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Projetos de Pesquisa

Científica e Pedagógica
O desafio da iniciação científica

Adroaldo Gaya
e colaboradores

Belo Horizonte
Setembro/2016
Projetos de Pesquisa Científica e Pedagógica
/ O desaf io da iniciação científica
Copyright 2016 Instituto Casa da Educação Física

Proibida a reprodução total ou parcial deste livro, por qualquer meio ou


sistema, sem o prévio consentimento de seus editores.

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Impresso em Belo Horizonte - MG, Brasil


Editoração: Elder Roberto
Capa: Instituto Casa da Educação Física

Ficha Catalográf ica

Gaya, Adroaldo
G285 Projetos de pesquisa científ ica e pedagógica: o desaf io
da iniciação científ ica. Adroaldo Gaya e colaboradores.
– Belo Horizonte: Casa da Educação Física, 2016.
426p.

ISBN: 978-85-98612-35-5

1. Pesquisa científ ica - Projetos. 2. Pesquisa pedagógica -


Projetos. 3. Pesquisa - Metodologia. 4. Ciência x
Conhecimento . 5. Iniciação científ ica. I. Título.

CDD: 001.4
CDU: 001.81

Elaborada por: Maria Aparecida Costa Duarte - CRB/6-1047


Dedicatória
Dedico este livro:
Para meus f ilhos, Anelise Gaya e Daniel Gaya, razão maior
da minha existência e pela generosidade, companheirismo e o
amor que tanto me conforta nesta estrada da vida. Tenho o
privilégio de compartilhar da ciência com minha f ilha e da música
com meu f ilho. Com muita paixão.
Para minha companheira Arlete Brasiliense. Faltam palavras
para agradecer tantos cuidados, tantos desaf ios e tanto amor.
Brava guerreira, você venceu a sua luta!
Para João Pedro que, em boa hora, entrou na minha vida
por ser, antes de tudo, parte da vida da Arlete
Para Mário Cesar Cassel que nos anos 1978 me acolheu e
me ofereceu a oportunidade para concorrer a uma vaga de
professor colaborados na UFRGS. Hoje, ainda lá permaneço e
orgulhoso de ter chegado ao cargo de professor titular. Querido
amigo Cassel, percorri todos os degraus da vida acadêmica, creio
não tê-lo decepcionado.
Neste livro sobre iniciação científ ica quero homenagear um
homem de grande inteligência. Um homem humilde, com pouco
estudo formal, mas com quem aprendi muito sobre o verdadeiro
sentido do conhecimento. O Seu Ribeiro, nosso vizinho e o
construtor de nossa casa em Garopaba-SC. Impressionante sua
criatividade, sua capacidade de solucionar problemas, de resolver
inesperados. Aprendi com Seu Ribeiro que realmente o
conhecimento vai muito além dos livros de f ilosof ia, de ciências
e das aulas da academia. Aprendi a humildade de ver sabedoria
nas coisas simples e ao mesmo tempo tão complexas da existência.
Por f im, dedico este trabalho à Escola de Educação Física
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e a Faculdade de
Desporto da Universidade do Porto à quem devo minha formação
acadêmica e minha realização prof issional.

Adroaldo Gaya
Porto Alegre, Março de 2016
Epígrafe
Uma carreira científica é peculiar de certas maneiras. Sua razão
de ser é o aumento do conhecimento. Ocasionalmente, portanto, um
aumento do conhecimento ocorre. Isso, porém, não demanda tato, e
sentimentos podem ser feridos. Pois em algum grau é inevitável que
visões previamente expostas se mostrem obsoletas ou falsas, Acho
que a maioria das pessoas pode reconhecer isso e aceitar que aquilo
que elas vêm ensinando há dez anos ou mais precisa de uma pequena
revisão; contudo, alguns sem dúvida acharão difícil aceitar, com um
golpe em seu amor-próprio, ou mesmo como uma invasão de
território que julgam ser exclusivamente seu, e devem reagir com a
mesma ferocidade que vemos entre alguns pequenos pássaros, nesses
dias de primavera, quando sentem a intrusão em seus pequenos
territórios. Acho que não se pode fazer nada a esse respeito; é inerente
à natureza de nossa profissão. Mas deve-se aconselhar e avisar o jovem
cientista de que, quando tiver uma joia a oferecer para o
enriquecimento da humanidade, alguns certamente desejarão cercá-
lo e despedaça-lo.

Ronald Fischer
Sumário

Prefácio ............................................................................................................. 9

1. O Desafio da iniciação científica ................................................... 15


2. A Ciência e outras manifestações do conhecimento ............. 25
3. Selecionando o tema da pesquisa ................................................... 41
4. Enunciando os objetivos da pesquisa ......................................... 51
5. Justificando a relevância do tema da pesquisa ......................... 65
6. A primeira aproximação ao
texto introdutório do projeto .......................................................... 71
7. Definindo o problema ......................................................................... 89
8. A revisão da literatura ....................................................................... 99
9. Formulando as hipóteses ou questões da pesquisa ................ 117
10. Classificando e definindo as variáveis .......................................... 123
11. Selecionando o método ...................................................................... 137
12. Definindo a abordagem metodológica ......................................... 157
13. Sobre os delineamentos do tipo Ex Post Facto ......................... 171
14. Sobre os principais delineamentos
do tipo experimental ........................................................................... 189
15. Sobre os principais delineamentos qualitativos ..................... 219
16. Sobre os principais delineamentos mistos ................................ 245
17. Selecionando os sujeitos da pesquisa ........................................... 249
18. Definindo os instrumentos de
coleta de dados ou informações ...................................................... 285
19. Definindo o tratamento estatístico ................................................ 309
20. Desenhando a estrutura do projeto ............................................... 329
21. Pesquisa avaliativa ............................................................................. 349
22. Revisão sistemática da literatura e metanálise ....................... 367
23. Utilizando o End Note .......................................................................... 389
24. A Ética na pesquisa científica ......................................................... 413
Prefácio
O (per)curso
Proponho um per(curso) criativo que embora, exija dedicação,
nos conduza a um porto alegre de chegada. Que seja um per(curso)
inspirado na paixão pelo conhecimento e na alegria de fazer do
conhecimento científ ico um instrumento em prol da humanidade.
Quero dar prioridade as ideias criativas. Em síntese, tenho claro
que o meu objetivo não é indicar-lhes um único caminho mas, isto
sim, desaf iá-los à descobrir outros e novos caminhos.
Valho-me das experiências de mais de vinte anos como
professor de metodologia da pesquisa. Valho-me dos projetos de
meus ex-alunos. Das monograf ias, dissertações, teses e artigos de
estudantes que orientei na graduação e pós-graduação. Valho-me
da competência daqueles que me honram com sua colaboração neste
per(curso). Valho-me da lembrança de muitas conversas e debates
onde aprendi com meus alunos saberes que nenhum livro é capaz
de ensinar.
O conteúdo e os diversos capítulos deste livro seguem uma
ordem lógica, mas não burocrática. Os capítulos foram planejados
a partir da súmula da minha disciplina nos cursos de graduação e
na minha crença na forma como nasce uma ideia e se desenvolve
um projeto de pesquisa científ ica.
Apresento o texto em parágrafos numerados. Meus alunos
recebem os textos antecipadamente e com eles trabalhamos em aula,
percebi que f icava mais fácil para localizar e identif icar os temas
que estimulassem perguntas, críticas ou comentários se as ideias
fossem distribuídas em parágrafos numerados. Poderíamos ir para
qualquer parte do texto rapidamente apenas indicando a numeração
do parágrafo.
Fez-se mister garantir a coerência interna entre as partes que
compõe o todo. Então, no capítulo 1 “Os Desaf ios da iniciação
científ ica” inseri um texto introdutório sobre epistemologia tratando
de descontruir alguns mitos sobre a pretensa superioridade do

O desafio da iniciação científica 9


conhecimento científ ico frente outras formas de conhecimento. No
capítulo 2, “a ciência e outras formas de conhecimento”, ainda no
âmbito da epistemologia, procurei demarcar a ciência (uma tentação
popperiana) entre outras formas do conhecimento. O que difere a
ciência, da f ilosof ia, da teologia, do senso comum, do conhecimento
artístico, etc.
Nos capítulos seguintes meu objetivo foi o de mapear o
per(curso) metodológico para a conf iguração de um bom projeto
de pesquisa. Inicio, insistindo na necessidade de uma boa ideia, é o
capítulo 3, “selecionando o tema da pesquisa”. No capítulo 4,
“enunciando os objetivos da pesquisa”, desaf io aos estudantes à
demarcar com clareza onde pretendem chegar com seus projetos.
Enf im, quais seus objetivos. No capítulo 5, “sobre a relevância da
pesquisa”, provoco os estudantes a argumentarem sobre a
importância de seus objetivos, a relevância der seus projetos. Qual a
colaboração efetiva de sua pesquisa para a área de estudo, para a
comunidade científ ica e para o conhecimento propriamente dito.
Acredito f irmemente que: o tema; os objetivos e a justif icativa
constituem-se num primeiro trecho do per(curso). Eles sintetizam
as intenções dos estudantes. Como costumo af irmar em aula, os
estudantes conseguem ter “nas mãos” seu objeto de estudo. Por isso,
o capítulo 6: “a primeira aproximação ao texto introdutório do
projeto”, é a proposição de um resumo onde os estudantes organizam
e materializam suas ideias. Nos meus cursos solicito que os alunos
realizem esta tarefa por escrito.
Passo seguinte, capítulo 7: “def inindo o problema da pesquisa”.
O problema da pesquisa encaminha os próximos passos. Uma
pergunta objetiva e bem formulada é o que conduz o pesquisador à
busca de respostas teóricas e empíricas para demonstrar suas
hipóteses. As respostas teóricas são provenientes da revisão de
literatura que correspondem aos capítulos: 8. “A revisão de literatura”
e, o 22. “revisão sistemática e metanálise em estudos clínicos”.
Produto da revisão de literatura que desenha o estado da arte
sobre o tema da pesquisa, decorre a possibilidade mais bem
fundamentada do estudante def inir suas hipóteses ou suas questões

10 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


orientadoras. É o conteúdo do capítulo 9. Formulando as hipóteses
e/ou questões de pesquisa”. Entretanto, todas as hipóteses ou questões
de pesquisa tratam de descrever ou associar variáveis. As variáveis
def inem as características ou atributos que representam um
fenômeno capaz de assumir diferentes valores numéricos ou se
manifestar em diferentes categorias. Por suposto def inir
operacionalmente as variáveis de uma hipótese ou questão de
pesquisa é uma exigência imprescindível num bom projeto. É o
capítulo 10 “classif icando e def inindo as variáveis”.
Neste ponto de nosso per(curso), já temos o plano de viagem
muito bem demarcado. Já decidimos nosso destino. Agora precisamos
def inir como vamos percorrê-lo. É o capítulo 11, “def inindo a
abordagem metodológica”. Recorrendo a Gilson Volpato, anuncio
uma lógica bem simplif icada. Três métodos que podem ser
anunciados como: método descritivo; método correlacional ou de
associação e método causal. Todavia, estes três métodos exigem que
se descreva a forma de como abordá-los. É o que trata o capítulo 12,
“ def inindo a abordagem metodológica” e, entre as formas de
abordagem sugiro: abordagem qualitativa; abordagem quantitativa
e abordagem mista.
Mas, ainda faltam informações. São os capítulo 13, “principais
delineamentos metodológicos para pesquisas com abordagem
quantitativa do tipo ex post facto. Capítulo 14, “principais
delineamentos metodológicos para pesquisas com abordagem
quantitativa do tipo experimental. Capítulo 15, “principais
delineamentos qualitativos “ e, o capítulo 16, “principais
delineamentos mistos”.
Os sujeitos da pesquisa, a população e amostra é o conteúdo
do capítulo 17. Discorro sobre os sujeito da pesquisa a partir de três
perspectivas: dos projetos de pesquisas qualitativas; dos projetos de
pesquisas quantitativas com amostras probabilísticas e dos projetos
de pesquisa com amostras não probabilísticas. Entendo que são
conf igurações distintas e que portanto merecem, cada uma delas,
um cuidado especial.

O desafio da iniciação científica 11


Def inimos os sujeitos da pesquisa, aqueles que vão nos
fornecer os dados e as informações para conf irmarmos (ou não)
nossa hipótese ou responder às questões de pesquisa. O passo
seguinte é como vamos recolher as informações ou dados sobre os
sujeitos da pesquisa. É o capítulo 18, “def inindo os instrumentos de
coleta de dados ou informações. Nele discorro sobre: as técnicas de
entrevistas, técnicas projetivas, entrevista de grupo focal; os
questionários de perguntas fechadas, de perguntas abertas,
questionários que combinam perguntas fechadas e abertas; as
observações; os testes e tratamos sobre os procedimentos de validade,
f idedignidade e objetividade dos instrumentos de coleta de dados.
No capítulo 19, acompanhado de Anelise Gaya, tratamos sobre
“critérios para decisões sobre o tratamento estatístico dos dados”. É
um tema relevante que apresentamos num texto simples, claro e de
fácil consulta que auxilia os estudantes a decidirem sobre o teste
estatístico que vão anunciar em seus projetos de pesquisa.
O capítulo 20, “desenhando a estrutura do projeto”,
praticamente é um mapa, um roteiro de apresentação formal de um
projeto de pesquisa. É o documento f inal que deve ser submetido às
comissões de avaliação e de ética. É a materialização do projeto de
pesquisa
Nos capítulos seguintes, anuncio os textos relevantes dos
professores convidados. No capítulo 21, acompanhado de Arlete
Brasiliense e Anelise Gaya, temos a pretensão de incentivar aos
estudantes de licenciatura a realizarem seus trabalhos de conclusão
de curso junto as atividades de estágio prof issional. Apresentamos:
“Pesquisa Avaliativa: sugestões alternativas para o tratamento
simplif icado de dados quantitativos em escala nominal dicotômica
nas pesquisas pedagógicas no ambiente escolar”.
O capitulo 22, é uma demanda exigida pelos estudantes de
iniciação científ ica sobre um tema que está em alta: a metanálise. A
autora é a professora Gracielle Sbruzzy, que leciona esta disciplina
no curso de Pós-graduação em Ciências do Movimento Humano
em nossa UFRGS.

12 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


No capítulo 23 Marcelo Cardoso da Silva nos guia na utilização
do End Note-web. Um instrumento essencial para a organização de
nossas referências bibliográf icas. Este conteúdo é uma necessidade
imprescindível ao nosso (per)curso tendo em vista que nossos
estudantes de iniciação científ ica, muitos deles, desconhecem e,
outros tantos, não utilizam esta ferramenta tão útil, prática e de
fácil acesso. Na forma de um manual, o professor Marcelo Cardoso
nos ensina e nos conduz passo à passo pelos caminhos do End Note.
O capítulo 24 escrito por Alberto Reppold Filho é essencial
num per(curso) sobre os desaf ios da iniciação científ ica. Ética, tema
da maior relevância, não obstante tão mal interpretado por uma
grande parte dos pesquisadores e, muitas vezes, concebido numa
concepção meramente burocrática pelos estudantes da iniciação
científ ica. Todavia, o que realmente está fazendo falta é uma
adequada compreensão sobre o real sentido da ética na pesquisa.
Uma ética que seja entendida como pressuposto moral na relação
entre pesquisadores e seus sujeitos de pesquisa, e não apenas como
uma exigência cartorial.
Enf im, espero, que este (percurso) possa ser útil principalmente
aos estudantes de iniciação científ ica para quem dedico este esforço.
Entretanto, desejo que seja também um texto de apoio para
estudantes de mestrado, doutorado e, quem sabe, possa constituir-
se num guia de apoio para os professores que lecionam a disciplina
de metodologia da pesquisa.
Adroaldo Gaya
Garopaba SC, fevereiro de 2016

O desafio da iniciação científica 13


1
Os desafios da iniciação científica
Adroaldo Gaya

A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um


sabiá, mas não pode medir seus encantos.
Manoel de Barros1

1.
Creio que é um bom caminho iniciar nosso curso de iniciação científica
propondo desconstruir as interpretações que superestimam o significado e
alcance da ciência em nossa sociedade contemporânea. Deixo claro, no
entanto, que esta escolha não significa em absoluto qualquer tentativa de
desvalorizá-la. Muito pelo contrário. Trata-se de dimensioná-la
adequadamente. Demarcar com a clareza possível suas fronteiras
epistemológicas, suas limitações metodológicas e suas reais possibilidades
de produzir conhecimentos. Em outras palavras, o que proponho é limpar a
área, retirar alguns entulhos que dificultam nossa caminhada frente aos
efetivos desafios da iniciação científica.

2.
Acredito que o primeiro passo seja desconstruir a crença que atribui
exclusivamente ao conhecimento científico a prerrogativa de revelar a
verdade. Desconstruir a ideia de que a ciência é o último e definitivo estágio
de evolução do conhecimento humano.

A Teoria dos Três Estágios de Auguste Comte2


3.
O conhecimento científico como último estágio de evolução do
conhecimento humano é uma das teses positivistas3 consagradas por Augusto

1
Citado por Rubem Alves. 1999, p. 103.
2
Augusto Comte foi um importante filósofo e sociólogo francês do século XIX. É o criador do Positivismo.
3
O Positivismo, em linhas gerais, propõe à existência humana valores completamente humanos, afastando
radicalmente a teologia e a metafísica (embora incorporando-as em uma filosofia da história). Assim, o
Positivismo associa uma interpretação das ciências e uma classificação do conhecimento a uma ética humana
radical, desenvolvida na segunda fase da carreira de Comte.

O desafio da iniciação científica 15


Comte. Anuncia que a evolução do conhecimento humano deu-se em três
estágios distintos e progressivos: o primeiro, na fase primitiva da evolução
humana, o conhecimento era representado pelo mitologia, a crença no
sobrenatural; o segundo, mais avançado, a metafísica, a filosofia e, por fim,
no auge da evolução humana, a ciência, o conhecimento positivo, o
conhecimento superior. O conhecimento capaz de revelar a verdade. Para
o positivismo clássico, os fatos observados através da experiência concreta
(empirismo) e logicamente anunciados (racionalismo) constituiria o método
adequado para descortinar os segredos da natureza. Para Comte e seus
seguidores o conhecimento científico: 1. é real, porque parte dos fatos tais
como se apresentam; 2. é útil, pois permite ao homem não só reconhecer a
ordem da natureza mas também nela intervir em seu benefício; 3. é correto,
porque parte da realidade e não admite conjecturas; (4) possui sempre um
grau de precisão, embora este grau varie de ciência para ciência dependendo
de seu objeto de estudo; (5) organiza a realidade, pois apreende e descreve
a ordem imutável e inexorável da natureza.

4.
Provavelmente valorizamos além da conta o papel do cientista em
nossa sociedade por compartilharmos da tese positivista sobre a crença na
supremacia do conhecimento científico frente às outras formas de
conhecimento (senso comum, mitológico, religiosos, filosófico, artístico, etc.),
Afinal, como julgam os positivistas ortodoxos, e inscreve-se no imaginário
coletivo, os cientistas estariam no ápice da pirâmide do conhecimento. Eles
produzem o verdadeiro conhecimento. No entanto, o perigo é ainda maior
quando os próprios cientistas, aqueles que mantém-se distantes das leituras
e reflexões sobre a filosofia do conhecimento, creem no discurso positivista
tal como uma revelação sagrada e tornam-se vaidosos e pretensiosos donos
da verdade.

Algumas evidências sobre a crença na


superioridade da ciência
5.
A crença na ciência como o caminho privilegiado para a verdade é
tão forte que muitas vezes se torna, por si só, um critério de verdade. Em
debates acirrados nos depararmos algumas vezes com a seguinte situação:

16 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


um professor ao defender sua tese apresenta muitos argumentos para
convencer seus alunos, todavia, ciente de não os ter convencido, assume o
critério da autoridade e propõe o fatídico veredicto “está provado
cientificamente”. Provavelmente com esse argumento de autoridade o
professor pretenda afirmar que as discussões estão encerradas. Afinal, já
está provado cientificamente. É uma verdade científica e, portanto está
acima do bem e do mal.

6.
Por outro lado, também é comum a tentativa de desacreditar o discurso
de outrem afirmando: “isto não é científico”, como se fosse sinônimo de
não verdade. Como sugere Rubem Alves4, afirmar a verdade ou desacreditá-
la afirmando que tal ou qual proposição é ou não científica, reafirma a
convicção positivista de que só é verdade o que é anunciado pelas regras
do conhecimento científico. Outra atitude arrogante e pretensiosa decorre
daqueles professores que exigem de seus alunos que uma qualquer afirmação
em sala de aula deva ser respaldada em autoridades científica. São aqueles
professores que normalmente questionam seus alunos: quais as referencias?

7.
Outra demonstração do poder da ciência no ideário popular nota-se
pela insistente utilização do padrão experimental clássico do método científico
nos anúncios publicitários que vendem sabão em pó, absorventes femininos,
pastas de dente e inseticidas. Esses anúncios promocionais valem-se, como
é evidente, da premissa positivista de que o conhecimento científico, baseado
no método científico é o “verdadeiro conhecimento”. Exemplo: na publicidade
de um determinado sabão em pó os publicitários apresentam o “teste das
cores”. No filme um ator vestindo jaleco; normalmente de óculos com “jeito”
de intelectual (o cientista); ao lado dele computadores (seu instrumento de
trabalho5); que revelam imagens incríveis “demonstrando” os efeitos de

4
Recomendo muito aos alunos de iniciação científica a leitura de Rubem Alves. Entre a ciência e a sapiência.
O dilema da educação. Principalmente, no que se refere ao nosso curso, a parte três do livro: Aos que moram
no templo da ciência, ps. 81 – 135.
Quando escrevia este livro recebi a notícia triste da morte deste grande intelectual brasileiro. Rubens Alves,
faleceu em Campinas em 19 de julho de 2014.
5
Antigamente, ao invés dos computadores as imagens publicitárias utilizavam o microscópio como
representação do conhecimento científico.

O desafio da iniciação científica 17


substâncias químicas com propriedades mágicas, cuja fórmula tem nomes
complicados (perborato de sódio). Além disso, é fácil perceber que os
anúncios comerciais seguem o molde da ciência experimental clássica. Além
do cientista (o ator de jaleco), do computador (instrumento do pesquisador),
há um arremedo do método experimental. Geralmente no filme publicitário:
1. colhem-se duas peças de roupa ou dois pedaços de um grande lençol que
nossos filhos sujaram em suas aventuras; (amostras); 2. levam-no ao
laboratório onde são lavados em duas máquinas; 3. exibe-se um filme no
computador sobre as propriedades da tal substância milagrosa (perborato
de sódio cuja partículas “explosivas” chegam às fibras do tecido destruindo
as manchas de sujeira); (4) mostram-se as “donas de casa” (“grupo
experimental” “dona de casa Ana” lavando com o sabão “A” na máquina
“a”, e o “grupo controle”: “dona de casa Bete” lavando com outro sabão
“B” na máquina “b”; (5) comparam-se os resultados através do teste das
cores e; (6) conclui-se que a máquina que utilizou o produto anunciado com
perborato de sódio lava muito mais branco. Assim, nós os telespectadores,
somos levados a concluir subliminarmente que está cientificamente “provada”
a qualidade do sabão “A”.
É curioso, mas a credibilidade ingênua sobre o poder absoluto da ciência
pode torná-la uma excelente garota propaganda.

8.
Ainda mais! Por quê a comunicação social para tratar de temas
genéricos dá espaços generosos a tantos cientistas? Em debates sobre o
pênalti que bateu na trave, a derrota da seleção nacional, o divórcio de uma
personalidade pública, uma briga de rua, um crime perverso, a corrupção
na política, são convocados psicólogos, sociólogos, antropólogos, biólogos,
físicos e psiquiatras para explicar as prováveis causas e propor complexas
teorias post facto.
Isto me lembra Ortega y Gasset:
Dantes os homens podiam facilmente dividir-se em
ignorantes e sábios, em mais ou menos sábios ou mais
ou menos ignorantes. Mas o especialista não pode ser
subsumido por nenhuma destas duas categorias. Não é
um sábio porque ignora formalmente tudo quanto não
entre na sua especialidade: mas também não é um

18 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


ignorante porque é “um homem de ciência” e conhece
muito bem a pequeníssima parcela do universo em que
trabalha. Teremos de dizer que é um sábio-ignorante –
coisa extremamente grave, pois significa que é um
senhor que se comportará em todas as questões que
ignora, não como um ignorante, mas com toda a
petulância de quem, na sua especialidade, é um sábio.
(Rebelião das Massas,1929, ps. 173-4)

e Artur Schopenhauer.
O cientista ao dedicar-se a um campo muito específico
do conhecimento, sem dar importância a todo o resto,
de fato se encontrará acima do vulgo em seu campo,
no entanto será como qualquer pessoa em todos os
outros. (A arte de escrever, 2009, p. 30)

9.
A supervalorização da ciência vai ainda mais longe ao atribuir aos
cientistas a propriedade de falar noutra língua: o “cientificês”. Alguns
cientistas falam e escrevem numa linguagem esotérica, e ainda, dependendo
das áreas científicas, com muitos dialetos. Linguagem e dialetos só entendidos
pelos iniciados. Exemplo: “As correlações tatracóricas entre variáveis
de teste foram submetidas a uma análise de fator centróide, e as
rotações ortogonais dos eixos primários foram tratadas pelo método
gráfico de Zimmerman até que a estrutura simplex e a cópia positiva
se aproximam”6. Entenderam? Mas, seria necessário falar tão difícil?
Acredito que não. Acredito que a essência dessas ideias possa ser
captada, e sua beleza apreciada, mesmo apresentadas em uma
linguagem não técnica (GLEISER, 2001, p.11).

10.
Ainda, em relação a redação científica, como consequência da
herança positivista, alguns cientistas ainda insistem em exigir que se utilize

6
Cf. Thomas, J,; Nelson,J. & Silverman, 2012, p.27.

O desafio da iniciação científica 19


a linguagem impessoal: observa-se que..., conclui-se que..., se aceita
que... “linguagem científica”, afirmam tais pesquisadores. Ora, sequer eles
percebem que tal exigência decorre do mito da neutralidade científica, um
conceito amplamente superado. Enfim, nos querem convencer que há um
observador neutro que através de um método impessoal é capaz de observar
fatos como se tratasse de uma máquina fotográfica à revelar uma paisagem
(pressuposto básico do empirismo). Será o conhecimento científico o
decalque da realidade? Será o conhecimento científico a descrição
inequívoca da realidade objetiva? Não acredito.

11.
Mas sobre o “cientificês” posso ainda conjeturar que ele realmente
atrapalha nossos estudantes de iniciação científica. Evidências desses fatos
posso facilmente demonstrar a partir de um exercício que repetidamente
realizo nas minhas aulas de metodologia da pesquisa. Após algumas aulas
introdutórias sobre a preparação de projetos, quando já discutimos em aula
sobre os temas escolhidos, sobre a relevância destes temas e seus objetivos,
peço-lhes uma síntese. Peço-lhes primeiramente que discorram oralmente
para seus colegas sobre cada projeto individual. Posteriormente solicito-
lhes que entreguem um texto por escrito. O que constato? Ocorre que,
normalmente os estudantes conseguem com bastante clareza expor suas
ideias. Afirmam seus temas de investigação, esboçam seus objetivos.
Todavia, quando redigem seus textos a clareza da exposição oral se perde
significativamente. Bem, dirão alguns apressadamente: isto é porque eles
não sabem ou tem muita dificuldade para escrever. Em ato contínuo se
atribuem culpas à internet, a falta de hábitos de leitura, à fragilidade da
educação básica, etc. Não creio exclusivamente nestas respostas. Eu
acredito que um dos obstáculo é a ameaça que impõe à exigência de uma
pretensa linguagem científica própria. Há o credo de que escrever
cientificamente exige tamanha assepsia, que sequer pode haver qualquer
vestígio de um sujeito humano por trás das palavras. Todavia, como posso
escrever sem envolver-me com o tema? Como estar neutro num tema que
me apaixona? Como escrever em linguagem impessoal se os pensamentos
que expresso e as interpretações que proponho são minhas (ou nossas)?
Então, das exigências do “cientificês” resulta como produto do exercício de
nossos estudantes um texto frio, seco, sem alma, sem autoria e, muito pior,
algumas vezes incompreensível.

