirmadas e, além disso, se constitui em importante meio de
afirmação de novos postulados, conceitos e paradigmas.
2.
Em síntese, delinear o Estado da Arte é enfrentar através da Revisão
da Literatura, o desafio de conhecer o já construído e produzido para depois,
quem sabe, buscar o que ainda não foi realizado.
3.
Delinear o Estado da Arte de um determinado tema faz-se através da
exigência de uma atitude crítica por parte do pesquisador. Requer, por suposto,
Cf. Noronha e Ferreira (apud Moreira, Walter: Revisão de Literatura e Desenvolvimento Científico: conceitos e
1.
estratégias para confecção. Janus, Lorena, ano1, 2º semestre de 2004, ps. 21 - 30.
4.
Como tal, o Estado da Arte deve ser um texto novo que embora,
escrito a partir de uma revisão da literatura, todavia é construído pelo
pesquisador. É o pesquisador que vai "juntar as peças" recolhidas dos diversos
autores a partir de sua análise crítica e capacidade criativa. A visão crítica e
a capacidade criativa do pesquisador são como o cimento que vai dar
sustentação ao edifício teórico que se quer construir. Eu Insisto: o Estado da
Arte é um texto novo e criativo, tecido a partir de diversos materiais advindos
de diversos autores, mas que, pelas mãos do pesquisador, apresenta-se com
uma nova estampa, um novo desenho. É uma obra original. É uma tapeçaria
e não uma colcha de retalhos.
5.
Como tal, é um verdadeiro disparate o que eventualmente afirmam
alguns orientadores à seus estudantes: "o texto de revisão não deve ter
ideias próprias e nem comentários pessoais". Do que se trata então?
Será apenas uma atividade de "corta e cola"?
6.
A Revisão de Literatura é uma pesquisa teórica e como tal não pode
prescindir da subjetividade do pesquisador. Há um pesquisador presente
que, a partir de suas experiências, dúvidas e convicções deve explicitar o
Estado da Arte do tema sobre o qual se debruça. Revisão de Literatura sem
ideias, interpretações e conclusões do pesquisador não existe. Assim, como
uma colcha de retalhos não é uma tapeçaria, uma "junção de autores" não
compõe um texto. Texto (de origem latina: textus particípio passado de texere)
significa tecer, entrelaçar. Portanto, um conjunto de citações provenientes
de vários autores emendados através do "corte e cola" de um editor de
textos, evidentemente não passam meramente de informações
"requentadas".
9.
O pesquisador ao redigir uma síntese dos diversos estudos que
selecionou, deve adotar como referências para suas conclusões iniciais alguns
parâmetros. Nos trabalhos que analisa, para concluir sobre a validade dos
resultados deve considerar: 1. os procedimentos metodológicos (foram
adequados?); 2. a amostra, o universo empírico (são pertinentes?) e, 3. os
principais resultados (são coerentes?). Assim, provavelmente terá identificado
com clareza e objetividade o estado da arte do seu tema de pesquisa e,
como tal, poderá definir com clareza a trilha que pretende percorrer.
Provavelmente, ele identificou as prováveis respostas (hipóteses) para seu
problema de pesquisa e, dessa forma, estará apto para selecionar os
procedimentos metodológicos que darão suporte a seu trabalho empírico.
10.
Nas pesquisas quantitativas a Revisão de Literatura usualmente situa-
se no capítulo subsequente à introdução. Porém, também é correto (e,
atualmente tem sido utilizado com frequência) situar a Revisão de Literatura
11.
Atualmente, nos programas de pós-graduação (mestrado e doutorado),
têm-se utilizado com frequência dissertações e teses apresentadas na forma
de um conjunto de três ou mais artigos independentes (modelo escandinavo).
No entanto, como se exige que os artigos devam estar em consonância com
um tema em comum, se faz mister à apresentação de um capítulo introdutório
capaz de justificar e fundamentar as relações entre os diferentes artigos.
Como tal, um capítulo inicial que integra a Revisão de Literatura à introdução
é pertinente.
13.
Em outras palavras, nas pesquisas quantitativas a Revisão de
Literatura esboça um quadro teórico a partir dos resultados dos diversos
experimentos selecionados pelo pesquisador. O que interessa revisar são os
procedimentos metodológicos, a dimensão da amostra, os procedimentos
estatísticos e os resultados encontrados. Tanto é assim que, atualmente,
muita relevância se têm dado as técnicas de metanálise, que são
procedimentos estatísticos a serviço do tratamento de dados provenientes
dos estudos de revisão (ver capítulo 22).
16
Nas pesquisas qualitativas, principalmente naquelas que adotam um
referencial teórico como fundamento para as análises empíricas,
evidentemente os livros têm uma relevância significativa. Neste caso, são
os autores clássicos que devem ter prioridade em relação às leituras
secundárias. Da mesma forma, as edições originais devem ter preferências
às traduções, e as citações diretas preferências em relação às citações de
fonte indiretas (o apud). Mas, devemos reconhecer que em se tratando da
iniciação científica e, muitas vezes considerando as dificuldades com idiomas
18.
Selecione as palavras chaves: são as palavras e variáveis de
relevância, ou de maior importância dentro do tema da pesquisa.
19.
Utilize os operadores booleanos: Os operadores permitem focar
a procura das referências nas bibliotecas e banco de dados vinculando termos
de busca e definindo relações entre eles. Os operadores booleanos localizam
registros que contém os termos coincidentes num ou em todos os campos
especificados. Os principais operadores booleanos são:
1. AND: Procede a busca das referências considerando os termos
ou variáveis de forma concomitante. Exemplo: "Pressão arterial"3
AND "treinamento de força" AND idosos, inclui referências que
tratam simultaneamente das três variáveis. É portanto um
procedimento que exclui, na medida que vai retornar as referências
que somente tratam das três variáveis em conjunto.
2.
Projeto de Giordano Grecco apresentado a disciplina de Metodologia da Pesquisa em Educação Física. UFRGS.
2011.
3.
É importante atenção para o uso das expressões ou palavras compostas entre "aspas". Exemplo: se utilizar
pressão arterial (sem "aspas") o motor de busca interpreta o espaço (vazio) entre pressão e arterial como AND e
vai processar a busca em pressão e arterial como se fossem termos independentes.
20.
Utilize os motores de busca: Um motor de busca ou motor de
pesquisa é um sistema de software projetado para encontrar informações
armazenadas em um sistema computacional a partir de palavras-chave
indicadas pelo utilizador. São motores de busca, entre outros: PubMed; Google
Acadêmico; Portal de Periódicos da CAPES, na UFRGS temos o SABI e o
LUME.
21.
Utilize as palavras chaves, os operadores booleanos e os
motores de busca para iniciar a busca: Vamos ao nosso exemplo.
Utilizaremos os operadores booleanos e o Google Acadêmico para efetuar
uma busca de referências para a pesquisa de Giordano Grecco que
anunciamos à cima.
Vamos traduzir os termos para o inglês para aumentar nossa área de
abrangência. Temos então: "blood pressure", "power training" e elderly.
O que encontramos?
1. "Blood pressure" AND "power training" AND elderly: Total de
referências 1090;
2. "Blood pressure" OR "power training" OR elderly: Total de
referências 2.850.000;
Nesta caso parece evidente que a expressão elderly é muito ampla.
São todas as referências que reportam-se a idosos. Isto fica
evidente quando excluímos da busca elderly:
3. Blood pressure OR power training NOT elderly: Total de
referências 17.600.
24.
Passo seguinte: entre os artigos que permaneceram no rol dos
selecionáveis sugiro que sejam lidos os resumos. Os resumos, quando bem
elaborados informam o essencial. Os procedimentos metodológicos, a
dimensão da amostra, o tratamento dos dados e os resultados. Portanto,
podemos proceder a uma seleção de artigos através dos resumos.
25.
Da leitura dos resumos três alternativas são possíveis. 1. eliminar os
que não interessam; 2. selecionar os que interessam e, caso sejam resumos
bem constituídos torná-los fontes de consulta (sem a necessidade de consultar
o artigo por completo); 3. A partir dos resumos, solicitar os artigos completos
Se nossa busca se limitasse as variáveis digitadas em português: pressão arterial, treinamento de força e idosos,
4.
Organizando as referências
26.
De posse do material selecionado o passo seguinte é a organização
dessas referências. A partir de leituras panorâmicas (sem entrar nos detalhes),
e considerando os temas, as abordagens metodológicas, a representatividade
das amostras, os resultados e as conclusões agrupam-se os artigos por
semelhanças de abordagem. Ou seja, artigos que apresentam conclusões
numa mesma direção devem ser separados daqueles que apresentam
conclusões divergentes. No âmbito dessa classificação ainda se pode
identificar e considerar os trabalhos que utilizam procedimentos metodológicos
distintos, diferentes critérios de seleção da amostra, dimensão da amostra,
etc., trabalhos com origens em distintas localidades (cidades, países,
laboratórios, culturas). Enfim, criam-se blocos de referências reunidas por
algum critério ou critérios pertinentes relacionados ao problema da pesquisa.
28.
Tenho muitas reservas à visão de alguns orientadores que resumem a
redação científica a uma linguagem burocrática. Alguns, vão ainda mais
longe, e mantém em seus computadores um texto padrão, como se fosse um
formulário onde os estudantes devem preenchê-lo substituindo: o nome do
autor do trabalho imediatamente anterior (ou apenas acrescentando seu nome
ao de todo o grupo), e atualizando-o com algumas mais recentes informações.
30.
Pois bem, em primeiro lugar é preciso deixar claro que toda a estrutura
de um bom texto, seja ele narrativo, lírico, épico ou dramático, é construída
a partir de dois principais alicerces: o conteúdo e a forma. O texto científico
não foge a regra. Segundo Volpato: 1. o conteúdo é todo o elemento que
trata da essência de seu discurso para validar as conclusões. São informações
da literatura, suas conexões lógicas e argumentativas. É o que se quer
comunicar. 2. A forma, por sua vez, trata de como anunciar (redigir) os
conteúdos. Trata-se da estética do texto: o tipo de construção das frases, as
palavras selecionadas, o ritmo da leitura, etc. É o como se quer comunicar.
Entretanto, devemos sempre considerar que no texto científico o conteúdo
tem prioridade sobre a forma6.
31.
Num texto de Revisão de Literatura um bom conteúdo, exige alguns
critérios:
1. Que as informações sejam corretas: São procedentes as
interpretações que inferimos dos textos originais?
5.
VOLPATO, G. L. Método Lógico para a Redação Científica. Botucatu: Best Writing, 2011.
6.
Nos textos poéticos, por exemplo, a forma tem prioridade ao conteúdo.
33.
A redação na primeira pessoa. Já tratei disso no capítulo
introdutório. Mas não é demais repetir. Ainda persiste na visão de muitos
pesquisadores e (ainda pior) na ótica de alguns editores de revista científica,
a retrógrada ideia (positivista) de que a linguagem científica exige que os
textos sejam redigidos em linguagem impessoal (observa-se, descreve-se,
conclui-se...). É a linguagem científica, dizem alguns. Uma linguagem neutra
para uma ciência também neutra, dizem outros. Tolice. Por uma simples
34.
35.
A redação na primeira pessoa (eu ou nós) é absolutamente pertinente
e já está incorporada nos textos científicos das várias áreas do conhecimento.
Como afirma Volpato, o número de revistas que aceitam essa forma tem
crescido desde meados da década de 90. E mais, as principais revistas do
mundo científico (Nature e Science, por exemplo) já usam essa forma de
redação.
36.
A simplicidade é o máximo grau da sofisticação. "Embora muitos
ainda acreditem que um texto científico seja dirigido aos especialistas
e, portanto, inclua palavras que apenas os 'iniciados' dominam, esse
conceito já é coisa do passado". A comunicação é prioridade. Os leitores
nem sempre se resumem aos especialistas. Se quiser ser entendido, fale
com clareza. Se não quiser ser entendido, use palavras complexas. O
que rege a clareza de uma aula, de uma palestra, rege também a clareza
de um texto científico. (...) Não use indevidamente o tempo de seu leitor.
Seja direto, claro, suficiente. Economize palavras. Escreve demais quem
não sabe a essência das coisas. E expressar apenas a essência é muito
mais difícil, envolve conhecer muito bem o assunto (VOLPATO, 2011,
p. 258 e 259).
7.
Jorge Luis Borges, There are more things, In. O Livro de Areia. São Paulo: MEDIAfashion, 2012, p. 44.
38.
39.
Parágrafos consistentes. Os parágrafos são as estruturas que
compõem um texto. Em todo parágrafo há um tópico frasal que se constitui
no foco central através do qual as ideias se norteiam e se encaixam. Pode
estar no início, no meio ou no fim do parágrafo (depende da estética do
autor). É a ideia central. O parágrafo deve, portanto, manter-se coerente
com a ideia central formando um conjunto de frases que formam um texto
com sequência e sentido lógico. Portanto, redija seu parágrafo tendo presente
a ideia central que pretende informar e, não se perca em informações alheias
e dispersas.
40.
8.
VOLPATO, G. idem, ibidem, p.260.
9.
Frases simples são frases que tem apenas um verbo.
10.
VOLPATO, G. Idem,I bidem, p.276.
11.
VOLPATO, G. Idem, ibidem, p. 266.
42.
As ligações entre os parágrafos são muito importantes para que o
texto não se transforme numa sequência de parágrafos desconexos. Muitas
vezes observo esta dificuldade nas redações iniciais de meus alunos de
metodologia da pesquisa científica. Saltam de uma ideia para outra
abruptamente. Ao leitor fica a nítida impressão de que "tropeçou" e caiu
noutra dimensão. Muitas vezes quando e estudante não completa devidamente
a ideia do parágrafo anterior e propõe outro parágrafo com novas ideias, o
leitor fica no ar como suspenso, sem entender bem o que se passou (algum
trecho teria sido inadvertidamente deletado ou recortado?). Além disso, o
que é grave, o texto perde fluência, as ideias ficam desconexas e corre-se o
risco de perder a coerência interna dos argumentos, isto quando não
transforma o texto numa "colcha de retalhos".
43.
A ligação eficaz entre os parágrafos depende da adequada escolha
das locuções conjuntivas que, por sua vez, determinam as relações lógicas
que o estudante quer manifestar. Por exemplo: 1. relação de similaridade:
também; do mesmo modo; assim como. 2. relação de contraste ou de
oposição: mas, embora, de outro lado, não obstante, entretanto. 3. relação
de tempo: após; antes, atualmente, durante, enquanto; então. 4. relação
causal: consequentemente; portanto; logo; por isso. 5. relação de
contiguidade: à medida que; ao passo que; enquanto. Sugiro aos estudantes
que busquem na internet13 e que mantenham a seu alcance uma lista de
conjunções com suas respectivas relações lógicas.
12.
Cf. Desenvolvimento de Parágrafos. <www.uff.br/lecha/Paragrafos.pdf> consultado em 22/05/2012.
13.
Conjunções e locuções conjuntivas em:<www.uff.br/lechaConjuncoes.pdf>
Inserto (parte retirada de um texto de revisão de literatura) de um projeto de pesquisa encaminhado ao CNPq.
14.
Síntese
Neste capitulo discorri sobre a elaboração e redação de um texto de
Revisão de Literatura. Caracterizei a revisão como o caminho para delinear
o Estado da Arte de um determinado tópico do conhecimento científico.
Defini Estado da Arte como o desafio de conhecer o já construído. Destaquei
a importância das ideias, da experiência, do senso crítico do autor na
concepção do texto de revisão. A revisão de Literatura é um texto autoral.
Identifiquei algumas características da Revisão de Literatura em pesquisas
quantitativas e qualitativas. Discorri sobre as estratégias para a Revisão de
Literatura focalizando: a busca, a seleção e organização do material
bibliográfico. Sugeri recomendações sobre a redação do texto de revisão e,
finalmente apresentei um exemplo sintético de um texto de Revisão de
Literatura.
1.
Tendo escolhido o tema da investigação, delimitado seus objetivos,
encaminhado a revisão de literatura e anunciado o problema, o passo seguinte
será a definição das hipóteses ou questões da pesquisa. As hipóteses são
afirmações, proposições, conjeturas ou suposições que o pesquisador sugere
como solução ao problema da pesquisa sendo predominantemente utilizadas
em trabalhos quantitativos do tipo experimental. As questões de pesquisa
são perguntas orientadoras. Ocorrem quando o pesquisador não assume ou
não tem hipóteses a priori. São utilizadas predominantemente em trabalhos
qualitativos, em pesquisas exploratórias e descritivas.
As Hipóteses
2.
As hipóteses são suposições assumidas pelo pesquisador antes
mesmo da constatação dos fatos. Tem como característica uma formulação
provisória e necessariamente deve ser passível de verificação empírica.
Exemplo:
Problema: Há diferença no desempenho médio da força máxima
em idosos submetidos a treinamento concorrente e treinamento de
força?
A formulação do problema, tal como se apresenta, sugere inicialmente
duas possibilidades:
1. Não há diferença entre os índices médios de força máxima
decorrentes dos dois modelos de treinamento (neste caso se diz
que aceita-se a hipótese nula) ou;
2. Há diferença entre os índices médios de força máxima decorrentes
dos dois modelos de treinamento (rejeita-se1 a hipótese nula).
Alguns metodólogos da pesquisa preferem a expressão “não aceita-se a hipótese nula” afirmam que a
1.
perspectiva probabilística da pesquisa quantitativa inferencial não permite peremptoriamente afirmar que se
possa rejeitar a hipótese nula. Neste curso vou desconsiderar este pormenor, embora reconheça sua pertinência.
4.
Considerando a possibilidade de duas hipóteses alternativas (1 e 2)
caberá ao pesquisador, através de sua experiência, seus conhecimentos,
sua intuição, etc., escolher uma delas como a sua hipótese de trabalho. A
sua hipótese orientadora. Denominamos a hipótese do pesquisador de
hipótese científica (ou hipótese de pesquisa, ou hipóteses experimental,
ou hipótese causal). Vamos supor que o pesquisador assumiu como hipótese
científica a possibilidade de resposta (3). Teríamos então:
Hipótese científica:
Idosos submetidos ao treinamento concorrente
apresentam níveis médios de força máxima superior aos
idosos submetidos ao treinamento de força.
5.
Por outro lado, denominamos de hipótese rival a possibilidade de
resposta (4), a hipótese contrária a do pesquisador. Nesta condição, de
hipótese rival, ela não deverá ser anunciada no texto do projeto2.
Hipótese rival:
Idosos submetidos ao treinamento de força apresentam
níveis médios de força máxima superior aos idosos
submetidos ao treinamento de concorrente.
Não faz sentido lógico o pesquisador anunciar duas hipóteses contraditórias. Exemplo: “Não faz sentido
2.
prever a hipótese de que chove e a hipótese de que não chove na mesma hora e local”. A hipótese deve ser:
chove ou não chove. Anunciar ambas consiste numa contradição formal.
7.
Não obstante, em alguns casos, podemos desconsiderar a presença
da hipótese rival como, por exemplo, no seguinte problema de pesquisa:
Idosos submetidos a treinamento concorrente apresentam
aumento nos níveis médios de força máxima?
Questões de pesquisa
8.
Nos estudos descritivos e exploratórios e nos estudos qualitativos
(etnografia e estudo de caso), onde os objetivos tratam principalmente de
identificar e/ou interpretar o comportamento de uma população normalmente
não se utilizam hipóteses. Imaginemos um projeto de pesquisa cujo objetivo
geral é o de identificar os hábitos de atividade física em crianças e
adolescentes numa determinada comunidade, É evidente que as informações
a serem colhidas por questionários, entrevistas ou observações podem ser
variadas. São tantas as possibilidades de resposta que se torna improvável
que o pesquisador pudesse a priori apontar todas as hipóteses. Por exemplo,
como propor hipóteses para questões relacionadas aos hábitos de sono; as
atividades realizadas no interior da moradias; as práticas esportivas formais
1.
Toda pesquisa científica trata de descrever ou associar variáveis.
Todos os problema, questões e hipóteses de pesquisa anunciam variáveis.
Um projeto de pesquisa bem planejado se preocupa em descrever ou verificar
relações entre variáveis e para isso é necessário controlar adequadamente
outras tantas variáveis intervenientes. As variáveis são as células que dão
vida a um projeto científico. Tudo ocorre a partir e ao redor delas. Ao longo
deste curso, até aqui, muitas vezes, não foi possível evitar de falar em
variáveis, mesmo antes de trata-la de forma mais íntima como faremos
neste capítulo. Mas o que são as variáveis? Como conceituá-las, classificá-
las, medi-las?
2.
As variáveis definem as características ou atributos que representam
um fenômeno capaz de assumir diferentes valores numéricos ou se expressar
em distintas categorias. “São variáveis porque variam”. Assumem diversas
dimensões. Variam numericamente como as medidas da estatura, massa
corporal, velocidade; variam discretamente em categorias de análise como
o sexo, cor dos olhos, faixas etárias. Exemplo: Vejamos num projeto que
preocupa-se em identificar prováveis associação entre sexo e massa corporal
gorda. Homens e mulheres apresentam diferenças nos valores médios de
massa gorda? São duas variáveis: Sexo, que apresenta-se em duas categorias
(variáveis discretas: masculino 1. e feminino 2. e, massa gorda que apresenta-
se em escala numérica (10Kg; 11; 20,5Kg; 22,3 Kg, etc.).
3.
Construtos. Alguns pesquisadores adotam o termo construto para
identificar algumas variáveis cuja as características são menos objetivas ou
evidentes. Exemplo: medir a estatura é um procedimento muito objetivo.
Praticamente não há interferência do pesquisador na tomada desta medida.
Utiliza-se um estadiômetro e faz-se a leitura diretamente no instrumento de
4.
Neste livro vamos utilizar para todos os exemplos a expressão variável
ou variáveis.
7.
2.
Projeto de Regis Radaelli apresentado à disciplina de metodolgia e epistemologia das ciências do movimento
humano do PPG em Ciências do Movimento Humano da UFRGS, 2011
3.
Inserto da tese de doutorado de Gabriel Bergmann apresentada ao PPG Ciências do Movimento Humano da
UFRGS. 2009.
Classificando as variáveis
8.
Para classificar as variáveis de um projeto de pesquisa científica
sugiro três possibilidades. Outras classificações são adotadas por outros
autores, não obstante, tenho a convicção que as três possibilidades que
apresento são plenamente suficientes para a compreensão e organização
do raciocínio científico.
9.
Variáveis independentes: São aquelas que o pesquisador manipula
ou observa. As variáveis independentes são passíveis de causarem efeitos
sobre as variáveis dependentes. Elas participam do experimento como
indutoras de um provável efeito sobre as variáveis dependentes. Em outras
palavras, as variáveis independentes são as supostas causas das variações
das variáveis dependentes. As primeiras são antecedentes, as segundas
consequentes. As variáveis independentes podem ainda ser classificadas
como ativas, quando são suscetíveis de manipulação. Exemplo: programas
de treinamento, utilização de fármacos, dietas, etc. As variáveis
independentes são atributivas quando não são suscetíveis de manipulação
pelo pesquisador. Apenas permitem ao pesquisador observar seus prováveis
efeitos sobre as variáveis dependentes. Exemplo: etnia, sexo, idade, etc.
11.
Variáveis intervenientes: são aquelas que embora alheias as
intenções do pesquisador são passíveis de exercer efeitos sobre as variáveis
dependentes. Por exemplo: numa pesquisa em que estou verificando os
efeito de um programa de exercícios físicos sobre a massa corporal de
gordura de um grupo de crianças obesas é evidente a necessidade de
controlar a dieta alimentar. Caso contrário não se pode afirmar com
objetividade se os prováveis efeitos sobre a massa corporal são advindos
do programa de exercícios, ou de uma dieta com restrições calóricas, ou da
associação entre exercício e dieta. Por suposto, as variáveis intervenientes
necessitam ser identificadas nos projetos de pesquisa e, ainda mais, deve o
pesquisador informar quais os procedimentos que adotará para controlar
seus prováveis efeitos.
12.
Retornemos aos nossos exemplos para classificar as variáveis
propostas pelos pesquisadores em seus respectivos projetos.
14.
4.
Cf. VOLPATO, G. Método Lógico para Redação Científica. Botucatu: Best Writing, 2010, p. 202.
5.
Cf. Pereira, M.G. Artigos Científicos. Como redigir, publicar e avaliar. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011.
15.
A presença de variáveis independentes e dependentes pode variar
conforme a estrutura do projeto de pesquisa. Há projetos com apenas uma
variável independente exercendo efeito sobre uma única dependente. Outros
podem apresentar mais de uma variável independente agindo sobre uma ou
mais variáveis dependentes. E, como mostrei em nosso terceiro exemplo,
podem ocorrer projetos que sequer apresentem relações de dependência
entre as variáveis.
Medindo as variáveis
16.
As variáveis dependentes devem poder variar sob o efeito das
variáveis independentes, Além do mais nas pesquisas quantitativas essas
variações precisam ser medidas para suportar inferências estatísticas.
Portanto, as variáveis devem apresentar-se em forma de escalas de medidas.
Foi o psicólogo Steven Stevens6 (1946) quem propôs as quatro escalas de
medida usuais: 1. escala nominal; 2. escala ordinal: 3. escala intervalar e; 4.
escalas de razão.
17.
A escala nominal é simples. Ela apenas permite nominar, categorizar
ou classificar uma variável. Exemplo: Num projeto que trata das relações
de gênero podemos classificar feminino como (1) e masculino como (2), no
entanto não podemos realizar operações aritméticas com esses valores (1 e
2). Os algarismos 1 e 2 servem apenas para identificar o grupo feminino e
masculino. A escala nominal, como veremos à frente, apenas permite análises
de frequência, moda, correlação de contingência, qui-quadrado e teste de
Fischer.
Steven Stanley. On the Theory of Scales of Measurement. Science, New Series, Vol. 103, No. 2684, pp. 677-
6.
19.
Escala intervalar. Possibilita medir variáveis numericamente. Se
na escala nominal só podemos classificar as variáveis (masculino (1) feminino
(2), se na escala ordinal nós podemos classificar e ordenar os valores das
variáveis (muito pobre (1), pobre (2); média (3); rica (4) e muito rica (5), na
escala intervalar, considerando que há equidistância entre os valores (mesmo
intervalo entre os valores de medida) podemos tratar as variáveis como
valores numéricos. Em outras palavras, podemos somar, diminuir, operar
com médias e desvios padrão. Exemplo: Medida de temperatura. Sabemos
que o intervalo entre 20 e 25 graus centígrados (5 graus) é o mesmo intervalo
entre 35 e 40 graus. Há equidistância entre os valores da escala. Por isso
denominamos a escala intervalar ou de intervalos (e a escala de razão)
como escalas numéricas. A escala intervalar (e a de razão) opera com
testes estatísticos variados. Em análises descritivas opera com médias,
desvios padrão, variância, etc. Em análises inferências opera com o teste t
de Student, anova, correlação linear, etc.
21.
Voltemos aos nossos exemplos.
22.
24.
É importante ressaltar que a definição clara das escalas de medidas
das variáveis de pesquisa constituem informações essenciais para a definição
das técnicas de tratamento estatístico.
Thomas, J.; Nelson, J.J. & Silvermans, S.J. Métodos de pesquisa em atividade física. 6a Ed. Porto Alegre:
7.
Artmed, 2012.
26.
Em nosso primeiro exemplo:
Definição operacional:
Níveis de atividade física: Tempo de prática de atividade física,
usando as seguintes categorias: inativo os que praticam atividades físicas
em tempo igual ou inferir 149 minutos por semana, moderadamente ativo
os que praticam entre 150 a 299 minutos por semana; ativos os que praticam
300 minutos ou mais de atividades motoras por semana.
Sobrepeso e obesidade Ocorrência de valores elevados de índice
de massa corporal (IMC) acima de 25 para sobrepeso e acima de 30 para
obesidade.
27.
Nosso segundo exemplo:
28.
Nosso terceiro exemplo:
Síntese
Neste capítulo discorri sobre as variáveis. Através de três exemplos
tratei de identificar, classificar, expressar as formas de medir (escalas de
medida) e definir operacionalmente. Tive muita preocupação com este
capítulo. Minha experiência docente revela que, destarte a relevância deste
conteúdo, ele normalmente não é de fácil compreensão para os estudantes
de iniciação científica. É comum, embora durante as aulas os alunos não
manifestem qualquer dificuldade de entendimento, que durante a
apresentação de seus projetos revelem alguma insegurança especialmente
no que se refere a definição operacional. É muito comum, os estudantes
insistirem com definições conceituais, retiradas de livros ou de dicionários.
Insisto que a clara identificação das variáveis, das relações entre elas, da
Referências
PEREIRA, M.G. Artigos Científicos. Como redigir, publicar e avaliar.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011.
STANLEY, S. On the Theory of Scales of Measurement. Science, New
Series, Vol. 103, No. 2684, pp. 677-680. American Association for the
Advancement of Science, 1946
THOMAS, J.; NELSON J.J. & SILVERMAN, S.J. Métodos de pesquisa
em atividade física. (6a ed). Porto Alegre: Artmed, 2012.
VOLPATO, G. Método Lógico para Redação Científica. Botucatu: Best
Writing, 2010.
1.
Já definimos o objetivo da pesquisa, demarcamos o problema,
anunciamos as hipóteses ou questões da pesquisa, identificamos as variáveis
e as relações entre elas. Enfim, já temos uma ideia precisa sobre o que
queremos investigar e onde pretendemos chegar. Portanto, é hora de
decidirmos sobre os caminhos que vamos percorrer. É hora de decidirmos
sobre os procedimentos metodológicos que vamos adotar. Defino como
procedimentos metodológicos em pesquisa científica as estratégias adotadas
para responder ao problema da pesquisa e, por suposto, atingir seus objetivos.
Os procedimentos metodológicos incluem: 1. o delineamento, desenho ou
método (tema deste capítulo); 2. as abordagens metodológicas (estudos:
qualitativos, quantitativos ou mistos); 3. as técnicas de pesquisa (etnografia,
estudo de caso, experimental, quase-experimental, avaliativa, etc.); 4. a
seleção dos sujeitos da pesquisa (população, amostra); 5. os instrumentos
de coletas de dados ou informações; 6. as técnicas de tratamento dos dados
ou informações e; 7. os procedimentos éticos. Em síntese, os procedimentos
metodológicos delimitam o universo empírico da pesquisa científica.
2.
Neste capítulo vou tratar do método. Mas, proponho fazê-lo por
caminhos menos convencionais. Ao invés de discorrer sobre as diversas
técnicas de pesquisa científica, como ocorre na grande maioria dos manuais,
proponho seguir um trajeto centrado nos pressupostos lógicos que dão suporte
ao conhecimento científico. Portanto, não se trata de fornecer uma lista de
técnicas ou métodos para que o estudante simplesmente encontre, entre
tantos, aquele que sirva para enquadrar seu estudo. Este modelo, embora
recorrente, pouco colabora com a formação de um bom cientista. Pelo
contrário, ele reforça a “ditadura do método”. Uma prática onde o
pesquisador procura um tema de pesquisa que caiba nos modelos
metodológicos que conhece ou tem acesso. Absolutamente não é isso que
3.
Proponho percorrer nosso caminho passo-a-passo. Um caminho
planejado didaticamente para que a aprendizagem ocorra de forma a
estabelecer um raciocínio lógico que dê ao estudante a competência
necessária para selecionar os procedimentos metodológicos a partir de seus
objetivos. Enfim, vamos nos afastar da “ditadura do método”.
4.
Tenho claro que proponho uma simplificação. Todavia, é uma
simplificação didaticamente proveitosa. Vou trabalhar com definições
operacionais. Definições que nem sempre concordam com tantas e diversas
definições presentes nos livros e discursos sobre metodologia da pesquisa.
Proponho uma organização simples. Um modelo didático que baseado numa
lógica simples porém consistente torne o discurso sobre a metodologia da
pesquisa científica conciso, objetivo e consistente.
5.
Assim, destarte o risco de uma simplificação exagerada, proponho
as seguintes definições: 1. método- é o caminho, ação ou procedimento
para atender as intenção explicitas do pesquisador anunciadas em seus
objetivos (o caminho do pesquisador normalmente se manifesta na ação de:
descrever, associar ou correlacionar e, comparar) 2. abordagem do
método- a opção por modelos de análise, tratamento, descrição e
interpretação dos dados ou informações (a abordagem do pesquisador se
manifesta através de modelos: qualitativos, quantitativos ou mistos); 3.
técnicas ou estratégias do método- são os desenhos de pesquisa, são as
estratégias. É o delineamento utilizado pelo pesquisador para encaminhar
seus procedimentos investigativos (as estratégias do pesquisador são, por
exemplo: a etnografia, estudo de caso, modelos experimentais, quase
experimentais, preditivos, de avaliação, ex post facto, etc.).
Procedimentos metodológicos
7.
A princípio, partilho com Gilson Volpato a convicção de que são apenas
três os tipos lógicos de pesquisa científica1. 1. descritiva; 2. correlacional e;
3. causal. Embora, eu possa divergir de Volpato2 em relação à alguma
terminologia, concordo e compartilho absolutamente com a lógica que
subsidia seu pensamento.
1.
VOLPATO, G. Dicas para redação científica (3a Ed.). São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010; VOLPATO. G.
Método lógico para redação científica.
Botucatu: Best Writing, 2010; VOLPATO, G. Ciência da filosofia à publicação. (6a Ed.) São Paulo: Cultura
Acadêmica, 2013.
2.
Volpado classifica em: pesquisa descritiva; pesquisa de associação sem interferência e; pesquisa de
associação com interferência.
9.
Não obstante, é importante salientar que alguns pesquisadores se
referem à determinados modelos de pesquisa que propõem correlações ou
relações causais entre variáveis como estudos descritivos. Normalmente
são estudos “quase-experimentais” que utilizam amostras não aleatórias.
Como as amostras não aleatórias normalmente não permitem inferências
estatísticas (induzir os resultados de uma amostra para a população -
trataremos disso nos capítulos seguintes) o pesquisador descreve seus
resultados limitando sua abrangência aos sujeitos pesquisados. Nestes casos,
o pesquisador não utiliza técnicas de estatística inferenciais, ele apresenta
seus resultados através de técnicas estatísticas descritivas fato que justificaria
a possibilidade de caracterizar sua pesquisa como do tipo descritiva. Isto
faz sentido, esta correto. Todavia, para manter a coerência lógica inerentes
aos conceitos da proposta de Gilson Volpato, não utilizarei essa interpretação.
10.
As pesquisas descritivas podem assumir abordagens metodológicas
qualitativas, quantitativas ou mistas e, como tal, podem lançar mão de
diferentes técnicas ou estratégias de procedimentos. Como veremos no
capítulo seguinte e nos procedente, as pesquisas descritivas qualitativas e
quantitativas adotam pressupostos epistemológicos distintos. Daí decorre
por exemplo: que a definição dos sujeitos da pesquisa, os instrumentos de
coleta de dados, o tratamento das informações seguem protocolos e
procedimentos diferentes. Nas pesquisa qualitativas predominam os aspetos
11.
Como veremos adiante, nas pesquisas descritivas qualitativas
utilizamos técnicas mais complexas (mais holísticas) cuja intenção é observar
o fenômeno em sua maior abrangência possível. Daí as técnicas de estudo
de caso (mini-etnografia), etnografia, fenomenologia, narrativa, etc. Há a
preocupação em explorar a realidade. As pesquisas descritivas quantitativas
são mais analíticas. Selecionam a priori com rigor as variáveis que pretende
descrever e, normalmente controlam os prováveis efeitos de variáveis
intervenientes. A preocupação é em descrever com maior rigor possível
algumas partes selecionados da realidade. Como tal, enquanto as pesquisas
descritivas qualitativas buscam vários procedimentos para construir suas
interpretação, as pesquisas quantitativas, são focadas em técnicas
estatísticas para a descrição da realidade objetiva.
As pesquisas de correlação
12.
Correlação significa relacionar juntos. É uma relação mútua entre
fenômenos ou variáveis. São variáveis que: 1. crescem no mesmo sentido
(ambas aumentam ou diminuem) ou, 2. variam em sentidos contrários (uma
aumenta e a outra diminui). Exemplos: 1. Quando aumento a velocidade da
Rüdiger Safranski na biografia de Heidegger apresenta um excelente texto sobre filosofia e ciência de onde
3.
retirei as ideias sobre: o sentido e a funcionalidade que adotei para definir as abordagens qualitativas e
quantitativas. SAFRINSKI, R. Um mestre da Alemanha, Heidegger e o seu tempo. Trad. Jorge Telles Menezes .
Lisboa: Instituto Paget, s.d., ps. 45 – 49.
13.
As pesquisas correlacionais, tal como ocorre nas pesquisas descritivas,
também podem optar por abordagem quantitativa, qualitativa ou mista. Na
abordagem quantitativa, as pesquisas utilizam técnicas estatísticas que
medem numericamente o índice de correlação (r). O “r” varia entre -1 e +1
e, quanto mais próximo o valor “r” estiver de 1 maior é o nível da correlação.
Como veremos adiante muitas técnicas estatísticas são utilizadas em estudos
correlacionais: Correlação Linear e Pearson, Ordinal de Spearman,
Canônica. Correlação múltipla, etc. Enfim! Na abordagem quantitativa a
correlação é medida numericamente por equações matemáticas.
14.
Na abordagem qualitativa, levando em conta que seu enfoque é
predominantemente interpretativo, as associações são justificadas por
argumentos teóricos e lógicos. A subjetividade é soberana. O pesquisador
propõe argumentos lógicos, baseados em teorias e hipóteses e, como tal,
anuncia (ou não) as correlações pretendidas. Não há, neste caso, ferramentas
objetivas tais como ocorre com as técnicas estatísticas na abordagem
quantitativa. Não obstante, como o pesquisador normalmente se cerca de
um conjunto alargado de informações (qualitativas), embora não disponha
de um índice numérico, a validade interna da abordagem qualitativa é forte.
As pesquisa causais
15.
As pesquisas causais em sua essência não deixam de ser
correlacionais. Todavia, elas buscam identificar na correlação entre as
variáveis algo mais. Procuram relações de causa e efeito. Ou seja, as
pesquisas causais procuram identificar se uma das variáveis exerce algum
16.
Considerando que as pesquisas causais sugerem relação de causa e
efeito de uma variável sobre outra, faz sentido definirmos as variáveis das
pesquisas em pelo menos dois níveis: 1. variável que produz o efeito,
denominada de variável independente e; 2. variável que sofre o efeito,
denominada de variável dependente (ver capítulo 10). Esta relação, entre
variáveis independentes e dependentes, é relevante, posto que,
diferentemente do que ocorre das pesquisas correlacionais, nas pesquisas
causais as técnicas ou procedimentos de análise levam em conta a
possibilidade de julgar se a presença da variável independente exerce efeito
significativo na variável dependente.
17.
Abro parênteses para uma reflexão. É muito comum encontramos
em relatórios e projetos de pesquisa autores que identificam suas variáveis
como independentes e dependentes mesmo em estudos que não tratam de
relações causais. Ora, isto não está correto. Em pesquisas onde os objetivos
são descrever ou associar variáveis, portanto onde não se pretende identificar
efeitos de uma variável sobre outra não faz qualquer sentido lógico denominá-
las como independentes ou dependentes. Aliás, este procedimento é apenas
mais um testemunho de que nossa formação científica é pouco reflexiva.
Enfim, como papagaios, nós repetimos o que lemos e ouvimos de outrem
sem sequer preocuparmo-nos com o significado lógico do que estamos
reproduzindo.
18.
Nas pesquisas causais, normalmente o pesquisador propõe uma
intervenção. Ele intervém ou observa os efeitos sofridos na variável
dependente ao manipular a variável independente. Exemplo: o programa de
dieta hipocalórica (variável independente) é elaborado pelo pesquisador (ele
propõe um redução substancial de calorias na dieta dos adolescentes obesos)
e, procura medir os efeitos desta dieta sobre o Índice de Massa Corporal.
19.
As pesquisas causais são predominantemente de abordagem
quantitativa. Como veremos adiante são muitos os procedimentos e técnicas
4.
BRODT, A. Políticas de lazer para os idosos na região do vale do Taquari : um estudo descritivo dos grupos de
convivência e bailes da terceira idade. Dissertação de mestrado. Orientador: Reppold Filho, A. PPG -CMH,
UFRGS. 2004. <http://hdl.handle.net/10183/14409>.
5.
BASTOS, A.P. P. Legados do ensino do esporte na escola : um estudo sobre o que professores de educação
física pensam em deixar para seus alunos ao final do ensino médio. Dissertação de Mestrado: Orientador:
FRAGA, A.B. PPG–CMH UFRGS. 2011. <http://hdl.handle.net/10183/36109>.
6.
DHIEL, V.R.O. O impacto das mudanças sociais na ação pedagógica dos docentes de educação física da rede
municipal de ensino de Porto Alegre: implantação e implementação do projeto Escola Cidadã. Dissertação de
Mestrado. Orientador: MOLINA NETO, V. PPG-CMH UFRGS, 2007. <http://hdl.handle.net/10183/12411>.
REBELLO, G.M. Motivação : um estudo realizado com a equipe de futebol masculino da Universidade Federal
7.
do Rio Grande do Sul. TCC de licenciatura em Educação Física. Orientador: Monteiro, A. Escola de Educação
Física -UFRGS. 2009. <http://hdl.handle.net/10183/18899.
8.
SILVA, M. S. Correlações entre a potência de salto e o desempenho na velocidade de deslocamento em jovens
jogadores de futebol. TCC Bacharelado em Educação Física: Orientador: CARDOSO, M.F.S. Escola de Educação
Física – UFRGS. 2012. <http://hdl.handle.net/10183/70265>.
9.
TRINDADE, G.T. Efeitos da ordem de execução dos exercícios de força e aeróbio durante o treinamento
concorrente no desenvolvimento da carga durante o treinamento de força. TCC bacharelado em Educação
Física: Orientador: KRUEL, L.F. Escola de Educação Física – UFRGS. 2011. <http://hdl.handle.net/101083/
39155>.
CARDOSO, M.S. & GAYA, A. Os fatores motivacionais para a prática desportiva e suas relações com sexo,
10.
Síntese
Neste capítulo introduzi os conteúdos referentes aos procedimentos
metodológicos. Reuni tais procedimentos na rubrica do universo empírico
da pesquisa científica. Neste universo habitam: 1. o método; 2. abordagens
e as técnicas metodológicas; (3) a seleção dos sujeitos da pesquisa e; (4) os
instrumentos de coleta de dados ou informações. Após a introdução limitei
a tratar do método, entendido como as intenção explicitas do pesquisador
anunciadas em seus objetivos: 1. pesquisas descritivas; 2. de correlação e;
(3) ou causais. Descrevi cada um desses métodos e encerrei o capítulo
com uma série de exemplos. Espero, embora correndo o risco de
simplificações, ter tratado do tema de uma forma didática, centrada numa
lógica de pensamento simples, clara e objetiva. No próximo capítulo
permaneço tratando dos procedimentos metodológicos discorrendo sobre
as abordagens metodológicas manifestas nos modelos de pesquisas:
qualitativas, quantitativas e mistas.
1.
A abordagem metodológica pressupõe a opção pelo tipo de
instrumentos de análise e interpretação que o pesquisador julga adequado
aos seus objetivos. São três as principais abordagens metodológicas: 1.
abordagem qualitativa; 2. abordagem quantitativa e; 3. abordagem mista.
Nesta capítulo, trato de caracterizá-las através de seis parâmetros que julgo
são capazes de dar visibilidade a forma como tais abordagens se distinguem1:
1. natureza da realidade; 2. finalidade da pesquisa; 3. natureza da relação
sujeito-objeto; 4. problema que investiga; 5. critérios de qualidade e; 6. análise
dos dados.
Abordagem quantitativa
2.
Natureza da realidade: Sua matriz é a filosofia positivista de Comte
(1798 – 1857); Stuart Mill (1806 – 1873); Emilie Durkheim (1858 – 1917)...
A abordagem quantitativa considera a realidade como algo externo ao
pesquisador. O objeto do conhecimento está “fora” do sujeito. O pesquisador
tem a pretensão de revelar uma realidade existente independente de sua
interpretação. Uma realidade singular, tangível e que pode ser fragmentada
e tratada através de variáveis nomotéticas. Variáveis nomotéticas são aquelas
que se manifestam diretamente ao sujeito sem a necessidade de
interpretações subjetivas. Exemplo: variáveis como estatura, peso,
velocidade, etc..., basta medi-las com estadiômetros, balanças, cronômetros
e obteremos os dados, independentemente de quem está medindo.
1. Cf. GAYA, A. Ciências do movimento humano. Introdução à metodologia da pesquisa. Porto Alegre: Artmed,
2008, ps. 51-58.
4.
Natureza da relação sujeito-objeto: Na abordagem quantitativa o
pesquisador se coloca externamente ao objeto da pesquisa. Trabalha
relativamente distanciado e de forma objetiva. Exemplo: quando proponho
uma pesquisa com medidas de estatura e peso corporal, não necessito saber
quem mediu os sujeitos. Tendo a certeza que as medidas foram efetivadas
com rigor e critério, posso utilizá-las sem a necessidade de proceder a
interpretações subjetivas. Enfim, os dados de estatura e peso não dependem
de interpretações, basta medi-los criteriosamente.
5.
Problemas que investiga: a abordagem quantitativa normalmente
descreve, avalia ou validam teorias ou hipóteses através de análises
estatísticas. Suas variáveis são tratadas por procedimentos estatísticos. A
abordagem quantitativa normalmente parte de hipóteses que devem ser
submetidas a testes estatísticos de aceitação ou rejeição. Portanto, são
problemas que tratam de variáveis necessariamente nomotéticas. Exemplo:
Aplicação de gelo diminui o tempo de recuperação dos danos musculares
causados por exercícios exaustivos de força?
6.
Critérios de qualidade: na abordagem quantitativa se estabelece
critério rígidos de validade, fidedignidade e objetividade de seus instrumentos
de coletas de dados, tendo em vista, a adequada possibilidade de inferências
estatísticas de seus resultados. Exemplo: nos diversos estudos sobre
motivação para práticas de atividades físicas e esportivas realizados por
7.
Instrumentos de coleta de dados: a abordagem quantitativa
baseia-se em instrumentos de coleta de dados que implicam na codificação
desses dados pelo processo de quantificação. São medidas, testes,
questionários, observações cujos dados são passíveis de tratamento
estatístico. Exemplos: uma bateria de testes de aptidão física; um
questionário de auto-imagem; medidas de Índice de Massa Corporal, Grade
de observação de atitudes de professores, etc.
8.
Análise dos dados: na abordagem quantitativa evidentemente se
utiliza procedimentos estatísticos para explicitar de forma objetiva as
descrições, as correlações ou comparações.
2. BALBINOTTI, M.A.; BALBINOTTI, C.A ; BARBOSA, M.L.L; SALDANHA, R. P. Estudos fatoriais e de consistência
interna da Escala Balbinotti de Motivos à Competitividade no Esporte (EBMCE-18). Motriz: Revista de Educação
Física (Online), v. 17, p. 318-327, 2011.
3. COERTJENS, M. Efeitos da imersão no meio líquido na recuperação de exercício físico anaeróbico sobre o
desempenho e o comportamento de parâmetros fisiológicos de atletas. Dissertação de Mestrado. Orientador:
KRUEL, L.F. PPG-CMH, UFRGS, 2007.
11.
Finalidade da pesquisa: Na abordagem qualitativa, além de
identificar, descrever e associar variáveis as pesquisas com abordagem
qualitativa pretendem interpretar os significados. Dar sentido aos fenômenos
que investiga.
12.
Natureza da relação sujeito-objeto: Na abordagem qualitativa o
pesquisador é quem configura o objeto de estudo. O pesquisador não se
situa externamente ao objeto ele o concebe. Ele interage criando suas
categorias de análise e delineando a realidade que investiga. Na abordagem
qualitativa, diferentemente da quantitativa, o pesquisador não descobre ou
desvenda a realidade objetiva, ele constrói subjetivamente seu universo
4. Daí a preocupação que devemos assumir com a terminologia em nossos projetos. Por exemplo: deveríamos
evitar nas abordagens qualitativas a expressão coleta de dados e substituí-las por informações; evitar, da
mesma forma a expressão variáveis e substituir por construtos, população e amostra, substituir por sujeitos da
pesquisa.
13.
Problemas que investiga: Na abordagem qualitativa os problemas
a investigar são aqueles que se enquadram nos modelos hermenêuticos,
interpretativos. Estão associados às necessidades dos grupos sociais cujos
propósitos referem-se à compreensão de determinadas situações,
normalmente sob o ponto de vista dos sujeitos ou atores envolvidos.
14.
Critérios de qualidade: Na abordagem qualitativa o critério de
qualidade centra-se fundamentalmente na credibilidade do pesquisador. Sua
capacidade e competência, mais ou menos subjetiva, em interpretar os
fenômenos que propõe investigar.
15.
Instrumentos de coleta de informações: a abordagem qualitativa
retira informações através de observações, entrevistas, registros de campo,
conversas informais, análise de documentos, de imagens, etc. São
instrumentos que normalmente possibilitam informações diversas e que
através da análise de seus conteúdos possibilitam a configuração de
categorias ou construtos que, por fim, constituem as peças que retiradas do
universo empírico, permite ao pesquisador desenhar suas conclusões.
16.
Análise das informações: nas pesquisas qualitativas, coerente com
sua filosofia de cunho hermenêutico, as análises são predominantemente
interpretativas. Exige algumas etapas diferenciadas como: redução por
análise de conteúdo, delimitação de categorias de análises, representação,
validação e interpretação dos fenômenos observados.
5. SCHAFF, I. A. B. Formação permanente e suas relações com a prática do professor de educação física na
Secretaria de Esportes, Recreação e Lazer de porto Alegre. Dissertação de mestrado. Orientador: MOLINA
NETO, V. PPGCMH – UFRGS, 2010.
19.
Finalidade da pesquisa: Como anunciei no parágrafo anterior a
abordagem mista tem como finalidade fazer convergir as abordagens
quantitativas e qualitativas com o intuito de superar as limitações de uma e
outra. A abordagem mista, como tal, assume uma perspectiva de maior
complexidade organizacional.
6. CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa. Métodos qualitativo, quantitativo e misto. (2 Ed.). Porto Alegre: Artmed-
Bookman, 2007.
7. GAYA, A. & CARDOSO, M. Os fatores motivacionais para a práticas desportiva e suas relações com o sexo,
idade e níveis de desempenho esportivo. Revista Perfil, ano2, n. 2, p. 40 a 52. 1998.
21.
Problemas que investiga: A abordagem mista pesquisa problemas
que estão intimamente relacionados com as necessidades de resolver
problemas práticos. Propor soluções úteis para problemas concretos.
22.
Critérios de qualidade: Na abordagem mista a qualidade da pesquisa
decorre de sua capacidade de propor alternativas solução de problemas
reais.
23.
Instrumentos de coleta de dados: A abordagem mista utiliza
instrumentos de acordo às necessidades do projeto. Instrumentos,
independente de terem origem em abordagem quantitativa: testes,
questionários, dados de experimentos, etc.; ou qualitativa: entrevistas,
observações; cadernos der campo, etc., podem ser utilizados.
Síntese
Neste capítulo tratei das abordagens metodológicas. Definidas como
a opção pelo tipo de instrumentos de análise e interpretação que o
pesquisador julga adequado aos seus objetivos. Considerei as três principais
abordagens metodológicas: 1. abordagem qualitativa; 2. abordagem
quantitativa e; 3. abordagem mista. Discorri sobra cada uma das abordagens
caracterizando-as através das seguintes categorias de análise: 1. natureza
da realidade; 2. finalidade da investigação; 3. natureza da relação sujeito-
objeto; 4. problemas que investiga; 5. critérios de qualidade; 6. instrumento
de coleta de dados ou informações e; 7. análise dos dados ou informações.
Por fim, apresentei exemplos de pesquisas com abordagens quantitativas,
qualitativas e mistas.
1.
Neste capítulo e no seguinte apresento os mais importantes
delineamentos para pesquisas quantitativas. Vou fazê-lo classificando-os em
dois grupos: 1. delineamentos do tipo ex post facto ou prospectivo (neste
capítulo) e 2. delineamentos do tipo experimental (nos capítulos seguintes).
2.
As pesquisas do tipo ex post facto se caracterizam, como define o
próprio nome, pela observação, enumeração, associação e ou comparação
de fatos que já ocorrem. Nas pesquisas descritivas, por exemplo: quando o
pesquisador desenha o padrão de crescimento corporal de uma população
ele apenas mede, enumera e desenha o perfil da estatura, do peso corporal,
da envergadura. Não há qualquer interferência nos fatores de crescimento.
O mesmo ocorre em pesquisas de associação, por exemplo, quando o
pesquisador pretende identificar se há correlação entre consumo de bebida
alcoólica e morte por acidentes viários. O pesquisador recorre aos registros
de trânsito, identifica as mortes por acidente, consulta o laudo do médico
legista para a ingestão de bebida alcoólica e mede para ver se há correlação
entre ambos. Em pesquisas comparativas, onde se pretende identificar
relações de causa e efeito, também é possível valer-se de pesquisa ex post
facto. Por exemplo: se o pesquisador pretende verificar se programas de
exercícios físicos sistemáticos tem efeitos sobre a autoimagem em idosos
ele pode recorrer a um grupo de idosos treinados que participam de programas
de exercícios físicos em academias, medir os níveis de auto-imagem e
3.
No segundo grupo, pesquisas do tipo experimental, situam-se os
delineamentos onde o pesquisador intervém efetivamente sobre a realidade.
Ele manipula algumas variáveis (as independentes), mede seus efeitos sobre
outras variáveis (dependentes) e ainda, controla os possíveis efeitos
indesejados provenientes de outro conjunto de variáveis que possam interferir
nos resultados de seu experimento (intervenientes). Como define Amâncio
Costa Pinto (1990), na pesquisa do tipo experimental há a observação objetiva
de fenômenos que são forçados a ocorrer numa situação controlada, em
que um ou mais fatores são manipulados, enquanto os restantes são
controlados ou mantidos sob condições constantes. Exemplo: os efeitos da
ingestão de bebidas alcoólicas na performance em testes de habilidades de
precisão. Ora, para o pesquisador concluir se a ingestão de bebida alcoólica
interfere no desempenho do testes de precisão ele necessita reunir um grupo
homogêneo de sujeitos, separá-los em dois subgrupos e: 1. ao grupo experi-
mental oferecer de forma controlada e metódica doses de bebidas alcoólicas
e medir, através de um teste padrão de precisão, os resultados desse grupo;
2. medir o desempenho no teste de padrão de precisão do subgrupo controle
(grupo que não ingeriu bebida alcoólica) e; 3. comparar os resultados no
teste de precisão entre os grupos experimental e controle; 4. todavia, para
que o experimento seja bem convincente, o pesquisador precisa controlar os
efeitos de variáveis que (não sendo a ingestão de álcool) possam interferir
no teste de precisão (estresse físico ou psicológico, falta de sono, condições
de realização dos testes, etc.). Como se pode concluir nas pesquisas do tipo
experimental a participação do pesquisador é ativa e efetiva. Ele manipula,
mede e controla as variáveis de sua pesquisa.
Pesquisa exploratória
5.
A pesquisa descritiva com delineamento exploratório caracteriza-se
como um estudo preliminar. Seu objetivo é permitir que o pesquisador se
familiarize com o fenômeno que pretende investigar. A pesquisa exploratória
pode ser realizada através de diversas técnicas, todavia, geralmente coleta
dados de um grupo pequeno de sujeitos, o que permite ao pesquisador
identificar o seu objeto de estudo com mais precisão.
Uma pesquisa exploratória, pode realizar-se através: 1. de
levantamento bibliográfico (metanálise, por exemplo); 2. através de
questionários ou entrevistas; 3. observações sistemáticas; 4. através da
aplicação de testes; 5. através da análise de imagens, etc. As pesquisas
exploratórias visam proporcionar uma visão geral de um determinado fato,
do tipo aproximativo. O objetivo desse tipo de estudo é procurar padrões,
ideias ou hipóteses. As técnicas tipicamente utilizadas para a pesquisa
exploratória são estudos de caso (quantitativos ou mistos), observações ou
análise de comportamentos ou atitudes. Exemplo: evidenciar os hábitos de
alimentação, de trabalho e lazer de uma comunidade indígena afastada dos
agregados urbanos. As pesquisas exploratórias quantitativas valem-se de
estatística descritiva, normalmente através da enumeração da prevalência
ou ocorrência de determinados fenômenos.
6.
Proponho uma analogia. Imaginem que ao entrar numa sala
desconhecida as luzes estejam apagadas e temos muito pouca visão.
1.
Outra possibilidade seria a de um modelo longitudinal misto, onde, por exemplo, eu iria a escola por quatro anos.
Deste modo e minha curva de estatura seriam compostas efetivamente pela composição de duas curvas: a
primeira com dados entre 6, 7, 8 e 9 anos, provenientes dos escolares que na primeira medida teriam 6 anos; e
a os dados entre 10,11 e 12 com escolares que na primeira coleta tinhas 10 anos. Todavia, tais modelos apresentam
muitas limitações de interpretação e de método(ver GARLIPP 2011) e são pouco recomendados.
13.
Todavia, ainda antes de realizarmos o calculo do coeficiente de
correlação podemos visualizar os dados do quadro 13.1 em forma gráfica.
O diagrama de dispersão é o gráfico adequado para representar correlações
entre variáveis.
GRÁFICO 13.1 Diagrama de dispersão entre arremessos horas de treino (eixo
vertical) e arremessos convertidos (eixo horizontal)
14.
Entretanto, para verificar adequadamente se tal correlação existe ou
não faz-se o cálculo numérico do que denominamos de coeficiente de
correlação (“r”). O coeficiente de correlação é uma medida objetiva do
grau de associação entre variáveis. Através de técnicas estatísticas (diversas)
calcula-se o coeficiente de correlação cujo resultado varia entre +1 e –1.
Os valores mais próximos de +1 ou –1 representam maior poder de
correlação. O sinal positivo significa que há uma correlação positiva ou
direta entre as variáveis. Em nosso exemplo significaria afirmar que quanto
mais horas de treino melhor o desempenho nos arremessos convertidos. O
sinal negativo significa uma correlação negativa ou inversa entre as variáveis.
Em nosso exemplo significaria que quanto mais horas de treino menor seria
desempenho nos arremessos convertidos. Por outro lado, coeficiente de
correlação próximo a zero significaria ausência de correlação entre as
variáveis.
15.
Para calcular o coeficiente de correlação dos dados expressos no
quadro e no gráfico 13.1 vamos adotar a técnica de Correlação Linear de
Pearson2. O cálculo de coeficiente de correlação de Pearson resultou em
r = 0,14 portanto, significando um coeficiente muito próximo a zero o que,
por indução nos permite concluir que a relação entre horas de treino e numero
de lances-livres convertidas não é forte. Portanto, dessa forma aceitaríamos
2.
A correlação produto-momento de Pearson é um teste paramétrico (distribuição normal) que mede a grandeza
e a significância de uma correlação entre os resultados de duas variáveis numéricas. Pode ser facilmente consultado
em livros de estatística básica e calculado através de calculadores e de softweres de estatística correntes na
Internet.
16.
Uma pergunta se torna evidente: quando devemos aceitar o rejeitar
um determinado “r”? Esta reposta depende das variáveis que estamos
investigando e de uma perspectiva teórica do pesquisador. Em alguns casos
o pesquisador poderá entender como relevante um coeficiente de correlação
moderado ou baixo, desde que haja uma conjectura teórica que justifique
sua opção. Todavia, de modo geral, pode-se adotar os seguintes critérios:
acima de 0,70 como forte correlação; entre 0,30 a 0,70 como moderada
correlação e; inferior a 0,30 como fraca correlação.
17.
Mas vamos a outro exemplo. Desta vez nosso treinador pretende
investigar se há correlação entre a capacidade de concentração e arremesso
livres convertidos. Será que maior capacidade de concentração resultam
em maior numero de arremessos convertidos?
QUADRO 13.2 Associação entre níveis de concentração e lances-livres
convertidos no basquetebol (dados fictícios)
19.
Agora calculemos através da Correlação linear momento-produto de
Pearson o coeficiente de correlação. O resultado indica: r = 0,84, Um
coeficiente próximo a +1, portanto pode-se acreditar que há uma forte
correlação positiva entre a capacidade de concentração e acertos nos
arremessos de lance-livre. O treinador poderia, por exemplo, concluir que é
mais relevante treinar a capacidade de concentração do que perder muitas
horas repetindo arremessos.
21.
Vejamos os dados no gráfico
GRÁFICO 13.3 Diagrama de dispersão entre índice de fadiga (eixo vertical) e
arremessos convertidos (eixo horizontal)
22.
Vamos calcular o coeficiente de correlação linear momento-produto
de Pearson. O resultado indica: r = –0,86. Um coeficiente próximo a –1.
Portanto, confirma-se que há uma correlação linear negativa entre índice de
fadiga e lances-livres convertidos. Os resultados sugerem ao nosso treinador
que o aumento da fadiga está associada ao aumento de lances-livres não
convertidos.
25.
Cooper identificou um elevado coeficiente de correlação entre o teste
máximo de consumo de oxigênio (padrão ouro) medido em mililitros por
quilograma de peso corporal por minuto (ml/kg.min) e a distância percorrida
medida em metros num teste de corrida de 12 minutos. O quadro 13.4
apresenta os resultados em metros de 9 sujeitos no teste de 12 minutos de
Cooper e os resultados dos mesmos sujeitos num teste direto de consumo
máximo de oxigênio medido em ml/kg.min.
QUADRO 13.4 Relação entre distância em metros percorrida em 12 minutos e
VO2Máx em ml/kg.min
26.
O gráfico 13.4 sugere a forte correlação entre as medidas do teste de
12 minutos e de consumo máximo de oxigênio r = 0,9998. Este é uma
exigência para as medidas de predição.
27.
Considerando atendido os pressupostos de forte correlação entre as
variáveis, para predizer uma variável a partir da outra, por exemplo: predizer
o consumo de oxigênio a partir da distância percorrida no teste de 12 minutos
utilizamos a seguinte equação:
y = a + b.x
28.
Poderíamos, da mesma forma, utilizar o gráfico 13.5 para predizer a
relação entre as variáveis. Vejamos um outro exemplo: vamos supor que no
teste de 12 minutos percorri a distância de 1875. Pois bem: 1. no eixo hori-
zontal localizamos o ponto equivalente a 1875 metros; 2. traçamos uma reta
vertical até a reta de regressão; 3. traçamos uma reta horizontal da reta de
regressão até o eixo vertical; 4. localizamos o ponto de intercessão entre a
reta horizontal e o eixo vertical (34 ml/kg.min). Como tal estimamos que
correr 1875 metros em 12 minutos equivale a um consumo de oxigênio de
34 ml/kg.mim.
GRÁFICO 13.5 Regressão entre consumo de oxigênio em ml/kg.min
(eixo vertical) e distância em metros percorrida em 12 minutos
Pesquisa causal
Delineamentos do tipo comparativo
30.
Os delineamentos ex post facto comparativos são similares aos
delineamentos do tipo experimental. A diferença é óbvia, nos delineamentos
ex post facto as variáveis não são manipuladas pelo pesquisador, elas já
estão presentes, preexistem na configuração do desenho metodológico.
Exemplo: Pretendo investigar se a prática sistemática de musculação tem
efeitos sobre a perda de densidade mineral óssea em mulheres pós-
menopausa. Ao optar pelo delineamento ex post facto eu poderia recorrer
a um grupo de mulheres pós-menopausa que praticam musculação
regularmente a mais de cinco anos em academias de Porto Alegre e por
densitometria óssea medir e comparar os resultados com um grupo similar
de mulheres pós-menopausa que não praticam exercícios físicos.
31.
É fato que no exemplo anterior o pesquisador busca uma relação de
causa e efeito. Ele pretende verificar se um programa regular de musculação
tem efeito sobre a densidade mineral óssea em mulheres pós-menopausa.
3.
Disponível na internet há o excelente trabalho de Lorena Vicini. VICINI, L. Análise multivariada da teoria à prática.
Monografia de Especialização. Orientador: Adriano Mendonça Souza, Santa Maria: UGSM, 2005.
32.
Alguns obstáculos relacionados aos procedimentos metodológicos são
recorrentes quando se compara os estudos ex post facto e os do tipo ex-
perimental, por exemplo: 1. a alocação dos sujeitos da pesquisa entre os
grupos (mulheres treinadas e não treinadas) não é aleatória, desta forma
não se pode assegurar a probabilidade da equivalência entre os grupos para
além do fato de serem ou não treinadas em musculação por um período de
cinco anos. Muitas variáveis intervenientes não podem ser estatisticamente
controladas; 2. Esta dificuldade tem consequências relevantes na validade
em utilizar estatística inferencial (aquela que sugere para uma população o
resultado encontrado numa amostra) tendo em vista que não sendo a alocação
aleatória não se pode assegurar que os grupos não sejam diferentes de
início pela intervenção de um conjunto de outras variáveis.
33.
Todavia, os estudos comparativos com delineamento ex post facto
são úteis e, muitas vezes, se constituem em única alternativa para o
pesquisador. É necessário, todavia, que o pesquisador adote um conjunto de
cuidados essenciais para que possa garantir o controle efetivo das variáveis
intervenientes. Vou tratar disso em detalhes adiante, no capítulo onde discorro
sobre os delineamentos semi e quase-experimentais.
34.
O delineamento comparativo substitui os delineamentos do tipo ex-
perimental, permite comparar grupos de sujeitos que diferem numa variável
já presente ou existente como por exemplo: o sexo, o nível de ansiedade, de
aptidão física, diabetes, obesidade, etc. No entanto, o problema é que os
grupos podem também diferir inicialmente em outras variáveis que possam
intervir nos resultados relativos á variável dependente.