20 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


12.
Proponho iniciar este curso sobre metodologia da pesquisa científica
dando os primeiros passos num caminho menos burocrático e mais criativo.
Talvez, ao desconstruir a imagem que o senso comum e alguns cientistas
fundamentalistas detém da ciência, quem sabe, possamos evitar a ditadura
do método. Em outras palavras, a imposição de regras e normas que limitam
nossa criatividade. Evitar que o contato imediato com tantas regras e normas
possam contaminar as ideias e subjugá-las aos limites do burocrático.

13.
Tenho a convicção que um curso de iniciação científica deve começar
por privilegiar as boas ideias. Estimular novas e criativas ideias. Um curso
de iniciação científica não pode iniciar nem pela descrição dos métodos e
tampouco pelas regras e normas técnicas. O planejamento de um projeto
de pesquisa, antes de tudo, envolve o desabrochar de uma ideia cuja
relevância seja reconhecida. Um tema que suscite interesse e desperte a
curiosidade. Não obstante, o que encontramos em nossas classes
normalmente são propostas que se repetem numa tautologia infinita. Nossos
estudantes parecem supor que no campo da pesquisa científica todos os
principais temas já foram descobertos e agora, resta repeti-los e, se possível,
aperfeiçoá-los. A ciência normal, (aquela que cresce por acumulo progressivo
de informações) como sugere Thomas Khun,7 se impõe como dogma à
possibilidade de uma ciência revolucionária (aquela que quebra paradigmas
e impõe novas interpretações sobre a realidade). Senão revolucionária, pelo
menos mais criativa. E então tudo se repete, a cada semestre os temas se
repetem com algumas pequenas nuanças.

14.
Repito. Um curso de iniciação científica deve iniciar pela descoberta
de novas ideias. Cabe ao professor estimular este processo. Dialogar,
questionar e apoiar os estudantes para que possam ir além da mesmice
institucionalizada. O conhecimento científico, como nós veremos ao longo
deste per(curso), é uma atividade humana, portanto não pode negar tudo
aquilo que em nós caracteriza essa humanidade. Não devemos fazer ciência,

7
Cf. Kuhn, T. S. 2006.

O desafio da iniciação científica 21


simplesmente para contemplar nossa vaidade pessoal, competir
ferozmente com nossos pares e exibir nossos currículos. Fazemos ciência
(ou pelo menos deveríamos) para o bem da humanidade.

15.
A ciência é um empreendimento humano que, fruto da criatividade,
do trabalho metódico, da honestidade intelectual, busca interpretar os
fenômenos que nos cercam. Copérnico, Giordano Bruno, Kepler, Galileu,
Darwin, Einstein, Marie Curie, Piaget e tantos outros grandes cientistas
que permanecem entre os grandes gênios da humanidade foram, antes
de tudo, homens e mulheres de imensa criatividade intelectual. Foi a
curiosidade, a engenhosidade em propor métodos para a solução de
dilemas, a capacidade de gerar hipóteses e testá-las que os fizeram
famosos. Não se forma um bom cientista adestrando-o apenas a manejar
instrumentos, técnicas e métodos. Não basta ser ágil no manejo de
computadores e sofisticados softweres. O mais importante é, sem dúvida,
estimular a criatividade, desafiar novas ideias. Como costuma dizer meu
querido amigo o prof. José Maia da Universidade do Porto é necessário
ligar o cérebro antes de ligar o computador.

16.
Este per(curso) tem a pretensão de colaborar com a formação de
pesquisadores autônomos. Não estamos inicialmente preocupados se
nossos estudantes vão ganhar o prêmio de jovem cientista em sua primeira
pesquisa ou se vão publicar na Science ou Nature. Tudo tem o seu
tempo. O que importa é que os estudantes compreendam e exercitem a
lógica do trabalho científico. Importa que eles percebam e exercitem a
lógica da redação científica. Que possam argumentar sobre as vantagens
e limitações na escolha do método. Que entendam e pratiquem os
pressupostos da ética em pesquisa. Enfim, importa torná-los autônomos.
Que possam, mesmo quando longe da universidade, utilizar o
conhecimento científico como ferramenta de sua vida profissional. Eis o
nosso per(curso): o desafio da iniciação científica.
Referências
ALVES, R. Entre a ciência e a sapiência. O dilema da educação.
(4a Ed.) São Paulo: Loyola, 2000.
GLAISER, M. Criação Imperfeita. Cosmo, vida e o código da
natureza. Rio de Janeiro: Record, 2010.
KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. Tradução de
Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. (9a Ed.) São Paulo:
Perspectiva. 2006.
SHOPENHAUER, A. A arte de escrever. Tradução: Paulo
Süssekind. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2009.
ORTEGA Y GASSET, J. A Rebelião das massas. Tradução: Herrera
Filho. Ed. Eletrônica Ridendo Castigat Mores. (www.jahr.org).
THOMAS, J,; NELSON,J. & SILVERMAN, S. Métodos de
pesquisa em atividade física. (6ª Ed.). Tradução: Ricardo
Petersen. Porto Alegre: ARTMED, 2012.
2.
A ciência e outras formas do conhecimento
Adroaldo Gaya

O real é em si mesmo cego e irracional


Arthur Schopenhauer (2005., p.167)

1.
O que é o conhecimento?
Vamos considerar, pelo menos, três hipóteses: (a) conhecimento como
habilidade, desempenho ou performance; (b) conhecimento por contato ou
familiaridade e; (c) conhecimento proposicional ou declarativo.

2.
O conhecimento como habilidade é representado pelo saber fazer.
“Eu sei”. Sei andar de bicicleta, sei nadar, sei tocar flauta transversal, etc.,
São conhecimentos. Conhecimentos extensivos às outras espécies de
animais. Os pássaros sabem construir seus ninhos, os cães sabem nadar, e
os macacos podem ser adestrados para andar de bicicleta e os elefantes
para subir em banquetas e elevar as patas dianteiras. É um conhecimento
que se manifesta numa ação, numa performance. Pedreiros e carpinteiros
sabem construir casas, embora, provavelmente não saibam discorrer sobre
as leis da física que garantem o sucesso de suas obras. Excelentes atletas
realizam performances corporais exuberantes, embora muitos deles não
saibam teorizar sobre as leis da biomecânica.

3.
O conhecimento por contato: poderíamos chamá-lo de conhecimento
das particularidades e por familiaridade Trata-se do conhecimento de objetos,
de pessoas, de locais, etc. Exemplo: conheço pessoalmente o escritor Mia
Couto e o sociólogo Boaventura de Sousa Santos; conheço Portugal e
Moçambique, conheço a música de Tom Jobim, a poesia de Mário Quintana.
Conheço o por do sol sobre o Lago Guaíba em Porto Alegre, na praia do
Jacaré em João Pessoa. É a manifestação do conhecimento que requer
uma experiência pessoal direta do sujeito com o objeto do conhecimento.

O desafio da iniciação científica 25


4.
O conhecimento proposicional ou declarativo.
Como da luz imediata do sol à luz emprestada e refletida
da lua, passaremos agora da representação intuitiva,
imediata, auto-suficiente e que se garante a si mesma,
à reflexão, isto é, aos conceitos abstratos e discursivos
da razão, que têm seu conteúdo apenas a partir e em
referência ao conhecimento intuitivo.
(SCHOPENHAUER, 2005, p.81)

O conhecimento proposicional ou declarativo é um enunciado de uma


crença. É informativo. Envolve atribuições de verdade. É o conhecimento
através do qual criamos, transmitimos e compartilhamos teorias sobre, a
natureza, a humanidade, a sociedade, o universo, a vida, etc. É a manifestação
do conhecimento que contém nossa herança científica, filosófica, cultural,
artística etc. É o conhecimento estrito senso. É o enunciado de uma crença
verdadeira e justificada1. É uma declaração sobre determinada interpretação
da realidade.

5.
É sobre o conhecimento proposicional ou declarativo que vamos nos
ocupar neste (per)curso, já que o conhecimento científico é uma de suas
manifestações.
Proponho uma definição para o conhecimento proposicional ou
declarativo
É o enunciado de uma proposição verdadeira.
Esta definição contém duas premissas: (a) enunciado de uma
proposição e; (b) verdadeira Vamos analisá-las.

6.
Se o conhecimento é o enunciado de uma proposição, evidentemente
ele deve ser compartilhado com outro(s) sujeito(s). É uma forma de
conhecimento que descreve um fato, relata uma experiência, propõe uma
hipótese, anuncia uma teoria. Portanto, o conhecimento proposicional está

1
Conceito clássico manifestado nos Diálogos Platônicos. Menon 97e – 98a e Teeteto 21c e 202d.

26 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


além do “eu penso”, “eu tenho ideias”. Se não anuncio ou compartilho com
outro(s) meus pensamentos, ainda não há o conhecimento proposicional
propriamente dito. Detenho saberes, posso conduzir minha vida a partir
desses saberes, mas para que eles se tornem conhecimentos proposicionais
é necessário que sejam anunciados. A definição de conhecimento
proposicional, portanto, exige uma linguagem, uma forma de manifestação.
É um saber comunitário. Intersubjetivo.

7.
Se, por um lado, há uma clara evidencia da necessidade de que o
conhecimento proposicional exija um enunciado. Todavia, por outro lado, é
mais complicado aceitarmos a crença de que tal enunciado seja verdadeiro.
A definição de conhecimento proposicional exige que o enunciado seja
verdadeiro. Não sendo verdadeiro não é conhecimento. Não obstante, como
afirmar a crença na verdade de uma proposição? Como garantir que esta
ou aquela declaração seja verdadeira? Entretanto, como afirma Johannes
Hessen (1987), não é suficiente que as proposições tenham a crença de
serem verdadeiras; necessitamos da certeza que são verdadeiras. Todavia,
o que nos dá a certeza de que as proposições são verdadeiras? Quais os
critérios que afirmam a verdade (ou falsidade) das proposições anunciadas?
Quais são os critérios da verdade?

Os critérios de verdade
8.
Em filosofia critério é o caráter, norma ou modelo que serve para a
apreciação de um objeto, ideia ou acontecimento. Um sinal a partir do qual
emitimos um juízo de valor. Em particular designa-se por critério da verdade
um sinal extrínseco ou um caráter intrínseco que permite reconhecer a
verdade e distingui-la do erro. Os critérios de verdade são os argumentos
passíveis de justificar a adequação ou falsidade de uma crença (GAYA,
2008).

São critérios de verdade:


9.
O critério da autoridade: embora, como afirme Pedro Demo (1989),
a autoridade por si não se configure como argumento algum, por outro lado,

O desafio da iniciação científica 27


não podemos desconhecer o fenômeno constante de que a evocação de
certas autoridades desperta imensa respeitabilidade. O critério da autoridade
esta presente nas doutrinas religiosas e políticas, principalmente nas
manifestações mais radicais ou fundamentalistas. Nestas doutrinas a verdade
é um dogma. Uma certeza. Uma opinião. Uma proposição em que a crença
ou a fé é a absoluta justificativa de verdade. Alguém segue as palavras do
evangelho por acreditar que são palavras de inspiração divina e de
incontestável autoridade em sua crença religiosa. Ali, na autoridade divina
está o critério da verdade.

10.
O critério da evidência objetiva: revela que são verdadeiros os
juízos que se assentam na presença ou realidade imediata do objeto
enunciado (Hessen, 1987), É a visão imediata do objetivamente dado. Para
Zeferino Gonzáles (1876) a evidência objetiva se pode definir como a aptidão
do objeto para apresentar-se ao entendimento com tal clareza e lucidez que
“obriga” o sujeito reconhecê-lo como verdade veemente. A evidência objetiva
é o resplendor vivo, energético e avassalador da verdade no objeto. O critério
da evidência objetiva está presente no conhecimento científico. Por exemplo:
quando enuncio que a obesidade é fator de risco para as diabetes em
adolescentes, faço-o a partir de observações empíricas. Ou seja, valho-me
de estudos factuais que evidenciam empiricamente a associação entre a
obesidade e a ocorrência de diabetes em adolescentes. Enfim, valho-me de
evidências objetivas para justificar a verdade do meu enunciado.

11.
O critério da não-contradição infere como verdade a concordância
do pensamento consigo mesmo. O princípio da não-contradição, tomado na
formulação clássica de Aristóteles no livro Gama da Metafísica, afirma que
é impossível predicar e não predicar o mesmo, do mesmo modo, sob o
mesmo aspeto e ao mesmo tempo (cf. CIRNE-LIMA 1993). Ou seja, não
podemos anunciar simultaneamente proposições contraditórias. Ao afirmar
que aqui e agora esta chovendo elimino necessariamente a proposição de
que aqui e agora não esta chovendo. O critério da não contradição pressupõe
a coerência entre os juízos enunciados. O exemplo clássio: “Todos os homens
são mortais” (premissa maior). “Sócrates é homem” (premissa menor).

28 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


“Logo, Sócrates é mortal” (conclusão). Nesse raciocínio, não há contradição
entre os juízos, o pensamento é coerente consigo mesmo, logo é verdadeiro
(independente de evidências empíricas). O critério lógico da não contradição
é o critério de verdade predominante no conhecimento filosófico, no
conhecimento das ciências teóricas (matemática, lógica) e, ao lado do critério
da evidência objetiva, está presente nas ciências empíricas (biologia,
psicologia, antropologia, sociologia, etc.).

12.
O critério da utilidade: O critério da utilidade consiste na definição
da verdade a partir da finalidade prática que assume o objeto descrito. Está
presente no pragmatismo americano, corrente filosófica fundada e
desenvolvida por Charles Peirce, William James, John Dewey, Donald
Davidson, Willard Quine e Richard Rorty (Cf. MURPHY, 1993). O critério
de utilidade abandona radicalmente o conceito de verdade como a
concordância entre o pensamento e o ser. Abandona o sentido de que o
conhecimento ou a verdade é uma representação do real (RORTY, 2002).
O critério de utilidade define a verdade como aquilo que é útil, valioso,
fomentador da vida. Aquilo que dá certo. O critério da utilidade altera o
sentido de verdade na medida em que parte de uma determinada concepção
de ser humano em que, homens e mulheres não são concebidos
essencialmente como seres teóricos ou pensantes, mas sim seres práticos,
seres de vontade e de ação.

O conhecimento científico
e outras formas de conhecimento
13.
Antes de prosseguir façamos uma breve síntese. O conhecimento
proposicional é o enunciado de uma proposição verdadeira. Justifica-se a
verdade através dos critérios de verdade. Porém, nada impede que nossa
crença pessoal sobre a verdade reúna alguns critérios em detrimento de
outros. Assim, posso aceitar o critério da evidência como um critério de
verdade e desacreditar do critério da autoridade. Todavia, devemos convir,
se eu não concordar em aceitar o critério da autoridade como pressuposto
de verdade eu terei dificuldade em partilhar das verdades manifestas nas
doutrinas religiosas e ideologias políticas. Sendo assim, a definição da

O desafio da iniciação científica 29


verdade se relativiza a partir dos critérios de verdade que aceito ou não
aceito. O que aceito como verdade pode não coincidir com a verdade de
meu colega na medida em que não compartilhamos dos mesmos critérios.
Acreditar em Deus, por exemplo, depende de aceitarmos os critérios de
autoridade que justificam o conhecimento religioso. Compartilhar da teoria
darwiniana da origem das espécies depende de aceitarmos os critérios da
evidência objetiva que justificam o conhecimento científico. Acreditar que
o homem é bom por natureza depende de aceitarmos os argumentos lógicos
da filosofia de Rousseau. Acreditar em astrologia depende de aceitarmos
os argumentos esotéricos que dão pretensão de verdade ao conhecimento
místico. Dito isto, podemos inferir que a crença em distintas configurações
dos critérios de verdade nos conduz a formas também distintas do
conhecimento. Ou seja, os conhecimentos: científico, popular, religioso,
filosófico, artístico, etc., são distintos entre si exatamente porque se
configuram através de diferentes critérios de verdade. Todavia, embora
distintos configuram estreitas relações no mundo da vida. Não se pode
imaginar que ao adotar um única determinada forma do conhecimento
possamos interpretar a complexidade da natureza, da sociedade e da cultura.
Ninguém é capaz de sobreviver adotando apenas conhecimentos científicos
ou, viver a vida seguindo um qualquer manual de conduta, ou seguindo
livros de autoajuda. A vida exige um ecologia de saberes, a vida é complexa
É preciso interagir, fazer relações, considerar os vários discursos, os vários
tipos de conhecimento. Como sugere Boaventura de Sousa Santos a vida
exige uma epistemologia da complexidade e, como tal, uma ecologia dos
saberes. A convivência entre as diversas manifestações do conhecimento
(SANTOS, 2006).

O Senso comum e a ciência


Esses povos têm conhecimento enorme da natureza. Os
índios são capazes de pressentir uma onça, de ver a
chegada de uma cobra, enquanto eu não sinto nada,
não vejo nada. Eles são capazes de subir em árvores
de qualquer tamanho, de caminhar em qualquer lugar
com os pés descalços, enquanto eu sofro com minhas
sofisticadas botas de caminhar.
Sebastião Salgado (2014)

30 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


14.
Curandeiros e médicos podem obter ou não sucesso na cura de seus
pacientes. Videntes e meteorologistas podem ou não acertar a previsão do
tempo. Pedreiros práticos e engenheiros podem construir casas que
permanecem ou desabam. Aliás, muitas vezes curandeiros, médicos,
videntes, meteorologistas, pedreiros e engenheiros acertam e, em tantas
outras vezes erram. Todavia, os acertos e erros de uns e outros
absolutamente não os colocam no mesmo pacote. Curandeiros, videntes e
pedreiros por um lado e médicos, meteorologistas e engenheiros por outro,
utilizam formas distintas de conhecimento para curar enfermos, prever o
tempo e construir casas. Curandeiros, videntes e pedreiros compartilham
conhecimento como habilidade, desempenho ou performance, enquanto
médicos, meteorologistas e engenheiros compartilham o conhecimento
científico que é declarativo ou proposicional. Conhecimento lógico e racional.

15.
Mas, quem acerta mais seus prognósticos? Ora, isto não está em
causa. O que difere a ciência do senso comum, não é simplesmente o número
de acertos e erros de um ou outro. É, isto sim, as exigências ou critérios de
verdade que ambos utilizam para validar suas formas de conhecimento.
Devemos perceber inicialmente que o conhecimento, seja religioso, filosófico,
científico do senso comum, sempre representa uma crença que se pretende
verdadeira. Se vou ao médico e leio as previsões do tempo nos jornais e
confio à construção da minha casa ao engenheiro é porque eu prefiro
acreditar na ciência. Eu acredito que os critérios de verdade que sustentam
o conhecimento científico são mais convincentes do que os critérios que
subsidiam o senso comum, pelo menos para tratar de doenças, prever
condições climáticas e construir casas. Há quem não concorde com minha
escolha. Respeito! É uma questão de crença. Há quem confie sua saúde ao
curandeiro, as previsões do tempo ao vidente e a construção da moradia ao
pedreiro e, nem por isso, podemos negar peremptoriamente a possibilidade
da cura, da previsão correta do tempo e de que a casa permaneça firme e
confortável por longo tempo. E, há também aqueles que entregam sua saúde,
a previsão do tempo e a construção de sua casa a ambos: frequentam
médicos e curandeiros, consultam meteorologistas e videntes, engenheiros
e pedreiros. Enfim, como afirma o provérbio popular: “eu não acredito em
bruxas, mas que elas existem... existem!”.

O desafio da iniciação científica 31


16.
Por outro lado, é relevante deixar claro que o conhecimento do senso
comum e o conhecimento científico, embora distintos, compartilham uma
característica: ambos são factuais. Em outras palavras, eles podem ser
submetidos a “provas” empíricas. Tanto o vidente como o meteorologista
que prognosticam chuvas para a tarde estão sujeitos ao teste de falsificação
de suas previsões. Basta chegar à noite sem ter chovido para constatarmos
que ambos falharam em seus prognósticos. Da mesma forma, o curandeiro
e o médico, o pedreiro e o engenheiro podem verificar se suas práticas
salvaram ou não o doente, ou se suas casas caíram ou permaneceram.

17.
Sendo assim, porque ainda permaneço acreditando (mais) na previsão
do meteorologista, na cura pelos médicos e na engenharia? Ocorre que a
previsão do meteorologista e o tratamento dos médicos e a construção do
engenheiro justificam-se a partir de teorias coerentes e consistentes (teorias
científicas, conhecimento proposicional). Os conhecimentos do
meteorologista, do médico e do engenheiro são sistemáticos diferentemente
da previsão do vidente e do tratamento do curandeiro e da construção do
pedreiro que se estruturam em sensações, sentimentos e percepções, enfim
em experiências. O conhecimento do senso comum é assistemático, o
conhecimento científico é sistemático. A previsão do meteorologista, o
tratamento do médico e a obra do engenheiro são saberes logicamente
ordenados, formando um sistema de ideias coerentes e empiricamente
verificáveis.

Religião e ciência
18.
Somos todos originários da costela de Adão. Da costela de Adão
fez-se a mulher. Eva. De Adão e Eva somos todos descendentes. Por ter
desobedecido a ordem do Senhor, Eva pecou. No Jardim do Éden,
convencido pela serpente, Eva comeu a maçã e nos deixou como herança
(está no DNA?) o pecado venial. Eis uma teoria sobre a origem da
humanidade. O criacionismo é uma corrente de pensamento compartilhada

32 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


por muitos. Há quem acredite, há quem desconfie. Aliás, não se trata de
acreditar ou confiar. Trata-se de crer, de assumir uma crença. O
conhecimento religioso é uma crença que não exige justificativa para além
da fé numa entidade sagrada. O conhecimento religioso contém proposições
sagradas. São revelações do sobrenatural. São mensagens dos Deuses.
Religião não se discute! São “verdades” (mais ou menos) infalíveis ou, pelo
menos, não devem ser frequentemente submetidas a dúvidas. São dogmas.

19.
O conhecimento religioso é dogmático e inspiracional. Algo que brota
na mente, como soprado fosse pela divindade que governa o objeto
da crença (VIEGAS, 1999, p.39). Apoia-se em doutrinas reveladas. Todavia,
diferentemente tanto do senso comum como do conhecimento científico
que são ambos verificáveis, o conhecimento religioso não é verificável.
Como verificar ou negar a existência de Deus? Mas, por outro lado, o
conhecimento religioso enquanto doutrina é sistemático. Tal como o
conhecimento científico compõe um texto coerente (LAKATOS e
MARCONI, 1988). As religiões, (católicas, luteranas, adventistas, espíritas,
islâmicas, etc.) são instituições que organizam e sistematizam as crenças e
a transformam em conhecimentos. Conhecimentos que se constituem em
corpos de doutrina. Conhecimentos dogmáticos. Os discursos configuram-
se de forma lógica assumindo categorias com coerência formal. São
constructos que propõe verdades sobre a origem do Universo, o significado
da existência, finalidade do homem na terra, destino da alma após a morte,
etc. Os discursos doutrinários normatizam os comportamentos e impõe
regras: não beber, jejuar, ir ao culto, rezar diariamente, manter em dia o
dízimo, etc. Mas, a aceitação é a única atitude possível ao sujeito.

Filosofia e ciência
O desporto é um local, um espaço no qual o corpo é
interlocutor permanente, nele o corpo tem voz e fala:
com a sua carne, com seus músculos, com seus ossos,
com as suas vísceras e o seu sangue. No desporto, é
fulgurante a presença do corpo para cada um e do

O desafio da iniciação científica 33


corpo para si mesmo, por meio dele aprende-se a olhar
para o corpo, que não esta mais, que não é uma paixão
inútil. Nele saboreamos o gosto carnal, intenso e
quente, de nos sentirmos humanos (BENTO, 2002, p.7).

20.
Em Jorge Bento há relações entre o esporte e o corpo. É um trecho
de um belo e longo artigo onde além dos sentidos, sentimentos e emoções,
há um território trilhado pela razão. É o domínio da filosofia (cf. VIEGAS,
1999). Filosofia, conhecimento onde os conceitos são criados a partir da
reflexão sobre a realidade. É um conhecimento introspectivo. A filosofia
almeja uma perspectiva sobre a realidade a partir do sujeito que especula
sobre ela.

21.
Mas, diferentemente do senso comum e do conhecimento religioso o
conhecimento filosófico, tal como o científico é racional. Seus argumentos
exigem enunciados logicamente correlacionados. O conhecimento filosófico
é lógico-dedutivo. Suas hipóteses e proposições visam uma representação
coerente da realidade estudada numa tentativa de configurá-la em sua
totalidade. O conhecimento filosófico transcende as qualidades perceptivas
dos sentidos. É metafísico. Metafísico e especulativo. Como afirma Viegas
(1999), representa o desejo do ser humano de ir além das aparências das
coisas. Especulação, de speculum espelho. O conhecimento filosófico é
dito especulativo porque a mente tenta refletir sobre a realidade última das
coisas e criar uma imagem da sua natureza mais profunda.

22.
Conhecimento filosófico, diferentemente do conhecimento científico
e do senso comum, mas semelhante ao conhecimento religioso não é
verificável. Seu ponto de partida são hipóteses que não podem ser validadas
ou refutadas, por procedimentos experimentais. Como “provar”
experimentalmente a existência do belo? Do justo? O conhecimento filosófico
investiga um largo espectro de temas. Trata do conhecimento enquanto
epistemologia; investiga sobre o belo enquanto estética; especula sobre o
bem e o mal enquanto axiologia e ética.

34 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


23.
Formas de conhecimento: principais características

Fonte: GAYA (2008)

A ciência
24.
A pesquisa científica requer um conjunto de postulados que
caracterizam um código de linguagem e racionalidade que difere de outras
formas do conhecimento. A Ciência opera no espaço de um conjunto
determinado de regras bem definidas. É um jogo de linguagem com normas
específicas. A definição do conhecimento científico em determinada área
do saber, (biologia, sociologia, psicologia, ecologia, cinesiologia), ocorre a
partir da demarcação de seu objeto de estudo. Um objeto teórico formal
(ALTHUSSER, 1985).

25.
O objeto de estudo de uma disciplina científica (objeto teórico formal)
é o corpo de conhecimentos que, orientado para um âmbito parcial da
realidade, da natureza, da sociedade, do pensamento ou do comportamento
humano, reflita suas normas de desenvolvimento sob a forma de teoria.

26.
Mas, a definição do objeto teórico formal exige outras necessidades.
Pressupõe a emergência de técnicas e procedimentos metodológicos de
investigação, de um sistema de conhecimentos estruturado a partir de
conceitos e categorias lógicas e passíveis de observação factual, de uma
coletividade (científica) e de uma linguagem formal (DELATRE, 1981).

O desafio da iniciação científica 35


27.
Em síntese, o reconhecimento de uma disciplina científica requer um
modelo de racionalidade que se diferencia das evidências inerentes ao código
de leitura do real presentes no senso comum. Requer diferenciações em
relação ao conhecimento ideológico, em relação a valoração inspiracional e
dogmática do conhecimento religioso, bem como da perspectiva especulativa
do conhecimento filosófico. Entretanto, faz-se mister reafirmar que em nosso
quotidiano devemos reconhecer que o conhecimento científico permanece
em coexistência com todas essas formas de conhecimento (a ecologia dos
saberes).