Referências
COSTA PINTO. A. Metodologia da investigação psicológica, Porto:
Edições Jornal da Psicologia, 1990.
GARLIPP, D. Estudo descritivo dos resultados de desenhos
transversais, longitudinais e longitudinais mistos em variáveis
do crescimento somático em uma mesma população de crianças
jovens. Orientador: Adroaldo Gaya. Tese de Doutorado, PPGCMH-
UFRGS, 2011.
GAYA, A. Ciências do movimento humano. Introdução à metodologia
da pesquisa. Porto Alegre: Artmed, 2008.
VICINI, L. Análise multivariada da teoria à prática. Monografia de
Especialização. Orientador: Adriano Mendonça Souza, Santa Maria:
UFSM, 2005.
1.
Como anunciei na capítulo anterior, reúno sob a rubrica de
delineamentos metodológicos quantitativos do tipo experimental todas as
pesquisas em que o pesquisador intervém efetivamente através de
procedimentos de manipulação e controle das variáveis que investiga. Em
outras palavras, ele manipula variáveis submetendo-as, dentro de suas
possibilidades, a um rigoroso controle experimental. O pesquisador busca
identificar relações causais entre variáveis e, para isso: 1. demarca e
caracteriza com clareza e objetividade uma ou mais variáveis (variáveis
independentes) que; 2. pressupõe possam intervir noutra ou noutras variáveis
(variáveis dependentes); 3. organiza um ambiente bem controlado (controle
da variáveis intervenientes); 4. realiza seu experimento; 5. mede os efeitos
das variáveis independentes sobre as variáveis dependentes e; 6. conclui
sobre os efeitos das variáveis independentes sobre as dependentes:
2.
Vejamos: O pesquisador pretende identificar os efeitos de um
programa de exercícios aeróbios sobre a composição corporal. Propõe um
trabalho experimental com camundongos. Como tal: 1. adquire um grupo
de camundongos transgênicos (para controlar prováveis efeitos genéticos);
2. aloca-os por sorteio (para garantir a probabilidade de que os subgrupos
mantenham-se homogêneos) em dois subgrupos (experimental e controle);
3. organiza e controla o ambiente (temperatura, umidade relativa, ruído,
exposição a luminosidade, dieta, higiene, estresse....); 4. planeja um programa
de exercícios em esteira rolante (definindo a intensidade, a duração, o
intervalo, a frequência e o período de treinamento); 5. submete um subgrupo
(o grupo experimental) ao programa de treinamento aeróbio; 6. após o período
de treinamento compara a composição corporal (mede a percentagem de
Validade interna
3.
Em nosso exemplo há um rigoroso controle experimental. O
pesquisador foi cuidadoso para garantir a validade científica de seu
experimento. Ele esforçou-se para manter sob controle as possíveis variáveis
intervenientes (diferenças intergrupos; temperatura, umidade relativa, ruído,
exposição a luminosidade, dieta, higiene, estresse....). O pesquisador pretende
ter garantias de que ao encontrar diferenças entre a composição corporal
entre os grupos experimental e controle ela se deve aos efeitos do programa
de treinamento. Enfim, o pesquisador deu forte ênfase a validade interna de
seu experimento. Define-se como validade interna de uma pesquisa os
cuidados relacionados ao controle experimental que permite aceitarmos que
os efeitos identificados sobre as variáveis dependentes são causadas
principalmente pela(s) variável(eis) independente(s).
Validade externa
4.
Mas, atenção! Até que ponto ao enfatizarmos ao máximo o controle
experimental através da maximização da validade interna não estaríamos,
por outro lado, limitando a aplicação dos resultados para situações onde as
tantas variáveis intervenientes não possam ser controladas (ambiente natural
ou ecológico)? Vamos então definir a possibilidade de generalização dos
resultados para além da situação experimental controlada por validade
externa da pesquisa. Será que os resultados da pesquisa com os
camundongos transgênicos submetidos a rigoroso controle experimental no
laboratório poderiam ser generalizadas para todos os camundongos, inclusive
os que andam soltos mundo a fora, destarte sua ampla variedade de hábitos
e sua incrível capacidade de adaptação aos mais diversos ambientes? Seriam
estes resultados identificados em camundongo aplicados aos seres humanos?
6.
Antes das possíveis soluções vejamos um outro exemplo
propositadamente caricato. Nos interessa verificar se o números de pênaltis
convertidos no futebol está relacionado ao nível de fadiga muscular do atleta.
Preparamos no laboratório de pesquisa um ambiente bem controlado. Sem
ruído, com iluminação, temperatura e umidade controlada, a bola é sempre
a mesma com suas dimensões e peso constantes, os testes serão realizados
no mesmo horário, exigindo-se que os atletas estejam em repouso prévio,
todos os atletas são de alto rendimento, batedores de pênaltis e do sexo
masculino, os atletas são submetidos a procedimentos padrões controlados
para provocar a fadiga muscular... Enfim tudo foi providenciado para que
apenas a variável fadiga pudesse intervir na performance dos atletas.
Portanto, cumpriu-se um sofisticado controle experimental (validade interna).
Portanto, deste modo, parece evidente que se as cobranças de pênalti
convertidos estiveram altamente correlacionados (negativamente) com os
padrões mais elevados de fadiga se possa afirmar que a fadiga interfere no
desempenho dos atletas. Maior a fadiga menor será o desempenho. A
conclusão parece bem estabelecida. O estudo tem bom controle
experimental, tem boa validade interna.
7.
No entanto, noutro cenário, considerando uma final de Copa do Mundo
com a arena lotada, público gritando, temperatura elevada, com chuva, alto
nível de ansiedade de atletas, equipe técnica e público agitado, etc., será
que o treinador (se tivesse condições de medir a fadiga muscular) escolheria
para bater um pênalti aos 45 minutos do segundo tempo de um jogo empatado
o atleta que entre seus batedores estaria menos fadigado? Será que a variável
fadiga, neste momento, seria assim tão decisiva para o treinador realizar
sua escolha? Condições mentais, a personalidade, o medo, a confiança, por
exemplo, não seriam provavelmente variáveis mais decisivas para escolher
8.
Validade interna e validade externa um aparente paradoxo. Todavia,
compartilho com Thomas, Nelson e Silverman (2012), quando afirmam que
não podemos oferecer uma reposta definitiva a esta questão. Portanto, sugiro
que se adote uma abordagem mais realista para a tomada de decisão. Sugiro
que para adequar a validade interna e externa da pesquisa o pesquisador
leve em consideração seus objetivos específicos e, principalmente, as
implicações e alcance que ele pretende atribuir aos seus resultados. Enfim,
o que será mais importante para o pesquisador: 1. a forte validade interna
de seus resultados embora a diminuta validade ecológica ou, 2. uma validade
interna menos rigorosa com maior capacidade de aplicação dos resultados?
Creio que somente após decidir honestamente sobre seu real interesse é
que o pesquisador deve planejar definitivamente sobre o seu delineamento
de pesquisa enfatizando a validade científica através da melhor opção sobre
a relação entre validade interna e validade externa. Portanto, deixo claro
que em absoluto não devemos a priori genericamente afirmar qual a melhor
opção. Depende de nossos objetivos. Por exemplo: 1. nas pesquisas mais
focadas em conhecimentos teóricos (pesquisa básica) é evidente a opção
pela maximização da validade interna; 2. nas pesquisas mais focadas em
conhecimentos práticos (pesquisa aplicada, naturalística ou ecológica) não
é possível exigir o mesmo rigor no controle das variáveis intervenientes e,
portanto, pode-se minimizar o grau de exigência da validade interna.
9.
Como tal, as decisões sobre os delineamentos metodológicos causais
do tipo experimental podem admitir diferentes níveis de validade científica
(relação entre validade interna e externa). Os delineamentos mais rigorosos,
os delineamentos experimentais propriamente ditos, são aqueles que
priorizam a validade interna. A partir da flexibilização da validade interna a
favor da validade externa serão os delineamentos quase-experimentais e
semi ou pré-experimentais os mais viáveis.
11.
Exemplo1:
Vinte e quatro atletas de basquete foram selecionados para um
experimento cujo objetivo era verificar o efeito do barulho ambiental sobre
o desempenho no arremesso de lances-livres.
Procedimentos para Controle de Variáveis Interveniente
1. Os 24 atletas eram todos provenientes das equipes participantes
da Liga Nacional. Ora, isto representa que o pesquisador se
preocupou em assegurar uma similaridade entre os níveis técnicos
dos atletas.
2. O pesquisador por sorteio selecionou os 24 atletas do sexo
masculino entre um total de 180 atletas das equipes participantes
da liga nacional;
1.
O exemplo foi retirado e adaptado de DANCEY, C. P. & REIDY, J. Estatística sem matemática para psicologia.
Usando SPSS para Windows. (3a ed). Tradução: Lorí Viali. Porto Alegre: Armed/Bookman, 2006, p.220. (Os dados
são fictícios, portanto os resultados não podem ser assumidos como resultado oriundos de pesquisa real).
2.
Tratarei do conceito de tamanho do efeito (efect size) com mais detalhes no capítulo seguinte.
3
Aqui utilizo propositadamente o termo “significância” para não confundir com o sentido atribuído ao termo
estatisticamente “significativo” utilizado nas técnicas estísticas inferências .
4
Quando tratamos com médias, a forma usual para medir o tamanho do efeito (D) é proposta por Choen através
de dados padronizados utilizando as médias e os desvios padrão. D = Média do grupo experimental menos a Média
do grupo controle dividido pela média dos desvios padrão dos dois grupos: (D = 7,3 – 13,8 / 2,65 = 2,34). O valor
de D neste exemplo é considerado muito grande posto que para Choen acima de 0,80 já é considerado um valor
grande(ver o capítulo 17).
12.
O que pretendo sugerir a partir do exemplo é que num experimento
científico de abordagem quantitativa temos duas análises que necessitam
ser bem interpretadas. 1. A medida do efeito da(s) variável(s)
Delineamentos experimentais
(verdadeiros ou propriamente ditos)
13.
Os delineamentos do tipo experimental “verdadeiros” ou
“propriamente ditos” são aqueles em que há um rigoroso controle científico.
Maximizam-se as fontes de validade interna. Representam, digamos assim,
o padrão ouro dos desenhos ou delineamentos experimentais. Entretanto,
esses delineamentos exigem alguns procedimentos: 1. que a amostra seja
do tipo aleatória (trato disso no capítulo 17); 2. que a distribuição dos sujeitos
da amostra pelos grupos (experimental e controle), também cumpram o
critério da aleatoriedade e; (3) que haja necessariamente um grupo controle.
14.
A seleção aleatória da amostra é relevante pois, como veremos em
detalhes no capítulo 17, ela garante estatisticamente (pela teoria das
probabilidades) que a amostra tenha grande chance de bem representar a
população de origem. Sugere o pressuposto de que a amostra é representativa
da população e que, portanto, os resultados provenientes das amostras sejam
generalizadas para a população. Trata-se portanto de garantir, sobre certos
limites de probabilidade, a generalização dos resultados da amostra para a
população.
16.
A presença do grupo controle selecionado aleatoriamente é um
procedimento eficaz para controlar fontes de risco à validade interna da
pesquisa. O grupo controle, sendo similar ao grupo experimental antes do
experimento garante que as prováveis diferenças obtidas durante o
experimento não sejam provenientes de acontecimentos ocorridos durante
os períodos de coleta de dados. Por exemplo, não se pode atribuir as prováveis
diferenças entre os grupos experimental e controle ao aumento da idade,
maior nível de fadiga, trocas de instrumentos de medida, experiência prévia,
maior carga de treinamento, etc.
18.
Vamos sofisticar um pouco mais nosso exemplo. Vamos colocar mais
um grupo controle. Vamos supor a possibilidade de que ao ingerir a cafeína
os atletas fiquem mais motivados e, desta forma, poderiam correr mais
rápido. Para controlar os efeitos da motivação (variável interveniente) vamos
formar mais um grupo (também com distribuição aleatória). Um grupo ao
qual seria sugerido que ingerisse uma substância inócua, mas que, para
todos os efeitos, fosse percebida pelos atletas como cafeína. Um placebo5.
O desenho ficaria assim:
Exemplo:
Placebo é como se denomina um fármaco ou procedimento inerte, e que pode apresentar efeitos terapêuticos
5.
devido aos efeitos psicológicos da crença do paciente de que está a ser tratado.
21.
Nos exemplos anteriores, quando comparamos a performance na
prova de 100 metros rasos com e sem ingestão de cafeína, comparamos
dois grupos distintos de diferentes atletas. No delineamento intrasujeitos
utilizaríamos o mesmo grupo de atletas nas duas situações experimentais
(sem medicamento e com ingestão de cafeína). A vantagem desse
delineamento é a de assegurar a igualdade das características do sujeito
entre todos os tratamentos ou condições experimentais. Nestes casos, como
os sujeitos são os mesmos, evidentemente, não haveria variações (diferenças)
entre as características dos sujeitos do grupo experimental e controle. Seria
uma forma de bem controlar os efeitos da maturação, do histórico ou
qualquer outro fenômeno relacionado aos sujeitos da pesquisa.
22.
Todavia, o delineamento intrasujeitos pode propiciar alguns problemas.
Em nosso exemplo poderíamos conjeturar que a ordem dos testes (sem
medicamento e com cafeína ou vice-versa) pudesse alterar os tempos de
percurso (caso fossem realizados no mesmo dia a fadiga ou a própria
adaptação ao esforço poderia influenciar no tempo dos percursos em cada
teste). Cabe salientar, no entanto, que na maioria do casos podemos recorrer
a alternativas e estratégias metodológicas passíveis de solucionar essas e
outras prováveis limitações deste modelo.
23.
Nos delineamentos intrasujeitos as técnicas estatísticas são distintas
dos delineamentos intersujeitos (grupos independentes). Como não há
variação entre os sujeitos que compõe as duas condições experimentais,
Delineamentos fatoriais
24.
Os delineamentos fatoriais são aqueles em que o pesquisador manipula
duas ou mais variáveis independentes, cada uma delas com dois ou mais
níveis de tratamento.
Exemplo: Verificar os efeitos da ordem do treinamento concorrente
(força-aeróbio e aeróbio-força) e do sexo sobre a força máxima. A variável
ou fator treinamento concorrente supõe dois níveis: 1. força-aeróbio e 2.
aeróbio-força. A variável ou fator sexo, evidentemente, também dois níveis:
1. masculino e 2. feminino. Neste caso estamos frente a um desenho fatorial
2x26 que exige a formação de quatro grupos de sujeitos conforme a tabela
seguinte:
6.
As combinações entre fatores e níveis podem ser muitas. 2X3; 3X2X2; 3X2X4 etc.
25.
Para determinar se há interações entre duas ou mais variáveis
independentes utiliza-se a ANOVA (análise de variância). A ANOVA permite
obter informações sobre a significação estatística das interações.
7.
No exemplo que apresento no texto sugeri o conjunto de todas as possibilidades de combinação entre as
variáveis e seus níveis. Evidentemente, que caberá ao pesquisador propor as combinações que entender relevante
a partir de suas hipóteses orientadoras.
27.
É importante ressaltar que em pesquisas com seres humanos em
ambientes naturais (doentes num hospital, um equipe esportiva, pacientes
de um consultório, alunos de uma escola, usuários de uma academia...)
nem sempre é possível atender elevados níveis de controle experimental.
Devemos considerar que: 1. nem sempre poderemos ter uma amostra
selecionada por sorteio; 2. em alguns casos, sequer poderemos distribuir os
sujeitos da amostra aos grupos experimental e controle por procedimento
aleatório; (3) nem sempre poderemos submeter os sujeitos da pesquisa a
rigoroso controle sobre seus comportamentos seus hábitos e atitudes; etc.;
(3) nem sempre poderemos ter algum controle sobre o ambiente onde ocorre
o experimento. Portanto, nestes casos vamos utilizar delineamentos do tipo
experimental menos exigentes, principalmente sobre os aspectos da validade
interna. Estes desenhos são denominados de métodos quase-experimentais
8.
Nas áreas clínicas é muito utilizado a terminologia método ou ensaio clínico (ensaio clínico randomizado,
delineamento não randomizados intergrupos e intragrpos, etc.). Todavia, afirmo que, embora suas especificidades
no âmbito das pesquisas médicas, tais modelos se caracterizam efetivamente como delineamentos quase-
experimentais. Sobre pesquisa clínica sugiro a consulta do excelente livro de STEPHAN, B HULLEY et al. Pesquisa
clínica. Uma abordagem epidemiológica. (3a Ed.). Tradução de Michael Ducan. Porto Alegre:Artmed. 2008.
29.
Delineamento apenas com pós-teste com grupo controle não
equivalente: O desenho é semelhante a delineamento experimental
anunciado no parágrafo 16. Todavia, os grupos não são compostos por
distribuição aleatória dos sujeitos.
Exemplo: Vamos investigar os efeitos de um novo programa de
ensino sobre a aprendizagem de língua estrangeira em adolescente de uma
determinada escola. O professor da turma “A” aplica o novo programa de
ensino. Ao final do semestre vamos comparar os resultados de proficiência
em língua estrangeira da turma “A” com alunos da turma “B” cujo professor
não utilizou o novo método.
Este delineamento quase-experimental é menos rigoroso que o
anterior, tendo em vista que a ausência do pré-teste não permite o controle
dos níveis iniciais de proficiência em língua estrangeira presente nos dois
grupos antes das intervenções pedagógicas.
31.
Não obstante, em muitas situações não é possível fazer seleção de
amostras ou alocação de sujeitos aos grupos de pesquisa por procedimentos
aleatórios. Por exemplo: em pesquisas pedagógicas com alunos de uma
escola frequentemente não encontraremos turmas de alunos constituídas
por procedimentos aleatórios. Como vimos ao longo deste capítulo nestes
casos adotamos os delineamentos quase-experimentais.
32.
Todavia, os delineamentos quase-experimentais recorrentemente
enfrentam críticas exatamente por não considerarem a aleatorização dos
Para este tema recomendo a leitura do excelente livro Delineando Pesquisa Clínica. Uma abordagem
9.
33.
As principais estratégias de ajustamento das amostras não aleatórias
(em estudos quase- experimentais) são: 1. pareamento ou emparelhamento;
2.; covariância10 ou ajuste estatístico e; (3) pareamento por escores de
propensão.
34.
No ajustamento por pareamento ou emparelhamento o
pesquisador organiza pares homogêneos distribuídos entre o grupo
experimental e o controle. Deste modo cada sujeito tem seu próprio controle
cujas as características no que se refere as variáveis intervenientes são
similares.
Exemplo 1: “de um pareamanto radical”
Vamos supor que trata-se de medir a durabilidade de dois modelos
de calçado esportivo para atletas de corrida de fundo. Temos duas marcas
de tênis: marca azul e marca vermelha. Uma forma efetiva e “radical” de
pareamento seria selecionar um conjunto de maratonistas e calça-los com
um tênis de cada marca. Provavelmente não ficaria muito elegante correr
com um tênis azul e outro vermelho, mas que o delineamento é eficaz não
resta dúvida.
Exemplo 2:
Queremos controlar o efeito de duas dietas alimentares para
diabéticos. Dieta da lua e dieta do sol. Vamos considerar como variáveis
intervenientes: a idade; o sexo e o tempo da doença. Neste caso portanto,
para cada indivíduo da dieta da lua haverá um indivíduo com idade, sexo e
Ver. GAYA, A. Ciências do movimento humano. Introdução à metodologia da pesquisa. Porto Alegre:Artmed,
10.
35.
Como referi noutro livro11, o pareamento ou emparelhamento é uma
estratégia de ajuste de grupos amostrais que manifesta inconvenientes de
difícil superação. Se, por exemplo, identificarmos um conjunto grande de
variáveis intervenientes, evidentemente as formas de combinação seriam
muitas e, por consequência, as dificuldades de formar os pares seriam
imensas. Por outro lado, essa dificuldade de formar os pares resultaria numa
amostra de pequena dimensão. Outro aspecto importante a considerar é
que se temos em nosso grupo de diabéticos um sujeito para o qual não
encontramos seu par ele será impedido de participar do projeto. Da mesma
forma, se ao longo da pesquisa alguém abandonar o programa, seremos
obrigados a excluir o seu parceiro.
36.
Covariância ou ajuste estatístico. A Análise de Covariância
(ANCOVA) é uma combinação entre a Análise de Regressão e a Análise
de Variância (ANOVA)12 que ajusta estatisticamente a variável dependente
para algumas variáveis intervenientes com as quais se correlaciona
estatisticamente (covariáveis13).
Exemplo:
Para verificar o efeito de um programa de reforço escolar sobre a
proficiência na leitura em crianças, o pesquisador selecionou duas turmas
de uma escola. Turmas “A” e “B”. Por sorteio definiu que a turma “B”
seria a que receberia o reforço escolar (grupo experimental) e a turma “A”
11.
GAYA, A. 2008, Op. Cit.
12.
Cf. THOMAS,J;R.; NELSON, J.K & SILVERMAN, S.J. Métodos de pesquisa em atividade física. (6a Ed.). Tradução:
Ricardo Petersen. Porto Alegre:Artmed, 2012.
13.
Cf. KERLINGER, F. N. Investigación del comportamiento. Técnicas y metodología (2a ed), Tradução de José Rafael
blengio e José Carmem Pecina. México:Interamericana, 1975, p.261.
onde:
y = nota ajustada no teste de leitura (variável que se quer estimar)
a = parâmetro ou coeficiente linear (valor da nota ajustada de leitura
quando o QI = 0)
b = parâmetro ou coeficiente angular da reta de regressão (inclinação
da reta)
x = QI do estudante
37.
Uma das vantagens da análise de covariância é sua capacidade de
controlar estatisticamente a influência de variáveis intervenientes sem a
necessidade de estratégias de paramento a priori. Atualmente com a
38.
Não obstante, a MANCOVA pode apresentar duas principais
desvantagens14: 1. Os resultados podem induzir a erros caso o pesquisador
não atenda os pressupostos de aplicação o modelo. Por exemplo: ele deve
observar se a regressão é linear, se as variáveis intervenientes se
correlacionam com a variável dependente. Não satisfeitas essas exigências
o modelo pode sugerir resultados indevidos. 2. Os resultados da estatística
podem ser de difícil compreensão intuitiva quando um modelo não tem bom
ajuste e se faz necessário transformações (por exemplo, elevar os valores
de alguma variável ao quadrado) ou incluir termos de interação (quando há
efeito de uma variável interveniente sobre outra. (Ver delineamento fatorial
nos parágrafos 23 e ss).
40.
Os pacotes estatísticos tais como o IBM-SPSS, SAS, State, R,
realizam a estimativa do escore de propensão, todavia para os procedimentos
de pareamento (pelo método de escore de propensão) são necessários rotinas
14.
Cf. HULLEY et al. Op. Cit., p. 157.
15.
Os escores de propensão podem ser usados para fazer o pareamento no softwere SAS em duas etapas. 1.
estimando o escore de propensão e; 2. em seguida fazendo o pareamento pelo modelo logístico utilizando os
procedimentos PROC LOGISTIC ou PROC GENMODE. Cf. SOUZA, M.C.S.C. Escores de propensão: aplicação à
epidemiologia. TCC de graduação, Bacharelado em Estatística. Orientador Álvaro Vigo. UFRGS. 2010. In.
lume.ufrgs.br
16.
Pareamento pelo valor mais próximo com escores de propensão estimados ou “Nearest available
matching on the estimated propensity score”.
17.
Exemplo retirado e adaptado de DANCEY, P. C. & REIDY, J. Estatísitca sem matemática para psicologia. Usando
SPSS para windows. (3a Ed.). Tradução: Lorí Viali. Porto Alegre: Artmed, 2006.
41.
A utilização do escore de propensão apresenta a vantagem de poder
controlar múltiplas variáveis intervenientes (confundidoras ou covariáveis)
simultaneamente. Todavia, os procedimentos podem ser de difícil
compreensão e exigem rotinas estatísticas sofisticadas, além de rotinas
especiais para o pareamento dos sujeitos entre os grupos experimental e
controle.
43.
Evidentemente, nestes casos os delineamentos tornam-se muito
limitados. Sua validade científica diminui sensivelmente. Os delineamentos
semi ou pré experimental exigem que o pesquisador possa suprir as
limitações empíricas (falta de dados objetivos) por argumentos teóricos
(informações subjetivas) o que não é nada fácil. Todavia, destarte sua
44.
Como tal, os delineamentos pré ou semi-experimentais devem ser
utilizados com muita parcimônia. Devem limitar-se a estudos exploratórios,
a sugerir hipóteses e conjeturas, portanto, sem a pretensão de grandes
voos. Sem a pretensão de inferir conclusões e teorias com validade além do
que o modelo lhe permite suportar.
46.
Delineamento com um grupo não equivalente: permite comparar
um grupo que foi submetido a uma intervenção experimental com outro
grupo, não equivalente, que não foi submetido a intervenção.
Exemplo: Verificar os efeitos de um programa de educação física
para a promoção da saúde sobre os hábitos de vida em escolares.
48.
Para uma análise estatística dos delineamentos de séries temporais
faz-se necessário técnicas sofisticadas que vão além das convencionais. A
técnica estatística apropriada é a “ARIMA” (Autoregressive integrated
moving average ou modelo auto-regressivo integrado de médias móveis),
também conhecida como modelo de Box-Jenkins18 por ter sido concebida
pelos estatísticos George Box e Gwilym Jenkis em 1976.
Síntese
Neste capítulo sobre delineamentos do tipo experimental tratei de
apresentar diferenças entre os modelos experimentais verdadeiros; modelos
quase-experimentais e modelos semi ou pré-experimentais. Tais
delineamentos foram caracterizados pelos conceitos de validade interna e
validade externa discutidos em detalhes e com exemplos esclarecedores.
Discorri sobre as principais fontes de risco da validade interna e externa de
um experimento quantitativo. Discorri e apresentei exemplos de modelos
de estudos tipicamente experimentais, quase-experimentais e semi ou pré
experimentais. Considerando que o principal objetivo deste livro de iniciação
científica é insistir com a necessidade dos estudantes entender a lógica dos
procedimentos científicos, antes mesmo de obter o domínio sobre as
18.
Assim é denominada no IBM-SPSS
Referências
CAMPBELL, D. & STANLEY, J. Diseños experimentales y
cuasiexperimentales em la investigación social.Traduação: Maurício
Kitaigorodzki. Buenos Aires: Amorrortu, 2001.
DANCEY, C. P. & REIDY, J. Estatística sem matemática para
psicologia. Usando SPSS para Windows. (3a ed). Tradução: Lorí Viali.
Porto Alegre: Armed/Bookman, 2006.
GAYA, A. Ciências do movimento humano. Introdução à metodologia
da pesquisa. Porto Alegre : Artmed, 2008.
HULlEY, S; CUMMINGS. S; BROWNER, W; GRADY, D. & NEWMAN,
T. Pesquisa clínica. Uma abordagem epidemiológica. (3a Ed.). Tradução
de Michael Ducan. Porto Alegre : Artmed. 2008.
KERLINGER, F. N. Investigación del comportamiento. Técnicas y
metodología (2a ed), Tradução de José Rafael Blengio e José Carmem
Pecina. México:Interamericana, 1975.
SOUZA, M.C.S.C. Escores de propensão: aplicação à epidemiologia.
TCC de graduação, Bacharelado em Estatística. Orientador Álvaro Vigo.
UFRGS. 2010. In. lume.ufrgs.br
THOMAS, R; NELSON, J et SILVERMAN, S. Métodos de pesquisa
em atividade física. Trad. Ricardo Petersen. Porto Alegre : Artmed,
2012.
1.
Neste capítulo vou discorrer sobre os principais delineamentos
metodológicos para pesquisas com abordagem qualitativa. Vou caracterizar
em linhas gerais: a etnografia; o estudo de caso e a pesquisa-ação.
A Etnografia
2.
Foram principalmente: 1. o interesse dos antropólogos em registrar
os hábitos de vida e a cultura dos povos submetidos a colonização europeia
nos finais do século XIX e início do século XX e; 2. e as pesquisas de
Kaspar Bronislaw Malinowski os fatores que deram origem a moderna
etnografia.
3.
Antropólogos, principalmente ingleses, preocupavam-se em preservar
a memória cultural dos povos “primitivos” antes que os efeitos da colonização
europeia os destruísse significativamente. A Antropologia do século XIX se
pretendia histórica. Queria reconstituir a história dos povos humanos para
explicar como alguns deles tinham chegado ao “estado de civilização” e
muitos outros permaneciam em “estágios” anteriores de “selvageria” ou
“barbárie”.
4.
O material empírico sobre os quais escreviam tais antropólogos eram
provenientes da leitura de relatos de viajantes, expedições científicas,
missionários ou informes das oficinas coloniais, material que se tornou
bastante volumoso no século XIX. Esses antropólogos trabalhavam em seus
gabinetes, lendo esse material, deduzindo e especulando.
5.
O panorama começa a mudar quando, no final do século XIX, os
antropólogos passam a integrar as expedições científicas que se tornaram
frequentes na segunda metade desse século. Pela primeira vez, eles veem
os “índios”, por pouco tempo, nas paradas rápidas das expedições,
embora não pudessem falar com eles devido ao desconhecimento das
línguas nativas3.
6.
Neste contexto das observações in loco é que se destaca os trabalhos
de campo de Bronislaw Malinowsky. Inicialmente, esteve entre aborígenes
da Austrália. Fez sua tese de doutorado em 1913: “A Família entre os
aborígenes australianos”. Posteriormente retorna a Austrália em 1915 para
escrever sobre o Povo Mailu. Quando pretende retornar a Londres vê-se
impedido de fazê-lo. Eclode a I Grande Guerra, e a perseguição aos poloneses
constituía-se num risco iminente à Malinowski. Por intermédio de um amigo,
pesquisador, professor C.G. Seligman, Malinowski embarca em julho de
1915 para a Guiné Bissau e vai viver junto aos habitantes do arquipélago
Trobriand4 até maio de 1916, retornando em 1917 e permanecendo até
1918.
1.
Perguntando certa vez se ela tinha visto um índio, James Frazer, o especialista em religião e magia nos ditos
povos primitivos, respondeu: “Deus que me livre!”.
2.
Conforme: URPI MONTOYA URIARTE http://www.pontourbe.net/edicao11-artigos/248-o-que-e-fazer-
etnografia-para-os-antropologos. <acesso em 19/12/2013>
3.
URIARTE, idem, ibidem.
4.
As Ilhas Trobriand são atóis coralinos que formam um arquipélago de aproximadamente 440 km² ao longo
da costa oriental da Nova Guiné.
8.
Convivendo com seus anfitriões Malinowski inicialmente manifesta
sua inquietação com os nativos assinalando enormes dificuldades em se
relacionar. Revela momentos de severa angústia, desejos lascivos e sérias
preocupações com as doenças5. Todavia, paulatinamente passa a compartilhar
dos hábitos dos povos Trobriand e dedica-se a pesquisar sobre o KULA. O
Kula é um sistema comercial muito alargado e complexo que atingia regiões
próximas e longínquas do extremo ocidental da Nova Guiné. O Kula estava
diretamente relacionado, segundo Malinowski, as principais motivações, as
ideias, os desejos e ambições desses povos. Era um sistema de trocas
circulares e místico que influenciam fortemente a vida dos nativos da Nova
Guiné, um povo formado por marinheiros corajosos, artesãos habilidosos e
negociantes argutos6.
9.
Nestas condições o pesquisador percebeu de forma radical a
necessidade de interpretar os hábitos de vida, os costumes, os ritos, mitos e
valores na lógica interna da própria cultura local. Em outras palavras, ficou
explícito para Malinowski que, de fato, uma coisa é descrever e interpretar
na ótica do colonizado, outra, bem diferente, é interpretar na lógica dos
próprios atores sociais.
5.
Cf. Relato de Malinowsky em seu primeiro diário publicado postumamente em 1967 com autorização de sua
esposa. Este relato provavelmente não fora escrito para publicação.
6.
MALINOVSKI, B. Argonautas do Pacífico Ocidental. Um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos
arquipélagos da Nova Guiné Melanésia. In. Os Pensadores. Vol. XLIII, 1991.
10.
Malinowski marcou um nova forma de abordar o estudo da
antropologia cultural. A partir dele, o meio efetivo para interpretar a forma
de vida de uma comunidade passou a exigir que o pesquisador possa “viver”
7.
MALINOVSKI, B. Argonautas do Pacífico Ocidental. Idem.
11.
Para além da antropologia cultural, a sociologia nos anos 1920 e 19309
através da Escola de Chicago também assume a etnografia para interpretar
o estilo de vida de grupos especiais. Grupos de jovens, as “gangues” de
bairro e os imigrantes no contexto urbano passam a ser estudados a partir
da etnografia. Nos anos 1950, o enfoque da antropologia cultural se alarga.
Utiliza-se a etnografia para investigar a cultura nos ambientes escolares.
Pesquisadores como Kimball e Spindler, sugerem a antropologia educativa,
cujo o objetivo é o de investigar a influência da cultura na educação. Já, a
partir dos anos 1970, a antropologia educativa diversifica seu objeto de
estudo e passa estudar outros aspectos tais como a linguagem, os sistemas
simbólicos, os sistemas conceituais e os sistemas de avaliação.
12.
Enfim, o objetivo principal da etnografia é o estudo da cultura em si
mesma, quer dizer, delimitar numa unidade social particular, quais são os
componentes culturais e suas interrelações de modo que seja possível fazer
inferências sobre ela. Portanto, quando fazemos etnografia de uma
determinada unidade social, estamos tentando construir um esquema teórico
que recolha e responda o mais fidedignamente possível as percepções, ações
e normas de juízo dessa unidade social.
A etnografia, portanto consiste num método de
investigação pelo qual se aprende o modo de vida de
uma unidade social concreta. Através da etnografia se
persegue a descrição ou reconstrução analítica de
caráter interpretativo da cultura, formas de vida e
estrutura social do grupo investigado (GÓMEZ et al.
1996, p.44)10.
8.
ARNAL, J.; RINCÓN,D.: LATORRE, A. Metodologías de Investigación Educativa. Parte II . Barcelona: Univ. Barcelona,
1991, p.159.
9.
Cf. ARNAL et al., id,ibid.
10.
GÖMEZ, G.R.; FLORES, J.G.; JIMÉNEZ, E.G. Metodología de la investigación cualitativa. Archidona: ALJIBE,
1996
14.
Malinowsky em Argonautas do Pacífico Ocidental, sugere os três
vértices do triângulo que compõe os procedimentos (de triangulação) para
a coleta de informações nos delineamentos etnográficos: 1. o arcabouço da
constituição da sociedade; 2. os imponderáveis da vida real e; 3. o espírito
nativo.
11.
MALINOWSKI, idem.
Os imponderáveis da vida
16.
Existem vários fenômenos de grande importância que não podem
ser recolhidos através de questionários ou da análise de documentos, têm
de ser observados em pleno funcionamento. Após ter desenhado o
arcabouço da constituição da sociedade, cabe portanto investigar como na
vida real os sujeitos lidam com tais normas. São comportamentos cotidianos
como as formas de relacionamento, as práticas corporais de lazer e laborais,
as posturas corporais, as formas de comunicação. Para a descrição dos
imponderáveis da vida o etnógrafo utiliza a observação participante. Tal
procedimento exige, portanto, a observação atenta do pesquisador no interior
do contexto social com o qual interage. É importante percebermos que os
fatos imponderáveis da vida real fazem parte da verdadeira substância do
tecido social, que são eles que tecem os inúmeros fios que mantêm a coesão
comunitária. Como afirma Malinowsky, se o etnógrafo quer fazer chegar a
vida real dessa comunidade até aos seus leitores, não deve, sob qualquer
pretexto negligenciar estes fatos.
Exemplo: Em nosso estudo etnográfico na escola, providos de um
caderno de campo, câmaras fotográficas ou filmadoras, hoje facilmente
disponíveis em nossos smartphones, devemos registrar as atitudes,
comportamentos e as relações formais e informais entre os atores sociais.
Nos espaços de trabalho, de lazer, nas reuniões; em situações de conflito ou
de cooperação.
12.
Idem.
13.
VÍCTORA et al., id. ibid.,p.55
14.
SERGIO BRITO. Enquanto houver sol. Música gravada pelos Titãs, 2003.
21.
Acesso ao cenário da investigação: importante etapa do qual
depende o sucesso de nossa investigação. Um ou dois passos sobre terreno
“proibido” e lá se vai a confiança dos nossos informantes. Um ou dois
passos em terreno “proibido” poderá fechar alguns caminhos que seriam
importantes percorrer. Um ou dois passo precipitados podem nos transformar
em estranhos a quem, por exemplo, não se deve confiar informações
relevantes. Ter acesso ao cenário exige que tenhamos sensibilidade, tato e
atitude “diplomática”. A preocupação inicial em despertar o sentimento de
aceitação ou rejeição em nossa população alvo, nos desperta receio e se
constitui num momento preocupante.
22.
Daí a importância de insistirmos com algumas recomendações mais
efetivas. 1. Ao nos apresentarmos devemos anunciar com clareza nossos
objetivos. 2. Devemos informar sobre os benefícios que os participantes
poderão auferir de nosso projeto. 3. Devemos solicitar (com devida
humildade) a colaboração dos atores sociais para que possamos realmente
interagir com a coletividade.
23.
Nesta primeira fase que normalmente é bem difícil, é interessante
realizarmos uma análise exploratória de modo que nossas primeiras
informações sirvam para a constituição de um quadro provisório, mais ou
menos, fidedigno que possa subsidiar nossos primeiros passos. É necessário
24.
Seleção dos sujeitos ou informantes: É importante que possamos
manter elevado grau de relações interpessoais com os participantes do
estudo. Erickson (1986)15 sugere que talvez uma das formas mais adequadas
para manter uma excelente relação com os informantes chaves seja
envolvendo-os efetivamente no processo de pesquisa.
25.
Nas pesquisas etnográficas a escolha dos sujeitos é intencional.
Escolhemos os sujeitos que são capazes de nos fornecer as informações
com maior rigor. São os sujeitos chaves. Aqueles que manifestam uma
maior capacidade de compreensão sobre as situações que ocorrem no
cenário da pesquisa. Eles detêm conhecimentos, capacidade comunicativa,
experiências e vivências. Normalmente são reconhecidos pelos demais
membros da comunidade. Da mesma forma, os informantes chaves podem
nos auxiliar a ultrapassar barreiras que, por ventura, surjam em nosso
caminho, podem, por exemplo, facilitar o caminho a informantes de mais
difícil acesso.
26.
Não obstante, é de ressaltar que ao recorrermos aos informantes
chaves corremos alguns riscos. Isto porque, suas perspectivas de análise e
suas opiniões podem estar distorcidas devido a seu quadro de valores e
15
Apud Arnal et al. op. cit., p.165.
27.
Coleta de informações: a coleta de informações dá-se pelo
processo de triangulação. Observações participativas, consulta a
documentos, entrevistas, relatos e depoimentos formam os “dados” que ao
serem adequadamente tratados constituem o modelo empírico a ser
interpretado. Todavia, sabemos que nos modelos predominantemente
qualitativos a subjetividade esta muito presente. Está presente nos
depoimentos dos sujeitos, nas observações e interpretações do pesquisador.
Portanto, nestas condições muito do rigor da investigação radica da atuação
do próprio pesquisador. Radica mais do pesquisador do que propriamente
dos instrumentos de coleta de informações. Daí a relevância que em nossos
estudos etnográficos tenhamos a necessidade de diferenciar claramente o
que sejam descrições, interpretações e juízos de valor.
28.
Ainda, seria muito importante, que os documentos fossem
sistematicamente submetidos a um feedback por partes dos sujeitos da
pesquisa, evitando assim distorções de informações. Se por um lado a
flexibilidade da etnografia e dos métodos qualitativos em geral, nos permitem
avançar significativamente na interpretações dos fenômenos culturais e
sociais, por outro lado, não podemos esquecer que a subjetividade esta muito
presente e, portanto cabe ao pesquisador ter cuidado para não transformar
sua pesquisa num relato de suas expectativas pessoais.
Estudo de Caso
29.
O Estudo de Caso é um delineamento muito similar a etnografia.
Compartilha os mesmos princípios epistemológicos e metodológicos. O
estudo de caso pressupõe que o pesquisador esteja pessoalmente implicado
num estudo aprofundado de casos particulares.
Principais características
30.
Talvez possamos afirmar que a mais importante característica do
estudo de caso é sua capacidade de gerar hipóteses. Quando investigamos
um caso torna-se pouco fiável generalizar seus resultados. Não obstante,
tais resultados podem configurar-se como excelentes hipóteses de pesquisa
para estudos populacionais à posteriori. Cito dois exemplos: 1. Jean Piaget,
desenvolveu sua epistemologia genética, inicialmente observando seus filhos.
Através dessas observações sugeriu hipóteses. Posteriormente, tais
hipóteses foram testadas em várias e diversas situações, em vários locais
do mundo, por vários pesquisadores, em várias disciplinas e, assim, a hipótese
generalizou-se a ponto de tornar-se numa das principais e mais bem
sucedidas teorias de desenvolvimento cognitivo. 2. Sigmund Freud. Quem
não ouviu falar da psicanálise? No entanto, nasceu a partir dos estudos
clínicos de Freud. O famoso caso Anna Ó, um estudo de caso. Mas a
hipótese de Freud, tal como a de Piaget, passou por inúmeros testes e,
assim generalizou-se como uma das teorias mais revolucionárias da história
da medicina e das ciência.
32.
Como já salientamos anteriormente o estudo de caso(s) caracteriza-
se como uma investigação intensiva que se empenha em atingir a
compreensão da singularidade de um fenômeno. O estudo de caso(s)
mergulha na realidade mediante uma análise detalhada de seus elementos e
da interação que se produz entre eles e seu contexto, para chegar mediante
um processo de síntese e a procura do significado e a tomada de decisão
sobre o caso16. O estudo detalhado permite esclarecer relações, desvelar
os processos críticos subjacentes e identificar fenômenos comuns.
33.
O estudo de caso(s), embora seja considerado normalmente como
uma técnica de pesquisa no âmbito dos métodos qualitativos, não descarta,
em hipótese alguma, a possibilidade de abordar aspetos quantitativos. Nas
ciências do esporte, cada vez mais, os pesquisadores tem lançado mão
desta técnica, principalmente em estudos com atletas de alto rendimento e
com talentos esportivos na ótica da biomecânica, da cinesiologia, da psicologia
e do treinamento esportivo.
16.
Cf. Arnal, et al. op. cit., p.170.
35.
2. Delimitação dos objetivos: O que referimos em relação a
escolha do tema é, evidentemente, válido para a delimitação dos objetivos
em estudo de caso(s). No estudo de caso(s) sugerimos de início a
formulação de objetivos gerais. Objetivos que possibilitem ao pesquisador ir
aos poucos mapeando em mais detalhes seu campo de estudo. Conhecendo
e interpretando paulatinamente o conjunto de sinais oriundos de seu objeto
de estudo o pesquisador poderá ao longo do trabalho ir formulando um
conjunto de objetivos específicos mais precisos e adequados às necessidades
de sua investigação. Saliento que no estudo de caso(s) muitos construtos ou
variáveis podem surgir ao longo da pesquisa, assim como outras variáveis
ou construtos podem perder sua relevância e serem descartadas. Assim
sendo, estas novas possibilidades podem alterar o rumo da investigação
inicialmente previsto e, como tal, exigir a formulação de outros ou, até mesmo,
de um novo conjunto de objetivos. Entretanto, deixemos claro que ao
considerarmos a flexibilidade metodológica do estudo de caso(s), nada
justifica iniciarmos uma pesquisa sem definirmos com clareza os objetivos
gerais que queremos atingir. Uma pesquisa científica não é um
empreendimento espontâneo, exige um projeto. Um projeto bem constituído.
Um projeto passível de ser avaliado por pesquisadores e julgado sobre sua
possibilidade de execução, relevância e pressupostos éticos.
36.
3. Estratégias e instrumentos de coleta de informações:
Embora no estudo de caso(s) utilizamos com frequência a observação, a
entrevista e depoimentos, devemos salientar que qualquer técnica pode ser
38.
Os estudos de caso nas áreas biológicas, da saúde e do treinamento
esportivo são relevantes. Permitem investigarmos situações inusitadas ou
muito pouco frequentes. Excelentes exemplos de estudos de caso podemos
encontrar nos trabalhos de neurofisiologia de António Damásio) e sua equipe
nas investigações sobre emoções, sentimentos e consciência (1994, 2000 e
2010). Os pesquisadores na área do esporte, muitas vezes valem-se de
estudo de caso para investigar as necessidades individuais de um determinado
atleta de alto rendimento que necessita aperfeiçoar algum detalhe de sua
técnica visando melhorar seu desempenho. Professores de educação física,
39.
2. Estudo de caso institucional: Diferentemente do estudo de caso
único que acabamos de descrever, o estudo de caso institucional não trata
de um só sujeito. O estudo de caso institucional trata de uma organização
em particular durante um determinado período de tempo. Podemos investigar
um clube esportivo, uma academia de ginástica, uma escola, etc. De fato,
podemos pretender desvelar sua história, sua organização interna, seu
gerenciamento, as relações interpessoais.
40.
3. Estudo de caso comunitário, também citadas como micro ou
minietnografia, são investigações similares ao estudo de caso institucional,
todavia, nesta perspectiva vamos investigar uma determinada comunidade
de sujeitos. Por exemplo: Os hábitos de lazer de jovens de um determinada
comunidade religiosa. Os sentido atribuído às praticas esportivas numa
comunidade indígena. Evidentemente, no estudo de caso comunitário o foco
principal da pesquisa é o imaginário social, diferente do estudo institucional
que assume uma característica mais operacional e de resolução de problemas.
41.
4. Estudo de caso situacional: Trata de investigar um situação
impar. Descreve e interpreta um dado acontecimento, um evento particular.
Por exemplo: A transferência de clube de um atleta famosos: como
interpretam, como reagem e como se comportam os torcedores, os
dirigentes, a imprensa, os atletas. Enfim, trata de investigar um fenômeno
social no âmbito de um evento culturalmente relevante e, mais ou menos,
específico.
42.
5. Estudo de casos múltiplos: caracteriza-se pela análise
sistematizada e organizada de dois ou mais casos que são investigados no
espaço de um mesmo conjunto de objetivos. As categorias de análise são
44.
Não obstante, ao reconhecimento da relevância das ideias de Dewey
na origem da Pesquisa-Ação, os estudiosos da história da ciência são
unânimes em atribuir a Kurt Lewin a sua gênese. Foi Lewin quem registrou
o nome: Pesquisa-Ação em 1946, adotando-o para descrever um enfoque
de pesquisa, que sem romper com o modelo tradicional analítico da
psicologia, supõe uma adaptação aos programas de ação social (ARNALL
et Col. 1991). Para Lewin, a pesquisa é antes de tudo uma pesquisa-ação,
ele não admite uma ação sem pesquisa, nem tampouco uma pesquisa sem
ação, isto porque somente desta forma teremos avanços teóricos e
simultaneamente mudanças sociais. Muitas foram as áreas de aplicação
desta metodologia: hábitos alimentares, preconceitos, disposições
psicológicas, resistência à mudanças, formação de quadros, decisão de
grupos, comportamento de grupos marginais, etc. (ESTEVES,1986).
46
No Brasil a Pesquisa-Ação foi muito valorizada, principalmente pelos
educadores populares que na esteira de Paulo Freire desenvolveram estudos
e realizaram práticas de alfabetização de adultos que marcaram
profundamente nossa história mais recente. Da mesma forma os grupos
ligados a Igreja Católica, as Comunidades Eclesiais de Base como são
conhecidas, valeram-se da Pesquisa-Ação para investigar e propor ações
em grupos normalmente marginalizados da sociedade tais como:
Trabalhadores rurais sem terra, meninos de rua, prostitutas, homossexuais,
populações que vivem em torno do lixo, sem tetos, etc. Em Porto Alegre a
Pesquisa-Ação teve papel fundamental na constituição do Orçamento
Participativo do município de Porto Alegre, diga-se de passagem, uma
experiência reconhecida internacionalmente como uma das mais
consagradas expressões de democracia participativa, infelizmente
desconstruída pelos políticos tradicionais e os governos conservadores que
sucederam administração popular.
48.
Para Thiollent são os seguintes os principais tipos de ação:
1. Ação reivindicatória: Por exemplo, no contexto associativo estudos
capazes de justificar e implantação de um serviço médico. No contexto de
uma comunidade a reivindicação de um posto de saúde, uma escola, ou
serviço de transporte, etc.; 2. Ação de caráter prático: Atividade realizada
no âmbito de uma coletividade com intuito de efetivar uma ação concreta.
Exemplo, o lançamento de um jornal ou rádio comunitária; organização de
um clube esportivo ou cultural. 3. Ação no contexto organizacional: Atividade
que visa resolver problemas de ordem aparentemente mais técnica. Exemplo:
introduzir uma nova tecnologia, ou desbloquear a circulação de informações
dentro de uma organização.
50.
1. Fase exploratória: Consiste em definirmos o objeto de pesquisa.
Identificarmos o campo de intervenção, os interessados e suas expectativas.
Devemos realizar um diagnóstico sobre a situação, sobre os problemas
prioritários e eventuais ações. Um dos aspetos mais importantes na Pesquisa-
Ação é ter claro nossas possibilidades. Isto requer que tenhamos clareza
sobre nossa disponibilidade de tempo, nossos recursos orçamentários, nossa
capacidade de trabalhar coletivamente, nossa experiência, etc. Por outro
lado, é necessário identificar as condições de realizarmos um trabalho deste
tipo numa determinada comunidade. Detectar os apoios e as resistências;
as convergências e divergências; as posições otimistas e céticas. Devemos
ter muito em conta que nossa inserção no meio onde pretendemos pesquisar
é fundamental para o sucesso do trabalho. Nesta fase de diagnóstico é
preciso que ao mantermos os primeiros contato possamos identificar as
expectativas, os problemas da situação, as características da população. É,
da mesma forma, importante que nossa equipe reúna todas as informações
disponiveis em documentos oficiais, jornais, revistas etc. Enfim, trata-se de
um diagnóstico.
51.
2. Definição do tema: Os aspetos mais relevantes sobre a definição
do tema de pesquisa já foram discutidos no capítulo 5. De fato, tudo que
afirmamos naquele capítulo permanece plenamente válido para a Pesquisa-
Ação. Todavia é necessário complementarmos com algumas informações
que lhe são inerentes. Por exemplo: na Pesquisa-Ação o tema deve ser
definido a partir de um processo de discussão com os participantes. Da
mesma forma o tema deve ser escolhido em função de um determinado
compromisso entre nós, os pesquisadores, o os participantes da situação
investigada.
52.
Definido o tema da pesquisa, devemos situar este tema no âmbito de
um marco teórico adequado. Esta exigência decorre da necessidade de
nortearmos a pesquisa e, atribuirmos relevância a determinadas categorias
de informações sobre as quais serão esboçadas as interpretações e
equacionadas as possíveis soluções.
É claro que, nesse processo, os pesquisadores não
podem aprender tudo o que precisam apenas no contato
com a população. Precisam de uma formação anterior,
a mais completa possível, para estarem em condição de
definir a problemática adequada ao desenrolar da
prática de pesquisa. Nesta fase a pesquisa bibliográfica
é necessária. É possível, também, recorrer ao saber de
diversos especialistas dos assuntos implicados.
(THIOLLENT, 1996 p.53).
53.
3. Definição do problema de pesquisa: Tal como em relação a
escolha do tema, os aspetos mais significativos sobre a definição de um
problema de pesquisa já foram descritos no capítulo 5. Todavia em se tratando
de Pesquisa-Ação devemos sublinhar que, em particular nesta abordagem
metodológica, os problemas devem enunciar questões de ordem prática. É
inerente a Pesquisa-Ação a resolução de problemas concretos, tendo em
vista alcançarmos um objetivo ou realizar uma possível transformação dentro
do tema definido.
54.
4. Hipóteses: Na Pesquisa-Ação as hipóteses correspondem a
suposições propostas pelo pesquisador ao nível observacional à respeito de
prováveis soluções ao problema da pesquisa. A adequada formulação de
hipóteses, que neste caso não tem as mesmas características das hipóteses
estatísticas, servem como normas à indicar o caminho e focalizar
determinados aspetos relevantes na busca de soluções para o problema da
investigação. Todavia, mesmo que a hipótese na Pesquisa Ação não tenha
que tratar de variáveis quantitativas, é necessário que seja formulada em
termos claros e precisos. Lembremos que será a partir da hipótese que o
pesquisador e participantes tomam conhecimento sobre as informações que
são necessárias e as técnicas de coleta de informações a serem utilizadas.
55.
5. O seminário: Estando definido o tema, problema e hipóteses, e
considerando que os participantes da pesquisa estão de acordo, o passo
seguinte é a constituição do grupo que irá conduzi-la. A técnica principal é
o seminários.
Thiollent sugere as seguintes principais tarefas do seminário: 1. Definir
o tema e equacionar os problemas para os quais a pesquisa foi solicitada; 2.
Elaborar a problemática na qual serão tratados os problemas e as
correspondentes hipóteses de pesquisa; 3. Constituir os grupos de estudos
e equipes de pesquisa. Coordenar suas atividades; 4. Centralizar as
informações provenientes das diversas fontes; 5. Elaborar as interpretações;
6. Buscar soluções e definir diretrizes de ação; 7. Acompanhar e avaliar
ações e; 8. Divulgar os resultados pelos canais apropriados.
1.
John W. Creswell (2007, p.213) ao apresentar as pesquisas com
abordagem mista sugere um conjunto de perguntas cujas respostas orientam
o pesquisador na definição do delineamento adequado aos seus objetivos.
São critérios para escolher a melhor estratégia. Considerando que a
abordagem mista assume no mesmo projeto abordagens qualitativas e
quantitativas algumas decisões devem ser tomadas a priori pelo pesquisador:
1. Qual a sequência na utilização das abordagens qualitativa e quantitativa?
Começar por onde? 2. Durante a coleta e análise dos dados e informações
há prioridade entre dados quantitativos ou informações qualitativas? Qual,
entre eles, é o mais relevante para atender aos objetivos do projeto? As
conclusões decorrem principalmente dos dados quantitativos, qualitativos
ou de ambos? 3. Em que estágio do projeto serão integrados os dados
quantitativos e as informações qualitativas? Na coleta de dados e
informações? Na análise dos dados? Na interpretação dos resultados? Das
respostas à estas1 perguntas o pesquisador desenha suas estratégias de
pesquisa.
2.
Qual a sequência na utilização das abordagens qualitativa e
quantitativa? A implantação de projeto com abordagem mista possibilita
ao pesquisador que a coleta de dados e informações quantitativas e
qualitativas possam ser realizadas em momentos distintos (sequenciais) ou
ao mesmo tempo (concorrentes). Se a opção for por coletas sequenciais,
evidentemente há duas possibilidades: Iniciar pela coleta de dados
quantitativos e posteriormente a coleta de informações qualitativas ou vice-
versa.
1
Creswell sugere um quarta pergunta: Será usada uma perspectiva teórica global? Excluí esta pergunta do
presente texto por entende-la redundante. Parece-me óbvia exigência de uma teoria orientadora em qualquer
projeto de pesquisa.
4.
Quando a coleta sequencial inicia por abordagem quantitativa é
comum o pesquisador inicialmente preocupar-se com o perfil de uma
população numa ou mais variáveis de interesse. Por exemplo: a prevalência
de crianças e adolescentes com excesso de peso na população escolar de
um determinado município ou região. Decorre desta coleta de dados
quantitativos simplesmente dados descritivos sobre as crianças e
adolescentes com excesso de peso. Todavia, se o pesquisador se interessar
por identificar associações entre o excesso de peso e hábitos de vida diária
ele realizará um estudo qualitativo, com as crianças com excesso de peso
(ou parte delas) para identificar, através de entrevistas, o que fazem as
crianças e adolescentes em seu dia-a-dia. Como tal, ao final da pesquisa
temos informações sobre a prevalência de excesso de peso provenientes
dos dados quantitativos e os principais intervenientes neste perfil, advindos
das informações qualitativas.
5.
Quando a coleta de dados quantitativos e de informações qualitativas
é concorrente, ou seja, realizadas ao mesmo tempo é evidente que o
pesquisador de início já tem claro sua intenção de realizar um estudo de
6.
Durante a coleta e análise dos dados e informações há
prioridade entre dados quantitativos ou informações qualitativas?
Há projetos onde as abordagens qualitativas e quantitativas mantém a mesma
relevância. Noutros projetos, todavia, pode haver a maior relevância
(predominância) de uma ou outra abordagem. Em outras palavras, como
afirmam Thomas, Nelson e Silverman (2012), um projetos pode ser
predominantemente qualitativo com uma parte quantitativa, ou
predominantemente quantitativo com uma parte qualitativa. Nestes casos,
os delineamentos podem ser denominados como mistos (concorrentes ou
sequenciais) com abordagem qualitativa aninhada (primeiro caso), ou
com abordagem quantitativa aninhada (no segundo caso). Estas
alternativas podem ocorrer quando a abordagem aninhada à abordagem
predominante investiga alguma questão diferente da questão da abordagem
predominante ou investiga informações de diferentes níveis hierárquicos
(CRESWELL, 2007).
7.
Em que estágio do projeto serão integrados os dados
quantitativos e as informações qualitativas? A integração entre dados
quantitativos e informações qualitativas podem ocorrer em diversas fases
do projeto. Desde o início; na organização do banco de dados; na fase de
discussão e interpretação dos resultados. Por outro lado, pode envolver
relações entre questões abertas e fechadas, questões abertas e dados
objetivos de algum teste, entre observações subjetivas e respostas a
Síntese
Em forma de síntese podemos classificar os delineamentos ou
estratégias mistas através do seguintes esquemas.
Estratégias de Delineamento Mistos
Referências
CRESWELL, J.W. Projeto de Pesquisa. Métodos qualitativo, quantitativo
e misto. (2a ed.). ARTMED: Porto Alegre, 2007.
THOMAS, J.R; NELSON, J.K. & SILVERMAN, S.J. Métodos de
Pesquisa em Atividade Física. (6a Ed.) ARTMED: Porto Alegre, 2012.
1.
A identificação dos sujeitos da pesquisa é parte relevante dos projetos
de investigação científica. Afinal, trata-se da seleção dos informantes. É
parte essencial do trabalho de campo. São as fontes que fornecem os dados,
as informações ou evidências que vamos processar e interpretar para
produzir teorias. É importante também ressaltar que é na seleção dos sujeitos
da pesquisa onde residem os mais frequentes erros que resultam, tantas
vezes, em conclusões precipitadas e indevidas. Estes erros infelizmente
ocorrem com muita frequência nas pesquisas inferenciais (pesquisas que
tratam com amostras e pretendem induzir seus resultados à população por
procedimentos estatísticos), devido ao pouco cuidado que os pesquisadores
atribuem aos procedimentos de seleção da amostra (sua representatividade
perante a população).
2.
Vou discorrer sobre os sujeitos da pesquisa dos projetos de
investigação científica sob três perspectivas: 1. a dos projetos de pesquisas
qualitativas; 2. dos projetos de pesquisas quantitativas com amostras
probabilísticas, randômicas ou aleatórias e; 3. dos projetos de pesquisas
quantitativas com amostras não aleatórias.
3.
Porque esta distinção? Trata-se efetivamente de um ponto de vista
que pretendo firmar. Decorre da enorme confusão (sem exageros) que
encontramos na bibliografia, nas normas de publicação de vários periódicos
científicos e, como consequência, surgem amiúde nos textos de muitos
projetos e relatórios de pesquisa. Confundem-se (misturam-se) pressupostos
conceituais e, como tal, inúmeras vezes exigem-se das pesquisas qualitativas
e pesquisas quantitativas com amostras não aleatórias tratamentos
4.
Pretendo neste capítulo: 1. afirmar os pressupostos teóricos e
metodológicos que justificam a seleção dos sujeitos nos modelos de pesquisa
qualitativos e quantitativos; 2. definir as técnicas de seleção dos sujeitos
para estudos qualitativos; 3. definir as técnicas de amostragem para estudos
quantitativos com ou sem amostras aleatórias.
1
Ou, aos estudos com amostras não aleatórias, desde que se cumpram as exigências relacionadas ao ajustamento
inicial dos grupos da pesquisa.
2
Particularmente não concordo com a adjetivação “pesquisadores qualitativistas”.Os pesquisadores devem ser
apenas pesquisadores e devem estar aptos a escolher os métodos quantitativos ou qualitativos conforme as
exigências de seu estudo. É um reducionismo lamentável esta dicotomia entre pesquisadores qualitativistas e
quantitativistas.
6.
Nas pesquisas qualitativas a seleção dos sujeitos é, normalmente,
intencional e voluntária. O pesquisador seleciona e convida os sujeitos que
ele reconhece serão capazes de lhe fornecer as informações inerentes as
suas questões de pesquisa. Não há exigência (e nem faz sentido) proceder-
se a técnicas para a seleção aleatória dos sujeitos da pesquisa e, tampouco,
utilizar técnicas estatísticas para a definição do tamanho da amostra. Assim
sendo, sugiro que não deveríamos denominar o conjunto dos sujeitos de
uma pesquisa qualitativa de amostra. Minha sugestão é simples: basta
denomina-los como “sujeitos da pesquisa”. Voltarei a tratar desse tema
com mais detalhes quanto discorrer sobre “população e amostra” nas
pesquisas quantitativas com amostras probabilísticas.
7.
Não obstante, Isto não significa supor a ausência de critérios
claramente definidos para a seleção dos sujeitos. Toda a seleção dos sujeitos
da pesquisa nos estudos qualitativos dá-se em função dos objetivos do
pesquisador. O local e os sujeitos selecionados devem apresentar as
melhores possibilidades de fornecer informações adequadas sobre os
indicadores, atributos ou categorias investigadas em relação ao universo
empírico. Insisto, a seleção dos sujeitos de pesquisa em estudos qualitativos
deve preferencialmente ser intencional e voluntária. É baseada em critérios
pré-definidos. A seleção dos sujeitos envolve a consideração de onde
observar, quando observar, a quem observar e o que observar e,
evidentemente a disponibilidade do sujeito.
3
O conceito de validade interna e externa de uma pesquisa é bem descrita por Maurício Gomes Pereira em seu
livro: Artigos Científicos. Como redigir, publicar e avaliar. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011.ps. 58-9.
9.
Vou me valer das considerações de Víctora, Knauth & Hassen (2000)
retiradas do livro Pesquisa Qualitativa em Saúde. As autoras sugerem quatro
tópicos principais para a seleção dos sujeitos: 1. os grupos que participarão
do estudo; 2. o lugar onde o grupo eleito será recrutado; 3. o período de
tempo que será contemplado para o estudo e; 4. O número de sujeitos que
participarão da investigação.
10.
1. Quanto aos grupos que participarão do estudo (os sujeitos da
pesquisa) eles deverão ser delimitados em razão de um conjunto de
informações relevantes ao pesquisador. Os critérios de inclusão.
Exemplo: o estudo de Leonardo Loeck4: Os significados do corpo
para as pessoas adeptas das modificações corporais extremas. O
principal objetivo deste trabalho foi interpretar o significado do corpo para
os indivíduos que possuem modificações corporais. Como tal, o autor
selecionou um conjunto de critérios de inclusão bem explícitos para compor
seu universo empírico.
4
TCC do curso de graduação em educação física da UFRGS apresentado em junho de 2010. Orientador: Dr. Alex
Fraga.
11.
2. Em relação ao local onde serão selecionados os sujeitos é
necessário que ele garanta as melhores condições de acesso ao grupo,
tanto no que se refere à disponibilidade, como ao número de sujeitos com o
perfil desejado e quanto à aceitação do pesquisador. Há evidente vantagem
em utilizar o critério de conveniência para definir o local da pesquisa. É
condição necessária que o pesquisador tenha acesso pleno as informações,
o que depende, em grande escala, da confiança que os sujeitos da pesquisa
atribuem a ele.
No estudo de Leonardo Loeck , cumpriu-se esta exigência. O local
onde o grupo eleito foi selecionado está bem descrito.
12.
3. Quanto ao período de tempo em que será realizada a
investigação, em primeiro lugar se deve considerar se trata-se de um
trabalho de corte transversal ou longitudinal. Nas pesquisa de corte
transversal o pesquisador propõe analisar um fenômeno num determinado
momento do tempo, sem preocupar-se com possíveis alterações em
momentos futuros. Na pesquisa de corte longitudinal o pesquisador propõe
acompanhar o comportamento dos sujeitos da pesquisa ao longo de um
determinado período de tempo. Tem por objetivo verificar prováveis
alterações no fenômeno observado ao longo do tempo. É bem diferente
estudar um grupo acompanhando-o ao longo de um período razoavelmente
13.
4. Quanto ao número de sujeitos que participarão da pesquisa,
nas abordagens qualitativas, como já afirmei, não se realizam cálculos
amostrais por técnicas estatísticas para definição do tamanho da amostra.
Sendo assim, normalmente eu aconselho aos estudantes que adotem o
critério da exaustividade ou saturação. Isto significa que o número de
sujeitos é definido durante a realização da coleta de informações a partir do
instante em que o pesquisador observa a recorrência ou redundância de
informações, ou seja, quando a seleção de novos sujeitos não mais acrescenta
novas informações relevantes. No exemplo que destaquei o pesquisador
manifesta que foram nove os sujeitos entrevistados o que permitiu uma
quantidade satisfatória de respostas diferentes”.