28.
Enfim, a partir dessas proposições podemos concluir que o
conhecimento científico para consolidar-se como tal, requer alguns
pressupostos.
1. Coerência: entendida como a propriedade lógica, a argumentação
bem estruturada, o corpo sistemático e bem deduzido de
enunciados, o desdobramento do tema de modo progressivo e
disciplinado e a dedução lógica das conclusões. A coerência
permite que as ideias que compõem o conhecimento científico
possam combinar-se segundo um conjunto de regras lógicas,
com a finalidade de produzir novas ideias (LAKATOS e
MARCONI, 1988, p.29).
2. Consistência: entendida como a relativa capacidade de resistir a
argumentações contrárias. Difere da coerência porque esta é
estritamente lógica, enquanto a consistência se liga também
a atualidade da argumentação (DEMO, 1999, p.20). A
consistência verifica a adequação das hipóteses aos fatos através
da observação, da dedução ou da experimentação. A consistência
exige coerência entre a teoria e a experiência, as hipóteses e seus
resultados, O que se diz e o que se demonstra empiricamente.
3. Originalidade: entendida como a capacidade de produzir
argumentos não tautológicos. Ou seja, capacidade de produzir
novos conhecimentos ao invés de permanecer apenas a reprisar
experimentos, formas e modelos (infelizmente, afirmo com
convicção: há muito pouca originalidade em nossa comunidade
científica em geral).

36 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


4. Objetividade: entendida como a possibilidade para interpretar
determinadas regularidades do funcionamento de um fenômeno
fatual expressando-o em forma de teoria.
5. Verificabilidade: postulado que, devido à característica do
conhecimento científico em tratar com ocorrências fatuais, torna
possível, dentro de certas categorias conceituais ou esquemas de
referência, a verificação da validade2 de suas hipóteses por
processo de observação, experimentação ou dedução
(PIAGET,1980).

29.
Enfim, devemos considerar que: a coerência, a consistência, a
originalidade, a objetividade e a verificabilidade são algumas categorias
inerentes à demarcação do conhecimento científico.

30.
Como sugere Henri Atlan (1994), a eficiência e as limitações do
conhecimento científico residem neste conjunto de critérios. Querer negá-
los é pretender substituir o conhecimento científico por outra forma de
conhecimento. Suprimir estas limitações sem sair da ciência é não só ilusório,
mas também autodestrutivo.

Síntese
Neste capítulo tratei sobre o conhecimento. Sugeri três hipóteses:
(a) conhecimento como habilidade; (b) conhecimento por familiaridade e;
(c) conhecimento proposicional. Dei ênfase ao conhecimento proposicional
definindo-o como “o enunciado de uma proposição verdadeira”. Argumentei
sobre a necessidade de definir “verdade” e o fiz propondo um conjunto de
critérios “os critérios de verdade”. A partir dos critérios de verdade
caracterizei brevemente distintas formas de conhecimento: senso comum,
religioso, filosófico e científico. Aceitá-los, um ou outro, depende das

2
Importante crítica a verificabilidade da ciência pode ser revista em Oliva, A. A Hegemonia da concepção
empirista de ciência a partir do novun organum de F. Baccon. In OLIVA, A. (org) Epistemologia: a cientificidade
em questão. São Paulo: Papirus, 1990, ps. 11 – 34.

O desafio da iniciação científica 37


circunstâncias e crenças pessoais sobre os critérios de verdade. A verdade,
portanto, não é absoluta, É relativa à manifestação do conhecimento que
assumimos para anunciar uma proposição. Por fim, tratei de identificar alguns
entre os principais pressupostos inerentes ao conhecimento científico:
coerência; consistência; originalidade; objetividade, verificabilidade.

Referências:
ALTHUSSER,L. Pour Marx. Paris: François Maspero, 1985.
ATLAN, H. Com razão ou sem ela. Lisboa: Instituto Piaget, 1994.
BENTO, J.O. Da saúde, do desporto, do corpo e da vida. In. Barbantti, V;
Amadio, A.C.; Bento, J.; Marques, A. Esporte e Atividade Física.
São Paulo: Manole, 2002.
CIRNE-LIMA, C.R.V.; Sobre a contradição. Porto Alegre: EDIPUCRS,
1993.
COSTA, C. F. A definição tradicional de conhecimento. Princípios,
ano 04, n. 05, p. 63 – 102 1997.
DELATRE, P. Teorias dos Sistemas e Epistemologia. Cadernos de
Filosofia 2. A Regra do Jogo. Lisboa: 1981,
DEMO. P. Metodologia científica em ciências sociais. São Paulo: Atlas,
1989
GAYA, A. Ciências do movimento humano. Introdução à metodologia
da pesquisa. Porto Alegre: ARTMED, 2008.
GONZALEZ, Z. Filosofia Elemental. Madrid: 1876, Tomo 1, ps. 145 –
198. In. WWW.filosofia.org/zgo/zgfe.htm <acesso em 27 de agosto de
2011>.
HESSEN, J. Teoria do Conhecimento. Arménio Amado:Coimbra,
1987.
LAKATOS, E.M. e MARCONI, M.A. Metodologia Científica. São Paulo:
Atlas, 1988.
MURPHY, J. O Pragmatismo de Peirce a Davidson. Porto: Edições
Asa, 1993.
OLIVA, A. A. Hegemonia da concepção empirista de ciência a partir
do novun organum de F. Baccon. In OLIVA, A. (org) Epistemologia:
a cientificidade em questão. São Paulo: Papirus, 1990, ps. 11 – 34.
PIAGET, J. Lógica e Conhecimento Científico. Vol.1, Porto: Civilização,
1980

38 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


RORTY, R. Objetivismo, relativismo e verdade. Escritos filosóficos
I. 2ed. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002.
SALGADO, S.; FRANCQ, I. Da minha Terra à Terra. São Paulo: Paralela,
2014.
SCHOPENHAUER, A. O mundo como vontade e como representação.
São Paulo: Unesp, 2005.
SANTOS, B.S. A Gramática do tempo, para uma nova cultura política.
São Paulo: Cortez, 2006.
SANTOS, B. S e MENEZES, M. P. Epistemologias do Sul. São Paulo:
Cortez, 2010.
VIEGAS, V. Fundamentos da metodologia científica. Brasília: UnB/
Paralelo15, 1999.

O desafio da iniciação científica 39


3.
A Escolha do Tema da Pesquisa
Adroaldo Gaya

“A superação da ansiedade de enfrentar o desafio para


construir um trabalho científico se dá por meio da
condução de atividades prazerosas de busca e
desenvolvimento de um tema que dê satisfação e
orgulho”.
Gilberto de Andrade Martins1

“Um projeto de qualidade não decorre de seu


sofrimento, mas de seu pensamento.
Gilson Volpato e Rodrigo Barreto2

1.
A escolha do tema é o primeiro passo no trajeto de elaboração de um
projeto de pesquisa científica. Em princípio, parece algo muito simples.
Afinal, não faltam assuntos para investigar, não faltam problemas para serem
equacionados e não faltam dúvidas a exigir esclarecimentos. Entretanto,
quando nos damos conta que vamos dedicar um tempo importante de nossas
vidas à planificação, execução e publicação da pesquisa, concluímos que
estamos perante um esforço intelectual que nos vai exigir um considerável
trabalho e, como tal, é essencial partirmos de uma boa ideia. Como sugere
Gilberto de Andrade Martins3 da Universidade de São Paulo escolher o
tema de uma pesquisa assemelha-se à elaboração de um roteiro de
iluminação de uma peça teatral. Com criatividade e engenhosidade é preciso
escolher onde se deve “jogar a luz”, dar o “zoom”, ou seja, buscar e engendrar
uma perspectiva que possibilite dizer algo que ainda não foi dito, ou rever,

1.
MARTINS. Gilberto de Andrade. Estudo de caso. Uma estratégia de pesquisa.(2ed). São Paulo: Atlas, 2008.
2
VOLPATO, G.; BARRETO, R. Elabore projetos científicos competitivos. Biológicas, exatas e humanas.
Botucatu: Best Writing Editora, 2014.
3.
Idem, ibidem, p.16.

O desafio da iniciação científica 41


propor uma nova leitura, oferecer outra visão ao que já foi dito e explicado
sobre o tema. A escolha do tema exige a possibilidade de avistarmos ao
longe e de julgarmos criteriosamente se temos capacidade para chegar ao
destino pretendido.

2.
O tema é a explicitação de uma ideia. Um bom tema decorre de uma
boa ideia. Estimular a descoberta de boas e criativas ideias deve anteceder
à definição do tema de uma pesquisa científica. Escolher o tema não deve
ser uma tarefa imposta sobre pressão de tempo, por modismos esporádicos,
por imposição de orientadores e nem deve estar refém de métodos de
pesquisa pré-determinados. É a busca por um ideal (um conjunto de ideias).
É uma tarefa subjetiva. O tema deve representar o desabrochar de uma
ideia que suscite interesse e desperte a curiosidade. Uma ideia que passe
pelo coração e que mexa com os sentimentos. Uma ideia que envolva a
razão, a emoção e o sentimento. Como referi na epígrafe citando Volpato e
Barreto (2014): Um projeto de qualidade não decorre de seu sofrimento,
mas de seu pensamento”.

3.
A escolha do tema representa o primeiro passo relevante em todo o
processo de investigação. O tema se configura como o assunto que, embora
inicialmente se apresenta de forma ainda pouco clara, é capaz de localizar
a área de estudo e a intenção do pesquisador.
A escolha do tema significa:
(a) encontrar uma ideia que possa ser investigada cientificamente.
Em outras palavras, uma ideia que possa ser formulada e delimitada
de maneira clara e que as hipóteses decorrentes sejam suscetíveis
de refutação através de argumentos lógicos e evidencias
empíricas. Por exemplo: Enunciar que a vitória do meu time de
futebol foi uma dádiva divina constitui-se numa hipótese que não
pode ser refutada empiricamente. Como tal, não é uma hipótese
científica. Eu posso crer nesta afirmação, pagar uma promessa
pela graça concedida, posso enfileirar vários argumentos em prol
da minha conjectura, mas não poderei utilizar a ciência como
argumento para justificá-la. Como tal, não é um tema próprio para
um projeto de investigação científica.

42 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


(b) A escolha do tema, como sugere David Gray (2012)4, deve
considerar a probabilidade de manter o interesse do pesquisador.
Não devemos esquecer que o processo de pesquisa pode ser longo
e árduo, de modo que é aconselhável que o pesquisador esteja
plenamente comprometido e motivado com seu tema.
(c) A escolha do tema deve considerar as inclinações, tendências
ou preferências do pesquisador. Se o estudante de iniciação
científica foi atleta, músico, bailarino; se está apaixonado por física,
biologia ou história; se sonha em ser jornalista, advogado, médico,
engenheiro ou professor é aconselhável que procure nos campos
do conhecimento de sua preferência o tema para sua pesquisa.
(d) A escolha do tema deve considerar as experiências e aptidões
do pesquisador. Como afirma Gray (2012)5, parece óbvio, mas é
essencial que o tema esteja no âmbito das capacidades do
estudante de iniciação científica. Espera-se que essas capacidades
se aprimorem durante o processo da pesquisa, mas, por exemplo,
escolher um tema que demande muitas habilidades estatísticas
quando o estudante só domina estatística básica, ou nem isso,
pode significar o caminho do insucesso.
(e) A escolha do tema deve considerar as possibilidades do
pesquisador. Seu acesso a literatura, aos laboratórios, aos sujeitos
da pesquisa. Sua proficiência em língua estrangeira. Deve
considerar da mesma forma, a disponibilidade financeira, de tempo,
de transporte. Convenhamos, estes obstáculos são determinantes
para o sucesso da empreitada. Pouco vale sonhar com um tema
deslumbrante que poderá não se materializar por impossibilidade
de operacionalização.

4.
Aconselho que na fase da escolha do tema o estudante apresente
suas ideias a seus colegas, seus professores e pessoas próximas. Discuta
sobre a conveniência e relevância de uma ideia. É uma atitude sensata.

4.
GRAY, D. Pesquisa no mundo real. Tradução de Roberto Costa (2ed), Porto Alegre: Penso, 2012.
5.
Idem, ibidem, p. 41.

O desafio da iniciação científica 43


Outra sugestão interessante é a de examinar os projetos disponíveis na
biblioteca ou em fontes de consulta. Leituras diagonais ou panorâmicas de
projetos inerentes a área do pesquisador podem auxiliar sobremaneira na
definição do tema de pesquisa.

Da ideia inicial ao tema da pesquisa - Exemplo 1.


5.
O estudante anuncia ao professor:

Pretendo realizar um projeto relacionado à pressão arterial


em idosos.

A ideia é relevante, mas convenhamos, é bem genérica. Várias


abordagens são possíveis. Sendo assim, se faz necessário que o professor
orientador, a par de sua experiência, possa sugerir questões que possibilitem
ao aluno identificar fronteiras mais bem demarcadas. Por exemplo, o que
pretende investigar o estudante: a relação da pressão arterial com uso de
medicamentos? Com práticas de exercícios físicos? Com padrões
nutricionais? Com níveis de estresse? Com perfis profissionais? O projeto
refere-se a valores normais, elevados ou baixos de pressão arterial? Exige-
se definir um foco.

6.
Vamos em frente. O aluno, após defrontar-se com as questões de
seu professor, em nova conversa acrescenta mais uma indicação para seu
tema de pesquisa.

Tenho a intenção de investigar as relações entre exercício físico


e pressão arterial.

Já são vários passos à frente. Mas, ainda assim, estamos distantes


de um tema que nos permita planejar um bom projeto. O professor pode
auxiliar com novas perguntas: que tipo de exercício? Pretende analisar os
efeitos do exercício sobre a pressão sistólica, diastólica, média? Efeitos
agudos ou crônicos do exercício? É preciso ir adiante. Faz-se necessário
delimitar ainda mais a proposta. A pesquisa será com homens, mulheres ou
ambos? Sedentários ou fisicamente ativos?

44 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


7.
Tenho a convicção de que se deva dedicar o tempo que for necessário
para que o tema amadureça na consciência do próprio estudante. Sem
pressões e imposições demasiadas. Que a ideia se transforme num tema de
pesquisa num processo de descoberta, construção intelectual e de
aprendizagem.

8.
Nosso aluno6, após algumas leituras, diálogos e reflexões reapresenta
seu tema de pesquisa:

Resposta da pressão arterial de idosos normotensos frente à


realização de distintos volumes de treinamento de força.

Ora, já agora temos um tema. Já temos um caminho percorrido.


Muitos passos ainda serão necessários, mas já temos um rumo. Já podemos
identificar as variáveis do estudo (tensão arterial e treinamento de força em
diversos volumes). A população alvo (idosos normotensos). Já podemos
supor que é um estudo de intervenção que pretende verificar relações de
causa e efeito entre distintos volumes de treinamento de força e tensão
arterial. Poderíamos ainda lhe dirigir outras questões: qual a intensidade dos
exercícios de força? Quais os exercícios serão selecionados? Etc. Todavia,
provavelmente estas e outras questões poderiam ficar para mais adiante.
Talvez, neste momento, fosse mais adequado aconselhá-lo a proceder a
uma consulta preliminar à bibliografia pertinente. Enfim, após estes exercícios
e reflexões o estudante defini o tema da pesquisa:

Resposta hipotensiva aguda a diferentes volumes de treinamento


de força em idosos normotensos.

6.
Este projeto foi proposto na aula de metodologia da pesquisa em educação física do curso de graduação da
UFRGS pelo estudante Giordano Greco no primeiro semestre de 2011.
7.
Trata-se da monografia de graduação de Dilamar Pereira apresentada no segundo sem
estre de 2009 no Seminário de TCC da ESEF-UFRGS.

O desafio da iniciação científica 45


Da ideia inicial ao tema da pesquisa – Exemplo 2.
9.
A estudante anuncia sua intenção de realizar um projeto de pesquisa
sobre a contribuição do esporte na formação moral de adolescentes7.
Argumenta:

Sou professora de educação física numa escola localizada num


assentamento do Movimento dos Sem-Terra (MST)8 e, sendo, eu
mesma, assentada nessas terras, tenho percebido que as crianças
da escola apresentavam muitos problemas disciplinares.

10.
A estudante tem a expectativa de que um programa de educação
física escolar através do esporte poderá alterar o comportamento e as atitudes
dos alunos.

O esporte, com suas regras e normas, oferece conteúdos que


propicia oportunidades para um bom programa de educação
moral.

A estudante sugere um projeto de pesquisa onde possa verificar os


possíveis efeitos de um programa de intervenção pedagógica através da
educação física esportiva no desenvolvimento moral de adolescentes.

11.
A ideia sugere um tema relevante. É passível de ser investigado por
método científico. Além do mais está de acordo com os interesses, inclinações
e experiências da estudante. Há uma forte motivação para a realização do
projeto. A estudante, como professora de educação física de uma escola do
MST, está a propor um estudo de caso, talvez uma pesquisa avaliativa.
Uma pesquisa capaz de validar uma intervenção pedagógica através do
esporte sobre o desenvolvimento moral dos alunos de sua escola. Muito
bom!

8
MST, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é um movimento social da maior relevancia política no
Brasil, principalmente em prol da reforma agraria e da justice social.

46 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


12.
Algumas perguntas são pertinentes para operacionalizar a ideia num
bem descrito tema de pesquisa: Como a estudante pretende avaliar a
efetividade de sua intervenção pedagógica? Como medir objetivamente os
efeitos de sua prática pedagógica? Como poderemos evidenciar que
ocorreram ou não diferenças no comportamento, atitudes ou estágio moral
dos escolares? Será através de escalas de atitudes? Da observação
sistematizada do comportamento disciplinar dos alunos? Entrevista com pais
e professores de outras disciplinas? Da nossa conversa, sugeri que a
estudante consultasse a bibliografia e indiquei preliminarmente autores que
tratam sobre o tema da educação e desenvolvimento moral.

13.
A estudante após uma breve revisão da literatura:

Revelou que estava muito motivada para estudar o


desenvolvimento moral dos adolescentes. As leituras de Piaget,
Kohlberg, Tailles, Biaggio, entre outros, lhe apontava o rumo a
seguir.

Como tal, sugeria o seguinte tema:

Descrever os efeitos de um programa de esporte educacional no


perfil dos estágios de desenvolvimento moral de Kohlberg em
estudantes do 8º e 9º anos da Escola Nossa Senhora de Fátima.

Eis o tema da pesquisa bem delimitado!

Da ideia inicial ao tema da pesquisa – Exemplo 3.


14.
A estudante pretende desenvolver seu TCC (trabalho de conclusão
de curso) sobre a história dos clubes esportivos no município de
Teutônia9. Meu primeiro comentário é que se trata de um tema relevante
para área da história do esporte, da educação física e, evidentemente, para

9
Teutônia é um município brasileiro localizado na região central do estado do Rio Grande do Sul de colonização
alemã.

O desafio da iniciação científica 47


a cidade de Teutônia. Não obstante, todo projeto de pesquisa histórica exige
que a partida o pesquisador tenha delimitado com possível clareza o foco da
sua investigação. A ideia da estudante ainda é genérica e, como tal, não
ilumina adequadamente a cena que queremos visualizar. Não demarca as
variáveis que se pretende descrever.

15.
Um conjunto de sugestões foi discutido com a estudante: 1.
Poderíamos tratar sobre o fluxo migratório para a região, afinal, trata-se de
um município de colonização alemã com suas características culturais onde
o associativismo em geral e o esportivo em especial é muito considerado. 2.
Poderíamos localizar o período em que os colonos alemães chegaram à
região e constituíram sua comunidade. Sabemos que em determinado
momento histórico no Brasil e em especial no Rio Grande do Sul os colonos
alemães foram perseguidos e admoestados, o que certamente leva a uma
tendência maior para o associativismo. 3. Poderíamos identificar outras
formas de associativismo e relacioná-los com a emergência dos clubes
esportivos. (4) Deveríamos identificar as primeiras associações esportivas
e descrever o contexto de sua criação. (5) Deveríamos identificar as
principais modalidades esportivas praticadas nessa comunidade. Enfim,
transformar a ideia inicial no tema da pesquisa exigira definir um mapa bem
demarcado para nortear o caminho a ser seguido.

16.
Após consulta a biblioteca da cidade de Teutônia, conversas com
antigos moradores, reuniões com sua orientadora (professora de história do
esporte) a estudante apresenta o tema de seu TCC:

Descrever a emergência do associativismo esportivo no município


de Teutônia no final do século XIX identificando seu contexto
sociocultural, as primeiras modalidades esportivas praticadas
e as primeiras associações esportivas organizadas10.

Projeto de TCC apresentado à disciplina de Metodologia da Pesquisa em Educação Física (UFRGS) pela
10.

estudante Cecília Elisa Kilpp em 2009. A estudante apresentou seu TCC em 2010. Em 28 de junho de 2011
submeteu novo projeto na mesma linha de investigação a prova de qualificação do Mestrado em Ciências do
Movimento Humano da UFRGS. Seu projeto de mestrado intitula-se: Associativismo Esportivo em Teutônia/
Estrela: mudanças e resistências ao “abrasileiramento”.

48 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Muito bom, inclusive lhe afirmei que fora além do tema e que
praticamente anunciara o objetivo geral da pesquisa.

17.
Nesta fase de definição do tema da pesquisa é importante ressaltar
mais uma vez o papel do professor/orientador. Ele poderá auxiliar muito o
estudante desafiando-o através de comentários, perguntas, críticas e
indicação de leituras. Noutro livro (Gaya, 2008), sugeri algumas estratégias
que servem de guia para a definição de um bom tema de pesquisa. Por
exemplo: seria interessante para o aluno: 1. que proceda a divisão do assunto
em suas partes constitutivas; 2. que identifique as relações entre as variáveis
que pretende investigar. 3. que defina operacionalmente, ainda que de forma
preliminar suas principais variáveis; (4) que indique as circunstâncias em
cujos limites se circunscreve o assunto. Procedimentos como esses permitem
ao estudante a delimitação clara de seu tema de estudo a partir de suas
potencialidades, de suas condições de trabalho e principalmente de seus
interesses particulares.

Síntese
Neste capítulo tratei sobre o tema da pesquisa. Sugeri sobre a
relevância que a escolha do tema origine-se de uma boa e criativa ideia.
Ressaltei sobre a importância de que o tema seja escolhido com calma,
com parcimônia e que não seja refém de modismos, da ditadura do método
ou da imposição de orientadores. A partir da definição de uma boa e criativa
ideia apresentei um conjunto de critérios que servem para apoiar o estudante
de iniciação científica na definição de seu tema de pesquisa. A escolha do
tema deve considerar: o interesse do pesquisador; suas inclinações e aptidões;
as possibilidades operacionais para a execução do projeto. Por fim,
apresentei três exemplos de como as ideias iniciais de três alunos da
disciplina de metodologia da pesquisa em educação física se constituíram
em temas de pesquisa bem delimitados.

O desafio da iniciação científica 49


Referências
GAYA, A. Ciências do Movimento Humano. Introdução a metodologia
da pesquisa. Porto Alegre: ARTMED. 2008.
GRAY, D. Pesquisa no mundo real. Tradução de Roberto Costa (2ed),
Porto Alegre: Penso, 2012.
MARTINS. G de A. Estudo de caso. Uma estratégia de pesquisa.(2ed).
São Paulo: Atlas, 2008.
VOLPATO, G.; BARRETO, R. Elabore projetos científicos
competitivos. Bioilógicas, exatas e humanas. Botucatu: Best Writing
Editora, 2014.

50 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


4.
Definindo os objetivos da pesquisa
Adroaldo Gaya

Muitos são os obstinados que se empenham no caminho


que escolheram, poucos os que se empenham no
objetivo.
Friederich Nietzsche

Alice pergunta ao gato de botas: Podes dizer-me, por


favor, que caminho devo seguir para sair daqui?
Respondeu o gato: Isso depende muito de para onde
queres ir.
Disse Alice: Preocupa-me pouco aonde ir.
Replicou o gato: Nesse caso, pouco importa o caminho
que sigas
Lewis Carrol
(citado por Gilson Volpato e Rodrigo Barreto, 2014)

1.
Planejar uma viagem requer evidentemente que saibamos onde
pretendemos ir. Nosso destino é que vai importar nas decisões que devemos
tomar para o adequado planejamento. Definir com clareza para onde vamos
vai nos permitir escolher o caminho que percorreremos; se vamos de carro,
avião, bicicleta ou a pé; se em nossa mala levaremos roupas leves de verão
ou roupas mais pesadas para o frio; etc. É assim, da mesma forma, quando
se trata de planejar um projeto de pesquisa. Saber onde queremos chegar é
a condição essencial para apresentação de um bom projeto. Em outras
palavras, declarar o objetivo (objetivamente) é exigência fundamental para
o sucesso da nossa pesquisa.

2.
A especificação clara do objetivo nos dá o rumo que permite definir:
a natureza do trabalho; o tipo de problema que iremos anunciar; os sujeitos
que vamos selecionar; o delineamento metodológico que vamos adotar; as

O desafio da iniciação científica 51


estratégias de tratamento dos dados e como apresentá-los; o tipo de literatura
a ser consultada; o estilo da redação; o público de leitores; etc. Como refere
Gilson Volpato1,2, o objetivo de uma pesquisa é sua coluna vertebral, é seu
referencial, é o que conduz e dá coesão ao projeto.

3.
É importante ressaltar que na fase de preparação de um projeto de
pesquisa (quando ainda não temos dados, resultados e interpretações), o
objetivo do pesquisador é a referência central no processo de redação. É o
alicerce, que ainda na planta, dá sustentação ao projeto do edifício que
pretendemos construir. O objetivo estabelece os propósitos, a intenção e a
ideia principal de um projeto3. Daí minha insistência sobre a necessidade de
darmos muita atenção à formulação do objetivo. Não é aconselhável seguir
em frente: preocuparmo-nos com os métodos e estratégias, com a amostra,
com os prováveis resultados, com a revisão de literatura, etc., sem antes
termos estabelecido com precisão e rigor o destino que queremos alcançar.

4.
O objetivo é normalmente apresentado na introdução ou capítulo
introdutório de um projeto (ou relatório de pesquisa). Pode estar no início do
texto, bem como pode situar-se após a justificativa ou mesmo ao final, após
uma breve contextualização do tema e de sua relevância. Não há uma
regra absoluta que defina onde situar o objetivo no texto ou capítulo
introdutório de um projeto (ou relatório de pesquisa). Por exemplo: se o
objetivo é oriundo de uma observação empírica sobre a qual tenho ainda
pouca leitura, porque não iniciar pelo objetivo? Posto que, provavelmente,
será este objetivo que vai orientar minhas leituras preliminares e, mais
adiante, a minha revisão de literatura. Por outro lado, o objetivo pode se
originar da leitura de textos. Neste caso, não seria mais lógico iniciar com o
referencial teórico que motivou o objetivo? Acredito que a lógica da redação

1.
VOLPATO, G. Bases teóricas para a redação científica. (2ª reimpressão). São Paulo: Cultura Acadêmica,
Vinhedo: Scripta, 2011, p.54.
2
VOLPATO, G.; BARRETO, R. Elabore projetos científicos competitivos: biológicas, exatas e humanas. Botucatu:
Best Writhing Editora, 2014.
3.
Cf. CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa. Métodos qualitativo, quantitativo e misto (2ª ed.); tradução de Luciana
de Oliveira da Rocha. - Porto Alegre: ARTMED, 2007, p.101.