Enfim, é importante salientar que, embora o fato da
pesquisa qualitativa trabalhar com populações menores
não significa que duas ou três pessoas investigadas
conseguirão dar conta do objeto. É fundamental que o
pesquisador busque, dentro de seu universo, a maior
diversidade possível, de forma a contemplar as
diferentes perspectivas do problema e obter uma
saturação dos dados adequada (VÍCTORA, KNAUTH
& HASSEN, 2000, p. 51).
16.
Amostra é uma parte da população que se pretende observar de
modo que seja possível estimar alguma observação sobre determinada
característica (obesidade em nosso exemplo) à toda a população (escolares
com excesso de peso de Porto Alegre). Decorre destas definições que uma
amostra, para fins de pesquisa científica, deva ser representativa da
população de origem5. Ou seja, os escolares obesos selecionados para
compor a amostra devem representar com a maior fidedignidade possível
todos os escolares obesos entre 6 e 17 anos das escolas de Porto Alegre.
Eis a questão: em que condições podemos aceitar que uma amostra é
representativa da população?
5
Ver excelentes artigos: OLIVEIRA, T.M.V de. Amostragem não probabilística: adequação de situações para uso e
limitações da amostra por conveniência, julgamento e cotas. Administração On line. V.2, número 3, julho/agosto/
setembro, 2001. MARTINS, M.E.G. Análise de dados. Introdução às técnicas de amostragem, introdução a estimativa,
introdução aos testes e métodos não o paramétricos. Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, 2009.
<arquivoescolar.org/bitstream/arquivo-e/98/1/análise%20de%20dados.pdf> acesso em novembro de 2012.
18.
Mas, se todavia o feirante for um sujeito sem escrúpulos? Vamos
imaginar que ele conheça as qualidades da fruta que pretende me vender e
sabe que a melancia já tem um de seus lados “apodrecido”. Peço-lhe uma
amostra, no entanto ele retira a “amostra” do lado ainda sadio da fruta
(uma escolha intencional). Neste caso, ele está propositadamente tentando
me enganar. Quer me vender uma melancia com a metade podre exibindo-
a a partir de uma pequena parte ainda sadia (amostra?). Ora! Evidentemente,
essa segunda “amostra” sadia da melancia apodrecida não tem a propriedade
de representar a fruta toda e o feirante sabe disso. É uma amostra
intencionalmente enviesada. Houve a clara intenção do feirante em falsear
a verdade. Ele manipulou as informações que detinha sobre a qualidade da
fruta. No dito popular o feirante “vendeu gato por lebre”. Ele cometeu uma
falcatrua, manipulou intencionalmente a amostra para atender seu objetivo:
vender a melancia podre. Portanto, a amostra não é representativa da
melancia.
19.
Mas, vamos considerar uma terceira hipótese. O feirante é homem
honesto. Ele não sabe das condições da melancia. Ele escolhe um ponto
qualquer da melancia para cortar o pedaço que irei experimentar (uma
escolha aleatória). O pedaço é bem vermelho, doce e suculento. Compro a
fruta. Chego em casa, abro a melancia em duas partes e uma das metades
esta apodrecida. Ora, concluo que a amostra que me foi apresentada, também
não representou adequadamente as qualidades da melancia. Uma amostra
enviesada. Todavia, neste caso, o local da melancia de onde foi retirada a
amostra fora escolhido ao acaso. Não houve qualquer intenção do feirante
em me enganar. Para meu azar experimentei a parte sadia da melancia
podre. Azar! Isto mesmo azar. E disso ninguém está livre quando se trata
de selecionar uma amostra. É o risco sempre presente de comprar “gato
por lebre”. Sempre! Seja na feira livre ou na pesquisa científica.
Erro amostral
21.
Mas, de onde vem essa incerteza sobre a representatividade da
amostra? Resposta: do erro amostral. O erro amostral ocorre simplesmente
porque ao não usarmos todos os sujeitos da população-alvo, cada amostra
poderá apresentar valores médios diferentes da média da população.
Vejamos um exemplo: Imaginemos que cada um desses números no quadro
1 represente a circunferência da cintura de uma população de 50 jovens
escolares.
QUADRO 1
22.
Não podemos evitar a presença do erro amostral, porém podemos
limitar seu valor e calcular o nível de probabilidade de que a amostra
represente adequadamente a população (a margem de erro). Isso, nas
pesquisa científica faz-se através da seleção de uma amostra
necessariamente aleatória e de dimensão (tamanho) adequada.
Amostra aleatória6
23.
A amostra aleatória é aquela em que todos os sujeitos da população-
alvo tem a mesma chance (equiprobabilidade) de serem sorteados (para
compor a amostra). Como tal, tendo como pressuposto a teoria das
probabilidades7, ao selecionarmos uma amostra aleatória podemos calcular
6
São sinônimos: amostra aleatória, probabilística, randômica ou ao azar, significa que o pesquisador não tem
qualquer controle sobre a seleção dos sujeitos (não tem qualquer controle sobre a face do dado que vai dar em
cada lance).
7
Pierre Simon Laplace é considerado o fundador da teoria das probabilidades.
25.
Amostra aleatória sistemática. É uma variação da amostragem
aleatória simples. Na amostragem sistemática, tal como na amostra aleatória
simples, iniciamos por numerar todos os elementos da população.
Posteriormente definimos o intervalo de amostragem (I). Este intervalo de
amostragem é o resultado da divisão entre o número de sujeitos da população
(N) e o número de sujeitos previsto para compor a amostra (n).
I = N/n
8
As vantagens da amostra aleatória por reposição pode ser consultado em: MARTINS, M.E.G. Análise dos Dados.
Lisboa: Faculdade der Ciências da Universidade de Lisboa, 2009. <arquivoescolar.org/bitstream/arquivo-e/98/1/
Análise%20de20dados.pdf> acesso em 06/04/2013.
9
As tabelas de números aleatórios são obtidas através de calculadoras ou programas de computador. Para rodar
números aleatórios no EXCEL basta selecionar um conjunto de células equivalentes ao conjunto de números que
queremos selecionar, por exemplo 50 e digitar: = ALEATÓRIOENTRE(1; 50) e clicar “enter”.
26.
Amostra estratificada. É uma forma de amostragem aleatória que
adotamos quando a população é constituída por conjuntos homogêneos a
partir de determinadas características que gostaríamos de analisar ou
controlar seus prováveis efeitos sobre as variáveis dependentes (sexo, idade,
nacionalidade, etnia, atividade esportiva habitual, etc.). A amostragem
estratificada consiste em dividir a população em subconjuntos denominados
de estratos e em sortear uma amostra para cada um dos estratos.
Para a obtenção de uma amostra estratificada podemos nos valer
das seguintes possibilidades: 1. Amostra estratificada proporcional: cada
estrato será representado na amostra em proporção exata à sua frequência
na população total. Se 65% da população é do sexo feminino, da mesma
forma, vamos compor a amostra com 65% de sujeitos do sexo feminino. 2.
Amostra estratificada constante. Cada estrato da amostra será composto
por um número igual de indivíduos. 50% do sexo masculino e 50% do sexo
feminino, independente da composição da população.
Exemplo: Queremos selecionar uma amostra de 100 sujeitos de uma
escola cuja a população é de 600 alunos. Nos interessa estratificar os alunos
por sexo. Portanto, necessitamos criar duas listas. Uma lista para o sexo
masculino e outra para o feminino e, sortear (tal como demonstramos na
amostra aleatória simples) os sujeitos de cada estrato da amostra
separadamente.
Caso nossa opção fosse por uma amostragem estratificada
proporcional deveríamos saber de antemão qual a composição de estudantes
de cada sexo para reproduziríamos a proporção da população na definição
da amostra. Ou seja, se na escola a prevalência do sexo feminino fosse de
65% e do masculino 35% na constituição da amostra de 100 estudantes
27.
Amostra por conglomerados ou grupos: Este tipo de amostra
que se configura numa variante da amostra aleatória simples, normalmente
é adotada quando se torna impossível ou muito complicado a confecção da
lista completa dos constituintes de uma população. Seria, por exemplo, o
caso de uma investigação cujo objetivo fosse delinear o conceito de saúde
a partir de todos os usuários de academias de ginástica numa grande cidade.
Neste caso seria muito difícil elaborar a lista de todos os praticantes de
academias de ginástica da cidade, todavia é bem provável que, a Secretaria
Municipal responsável por esse serviço público tenha o cadastro do número
de academias A amostragem por conglomerados portanto, consiste em
selecionar aleatoriamente unidades de agrupamentos (sortear as academias)
e, em seguida, sempre aleatoriamente, nas academias sortear os sujeitos
constituintes da amostra.
Voltando ao exemplo das academias de ginástica, o pesquisador
que quisesse criar uma amostra dos usuários deveria, em primeiro lugar,
estabelecer um listagem de todos as academias e selecionar de forma
aleatória um determinado número delas. Em seguida deveria constituir a
lista dos usuários em cada academia selecionada. Por fim, uma seleção
aleatória realizada independentemente no interior de cada uma dessas listas
estabeleceria a amostra final. Em outras palavras na amostra por
conglomerados ao invés de se escolher indivíduos, primeiramente se escolhe
unidades amostrais (escolas, bairros, distritos, etc.).
28.
Amostra multifásica, de fases múltiplas ou em várias etapas:
Constitui-se numa variante da amostragem por conglomerados. Se
caracteriza quando o processo requer várias etapas para a seleção da
amostra. No exemplo anterior poderíamos selecionar as academias
inicialmente por regiões da cidade, posteriormente por bairros, pelo número
de frequentadores, pela especificidade do serviço oferecido e, finalmente,
por sujeitos.
30.
1. Sobre a variabilidade dos dados. A importância de obtermos
informações sobre a variabilidade dos dados do fenômeno observado na
população-alvo (prevalência, desvio-padrão) decorre do fato de que: (a)
caso ocorra uma pequena variação dos parâmetros (portanto sendo a
população homogênea) a amostra pode ser pequena; (b) todavia, se por
outro lado, a variação é grande (portanto a população é heterogênea) a
amostra deve ser grande. Enfim, o tamanho da amostra relaciona-se com a
variabilidade dos dados que vamos observar na população-alvo (e não,
como muitos acreditam, pelo tamanho da população).
10
Criticas sobre a definição a priori da dimensão das amostras pode ser lido no excelente artigo de Carlos Alberto
Mourão Junior Questões em bioestatísitca: o tamanho da amostra. Rev Interdisciplinar de Estudos Experimentais.
v.1, n.1, ps. 26 -28, 2009.
11
HILL et HILL, 2002; GAYA, 2008.
12
Cf. http://www.slideshare.net/flaviasmatos/clculo-do-tamanho-de-uma-amostra
13
Exemplos de alguns programas para calcular o tamanho da amostra: Programa R; BioEstat; G Power; SAS;
MiniTab; SPSS.
32.
Entretanto, quando estamos trabalhando em nosso projeto com valores
médios de uma população (por exemplo: valores médios da massa corporal
em Kg de escolares de Porto Alegre) faz-se necessário que tenhamos
informações sobre o valor médio esperado e a respectiva variância (desvio
padrão) da população-alvo. Estes valores podem ser encontrados através
de consultas a outros estudos semelhantes, através de dados censitários ou,
realizando um estudo piloto.
33.
Sobre a probabilidade de erro (erro tipo 1) que queremos
assumir. Trata-se do nível de significância. O nível de significância é
representado normalmente por a e usualmente nas pesquisa assume valores
de: 0,05; 0,01 e, em casos mais raros, 0,10. O nível de significância está
associado ao nível de confiança (1–a) que se refere a probabilidade de
erro que aceitamos assumir ao rejeitar a hipótese nula, usualmente (95%,
99% ou 90%). Em outras palavras: trata-se de responder a seguinte questão:
qual a probabilidade de erro que toleramos ao concluir que existe um efeito
na amostra (estimativa, diferenças ou correlação) quando realmente ele
não existe na população? Este erro em rejeitar a hipótese nula (quando ela
é verdadeira) é denominado de Erro Tipo 1.
34.
Vamos entender um pouco mais sobre o significado estatístico do
Erro Tipo 1, o nível de significância e o nível de confiança. Quando utilizamos
a estatística inferencial para comparar dois ou mais grupos oriundos de
35.
3. Sobre o tamanho do efeito da variável independente sobre
a variável dependente: para definir a dimensão da amostra necessitamos
também definir o tamanho do efeito (effect size). O tamanho do efeito
36.
Uma das vantagens dessa proposta decorre do fato de que
normalmente não dispomos antecipadamente do tamanho do efeito. Afinal,
ainda estamos no projeto. Deste modo, poderíamos a priori optar em
selecionar as indicações de Cohen (0,20; 0,50 ou 0,80). Não obstante,
poderíamos ainda definir o tamanho do efeito através de referências de
outros estudos semelhantes ou, através de um estudo piloto. É importante
considerar que quanto menor o tamanho do efeito desejado maior é a
dimensão da amostra exigida17.
14
Além de “d de Cohem” sugerido neste texto, há outras medidas do tamanho do efeito (effect size): “g de
Hedges”; “D” of Glass
15
Cohem para teste de correlação sugere para definir o tamanho do efeito os seguintes valores de r: 0,10 pequeno;
0,30 médio e 0,50 grande.
16
É importante salientar que cabe ao pesquisador definir o tamanho do efeito conforme o que entende, pela sua
experiência, seja um efeito razoável para sua área de estudo.
17
Tendo em vista que quanto menor a diferença que queremos encontrar entre as médias dos grupos a probabilidade
38.
De posse desse conjunto de informações, através de equações, tabelas
e programas de computador já temos a possibilidade de definir o tamanho
mínimo da uma amostra para estudos inferenciais. Vamos exercitar.
Qual seria o tamanho mínimo da amostra para um projeto de pesquisa
que pretenda verificar os efeitos de um programa de dieta hipocalórica em
estudantes com excesso de peso (sobrepeso e obesidade) nas escolas
públicas estaduais de ensino médio de Porto Alegre?Estes são os dados
necessários: 1. Sobre a variação da população: (a) O senso escolar de
2012 indica que em Porto Alegre há 31.140 estudantes do ensino médio; (b)
pesquisa de Flores et ali 2013, indica que a prevalência de adolescentes
com excesso de peso na região sul do Brasil é de 28,3%; (c) portanto,
considerando os indicadores de (a) e (b) podemos estimar que a população
de adolescentes com excesso de peso é de 8.812 sujeitos. (d) no estudo de
Teixeira (2013) constatou-se que a média do IMC dos adolescentes com
excesso de peso é de 20,3 com um desvio padrão de 3,6. 2. Sobre a
probabilidade do erro tipo 1 (nível de significância): vamos assumir o
grau de confiança (1–a) de 95%, portanto, nível de significância a = 0,053.
Sobre o tamanho do efeito adotamos 0,3 4. Sobre a probabilidade de
erro tipo 2 (potência do teste estatístico adotamos 0,80).
Em nosso exemplo:
S = 2 desvios padrão (equivalente de a = 0,05)
p = 28,3
q = 27,3
e = 5%
n = 4 . 28.3 . 71,7/ 25 = 123,61
n = 123 alunos em cada grupo (experimental e controle) = 246
Em nosso exemplo:
S =2
p = 28,3
q = 71,7
N = 8812;
e = 5%
43.
Em nosso exemplo: nível de significância (a = 0,05); tamanho do
efeito vamos adotar 0,30; a potência (1–b) = 0,80 e a hipótese é unilateral
(não se espera que um programa de dieta hipocalórica possa aumentar os
índices médios de IMC no grupo experimental, portanto a hipótese alternativa
é unilateral).
Com esses dados vamos a tabela de Cohen: (a) A tabela superior é a
que vamos consultar, pois é a que refere o nível de significância a = 0,05;
(b) Nossa hipótese é unilateral (0,05 à esquerda da curva normal); (c) Na
coluna à esquerda na sétima linha vamos apontar a potência (1–b = 0,80);
(d) na linha superior vamos apontar na quarta coluna o tamanho do efeito
desejado (d = 0,30); (e) no encontro da quarta coluna com a sétima linha
obteremos o n = 175 em cada grupo amostral. Dimensão total da amostra
350 estudantes.
46.
Todavia, há exceções. Em estudos quase-experimentais (estudos com
amostras não aleatórias) também podem ser utilizadas estatísticas
inferenciais. Entretanto, faz-se necessário adotar a priori um conjunto de
procedimentos. São ajustamentos capazes de garantir a priori a equivalência
entre grupos de amostras.
Exemplo:Pretendo avaliar os efeitos de um programa de educação
física para a promoção da saúde sobre o Índice de Massa Corporal (IMC)
de alunos do 50 ano de uma escola. Leciono em duas turmas diferentes
(turma 51 e 52). Numas das turmas (51) vou aplicar o programa especial
de educação física e pretendo comparar os índices do IMC com a outra
turma (52) onde não apliquei o programa. As turmas não foram compostas
aleatoriamente. Portanto, pode-se supor que ocorram diferenças iniciais
entre as turmas em variáveis como: estatura média, massa corporal média,
padrões de atividade física, sexo, idade, etc., variáveis que podem interferir
na medida do IMC. Sendo assim para comparar os dois grupos em relação
ao IMC devo a priori ajustar as variáveis intervenientes de modo a equiparar
os dois grupos (turmas 51 e 52). Ao equipara-los presumo que as duas
turmas eram semelhantes antes do programa especial de educação física
(são provenientes da mesma população) e, portanto, se ocorreu alguma
47.
Não obstante, mesmo considerando tais limitações não devemos
imaginar a possibilidade de deixar de realizar uma pesquisa porque nossas
amostras não são aleatórias. Seria um disparate. Na imensa maioria das
vezes não temos acesso a possibilidade de amostragem aleatória. Turmas
de escolares, equipes esportivas, doentes num hospital, frequentadores de
um parque público, participantes de um programa de políticas públicas, etc.
48.
O uso de amostras não aleatórias em pesquisas quantitativas é
justificado quando: 1. a população não está disponível (os peixes do
oceanos18.); 2. trata-se de um estudo de caso institucional onde a composição
dos grupos não foi aleatória (exemplo: comparar os efeitos de um programa
de dieta em duas turmas de aula de uma escola, academia ou internos em
um hospital (é o caso típico dos estudos em que médicos, fisioterapeutas e
outros agentes de saúde denominam ensaios clínicos randomizado); 3.
efetivamente o pesquisador não está interessado em propor inferências e;
50.
Amostra por quotas: O sistema de amostragem por quotas é muito
semelhante ao da amostragem aleatória estratificada, a diferença esta, como
é evidente, no processo de escolha dos sujeitos. Na amostragem por cotas
a escolha dos sujeitos ocorre de forma não aleatória. Na amostragem por
cotas são utilizados conhecimentos prévios da população, em outras palavras,
a amostragem por cotas exige previamente uma avaliação das principais
características da população que deverão ser reproduzidas na amostra
selecionada. A amostra por cotas permite ajustamentos a priori de um
conjunto de variáveis intervenientes entre os grupos amostrais tornando-os
muito semelhantes antes da intervenção. Dessa forma se pode supor que
ambos os grupos amostrais sejam provenientes de uma mesma população-
alvo. Como tal, este procedimento suporta que os dados possam ser tratados
através de estatística inferencial.
52.
Marconi et Lakatos (1990), chamam a atenção para o fato de que se
pode observar nas quotas inter-relacionadas a necessidade de
arredondamento na classificação dos sujeitos a investigar. É preciso que o
pesquisador ao distribuir por quotas não se desvie da proporção determinada
pelo desenho da população, previamente definida. Esta preocupação é muito
relevante, principalmente quando se leva em consideração que as
amostragens não probabilísticas não possibilitam a adoção de técnicas
estatísticas para a correção de possíveis desvios.
54.
Amostra voluntária: Este tipo de amostragem é utilizado nas
pesquisas onde a experimentação possa ser potencialmente incômoda,
dolorosa ou, em casos limites, até mesmo perigosa, ou em situações em que
não é pertinente selecionar uma amostra aleatória, por exemplo: Os idosos
hipertensos de uma grande cidade. Normalmente nesses casos o investigador
relata publicamente suas intenções, seus objetivos e estimula a participação
voluntária em seu estudo. Publica convites pela imprensa, coloca cartazes
em espaços públicos, etc. Como se pode perceber esta técnica traz evidentes
dificuldades referentes a representatividade da amostra, uma vez que
possivelmente os indivíduos que se propuseram a participar do projeto sobre
exercício e hipertensão arterial tenham características distintas no que
concerne aos cuidados com a sua doença, comportamento que
provavelmente não se possa induzir a população-alvo. Essas mesmas
55.
Amostra por conveniência ou acessibilidade. Definir uma
amostra por critério de conveniência ou acessibilidade significa optar pelo
procedimento menos rigoroso entre as técnicas de amostragem. É destituída
de qualquer rigor estatístico. O pesquisador seleciona os sujeitos a que tem
acesso. Aqueles que estão mais facilmente a sua disposição. Todavia como
sugere Rosane Rivera Torres (2000), pode-se utilizar este tipo de
amostragem em estudos exploratórios ou qualitativos, em que não é requerido
elevados níveis de precisão. São exemplos estudos de relato de experiências
onde normalmente os sujeitos da pesquisa são oriundos das turmas em que
o professor leciona, ou da academia em que tema acesso facilitado.
56.
Em se tratando de técnicas de amostragens não-probabilísticas outros
modelos menos frequentes poderiam ser apresentados. Lakatos et Marconi
(1990) na obra que temos repetidamente referido apresentam, por exemplo,
a amostragem por “juris” e amostragem por “tipicidade” e Babbie apresenta
uma série de exemplos de amostras para estudos de survey (1999).
58.
No primeiro caso, não há uma regra definida. Depende da
disponibilidade de sujeitos. Exemplos: num estudo clínico sobre uma
determinada doença rara o pesquisador depende dos sujeitos a que tem
acesso. Numa pesquisa com talentos esportivos, onde o talento é por conceito
59.
No segundo caso, em estudos quase experimentais quando há a
pretensão de utilização de técnicas estatísticas inferenciais, há a exigência
da definição dos procedimentos de definição do tamanho da amostras. Neste
caso, como os grupo amostrais não são aleatórios, em minha opinião não
faz sentido utilizar equações que levem em consideração o tamanho da
população. Assim, sugiro que a definição do tamanho da amostra nestes
casos considere a análise da potência do testes estatístico (ver parágrafos
40 a 43 neste capítulo, Regra do Polegar, Potência desejada, G-Power).
61.
A primeira importante observação é que os erros não amostrais,
diferentemente dos erros amostrais, não se presta a formulação matemática
generalizante. Conforme Almeida, o erro não amostral é de natureza empírica
19
Exemplo adaptado do texto de Marconi et Lakatos. 1990, p. 49 a 51.
62.
O erro de cadastro pode ocorrer quando nossa lista de sujeitos para
a seleção de uma amostra aleatória é deficiente. Imaginemos que vamos
selecionar uma amostra aleatória de estudantes de uma Universidade.
Recorremos a Reitoria e obtemos uma lista desatualizada de alunos (por
exemplo, não consta os alunos ingressos no segundo semestre do ano). Por
consequência se atribuirmos nossos resultados a todos os alunos da
Universidade (inferência estatística), poderemos estar ocorrendo em erro.
Os erros de cadastro podem ser dos seguintes tipos: 1. ausência de
unidades (exemplo anterior); 2. unidades que não pertencem a
população (exemplo: se na lista de estudantes inadvertidamente constam
os professores e técnicos administrativos da Universidade); 3.
multiplicidade de unidades (exemplo: quando um professor é também
estudante, ou é estudante matriculado em dois cursos diferentes desta
Universidade, nesta caso ele vai constar em duas listas, a de professores e
estudantes, ou de estudantes em dois cursos); 4. Informação de acesso
incorreta é quando todas as unidades estão na lista mas torna-se impossível
localizá-las (exemplo: um estudante esta em viagem ao exterior e
incomunicável)21.
63.
Os erros associados a não resposta são de dois tipos: 1. a não
resposta da unidade que ocorre quando uma ou mais unidades relevantes
não responde(m) ou simplesmente não é (são) pesquisada(s) e; 2. a não
resposta ao item ocorre quando uma ou mais questões do instrumento
não é respondida.
64.
Os erros de medição são aqueles decorrentes de atribuição de valores
errados às variáveis mensuradas. Como toda a medição exige um
20
ALMEIDA, A. C. Erros nas pesquisas eleitorais e de opinião” Rio de Janeiro: Record, 2009.
21
Almeida em seu livro refere ainda outro erro de cadastro: erro de informação de acesso.
65.
Como salientamos ao longo deste capítulo são muitos os obstáculos
para garantir a cientificidade de um projeto de pesquisa. E os cuidados
referentes aos sujeitos da pesquisa, população e amostra são fundamentais.
Entre os principais obstáculos salientamos a necessidade de cuidados
especiais com dois principais tipos de erro: 1. erro amostral que se relaciona
com a representatividade da amostra e se presta a formulações estatísticas
e; 2. o erro não amostral decorrente de procedimentos empíricos (não
passíveis de generalizações estatísticas) relacionados a erros de aplicação
e operacionalização dos instrumentos de medida.
Síntese
Neste capítulo tratamos dos sujeitos da pesquisa. Uma das exigências
mais relevantes de um projeto de pesquisa científica. Todavia, um tema
controverso, permeado de impertinentes incorreções, de indevidas
interpretações, por consequência, de recorrentes equívocos e, por suposto,
fonte de muitos obstáculos para validação científica de tantos relatórios de
pesquisa.
Iniciei referindo-me aos estudos qualitativos onde não há
preocupações com generalizações de resultados para além do grupo
investigado. Não há inferências estatísticas. Os estudos qualitativos estão
preocupados principalmente com a validade interna. Portanto, logicamente
não faz sentido e, portanto, não aconselho a utilização das expressões
“população e amostra”. Sugiro simplesmente “Sujeitos da pesquisa”. Da
mesma forma, não faz sentido nos estudos qualitativos propor a dimensão
da amostra por procedimentos estatísticos. Aliás, este é um fato recorrente
em projetos de pesquisa, um equívoco que, antes de tudo, revela a precária
Referências
ALMEIDA, A. C. Erros nas pesquisas eleitorais e de opinião. Rio de
Janeiro: Record, 2009.
BABBIE, E. Métodos de pesquisa de Survey. Belo Horizonte: UFMG,
1999.
COHEM, J. Statiscal power analysis for the behavioral sciences (2a
ed) New York: Academic Press, 1988.
FLORES, L. S. Perfil nutricional de crianças e jovens brasileiros: um
estudo da prevalência nos útimos seis anos. Dissertação de mestrado do
PPGCMH-UFRGS. Orientador: Adroaldo Gaya, 2012.
GAYA, A. Ciências do movimento humano; Introdução à metodologia
da pesquisa. Porto Alegre: Artmed, 2008.
HILL, M.M & Hill, A. Investigação por questionário (2a ed). Lisboa:
Sílabo, 2002.
MARCONI,M. A. & LAKATOS, E. M. Técnicas de pesquisa (2a ed.)
São Paulo: Atlas, 1990.
1.
Para operacionalizar os projetos de pesquisa científica é indispensável
recorrer a instrumentos de coleta de dados e informações. Os instrumentos
usuais de coleta de dados são: as entrevistas, os questionários as provas
testes e as observações. Neste capítulo vou discorrer sobre as principais
características, suas principais vantagens e desvantagens e, sobre
procedimentos de validade científica.
A entrevista
2.
A entrevista se constitui no instrumento mais comum para obter
informações. Possui qualidades que não estão presentes nos questionários,
testes e observações. Através das entrevistas se pode obter informação
abundante tendo em vista a sua flexibilidade e adaptação a situações especiais
(KERLINGER, 1975). Uma das principais vantagens das entrevistas é o
fato de entrevistador e entrevistado estarem cara à cara. Isto possibilita ao
entrevistador perceber se o entrevistado tem dúvidas sobre as respostas, se
compreendeu adequadamente a pergunta, fato que possibilita ao
entrevistador refazer a pergunta de outra forma, com outras palavras, de
modo a adquirir informações precisas. E ainda, as entrevistas permitem ao
pesquisador indagar sobre o contexto e as razões de suas respostas. Essas
principais características e vantagens das entrevistas são essenciais quando,
por exemplo, pesquisamos com crianças.
3.
A desvantagem das entrevistas é, principalmente que exige um tempo
relativamente longo para conseguir informações. Da mesma forma, sua
transcrição e o tratamento das informações (análise do conteúdo) é morosa.
Há, também, necessidade de ambos, entrevistador e entrevistado
compartilharem dos mesmos tempos e espaços, o que torna longo o período
da coleta de dados.
4.
Segundo Kerlinger (1975) a entrevista pode ser empregadas para
atender a três fins principais: 1. pode constituir-se em instrumentos de
5.
Há três principais modelos de entrevistas: 1. entrevista estruturada;
2. entrevistas não estruturada e: 3. entrevista estruturada com possibilidade
de perguntas complementares. Nos primeiro modelo o entrevistador tem
pouca liberdade para formular perguntas. Ele deve se limitar as perguntas
previamente definidas. No segundo modelo, sua liberdade é dada de
antemão. Embora os objetivos das pesquisas regem as perguntas, seu
conteúdo, sua ordem e sua formulação se encontra por inteiro nas mãos do
pesquisador. No terceiro modelo o entrevistador tem liberdade para usar
perguntas alternativas que, em sua opinião, se ajustam a situações e sujeitos
particulares (KERLINGER, 1975).
Dados de Identificação
Categoria:
Data de nascimento:
Anos como goleiro de Futebol Federado: Idade que tinhas:
Anos no CLube Atual:
Formação Educacional:
Estatura:
Massa corporal:
Roteiro da Entrevista:
1. Fale sobre a tua primeira experiência jogando futebol (não precisa ser a de
goleiro)
2. Como foi tua primeira experiência de goleiro? Que idade?
3. Quais os motivos que te levou a escolher esta posição?
4. Por você ser o último jogador da defesa, aumenta a pressão e a
responsabilidade?
5. Você gostaria de falar algo que não foi perguntado?
8.
Nas provas acadêmicas de defesa de monografias e teses muitas
vezes os arguentes questionam sobre os parâmetros de validade,
fidedignidade e objetividade das entrevistas. Vou tratar desses conceitos ao
final deste capítulo. Não obstante, essas exigências no caso das entrevistas
são muitas vezes improcedentes. Vejamos: Se numa entrevista eu pergunto:
o nome, a idade, o endereço, ou ainda: se pratica exercícios físicos, se é
religioso e qual sua doutrina; se vota nesta ou naquele candidato, qual seu
time de futebol ..., é evidente que as respostas são precisas. Não há
possibilidade de interpretação dúbia sobre as perguntas. São claras e
precisas. São objetivas. Evidentemente, nessa caso não faz qualquer sentido
exigir procedimentos de validação.
9.
Entretanto quando as entrevistas são do tipo que exigem determinado
grau de conhecimento específico ou sofisticação intelectual, em outras
palavras, que exijam do entrevistado algum grau de conhecimento prévio
(por exemplo sobre conceitos inerentes a correntes pedagógicas ou
filosóficas), torna necessário que a pergunta seja clara e precisa para evitar
interpretações dissonantes. Neste caso, é pertinente a realização de um
estudo piloto para verificar os parâmetros de validade e fidedignidade da
entrevista. É importante destacar que em todos os casos é importante que
o pesquisador tenha um guia ou grade de observação com critérios
claramente definidos.
As técnicas projetivas
10.
Conforme Cláudia Dias (2000), as técnicas projetivas são usadas
quando o pesquisador considera praticamente impossível aos entrevistados
responderem sobre as reais razões que os levam a assumir certas atitudes
e comportamentos. Muitas vezes as próprias pessoas desconhecem seus
1.
KOHLBERG, L. Essays on Moral Development, 1984, in ( O.M. Lourenço, Psicologia do Desenvolvimento Moral,
Coimbra, Almedina, 1992.
12.
O grupo focal inicia com a reunião de seis a dez pessoas selecionadas
com base em suas características, homogêneas ou heterogêneas, em relação
ao assunto a ser discutido e tem o intuito de estimular a interação entre os
participantes. De acordo com Dias (2000), os usuários dessa técnica partem
do pressuposto de que a energia gerada pelo grupo resulta em maior
diversidade e profundidade de respostas, isto é, o esforço combinado do
grupo produz mais informações e com maior riqueza de detalhes do que o
somatório das respostas individuais. Resumindo, a sinergia entre os
participantes leva a resultados que ultrapassam a soma das partes individuais.
13.
A discussão ocorre durante aproximadamente duas horas, sendo
conduzida por um moderador que utiliza dinâmicas de grupo a fim de
compreender os sentimentos expressos pelos participantes. Todavia, se por
um lado, sob o ponto de vista dos participantes a conversa possa ser bem
flexível, por outro lado, sobre a perspectiva do pesquisador deve haver um
planejamento sobre o que deve ser discutido e quais são os objetivos
específicos da pesquisa. Em geral, o moderador atua no grupo de maneira
a redirecionar a discussão, caso haja dispersão ou desvio do tema
pesquisado, sem, no entanto, interromper bruscamente a interação entre os
participantes.
14.
Conforme Claudia Dias (2000), primeira etapa do grupo focal é o
seu planejamento. Nessa etapa deve ser definido o objetivo da pesquisa. A
partir dos objetivos, é selecionado um moderador e elaborada uma lista de
questões para discussão. O moderador é a peça mais importante do grupo
focal, porém mantendo-se neutro e evitando introduzir qualquer ideia
preconcebida na discussão. É importante que o moderador tenha experiência
em dinâmicas de grupo para que possa conduzir a discussão sem inibir o
O questionário
16.
O questionário corresponde ao mais estruturado e rígido tipo de
entrevista. Pressupõe uma formulação e ordenação rígida de perguntas,
respostas de conteúdo relativamente reduzido, pouca liberdade dos
intervenientes. É uma boa técnica para estudos extensivo, com muitos
sujeitos, mas o nível da informação é relativamente limitado (LIMA, 1987).
17.
Três tipos de questionários são usuais nas pesquisas científicas: 1.
questionário com questões fechadas; 2. questionários com questões abertas
e; 3. questionários com questões fechadas com a possibilidade de justificação
das respostas às questões fechadas com argumentos discursivos.
Questionário de perguntas fechadas
18.
Nos questionários de perguntas fechada as questões ou afirmações
apresentam categorias ou alternativas de respostas fixas e preestabelecidas.
19.
Na elaboração de perguntas fechadas, devem ser considerados dois
aspetos importantes: 1. as alternativas de resposta devem ser exaustivas,
isto é, devem incluir todas as possibilidades que se podem esperar e; 2. as
alternativas devem ser excludentes. O entrevistado não deve duvidar entre
duas ou mais alternativas.
Questionário de motivação para práticas esportivas
A observação
22.
A observação é nosso instrumento privilegiado de relação com o
mundo objetivo. É observando que nos situamos, orientamos nosso
deslocamento, reconhecemos pessoas e objetos. A observação, como
referem Laville e Dionne (1999), é instrumento de uma ampla variedade de
descobertas e de aprendizagens. É uma ferramenta essencial na produção
do conhecimento. Todavia, é de ressaltar que a observação como
instrumento da pesquisa científica exige alguns critérios. Não é uma busca
ocasional ou meramente intuitiva. Como instrumento de coleta de dados
para um projeto científico é necessário que a observação seja conduzida a
partir de um objetivo claro de investigação. Que possa testar uma hipótese
23.
As exigências que salientamos ao final do parágrafo anterior todavia,
não impedem que haja modelos diversos de observação, com níveis distintos
de estruturação formal. Assim, conforme Lessard, Goyette e Boutin (1990)
podemos identificar duas principais estratégias: 1. observação direta e
sistemática com observador externo (observador não participante do grupo
observado), também reconhecida como observação de abordagem fechada
ou estruturada; 2. observação participante (observador integrado e
participante do grupo observado), também reconhecida como observação
de abordagem aberta ou não estruturada.
24.
Lessard, Goyette e Boutin (1990) sugerem uma visão desses modelos
de observação sistemática e não sistemática através de um continuum em
função de um conjunto de parâmetros. Os referidos autores referem
inicialmente que a observação direta e sistemática situam-se no âmbito das
pesquisas descritivas e a observação não sistemática no âmbito das pesquisas
narrativas e interpretativas.
25.
As pesquisas descritivas tem por objetivo fornecer uma descrição
aprofundada e pormenorizada dos fenômenos investigados (acontecimentos,
atitudes, conversas, ritos...) e, comparando-os entre si, construir novas
variáveis que permitem fazer emergir novos conhecimentos. Os sistemas
descritivos com observação direta sistemática portanto, desempenham uma
tarefa instrumental: 1. suas categorias de análise são predeterminadas; 2. a
pesquisa é orientada para descrever comportamentos, atitudes, habilidades;
3. são utilizadas grades, ou grelhas de categorias previamente estabelecidas,
lista-controle, escalas de classificação; 4. e o objetivo é obter dados
normativos, identificar normas de comportamento e, principalmente
interpretá-lo.
Fonte: http://www.arlindovsky.net/2012/04/avaliacao-complexa-do-desempenho/
Observação participante
27.
A observação participanteestá associada intimamente as pesquisas
etnográficas (ver capítulo 15). Sua principal característica é coletar
dados e informações por meio de observações e escuta de pessoas em seu
contexto natural e dar sentido as interpretações sociais que elas atribuem
as suas próprias atividades (GRAY, 2012). É o relato das experiências do
próprio pesquisador: seus sentimentos, suas expectativas, suas ansiedades,
quando inserido e participante de uma determinada comunidade ou evento.
28.
Na observação participante o pesquisador é membro do grupo que
está investigando e, por suposto, começa a perceber intimamente as diversas
situações reais ao vivenciá-las pessoalmente. Como descreve Gray (2012):
O pesquisador passa a estar imerso no contexto onde
ocorre a pesquisa de campo, com o objetivo de
compartilhar e experimentar as vidas das pessoas para
conhecer seu mundo simbólico (GRAY, 2012, p. 323).
29.
O principal desafio da observação participante está na capacidade
do pesquisador manter um adequado equilíbrio entre sua subjetividade e a
objetividade dos fatos. Em outras palavras manter o equilíbrio entre o
Teste
30.
Os testes são instrumentos utilizados para fazer uma medida numa
determinada competência (cognitiva, motora, esportiva, musical, etc.).
Embora, normalmente a expressão teste venha associada as expressões
medida e avaliação, devemos ter claro as diferenças. O teste é o instrumento
que fornece uma medida objetiva. A medida, por sua vez, é o ato de mensurar,
geralmente indicando um número ou uma ordem para o fenômeno que se
pretende avaliar. Avaliação é uma declaração de qualidade, de excelência,
de mérito, de valor ou de merecimento sobre o avaliado. A avaliação implica
numa tomada de decisão (MORROW et al., 2003).
31.
O teste de Corrida/caminhada de 6 minutos utilizado pelo PROESP-
Br (www.proesp-ufrgs.br) é um instrumento cujo objetivo é medir a
distância que um sujeito percorre em 6 minutos. Conforme a distância
percorrida, a partir de um tabela de desempenho se pode avaliar (de forma
indireta) a capacidade cardiorrespiratória do sujeito (se está na Zona
Saudável ou na Zona de Risco à Saúde).
32.
Como de se pode perceber para fins de pesquisa científica o teste é
relevante como instrumento de medida todavia, desde que atrelado aos
critérios de avaliação. Não obstante, se exige do teste certas propriedades
métricas que possam garantir sua qualidade. Um teste (tal como um
questionário, uma grade de observação ou entrevista) deve ter validade,
fidedignidade e objetividade)
34.
Da acordo o que se pretende representar através das medidas de
uma observação, entrevista, questionário ou teste (variável dependente),
define-se a validade de um instrumento através de três procedimentos: 1.
validade de conteúdo; 2. validade de critério e; 3. validade de construto.
Validade de conteúdo
35.
A validade de conteúdo, avalia o grau em que cada elemento de um
instrumento de medida (cada item de um questionário, por exemplo) eì
relevante e representativo de um específico constructo a ser avaliado. No
exemplo do parágrafo 19 deste capítulo, será que todos os itens do
questionário representam motivos (é um questionário sobre motivação) entre
os quais as crianças e adolescentes justificam seu gosto pela prática de
esportes? Em caso positivo, afirmamos que o questionário tem validade.
36.
Para aferir a validade de conteúdo duas alternativas são usuais: 1.
validade por procedimento qualitativo (teórica ou lógica) e; 2. validade por
procedimento quantitativo (índice de concordância entre avaliadores).
Todavia, nas duas alternativas se utilizam de avaliadores experientes que
julgam as propriedades do instrumento de medida (comitê de especialistas).
38.
Ainda, conforme Alexandre e Coluci (2011), os juízes devem
inicialmente avaliar o instrumento como um todo, determinando sua
abrangência. Isto eì, se cada domínio ou conceito foi adequadamente coberto
pelo conjunto de itens e, nesta fase, podem sugerir a inclusão ou a eliminação
de itens. Precisam também analisar os itens individualmente verificando
sua clareza e pertinência. Em relação aÌ clareza, deve-se avaliar a redação
dos itens, se são relevantes e, se são adequados para atingir os objetivos.
Essa avaliação pode ser inicialmente feita de forma individual e independente
pelos juízes, seguida por uma discussão em grupo. A provável desvantagem
desse procedimento é restrita análise de ordem subjetiva. De outra forma,
não há medidas objetivas que permitam uma avaliação numérica do
instrumento. Trata-se apenas de julgarmos através de argumentos teóricos
enunciados pelos juízes.
39.
Na validade de conteúdo por procedimento quantitativo, os
procedimentos iniciais são similares aos descritos nos parágrafos anteriores.
Todavia, utiliza-se um maior número de juízes, em torno de 10 a 20 e, procede-
se a um calculo numérico que indica a magnitude da validade do instrumento.
Essas medidas são normalmente: 1. percentagem de concordância entre
avaliadores; 2. índice de validade de conteúdo e; 3. coeficiente k (kappa)
(ALEXANDRE e COLUCI, 2011).
41.
O índice de validade de conteúdo (IVC) é mais sofisticado. Os
procedimentos são os seguintes: 1. o pesquisador elabora uma questionário
criterioso para avaliação dos itens do instrumento de medida. Normalmente
este questionário utiliza uma escala tipo Lickert com 4 alternativas (1 = não
relevante; 2 = necessita grande revisão; 3 = necessita pequena revisão e;
4 = está adequado); 2. solicita aos juízes que avaliem o instrumento de
medida e, 3. calcula-se o IVC pela razão entre o número de respostas “3”e
“4” e o número total de respostas; 4. Para avaliação global do instrumento
alguns autores consideram: (4.1) calcular a média das proporções dos itens
considerados relevantes pelos juízes ou; (4.2) a razão entre o número total
de itens considerados como relevantes pelos juízes e o número total de
itens. Nestes casos alguns autores sugerem uma concordância mínima de
0,80 (ALEXANDRE e COLUCI, 2011).
42.
Estatística K (kappa) é uma medida de concordância usada em escalas
nominais que nos fornece uma ideia do quanto as observações se afastam
daquelas esperadas, fruto do acaso, indicando-nos assim o quão legítimas
são as interpretações. É uma medida de concordância entre avaliadores.
Por exemplo: dois diferentes avaliadores medem as dobras cutâneas em 20
adolescentes. O coeficiente K indica o grau de concordância entre os dois
avaliadores. Normalmente se considera valores abaixo de 0,40 como baixos;
entre 0,40 e 0,75 mediano a superior a 0,75 como excelente. Esta estatística
K é similar a estatística do qui-quadrado e pode ser calculada em software
estatísticos.
Validade preditiva
45.
Se o critério se fixa no futuro temos a validade preditiva. Conforme
Martins 2006), a validade para predizer refere-se à extensão a qual o
instrumento (geralmente teste) prediz futuros desempenhos de indivíduos.
A validade preditiva é muito importante para testes que são usados com
propósitos de identificar, classificar ou predizer resultados. A validade de
predizer é estabelecida através de correlações dos resultados do teste com
subsequente medida de um critério. Exemplo: o teste de corrida/caminhada
de 6 minutos utilizada pelo PROESP-Br tem a pretensão de identificar jovens
com fatores de risco cardiovascular. A validação do teste foi feito através
de associação entre determinado desempenho (distância percorrida no teste
de 6 minutos estratificado por idade e sexo) e índices elevados de colesterol
total, hipertensão arterial e excesso de peso. Através de técnicas estatísticas
Validade de construto
46.
A validade de construto é extremamente útil para explicar a natureza
dos instrumentos que medem traços para os quais não se possuem critérios
externos diretamente quantificáveis. A validade de construto, ao contrário
da validade de conteúdo e critério, não é expressa em termos de um
coeficiente quantitativo (VIANNA, s.d.) Em outras palavras, como referem
Thomas, Nelson e Silvermann (2012), a validade de construto trata de avaliar
instrumentos cujas as características não são diretamente observadas.
47.
Exemplo: um questionário que pretende medir autoimagem. Não há
um aparelho que conectado ao sujeito (“autoimagemômetro”) capaz de medir
diretamente o nível de autoimagem. A autoimagem (bem como motivação,
espírito esportivo, qualidade de vida, aptidão física...) é um construto. Uma
construção teórica. Portanto, para medi-la é necessário identificar um
conjunto de características capazes de descriminar indivíduos com alta ou
baixa autoimagem. Vejamos um exemplo:
Questionário Auto Estima e Auto Imagem de Steglich
Este questionário foi desenvolvido por Luiz Alberto Steglich, em 1978,
em sua dissertação de mestrado “Terceira Idade, aposentadoria, auto-
imagem e auto-estima”, na qual desenvolveu o referido instrumento, obtendo
alto índice de validade e fidedignidade.
As questões: 4, 9, 12, 13, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 27, 32, 35,
36, 37, 38, 41, 52, 55, 56, 57, 59, 62, 63, 65, 71, 72 e 75, receberam um valor
numérico de 5 a 1, as questões 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 10, 11, 14, 15, 23, 24, 28, 29,
30, 31, 33 34, 39, 40, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 53, 58, 60, 61, 64,
66, 67, 68, 69, 70, 73, 74, 76, 77 e 78, receberam um valor numérico de
1 a 5.
49.
Supondo que o questionário é capaz de discriminar sujeitos com alta
e baixa autoimagem, ainda assim o pesquisador pode identificar a
consistência interna dos itens do questionário. Para isto são úteis as técnicas
estatísticas denominadas como Análise Fatorial Exploratória e Análise
Fatorial Confirmatória2. A Analise Fatorial Exploratório identifica os itens
do questionário que estão associados entre si, sugerindo a hipótese de que
tais itens configurem dimensões especiais do questionário e a Análise Fatorial
Confirmatória, confirma (ou não) tais hipóteses.
50.
Como afirmam Thomaz, Nelson & Silvermann (2012), em verdade,
todos os procedimentos de validação (validação de conteúdo e validação
por critérios) são utilizados para evidenciar a validade relacionada ao
constructo. Em geral, se torna necessário usar evidências das outras formas
de validação para oferecer uma base sólida à validade dos escores de
determinado instrumento e ao uso de seus resultados.
2.
Essas técnicas estatisticas não serão tema deste livro. Mas, sugiro um texto introdutório sobre essas e outra
técnicas multivariadas muito esclarecedor. KERLINGER, F. Metodologia da Pesquisa em Ciências Sociais. Um
tratamento conceitual. São Paulo: EPU. 1980.
52.
A confiabilidade de um instrumento de medição se refere ao grau em
que sua repetida aplicação, ao mesmo sujeito ou objeto, produz resultados
iguais. Em outras palavras, confiabilidade refere-se à consistência ou
estabilidade de uma medida. É o que se exige de um instrumento de coleta
de dados que ele seja, válido e fidedigno.
53.
A confiabilidade de um instrumento de medidas pode ser determinada
mediante diversas técnicas e procedimentos, entre elas: 1. teste e reteste;
2. teste das duas metades; 3. coeficiente alfa de Cronbach e; 4. coeficiente
KR-20 (MARTINS, 2006).
54.
Teste e reteste. O instrumento de coleta de dados é aplicado duas
vezes num mesmo grupo de sujeitos e calcula-se o índice de correlação
entre as duas medidas. Se a correlação é forte entre as duas medidas o
instrumento é considerado válido. Não obstante, caso o instrumento seja do
tipo questionário, é importante considerar um intervalo de tempo entre teste
e reteste. Intervalo nem tão longo, para que não ocorra algum efeito de
variáveis intervenientes a ponto de alterar a situação inicial do respondente,
tampouco muito curto, para que a memória das respostas ao teste não
contamine os resultados do reteste. Sugere-se um intervalo entre 10 a 15
dias.
56.
Alfa de Conbrach. O instrumento é aplicado única vez e calcula-se,
facilmente através de pacotes estatísticos, todas as correlação entre cada
item e o escore total. O alfa é o valor médio de todas as correlações. É uma
técnica interessante na medida em que fornece informação sobre cada
item do instrumento o que possibilita, quando necessário, sua correção ou
exclusão. Considera-se o instrumento de coleta de dados fidedigno quando
alfa é igual ou superior a 70% (MARTINS, 2006).
57.
Coeficiente KR-20. Criado por Kuder e Richardson em 1937
(MARTINS, 2006). Tem finalidade similar ao coeficiente alfa de Cronbach,
todavia é utilizado quando os instrumentos de coleta de dados apresentam
respostas dicotômicas (do tipo: sim ou não; certo ou errado).
Síntese
Nesta capítulo discorri sobre os instrumentos de coleta de dados e
informações. Inicialmente apresentei os principais instrumentos: 1. A
entrevista, as técnicas projetivas, entrevista de grupo focal; 2. O questionário
de perguntas abertas, fechadas e combinadas; 3. A observação de
abordagem aberta, fechada e observação participante e; 4. O teste como
instrumento de medidas de atitudes de comportamentos. Na segunda parte
do capítulo discorri sobre os procedimentos de validade: 1. validade de
conteúdo; 2. validade de critério e; 3. validade de construto, e procedimentos
de fidedignidade: 1. teste e reteste; 2. teste das duas metades; 3. coeficiente
alfa de Cronbach e; 4. coeficiente KR-20. Tenho a expectativa de ter
abordado, embora de forma introdutória, os principais e usuais procedimentos
de coleta de dados, bem como os principais procedimentos inerentes as
exigências de rigor métrico dos instrumentos de medida para a pesquisa
científica.
1.
Neste capítulo conto com o auxílio da minha filha e colega Anelise
Gaya. Por dois principais motivos: 1. sua experiência com pesquisas
quantitativas e, decorrente disso sua prática cotidiana no uso da estatística
como ferramenta da pesquisa científica e; 2. não menos relevante, pela sua
paixão de ensinar aos jovens o caminho da iniciação científica. Juntos,
planejamos e preparamos este capítulo tendo no horizonte a ideia central
deste livro: auxiliar estudantes de iniciação científica a produzirem seus
projetos de pesquisa.
2.
Considerando que este livro tem por objetivo colaborar com a
elaboração de projetos de pesquisa para estudantes de iniciação científica,
salientamos que não é nosso propósito apresentar neste capítulo um manual
de estatística. Não tratamos de ensinar aos estudantes como devem usar
as diversas ferramentas da estatística. Limitamo-nos a discorrer sobre os
principais critérios que envolvem a definição ou seleção dessas ferramentas
para atender as exigências de seus projetos de pesquisa.
3.
Nossa primeira mensagem aos estudantes de iniciação científica é a
seguinte: não se deixem escravizar pela estatística. Não deixem que ela
decida por vocês sobre as conclusões ou decisões inerentes aos dados de
seus trabalhos. Lembrem da lição do Professor José Maia, da Universidade
do Porto: “Antes de ligar o computador liguem vossos cérebros”.
Lembrem-se também da epígrafe deste capítulo. Levem em consideração
que não é a estatística quem deve decidir sobre os resultados de suas
pesquisas. A estatística é uma ferramenta, é um meio, é um método, é um
caminho para orientar nossas conclusões. Por isso é tão importante que
4.
Por outro lado, não deleguem a tarefa da definição do tratamento
estatístico à outrem. Não entreguem seus bancos de dados a um estatístico
para que ele tome as decisões por você. Sim, sempre que for necessário
procurem apoio, assessoria, orientação, mas tenham consigo bem claro e
definido o que pretendem analisar, que resultados lhe interessam interpretar,
que perguntas querem responder. Estejam suficientemente inteirados das
técnicas que forem utilizar, suas principais características, seus pontos fortes,
suas limitações, os pressupostos que exigem dos dados. Não se deixem
levar pela lógica do papagaio que, adestrados pelo homem (seu orientador),
repete palavras e frases cujo significado desconhecem.
O que é estatística
5.
A palavra estatística é de origem latina e tem sua raiz em “estado”.
Isto porque sua função principal era a de registrar os dados populacionais
de um povoado, região ou país (número de habitantes, de casamentos, de
filhos, etc.) e a elaboração de tabelas e gráficos para descrevê-los e
representa-los resumidamente em forma numérica. Com o tempo sua
evolução foi notável, tornou-se uma especialização no campo da matemática
tendo se constituído num conjunto de métodos e técnicas especialmente
apropriados à coleta, à apresentação (organização, resumo e descrição), à
análise e à interpretação de dados de observação, tendo como finalidade a
compreensão de um fenômeno específico.
8.
Se decidirmos pela primeira alternativa nossa escolha recairá no
âmbito das estratégias da estatística descritiva. A estatística descritiva
caracteriza-se pelo conjunto de métodos para organização, apresentação e
descrição de dados representativos do comportamento de um grupo (sem a
pretensão de extrapolar os resultados para além desse grupo). Na estatística
descritiva apresentaremos os dados através de tabelas, gráficos e medidas
(média, mediana, moda, desvio padrão, variância, razão de prevalência, razão
de chance, etc. (ver capítulo 18) que resumem a distribuição de uma ou
mais variáveis exclusivamente neste(s) grupo(s).
Modelo inferencial
Agora, sou secretário da saúde do Município de Porto Sentido. Estou
preocupado com a prevalência de excesso de peso em escolares do
município. Portanto, quero delinear um perfil do padrão de excesso de peso
e, também quero saber se há diferenças entre meninos e meninas de Porto
Sentido. Vamos supor que Porto Sentido tenha uma população de vinte mil
escolares. Bem, nesse caso não vou medir a totalidade dos escolares, vou
propor um estudo através de uma amostra. Através de uma parte
representativa da população (ver capítulo 10). Imaginemos o estudo com
200 escolares (100 meninos e 100 meninas, oriundos de algumas escolas
selecionadas por sorteio). Neste caso, vou investigar a partir de uma amostra
(200 escolares de Porto Sentido) com o objetivo de extrapolar os resultados
para os 20.000 (a população escolar do município).
11.
Se nossas dados são manifestos em escala nominal (sexo, religião,
time de futebol, cor da pele, tipo sanguíneo, etc.) nossas análises são bastante
restritas. Lembremos que variáveis expressas na escala nominal podem
ser apenas “iguais” ou “diferentes” entre si. Não é possível sequer qualquer
ordenação hierárquica. Os números atribuídos (por exemplo: sexo masculino
1 e sexo feminino 2) servem apenas para identificar o sexo dos sujeitos.
Não faz qualquer sentido usar os valores 1 masculino e 2 feminino para, por
exemplo, calcular um valor médio (neste caso o valor 1,5 rigorosamente
não tem qualquer significado). Como tal, para tratar com dados medidos
em escala nominal a única possibilidade estatística é estabelecer a ocorrência
em valores reais ou em percentagens.
Exemplo:
Para descrever um grupo de 50 estudantes podemos identifica-los
como composto por 20 homens ou seu equivalente 40%, e 30 mulheres
equivalente a 60%. Nenhuma uma outra operação pode ser realizada.
12.
Se nossos dados são medidos em escala ordinal, outras operações
são possíveis. Podemos ordenar um grupo de alunos por níveis de motivação
para a prática esportiva. Por exemplo, utilizamos para avaliação o
questionário de motivação para as práticas esportivas (CARDOSO e GAYA,
1998).
Exemplo 2.
Um adolescente chegou atrasado e agora temos os seguintes novos
valores
13.
Se nossas medidas são em escala(s) numérica(s) (intervalar ou de
razão, ver capítulo 10), o tratamento para análises descritivas podem ser
bem mais sofisticadas. Um escala numérica se caracteriza pela equidistância
entre os valores numa determinada distribuição. Por exemplo: os valores
numéricos numa régua escolar são todos equidistantes, ou seja os valores
entre 5 a 10 cm, corresponde a mesma distância entre os valores 20 e 25 (5
cm em ambos os casos). Se os dados são medidos em escala numéricas ou
contínuas, a medida de tendência central mais sofisticada é a média (desde
de que a distribuição dos dados atendam ao critério de normalidade, como
veremos nos próximos parágrafos).
Exemplo:
Vamos supor os seguintes valores de estatura de adolescentes (linha 1)
14.
Como se pode perceber a média é o valor absoluto que divide o
grupo em duas metades. Duas metades equivalentes? Necessariamente
não. Aí vai depender da distribuição da frequência Se a distribuição for
paramétrica (ou normal) as duas metades são equivalentes, caso a
distribuição não seja paramétrica a média não divide o grupo em duas metades
equivalentes. Esta informação é relevante porque, caso a distribuição não
seja paramétrica a média não deve representar adequadamente o valor de
um grupo (neste caso devemos optar pela utilização da mediana).
Exemplo:
Vamos supor os seguintes valores de estatura de adolescentes (grupo 1)
16.
As medidas de variabilidade mais utilizadas
são: 1. amplitude; 2. desvio médio; 3. variância; 4. desvio padrão; 5.
erro padrão da média e; 6. intervalo de confiança.
17.
A amplitude revela o quanto está dispersa uma distribuição. Para
obtê-la basta ordenar os escores e subtrair do escore mais elevado o escore
mais baixo.
Exemplo:
Vamos supor os seguintes valores de estatura de adolescentes (grupo 1)
18.
O desvio médio representa a média em que os escores se distanciam
do escore médio
Exemplo:
Na linha 1, vamos supor os seguintes valores de estatura de
adolescentes (grupo 1). Ao calcularmos a média do grupo 1 obteremos
1,67. Na linha 2 a distância dos escores em relação à média
19.
A variância e desvio padrão. Vamos inicialmente entender a lógica
do cálculo dessas medidas. Como veremos, o desvio médio e o desvio
padrão, embora sejam resultados de cálculos um pouco diferentes,
21.
O intervalo de confiança para média é uma medida de posição.
Indica um intervalo entre dois limites onde podemos, com determinada
probabilidade de confiança (95%), localizar o escore correto. Para
calcularmos o limite inferior do intervalo confiança subtraímos da média o
produto do erro padrão da média pelo valor da distribuição do “teste t
Student” para determinado “grau de liberdade” (numero de sujeitos da
amostra (n) –1 ). O valor “t de Student” é fixo pra cada valor de graus de
liberdade (n–1) e nível de significância (0,05) (constam em tabelas de
distribuição t de student). Para calcularmos o limite superior do intervalo
de confiança somamos à média o produto do erro padrão da média pelo
valor da distribuição do teste t, para determinado grau de liberdade (n–1) e
nível de significância (0,05)
Exemplo:
Valores de estatura de um grupo de cinco adolescentes:
23.
A distribuição paramétrica dos dados é representada por uma curva
em forma de sino cuja a média, mediana e moda coincidem e dividem a
população em duas metades equivalentes. Esta curva é denominada de
curva normal ou curva de Gauss (nome do seu descobridor).
24.
A curva normal apresenta as seguintes principais características: 1.
é simétrica, divide a curva em duas metades iguais; 2. tem a forma de sino;
3. as medidas média, mediana e moda coincidem e; 4. tem uma distribuição
de dados em que 68,26% dos dados estão entre +1 e –1 desvios padrão,
95,45% entre +2 e –2 desvios padrão e 99,73% entre +3 e –3 desvios padrão.
25.
Para definir se uma determinada distribuição dos dados é ou não
paramétrica valemo-nos de cálculos de medidas de simetria e curtose. A
simetria é evidente quando a média, mediana e moda são coincidentes e
26.
A curtose tem a ver com as características de verticalidade em relação
a curva normal. Na figura que segue demonstramos três curvas: 1. a curva
normal ou mesocúrtica (B); 2. As curvas mais achatadas denominadas de
platicúrticas (C), e as curvas mais alongadas denominadas de leptocúrticas
(A). As medidas de curtose definem se as curvas são mais alongadas ou
achatadas que a curva normal.
28.
Esses conceitos de dados paramétricos e não paramétricos são
relevantes pois permitem que possamos entender a lógica da opção por
testes estatísticos (paramétricos ou não paramétricos). Se nossos dados
tem uma distribuição normal ou paramétrica é evidente que a média é uma
boa medida para tratarmos nossos dados. A média e o desvio padrão, por
exemplo, dão uma boa indicação do comportamento de tendência central e
dispersão dos dados do(s) grupo(s) que vamos medir. Todavia, se a
distribuição dos dados é não paramétrica a média e o desvio padrão não
representam bem o perfil do grupo e portanto devemos optar por outra
medida. A mediana, por exemplo. Neste caso, quando utilizamos a mediana
os testes de hipóteses não utilizam os valores absolutos dos dados (por
exemplo a estatura de um estudante) eles tratam com valores de ordem (a
posição ascendente ou descendente do estudante em seu grupo. São valores
numa escala ordinal. Ver exemplo 1 do parágrafo 12).
30.
Entende-se por medidas repetidas (dependentes) quando medimos
apenas um grupo de sujeitos em situações distintas (pré e pós teste, por
31.
Entende-se por medidas independentes quanto temos dois ou mais
grupos independentes de sujeitos. Em outras palavras, quando temos dois
ou mais grupos sorteados aleatoriamente de uma população.
32.
A necessidade de levarmos em consideração estes critérios na escolha
da ferramenta estatística decorre do conceito de graus de liberdade (gl).
Graus de liberdade é um estimador do número de categorias independentes
num teste particular ou experiência estatística. Quando numa pesquisa
operamos com grupos de sujeitos o gl é representado por k–1 onde k é o
número de grupos. Assim, quando medimos apenas um grupo com pré e
pós teste ou grupos emparelhados, estaremos comparando os mesmos
sujeitos (ou sujeitos equivalentes) em dois momentos. Neste caso temos a
variância entre os grupos nos dois momentos em que efetuamos a medida
mas, não temos a variância intrasujeitos, (os sujeitos são os mesmos nas
dois momentos). Por outro lado se medimos dois grupos independentes,
além da variância entre os dois momentos em que efetuamos as medidas
temos a variância entre os sujeitos dos dois grupos. No primeiro caso temos:
gl = k–1 = 2–1 = 1 (1 grau de liberdade) . No segundo caso temos gl = k–
3–1 = 2 (2 graus de liberdade).
33.
Os graus de liberdade afetam a robustez do teste estatístico, por isso,
quando selecionamos uma ferramenta estatística devemos previamente saber
se nossas medidas são emparelhadas ou dependentes ou são medidas
independentes.
Exercícios
35.
Exercício 1:
Voltemos ao exemplo 1 do parágrafo 5 no capítulo 7 deste livro.
Objetivo: “Comparar os efeitos dos programas de treinamento
concorrente e treinamento de força sobre a força máxima em idosos”.
O instrumento para medir a força máxima nos idosos é um
dinamômetro de preensão manual que mede a força em kg. Serão
selecionados aleatoriamente dois grupos de idosos (Grupo 1: treinamento
concorrente; Grupo 2: treinamento de força). Os resultados sugerem uma
distribuição normal dos resultados. Qual o teste estatístico adequado para
sugerir inferências dos resultados a população de idosos?
Referências
CARDOSO, M. & GAYA, A. Fatores motivacionais para a prática
desportiva e sua relação com o sexo, idade e nível de desempenho
desportivo. Perfil, 1998
TORRES, L & GAYA, A. Hábitos de Vida e a prática esportiva em
alunos de uma escola municipal de Porto Alegre. Perfil, 1997.
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
BARROS, M. ....
GREEN,J.; D’OLIVEIRA, M. Testes Estatísticos em Psicologia.
Lisboa: Estampa, 1991.
1.
Este capítulo é muito simples. Elementar, quase desnecessário.
Relutei em inseri-lo neste livro. Afinal, não tenho muito à acrescentar aos
diversos manuais de metodologia da pesquisa científica. Convenceu-me o
pedido de meus alunos da graduação ao final do semestre. Eles reivindicaram
um texto aos moldes de um manual simples e objetivo. Acatei o pedido e me
dediquei a tarefa, evidentemente ao longo da redação inseri alguns
comentários que considero relevante para o desafio da iniciação científica.
2.
Adotei a seguinte perspectiva: como a formatação de um projeto de
pesquisa não exige tantas formalidades como ocorre com o relatório final,
não obstante, tendo em mente que um bom projeto auxilia muito a formatação
do relatório final optei por exigir de meus alunos (e de meus leitores) os
mesmos requisitos do relatório (evidentemente sem os resultados, discussão
dos resultados e conclusões). Tenho a convicção que desta forma “pescamos
dois peixes num único anzol”, um bom projeto e um bom rascunho para o
relatório final.
3.
Consultei algumas dissertações e teses de colegas que tive a honra
de orientar no programa de Pós-graduação em Ciências do Movimento
Humano da UFRGS e fui montando o texto e desenhando figuras. Como
referi no primeiro parágrafo, acrescentei alguns comentário que entendo
procedentes e, quando no caminho reencontro temas que já foram
devidamente abordados ao longo do livro, simplesmente remeto os leitores
aos respectivos capítulos.
5.
Na capa deve constar: 1. a instituição
de origem; 2. o título do projeto, normalmente
centrado e em caixa alta; (3) o nome do autor,
centrado ou justificado à direita e; (4) ao pé
da página a cidade e o ano de apresentação.