52 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


do texto introdutório deva seguir a lógica do processo de concepção do
projeto. Todavia, os modelos tradicionais de projetos de pesquisa,
principalmente na área da saúde, insistem que o objetivo (ou os objetivos)
seja(m) apresentado(s) como item em destaque ao final do texto introdutório.
Não resta dúvida, esta é uma possibilidade, porém, não é uma necessidade.

5.
Dependendo da abrangência do projeto da pesquisa o objetivo pode
desdobrar-se em objetivo geral e objetivos específicos. Quando o projeto
tem uma demarcação restrita, por exemplo, à descrição de uma determinada
variável ou associação entre duas variáveis, provavelmente a definição de
um único objetivo possa ser suficiente. Por exemplo: descrever o perfil
nutricional de escolares da rede publica municipal de Porto Alegre; ou
comparar os níveis médios de pressão arterial em idosos fisicamente ativos
e sedentários. Como podemos observar nesses casos, não há necessidade
de desdobrar tais objetivos. Entretanto, muitos estudantes insistem em fazê-
lo, provavelmente presos a ideia de que devem atender uma regra
(burocrática) que exige de todo o projeto a necessidade de apresentar pelo
menos um objetivo geral e dois ou mais objetivos específicos. Esta regra
absolutamente não existe.

6.
Todavia, quando o projeto tem maior abrangência, pode ser necessário
apresentar um objetivo geral que, por sua vez, exija para ser mais bem
delineado um conjunto de objetivos específicos. Exemplo: Verificar a
associação das variáveis do crescimento, maturação sexual e atividade física
com os valores de tensão arterial em crianças e adolescentes4. Embora, o
objetivo geral descreva as perspectivas gerais do projeto, explicite a intenção
da pesquisadora, ainda assim não é possível, pela generalidade da
formulação, identificar detalhadamente o que ela pretende evidenciar. Neste
caso aconselha-se que o objetivo geral possa ser orientado por um conjunto
de objetivos específicos. Assim, no exemplo em tela, a pesquisadora

4.
GAYA, A. R. Actividade física e factores de risco das doenças cardiovasculares. Um estudo com ênfase nos níveis
de tensão arterial infanto-juvenil. Tese de Doutoramento em Atividade Física e Saúde apresentada à Faculdade
de Desporto da Universidade do Porto em dezembro de 2009.

O desafio da iniciação científica 53


anunciou, entre outros, os seguintes objetivos específicos: (a) Verificar a
ocorrência de associação da maturação sexual e medidas de crescimento
corporal com os valores de tensão arterial sistólica e diastólica; (b) Verificar
a ocorrência de associação dos níveis de tensão arterial sistólica e diastólica
com o índice de massa corporal e em diferentes intensidades de atividade
física; (c) Verificar a ocorrência de associação entre o tempo utilizado em
atividade física de lazer e esportes de competição realizados no contra turno
da escola, com valores elevados de tensão arterial sistólica e diastólica.
Como podemos constatar a estudante ao explicitar os objetivos específicos
informou detalhadamente quais os passos que trilhou para chegar ao destino
que fora anunciado de forma genérica pelo objetivo geral.

7.
Outro aspecto relevante que deve ser enfatizado num bom projeto
de pesquisa é a redação clara e precisa do(s) objetivo(s). Para isto é essencial
a escolha adequada do(s) verbo(s) que o(s) anuncia(m). Devemos evitar
verbos genéricos que não definem com objetividade as ações pretendidas
pelo pesquisador. Devemos evitar a utilização de verbos do tipo: conhecer,
investigar, saber, entender, etc. Tais verbos são pouco operacionais e,
normalmente, são redundantes. É óbvio que quem propõe um projeto de
pesquisa queira investigar, saber, conhecer, entender. Portanto, é mais
adequado selecionar verbos que, de certa forma, já indiquem com clareza a
finalidade e o direcionamento da pesquisa. Não é necessária uma lista com
mais do que quatro ou cinco verbos para enunciar adequadamente o objetivo
de um projeto. Verbos como descrever, associar, comparar, interpretar e
predizer normalmente são suficientes. O verbo descrever, por exemplo,
evidencia tratar-se de um design descritivo. Como tal, temos a expectativa
de encontrar na descrição dos resultados tabelas com ocorrências de
frequências, tabelas com médias e desvios padrão, mediana, provavelmente
gráficos de colunas ou em forma de pizza, etc. O verbo associar evidencia
tratar-se da possibilidade de estabelecer relação entre variáveis. Imaginamos
ver os resultados através de técnicas estatísticas de correlação (qui quadrado,
tabelas de contingência, correlação linear ou ordinal, correlação múltipla,
correlação logística), diagramas de dispersão, etc. O verbo comparar, embora
também manifeste uma associação entre variáveis, vai mais longe. Sugere
a possibilidade de identificar relações de causa e efeito entre uma ou mais

54 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


variáveis independentes com uma ou mais variáveis dependentes. Supõem-
se encontrar os resultados a partir de estatísticas de comparação entre
médias (teste t de student, U de Mann-Whitney. Anova, etc.), gráficos de
colunas ou linhas. O verbo interpretar sugere tratar-se provavelmente de
um estudo qualitativo. Portanto, exige estratégias metodológicas de cunho
subjetivo: estudos de caso, estudos etnográficos, relato de experiência.
Técnicas de coleta de informações através de entrevistas, observações,
documentos e triangulações entre técnicas de coleta de informações.

8.
A seleção adequada do verbo que anuncia o objetivo do projeto pode
de forma muito precisa informar aos leitores e, principalmente aos revisores
dos comitês de pesquisa, de ética e aos editores dos periódicos as pretensões
do pesquisador. Ainda, o objetivo quando bem formulado indica os próximos
passos do projeto e permite aos revisores evidenciar a coerência interna da
proposta, fator determinante de qualidade de um projeto científico. Enfim,
embora a redundância, deve-se adotar como regra que o(s) objetivo(s)
deve(m) ser apresentado(s) objetivamente5.

9.
Gilson Volpato6, sugere ao estudante que “enxergue” seu objetivo.
Para isso ele propõe que o pesquisador crie esquemas para não ter dúvidas
sobre as suposições lógicas que faz. Volpato propõe que se coloquem as
variáveis em “caixas” e conecte as “caixas” com setas.

Exemplo 1: O gênero sexual afeta o desempenho da força muscular

5..
GAYA, A. Op. Cit. 2008, p. 63.
6.
VOLPATO, G. Ciência: da filosofia à publicação. 6a edição. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2013, p. 205 – 6.

O desafio da iniciação científica 55


Exemplo 2: O grau de desenvolvimento do país afeta, em razão
direta, o perfil nutricional da população.

Exemplo 3: O estado emocional afeta a resposta das pessoas a


agentes estressores e afeta em razão inversa o desempenho em habilidades
motoras.

Um exemplo perigoso
Exemplo 4: Nas cidades à beira mar em dias de calor há associação
(sem relação de causa e efeito) entre o consumo de sorvetes e a ocorrência
de afogamentos7.

O perigo neste exemplo é identificar a presença de uma associação


entre duas variáveis concorrentes como se fossem do tipo causa-efeito.
Talvez se possa especular que nos dias quentes as pessoas consumam mais
sorvetes. Da mesma forma, é possível especular que nos dias quentes as
pessoas que estão no litoral entrem mais no mar. Neste caso é provável que
possa ocorrer maior frequência de afogamentos. Todavia, não é possível
concluir-se sobre qualquer relação causal entre consumir sorvetes e
afogamentos. Certamente, não é o fato de consumir sorvetes a causa dos
afogamentos. E, tampouco deve-se concluir pela proibição do consumo de
sorvetes em dias quentes para prevenir afogamentos. Como tal, quando se
define os objetivos a escolha do verbo é muito relevante. O verbo carrega
com sigo informações operacionais que devem evitar interpretações
equivocadas.
7.
Exemplo retirado de Pereira, M.G. Artigos Científicos. Como redigir, publicar e avaliar. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan. 2011, p.117.

56 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Do tema da pesquisa ao objetivo – exemplo 1
10.
O estudante sugere o seguinte tema para constituir seu projeto de
TCC: “Os efeitos do treinamento concorrente 8 na produção de força
em idosos9”. Tema relevante. Afinal, os procedimentos de treinamento
concorrente têm estado em destaque nas academias e, por outro lado, o
ganho ou a manutenção da força é fator determinante na aptidão física e
autonomia em idosos.

11.
Sugeri ao estudante que discorresse sobre como pretendia concretizar
seu projeto.

Pretendo formar dois grupos de idosos. Um grupo executará


o treinamento concorrente (treino de força seguido pelo treino
de resistência) e o outro grupo somente o treinamento de força.
Pretendo comparar os efeitos dos dois programas no que se
refere ao ganho de força máxima.

Muito bem! Mas como você pretende medir a força e quais exercícios
serão selecionados?

Pretendo medir a força a partir do teste de uma repetição


máxima nos exercícios: supino plano e pressão de pernas 45
graus.

Já temos informações suficientes. Neste diálogo ficou evidente a


intenção do estudante. É um estudo comparativo entre os efeitos de dois
modelos de treinamento (concorrente e força) sobre a força máxima numa
amostra de idosos. Portanto, um único objetivo pode ser formulado:

“Comparar os efeitos dos programas de treinamento concorrente


e treinamento de força sobre a força máxima em idosos”.

8.
O Treinamento Concorrente é um método de treinamento físico que combina numa mesma sessão o
treinamento de força e da capacidade aeróbia.
9.
Projeto de TCC do aluno César Leal Marchiori, apresentado à disciplina de metodologia da pesquisa em
educação física da UFRGS no segundo semestre de 2010.

O desafio da iniciação científica 57


12.
Alguns orientadores mais “exigentes” provavelmente ponderariam
sobre a necessidade de especificar ainda mais o objetivo do projeto. Por
exemplo: identificar os exercícios (supino e pressão de pernas); explicitar o
teste de medida (teste de uma repetição máxima). Então teríamos um objetivo
mais ou menos assim descrito:
“Comparar os efeitos de um programa de treinamento
concorrente e treinamento de força sobre os índices
médios no teste de uma repetição máxima de força nos
exercícios de supino e pressão de pernas 45 graus em
idosos”.

Pode ser. No entanto, devemos considerar que na redação de um


projeto de pesquisa há espaços bem determinados para a especificação dos
diversos detalhes de uma pesquisa. Por exemplo: o teste de uma repetição
máxima poderia ser descrito no item instrumento de coleta de dados e os
exercícios, supino e pressão de pernas, nos procedimentos metodológicos.
Com isso evitamos textos muito poluídos e informações redundantes. A
lógica da redação científica, como sugere Volpato10, deve evitar o excesso
de informações. Deve conter somente o suficiente para informar
adequadamente os leitores.

Do tema da pesquisa ao objetivo – exemplo 2


13.
O estudante sugere o seguinte tema de pesquisa:

Identificar os efeitos da crioterapia e do alongamento muscular


sobre marcadores indiretos de dano muscular induzido por
exercício 11.

Solicito que ele discorra sobre sua proposta.

É consenso que a realização de exercício físico em intensidades


nas quais o indivíduo não está habituado causa danos
microscópicos nas estruturas da unidade musculoesquelética.

VOLPATO, G. Método lógico para redação científica. Botucatu: Best Writing, 2011.
10.

Projeto de TCC de bacharelado em educação física de Rodrigo de Azevedo Franke apresentado a disciplina
11.

de metodologia da pesquisa em educação física na UFRGS em 2011.

58 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


(...) Devido seus efeitos deletérios, como a redução da
capacidade de produção de força e a rigidez muscular,
intensificou-se a investigação sobre os efeitos do dano e o efeito
de terapias para diminuir as consequências funcionais. (...) São
diversas as modalidades profiláticas e terapêuticas, entre elas a
crioterapia e o alongamento muscular. Sendo assim gostaria de
investigar os efeitos dessas duas modalidades terapêuticas sobre
o dano muscular induzido pelo exercício através de um conjunto
de marcadores indiretos. Pergunto: mas que marcadores são estes?
“1. dor muscular de início tardio; 2. lesão tecidual através
creatina-kinase; lactato desidrogenase; 3. processo inflamatório
através da proteína c-reativa; (4) produção de força isométrica
e isocinética.

Como você pretende induzir o dano muscular?

Através de exercícios concêntricos/excêntricos de flexores de


joelho.

Em que condições você vai avaliar os marcadores indiretos de fadiga?

Pretendo avaliar os marcadores 24 horas após exercício

Já temos informações suficientes para redigir nossos objetivos. É


claro que este conjunto de variáveis exige mais de um objetivo. Podemos
propor um objetivo geral e alguns específicos.

Objetivo geral: “Comparar a eficiência da crioterapia e de


exercícios de alongamento sobre os marcadores indiretos de dano
muscular após exercício concêntrico/excêntrico de flexores de
joelhos.

14.
Sobre os objetivos específicos: são duas variáveis independentes (os
modelos de intervenção) e quatro variáveis dependentes (os marcadores
de lesão). O objetivo é comparar a eficiência dos modelos em relação aos

O desafio da iniciação científica 59


marcadores de lesão. Portanto, há uma única relação entre as variáveis
independentes e dependentes, trata- se de comparar. Sendo assim podemos
definir os objetivos específicos a partir de um enunciado introdutório e quatro
enunciados específicos.

Comparar a eficiência da crioterapia e dos exercícios de


alongamento sobre os seguintes marcadores indiretos de dano
muscular causados por exercício físico:
(a) Dor muscular tardia;
(b) Creatina Kinase e lactato desidrogenase;
(c) Proteína c-reativa e;
(d) Espessura muscular.

15.
Alguns orientadores provavelmente sugeririam explicitar os quatro
objetivos de forma independentes:
1. Comparar a eficiência da crioterapia e dos exercícios de
alomgamento sobre dor muscular tardia causado por exercício
físico;
2. Comparar a eficiência da crioterapia e dos exercícios de
alongamento sobre a Creatina Kinase e lactato desidrogenase
após exercício físico;
3. Comparar a eficiência da crioterapia e dos exercícios de
alongamento sobre a Proteína c-reativa após exercício físico;
4. Comparar a eficiência da crioterapia e dos exercícios de
alongamento sobre a espessura muscular após exercício físico.

Pode ser, não obstante a primeira forma diz a mesma coisa com
economia de palavras e sem a repetição do texto introdutório em cada
objetivo específico.

60 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


16.
Outros orientadores, ainda mais exigentes, talvez sugerissem colocar
na redação dos objetivos específicos mais informações. Por exemplo:
1. Comparar a eficiência da crioterapia e dos exercícios de
alongamento após vinte e quatro horas de uma sessão de exercícios
concêntricos/excêntricos de flexores de joelhos sobre a dor
muscular tardia”.
2. Comparar a eficiência da crioterapia e dos exercícios de
alongamento vinte e quatro horas após uma sessão de exercícios
concêntricos/excêntricos de flexores de joelhos sobre a Creatina
Kinase e lactato desidrogenase”.
3. Comparar a eficiência da crioterapia e dos exercícios de
alongamento vinte e quatro horas após uma sessão de exercícios
concêntricos/excêntricos de flexores de joelhos sobre Proteína c-
reativa:
(4) Comparar a eficiência da crioterapia e dos exercícios de
alongamento vinte e quatro horas após uma sessão de exercícios
concêntricos/excêntricos de flexores de joelhos sobre espessura
muscular.

Repito o que afirmei acima. A lógica da redação científica deve, por


um lado, evitar o excesso de informações (deve conter o essencial) e, por
outro, evitar a insistente repetição de informações. Muitos TCCs de
graduação, dissertações de mestrado e teses de doutorado caem nesse
erro e, tantas vezes, encontramos o mesmo texto em forma de título; de
objetivo, de hipótese e conclusão. Minha sugestão é que as informações
tais como instrumentos de coleta de dados, procedimentos metodológicos e
definições operacionais não sejam descritas nos objetivos. Eles devem situar-
se na descrição dos procedimentos metodológicos.

Do tema da pesquisa ao objetivo – exemplo 3


17.
Retorno ao exemplo da aluna interessada em pesquisar na área da
história e que sugeriu o seguinte tema:

O desafio da iniciação científica 61


Investigar sobre a emergência do associativismo esportivo no
município de Teutônia no final do século XIX identificando seu
contexto sociocultural, as primeiras modalidades esportivas
praticadas e as primeiras associações esportivas organizadas.

Nota-se que o tema se apresenta com uma riqueza de detalhes que


traz em seu enunciado informações suficiente para a definição dos objetivos
da pesquisa. Considerando que no tema proposto podemos identificar um
conjunto de três itens (variáveis) sobre os quais a pesquisadora pretende
investigar sobre a origem do associativismo esportivo em Teutônia, sugiro
que apresente um objetivo geral e três específicos. Não obstante, vamos de
partida substituir o verbo investigar por descrever. Poderíamos também
localizar de forma mais precisa o período histórico, já que a expressão “ao
final do século XIX” é um tanto genérica. Assim, considerando que os
primeiros habitantes alemães chegaram a Teutônia a partir de 1865
provenientes da antiga colônia de São Leopoldo e que em 1868, mais
imigrantes vieram da Alemanha principalmente das regiões de Vestfália,
Pomerânia, Saxônia, Boêmia e Silésia, poderíamos situar neste período os
limites da pesquisa. Como tal poderíamos definir:

Objetivo geral: Descrever a emergência do associativismo


esportivo no município de Teutônia no período entre 1865 a 1900.
Objetivos específicos
1. Descrever o contexto sociocultural do município de Teutônia
entre 1865 a 1900;
2. Descrever as modalidades esportivas praticadas neste
período histórico.
3. Descrever as primeiras associações esportivas organizadas
no município de Teutônia.

18.
Definir com clareza os objetivos de um projeto de pesquisa são passos
essenciais. Se o destino está bem definido certamente nossas escolhas
posteriores vão evitar muitos percalços ao longo de nosso percurso. Nosso
projeto é nosso plano de viagem e nele os objetivos são os destinos que

62 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


deveremos indicar com clareza e objetividade possível. É arriscado sair
para uma viagem sem a definição de onde queremos chegar. A menos que
nosso propósito seja uma aventura cheia de surpresas e sobressaltos.
Todavia, este não deve ser o propósito de um projeto de pesquisa científica.

Síntese
Neste capítulo tratei da relevância da lógica da redação clara dos
objetivos de um projeto de pesquisa científica. Salientei que objetivos precisos
indicam os caminhos que o pesquisador deverá seguir ao longo da preparação
do projeto. Fiz referência sobre a importância da escolha dos verbos na
redação dos objetivos. Não utilizar verbos genéricos do tipo: investigar,
entender, saber, etc. Utilizar verbos operacionais como: descrever, associar,
comparar, interpretar. Discorri sobre a economia de informações na redação
dos objetivos. Reduzir os objetivos (gerais e específicos) ao que é essencial
ao projeto. Não poluir o texto com repetidas expressões e informações
tautológicas. Concluí o capítulo com três exemplos de projetos de estudantes
de metodologia da pesquisa em educação física onde sugiro os procedimentos
que auxiliam os estudantes a apresentar seu tema de pesquisa em forma de
objetivos.

O desafio da iniciação científica 63


Referências
GAYA, A. Ciências do Movimento Humano. Introdução a metodologia
da pesquisa. Porto Alegre: ARTMED, 2008.
GAYA, A. R. Atividade física e fatores de risco das doenças
cardiovasculares. Um estudo com ênfase nos níveis de tensão arterial
infanto-juvenil. Tese de Doutoramento em Atividade Física e Saúde
apresentada à Faculdade de Desporto da Universidade do Porto em
dezembro de 2009.
CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa. Métodos qualitativo, quantitativo
e misto (2ª ed.); tradução de Luciana de Oliveira da Rocha. - Porto
Alegre: ARTMED, 2007.
PEREIRA, M.G. Artigos científicos. Como redigir, publicar e avaliar. Rio
de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011.
VOLPATO, G. Bases teóricas para a redação científica. (2ª
reimpressão). São Paulo: Cultura Acadêmica, Vinhedo: Scripta, 2011.
VOLPATO, G. Ciência: da filosofia à publicação. 6a edição. São Paulo:
Cultura Acadêmica, 2013.
VOLPATO, G.; BARRETO, R. Elabore projetos científicos
competitivos: biológicas, exatas e humanas. Botucatu: Best Writing
Editora, 2014.
VOLPATO, G. Método lógico para redação científica. Botucatu: Best
Writing, 2011.

64 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


5.
Sobre a Relevância da pesquisa
Adroaldo Gaya

A imaginação é mais importante que a ciência, porque


a ciência é limitada, ao passo que a imaginação
abrange o mundo inteiro.
Albert Einstein

1.
Nos capítulos precedentes tratamos do tema da pesquisa e definimos
os objetivos. Demos passos importantes na configuração do projeto. Temos
informações suficientes capazes de orientar com eficiência nossas próximas
tarefas. Minha sugestão para o passo seguinte é elaborar a justificativa
sobre a relevância do projeto. A relevância, assim como o(s) objetivo(s),
situa(m)-se na introdução ou capítulo introdutório do projeto. A explicitação
clara da relevância do estudo é fator determinante que justifica sua aprovação
pelos comitês de pesquisa, de ética e pelos editores e consultores de revistas
e livros científicos. A relevância descreve o que a pesquisa pode trazer de
efetiva colaboração para o conhecimento, para a ciência ou para área de
pesquisa na qual o projeto esta vinculado. A justificativa deve descrever o
que a investigação propõe como teoria, como inovação, como descoberta,
etc. Talvez a melhor forma de discorrer sobre este conteúdo seja através
de exemplos e comentários provenientes de projetos de boa qualidade. É
que proponho a seguir

Justificativa da pesquisa – exemplo 1


2.
Projeto: A recreação como recurso terapêutico para pacientes
internados na unidade de transplante de medula óssea1.

A estudante redigiu o seguinte texto:

Pacientes neutropênicos internados na unidade de transplante


de medula óssea do Hospital (...) são indivíduos com algum tipo

Projeto de pesquisa apresentado à disciplina de metodologia da pesquisa em educação física da UFRGS pela
1.

estudante Márcia Helena Neves de Castro. 2011.

O desafio da iniciação científica 65


de leucemia e que são hospitalizados para tratamento
quimioterápico e/ou transplante de medula. Ficam por muitos
dias em uma unidade de ambiente protegido com a necessidade
de cuidados maiores de higienização e de acesso restrito para
visitação propiciando a sensação de solidão, tédio e desânimo.

Observo que a estudante inicia sua justificativa sobre a relevância do


projeto informando de forma bem objetiva a situação em que se encontram
os sujeitos hospitalizados neste setor de terapia. Num único parágrafo já
fica implicitamente evidenciada a importância da recreação para tais
pacientes.

3.
No parágrafo seguinte a estudante segue apresentando as dificuldades
desses pacientes:

A internação hospitalar (...), gera fragilidade emocional e


sentimento de impotência frente aos diagnósticos, fato que pode
levar o indivíduo a um quadro depressivo. Pacientes ao
descobrirem a leucemia veem suas vidas modificadas por fatores
como: medo da morte, confinamento hospitalar, afastamento do
convívio familiar, o sofrimento físico e psicológico causado pelos
procedimentos e pelas medicações de quimioterapia e
radioterapia, assim como pela rotina imposta pela enfermidade
e a mudança de sua aparência física como pela perda de cabelo
e perda de peso que ocasiona baixo-estima.

Em minha opinião o contexto que a estudante descreve justifica, por


si, a relevância do projeto de sua pesquisa: a importância da recreação
como recurso terapêutico para os pacientes internados na unidade de
transplante de medula óssea.

4.
Tendo apresentado adequadamente o ambiente e o contexto onde se
realizará a pesquisa a estudante dá ênfase ao papel da recreação terapêutica
como campo de intervenção da educação física no ambiente hospitalar.

66 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


(...) visa atuar com o seu aspecto lúdico para provocar alegria,
motivação, criatividade e vitalidade no indivíduo, mesclando
diversão e terapia para manter o bem-estar e a esperança de
cura.

Assim, me parece bem demonstrada a relevância de um projeto que


propõe identificar e descrever as ações e as principais influências da
recreação como recurso terapêutico para pacientes internados em unidades
de transplante de medula óssea. Não obstante, eu sugeri à estudante que
redigisse um ou dois parágrafos onde explicitasse quais as efetivas e
concretas colaborações teóricas de sua pesquisa para a área da educação
física e recreação hospitalar.

Justificativa da pesquisa – exemplo 2


5.
O mestrando Matias Noll se propunha levar a cabo o seguinte projeto
de dissertação: Validação de um circuito de avaliação da postura
dinâmica em atividades escolares2. O estudante apresentou um texto
introdutório de excelente qualidade. Nesta introdução o estudante enuncia
a relevância de seu projeto partindo de uma abordagem genérica e ampla e
indo em direção a especificidade de seu tema. De início trata das lombalgias
num contexto amplo.

Na atualidade, a lombalgia e as alterações na postura da coluna


vertebral estão entre os maiores problemas enfrentados pelos
países em desenvolvimento (...) tem tornado grande parte dos
adultos precocemente incapacitados (...).

Para reforçar suas afirmações o estudante inclui referências


bibliográficas. No terceiro parágrafo Matias anuncia a ocorrência das
lombalgias e desvios posturais em crianças e adolescentes.

Projeto de Dissertação de Mestrado apresentado a disciplina de epistemologia e metodologia da pesquisa


2.

em ciências do movimento humano do PPG Ciências do Movimento Humano da UFRGS por Matias Noll. 2010.

O desafio da iniciação científica 67


Além da ocorrência (...) estarem disseminados na população
adulta, manifestam-se (...) em crianças e adolescentes.

Evidentemente o mestrando associa à idade precoce os efeitos


deletérios e a morbidade em adultos e, com isso, sugerindo implicitamente a
importância do diagnóstico precoce da avaliação da postura.

6.
O mestrando ainda, alerta sobre as causas multifatoriais dos problemas
de dor nas costas e dos desvios posturais:

Utilizar mochilas pesadas e transportá-las de modo assimétrico,


permanecer muito tempo em má postura durante a posição
sentada, usar mobílias inadequadas, (...).

Mais uma vez o pesquisador centra-se na epidemiologia das lombalgias


para reforçar a importância de seu projeto de dissertação. Entretanto, é
interessante lembrar que seu projeto é validar um instrumento de avaliação
da postura dinâmica, assim é notória sua estratégia: dar ênfase a
epidemiologia das lombalgias e sua relevância para justificar a importância
de constituir um instrumento valido de avaliação e diagnóstico. Portanto,
até então, há uma justificação indireta. Ao valorizar a ocorrência de lombalgia
e desvios posturais valoriza a importância do diagnóstico e, por suposto, de
um teste válido.

7
A partir do sexto parágrafo o mestrando aborda especificamente a
relevância de seu tema de pesquisa.

Na literatura encontram-se alguns estudos com a população de


escolares que investigam a dor lombar, problemas posturais e
fatores associados (cita algumas referências),

Na sequência expõe um argumento forte para justificar seu projeto.

68 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Entretanto, esses estudos encontrados em que é avaliada a
postura corporal (...) o método largamente utilizado para avaliar
a postura dinâmica são os questionários. E acrescenta: (...) sobre
a necessidade de serem utilizados conjuntamente aos
questionários testes dinâmicos padronizados para avaliação da
postura dinâmica, elevando a qualidade da avaliação de
escolares.

Nota-se que o mestrando demonstrou claramente a importância da


utilização de testes específicos para avaliar a postura dinâmica. Logo adiante
Matias, dá o argumento, talvez, o mais importante para justificar seu projeto.
Ele claramente declara uma crítica aos instrumentos de avaliação da postura
dinâmica até então utilizados.