6.
Na folha de rosto: 1. o nome do autor;
2. no centro da página o título do trabalho,
centrado e em caixa alta; (3) a finalidade do
projeto, justificado à esquerda e com
parágrafo avançado além do centro da página;
(4) Nome do orientador, abaixo do texto sobre
a finalidade do projeto, justificado à direita e;
(5) local, mês e ano, ao pé da página.
8.
Resumos em português e em Inglês, elementos pré-textuais
obrigatório no relatório final da pesquisa todavia, opcional na fase do projeto.
Entretanto, como as principais agências de fomento à pesquisa exigem em
seus editais a apresentação de um resumo, considero importante que o
estudante de iniciação científica incorpore esse procedimento (pelo menos
o resumo em português) já em seu projeto de TCC.
RESUMO
11.
As lista são formatadas em três colunas: 1. na coluna da esquerda
enumeramos as ilustração, as tabela ou as abreviatura; 2. na coluna central
anunciamos o título da ilustração e; (3) na coluna à direita a página onde se
encontra a ilustração, tabela ou abreviatura.
13.
A formatação de um sumário pode (e deve) ser elaborado
automaticamente pelos editores de texto. O “word”, provavelmente o editor
mais utilizado por nossa comunidade, permite com muita facilidade editar
prefácios com várias características e possibilidades. Na internet, encontram-
se vários textos e vídeos que ilustram como utilizar tais ferramentas. Ver
por exemplo:
http://www.tudosobremonografia.com/2011/02/como-fazer-um-
sumario-automatico-word.html
www.youtube.com/watch?v = 87ZHGqbo8D4
https://www.youtube.com/user/magnusaulasetutorial
Exemplo de um sumário
20.
Os procedimentos metodológicos constituem a sessão mais
relevante de um projeto de pesquisa. Aí são apresentados todos os
procedimentos de operacionalização do projeto. A descrição objetiva e
detalhada do plano de trabalho
permite a outros pesquisadores
replicar o estudo de forma a
confirmar (ou não) os resultados
de uma pesquisa. Os
procedimentos metodológicos
consolida a qualidade do projeto.
É, principalmente nesta sessão
onde os avaliadores e consultores
dedicam sua atenção para julgar a
adequação e pertinência do projeto.
A coerência e a consistência entre
a formulação do problema, o
enunciado das hipóteses ou
questões de pesquisa, a definição
das variáveis, os sujeitos da
pesquisa, os instrumentos de coleta
de dados, o tratamento das
informações, os procedimentos
éticos e o cronograma são,
definitivamente, os critérios de
avaliação mais significativos para
a aprovação de um projeto de
pesquisa científica. Acrescenta-se
aos procedimentos metodológicos
a apresentação das referencias e
os documentos pós-textuais
(anexos e apêndices).
22.
Todavia, todo o problema de pesquisa nos conduz à respostas
preliminares. Respostas que, através de nossa experiência, conhecimentos
e intuição sugerimos como possível solução para o problema da pesquisa.
Não podemos a priori assegurar sua validade, aliás é este o objetivo da
investigação, todavia propomos respostas provisórias em forma de
hipótese(s). A(s) hipótese(s) são respostas preliminares ao problema da
pesquisa que serão testadas no decorrer da investigação. Portanto, logo
após a formulação do problema sugiro que o pesquisador anuncie suas
hipóteses.
23.
Todavia, em alguns modelos de estudo o pesquisador não tem
hipótese(s). É o caso de alguma pesquisas exploratórias ou descritivas. O
pesquisador não sabe o que poderá encontrar no caminho de sua pesquisa.
Não tem uma conjetura para validar. Ele vai explorar um novo tema, uma
dada realidade empírica sobre a qual tem pouca informação. Por exemplo:
o pesquisador pretende descrever os hábitos de lazer esportivo de uma
comunidade indígenas no interior do país, ora ele não tem informações
preliminares que lhe permitam supor hipóteses. Nestes casos, sugiro que o
pesquisador, anuncie questões de pesquisa (ver capítulo 9). As questões de
pesquisa são perguntas objetivas e pontuais que auxiliam o pesquisador
encontrar os caminhos para compor o quadro amplo de informações que
deem conta do problema da pesquisa. São as questões orientadoras.
25.
Delineamento metodológico, caracterização ou método é o
próximo item a ser anunciado (ver capítulos 11 a 16). Trata-se de descrever
o método (descritivo, de associação ou causal); a abordagem (qualitativa,
quantitativa ou mista) e as estratégias de pesquisa (o desenho metodológico
propriamente dito: estudo experimental, quase-experimental, semi-
experimental, estudo de caso, etnografia, etc.).
26.
Já temos o problema da pesquisa; as hipóteses; as variáveis; o método;
a abordagem e as estratégias, nos falta indicar onde e quem vamos investigar.
Portanto, falta definir os sujeitos da pesquisa ou, em outras palavras a
população e a amostra (ver capítulo 17).
27.
Já sabemos onde e com quem pesquisar. Já definimos a população e
amostra, os sujeitos da pesquisa. Todavia, como vamos coletar os dados:
vamos observar, entrevistar, aplicar questionário, aplicar medidas e testes?
Enfim, quais serão os instrumentos de coleta de dados ou informações?
É importante salientar que ao anunciar os instrumentos de coleta dados se
faz mister descrever: sua validade, fidedignidade e objetividade e, além
disso, explicitar com detalhes todo os procedimentos e os locais para a
coleta dos dados? (ver capítulo 18).
29.
Tendo planejado nosso plano de ação, quais os cuidados que vamos
adotar para garantir aos nossos sujeitos de pesquisa o pleno respeito à sua
integridade física, psicológica, moral? Qual o grau de sigilo das informações
que serão coletadas? Nossos sujeitos da pesquisa têm liberdade para
abandonar o projeto se assim o desejarem por qualquer motivo e a qualquer
momento? Quais as reponsabilidades dos pesquisadores frente a algum
acidente ou incidente no decorrer da pesquisa ou mesmo após a pesquisa
encerrada desde que decorrente desta? Os sujeitos estão inteiramente ciente
de seus direitos? Eles estão devidamente informados? Eles tem acesso
fácil ao pesquisador responsável? Ao comitê de ética em pesquisa? Tudo
isso deve estar ao detalhe e com linguagem acessível anunciado nos
Procedimentos éticos (ver capítulo Betão).
30.
O Cronograma é parte relevante num projeto de pesquisa e,
absolutamente deve ser subestimado, ou tratado como mero procedimento
burocrático. Um cronograma com informações indevidas, que não respeita
a lógica das ações no tempo devido ou, em outras palavras, que apresenta
prazos muito curtos ou muito longos para determinadas ações corre o sério
risco de ver inviabilizada sua aprovação pelas câmaras ou comitês de
pesquisa, de ética ou órgãos de fomento.
31.
O cronograma é uma representação, normalmente em forma de
quadro, do tempo investido nas diversas tarefas condizentes ao projeto de
pesquisa. Na essência é uma lista de atividades interligadas por relações de
dependência que identifica as diversas fases de um projeto delimita prazos
e permite o controle da realização destas atividades e do projeto.
32.
Orçamento. É um plano financeiro que considera a previsão de
receitas e despesas inerentes a realização do projeto de pesquisa. Relaciona
os recursos a serem utilizados: material permanente (computadores,
impressoras, instrumentos de medida, prédios, etc.); material de consumo
(resmas de papel, cartuchos para impressoras, canetas, etc.); serviços de
33.
Referências. Constituem uma lista ordenada dos materiais de
consulta devidamente citados no corpo do projeto. São dois os principais
sistemas de referências utilizados: 1. o sistema alfabético onde as citações
são organizadas no final do trabalho em uma única ordem alfabética. Ou
seja, a ordem na lista das referências é, independente de onde o(s) autor(es)
se situa(m) no texto, organizada pela inicial do sobrenome do autor ou, em
caso de coautoria, do sobrenome do primeiro autor. É o sistema sugerido
pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). 2. o sistema
numérico é também conhecido como sistema Vancouver, supões que na
lista de referencias as citações aparecem numeradas, em ordem crescente
a partir da ordem em que aparecem no texto do projeto.
34.
Referências à livros:
Autores >>> Título e subtítulo >>> Edição >>> Local >>> Editora >>> Data
BARROS, M.V.G.; REIS, R. S.; HALLAL, P.C.; FLORINDO, A. A.; FARIA JÚNIOR, J.C.
Análise de dados em saúde (3.ed.). Londrina : Midiograf, 2012.
35.
Os Organizadores são os responsáveis pela publicação de uma
obra coletiva. Neste caso, quando se referencia um capítulo de algum autor
que compõe a obra coletiva cita-se seu nome, o título do capítulo seguido de
“In”, o nome dos organizadores do livro e acrescenta-se entre parênteses a
abreviatura (Org), segue o título do livro, local, : editora e as páginas, inicial
e final, onde se localiza o artigo.
Exemplo:
BENTO, J. O. Desporto para crianças e jovens: das causas e dos fins, In. GAYA, A.;
MARQUES, A.; TANI, G. (org) Desporto para crianças e jovens: razões e finalidades.
Porto Alegre : Editora da UFRGS, 2004, ps. 21-55.
36.
Autor entidade são livros publicados por entidades oficiais, de classe
ou congêneres.
Exemplo:
37.
Sem autoria. Em caso de autoria desconhecida, a referência é
anunciada a partir da primeira palavra do título em negrito e letras maiúsculas.
38.
Livros retirados da internet. Referencia semelhante ao do livro
em papel, acrescentando-se o endereço do site e a data de acesso.
Exemplo:
39.
Artigo de revista.
Autor >>> Título do artigo >>> Título do periódico (em negrito) >>> Local >>>
Volume >>> Fascículo >>> páginas (inicial e final do artigo) >>> Data.
40.
Artigo de Jornal
Autor(es) [se houver] >>> Título da reportagem >>> Título do Jornal (em negrito)
>>> local >>> Data >>> Caderno ou parte do jornal >>> página.
41
Nas referências de trabalhos de conclusão de curso (monografias,
dissertações e teses) devem ser indicados: além do autor e título: o nome
do orientador academico, o tipo de documento (tese, dissertação, trabalho
de conclusão de curso), o grau (graduação, especialização, mestrado,
doutorado), a vinculação acadêmica, o local e a data.
Exemplo:
MOREIRA, R.B. Níveis de atividade física nas aulas de educação física. Orientador
Adroaldo Gaya, Tese (doutorado), Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Escola de Educação Física, Programa de Pós-graduação em Ciências do Movimento
Human, Porto Alegre, Br-Rs, 2014.
42.
As referências de meios eletrônicos são sites, bases de dados,
listas de discussão, etc.
Autor (se houver) >>> meio eletrônico (bases de dados, site, etc.) >>> endereço
eletrônico >>> data de acesso.
Exemplo:
43.
Após as referencias, seguem se houver necessidade os apêndices
e anexos. Ambos são documentos que servem como ilustrações,
complementações de informações (fotos, desenhos, termos de consentimento
livre e esclarecido, cálculos estatísticos, etc., relacionadas ao projeto.
Considera-se apêndices quando o texto é elaborado pelo autor do projeto e
anexo quando não for de autoria do pesquisador.
1
Exemplos de anexo e apêndice tirado do projeto de dissertação de Ariele Dias….
Termo de autorização
Introdução
Dois momentos em que a universidade bate à porta da
escola como um pedinte faminto: o estágio dos nossos
alunos da graduação e a realização de uma pesquisa
sobre a escola, a sala de aula ou a prática pedagógica
de um professor.
(TELLES, 2002, p. 92)
1.
Os cursos de licenciatura nas suas diversas áreas do saber se deparam
com a crescente necessidade de produzir conhecimento científico sobre as
práticas pedagógicas no ambiente escolar. Entretanto, principalmente nas
licenciaturas intimamente ligadas às ciências biológicas e da natureza, os
modelos quantitativos hegemônicos da produção do conhecimento científico
migram diretamente dos laboratórios para o ambiente escolar levando
consigo exigências metodológicas que causam dificuldades operacionais
aos professores-pesquisadores. Não obstante, salienta-se que não se trata
de questionar a elegância teórica, a qualidade e o rigor desses métodos
quantitativos clássicos. O que está em causa não é sua idoneidade científica,
mas sua possibilidade de adaptar-se ao ambiente escolar. Os modelos
experimentais clássicos exigem um conjunto de pressupostos que na maioria
das vezes inviabilizam sua aplicação nas pesquisas pedagógicas. Por
exemplo: a exigência da aleatoriedade da amostra, a distribuição
probabilística, a delimitação da dimensão da amostra e os pressupostos da
estatística inferencial. Os requisitos de Fischer, como são conhecidas essas
exigências (cf. SALSBURG, 2009), não se ajustam facilmente ao ambiente
escolar. O objetivo deste ensaio é sugerir um conjunto de alternativas de
2.
Define-se operacionalmente a pesquisa avaliativa aplicada às práticas
pedagógicas como um conjunto de procedimentos sistemáticos de coleta,
analise e interpretação de dados fidedignos e válidos para a avaliação da
eficácia e tomada de decisões sobre os programas de intervenção pedagógica
no ambiente escolar.
3.
A pesquisa avaliativa, em relação a pesquisa experimental tradicional,
é mais focada na busca de efetivos resultados práticos. Como referem
Seltz, Wrightsman & Cook (1987), seus resultados não se destinam apenas
a incrementar o corpo de conhecimentos ou a desenvolver teorias, são
utilizados imediatamente para a tomada de decisões. Há duas classes de
pesquisa avaliativa: a pesquisa somativa que avalia o produto final da
intervenção e; a pesquisa formativa que avalia o processo de intervenção
(CONTANDRIOPOULOS, 2006). Este ensaio restringe-se aos
delineamentos da pesquisa avaliativa somativa com abordagem quantitativa
com medidas nominais dicotômicas (do tipo sucesso/insucesso).
1
“Ad hoc”: referente a argumento, proposta ou hipótese formulada com o único objetivo de legitimar ou defender
uma teoria, e não em decorrência de uma compreensão objetiva e isenta da realidade.
Fonte: Adaptado pelos autores de ARNAL, J.; Del RINCÓN, D.; LATORRE, A. (1992)
5.
Este ensaio discorre sobre as propostas de estratégias operacionais
das pesquisas avaliativas somativas com abordagem quantitativa e medidas
nominais dicotômicas para a avaliação da eficácia de programas de
intervenção pedagógica a partir de dois delineamentos: 1. com pré e pós
teste de grupo único e; 2. com grupo de intervenção e grupo controle não
equivalentes. Para todos os modelos sugere-se o tratamento dos dados a
7.
Sugere-se, neste ensaio, que as variáveis de desfecho (variáveis
dependentes) sejam medidas em escala nominal dicotômica. As variáveis
medidas em escala nominal dicotômica permitem que o professor-
pesquisador possa afirmar a eficácia de seu projeto de intervenção
pedagógica (medidas de dimensão do efeito) diretamente pela ocorrência
dos alunos que obtiveram sucesso (ou insucesso). Tem-se a convicção de
que para o professor-pesquisador é mais relevante identificar os alunos que
beneficiaram-se (ou não) de sua intervenção pedagógica do que comparar
as médias e desvios padrão do grupo de alunos antes a após intervenção.
2
Talvez seja importante esclarecer uma confusão conceitual recorrente na comunidade científica. Trata-se da
asserção de que as pesquisas que limitam-se a estatística descritiva não possam generalizar seus resultados para
além do grupo investigado. É preciso estarmos atentos para dois conceitos distintos: generalizações estatísticas
e, generalizações analíticas (Cf. YIN, 2015). No primeiro caso trata-se de inferências sobre uma população com
base nos dados empíricos coletados de uma amostra. Trata-se de generalizar resultados. No segundo caso não
se trata de generalizar resultados empíricos (dados) mas sim de generalizar hipóteses ou teorias que resultam da
valoração do pesquisador sobre os resultados da pesquisa.
8.
Sugere-se os seguintes indicadores3 estatísticos para a descrição e
avaliação do impacto de uma intervenção pedagógica com variáveis
dependentes em escala nominal dicotômica através das medidas de dimensão
do efeito; 1. Medidas de Prevalência (MP); 2. Medidas de Incidência (MI);
3. Medidas de Chance (MC) e; 4. Processo de Valoração (PV).
Vamos discorrer sobre esse indicadores através do exemplo
apresentado no quadro 2.
Numa escola com 400 alunos, identificam-se 80 deles com distorção idade/ano escolar4.
O serviço de orientação pedagógica propôs uma intervenção para a correção de
fluxo escolar. Após a intervenção (com grupos de reforço escolar, laboratórios de
aprendizagem, etc., com os alunos em distorção idade/ano escolar) o numero absoluto
de alunos com distorção idade/ano escolar (80) reduziu para 50 alunos. Portanto 30
alunos corrigiram seu fluxo escolar.
3
Pode-se utilizar outros indicadores similares: a razão de prevalência (RR). A razão de Incidência (RI) e a razão
de chance ou: “odds ratio (RC). Nestes casos não se multiplica os resultados da divisão por 100. Em nosso exemplo
a RP antes da intervenção pedagógica seria = 0,2; a RP após intervenção = 0,07 e; a RC = 0,6.
4
Se define a distorção idade/ano escolar quando há uma defasagem superior a dois anos entre a idade do alunos
e o ano que está cursando. As medidas para minimizar ou eliminar estas diferenças é definido como correção de
fluxo escolar.
5
Evidentemente esta escolha também depende do tema que estamos tratando (por isso a denominação “ad
hoc”). Talvez, caso estivéssemos avaliando um projeto para adolescentes dependentes de drogas, 20% de
proporção de ocorrência de sucesso, embora seja uma percentagem relativamente baixa, poderia ser considerada
pertinente.
X2 = [ (B – C) – 1]2 / B+ C
X2 = [12 – 2]–12 / 12 +2 = 81/14 = 5,78
6
Tabelas de valor critic de X2 pode ser facilmente encontrada em qualquer livro básico de estatística ou na Internet.
7
QuickCalcs (www.graphpad.co/scientific-softwerw). Acesso em 10 de maio de 2015.
Considerando as notas o professor pareou os seus alunos das turmas “A” e “B” da
seguinte forma:
13.
Após a sugestão de ajustamento dos grupos por pareamento, para
avaliação de intervenções pedagógicas em desenhos de grupos intervenção
e controle com variáveis dicotômicas em escala nominal sugere-se: 1. testes
de medidas de efeito e; 2. o teste do Qui-quadrado (X2) com correção de
Yates quando os sujeitos da pesquisa forem menos de 20 ou quando numa
das células da tabela de contingência houver menos de 5 alunos.
14.
Para discorrer sobre estas estratégias de avaliação do impacto da
intervenção pedagógica, no quadro 5 dá-se seguimento ao exemplo anterior.
QUADRO 5: Notas e avaliações dos alunos das turmas “A” e “B no Pós-teste
(dados fictícios)
Supõe-se que na tabela seguinte estão os resultados das duas turmas de língua
inglesa após a intervenção pedagógica com o método inovador no grupo “A” e o
modelo tradicional de ensino no grupo “B”.
Notas e avaliação dos alunos das turmas “A” e “B” no pós-teste (dados fictícios)
Medidas de prevalência
A prevalência de alunos proficientes em inglês antes das intervenções
pedagógicas (pré-teste) na turma “A” (primeira e segunda linhas da primeira tabela
do quadro 4) é = 3/18 = 0,16. Interpreta-se que 16% (0,16 x 100) dos alunos são
proficientes antes das aulas.
O mesmo resultado de prevalência é encontrado (no pré-teste) com os alunos da
turma “B” (terceira e quarta linhas da primeira tabela do quadro 4)
3/18 = 0,16 ou 16% .
A prevalência de alunos proficientes em inglês após as intervenções
pedagógicas (pós-teste) com o método inovador (Turma “A”) é = 14/18 = 0,77.
Interpreta-se que 77% dos alunos estão proficientes em inglês após as aulas com o
método inovador.
A Prevalência de alunos proficientes em inglês após as aulas (pós-teste) com
o método tradicional (Turma “B”) é = 8/18 = 0,44. Interpreta-se que 44% dos
alunos estão proficientes em inglês após as aulas tradicionais.
Medidas de incidência
A incidência de alunos proficientes na Turma “A” é de 11 estudantes, portanto 11/18
= 0,61. Interpreta-se que houve a incidência 61% de alunos proficientes em inglês
com o método inovador
A incidência de alunos proficientes na Turma “B” é de 5 alunos para o nível proficiente
com a método tradicional, portanto 5/18 = 0,27. Interpreta-se que 27% dos estudantes
migraram de Não Proficiente para Proficiente através do método tradicional
A Razão de incidência
É a razão entre os valores de incidência nas duas turmas, considerando o total de
alunos em cada turma (18). A razão de incidência é = 0,61/0,27 = 2,25. Interpreta-
se que os alunos da turma “A” com o método inovador têm 2,25 vezes mais chance de
serem proficientes em inglês do que os alunos da Turma “B” com o método tradicional..
Medidas de razão de chance (eficácia)
Considere-se que as medidas de razão de chance constituem-se pela razão entre a
ocorrência de alunos proficiente e não proficiente em cada análise. Nas duas turmas
os resultados são semelhantes. São 3 alunos proficientes e 15 não proficientes.
Portanto a chance dos alunos serem proficientes antes das intervenções pedagógicas
é = 3/15 = 0,20. Interpreta-se que 0,20 é a chance dos alunos serem proficientes
antes das práticas pedagógicas.
8
Sempre que uma amostra for inferir a 20 ou, que numa das células da tabela de contingência do X2
ocorram valores inferiores a 5 recomenda-se a Correção de Yates. No exemplo do quadro 6, este procedimento
está incorporado no terceiro passo representado pela subtração de 0,5 na frequência de cada célula.
9
CLEGG, F. Estatística para Todos. Tradução de Catarina Horta. Lisboa: Gradiva, 1995.
Síntese
Este ensaio é fruto da experiência de seus autores na docência de
metodologia da pesquisa em cursos de formação de professores e da vivencia
em escolas de educação básica. Originou-se da constatação sobre as
dificuldades encontradas pelos estagiários e professores no trato da
investigação científica no âmbito das práticas pedagógicas. Repetidas vezes
quando tais estagiários em seus trabalhos de conclusão de curso planejavam
pesquisas de abordagem quantitativa no ambiente escolar deparavam-se
com os modelos hegemônicos cujas exigências de rigor inviabilizavam sua
aplicação. Os pressupostos de Fischer para as pesquisas probabilísticas
Referências
Arnal, J.; Del Rincon, D, & Latorre, A. Investigación educativa:
fundamentos y metodología. Barcelona: Labor, 1992
Barros, M.; Reis, R; Hallal, P.; Florindo, A.; Farias Júnior, J. Análise de
dados em saúde. (3a ed.) Londrina: Midiograf, 2012.
Clegg, F. Estatística para todos. Lisboa: Gradiva , 1995.
Cohem, J. Statitics power analysis for the behavioral sciences. (2a
Ed). New York. Academic Press, 1988.
Contandriopoulo, A.P.; Champagne, F.; Denis, J.L. & Pineault, R. In.
Hartz, Z.M.A, Avaliação em Saúde: Dos modelos conceituais à prática
na análise de implementação de programas. Rio de Janeiro: Osvaldo
Cruz, 1987.
De La Ordem, A. Diccionario de ciências de la educación. Investigación
educativa. Madrid: Anaya, 1985.
Gaya, A. Ciências do Movimento Humano. Introdução à metodologia
ANEXO
Valores críticos de X2
Metanálise
4.
Uma revisão sistemática pode conter ou não metanálise. Quando os
resultados de estudos primários são sumarizados, mas não estatisticamente
combinados, a revisão pode ser chamada de revisão sistemática qualitativa;
porém quando uma revisão utiliza métodos estatísticos para combinar os
resultados de dois ou mais estudos primários, ela passa a se chamar revisão
sistemática quantitativa ou metanálise (COOK, MULROW, HAYNES,
1997). A metanálise pode ser realizada para desfechos categóricos (exemplo:
mortalidade) e para desfechos contínuos (exemplo: força muscular, pressão
arterial, entre outros).
5.
Pela combinação de informações dos estudos relevantes, a metanálise
pode prover estimativas mais precisas dos efeitos de intervenções em
cuidados da saúde do que aquelas derivadas dos estudos individuais incluídos
dentro de uma revisão. A metanálise também facilita a investigação da
6.
Existem softwares específicos para a realização da metanálise. Uma
dessas ferramentas é o programa de revisão sistemática da Colaboração
Cochrane chamado Review Manager (http://ims.cochrane.org/revman/
download). Outra opção gratuita é o programa estatístico “R” (http://
www.rproject.org/). Algumas opções de programas comerciais são o
Comprehensive Meta-Analysis (http://www.meta-analysis.com/
index.php), MetaWin (http://www.metawinsoft.com), WEasyMa (http://
www.weasyma.com) que também possuem opções demo gratuitas e o SAS
(http://www.sas.com), STATA (http://www.stata.com) ou WinBUGS (http:/
/www.mrc-bsu.cam.ac.uk/bugs) (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012).
7.
O gráfico da metanálise é denominado de forest plot (gráfico de
floresta) e o símbolo do resultado final da metanálise é chamado de diamante.
Esse gráfico exibe a estimativa de efeito (tamanho do efeito) e intervalo de
confiança para os estudos individuais e para a metanálise, além de permitir
uma inspeção rápida qualitativa, acerca das tendências do estudo e conclusão
da metanálise (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012).
8.
Como podemos interpretar um gráfico da metanálise? Vamos levar
em consideração o seguinte exemplo: esse gráfico é uma metanálise de
desfecho contínuo que responde a seguinte questão de pesquisa: qual o
efeito do treinamento muscular inspiratório (IMT na figura) comparado com
grupo controle (control na figura) sobre a pressão inspiratória máxima em
pacientes com insuficiência cardíaca? (PLENTZ et al, 2012).
9.
No gráfico da metanálise, as linhas horizontais representam os
intervalos de confiança de cada estudo. O ponto central de cada linha
horizontal representa o tamanho do efeito de cada estudo. Se a linha
horizontal tocar ou cruzar a linha vertical central do gráfico, em que para
desfechos contínuos o valor neutro (nulo) é o zero, isto indica que não há
diferença estatística entre os grupos intervenção e controle em relação ao
benefício ou malefício da intervenção. O resultado final da metanálise é
expresso de forma gráfica em forma de um diamante. Na parte inferior do
gráfico, o valor de Z é um teste estatístico da significância do efeito global,
isto é, uma medida matemática equivalente à localização e à largura do
diamante no gráfico. O valor de qui-quadrado (I2) é um teste estatístico de
homogeneidade do tamanho do efeito entre os estudos (Teste de
Inconsistência), isto é, uma medida de consistência do resultado entre os
estudos individuais.
10.
Analisando o resultado final da metanálise: caso o diamante toque ou
cruze a linha vertical central do gráfico, entende-se que não há diferença
significativa entre a intervenção e o grupo controle de todos os estudos em
conjunto. Se o diamante estiver totalmente à esquerda da linha central do
gráfico, isto indica que a intervenção reduziu significativamente o desfecho
11.
No exemplo acima, observamos uma metanálise de desfecho
categórico que responde a seguinte questão de pesquisa: qual o efeito do
ultrassom intracoronário comparado à angiografia coronariana sobre a
reestenose angiográfica no implante de stents coronarianos? A interpretação
é a mesma do gráfico de desfecho contínuo, exceto que a linha central do
gráfico tem como valor neutro (nulo) o 1 (um) pois geralmente a medida de
efeito utilizada em metanálises de desfechos categóricos é o risco relativo
ou o odds ratio. Nesse exemplo, podemos observar que o diamante esta
totalmente à esquerda da linha central, indicando que a intervenção, no
caso o ultrassom intracoronário comparado a angiografia, reduziu
significativamente a taxa de reestenose angiográfica (risco relativo: 0,73;
IC95%: 0,54–0,97) no implante de stents coronarianos (SBRUZZI et al,
2012).
13.
Outra importância da revisão sistemática com metanálise é que as
metanálises combinam os dados de todos os estudos que avaliaram
tratamentos iguais ou similares para pacientes com uma condição específica.
Deste modo, obtêm-se estimativas de efeito com maior precisão (menos
erro aleatório) devido ao aumento do tamanho de amostra, tornando o
intervalo de confiança mais estreito.
14.
Ainda, a revisão sistemática permite realizar análises mais consistentes
de subgrupos, por exemplo, entre homens e mulheres, ou entre diferentes
parâmetros e intensidades da intervenção. Isso é uma vantagem, visto que
em alguns estudos primários essas análises ficam prejudicadas devido ao
pequeno número de pacientes incluídos no estudo.
15.
E por fim, uma das importâncias da revisão sistemática é que ela
identifica a necessidade de planejamento de estudos maiores e definitivos.
Por exemplo, se somente poucos estudos com pequenos tamanhos de amostra
forem incluídos, a estimativa de efeito gerada pela metanálise apresentará
um largo intervalo de confiança gerando um resultado inconclusivo, o que
poderá sugerir a necessidade de novos estudos com maior poder estatístico
17.
Ainda, a revisão sistemática pode estar sujeita a alguns vieses, tais
como viés de publicação e viés de seleção. O viés de publicação pode
ocorrer quando a busca realizada na literatura pelos estudos primários
apresenta falhas, como realização de uma busca muito específica, além de
restrição de idioma. Isso pode dificultar que se encontre alguns estudos,
como por exemplo, os estudos com resultados negativos que são menos
frequentemente publicados ou são publicados na língua nacional dos autores.
O viés de seleção pode ocorrer quando a questão de pesquisa não é
adequadamente formulada, podendo levar a subjetividade na inclusão dos
estudos.
18.
Outra limitação da revisão sistemática é que por mais que tenha sido
construída uma questão de pesquisa específica, pode haver diferenças
entre os pacientes e entre as intervenções nos estudos primários, além da
existência de fatores de confusão, que podem levar a uma heterogeneidade
clínica entre os estudos (HIGGINS & GREEN, 2011; MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2012).
20.
A construção de uma revisão sistemática é dividida em três etapas
principais: Etapa I - planejamento, que engloba a formulação da questão de
pesquisa, a identificação da necessidade da revisão e a preparação e o
desenvolvimento do projeto de revisão sistemática; Etapa II - execução,
que engloba a identificação dos estudos na literatura, a seleção dos estudos,
a avaliação da qualidade metodológica dos estudos, a extração dos dados e
a síntese dos dados; e Etapa III - apresentação e divulgação, que engloba a
realização do relatório e a transferência das evidências para a prática clínica
(CASTRO). A seguir é sumarizado um tutorial para a realização, passo a
passo, de todas as etapas de uma revisão sistemática, com ou sem metanálise,
de ensaios clínicos randomizados:
21.
Formulação da questão de pesquisa: a questão de pesquisa deve
ser formulada claramente desde o início e deve contemplar o acrônimo
PICOT, onde cada letra representa um componente da questão. Deve conter
a população ou situação clínica que será estudada (P – participante ou
problema), a intervenção de interesse (I – intervenção), a comparação de
interesse (C – comparador), o (s) desfecho (s) de interesse (O – outcome)
e o delineamento dos estudos que serão incluídos na revisão (T – tipo de
estudo) (AKOBENG, 2005; HIGGINS & GREEN, 2011)
24.
Identificação dos estudos na literatura: após a realização dos
passos anteriores, deve ser realizada a busca na literatura pelos estudos
que contemplam a questão de pesquisa formulada. Para a localização desses
estudos, bases de dados eletrônicas são essenciais e úteis, mas, se apenas
essas são utilizadas, uma proporção substancial de estudos relevantes pode
não ser recuperada. Assim, a busca deve ser a mais completa, objetiva e
reprodutível possível, e por isso, é recomendado ampliar ao máximo as fontes
de busca. Dessa forma, sugere-se realizar a busca em bases eletrônicas de
dados para a recuperação de artigos publicados, além de busca por estudos
não publicados e estudos em andamento (HIGGINS & GREEN, 2011;
MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012). Abaixo, exemplos de fontes de busca
pelos estudos primários:
25
Busca em bases eletrônicas de dados publicados: são
consideradas bases essenciais que devem ser buscadas: MEDLINE
(livre acesso via PubMed - http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/),
EMBASE (acesso via assinatura - http://www.embase.com/login),
Cochrane Central (acesso pelo site oficial da Cochrane Library -
http://www.thecochranelibrary.com - ou livre acesso na Biblioteca
26.
Busca por estudos não publicados e em andamento: muitos
estudos são finalizados, mas não são publicados. As principais causas dessa
associação seriam resultados não significativos ou negativos. A identificação
destes estudos não é fácil (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012). Sugere-se
que a busca por esses estudos seja realizada em anais e resumos de
congressos através de busca manual, e em bancos de dissertações e teses.
Também pode ser realizada uma busca em bases de registro de ensaios
clínicos randomizados como o Clinical Trials (https://clinicaltrials.gov/) e o
Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (REBEC - http://
www.ensaiosclinicos.gov.br/). Nessas bases, podem ser encontrados os
estudos que estão em andamento e/ou os estudos finalizados que não foram
publicados. Além disso, também se sugere a busca manual na lista das
referências bibliográficas de revisões prévias sobre o assunto ou dos outros
ensaios clínicos incluídos na revisão. E por fim, deve ser realizado contato
com autores da área que esta sendo estudada.
27.
Para a busca é importante especificar claramente a estratégia de
busca adotada em cada base de dados, juntamente com os termos de busca
usados. São as definições dos termos apropriados de busca, que devem
priorizar mais a sensibilidade que a especificidade, que irão garantir o resgate
de toda a potencial evidência disponível. Dessa forma, o conhecimento dos
mecanismos de busca nas várias bases de dados se faz necessário, já que
diferem bastante entre si. A construção da estratégia de busca pode ser
feita considerando os componentes do acrônimo PICOT. Entretanto, sugere-
se não definir termos para o “O” de desfecho, para não atribuir uma
especificidade não desejada nesta etapa de recuperação dos artigos
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012).
29.
Mas quais termos desses componentes devem ser utilizados? É
importante utilizar vocabulário controlado, que é o termo descritor do assunto,
já que a melhor estratégia de busca geralmente é obtida pela combinação
desses termos (SOUZA & RIBEIRO, 2009). O termo é específico de cada
base de dados: no MEDLINE e Cochrane Central chama-se MeSH
(Medical Subject Headings), no EMBASE chama-se EMTREE, e na Lilacs
chama-se DECs. Além disso, deve-se utilizar na busca também os descritores
não controlados como termos sinônimos dos termos controlados (no PubMed
são os entry terms que se encontram dentro da definição dos termos MeSH),
palavras textuais, variações de grafia, entre outros. Outro fato importante é
que não deve haver restrição de linguagem na busca para evitar o viés de
publicação.
30.
Abaixo é demonstrado um exemplo de passo a passo para a construção
de uma estratégia de busca e a estratégia de busca final utilizada na base
de dados PubMed para a seguinte questão de pesquisa: qual o efeito da
estimulação elétrica funcional comparada com exercício aeróbio ou grupo
controle (sem intervenção) sobre o consumo máximo de oxigênio, capacidade
funcional e força muscular em pacientes com insuficiência cardíaca, através
da análise de ensaios clínicos randomizados? (SBRUZZI et al, 2010).
31.
Primeiro, devem ser definidos quais componentes da questão de
pesquisa serão utilizados na busca. Nesse caso, utiliza-se a população, a
32.
Após a realização da busca em todas as bases de dados, os resultados
das bases podem ser reunidos em um programa gerenciador de referências
bibliográficas, como o EndNote (https://www.myendnoteweb.com), para a
realização da próxima fase da revisão sistemática que é a seleção desses
estudos, para observar quais estudos realmente serão incluídos na revisão
sistemática, já que a busca de estudos em todas as fontes de dados gera um
número muito maior de artigos do que os que realmente serão elegíveis
pelos critérios estabelecidos. Isto ocorre porque a estratégia de busca é
elaborada preconizando a sensibilidade em detrimento à especificidade
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012).
33.
Seleção dos estudos: Para a seleção dos estudos, os critérios de
elegibilidade devem já estar definidos e devem ser claros e reprodutíveis a
fim de minimizar vieses de seleção. Idealmente, dois revisores devem realizar
a seleção dos estudos de forma independente e cegada (SAMPAIO &
MANCINI, 2007). A primeira fase de seleção dos estudos encontrados na
busca da literatura implica a avaliação detalhada dos títulos e resumos, para
determinar sua inclusão ou não. Nessa fase, ainda não é necessário a
concordância dos dois revisores. Na segunda fase, artigos duvidosos devem
34.
Avaliação da qualidade metodológica ou risco de viés dos
estudos incluídos: a utilidade clínica de uma revisão sistemática depende
muito da qualidade metodológica dos estudos incluídos nela. Como os ensaios
clínicos randomizados são considerados o melhor método para avaliar a
eficácia de uma intervenção, o desenho do estudo, a condução e o relato
dos dados devem ser de alta qualidade (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012).
Assim, existem métodos para avaliar a qualidade dos ensaios clínicos
incluídos dentro de uma revisão sistemática. Basicamente, a avaliação do
risco de viés pode ser realizada a partir de uma avaliação descritiva dos
componentes metodológicos ou através do uso de escalas.
35.
A avaliação descritiva dos componentes metodológicos é realizada
através da análise das principais características que definem um ensaio
clínico randomizado de boa qualidade, e são características sugeridas pela
Colaboração Cochrane (HIGGINS & GREEN, 2011): geração da alocação
aleatória e sigilo da alocação (avaliam a existência de viés de seleção nos
estudos incluídos), cegamento dos pacientes e do terapeuta (avaliam a
existência de viés de desenvolvimento), cegamento dos avaliadores dos
desfechos (avalia a existência de viés de aferição), descrição das perdas
de seguimento e análise por intenção de tratar (avaliam a existência de viés
de seguimento), e relato seletivo dos desfechos (avalia a existência de viés
de relato). Cada um desses itens avaliados deve ser assinalado como sim,
não, não informado ou não claro, e cada característica pode ser descrita
36.
Escalas também podem ser utilizadas para a avaliação do risco de
viés, como a escala de Jadad, PEDro, lista de Delphi, entre outras. Porém,
o uso de escalas para esse fim é explicitamente desencorajado pela
Colaboração Cochrane (HIGGINS & GREEN, 2011). Isso ocorre porque
as escalas oferecem uma simplicidade atraente, porém oferecem menor
transparência para os leitores da revisão. Além disso, as escalas possibilitam
o cálculo de uma pontuação para os estudos atribuindo pesos para cada
item da escala, mas a justificativa do peso de cada item é incerta (HIGGINS
& GREEN, 2011). Assim, caso seja utilizado escalas para avaliação da
qualidade, sugere-se que seja demonstrado todos os itens avaliados pela
escala e não somente o escore final da mesma. A avaliação do risco de viés
também deve ser realizada por dois investigadores de forma independente.
37.
Extração dos dados: a extração dos dados é sempre guiada por um
formulário padronizado, elaborado previamente pelos autores da revisão, e
também é realizada por dois revisores de forma independente. Geralmente
os dados extraídos dos artigos primários são: nome do estudo, ano de
publicação, desenho metodológico, número de sujeitos em cada grupo, sexo
e idade média dos grupos, características dos participantes, características
do protocolo de intervenção, período de intervenção e seguimento, grupos
de comparação, variáveis analisadas, resultados dos desfechos, além das
características metodológicas como descrito no item acima. Todos esses
dados podem ser apresentados em uma tabela que destaca as características
principais dos estudos incluídos, o que é obrigatório em uma revisão
sistemática (MOHER et al, 2009). Ainda, caso os autores realizem
metanálise e encontrem heterogeneidade estatística entre os estudos, essas
características podem auxiliar na explicação dessa heterogeneidade através
da realização de análises de sensibilidade. Os autores dos estudos incluídos
podem ser contatados caso haja alguma dúvida quanto a algum dado
apresentado.
Fonte: Tradução do fluxograma sugerido pelo PRISMA Statement. Versão original em inglês disponível em
http://www.prisma-statement.org/.
39.
384 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA
Ainda, a seção de resultados deve conter uma tabela com as principais
características dos estudos incluídos, conforme discutido no item extração
dos dados desse capítulo; e deve conter os resultados da avaliação do risco
de viés de cada estudo avaliado, conforme discutido no respectivo item
desse capítulo.
40.
Se os resultados forem combinados em uma metanálise, deve ser
apresentado o resultado da metanálise de cada desfecho avaliado. Ainda, é
importante determinar se isso foi razoável. Um julgamento clínico deve ser
feito se os estudos primários apresentam diferenças nas características da
população estudada, intervenções e comparações e desfechos avaliados. A
validade estatística da combinação dos resultados dos estudos incluídos deve
ser avaliada pela homogeneidade dos desfechos dos artigos. Caso os
resultados dos estudos primários diferirem em um ou mais aspectos, será
apropriado realizar uma análise qualitativa dos dados. Quando há
heterogeneidade estatística, isto é, quando os estudos primários apresentam
variância entre si, os autores devem tentar explicar as possíveis fontes de
heterogeneidade (AKOBENG, 2005; COOK, MULROW, HAYNES, 1997).
41.
Interpretação dos resultados e avaliação da validade externa
da revisão sistemática e/ou metanálise: profissionais da saúde sempre
devem fazer um julgamento sobre se os resultados encontrados em um
estudo são válidos para a nossa população em questão. Isto é, os resultados
devem ser interpretados dentro do contexto da questão de saúde atual.
Além disso, devem ser consideradas as limitações metodológicas dos estudos
incluídos na revisão e da própria revisão sistemática (AKOBENG, 2005;
COOK, MULROW, HAYNES, 1997). Assim, a discussão pode ser
organizada da seguinte forma:
• sumário da evidência: resumem-se os principais achados da
revisão sistemática em um parágrafo;
• discussão dos resultados encontrados: procura-se discutir os
resultados sem repetir os valores descritos anteriormente, levando
em consideração a qualidade metodológica dos estudos incluídos;
• pontos fortes e limitações da revisão sistemática: devem-se discutir
quais os pontos fortes que a revisão apresenta (por exemplo: busca
ampla na literatura utilizando inúmeras fontes de estudos) e as
limitações da mesma (por exemplo: inclusão somente de estudos
Fonte: Adaptado de: CASTRO, AA. Curso de revisão sistemática e metanálise da Unifesp Virtual.
Referências
AKOBENG, A.K. Understanding systematic reviews and meta-
analysis. Arch Dis Child, v. 90, n. 8, p.845-8, 2005.
CASTRO, A.A. Curso de revisão sistemática e metanálise da Unifesp
Virtual. Disponível em http://www.virtual.unifesp.br/home/
card.php?obj = 14. Acesso em 30 de novembro de 2014.
COOK, D.J., MULROW, C.D., HAYNES, R.B. Systematic reviews:
synthesis of best evidence for clinical decisions. Ann Intern Med,
v. 126, n. 5, p. 376-80, 1997.
COOK, D.J., SACKETT, D.L., SPITZER, W.O. Methodologic
guidelines for systematic reviews of randomized control trials in
health care from the Potsdam Consultation on Meta-Analysis. J
Clin Epidemiol, v. 48, n. 1, p. 167-71, 1995.
HIGGINS J, GREEN S. Cochrane Handbook for Systematic Review
of Interventions. 2011.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretária de Ciência, Tecnologia e Insumos
Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Diretrizes
metodológicas: elaboração de revisão sistemática e metanálise
de ensaios clínicos randomizados. Brasília: Editora do Ministério da
Saúde, 2012.
MOHER D., et al. Improving the quality of reports of meta-analyses
of randomised controlled trials: the QUOROM statement. Quality
of Reporting of Meta-analyses. Lancet, v. 354, n. 9193, p. 1896-900,
1999.
1.
Nos trabalhos acadêmicos, TCC’s, dissertações, teses e artigos
científicos, a revisão da literatura assume um papel importante, conforme
as orientações e instruções referidas nos capítulos oito e vinte e três desse
livro. Por isso, a necessidade de recorrermos a ferramentas que nos auxiliem
na busca, na gestão de referências bibliográficas e na criação de
bibliografias. Dessa forma, otimizando o tempo e facilitando a realização
dessa etapa do trabalho.
2.
Existem vários gerenciadores bibliográficos em versões pagas ou
gratuitas que propiciam o gerenciamento de suas referências. Com base
nas citações realizadas geram uma lista ao final do texto, por exemplo:
Mandeley - http://www.mendeley.com/download-mendeley-
desktop/; Jabref - http://sourceforge.net/projects/jabref/files/; Ref
Works - http://www.refworks.com/; Bibtex (Latex) - http://
www.bibtex.org/; Zotero - https://www.zotero.org/; More - http://
www.more.ufsc.br/; EndNote - http://endnote.com/; EndNote Web -
https://www.myendnoteweb.com/EndNoteWeb.html.
3.
Neste capitulo apresentaremos um guia de utilização do EndNote
Web. Escolhemos esse por ser um dos gerenciadores bibliográficos mais
utilizados, com conexões em diferentes base de dados, pela acessibilidade,
por disponibilizar inúmeros recursos sem ocupar espaço físico em seu
computador e por ser gratuito. O passo a passo será apresentado com
texto informativo e com figuras do software, referindo os comandos nos
cinco menus para pesquisa, organização e utilização de recursos.
4.
O EndNote é um gerenciador de referências bibliográficas
desenvolvido pela Thomson Reuters. O software permite armazenar e
organizar as referências encontradas nas buscas em diferentes bases de
5.
O EndNote Web está disponibilizado gratuitamente para os usuários
na plataforma da ISI Web of Knowledge: https://www.myendnoteweb
.com/EndNoteWeb.html?returnCode = ROUTER.Unauthorized
&SrcApp = CR&Init = Yes ou acessando a pag. na internet https://
www.myendnoteweb.com/EndNoteWeb.html.
Essa ferramenta on-line auxilia no trabalho de importação,
armazenamento e organização das referências em pastas, no gerenciamento
da bibliografia em diferentes formatos e na inserção de citações referenciadas
no texto. Possibilitando, também, compartilhar sua bibliografia com outros
usuários do EndNote.
Veremos a seguir como operacionalizar as principais funcionalidades
do software que são:
• Coleta de registros
• Armazenamento e gerenciamento de referências
• Geração de citações e referências
• Compartilhamento das referências
O primeiro passo é acessar a pag. a seguir para realizar o seu cadastro
https://www.myendnoteweb.com/EndNoteWeb.html, observe as figuras
que se seguem.
Agora registre seus dados, selecione uma opção Opt in/Opt out e
depois clique em Agree, conforme figura abaixo.
8.
A primeira ferramenta do menu denominada “Minhas referências”
vai subdividir-se em pesquisa rápida, para fazer buscas em registros salvos;
Minhas referências, apresenta o número total de referências, agrupadas,
temporárias e lixeira; Meus grupos, exibe as pastas criadas com as
bibliografias que você ordena por tema, objetivo ou conteúdo pesquisado.
9.
A segunda ferramenta do menu denominada “Coletar”, subdividir-
se em pesquisa on-line, este tem a função de pesquisar nas bases de
dados; Nova referência, fazer uma referência manualmente; Importar
referência, importar referência de outras base de dados.
10.
A terceira ferramenta do menu denominada “Organizar”, subdividir-
se em organizar meus grupos, permite criar, excluir ou renomear grupos
de registros salvos, a fim de facilitar a organização das suas referências;
Grupos de outros, grupos de registros compartilhado por outros usuários
do EndNote Web; Encontrar duplicações, detectar e excluir registros
duplicados; Gerenciar anexos, verificar os anexos incluídos e espaço
disponível.
12.
A quinta ferramenta do menu denominada “Opções”, subdividir-se
em senha, permite alterar senha; Endereço de e-mail, permite alterar
endereço de e-mail; Informações do perfil, alterar informações do perfil;
Idioma, definir o idioma; Download dos instaladores, para instalar o
captura de referência; informações de conta traz informações da sua
conta e prazo espirar a senha.
13.
Agora vamos começar a explorar as funções de cada ferramenta,
com ilustrações e orientações, para que você possa construir as suas
referências bibliográficas.
O primeiro passo é buscar referência, ir ao menu coletar e em seguida
clicar na pesquisa on-line. No quadro acima do conectar selecione uma
base de dados (exemplo: Pub Med (NLM) ou na conexão de catalogo de
biblioteca. Após selecionar é só clicar em conectar conforme figura que se
segue:
14.
Para verificar o resultado de pesquisa clicar em recuperar conforme
indicação na ilustração que se segue:
19.
Compartilhando pastas para outros usuários do EndNote Web. No
menu “Organizar”, na ferramenta Meus grupos, selecione a pasta para
compartilhar, conforme instruções na figura a baixo.
22.
Para inserir referências bibliográficas no Word e formatar citações
automaticamente é necessário instalar o Plug-in do Cite While You Write.
No menu “Formato”, clicar em Plug-in do Cite While You Write, para
baixar a barra de ferramentas do EndNote Web no Word. Verifique como
proceder nas ilustrações abaixo.
26.
Por fim algumas informações de como salvar resultados de buscas
efetuadas diretamente em outras bases de dados que não foram apresentadas
anteriormente.
• Na Web of Science:
Selecionar as referências de interesse e exportar o resultado
diretamente para o EndNote Web.
• Nas Bases CSA (ProQuest):
Selecionar as referências de interesse e clicar em exportar/salvar,
selecionar EndNote, continuar abrindo uma janela para inserir o
login e senha do EndNote Web, os registros serão enviados
automaticamente para suas referências.
• Nas Bases Ovid:
Selecionar as referências de interesse e clicar em export, abrindo
uma janela para selecionar EndNote na opção export to. Em select
fields to display selecionar a opção copmplete reference, após
clicar em export citations, abrirá uma janela para inserir o login e
senha do EndNote Web, os registros serão enviados
automaticamente para suas referências.
1.
O avanço da investigação científica tem colocado os pesquisadores
e a sociedade em geral frente a dilemas éticos de difícil solução. São comuns
as denúncias de desrespeito à integridade, aos valores e à dignidade dos
sujeitos da pesquisa. Disputas pela autoria e propriedade intelectual tornaram-
se correntes nos meios acadêmicos. As acusações de falsificação e
fabricação de resultados, de plágio e de outras condutas inaceitáveis do
ponto de vista da ética científica também estão na ordem do dia.
2.
Além disso, aspectos econômicos e comerciais têm interferido cada
vez mais nos rumos da pesquisa científica, gerando muitas vezes conflitos
de interesse entre pesquisador e patrocinador do estudo. A destinação de
recursos públicos vem exigindo das agências financiadoras uma maior
atenção quanto à relevância social das pesquisas. São frequentes também
os debates a respeito do financiamento público de pesquisas cujos resultados
dirigem-se mais diretamente aos interesses privados. Aumentaram as
pressões para que os cientistas, sejam das ciências biológicas e da saúde ou
das ciências humanas e sociais, dediquem-se a investigar e solucionar
problemas que de fato contribuam para a felicidade e o bem-estar das
pessoas.
3.
Com isso, os aspectos éticos da pesquisa assumem em nossos dias
substancial importância. Na prática científica, os pesquisadores se defrontam
com esses dilemas e espera-se que sejam capazes de julgar, tomar decisões
e agir de acordo com princípios e valores eticamente justificáveis. Em outras
palavras, o pesquisador como agente moral deve estar em condições de
fazer suas escolhas e justificá-las com base em princípios e valores que
4.
A Ética em Pesquisa surge, assim, da necessidade de examinar e
oferecer respostas a problemas éticos relacionados à pesquisa científica.
Trata-se de uma área de estudo que tem como foco principal a conduta dos
pesquisadores no fazer científico. Dall‘Agnol (2004, p.16) define a ética
como “uma reflexão filosófica sobre a moralidade”, sendo a moral o “conjunto
de costumes, modos de ser, regras, etc. que guiam o comportamento humano
na busca do bem.” Para o autor, a “ética trata da justificação de nossas
crenças morais”. Assim, enquanto área de conhecimento, a Ética em
Pesquisa procura responder as seguintes questões: Podemos justificar (e
de que modo) nossas crenças morais no âmbito das pesquisas que
realizamos? Existem limites éticos à pesquisa científica? Se existem, quais
são esses limites? Quais princípios éticos devem orientar a prática científica?
Por que devemos seguir tais princípios e não outros? Evidentemente, estas
questões se desdobram em outras, constituindo um quadro complexo de
indagações sobre as relações da ética com a ciência.
5.
Como a Ética em Pesquisa compreende temas diversos, nesse
capítulo focalizamos apenas àqueles que consideramos mais relevantes para
à formação inicial do pesquisador. Inicialmente, apresentamos uma visão
retrospectiva da pesquisa envolvendo seres humanos, destacando os casos
que marcaram mais diretamente os rumos da ética em pesquisa para, em
seguida, apontarmos os principais documentos internacionais orientadores
da pesquisa envolvendo seres humanos. A seguir, fazemos uma exposição
dos quatro princípios básicos – autonomia, não-maleficência, beneficência
e justiça –, que fundamentam as discussões sobre a ética em pesquisa em
vários países. Como veremos, esses princípios fornecem a base para a
regulamentação das pesquisas com seres humanos em vigor no Brasil. Na
parte final, tratamos do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
documento considerado imprescindível para que a pesquisa se desenvolva
em bases éticas.
7.
Os registros documentais mais recentes de pesquisas envolvendo
seres humanos podem ser traçados até segunda metade do século XVIII.
Na época, médicos testavam vacinas em si mesmos, em familiares, em
pessoas conhecidas e escravos. O cientista inglês Edward Jenner, por
exemplo, ficou famoso por ter desenvolvido a vacina contra a varíola. Ele
realizou um experimento no qual inoculou o vírus da varíola bovina (uma
forma mais branda do vírus) em um menino saudável de oito anos, filho do
seu jardineiro. O menino contraiu a doença e, após alguns dias de febre
baixa, frio e falta de apetite, estava recuperado. No mês seguinte, Jenner
inoculou-o com o vírus da varíola humana (forma mais violenta do vírus).
Por ter desenvolvido imunidade, a partir do contágio com a forma mais
branda do vírus, o menino não contraiu a varíola humana. Experimentos
desse tipo eram seguidamente realizados sem que os sujeitos envolvidos
soubessem dos riscos que estavam correndo.
8.
No início do século passado não eram permitidos experimentos
envolvendo o uso de novas drogas e procedimentos com pacientes, sem
que antes se mostrassem seguros em pesquisas realizadas com animais. A
participação voluntária de pessoas saudáveis era aceita, mas exigia
conhecimento das circunstâncias e consentimento do participante. Apesar
das condições e restrições impostas, experimentos questionáveis do ponto
de vista ético, relacionados à etiologia, diagnose e prevenção de doenças
como sífilis, febre amarela, tifo e herpes, foram conduzidos na época com
crianças, prisioneiros, soldados e doentes mentais. Loue (2002, p. 1) .
10.
Outro caso que abalou a opinião pública e a comunidade científica
ocorreu nos Estados Unidos e ficou conhecido como o Experimento de
Tuskegee. A pesquisa, promovida pelo Serviço de Saúde Pública dos Estados
Unidos, durou 40 anos, de 1932 a 1972. O experimento envolveu seiscentos
negros norte-americanos de uma comunidade pobre do Alabama, sendo
parte deles portadores e parte não portadores de sífilis. O estudo foi
conduzido sem que os pacientes soubessem dos seus verdadeiros propósitos.
Os pesquisadores informaram aos participantes que eles receberiam
tratamento para sangue ruim, expressão usada pela comunidade local para
designar várias doenças, entre elas anemia, fadiga e sífilis. Entretanto, a
pesquisa havia sido desenvolvida para registrar a evolução natural da sífilis
e já se sabia de antemão que os participantes não receberiam tratamento
para a doença. O caso tomou dimensão ainda maior por não ter sido
oferecido tratamento aos participantes do estudo mesmo quando, na metade
da década de 1940, a penicilina ter se tornado uma alternativa viável para a
cura da sífilis. Na verdade, os sujeitos da pesquisa foram enganados sobre
os objetivos do experimento, não estando dessa maneira em condições de
fornecer o seu consentimento livre e esclarecido. Da mesma forma, nunca
lhes foi oferecida a possibilidade de encerrarem a participação no estudo,
mesmo quando já havia tratamento para a doença. Os efeitos negativos do
experimento são ainda hoje sentidos. Existem correntemente filhos e netos
dos pacientes envolvidos na pesquisa recebendo benefícios médicos e de
saúde. (UNITED STATES OF AMERICA, 2009)
12.
O Código de Nurembergue, documento resultante do julgamento,
em 1947, dos crimes de guerra cometidos por cientistas ligados ao nazismo,
representa um marco nessa direção. O documento forneceu novos padrões
de conduta, fundados na cultura dos direitos humanos, para a pesquisa
científica no período do pós-guerra. O Código apresenta dez princípios,
entre eles: o consentimento voluntário para participar da pesquisa e o direito
de encerrar a participação em qualquer momento. Estabelece também que
os riscos envolvidos devem ser pesados em relação aos benefícios esperados.
13.
Outro episódio marcante para a ética em pesquisa ocorreu em 1964,
quando a Associação Médica Mundial adotou a Declaração de Helsinque.
O documento desenvolve os princípios originalmente estabelecidos no
Código de Nurembergue. Embora elaborada por uma organização médica,
a Declaração não se dirigia apenas aos pesquisadores desta especialidade,
mas à área da saúde em geral, e teve grande repercussão na comunidade
científica mundial. Com o intuito de acompanhar os desafios colocados pela
investigação científica, a Declaração de Helsinque passou, desde então,
por várias revisões, tendo a última ocorrido em 2013. Entre outras
contribuições importantes, a Declaração introduziu a possibilidade de obter
o consentimento informado por meio de representante legal, toda vez que o
sujeito da pesquisa não estiver em plenas condições de fazê-lo. Além disso,
estabeleceu a necessidade dos protocolos de pesquisa serem encaminhados
à consideração de comitês independentes, cuja tarefa principal é avaliar os
aspectos éticos da pesquisa. Como veremos mais a frente, tal recomendação
14.
Outro documento que merece destaque é o Relatório Belmont,
publicado em 1978. Desenvolvido originalmente para atender as
preocupações do governo norte-americano com os princípios orientadores
da pesquisa envolvendo seres humanos no país, acabou influenciando os
rumos da pesquisa em escala internacional. A comissão responsável pela
elaboração do documento tinha por compromisso garantir o cuidado e os
interesses das populações vulneráveis (crianças, pessoas com deficiências
mentais, presidiários, etc.).
15.
Em 1979, os princípios apresentados no Relatório Belmont foram
sistematizados e reformulados por Beauchamp e Childress. No livro
Principles of Biomedical Ethics (Princípios de Ética Biomédica), os autores
argumentam em favor de quatro princípios básicos: respeito à autonomia,
não-maleficência, beneficência e justiça. Na obra, o princípio da não-
maleficência, inicialmente contido no princípio da beneficência, recebe
tratamento diferenciado. Assim, há uma distinção entre ambos. O primeiro
refere-se a não causar danos aos outros, o segundo, a fazer-lhes o bem. Os
quatro princípios propostos por Beauchamp e Childress formam a base do
Principialismo, a abordagem predominante para as reflexões sobre os
problemas éticos na pesquisa envolvendo seres humanos.
17.
Nos anos de 1990, a Resolução 01/1988 foi substituída pela Resolução
196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Considerada um marco na ética
em pesquisa no país, essa regulamentação encontra-se em vigor até 2012.
Assim como a anterior, ela fundamenta-se nas principais declarações e
diretrizes internacionais para pesquisa envolvendo seres humanos,
incorporando os quatro referenciais básicos da ética em pesquisa: respeito
à autonomia, não-maleficência, beneficência e justiça.
18.
A Resolução CNS 196/96 cria no país um sistema de avaliação ética
para a pesquisa com seres humanos, o Sistema CEP/CONEP, composto
pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) e pela Comissão Nacional de
Ética em Pesquisa (CONEP). De acordo com a Resolução, as instituições
que realizam pesquisa envolvendo seres humanos devem constituir um ou
19.
A Resolução estabelece que a pesquisa envolvendo seres humanos
se processe somente após consentimento livre e esclarecido do sujeito da
pesquisa e/ou de seu representante legal, no caso de indivíduos em situação
de vulnerabilidade ou legalmente incapazes. Existem também exigências
quanto à confidencialidade, privacidade proteção da imagem e não
estigmatização dos pesquisados, sejam indivíduos ou coletividades. Nesse
sentido, a regulamentação brasileira preocupa-se em estabelecer exigências
para que o pesquisador respeite a cultura, os costumes e os valores das
pessoas e comunidades estudadas.
20.
Em 2012, o Conselho Nacional de Saúde emitiu a Resolução Nº 466,
com o intuito de melhor atender às exigências atuais da ética em pesquisa
com seres humanos. Esta Resolução revogou as anteriores que tratavam
assunto e tornou-se o documento orientador para os pesquisadores
brasileiros.
É importante referir que o documento adota um conjunto de termos e
definições, que necessitam ser claramente entendidos e empregados no
âmbito da pesquisa envolvendo seres humanos. Para exemplificar,
apresentamos abaixo alguns termos utilizados nesse capítulo, cujo significado
segue o estabelecido na Resolução:
• “Pesquisa Envolvendo Seres Humanos – pesquisa que, individual
ou coletivamente, tenha como participante o ser humano, em sua
totalidade ou partes dele, e o envolva de forma direta ou indireta,
incluindo o manejo de seus dados, informações ou materiais
biológico;”
21.
A legislação brasileira sobre ética em pesquisa identifica-se assim
com as preocupações internacionais de garantir os direitos e o bem-estar
dos sujeitos de pesquisa, evitando que a prática científica lhes coloque em
risco ou provoque danos. É importante lembrar que a partir da aprovação
da Resolução CNS 196/96, todas as pesquisas envolvendo seres humanos
e não apenas as da área da saúde, devem ser encaminhadas para avaliação
do ponto de vista ético.
23.
Inicialmente, destacamos que TCLE tem por objetivo garantir a
autonomia do sujeito de pesquisa, permitindo-lhe que de maneira livre e
esclarecida possa decidir a respeito da participação ou não no estudo. Para
que esse objetivo seja atingido, é necessário que o esclarecimento seja feito
em linguagem acessível aos sujeitos da pesquisa. Assim, quando da
elaboração do Termo de Consentimento, devemos considerar o nível
educacional, a área profissional, a cultura lingüística, etc., das pessoas e
comunidades a quem o documento está sendo dirigido. Nesse sentido,
recomendamos evitar a linguagem técnica e dar ênfase às expressões de
uso comum.
25.
Por fim, o TCLE deve conter informações referentes: a) ao
pesquisador responsável (nome e telefone/email para contato) e ao CEP
(telefone e/ou email para contato) que referendou a pesquisa; b) à forma
de ressarcimento, quando houver, das despesas decorrentes da participação
na pesquisa; c) à forma de acompanhamento e assistência prestada aos
sujeitos do estudo; d) à forma de indenização em caso de eventuais danos
decorrentes da pesquisa.
26.
Depois de elaborado, o documento precisa ser aprovado pelo CEP.
Quando da obtenção do consentimento, o TCLE deverá ser assinado, em
duas vias, pelo sujeito da pesquisa e/ou por seu representante legal, ficando
uma via com o pesquisador e outra com o participante da pesquisa.
27.
Chamamos atenção, que as informações aqui apresentadas referem-
se tão somente aos aspectos essenciais do TCLE, não retirando a
necessidade de consulta às normas em vigor no país e do estudo da literatura
específica sobre o assunto.
Considerações Finais
28.
Apesar dos avanços obtidos até o momento, a investigação científica
envolvendo seres humanos ainda apresenta vários desafios éticos. Como
29.
Entretanto, cada vez mais essas preocupações se fazem sentir nas
ciências humanas e sociais. Nas últimas décadas, pesquisadores das áreas
da sociologia, história, ciência política, antropologia, educação, entre outras,
têm se questionado quanto à adequação das abordagens atuais da ética em
pesquisa aos problemas de suas especialidades acadêmicas. Perguntam se
tais abordagens dão conta das tradições de pesquisa e dos dilemas éticos
enfrentados quando estudam valores, significados, crenças, interesses e
desejos. Dessa forma, a Ética em Pesquisa configura-se também como um
espaço de disputas e debates.
Referências
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Conselho Nacional de Saúde.
Resolução N°. 01, 1988.
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Conselho Nacional de Saúde.
Resolução N°. 196, 1996.
UNITED STATES OF AMERICA. Centers for Disease Control and
Prevention. U.S. Public Health Service Syphilis Study at Tuskegee.
Disponível em: http://www.cdc.gov/tuskegee/index.html, 2009.
DALLÈAGNOL, D. Bioética. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
GUILHEM, D.; DINIZ, D. O que é ética em pesquisa. São Paulo:
Brasiliense, 2008.
LOUE, S. Textbook of research ethics: theory and practice. New York:
Kluwer Academic Publishers, 2002.
SINGER, P. Ética prática. 2 ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998.
Convidados:
Alberto Reppold Filho Doutor em Educação pela Universidade
de Leeds, Inglaterra (2000), Mestre em Educação pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (1988), Especialista em Desportos Coletivos pela
Universidade do Estado de Santa Catarina (1985) e Licenciado em Educação
Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1983). Atualmente,
é professor associado e diretor da Escola de Educação Física da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Na mesma universidade, atua como professor
no Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano e
coordena o Centro de Estudos Olímpicos. É membro da Academia Olímpica
Brasileira e professor visitante da Academia Olímpica Internacional
(Grécia). Tem experiência em Educação Física e Esporte, atuando
principalmente na área dos Estudos Olímpicos. Estuda as políticas de esporte
e o impacto dos megaeventos esportivos.