Os protocolos utilizados em estudos para avaliação da postura


dinâmica em escolas posturais (referências bibliográficas)
apresentam alguns problemas metodológicos que dificultam sua
reprodução, tais como: não foram realizados com o objetivo de
avaliar escolares; as posturas realizadas com maior frequência
pelos escolares não são contempladas; não descrevem os
procedimentos que demonstram sua confiabilidade; não são de
fácil aplicação e manuseio (...) não foram obtidos a partir de
medidas padronizadas e sistematizadas.

Com tais argumentos fica evidente a relevância de seu projeto:

Propor a validação do Circuito de Avaliação da Postura Dinâmica


(CAPD) para avaliação da postura das atividades de vida diária
específico para o ambiente escolar.

Há uma lógica clara e pertinente no texto de Matias Noll. Do Geral


para o específico. Do impacto das lombalgias, da relação das lombalgias
com os desvios posturais, da necessidade de ir além dos questionários como
meio de avaliação da postura dinâmica, da crítica aos modelos de avaliação
da postura dinâmica usuais, portanto levando-nos a concluir sobre a
relevância de seu projeto:

O desafio da iniciação científica 69


Desenvolvimento de um circuito de avaliação da postura dinâmica
(CAPD) das atividades de vida diária específico para o ambiente
escolar.

Síntese
Neste capítulo tratei de enfatizar a importância de uma boa
argumentação como justificativa da relevância de um projeto de pesquisa.
A necessidade de convencer o orientador e os comitês de avaliação para
aprovação do projeto, eventualmente para requer apoio financeiro, etc. A
relevância da pesquisa explicita aos leitores qual sua efetiva colaboração
para o conhecimento, para a comunidade científica. Deve informar o que a
realização do projeto propõe como teoria, como inovação. Mantive a
estratégia de apresentar exemplos reais de projetos de pesquisa aos quais
acrescento meus comentários críticos.

70 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


6.
Primeiro ensaio à introdução do projeto
(em forma de síntese)
Adroaldo Gaya

A persistência é o caminho do êxito.


Charles Chaplin

1.
A redação de uma primeira aproximação ao texto de introdução ao
projeto de pesquisa constitui-se num exercício muito útil ao estudante de
iniciação científica. Permite a elaboração de uma síntese, que possibilita
obter uma visão clara, objetiva e operacional do estado em que se encontra
seu projeto. Como costumo manifestar em minhas aulas, a primeira
aproximação à introdução possibilita ao estudante “ter nas mãos”, “agarrar
com firmeza”, constituir um objeto concreto. Em outras palavras, são suas
ideias até então um tanto dispersas que serão redigidas num texto com
coerência e objetividade. Este exercício, como se fosse um mapa, indica
com precisão os próximos passos e, como tal, evita que o estudante siga por
desvios que lhe afastem do destino principal. Talvez, seja importante salientar
que em muitos casos a falta de uma definição precisa do: tema do projeto,
sua contextualização, seus objetivos e a clareza sobre a relevância do tema
são fatores que não permitem ao estudante encontrar sua trilha, fazendo-o
andar em círculos e, por consequência, defrontar-se com dificuldades em
avançar rumo as suas reais pretensões.

2.
No atual estágio de nossa caminhada já tratamos do tema da pesquisa,
avançamos até os objetivos e justificamos a relevância de nosso projeto. Já
temos informações suficientes para anunciar com clareza nossos propósitos.
Portanto, nesta fase eu sugiro aos estudantes que redijam uma síntese.
Preparem um resumo. Um pequeno texto capaz de expressar com
objetividade e rigor lógico a intenção do pesquisador e a relevância do tema.
Em outras palavras, proponho um exercício onde o estudante, como num
quebra-cabeça, junte as peças que elaborou e que até então estão dispersas.
Que peças são essas? 1. o tema da pesquisa; 2. os objetivos e; 3. a relevância
do projeto.

O desafio da iniciação científica 71


3.
A importância desse exercício decorre da minha experiência como
docente e orientador de projetos de pesquisa. Ocorre que normalmente os
estudantes preocupam-se com regras burocráticas que eventualmente
entendem como modelo ideal de um texto introdutório. Deste modo, acabam
por produzir alguns textos longos que pecam pela falta de coerência interna.
Tantas vezes nestes textos há contradições entre os objetivos, o tema e a
justificativa da relevância do projeto. Muitas vezes os estudantes
preocupados com o número de páginas que entendem devam cumprir em
seu projeto inserem informações totalmente desnecessárias e, tantas vezes,
transformando o texto numa “colcha de retalhos” sem qualquer preocupação
com a lógica da redação científica.

4.
Afirma Gilson Volpato1 que a lógica da redação científica, mais que
qualquer coisa, determine as decisões na estruturação e redação do texto
científico e isto pressupõe liberdade e criatividade. Ou seja, a redação
científica é uma atividade criativa guiada pelas regras da lógica formal.
A redação de um texto introdutório deve conter o essencial. Deve
ser claro e objetivo. Texto organizado, em outras palavras, sem torna-se
repetitivo, sem informações “requentadas” e desnecessárias, enfim, sem
“blá, blá, blá” ou sem “encher linguiça”. É muito importante que o estudante
de iniciação científica, desde e início exercite sua capacidade de síntese.
Encaminhe seu projeto propondo sínteses parciais para que não perca o
rumo e tenha sempre presente a coerência inerente à lógica da redação
científica.

Aproximação à introdução do projeto da pesquisa - exemplos


5.
A redação científica tem se caracterizado por um
conjunto de regrinhas e dicas. Mesmo os principais
textos no mundo, incluindo até mesmo propostas da
revista NATURE, não fogem a essa regra. O problema

1.
Volpato, G. Método lógico para a redação científica. Botucatu: Best Writing,2010, p.14.

72 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


com a maioria das regras, no entanto, é que são
imposições arbitrárias. Esquematiza-se o texto de uma
forma padrão pré-concebida. Embora esse esquema de
regras até funcione em alguns momentos, ele nem sempre
é adequado. A razão para isso é o seu distanciamento
das bases genuínas da ciência (VOLPATO, 2010)2.

Aproximação à introdução do projeto de pesquisa - exemplo 1


6.
A estudante de doutoramento apresentou seu projeto onde propunha
responder a seguinte questão: “Os efeitos da maturação sexual (MS) sobre
os níveis de pressão arterial sistólica (PAS) e diastólica (PAD) em
adolescentes do sexo masculino são independentes dos efeitos das variáveis
estatura (EST), massa corporal (MC) e idade cronológica (IC)3?
A ideia é interessante. Sabemos que a estatura, a massa corporal e a
idade cronológica estão associadas ao processo de maturação sexual. É
evidente que durante este processo biológico ocorrem grandes alterações
na estatura, no peso. Por outro lado, estudos científicos demonstram efeitos
independentes da estatura, da massa corporal e da idade cronológica sobre
a pressão arterial. Ora, como tal a questão é pertinente: A maturação sexual,
quando se controlam os efeitos dessas variáveis de crescimento, ainda assim
produz efeito sobre os níveis de pressão arterial sistólica e diastólica?
A lógica da redação no texto introdutório do estudo de Analise Reis
Gaya é bem evidente. Parte de argumentos genéricos sobre a etiopatologia
das doenças cardiovasculares e dos fatores de risco na infância e
progressivamente, aproxima-se do tema específico da proposta. Vejamos:

Existem evidências de que a etiopatologia das doenças


cardiovasculares (DCV) e dos seus fatores de risco se inicia na
infância, justificando os objetivos de uma intensa preocupação

Volpato, G. Idem, ibidem, p.14.


2.

Projeto de artigo científico apresentado por Anelise Reis Gaya às provas de doutoramento na Faculdade de
3.

Desporto da Universidade do Porto. O artigo proveniente do projeto esta publicado em: Rev. Bras. Educ. Fis.
Esp., São Paulo, v.19, n3, p. 199 – 207, jul/set 2005.

O desafio da iniciação científica 73


na identificação das relações destas enfermidades com o aumento
da idade (referências). É importante ressaltar que as crianças e
adolescentes, que até pouco tempo encontravam-se fora do alvo
de prevenção das enfermidades cardiovasculares, atualmente
situam-se entre as principais preocupações dos profissionais da
área da saúde (referências)

7.
No parágrafo seguinte a pesquisadora discorre preliminarmente sobre
sua principal variável de investigação tratando de dar-lhe a devida relevância.

A hipertensão arterial (HTA) está correlacionada com a interação


de um número diverso de fatores: genéticos, biológicos e
ambientais. A obesidade infantil é provavelmente o mais
importante preditor do desenvolvimento da HTA na infância e
adolescência (referências), doença relacionada com inúmeros
distúrbios psicossociais, desordens ortopédicas, disfunções
respiratórias, diabetes militus, dislipidemias entre outras
(referências).

8.
Em sequência a estudante trata de valorizar a importância da avaliação
dos fatores de risco cardiovasculares na infância e adolescência e insere a
variável maturação sexual, objeto de sua principal preocupação.

A avaliação do comportamento de algumas variáveis e fatores


de risco relacionados às DCV no período de crescimento e
desenvolvimento (...), assim como a influência do processo de
maturação sexual (MS), é, portanto importante. Principalmente
se considerarmos as evidências e argumentos científicos que
apontam as alterações ocorridas neste período como variáveis
intervenientes de significativa relevância nos padrões de saúde
durante a vida adulta.

74 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


9.
No próximo parágrafo da introdução a pesquisadora insere uma
estratégia muito interessante para valorizar a relevância de seu estudo.
Sugere dúvidas sobre a relação entre a grande prevalência de complicações
tardias da HTA na idade adulta com a baixa ocorrência na infância e
adolescência. Enfim, haveria relação entre a ocorrência de HTA na idade
adulta com comportamentos de risco na infância e adolescência? Como se
pode observar encontrar respostas a esta questão valoriza sobremaneira o
projeto em análise. Não obstante, se por um lado ela suscita a dúvida, por
outro lado, a autora demonstra confiança em sua hipótese científica e
imediatamente trata de apresentar uma série de estudos que lhe dão apoio
sobre a provável relação entre HTA na infância e adolescência com a
morbimortalidade na idade adulta.

As complicações tardias relacionadas ao desenvolvimento da


(HTA) nesta faixa etária correspondem isoladamente às causas
mais frequentes de morbimortalidade nos países desenvolvidos
e emergentes (referências). No entanto a prevalência infantil
dessa doença ainda é baixa -1 a 11%-, comparada aos adultos
-10 a 30%- (referências). Contudo, parece cada vez mais evidente
a preocupação em controlar estes valores na infância, devido
às muitas afirmações resultantes de um número significativo de
estudos que os valores encontrados nesta faixa etária apresentam
relação com aqueles encontrados posteriormente na vida adulta
(referências).

10.
A pesquisadora após estes preâmbulos, diga-se de passagem, muito
adequado ao contexto de sua pesquisa, no texto que segue introduz seu
tema específico e justifica sua relevância utilizando, entre outras, a estratégia
de cotejar informações distintas oriundas da bibliografia.

Investigar os valores de pressão arterial (PA) em crianças e


adolescentes e seus possíveis fatores intervenientes se
caracteriza como uma medida preventiva de alto valor para a
sociedade atual (referências). Entre o conjunto de variáveis
intervenientes sobre os valores da PA a MS, como observado em

O desafio da iniciação científica 75


vários estudos epidemiológicos, apresenta-se como provável fator
determinante, (referências), com grau de relação possivelmente
superior a IC. (Referências) sugerem a hipótese de que as
crianças classificadas por IC, sem considerar seu estado de
maturação biológica correm o risco de se encontrarem
inadequadamente classificadas em relação a suas idades
biológicas.
Por outro lado, (referências) as diferenças entre os estágios
maturacionais deixaram de ser estatisticamente significativas
quando controlada a estatura (EST) e a massa corporal (MC).
No mesmo sentido (referências) afirmam que o aumento dos
valores de PA durante o período pubertário, é paralelo ao
crescimento. (Referência) ao analisarem a influência da MS e
do tamanho corporal na PA em adolescentes dos dois sexos
sugerem que o efeito da MS na PA decorre prioritariamente do
crescimento e do tamanho corporal.
Entretanto, (referências), em estudos com crianças e adolescentes
provenientes de três diferentes etnias, observaram que há
influência da MS nos valores de PA, independente das variáveis
EST, MC e IC (referências). Assim, se por um lado parece ocorrer
consenso sobre a influência da MS sobre o comportamento PA,
por outro lado, definir se esta influência ocorre
independentemente ou não de outras variáveis relacionadas ao
crescimento e a IC é ainda um tema bastante discutido
(referências).

11.
O texto introdutório, na minha avaliação, apresentou de forma bem
precisa e sucinta o tema da pesquisa. O contexto foi bem delimitado. A
justificativa bem fundamentada, com referências bibliográficas consistentes.
A utilização de estratégia que cotejam ideias controversas serviu para
valorizar a importância da pesquisa. Um bom texto introdutório. No entanto,
ainda falta anunciar os objetivos da investigação de forma clara e operacional.
A estudante optou por apresentar um objetivo geral e tratou de especificá-
lo através de duas questões de pesquisa.

76 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Objetivo Geral
Verificar os efeitos da Maturação Sexual (MS) sobre a Pressão
Arterial Sistólica (PAS) e a Pressão Arterial Diastólica (PAD) em
crianças e adolescentes do sexo masculino entre 8 a 15 anos,
independentes dos efeitos compartilhados das variáveis: Estatura
(EST), Massa Corporal (MC) e Idade Cronológica (IC).

Questões da pesquisa:
1. Valores da PAS apresentam diferenças estatisticamente
significativas em relação aos estágios de MS quando se controlam
os efeitos das variáveis EST, MC e IC?
2. Valores da PAD apresentam diferenças estatisticamente
significativas em relação aos estágios de MS quando se controlam
os efeitos das variáveis EST, MC e IC?

12.
O propósito da pesquisadora está bem definido. Ela reconhece que
os estágios de maturação sexual têm efeitos sobre os níveis de pressão
arterial, todavia, também sabe que as variáveis: estatura, massa corporal e
idade cronológica são consequências naturais da maturação biológica e,
como tal, associam-se aos efeitos da maturação sexual sobre os valores de
pressão arterial. Dito de outra forma há efeitos compartilhados entre
maturação sexual, estatura, e massa corporal e idade cronológica nos valores
de pressão arterial. Neste contexto os objetivos específicos do projeto são:
verificar se a maturação sexual, independente das variáveis estatura, massa
corporal e idade cronológica tem efeito sobre os valores de: 1. pressão
arterial sistólica e 2. pressão arterial diastólica. Como se pode observar,
este texto introdutório dá indicações precisas do propósito do projeto. Do
caminho que a pesquisadora pretende seguir, bem como define com clareza
o contexto e a relevância da pesquisa.

Aproximação à introdução do projeto de pesquisa - exemplo 2


13.
Reapresento o projeto da estudante Dilamar Pereira, já referenciado
no capítulo 3. Dilamar propôs um estudo sobre a contribuição do esporte na
formação moral de adolescentes de uma escola inserida num assentamento

O desafio da iniciação científica 77


do Movimento dos Sem Terra4. Trata-se de um estudo de caso institucional
(uma instituição escolar). A estudante apresenta seu texto introdutório de
forma a anunciar já no primeiro parágrafo seu propósito.

Este projeto prevê a realização de um estudo de caso. Propõe


relatar os resultados de uma experiência de intervenção
pedagógica com os adolescentes do 8º e 9º ano da Escola Nossa
Senhora de Fátima do Assentamento Filhos de Sepé. No primeiro
semestre letivo de 2009, através das aulas de educação física
com conteúdos sobre esporte pretende-se desenvolver atividades
passíveis de intervir no desenvolvimento moral, nas atitudes
comportamentais e nas relações interpessoais dos alunos (...).

14.
Esta forma de redigir o texto introdutório é distinta do exemplo anterior.
No primeiro exemplo nota-se que a pesquisadora anunciou seus objetivos
após ter apresentado o tema, contextualizado seu espaço de pesquisa,
justificado sua relevância. Ou seja, no exemplo 1 os objetivos foram
anunciados no fim do texto introdutório. Neste segundo exemplo, a estudante
deixa claro nas linhas iniciais o seu propósito. Quero salientar ao destacar
tais diferenças que na concepção de um texto introdutório não há uma
regra rígida a determinar sua forma. O texto deve ser concebido pelo autor
conforme sua inspiração e, principalmente, sendo fiel a forma como nasceu
o projeto. Explico melhor: muitos projetos de pesquisa nascem num contexto
teórico onde já há alguma experiência prévia. Onde algumas ou muitas
leituras foram realizadas, onde outras pesquisas foram publicadas, enfim
pode nascer no seio de um grupo de estudiosos com algum caminho já
percorrido. Neste caso, é pertinente que o estudante ao propor seu projeto
inicialmente localize e justifique a relevância de seu estudo no contexto
onde se insere. Por outro lado, há projetos que nascem diretamente de uma
experiência do cotidiano. Uma pergunta proveniente de um acontecimento
inesperado ou de uma dúvida que surge ao observar algum fato interessante.

Trata-se da monografia de graduação de Dilamar Pereira apresentada no segundo semestre de 2009 no


4.

Seminário de TCC da ESEF-UFRGS. O texto foi adaptado ao contexto deste ensaio de modo a servir como um
exemplo prático da proposta metodológica que sugerimos.

78 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Em alguns casos a ideia da pesquisa nasce num contexto em que o sujeito
se depara com um problema sobre o qual jamais tenha lido ou refletido
sobre o tema. Portanto, tudo começa com a intenção de resolver um
problema. Ora, neste caso ao redigir o texto introdutório é procedente que
o estudante revele já nas primeiras linhas seu propósito. Será bem provável
que as leituras que vão fundamentar o projeto sejam decorrentes do problema
inicial. Sendo assim, a lógica da redação acompanhará a lógica da concepção
do projeto.

15.
Como podemos observar no primeiro parágrafo do texto introdutório
deste segundo exemplo, a autora delimita com clareza o propósito da
pesquisa. O tema é localizado num espaço demarcado (escola Nossa Senhora
de Fátima em Viamão), num tempo delimitado (primeiro semestre de 2009),
os sujeitos são definidos com precisão (alunos do 8º e 9º anos). A intervenção
pedagógica é enunciada com clareza (aulas de educação física com
conteúdos esportivos) e as variáveis são bem enunciadas (desenvolvimento
moral, atitudes comportamentais e relações interpessoais).

16.
Em seguida a autora delimita o contexto de seu projeto.

A pesquisadora reside no Assentamento Águas Claras no


município de Viamão onde vivem 1400 pessoas e onde se localiza
a escola Nossa Senhora de Fátima. A área do assentamento é
13500 hectares (...). A escola tem 2020 alunos do 1º ao 9º anos.
São filhos de assentados e também crianças da comunidade
próxima à escola. Os professores são da rede pública estadual e
não possuem qualquer envolvimento com o Movimento Sem Terra.
Apenas o diretor da escola é assentado e possui formação no
MST (...).
A minha experiência de vida motivou este projeto. Sou filha de
agricultores assentados pelo MST e convivo na comunidade onde
está situada a escola rural. Constatei, através de comentários
de pais, alunos e professores, que as crianças da escola
apresentavam problemas disciplinares, como falta de limites e

O desafio da iniciação científica 79


desrespeito com colegas e professores. Observando a realidade
da escola (...) percebi que esta situação precária afeta o
comportamento dos jovens, pois se sentem abandonados pelos
órgãos que deveriam proporcionar uma educação de qualidade.
Esses alunos perdem um pouco do brilho, da esperança, se
acham à margem da sociedade, sentem-se diminuídos e (...) deixam
de sonhar. (...) Sei por experiência, que quando nos sentimos
abandonados por quem deveria nos apoiar e garantir nossa
educação, simplesmente nos percebemos diminuídos, e se não
tivermos alguém que nos diga que podemos alcançar algo melhor,
ficamos na mesma, apagados, apáticos e desacreditando no futuro.

O exemplo contextualiza a pesquisadora no ambiente de investigação.


Anuncia características do assentamento. Identifica-se como filha de
agricultores assentados pelo MST no próprio assentamento onde realizará
a pesquisa. Refere que registrou os comentários de professores, alunos e
pais sobre os problemas disciplinares. Observou as dificuldades estruturais
e as condições de trabalho da escola. Através da vivência de quem lutou ao
lado de seus pais e companheiros pela terra onde hoje vive, expressou
sentimentos de abandono que certamente revê nestes estudantes. Fica
evidente, que a pesquisadora detém conhecimentos e experiências capazes
de realizar uma leitura naturalística e contextualizada com os interesses
desses alunos, pais e professores. Estamos perante um projeto que pretende
efetivamente tratar-se de um relato de experiências. Além disso, de forma
simples e comprometida com sua comunidade à autora apresenta a
relevância de sua proposta.

17.
Como afirmei no capítulo anterior, uma das principais exigências para
uma boa introdução é descrevermos com clareza os objetivos da pesquisa.
Ao enunciarmos com precisão os objetivos informamos sobre a natureza
do trabalho, o problema da pesquisa, o material a ser coletado. Os objetivos
devem ser formulados evitando-se expressões genéricas (conhecer,
investigar, saber, entender, etc.) em prol de expressões que indiquem
operacionalmente as ações do pesquisador (descrever, associar, comparar,
interpretar). Vejamos em nosso exemplo:

80 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Objetivo Geral: Descrever os efeitos de um programa de esporte
educacional no perfil dos estágios de desenvolvimento moral de
Kohlberg em estudantes do 8º e 9º anos da Escola Nossa Senhora
de Fátima (...).

Objetivo específico: Comparar os perfis dos estágios de


desenvolvimento moral de Kohlberg em estudantes do 8º e 9º
anos da Escola Nossa Senhora de Fátima (...), antes a após a
intervenção de um programa de esporte educacional.

Ao observarmos os enunciados do objetivo geral e do objetivo


específico, percebemos, embora a aparente semelhança, que estão presentes
significativas diferenças. No objetivo geral temos uma descrição genérica
da intenção da pesquisadora. Ela pretende descrever os efeitos do programa
de esporte educacional sobre os estágios do desenvolvimento moral. Ela
tem a expectativa que o programa de intervenção pedagógica através do
esporte educacional possa alterar o perfil moral de seus alunos. Por outro
lado, através do objetivo específico, o objetivo geral se torna operacional. O
objetivo específico, tal como se apresenta, indica que a autora já realizou
consultas bibliográficas e o rumo da investigação torna-se bem mais objetivo.
Enfim, para descrever os efeitos do programa de esporte educacional sobre
o perfil dos estágios de desenvolvimento moral propostos por Kohlberg, ela
sugere uma análise comparativa do perfil de desenvolvimento moral antes
(pré-teste) e após (pós-teste) ao programa de intervenção pedagógica.

18.
Uma breve referência sobre as teorias que fundamentam o projeto é
outra exigência de uma boa introdução de um projeto de pesquisa. Todavia,
diferentemente de um projeto de pesquisa tradicional, num estudo de caso
sugerimos substituir a tradicional revisão de literatura por um referencial
teórico. Ao invés de relatarmos dados sobre trabalhos semelhantes já
realizados, sugerimos explicitar os fundamentos pedagógicos que sustentam
as convicções do pesquisador. Isto se justifica por dois motivos: 1. o trabalho
de estudo de caso não tem pretensões de inferências ou generalizações para
além dos limites de sua intervenção; 2. o estudo de caso como intervenção
pedagógica é filosoficamente comprometido. Não há espaços para a

O desafio da iniciação científica 81


neutralidade. O pesquisador é comprometido com suas convicções teóricas
e, portanto são elas que devem fundamentar a base teórica de sua pesquisa.

Este estudo prioriza a observação de uma variável


importante: autonomia moral, pressuposto indispensável para a
construção social e pedagógica do ser humano. O referencial
teórico que norteia o projeto centra-se nas teorias de Lawrence
Kohlberg e Jean Piaget (...). Através deste estudo pretendo
demonstrar que se o professor de educação física estiver
empenhado, comprometido com sua profissão e todos os
benefícios que o esporte pode oferecer, ele colherá bons frutos
e terá contribuído para a boa formação física, motora, afetiva,
social e moral de seus alunos. Tenho expectativa que este
trabalho possa ser útil para àqueles professores que pretendem
trabalhar com populações diferenciadas, como os adolescentes
do MST. Contará com um breve histórico de lutas e conquistas,
particularidades, objetivos e ideias que culminam com uma forte
e marcante identidade sem terra. Vejo neste estudo um instrumento
de formação educacional, de formação cidadã no sentido mais
amplo da palavra. Desenvolverei nesta escola o esporte
educacional estruturado, planejado e organizado
pedagogicamente de forma a proporcionar desenvolvimento
físico e mental, trabalhando com valores que julgamos
necessários para garantir a formação de um cidadão consciente
e preparado para o pleno exercício da cidadania.

Os parágrafos que concluem o texto introdutório constituem


excelentes exemplos de breves e esclarecedoras informações sobre a
fundamentação teórica do trabalho. A autora explicita com clareza suas
variáveis de pesquisa. Situam-nas num quadro teórico bem demarcado
(Teorias de desenvolvimento moral de Piaget e Kohlberg e esporte
educacional pedagogicamente planejado). Além do mais, a autora anuncia
que vai apresentar um breve histórico das lutas, conquistas e ideais que
configuram a identidade do MST. Enfim, a introdução informa com muita
competência o que vamos encontrar no projeto.

82 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Aproximação à introdução do projeto de pesquisa - exemplo 3
19.
Neste terceiro exemplo apresento o projeto: A influência do Gênero
no Desenvolvimento Motor de Pré-escolares5. Nesta proposta temos
uma forma de redação distinta das anteriores. Mesmo tratando-se de uma
primeira aproximação ao texto introdutório a estudante deixa evidente que
pretende conferir à introdução a condição de um capítulo de apresentação
onde inclui a fundamentação teórica de sua investigação. Como vamos
observar nos trechos que selecionei a estudante não se limita a apresentar
o tema, sua relevância e seus objetivos. Mais do que isso, ela insere uma
revisão de literatura de modo a fundamentar sua proposta. Enfim, neste
exemplo temos a revisão de literatura inserida no texto introdutório.

Introdução
Os anos pré-escolares caracterizam-se pela aquisição, intensa
e vigorosa, de um amplo espectro de habilidades motoras que
possibilitarão às crianças um domínio gradativo de seus corpos,
elaborando seus próprios meios de transporte para empreender
essa viagem chamada vida. O movimento realizado naturalmente
pelas crianças pode fazê-las conquistar muito do que precisam
para crescer e se desenvolver, mas parte dessa conquista
depende do que lhes é oportunizado nos ambientes pelos quais
transita.

A estudante inicia sua introdução a partir de generalidades. Afirma


sobre a importância dos movimentos naturais no desenvolvimento das
habilidades motoras e a importância dessas habilidades no domínio corporal.
Talvez a afirmação mais importante no que se refere a justificativa sobre a
relevância de seu projeto esteja na última frase deste parágrafo onde afirma
a associação entre o desenvolvimento da habilidades motoras e as
oportunidades disponibilizadas pelo meio ambiente.

Projeto de TCC de autoria de Joana Noronha Louzada Magni, apresentado à disciplina de metodologia da
5.

Pesquisa em Educação Física da UFRGS. Segundo semestre de 2010.

O desafio da iniciação científica 83


20.
No parágrafo seguinte a estudante insere o conceito de marcos
referencias motores que é um construto teórico muito importante em seu
trabalho.

Ao estudarmos o desenvolvimento motor humano (...) deparamo-


nos com informações que relacionam deterministicamente o
aparecimento de habilidades motoras à classificação etária (...).
Estas habilidades que aparecem em uma sequência bem definida
são nomeadas de marcos referencias motores (citação) e são
considerados pontos críticos no desenvolvimento motor infantil.

21.
Todavia, já no próximo parágrafo a pesquisadora relativiza esta
afirmação. Sua crítica é uma sutil e inteligente forma de valorizar a relevância
de seu projeto na medida em que sugere que há variáveis intervenientes
significativas e, como tal, o desenvolvimento motor não é uma aquisição
meramente determinada por fatores biológicos.

Sabemos (...) que, embora o desenvolvimento motor esteja


relacionado à idade, ele não é dependente dela e que, se nos
primeiros anos podem-se fazer aproximações mais específicas
entre esses dois elementos, elas se tornam crescentemente mais
generalizadas ao longo do ciclo de vida. (...). Observa-se uma
variabilidade individual quanto ao ritmo com que essas
habilidades motoras emergem, isto é, o grau de aquisição varia
de criança para criança.

22.
Nos parágrafos que seguem a pesquisadora sublinha com traços fortes
a importância da faixa etária que compreende principalmente os primeiros
oito anos de vida para o desenvolvimento motor. Este procedimento é
pertinente, pois se constituem em argumentos que justificam com muita
propriedade a relevância de seu estudo que propõe investigar com uma
população de crianças entre cinco e seis anos.

84 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


A maioria dos desenvolvimentistas motores concorda que os
primeiros 8 a 10 anos de vida são críticos para o desenvolvimento
motor de um indivíduo (citações).
(...)
(Citações) apontam o período compreendido aproximadamente
entre os 2 e os 6/7 anos de idade como a Fase dos Movimentos
Fundamentais, fazendo notar, entretanto, (...) que o
desenvolvimento motor está relacionado à idade, mas não
depende dela (...). A aquisição de habilidades motoras
fundamentais possibilita à criança uma vida ativa e a interação
(física e social) rica com o ambiente que a envolve e,à proporção
que avança em seu desenvolvimento e passa a elaborar mais
complexamente e combinar essas habilidades, torna-se capaz
de aplicá-las em atividades específicas de sua cultura, como o
esporte, a dança e outras práticas corporais.

23.
Na sequência de seu texto introdutório, Joana introduz outra
preocupação que também é pertinente como argumento de justificativa para
relevância de sua proposta. São preocupações inerentes aos baixos níveis
de competência motora de nossas crianças.

Vários investigadores têm expressado suas preocupações


relativamente aos baixos índices de competência motora
(citação), níveis insuficientes de atividade física (citação),
obesidade (citação) e mesmo a adoção de estilo de vida sedentário
(citação) já na infância. É sabido que o nível de atividade física
diminui à medida que a idade avança, mas os contextos sócio-
culturais em que a criança está imersa têm antecipado essa
evasão da atividade física para idades muito precoces.

24.
Na sequência a pesquisadora insere uma justificativa clássica em
muitos projetos de pesquisa. Ela assinala a carência de estudos sobre o
tema e, mais importante, revela que os estudos não permitem conclusões
seguras. Evidentemente, esse argumento valoriza a relevância de seu projeto.

O desafio da iniciação científica 85


Infelizmente, são escassos e inconclusivos os estudos realizados
na área da atividade física e motora com pré-escolares, o que
pode ser constatado nos estudos de (citações). Este fato é
preocupante, uma vez que a literatura tem apontado as primeiras
idades, incluindo a pré-escola, como período crucial quanto à
aquisição de habilidades motoras, tão importante para o processo
de desenvolvimento.

25.
No trecho seguinte Joana, introduz sua variável independente entre
outras intervenientes nos níveis de desempenho motor.

As características de movimento de um indivíduo variam com a


idade, mas o sexo também tem sido apontado (...) como um fator
de grande influência no desempenho diferenciado de habilidades
motoras vivenciadas por meninos e meninas (...).

26.
Após inserir a variável independente (sexo) a estudante justificou
sua escolha assinalando diferenças na forma como meninos e meninas são
tratadas por pais, professores, treinadores, etc.

Está sobejamente documentado que, desde a mais tenra idade,


meninos e meninas tendem a serem tratados de formas diferentes
pelos pais, professores, treinadores e outros agentes
socializadores. (o texto sugere uma série de exemplos).

A estudante, fundamentada por farta bibliografia utiliza os seus


próximos seis parágrafos para evidenciar com vigor as diferenças entre os
sexos. O que certamente valoriza e justifica a relevância de seu projeto de
pesquisa.

27.
Nos sete parágrafos finais Joana demonstra com evidências
bibliográficas a divergência entre vários estudos que tratam das associações
entre desempenho motor e sexo. Este é um forte argumento para valorizar

86 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


sua pesquisa. A autora apresenta a síntese de 7 estudos realizados com
metodologias semelhantes, porém com resultados contraditórios. E após
discuti-los sublinha decisivamente a relevância de sua proposta.

Ainda que os efeitos do sexo sobre o desempenho motor de


crianças e jovens sejam objeto de estudo de várias investigações,
os resultados de trabalhos sobre este tema com crianças em idade
pré-escolar são bastante divergentes. Considerando-se essa
realidade, elaboramos o nosso problema de pesquisa,
consubstanciado na seguinte indagação: Como se apresenta o
desempenho das habilidades locomotoras e de controle de objetos
de pré-escolares e quais os efeitos do sexo sobre esse
desempenho?

28.
Por fim, os objetivos. Joana opta por apresentar seus objetivos num
texto claro e preciso e derivando dos objetivos propõe três hipóteses de
pesquisa.
São pertinentes as opções por apresentar hipóteses de pesquisa. Não
obstante, em seu texto introdutório a autora discute resultados de diversas
pesquisas semelhantes a que propõe e conclui que os resultados são
inconclusivos. Ora, Sendo assim que argumentos justificam a definição de
suas hipóteses que comparam o desempenho motor entre meninos e
meninas?

Objetivo: Descrever e comparar o desempenho motor de meninos


e meninas pré-escolares, relativamente às habilidades de
locomoção e de controle de objetos.
Hipótese 1. As crianças pré-escolares apresentarão baixo
desempenho quanto às habilidades locomotoras e de controle
de objetos
Hipótese 2. Meninos apresentarão desempenho superior às
meninas quanto às habilidades de controle de objetos.
Hipótese 3. Meninas apresentarão desempenho superior aos
meninos quanto às habilidades locomotoras.

O desafio da iniciação científica 87


Síntese
Neste capítulo tratei de estimular o estudante para redigir um resumo
sintetizando os passos que até então foram trilhados. Um resumo que anuncie
de forma clara e objetiva o contexto de sua pesquisa, a justificativa de sua
relevância e os objetivos. Enfim, um resumo que informe adequadamente
as pretensões do pesquisador. Apresentei e comentei três exemplos de
estudos com características distintas. Tenho a convicção que este é um
exercício relevante nesta fase da elaboração do projeto de pesquisa. Permite
ao estudante demarcar com clareza seu objeto de estudo.

Referência:
VOLPATO, G. Método lógico para a redação científica. Botucatu: Best
Writing, 2010.

88 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


7.
A formulação do problema de pesquisa
Adroaldo Gaya

Enquanto o assunto permanecer assunto, não se iniciou


a investigação propriamente dita. O assunto escolhido
será questionado, portanto, pela mente do pesquisador,
que transformará em problema, mediante seu esforço
de reflexão, sua curiosidade ou talvez seu gênio.
Descobrir os problemas que o assunto envolve,
identificar as dificuldades que ele sugere, formular
perguntas ou levantar hipóteses significa abrir a porta,
através da qual o pesquisador penetrará no terreno do
conhecimento científico.
A. L. Cervo e P. A. Bervian1

1.
Delimitamos o tema (cap. 3), demarcamos os objetivos (cap.4),
anunciamos a relevância do projeto (cap. 5) e propusemos uma primeira
aproximação à introdução - uma primeira síntese de nossas pretensões (cap.
6). Portanto, já devemos ter “nas mãos” nosso objeto de estudo. Desta
caminhada inicial resultou possivelmente uma clara demarcação do que
queremos investigar através da pesquisa científica. Como tal, estamos em
condições de anunciar de forma clara e objetiva o problema cujas respostas
pretendemos desvendar no campo teórico (revisão de literatura) e no campo
empírico (trabalho de campo). O problema da pesquisa.

2.
Como referem Marconi e Lakatos (1990, p. 60 -61):
A proposição do problema é tarefa complexa, pois
extrapola a mera identificação, exigindo os primeiros
reparos operacionais: isolamento e compreensão dos
fatos específicos, que constituem o problema no plano
de hipóteses e informações. A relevância de um
problema depende da importância dos objetivos e da
eficácia das alternativas2.

1. CERVO, A. L. & BERVIAN, P. A. Metodologia Científica. 3ª Ed. São Paulo: McGraw-Hill, 1983.
2. MARCONI, M. A. & LAKATOS, E. M. Técnicas de Pesquisa. 2ª Ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 60 - 61.

O desafio da iniciação científica 89


3.
A relação de semelhanças entre o tema da pesquisa, a definição dos
objetivos e a redação do problema, muitas vezes leva o estudante de iniciação
científica a falsa impressão de que tudo se repete e que, por suposto, pouco
se está avançando até então. Em muitas oportunidades ouvi de meus alunos
esta exclamação: professor, tudo é muito igual! Não estou conseguindo
sair do mesmo lugar. Embora, aparentemente não estejamos progredindo,
é importante ressaltar que em cada novo passo houve importante avanço.
Senão vejamos: enquanto o tema se apresenta de forma mais ou menos
genérica e pouco delimitada, os objetivos apontam de forma clara onde se
pretende chegar ou o que se quer atingir com o tema selecionado. Já, por
sua vez, a delimitação do problema da pesquisa acrescenta alguns critérios
específicos mais exigentes:
a) O problema deve se apresentar de preferência em forma
interrogativa. Deve se manifestar em forma de uma pergunta.
Enfim, um problema. Um problema capaz de induzir o pesquisador
à respostas objetivas (hipóteses) e passíveis de serem confirmadas
ou refutadas por procedimento empírico (de descrição ou
associação).
b) O problema deve anunciar com clareza as variáveis que serão
investigadas, bem como definir as relações entre elas.
c) O problema deve tratar de um tema “real”. Em outras palavras,
deve anunciar uma questão cujo sentido de sua existência é
claramente percebido. Uma questão capaz de ser tratada
objetivamente por procedimentos empíricos. Que possa ser
operacionalizada de forma a ser medida, observada e, enfim,
tratada por procedimentos de análise empírica.
d) O problema em pesquisa científica tem de ser resolúvel. Ou seja,
o problema deve efetivamente permitir uma solução viável. O
problema deve, já de início, sugerir hipóteses como forma de
solução e, tais hipóteses devem apresentar evidentes
probabilidades de refutação.
e) O problema deve ser relevante. O pesquisador deve refletir sobre
as probabilidades de aplicação prática de seus prováveis resultados,
seus interesses, sua pertinência, importância e atualidade. O
problema deve ser realmente gerador de conhecimentos e de novos
problemas.

90 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Atendendo a tais critérios, o problema se constitui num guia seguro
para as etapas seguintes da elaboração do projeto.

Do objetivo da pesquisa à formulação do problema


4.
Para discorrer sobre a técnica de redação e formulação de problemas
de pesquisa, recordo os objetivos dos projetos apresentados no capítulo 4. A
partir do objetivo geral de cada um dos três projetos então descritos proponho
exemplos e comentários que entendo, possam efetivamente auxiliar nossos
alunos de iniciação científica na formulação do seu problema da pesquisa.

Do objetivo da pesquisa à formulação do problema – exemplo 1


5.

Objetivo: “Comparar os efeitos dos programas de treinamento


concorrente e treinamento de força sobre a força máxima em idosos”.

O objetivo é preciso. Como tal, aparentemente não há qualquer


dificuldade em delimitar o problema da pesquisa. Trata-se, muito claramente,
de questionar se haverá diferenças nos resultados do teste de força máxima
a partir de dois modelos de treinamento de força: 1. treino concorrente
(força e aeróbio) e 2. treino exclusivo de força. Sendo assim, posso sugerir
a seguinte redação:

Há diferença nos desempenho média da força máxima em idosos


sujeitos a treinamento concorrente e treinamento de força?

6.
Esta redação do problema representa com pertinência a intenção do
pesquisador. Lembremos que no capítulo 4 o estudante iniciou a explanação
de seu projeto anunciando que formaria dois grupos de idosos. Um grupo
seria submetido ao treinamento concorrente e outro ao treinamento
exclusivamente de força. Portanto, torna-se necessário que a definição do
problema explicite esta intenção. Daí a ênfase: (a) comparar (há diferenças

O desafio da iniciação científica 91


desempenho médio da força); (b) “idosos sujeitos à treinamento concorrente”
e; (c) “idosos sujeitos a treinamento de força”.

7.
O problema, tal como se apresenta, também deixa claro o desenho
metodológico do projeto. Trata-se de um estudo quantitativo de comparação
entre as médias de dois grupos. O problema trata de um objeto real, o
ganho de força; é plenamente factível por metodologia científica; é relevante
e gerador de novos conhecimentos. Anuncia as variáveis (treino de força
concorrente e de força) e a relação entre as variáveis (comparar). Enfim, é
um bom problema? Estas é a minha sugestão para o projeto de Cesar
Marchiori.

8.
Não obstante, provavelmente outros orientadores exigiriam mais
informações, por exemplo:

Há diferença no desempenho médio no teste de força máxima


nos exercícios: supino plano e pressão de pernas 45 graus, em
idosos sujeitos a programas de treinamento concorrente e de
treinamento força?

É evidente que não há nada de errado nesta formulação. Todavia,


minha preferência pela redação anterior deve-se ao fato de evitar uma
exagerada redundância de informações ao longo do projeto. Não devemos
esquecer que o teste de carga máxima será descrito com rigor e em detalhes
quando o pesquisador anunciar seu instrumento de coleta de dados, bem
como os dois exercícios (supino plano e pressão de pernas 45 graus) serão
a anunciados entre os procedimentos metodológicos. Tenho a convicção
que uma boa redação deve compartilhar de uma estética elegante. Isto
significa um texto claro e limpo. Com economia de palavras. Com o essencial.
Devemos, sempre, ter em consideração o que nos ensinou Leonardo da
Vince: A simplicidade é o grau máximo da sofisticação.

92 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Do objetivo da pesquisa à formulação do problema – exemplo 23
9.

Objetivo geral: “Comparar a eficiência da aplicação da


crioterapia e de exercícios de alongamento sobre os marcadores
indiretos de dano muscular após exercício concêntrico/
excêntrico de flexores de joelhos.

Objetivos específicos: “Comparar a eficiência da crioterapia e


dos exercícios de alongamento sobre os seguintes marcadores
indiretos de dano muscular causados por exercício físico:
a) Dor muscular tardia;
b) Creatina Kinase e lactato desidrogenase;
c) Proteína c-reativa e;
d) Espessura muscular”.

Provavelmente, o estudante de iniciação científica possa se deparar


com alguma dificuldade em redigir o problema tendo em vista que o projeto
apresenta um objetivo geral e quatro objetivos específicos. Nestes casos,
como redigir o problema da pesquisa?

10.
Bem, o primeiro aspeto que devemos considerar é que o problema
da pesquisa deve enfatizar a preocupação do pesquisador em responder
sua questão essencial. Em minha opinião, o problema não deve de início
limitar a pesquisa às fronteiras das relações entre suas variáveis
dependentes. Vejamos: O que parece interessar ao Rodrigo Franke neste
projeto é a eficiência das duas formas de tratamento (crioterapia e
alongamento muscular) no dano muscular. Esta é a questão essencial. Enfim:
a dor muscular; a creatina kinase e lactato desidrogenase; proteína c-reativa
e; a espessura muscular são os indicadores que permitem ao pesquisador
comparar objetivamente a eficiência dos dois tratamentos experimentais.

3. Projeto de TCC de bacharelado em educação física de Rodrigo de Azevedo Franke apresentado à disciplina
de metodologia da pesquisa em educação física na UFRGS em 2011.

O desafio da iniciação científica 93


Portanto, parece pertinente sugerir uma redação do tipo:

Há diferenças na eficiência do tratamento com crioterapia e


exercícios de alongamento muscular sobre danos musculares
induzidos por exercício físico?

11.
Entretanto, algum estudante poderia contrapor: o problema não é
assim tão genérico. O pesquisador não se refere aos efeitos sobre o dano
muscular em abstrato. Ele é objetivo. Refere os efeitos dos dois tratamentos
experimentais sobre os marcadores indiretos de dano muscular (dor muscular;
a creatina kinase e lactato desidrogenase; proteína c-reativa e; a espessura
muscular). A objeção é pertinente. Todavia, ainda assim me parece, que a
intenção principal que move o pesquisador é identificar qual o melhor
tratamento para o dano muscular e que, portanto, os marcadores são apenas
os indicadores que permitirão quantificar ou operacionalizar a variável “dano
muscular induzida por exercício físico”.

12.
Mas, por outro lado, ao considerar pertinente a crítica do estudante
eu poderia, ainda sim, sugerir duas possibilidades:
1. Introduzir a expressão “indicadores de dano muscular” na redação
do problema:

Há diferença na eficiência do tratamento com crioterapia e


exercícios de alongamento muscular sobre os marcadores
indiretos de dano muscular induzido por exercício físico?

2. Manter o enunciado do problema tal como formulado no primeiro


exemplo e acrescentar os indicadores de dano muscular como
questões auxiliares:

Há diferença na eficiência do tratamento com crioterapia e


exercícios de alongamento muscular sobre:
(a) Dor muscular tardia?
(b) Creatina Kinase e lactato desidrogenase?
(c) Proteína c-reativa?
(d) Espessura muscular?

94 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


13.
É verdade, que a terceira sugestão é mais específica. Ela define, nos
detalhes, as questões que o pesquisador pretende responder. É capaz de
conduzir com mais precisão a revisão da literatura e o trabalho empírico.
Mas, ainda assim, minha opção pessoal seria a de anunciar a primeira
sugestão de redação e anunciar os indicadores de dano muscular como
hipóteses ou questões de pesquisa no espaço previsto para este fim.

Do objetivo da pesquisa à formulação do problema – exemplo 34


14.

Objetivo geral: Descrever a emergência do associativismo


esportivo no município de Teutônia no período entre 1865 a
1900.

Objetivos específicos
1. Descrever o contexto sociocultural do município de Teutônia
entre 1865 a 1900;
2. Descrever as modalidades esportivas praticadas neste
período histórico.
3. Descrever as primeiras associações esportivas organizadas
no município de Teutônia.

Quando o projeto de pesquisa é de abordagem predominantemente


qualitativa normalmente não há preocupação dos pesquisadores em sugerir
inferências para outras populações. Tais metodologias preocupam-se
principalmente em descrever ou interpretar fenômenos restritos à grupos,
comunidades específicas. Portanto, talvez nem fosse necessário anunciar
formalmente o problema de pesquisa, na medida em que o enunciado dos
objetivos deixa, por si, claro os caminhos que o pesquisador pretende trilhar.
Portanto creio, que neste terceiro exemplo, que trata de um projeto
na área de história do esporte seria suficiente a seguinte formulação:

4. Projeto de TCC apresentado à disciplina de Metodologia da Pesquisa em Educação Física (UFRGS) pela estudante
Cecília Elisa Kilpp em 2009.

O desafio da iniciação científica 95


Como ocorreu a emergência do associativismo esportivo no
município de Teutônia no período entre 1865 a 1900?

15.
Provavelmente, quem sabe, poderíamos ainda agregar questões
auxiliares ao problema central da pesquisa, na medida em que a pesquisadora
delimita com clareza as categorias de análise que pretende investigar.

Como se caracterizou o contexto sócio-cultural do município de


Teutônia entre 1865 a 1900?
Quais eram as modalidades esportivas praticadas neste período
histórico?
Quais as primeiras associações esportivas organizadas no
município de Teutônia?

16.
Tendo delimitado com objetividade o problema da pesquisa o estudante
tem seu rumo definido com clareza. Ele está de posse da pergunta chave. A
pergunta que vai conduzir seus passos seguintes. É com essa pergunta
chave que ele vai abrir as portas e percorrer a literatura procurando aglutinar
ideias afins de autores diferentes, reunir estudos com distintas perspectivas
e, quem sabe, distintos resultados e conclusões. Da mesma forma, é o
problema da pesquisa que vai conduzir a definição dos procedimentos
metodológicos do trabalho empírico. Enfim, com a delimitação do problema
da pesquisa se inicia propriamente a investigação científica.

Síntese
Neste capítulo discorri sobre a delimitação do problema de pesquisa.
Fi-lo com a convicção de que é o momento adequado. Quando o estudante
já definiu seu tema, já enuncio seus objetivos e necessita de uma pergunta
guia que vai lhe conduzir pelos caminhos da revisão de literatura e das
decisões metodológicas.
Iniciei o capítulo referindo-me sobre as nuanças que cercam a redação
dos objetivos e do problema da pesquisa. Tratei de enunciar algumas das
principais características e exigências. Em sequência apresentei três

96 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


exemplos de projetos, sendo que no segundo exemplo alertei para alguns
detalhes importantes de redação que envolvem conceitos de estatística.
Creio que nosso estudante está apetrechado para novas e interessantes
aventuras no mundo da iniciação científica.

Referências
CERVO, A. L. & BERVIAN, P. A. Metodologia Científica. 3ª Ed. São
Paulo: McGraw-Hill, 1983
MARCONI, M. A. & LAKATOS, E. M. Técnicas de Pesquisa. 2ª Ed.
São Paulo: Atlas, 1999.
PEREIRA. M. G. Artigos científicos. Como redigir, publicar e avaliar.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011.

O desafio da iniciação científica 97


8.
A Revisão de literatura
Adroaldo Gaya

Os trabalhos de revisão são definidos como estudos que


analisam a produção bibliográfica em determinada área
temática, dentro de um recorte de tempo, fornecendo
uma visão geral ou um relatório do Estado da Arte sobre
um tópico específico, evidenciando novas ideias,
métodos, subtemas que têm recebido maior ou menor
ênfase na literatura selecionada.
Walter Moreira1

1.
A partir da formulação do problema de pesquisa (capítulo 7), é passo
seguinte: a Revisão de Literatura. A Revisão de Literatura objetiva delinear
com máxima precisão e atualidade o Estado da Arte do tema que se pretende
pesquisar. O Estado da Arte, por sua vez, é uma parte importantes do trabalho
científico na medida em que, através da revisão de literatura, descreve o
que já se tem afirmado sobre o assunto a ser pesquisado. Como tal, através
da Revisão de Literatura se evita a possibilidade de repetir investigações já
sobejamente confirmadas e, além disso, se constitui em importante meio de
afirmação de novos postulados, conceitos e paradigmas.

2.
Em síntese, delinear o Estado da Arte é enfrentar através da Revisão
da Literatura, o desafio de conhecer o já construído e produzido para depois,
quem sabe, buscar o que ainda não foi realizado.

3.
Delinear o Estado da Arte de um determinado tema faz-se através da
exigência de uma atitude crítica por parte do pesquisador. Requer, por suposto,

Cf. Noronha e Ferreira (apud Moreira, Walter: Revisão de Literatura e Desenvolvimento Científico: conceitos e
1.

estratégias para confecção. Janus, Lorena, ano1, 2º semestre de 2004, ps. 21 - 30.

O desafio da iniciação científica 99


o exercício constante da análise das informações, de arguta interpretação e
boa capacidade de síntese. Em outras palavras, faz-se necessário que o
pesquisador interaja com os autores para fazer emergir um novo texto, com
força argumentativa e conclusões provenientes de criteriosa reflexão.

4.
Como tal, o Estado da Arte deve ser um texto novo que embora,
escrito a partir de uma revisão da literatura, todavia é construído pelo
pesquisador. É o pesquisador que vai "juntar as peças" recolhidas dos diversos
autores a partir de sua análise crítica e capacidade criativa. A visão crítica e
a capacidade criativa do pesquisador são como o cimento que vai dar
sustentação ao edifício teórico que se quer construir. Eu Insisto: o Estado da
Arte é um texto novo e criativo, tecido a partir de diversos materiais advindos
de diversos autores, mas que, pelas mãos do pesquisador, apresenta-se com
uma nova estampa, um novo desenho. É uma obra original. É uma tapeçaria
e não uma colcha de retalhos.

5.
Como tal, é um verdadeiro disparate o que eventualmente afirmam
alguns orientadores à seus estudantes: "o texto de revisão não deve ter
ideias próprias e nem comentários pessoais". Do que se trata então?
Será apenas uma atividade de "corta e cola"?

6.
A Revisão de Literatura é uma pesquisa teórica e como tal não pode
prescindir da subjetividade do pesquisador. Há um pesquisador presente
que, a partir de suas experiências, dúvidas e convicções deve explicitar o
Estado da Arte do tema sobre o qual se debruça. Revisão de Literatura sem
ideias, interpretações e conclusões do pesquisador não existe. Assim, como
uma colcha de retalhos não é uma tapeçaria, uma "junção de autores" não
compõe um texto. Texto (de origem latina: textus particípio passado de texere)
significa tecer, entrelaçar. Portanto, um conjunto de citações provenientes
de vários autores emendados através do "corte e cola" de um editor de
textos, evidentemente não passam meramente de informações
"requentadas".

100 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


7.
Para o revisor ou leitor de um projeto de pesquisa científica não faz
qualquer sentido apenas reler, pela escrita de um estudante, trechos
selecionados de autores que, provavelmente o pesquisador experiente
sobejamente já os conheça. O que interessa ao revisor é como estes temas
podem ser tratados, interpretados em outra(s) perspectiva(s). Como são
capazes de sugerir novas abordagens. Enfim, a relevância da revisão de
literatura e fundamentar teoricamente uma nova possibilidade de abordagem
para o tema da pesquisa.

A Revisão da Literatura na pesquisa quantitativa


8.
Nas pesquisas quantitativas a Revisão de Literatura prioriza suportar
ou justificar de modo consistente a relevância do projeto. O pesquisador ao
apresentar o Estado da Arte de um determinado tema, passo seguinte, através
de sua visão crítica, visualiza prováveis distintas e novas abordagens para
seu projeto de pesquisa.

9.
O pesquisador ao redigir uma síntese dos diversos estudos que
selecionou, deve adotar como referências para suas conclusões iniciais alguns
parâmetros. Nos trabalhos que analisa, para concluir sobre a validade dos
resultados deve considerar: 1. os procedimentos metodológicos (foram
adequados?); 2. a amostra, o universo empírico (são pertinentes?) e, 3. os
principais resultados (são coerentes?). Assim, provavelmente terá identificado
com clareza e objetividade o estado da arte do seu tema de pesquisa e,
como tal, poderá definir com clareza a trilha que pretende percorrer.
Provavelmente, ele identificou as prováveis respostas (hipóteses) para seu
problema de pesquisa e, dessa forma, estará apto para selecionar os
procedimentos metodológicos que darão suporte a seu trabalho empírico.

10.
Nas pesquisas quantitativas a Revisão de Literatura usualmente situa-
se no capítulo subsequente à introdução. Porém, também é correto (e,
atualmente tem sido utilizado com frequência) situar a Revisão de Literatura

O desafio da iniciação científica 101


integrada à introdução constituindo, dessa forma, um único capítulo
introdutório.

11.
Atualmente, nos programas de pós-graduação (mestrado e doutorado),
têm-se utilizado com frequência dissertações e teses apresentadas na forma
de um conjunto de três ou mais artigos independentes (modelo escandinavo).
No entanto, como se exige que os artigos devam estar em consonância com
um tema em comum, se faz mister à apresentação de um capítulo introdutório
capaz de justificar e fundamentar as relações entre os diferentes artigos.
Como tal, um capítulo inicial que integra a Revisão de Literatura à introdução
é pertinente.

A Revisão da Literatura na pesquisa qualitativa


(Referencial Teórico)
12.
Nas pesquisas qualitativas, distintamente das pesquisas quantitativas,
sobrepõe-se à abordagem empírica um referencial teórico. Normalmente
os estudos qualitativos são descritivos ou exploratórios. Eles são
predominantemente interpretativos e, como tal, decorre de um raciocínio
lógico distinto. Ou seja: enquanto nas pesquisas quantitativas predomina um
raciocínio indutivo, nas pesquisas qualitativas predomina um raciocínio
dedutivo.

13.
Em outras palavras, nas pesquisas quantitativas a Revisão de
Literatura esboça um quadro teórico a partir dos resultados dos diversos
experimentos selecionados pelo pesquisador. O que interessa revisar são os
procedimentos metodológicos, a dimensão da amostra, os procedimentos
estatísticos e os resultados encontrados. Tanto é assim que, atualmente,
muita relevância se têm dado as técnicas de metanálise, que são
procedimentos estatísticos a serviço do tratamento de dados provenientes
dos estudos de revisão (ver capítulo 22).

102 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


14.
Nas pesquisas qualitativas a Revisão de Literatura apresenta-se como
um referencial ou marco teórico. É uma estrutura orientadora na qual o
pesquisador concentra-se na(s) teoria(s) existente(s) relacionada(s) ao
problema da pesquisa. O pesquisador parte de uma concepção teórica (uma
abordagem filosófica, política, histórica, pedagógica, etc.), que vai servir
como instrumento de análise da realidade empírica. Em outras palavras,
pode-se afirmar que há uma hipótese teórica (uma teoria) a priori que deve
servir como referência para as interpretações das informações empíricas.
Por exemplo: um estudante que pretende investigar as relações do esporte
com o desenvolvimento moral de crianças deverá indicar com clareza em
sua Revisão de Literatura o modelo teórico de moral que vai adotar (Kant,
Espinosa, Piaget, Kholberg...). Enfim, qual o referencial teórico que conduzirá
sua análise empírica?

Estratégias para a Revisão de Literatura


15.
O primeiro passo rumo a uma adequada Revisão de Literatura é,
evidentemente, selecionar os materiais nas bibliotecas e bases de dados. As
revistas científicas constituem-se como as principais fontes de atualização.
As revistas científicas têm vantagem sobre livros principalmente pela sua
agilidade em apresentar pesquisas recentes, o que supõe uma informação
atualizada e, considerando as exigências dos editores para a publicação nas
revistas bem conceituadas, a qualidade de seu conteúdo. No entanto, todo o
material que traga uma efetiva colaboração deverá ser selecionado. Livros,
monografias, dissertações e teses, "sites da internet", entrevistas, etc.

16
Nas pesquisas qualitativas, principalmente naquelas que adotam um
referencial teórico como fundamento para as análises empíricas,
evidentemente os livros têm uma relevância significativa. Neste caso, são
os autores clássicos que devem ter prioridade em relação às leituras
secundárias. Da mesma forma, as edições originais devem ter preferências
às traduções, e as citações diretas preferências em relação às citações de
fonte indiretas (o apud). Mas, devemos reconhecer que em se tratando da
iniciação científica e, muitas vezes considerando as dificuldades com idiomas

O desafio da iniciação científica 103


estrangeiros e o acesso à bibliografia original, podemos relativizar tantas
exigências, sobre pena de inviabilizar o projeto do estudante e, dessa forma,
impedindo-o de progredir no exercício de aprendizagem do método científico.

A busca do material bibliográfico


17.
Vamos partir de um exemplo:

O comportamento da pressão arterial após treinamento de força


em idosos2.

18.
Selecione as palavras chaves: são as palavras e variáveis de
relevância, ou de maior importância dentro do tema da pesquisa.

Pressão arterial; treinamento de força e idosos.

19.
Utilize os operadores booleanos: Os operadores permitem focar
a procura das referências nas bibliotecas e banco de dados vinculando termos
de busca e definindo relações entre eles. Os operadores booleanos localizam
registros que contém os termos coincidentes num ou em todos os campos
especificados. Os principais operadores booleanos são:
1. AND: Procede a busca das referências considerando os termos
ou variáveis de forma concomitante. Exemplo: "Pressão arterial"3
AND "treinamento de força" AND idosos, inclui referências que
tratam simultaneamente das três variáveis. É portanto um
procedimento que exclui, na medida que vai retornar as referências
que somente tratam das três variáveis em conjunto.

2.
Projeto de Giordano Grecco apresentado a disciplina de Metodologia da Pesquisa em Educação Física. UFRGS.
2011.
3.
É importante atenção para o uso das expressões ou palavras compostas entre "aspas". Exemplo: se utilizar
pressão arterial (sem "aspas") o motor de busca interpreta o espaço (vazio) entre pressão e arterial como AND e
vai processar a busca em pressão e arterial como se fossem termos independentes.

104 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


2. OR: Procede a busca considerando as referências que relacionam
cada uma das variáveis independentemente. Exemplo: "Pressão
arterial" OR "treinamento de força" OR idosos, inclui todas as
referências que anunciam cada uma das variáveis isoladamente.
3. NOT: Procede a busca de referências excluindo alguns dos itens.
(Exemplo: "Pressão arterial" OR "treinamento de força" NOT
idosos, exclui referências sobre idosos).

20.
Utilize os motores de busca: Um motor de busca ou motor de
pesquisa é um sistema de software projetado para encontrar informações
armazenadas em um sistema computacional a partir de palavras-chave
indicadas pelo utilizador. São motores de busca, entre outros: PubMed; Google
Acadêmico; Portal de Periódicos da CAPES, na UFRGS temos o SABI e o
LUME.

21.
Utilize as palavras chaves, os operadores booleanos e os
motores de busca para iniciar a busca: Vamos ao nosso exemplo.
Utilizaremos os operadores booleanos e o Google Acadêmico para efetuar
uma busca de referências para a pesquisa de Giordano Grecco que
anunciamos à cima.
Vamos traduzir os termos para o inglês para aumentar nossa área de
abrangência. Temos então: "blood pressure", "power training" e elderly.
O que encontramos?
1. "Blood pressure" AND "power training" AND elderly: Total de
referências 1090;
2. "Blood pressure" OR "power training" OR elderly: Total de
referências 2.850.000;
Nesta caso parece evidente que a expressão elderly é muito ampla.
São todas as referências que reportam-se a idosos. Isto fica
evidente quando excluímos da busca elderly:
3. Blood pressure OR power training NOT elderly: Total de
referências 17.600.

O desafio da iniciação científica 105


22.
Recomenda-se que aos procedimentos de busca sejam ainda
acrescentados os sinônimos das variáveis, desta forma, aumentando ainda
mais a abrangências da consulta. Exemplos. Pressão arterial: tensão arte-
rial, pressão sanguínea, etc; Treinamento de força: programa de exercícios,
treinamento contra resistência, treinamento concorrente, etc.; Idosos: terceira
idade.

A seleção das referências


23.
Encontramos através do Google Acadêmico 1090 referências que
combinam as variáveis: blood pressure, power training e elderly4.
Convenhamos! Ler todos esses artigos é tarefa inglória. Sendo assim, minha
sugestão é selecionar alguns critérios para a redução dos artigos. Assim,
numa primeira fase sugiro que sejam lidos apenas os títulos dos artigos e
que se descartem todos aqueles que não demonstrem efetivamente relação
com os objetivos do projeto.

24.
Passo seguinte: entre os artigos que permaneceram no rol dos
selecionáveis sugiro que sejam lidos os resumos. Os resumos, quando bem
elaborados informam o essencial. Os procedimentos metodológicos, a
dimensão da amostra, o tratamento dos dados e os resultados. Portanto,
podemos proceder a uma seleção de artigos através dos resumos.

25.
Da leitura dos resumos três alternativas são possíveis. 1. eliminar os
que não interessam; 2. selecionar os que interessam e, caso sejam resumos
bem constituídos torná-los fontes de consulta (sem a necessidade de consultar
o artigo por completo); 3. A partir dos resumos, solicitar os artigos completos

Se nossa busca se limitasse as variáveis digitadas em português: pressão arterial, treinamento de força e idosos,
4.

no Google Acadêmico, ainda assim teríamos 7.950 referências.

106 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


quando haja a necessidade de informações para além daquelas descritas
nos resumos.

Organizando as referências
26.
De posse do material selecionado o passo seguinte é a organização
dessas referências. A partir de leituras panorâmicas (sem entrar nos detalhes),
e considerando os temas, as abordagens metodológicas, a representatividade
das amostras, os resultados e as conclusões agrupam-se os artigos por
semelhanças de abordagem. Ou seja, artigos que apresentam conclusões
numa mesma direção devem ser separados daqueles que apresentam
conclusões divergentes. No âmbito dessa classificação ainda se pode
identificar e considerar os trabalhos que utilizam procedimentos metodológicos
distintos, diferentes critérios de seleção da amostra, dimensão da amostra,
etc., trabalhos com origens em distintas localidades (cidades, países,
laboratórios, culturas). Enfim, criam-se blocos de referências reunidas por
algum critério ou critérios pertinentes relacionados ao problema da pesquisa.

A redação da Revisão de Literatura


27.
É hora de redigir a Revisão de Literatura. A princípio não é tarefa
fácil. Exige capacidade de síntese, organização mental, o claro desenho da
forma e a certeza de onde se deseja chegar. Exige um razoável conhecimento
da língua em que se vai redigir o texto, e, é muito importante, um acurado
raciocínio lógico além de um adequado sentido estético.

28.
Tenho muitas reservas à visão de alguns orientadores que resumem a
redação científica a uma linguagem burocrática. Alguns, vão ainda mais
longe, e mantém em seus computadores um texto padrão, como se fosse um
formulário onde os estudantes devem preenchê-lo substituindo: o nome do
autor do trabalho imediatamente anterior (ou apenas acrescentando seu nome
ao de todo o grupo), e atualizando-o com algumas mais recentes informações.

O desafio da iniciação científica 107


29.
O livro que recomendo sobre a redação científica é de Gilson Luiz
Volpato5. Simples, objetivo, claro e muito didático. Será principalmente a
partir deste livro que vou discorrer sobre a redação da revisão de literatura.

30.
Pois bem, em primeiro lugar é preciso deixar claro que toda a estrutura
de um bom texto, seja ele narrativo, lírico, épico ou dramático, é construída
a partir de dois principais alicerces: o conteúdo e a forma. O texto científico
não foge a regra. Segundo Volpato: 1. o conteúdo é todo o elemento que
trata da essência de seu discurso para validar as conclusões. São informações
da literatura, suas conexões lógicas e argumentativas. É o que se quer
comunicar. 2. A forma, por sua vez, trata de como anunciar (redigir) os
conteúdos. Trata-se da estética do texto: o tipo de construção das frases, as
palavras selecionadas, o ritmo da leitura, etc. É o como se quer comunicar.
Entretanto, devemos sempre considerar que no texto científico o conteúdo
tem prioridade sobre a forma6.

31.
Num texto de Revisão de Literatura um bom conteúdo, exige alguns
critérios:
1. Que as informações sejam corretas: São procedentes as
interpretações que inferimos dos textos originais?

5.
VOLPATO, G. L. Método Lógico para a Redação Científica. Botucatu: Best Writing, 2011.
6.
Nos textos poéticos, por exemplo, a forma tem prioridade ao conteúdo.

108 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


2. Que as conexões entre as informações e os argumentos
respeitem o critério da lógica formal: a sequência lógica da argumentação
é pertinente? O uso das conjunções e locuções - entretanto, portanto, enfim,
etc.- é adequado?
3. Que o texto traga novidades: o texto sugere novas abordagens,
inferências ou hipóteses?

Algumas estratégias para a redação da Revisão de Literatura


32.
O tempo verbal. Devemos considerar que estamos preparando um
projeto de pesquisa. Estamos planejando uma tarefa a ser realizada no tempo
futuro. Todavia, isto não nos deve conduzir a simples conclusão que devemos
conjugar todos os verbos no futuro do presente. Temos que considerar alguns
aspectos inerentes à lógica da redação de um projeto de pesquisa. Por um
lado é real que estamos apresentando propostas para um tempo que ainda
virá, mas, por outro lado, estamos escrevendo no tempo presente a partir de
textos do tempo passado. Enfim, estamos redigindo no presente um texto
que revisa textos do passado para fundamentar um projeto para o futuro.
Conclui-se daí que devemos ter cuidado com tal redação. Por exemplo:
quando estamos relatando um trabalho já realizado por um determinado autor
devemos conjugar os verbos no passado (ele fez, ele analisou, ele concluiu...).
Se estivermos propondo um comentário ou uma crítica, ela se faz no tempo
presente, portanto as conjugações verbais devem corresponder a este tempo
presente (concordo com o autor, discordo, tenho restrições a sua amostra...).
Mas, se apontarmos para alternativas futuras, da mesma forma, devemos
conjugar os verbos no tempo futuro (a partir dessas conclusões selecionarei
uma amostra..., utilizarei o método...).

33.
A redação na primeira pessoa. Já tratei disso no capítulo
introdutório. Mas não é demais repetir. Ainda persiste na visão de muitos
pesquisadores e (ainda pior) na ótica de alguns editores de revista científica,
a retrógrada ideia (positivista) de que a linguagem científica exige que os
textos sejam redigidos em linguagem impessoal (observa-se, descreve-se,
conclui-se...). É a linguagem científica, dizem alguns. Uma linguagem neutra
para uma ciência também neutra, dizem outros. Tolice. Por uma simples

O desafio da iniciação científica 109


razão: não há no mundo real qualquer fenômeno que se possa descrever
cientificamente sem a exigência de um sujeito capaz de compreender e
interpretar a partir de um conjunto lógico de pressupostos.

34.

"(...) Não tentarei descrevê-las, porque não estou seguro de tê-


las visto, apesar da impiedosa luz branca. Vou me explicar. Para
ver uma coisa, é preciso compreendê-la." (Jorge Luis Borges)7.

35.
A redação na primeira pessoa (eu ou nós) é absolutamente pertinente
e já está incorporada nos textos científicos das várias áreas do conhecimento.
Como afirma Volpato, o número de revistas que aceitam essa forma tem
crescido desde meados da década de 90. E mais, as principais revistas do
mundo científico (Nature e Science, por exemplo) já usam essa forma de
redação.

36.
A simplicidade é o máximo grau da sofisticação. "Embora muitos
ainda acreditem que um texto científico seja dirigido aos especialistas
e, portanto, inclua palavras que apenas os 'iniciados' dominam, esse
conceito já é coisa do passado". A comunicação é prioridade. Os leitores
nem sempre se resumem aos especialistas. Se quiser ser entendido, fale
com clareza. Se não quiser ser entendido, use palavras complexas. O
que rege a clareza de uma aula, de uma palestra, rege também a clareza
de um texto científico. (...) Não use indevidamente o tempo de seu leitor.
Seja direto, claro, suficiente. Economize palavras. Escreve demais quem
não sabe a essência das coisas. E expressar apenas a essência é muito
mais difícil, envolve conhecer muito bem o assunto (VOLPATO, 2011,
p. 258 e 259).

7.
Jorge Luis Borges, There are more things, In. O Livro de Areia. São Paulo: MEDIAfashion, 2012, p. 44.

110 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


37.
Frases curtas. O ponto final dá uma pausa maior na leitura.
Assim, uma frase longa requer do leitor mais tempo sem essa pausa. E
quando ele para, pode refletir um pouco mais sobre o que lê. Dê essa
chance ao seu leitor. Frases longas só atrapalham. Portanto, faça frases
no menor tamanho possível8. Insisto nesta orientação. Frases simples9,
mensagens diretas e claras. Sujeito verbo e predicado. Evite frases
subordinadas, todavia, quando for necessário usá-las utilize as conjunções
(se, como, conforme, porque, pois, embora, etc.) e locuções (a não ser que,
assim como, visto que, etc.) de forma correta.

38.

Se falar demais, vai ficar falando sozinho! Vá direto ao ponto.


As frases curtas ajudam o leitor a melhorar raciocinar e entender
cada passo do raciocínio. Cada uma delas apresenta uma única
informação e o conjunto delas defende uma ideia10 .

39.
Parágrafos consistentes. Os parágrafos são as estruturas que
compõem um texto. Em todo parágrafo há um tópico frasal que se constitui
no foco central através do qual as ideias se norteiam e se encaixam. Pode
estar no início, no meio ou no fim do parágrafo (depende da estética do
autor). É a ideia central. O parágrafo deve, portanto, manter-se coerente
com a ideia central formando um conjunto de frases que formam um texto
com sequência e sentido lógico. Portanto, redija seu parágrafo tendo presente
a ideia central que pretende informar e, não se perca em informações alheias
e dispersas.

40.

Dê ritmo ao seu parágrafo. As ideias dentro de um contexto devem


ser ligadas entre si. Em qualquer idioma há estruturas gramaticais
(conjunções e locuções) que permitem essas ligações11.

8.
VOLPATO, G. idem, ibidem, p.260.
9.
Frases simples são frases que tem apenas um verbo.
10.
VOLPATO, G. Idem,I bidem, p.276.
11.
VOLPATO, G. Idem, ibidem, p. 266.

O desafio da iniciação científica 111


41.
Cada parágrafo deve ser: 1. Unificado: todas as frases devem se
referir à ideia principal; 2. Coerente: as frases devem ser organizadas de
modo lógico e devem seguir um plano definido de desenvolvimento; 3. Bem
desenvolvido: cada ideia discutida deve ser explicada a apoiada
adequadamente através de evidências e detalhes que trabalhem junto para
explicar a ideia central12.

42.
As ligações entre os parágrafos são muito importantes para que o
texto não se transforme numa sequência de parágrafos desconexos. Muitas
vezes observo esta dificuldade nas redações iniciais de meus alunos de
metodologia da pesquisa científica. Saltam de uma ideia para outra
abruptamente. Ao leitor fica a nítida impressão de que "tropeçou" e caiu
noutra dimensão. Muitas vezes quando e estudante não completa devidamente
a ideia do parágrafo anterior e propõe outro parágrafo com novas ideias, o
leitor fica no ar como suspenso, sem entender bem o que se passou (algum
trecho teria sido inadvertidamente deletado ou recortado?). Além disso, o
que é grave, o texto perde fluência, as ideias ficam desconexas e corre-se o
risco de perder a coerência interna dos argumentos, isto quando não
transforma o texto numa "colcha de retalhos".

43.
A ligação eficaz entre os parágrafos depende da adequada escolha
das locuções conjuntivas que, por sua vez, determinam as relações lógicas
que o estudante quer manifestar. Por exemplo: 1. relação de similaridade:
também; do mesmo modo; assim como. 2. relação de contraste ou de
oposição: mas, embora, de outro lado, não obstante, entretanto. 3. relação
de tempo: após; antes, atualmente, durante, enquanto; então. 4. relação
causal: consequentemente; portanto; logo; por isso. 5. relação de
contiguidade: à medida que; ao passo que; enquanto. Sugiro aos estudantes
que busquem na internet13 e que mantenham a seu alcance uma lista de
conjunções com suas respectivas relações lógicas.

12.
Cf. Desenvolvimento de Parágrafos. <www.uff.br/lecha/Paragrafos.pdf> consultado em 22/05/2012.
13.
Conjunções e locuções conjuntivas em:<www.uff.br/lechaConjuncoes.pdf>

112 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


44.
Ao redigirmos a revisão de literatura, devemos mostrar como as
pesquisas que selecionamos e comentamos contribuem para a compreensão
do problema da pesquisa. Não se trata de dar uma lista de autores e suas
ideias e tampouco de apenas descrever seus resultados e procedimentos
metodológicos, mas sim de propor uma análise crítica. É relevante demonstrar
como tais pesquisas contribuem para o avanço do conhecimento científico e
como podem servir de base para justificar a relevância de nosso projeto.

Inserto de uma revisão de literatura


45.
Trata-se de um inserto do texto de revisão de literatura do projeto
"Educação Física Escolar e Promoção da Saúde14".

O reconhecimento das doenças cardiovasculares (DCV) como


um problema pediátrico vem crescendo significativamente nos
últimos anos (Berenson et al., 1998). Além disso, fatores de risco
cardiovasculares (FRC) como hipertensão arterial, obesidade,
colesterolemia, sedentarismo e baixos níveis de aptidão física
tem sido diagnosticados precocemente em crianças e adolescentes
(Andersen et al., 2006; Brage et al., 2004; Andersen, Hasselstrom,
Gronfeldt, Hansen, & Karsten, 2004; Ribeiro et al., 2004; Aires,
Andersen, et al., 2010; Aires, Mendonca, et al., 2010). Por suposto,
conclui-se que desenvolver e programar estratégias para a
prevenção primária dos fatores de risco e das doenças
cardiovasculares se constitui numa ação necessária e urgente
(Kavey et al., 2003).
O sedentarismo e baixos níveis de aptidão física parecem estar
relacionados à prevalência da obesidade e outras doenças
metabólicas (Aires, Andersen, et al., 2010; Aires, Mendonca, et al.,
2010; Andersen et al., 2006; Brage et al., 2004; Ribeiro et al., 2004),
que, por sua vez, são precursores de doenças crônicas do adulto

Inserto (parte retirada de um texto de revisão de literatura) de um projeto de pesquisa encaminhado ao CNPq.
14.

Por Gaya, A. e colaboradores. Novembro de 2011.

O desafio da iniciação científica 113


(Kavey et al., 2003; Pate et al., 2006). Além disso, crianças
fisicamente ativas são menos propensas a envolverem-se com
comportamentos de risco à saúde (Edmundson et al.,1996).
Destarte a importância das crianças e adolescentes envolverem-
se com práticas diárias de atividades físicas, é importante
ressaltar que as recomendações internacionais atuais tem dado
destaque sobre a relevância da necessidade do aumento
significativo dos níveis e intensidade das atividades físicas
habituais e dos padrões de aptidão física para a obtenção de
benefícios à saúde. Em outras palavras, já não bastam para
crianças e adolescentes as formulações genéricas de atividades
físicas como caminhar 30 minutos por dia, subir escadas, ir a pé
para escola, etc. As evidências apontam sobre a necessidade de
programas de exercícios físicos planejados e organizados com
objetivos bem definidos cuja intensidade moderada ou vigorosa
seja realizada pelo menos durante uma hora diariamente São
estes programas de exercícios que possibilitam melhorar a
composição corporal, a aptidão cardiorrespiratória e muscular,
a saúde óssea, cardiovascular e reduzir os sintomas de ansiedade
e depressão (Strong et al, 2005; OMS, 2010).
Neste contexto a educação física escolar (EFE) deve asssumir
um papel relevante na promoção da saúde. Todavia, para
alcançar tal protagonismo é necessário cumprir com os objetivos
de proporcionar atividades físicas, sejam gímnicas ou esportivas,
sistematizadas e planejadas com vigor (intensidade e duração)
adequados. A educação física é a manifestação pedagógica da
cultura do movimento humano (Gaya 2010), como tal, configura-
se como estratégia relevante nos programas de educação para a
promoção da saúde (McKenzie & Kahan, 2008; Pate et al., 2006;
Sallis et al., 2001), proporcionando às crianças oportunidades de
uma vida fisicamente ativa e ensinando-lhes competências,
conhecimentos, atitudes e um repertório de práticas motoras que
as levem a exercitar um estilo de vida fisicamente ativo (Beets &
Pitetti, 2005; Burgeson, Wechsler, Brener, Young, & Spain, 2001;
Fairclough & Stratton, 2005a; Fairclough & Stratton, 2006).

114 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Entretanto, temos a convicção que para maximizar as
oportunidades de aprendizagem na EFE, se faz necessário
cumprir uma série de condições, entre elas: 1. adequar e ajustar
a carga horária destinada à educação física, bem como a
distribuição desta carga ao longo da semana; 2. constituir turmas
de alunos compatíveis com o espaço físico e material didático-
pedagógico das aulas; 3. ter acesso às instalações e equipamentos
adequados; 4. planejar um currículo ajustado às necessidades
dos alunos; 5. constituir um sistema efetivo de avaliação das
aulas e dos alunos; 6. contar com professores competentes e
atualizados e; 7. obter apoio administrativo para a constituição
de redes de parcerias ligando diversas disciplinas escolares, bem
como a comunidade escolar nos programas de educação para a
promoção da saúde. (Bevans et al., 2010; Burgeson et al., 2001;
Pate et al., 2006; Sallis et al., 2001).
Considerando tais conjecturas o presente projeto tem a pretensão
de identificar e associar as variáveis referentes às estruturas
físicas e as condições didático-pedagógicas das aulas de
educação física escolar com os níveis de atividade física, de
aptidão física relacionada à saúde e da tensão arterial em
crianças e adolescentes.

Síntese
Neste capitulo discorri sobre a elaboração e redação de um texto de
Revisão de Literatura. Caracterizei a revisão como o caminho para delinear
o Estado da Arte de um determinado tópico do conhecimento científico.
Defini Estado da Arte como o desafio de conhecer o já construído. Destaquei
a importância das ideias, da experiência, do senso crítico do autor na
concepção do texto de revisão. A revisão de Literatura é um texto autoral.
Identifiquei algumas características da Revisão de Literatura em pesquisas
quantitativas e qualitativas. Discorri sobre as estratégias para a Revisão de
Literatura focalizando: a busca, a seleção e organização do material
bibliográfico. Sugeri recomendações sobre a redação do texto de revisão e,
finalmente apresentei um exemplo sintético de um texto de Revisão de
Literatura.

O desafio da iniciação científica 115


Referências
BORGES, L.C. There are more things, In. O Livro de Areia. São Paulo:
MEDIAfashion, 2012.
Conjunções e locuções conjuntivas <www.uff.br/lechaConjuncoes.pdf>
consultado em 22/05/2012.
Desenvolvimento de Parágrafos <www.uff.br/lecha/Paragrafos.pdf>
consultado em 22/05/2012.
MOREIRA, W. Revisão de Literatura e Desenvolvimento Científico:
conceitos e estratégias para confecção. Janus, Lorena, 2004.
VOLPATO, G. L. Método Lógico para a Redação Científica. Botucatu:
Best Writing, 2011.

116 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


9.
Definição das hipóteses e/ou
questões de pesquisa
Adroaldo Gaya

1.
Tendo escolhido o tema da investigação, delimitado seus objetivos,
encaminhado a revisão de literatura e anunciado o problema, o passo seguinte
será a definição das hipóteses ou questões da pesquisa. As hipóteses são
afirmações, proposições, conjeturas ou suposições que o pesquisador sugere
como solução ao problema da pesquisa sendo predominantemente utilizadas
em trabalhos quantitativos do tipo experimental. As questões de pesquisa
são perguntas orientadoras. Ocorrem quando o pesquisador não assume ou
não tem hipóteses a priori. São utilizadas predominantemente em trabalhos
qualitativos, em pesquisas exploratórias e descritivas.

As Hipóteses
2.
As hipóteses são suposições assumidas pelo pesquisador antes
mesmo da constatação dos fatos. Tem como característica uma formulação
provisória e necessariamente deve ser passível de verificação empírica.
Exemplo:
Problema: Há diferença no desempenho médio da força máxima
em idosos submetidos a treinamento concorrente e treinamento de
força?
A formulação do problema, tal como se apresenta, sugere inicialmente
duas possibilidades:
1. Não há diferença entre os índices médios de força máxima
decorrentes dos dois modelos de treinamento (neste caso se diz
que aceita-se a hipótese nula) ou;
2. Há diferença entre os índices médios de força máxima decorrentes
dos dois modelos de treinamento (rejeita-se1 a hipótese nula).
Alguns metodólogos da pesquisa preferem a expressão “não aceita-se a hipótese nula” afirmam que a
1.

perspectiva probabilística da pesquisa quantitativa inferencial não permite peremptoriamente afirmar que se
possa rejeitar a hipótese nula. Neste curso vou desconsiderar este pormenor, embora reconheça sua pertinência.

O desafio da iniciação científica 117


3.
Todavia, neste exemplo quando rejeita-se a hipótese nula podemos
supor duas possibilidades de respostas. São as hipóteses alternativas:
1. A média de força máxima em idosos submetidos ao treinamento
concorrente é maior do que a média dos idosos submetidos a
treinamento de força (TC >TF) ou;
2. A média de força máxima em idosos submetidos ao treinamento
de força é maior que a média dos idosos submetidos ao treinamento
concorrente (TF>TC).

4.
Considerando a possibilidade de duas hipóteses alternativas (1 e 2)
caberá ao pesquisador, através de sua experiência, seus conhecimentos,
sua intuição, etc., escolher uma delas como a sua hipótese de trabalho. A
sua hipótese orientadora. Denominamos a hipótese do pesquisador de
hipótese científica (ou hipótese de pesquisa, ou hipóteses experimental,
ou hipótese causal). Vamos supor que o pesquisador assumiu como hipótese
científica a possibilidade de resposta (3). Teríamos então:
Hipótese científica:
Idosos submetidos ao treinamento concorrente
apresentam níveis médios de força máxima superior aos
idosos submetidos ao treinamento de força.

A hipótese científica é aquela que será descrita ou anunciada no


texto do projeto de pesquisa.

5.
Por outro lado, denominamos de hipótese rival a possibilidade de
resposta (4), a hipótese contrária a do pesquisador. Nesta condição, de
hipótese rival, ela não deverá ser anunciada no texto do projeto2.
Hipótese rival:
Idosos submetidos ao treinamento de força apresentam
níveis médios de força máxima superior aos idosos
submetidos ao treinamento de concorrente.

Não faz sentido lógico o pesquisador anunciar duas hipóteses contraditórias. Exemplo: “Não faz sentido
2.

prever a hipótese de que chove e a hipótese de que não chove na mesma hora e local”. A hipótese deve ser:
chove ou não chove. Anunciar ambas consiste numa contradição formal.

118 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


6.
Em síntese, num típico projeto de pesquisa experimental normalmente
vamos identificar:
1. Hipótese nula ou estatística; aquela em que não há diferença entre
as duas (ou mais) condições experimentais;
2. Hipótese científica, experimental ou causal; a hipótese escolhida
pelo pesquisador;
3. Hipótese rival: a hipótese contrária à hipótese científica.

7.
Não obstante, em alguns casos, podemos desconsiderar a presença
da hipótese rival como, por exemplo, no seguinte problema de pesquisa:
Idosos submetidos a treinamento concorrente apresentam
aumento nos níveis médios de força máxima?

Ora, não é de se esperar que o treinamento concorrente diminua os


índices médios de força máxima dos idosos, como tal não faz sentido lógico
imaginar a possibilidade de anunciar a hipótese rival. Pode-se imaginar no
limite, até que o treinamento concorrente não exerça efeito sobre a força
máxima de idosos (hipótese nula), todavia não parece sensato supor que vá
exercer efeito negativo ao ponto de reduzir os níveis médios de força máxima.
Não obstante, identificar a existência ou a inexistência de hipótese rival é
importante para a definição dos graus de liberdade na seleção do teste
estatístico, como veremos mais à frente.

Questões de pesquisa
8.
Nos estudos descritivos e exploratórios e nos estudos qualitativos
(etnografia e estudo de caso), onde os objetivos tratam principalmente de
identificar e/ou interpretar o comportamento de uma população normalmente
não se utilizam hipóteses. Imaginemos um projeto de pesquisa cujo objetivo
geral é o de identificar os hábitos de atividade física em crianças e
adolescentes numa determinada comunidade, É evidente que as informações
a serem colhidas por questionários, entrevistas ou observações podem ser
variadas. São tantas as possibilidades de resposta que se torna improvável
que o pesquisador pudesse a priori apontar todas as hipóteses. Por exemplo,
como propor hipóteses para questões relacionadas aos hábitos de sono; as
atividades realizadas no interior da moradias; as práticas esportivas formais

O desafio da iniciação científica 119


e não formais; as atividades escolares; as atividades culturais. É muito
provável que entre as respostas dos sujeitos da pesquisa algumas estejam
além de qualquer expectativa do pesquisador. Ora, neste caso como ele
poderia então surgir (a priori) hipóteses? Como tal, ao propomos estudos
exploratórios ou descritivos torna-se sensato trabalharmos com questões
de pesquisa, que permitem uma abordagem bem mais flexível.

Exemplo de projeto com hipóteses


9.
Valho-me do exemplo do projeto de dissertação de mestrado do
estudante Eurico Wilhelm Neto. Efeito da ordem do treinamento concorrente
nas adaptações neuromusculares, saúde vascular e capacidade funcional
de homens idosos.

Problema da pesquisa: as diferentes ordens do treinamento


concorrente (força-aeróbio e aeróbio-força causam adaptações
neuromusculares, cardio-vasculares e funcionais distintas em
homens idosos?
Hipóteses:
H1- O treinamento concorrente força-aeróbio causa maior níveis
de força e potência que o treinamento concorrente aeróbio-força.
H2- O treinamento concorrente força-aeróbio causa maiores
níveis de atividade muscular que o treinamento concorrente
aeróbio-força.
H3- O treinamento concorrente força-aeróbio causa níveis mais
elevados no desempenho do salto vertical que o treinamento
concorrente aeróbio-força.
H4- O treinamento concorrente força-aeróbio causa maior
adaptação na espessura e qualidade muscular dos extensores
do joelho que o treinamento concorrente aeróbio-força
H5- O treinamento concorrente força-aeróbio resulta em maiores
ganhos na capacidade funcional que o treinamento concorrente
aeróbio-força.

120 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


H6- Os programas de treinamento concorrente força-aeróbio e
aeróbio-força não apresentam diferenças no incremento do
VO2pico.
H7- Os programas de treinamento concorrente força-aeróbio e
aeróbio-força não apresentam diferenças na função endotelial.
H8- Os programas de treinamento concorrente força-aeróbio e
aeróbio-força não apresentam diferenças no perfil lipídio.

Exemplo de projeto com questões de pesquisa


10.
Gabriel Bergman em sua tese de doutorado definiu o seguinte
problema de pesquisa:

Há níveis de Aptidão Cardiorrespiratória (ApC) e Indicadores


de Sobrepeso/ obesidade (IASO) em crianças e adolescentes
passíveis de indicar a probabilidade de desenvolvimento das
doenças cardiovasculares e seus fatores de risco?

A tese de Bergmann trata da definição de pontos de corte para


prognosticar doenças cardiovasculares e seus fatores de risco em crianças
e adolescentes através de testes de aptidão física e medidas corporais. Ele
pretende verificar a precisão dos pontos de corte disponíveis na literatura.
Para tanto propôs as seguintes questões de pesquisa:

1. Os pontos de corte propostos disponíveis na literatura para


aptidão cardiovascular e indicadores de sobrepeso e
obesidade são capazes de identificar crianças e adolescentes
com maior probabilidade de desenvolvimento de doenças
cardiovasculares?
2. Existem valores específicos de distância percorrida no teste
de corrida/caminhada de 9 minutos, de índice de massa
corporal, de circunferência de cintura e de índice de
conicidade?
3. Qual dos índices de sobrepeso/obesidade apresenta melhor
capacidade de identificar crianças e adolescentes com maior
probabilidade de desenvolvimento das doenças
cardiovasculares e seus fatores de risco?

O desafio da iniciação científica 121


Síntese
Neste capítulo discorri sobre a formulação de hipóteses e questões
de pesquisa. Afirmei as principais características e sugeri que hipóteses
são mais adequadas em modelos quantitativos experimentais e as questões
em modelos quantitativos descritivos e modelos qualitativos. Em relação as
hipóteses tratei de descrever sua classificação em hipótese nula e alternativas
(científica e rival). Em relação às questões de pesquisa manifestei sua maior
flexibilidade na possibilidade em tratar com as informações e, por suposto,
de obter conclusões mais abrangentes. Por fim, apresentei exemplos de
projetos que utilizam hipóteses e projetos que utilizam questões de pesquisa.

122 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


10.
Definição das variáveis
Adroaldo Gaya

1.
Toda pesquisa científica trata de descrever ou associar variáveis.
Todos os problema, questões e hipóteses de pesquisa anunciam variáveis.
Um projeto de pesquisa bem planejado se preocupa em descrever ou verificar
relações entre variáveis e para isso é necessário controlar adequadamente
outras tantas variáveis intervenientes. As variáveis são as células que dão
vida a um projeto científico. Tudo ocorre a partir e ao redor delas. Ao longo
deste curso, até aqui, muitas vezes, não foi possível evitar de falar em
variáveis, mesmo antes de trata-la de forma mais íntima como faremos
neste capítulo. Mas o que são as variáveis? Como conceituá-las, classificá-
las, medi-las?

2.
As variáveis definem as características ou atributos que representam
um fenômeno capaz de assumir diferentes valores numéricos ou se expressar
em distintas categorias. “São variáveis porque variam”. Assumem diversas
dimensões. Variam numericamente como as medidas da estatura, massa
corporal, velocidade; variam discretamente em categorias de análise como
o sexo, cor dos olhos, faixas etárias. Exemplo: Vejamos num projeto que
preocupa-se em identificar prováveis associação entre sexo e massa corporal
gorda. Homens e mulheres apresentam diferenças nos valores médios de
massa gorda? São duas variáveis: Sexo, que apresenta-se em duas categorias
(variáveis discretas: masculino 1. e feminino 2. e, massa gorda que apresenta-
se em escala numérica (10Kg; 11; 20,5Kg; 22,3 Kg, etc.).

3.
Construtos. Alguns pesquisadores adotam o termo construto para
identificar algumas variáveis cuja as características são menos objetivas ou
evidentes. Exemplo: medir a estatura é um procedimento muito objetivo.
Praticamente não há interferência do pesquisador na tomada desta medida.
Utiliza-se um estadiômetro e faz-se a leitura diretamente no instrumento de

O desafio da iniciação científica 123


medida. Assim, em relação a muitos fenômenos que se manifestam
diretamente através de um instrumento de medida se diz que tratam-se de
variáveis. Por outro lado, medir a autoimagem, por exemplo, já é diferente.
Não existe um “autoimageômetro”, instrumento que se colocado sob as
axilas do estudante indique o nível de autoimagem. Mede-se a autoimagem
através de observação, de entrevistas, consultas e questionários que indiquem
a presença de comportamentos que estejam associados a autoimagem.
Talvez, se pudesse afirmar que as medidas são indiretas. Reúnem-se
comportamentos ou indicadores que os pesquisadores e estudiosos do tema
associam a autoimagem e criam-se escalas de medida. Como é evidente
estes instrumentos dependem de elaboração ou construção teórica de um
conceito operacional de autoimagem. Daí a expressão construto.

4.
Neste livro vamos utilizar para todos os exemplos a expressão variável
ou variáveis.

Identificação das variáveis


5.
O primeiro passo nesta fase do projeto é identificar com clareza e
objetividade as variáveis da pesquisa e suas prováveis relações. Vejamos
alguns exemplos:

1. Verificar se há associação entre níveis de atividade física e os


índices de sobrepeso e obesidade em escolares1;

Neste primeiro exemplo não há qualquer dificuldade em identificar


as variáveis. São claras: Níveis de atividade física e índices de sobrepeso e
obesidade. O pesquisador pretende evidenciar se há relação (causal) entre
níveis de atividade física e a ocorrência de sobrepeso e obesidade.

Projeto de Raquel de Araujo. apresentado à disciplina de Metodologia de Pesquisa em Educação Física no


1.

curso de graduação da UFRGS, 2012.

124 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


6.

2. Comparar os efeitos de diferentes volumes de treinamento de


força nas adaptações neuromusculares dos membros inferiores
e superiores de mulheres idosas após seis semanas de
treinamento2;

No segundo exemplo, trata-se de comparar os efeitos das variáveis


“diferentes volumes de treinamento” sobre as adaptações neuromusculares”.
Embora, como veremos em seguida, as variáveis necessitam de uma
definição mais precisa capaz de afirmar com clareza o que o pesquisador
entende por “diferentes volumes de treinamento” e “adaptações
neuromusculares” não há, tal como no exemplo anterior, qualquer dificuldade
em identificar as variáveis do estudo e as relações causais entre elas.

7.

3. Existem valores específicos da distância percorrida no teste


de corrida/caminhada de 9 minutos a partir dos quais seja
possível identificar crianças e adolescentes com maior
probabilidade de desenvolvimento de doença cardiovascular e
seus fatores de risco3?

No terceiro exemplo as variáveis já não estão claramente manifestas.


Não se trata de afirmar que o problema está inadequadamente redigido. A
redação é pertinente. O que o pesquisador pretende é identificar pontos de
corte para o teste de 9 minutos de corrida/caminhada capaz de identificar a
probabilidade da ocorrência de indicadores de doença cardiovascular. Por
conseguinte a variável distâncias percorridas em 9 minutos é a variável
principal (chamarei assim inicialmente). Mas, para determinar se há valores
específicos para o Teste dos 9 minutos capazes de identificar a probabilidade
de indicadores de doença cardiovascular o pesquisador precisa indicar as

2.
Projeto de Regis Radaelli apresentado à disciplina de metodolgia e epistemologia das ciências do movimento
humano do PPG em Ciências do Movimento Humano da UFRGS, 2011
3.
Inserto da tese de doutorado de Gabriel Bergmann apresentada ao PPG Ciências do Movimento Humano da
UFRGS. 2009.

O desafio da iniciação científica 125


variáveis que permitam evidenciar esse pretendido diagnóstico. Necessita
identificar quais os fatores de risco cardiovascular que ele pretende possam
se associar a determinadas distâncias do Teste de 9 minutos. Pois bem,
neste estudo, como veremos em seguida, o pesquisador utilizou como
variáveis de teste (chamarei assim inicialmente), os valores elevados de
pressão arterial, colesterol total e índice de massa corporal.
Acrescenta-se que o pesquisador ainda leva em consideração nas
suas futuras análises que tais pontos de corte devem estar associados às
idades e ao sexo das crianças e adolescentes o que sugere ainda a presença
da idade e sexo também como variáveis (intervenientes) em sua tese. Enfim,
neste projeto temos um conjunto de variáveis: O teste dos 9 minutos, a
pressão arterial, o colesterol total o índice de massa corporal, o sexo e a
idade.

Classificando as variáveis
8.
Para classificar as variáveis de um projeto de pesquisa científica
sugiro três possibilidades. Outras classificações são adotadas por outros
autores, não obstante, tenho a convicção que as três possibilidades que
apresento são plenamente suficientes para a compreensão e organização
do raciocínio científico.

9.
Variáveis independentes: São aquelas que o pesquisador manipula
ou observa. As variáveis independentes são passíveis de causarem efeitos
sobre as variáveis dependentes. Elas participam do experimento como
indutoras de um provável efeito sobre as variáveis dependentes. Em outras
palavras, as variáveis independentes são as supostas causas das variações
das variáveis dependentes. As primeiras são antecedentes, as segundas
consequentes. As variáveis independentes podem ainda ser classificadas
como ativas, quando são suscetíveis de manipulação. Exemplo: programas
de treinamento, utilização de fármacos, dietas, etc. As variáveis
independentes são atributivas quando não são suscetíveis de manipulação
pelo pesquisador. Apenas permitem ao pesquisador observar seus prováveis
efeitos sobre as variáveis dependentes. Exemplo: etnia, sexo, idade, etc.

126 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


10.
Variáveis dependentes: são aquelas cujas características ou
atributos se modificam (ou não) pelo efeito das ações das variáveis
independentes. As variáveis dependentes correspondem a ideia dos efeitos
produzidos pelas variáveis independentes. Os efeitos das variáveis
independentes são medidos através das variações das variáveis dependentes
(desfecho).

11.
Variáveis intervenientes: são aquelas que embora alheias as
intenções do pesquisador são passíveis de exercer efeitos sobre as variáveis
dependentes. Por exemplo: numa pesquisa em que estou verificando os
efeito de um programa de exercícios físicos sobre a massa corporal de
gordura de um grupo de crianças obesas é evidente a necessidade de
controlar a dieta alimentar. Caso contrário não se pode afirmar com
objetividade se os prováveis efeitos sobre a massa corporal são advindos
do programa de exercícios, ou de uma dieta com restrições calóricas, ou da
associação entre exercício e dieta. Por suposto, as variáveis intervenientes
necessitam ser identificadas nos projetos de pesquisa e, ainda mais, deve o
pesquisador informar quais os procedimentos que adotará para controlar
seus prováveis efeitos.

12.
Retornemos aos nossos exemplos para classificar as variáveis
propostas pelos pesquisadores em seus respectivos projetos.

1. Verificar se há associação entre níveis de atividade física e os


índices de sobrepeso e obesidade em escolares;

Neste primeiro exemplo esta explícito que o pesquisador pretende


identificar possíveis efeitos da variável níveis de atividade física -variável
independente, sobre os níveis de sobrepeso e obesidade –variáveis
dependentes. Por outro lado, é evidente, por exemplo, que a controle da
alimentação constitui-se numa relevante estratégia para controlar a variável
interveniente ingestão calórica ou dieta”.

O desafio da iniciação científica 127


13.

2. Comparar os efeitos de diferentes volumes de treinamento de


força nas adaptações neuromusculares dos membros inferiores
e superiores de mulheres idosas após seis semanas de treinamento;

Embora manifestando-se de forma genérica o objetivo do pesquisador


permite claramente identificar os “modelos de treinamento de força com
diferentes volumes” como variáveis independentes e as adaptações
neuromusculares como variáveis dependentes. Por outro lado, o pesquisador
deve identificar as variáveis intervenientes, aquelas capazes de proporcionar
adaptações neuromusculares além, evidentemente de seus programas de
treinamento de força, por exemplo: ingestão de anabólicos esteroides ou a
participação dos sujeitos da pesquisa em algum outro programa de treino
em simultâneo.

14.

3. Existem valores específicos da distância percorrida no teste


de corrida/caminhada de 9 minutos a partir dos quais seja possível
identificar crianças e adolescentes com maior probabilidade de
desenvolvimento de doença cardiovascular e seus fatores de risco?

Neste exemplo pesquisador não vai manipular a variável independente.


Ele pretende observar o desempenho de um conjunto de escolares entre 7
a 12 anos dos dois sexos no teste de corrida/caminhada de 9 minutos e
associar tais resultados com níveis alterados de pressão arterial, colesterol
total e índice de massa corporal. Neste exemplo, estamos perante um estudo
típico de associação sem inferência4,5 Em outras palavras o desenho da
pesquisa não pressupõe relação de causa e efeito entre as variáveis “teste
de 9 minutos” e “predição de risco de doença cardiovascular. Como tal,
nestas condições, não é adequado adotar as definições das variáveis como

4.
Cf. VOLPATO, G. Método Lógico para Redação Científica. Botucatu: Best Writing, 2010, p. 202.
5.
Cf. Pereira, M.G. Artigos Científicos. Como redigir, publicar e avaliar. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011.

128 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


independentes e dependentes. Não há relações de dependência entre as
variáveis. Nestes casos é suficiente apenas identificar as variáveis do estudo.

15.
A presença de variáveis independentes e dependentes pode variar
conforme a estrutura do projeto de pesquisa. Há projetos com apenas uma
variável independente exercendo efeito sobre uma única dependente. Outros
podem apresentar mais de uma variável independente agindo sobre uma ou
mais variáveis dependentes. E, como mostrei em nosso terceiro exemplo,
podem ocorrer projetos que sequer apresentem relações de dependência
entre as variáveis.

Medindo as variáveis
16.
As variáveis dependentes devem poder variar sob o efeito das
variáveis independentes, Além do mais nas pesquisas quantitativas essas
variações precisam ser medidas para suportar inferências estatísticas.
Portanto, as variáveis devem apresentar-se em forma de escalas de medidas.
Foi o psicólogo Steven Stevens6 (1946) quem propôs as quatro escalas de
medida usuais: 1. escala nominal; 2. escala ordinal: 3. escala intervalar e; 4.
escalas de razão.

17.
A escala nominal é simples. Ela apenas permite nominar, categorizar
ou classificar uma variável. Exemplo: Num projeto que trata das relações
de gênero podemos classificar feminino como (1) e masculino como (2), no
entanto não podemos realizar operações aritméticas com esses valores (1 e
2). Os algarismos 1 e 2 servem apenas para identificar o grupo feminino e
masculino. A escala nominal, como veremos à frente, apenas permite análises
de frequência, moda, correlação de contingência, qui-quadrado e teste de
Fischer.

Steven Stanley. On the Theory of Scales of Measurement. Science, New Series, Vol. 103, No. 2684, pp. 677-
6.

680. American Association for the Advancement of Science, 1946.

O desafio da iniciação científica 129


18.
Escala ordinal classifica as variáveis conforme a ordem que ocupam
num determinado atributo. Permite operações do tipo maior, menor, igual.
Não há equidistância entre os valores da ordem. Exemplo: Classes
econômicas. Podemos classificar os membros de uma comunidade em muito
pobre (1), pobre (2); média (3); rica (4) e muito rica (5). Todavia, esses
algarismos servem apenas para classificar numa determinada ordem.
Sabemos que a classe mais rico (5) tem mais posses que a classe rico 4.,
que tem mais posse que a classe média 3. e, assim por diante. Enfim, podemos
ordená-los, mas não podemos, operar com essas categorias (1, 2, 3, 4 e 5)
como se fossem numerais cardinais. Um bom exemplo para entender a
escala ordinal é colocar um grupo de alunos por ordem de estatura. Podemos
numerá-los do menor ao maior, todavia como não temos as medidas de
estatura, não podemos definir as distâncias (em centímetros) que separam
os alunos entre si. A escala ordinal permite utilizar medidas da mediana, o
Teste dos sinais, Teste U Mann-Whitney, Teste de Wilcoxon e Correlação
Ordinal de Spearman.

19.
Escala intervalar. Possibilita medir variáveis numericamente. Se
na escala nominal só podemos classificar as variáveis (masculino (1) feminino
(2), se na escala ordinal nós podemos classificar e ordenar os valores das
variáveis (muito pobre (1), pobre (2); média (3); rica (4) e muito rica (5), na
escala intervalar, considerando que há equidistância entre os valores (mesmo
intervalo entre os valores de medida) podemos tratar as variáveis como
valores numéricos. Em outras palavras, podemos somar, diminuir, operar
com médias e desvios padrão. Exemplo: Medida de temperatura. Sabemos
que o intervalo entre 20 e 25 graus centígrados (5 graus) é o mesmo intervalo
entre 35 e 40 graus. Há equidistância entre os valores da escala. Por isso
denominamos a escala intervalar ou de intervalos (e a escala de razão)
como escalas numéricas. A escala intervalar (e a de razão) opera com
testes estatísticos variados. Em análises descritivas opera com médias,
desvios padrão, variância, etc. Em análises inferências opera com o teste t
de Student, anova, correlação linear, etc.

130 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


20.
Escala de razão. Apresenta todas as características da escala
intervalar. Permite operar com os mesmos instrumentos de análise estatística.
Sua distinção em relação a escala intervalar é o significado do valor zero.
Na escala de razão o zero é absoluto. Indica a ausência de uma característica
ou atributo. Exemplo: quando afirmo que a temperatura é de zero graus
centígrados, este valor não indica ausência de temperatura (zero graus
centígrados indica que está muito frio). Portanto o zero é uma medida
convencional e relativa. Todavia, quando afirmo que tenho zero R$ no bolso,
o zero é zero mesmo, ou seja, não tenho nenhum centavo. Na escala de
Razão o zero representa a ausência (total) de um atributo. Um valor absoluto.

21.
Voltemos aos nossos exemplos.

1. Verificar se há associação entre níveis de atividade física e


os índices de sobrepeso e obesidade em escolares;

A variável independente: níveis de atividade física é manifesta em


escala ordinal 1. sedentário; 2. pouco ativo; 3. ativo; Muito ativo). O mesmo
ocorre com a variável dependente (1) sobrepeso e (2) obesidade).

22.

2. Comparar os efeitos de diferentes volumes de treinamento de


força nas adaptações neuromusculares dos membros inferiores
e superiores de mulheres idosas após seis semanas de
treinamento;

A variável independente: volume de treinamento de força é


caracterizada como a realização de 20 repetições em cada exercício: o
grupo 1 realizará uma única série e o grupo 2 três séries. A variável
independente portanto é categórica ou nominal grupo 1 (série única) e grupo
2 (séries múltiplas). A variável adaptações neuromusculares são
representadas pelas: 1. medidas de capacidade de produção de força; 2.
espessura muscular (distância entre tecido adiposo e o tecido ósseo medido
por ultrassom – escala de razão); ativação muscular em unidades de kg –
escala de razão) e; 4. teste funcional (o número de repetições no teste de
sentar e levantar em 30 segundos – escala de razão –).

O desafio da iniciação científica 131


23.

3. Existem valores específicos da distância percorrida no teste


de corrida/caminhada de 9 minutos a partir dos quais seja
possível identificar crianças e adolescentes com maior
probabilidade de desenvolvimento de doença cardiovascular e
seus fatores de risco?

O teste de 9 minutos é avaliado pela distância percorrida em metros


– escala de razão. As variáveis que indicam a probabilidade de doença
cardiovascular são representadas pelos indicadores de hipertensão arterial,
hipercolesterolemia e a presença de sobrepeso e obesidade. Todavia, embora
a medida de pressão arterial, níveis de colesterol total e índice de massa
corporal são realizadas usualmente em escalas numéricas, neste projeto o
que interessa ao pesquisador é identificar as crianças e adolescentes que
apresentam ou não tais indicadores de doença cardiovascular. Portanto, o
pesquisador vai tratar as variáveis como categorias (escala nominal ou
categórica). Crianças e adolescentes na zona de risco à doença
cardiovascular e crianças e adolescentes na zona saudável (sem a presença
de fatores de risco).

24.
É importante ressaltar que a definição clara das escalas de medidas
das variáveis de pesquisa constituem informações essenciais para a definição
das técnicas de tratamento estatístico.

Definição operacional das variáveis


25.
A definição operacional das variáveis é tarefa essencial na preparação
de um bom projeto de pesquisa. É uma tarefa muitas vezes mal compreendida
pelos estudantes de iniciação científica que a confundem com um conceito
extraído de algum dicionário ou livro texto. A definição operacional não se
confunde com uma definição conceitual ou com sinônimos. Como referem
Thomas, Nelson & Silverman7 a definição operacional descreve um
fenômeno observável de tal forma que permite ao pesquisador testar

Thomas, J.; Nelson, J.J. & Silvermans, S.J. Métodos de pesquisa em atividade física. 6a Ed. Porto Alegre:
7.

Artmed, 2012.

132 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


empiricamente se os resultados previstos podem ou não ser confirmados.
Exige que o fenômeno possa ser medido ou aponte critérios claros para ser
objetivamente observado.

26.
Em nosso primeiro exemplo:

1. Verificar se há associação entre níveis de atividade física e os


índices de sobrepeso e obesidade em escolares;

Definição operacional:
Níveis de atividade física: Tempo de prática de atividade física,
usando as seguintes categorias: inativo os que praticam atividades físicas
em tempo igual ou inferir 149 minutos por semana, moderadamente ativo
os que praticam entre 150 a 299 minutos por semana; ativos os que praticam
300 minutos ou mais de atividades motoras por semana.
Sobrepeso e obesidade Ocorrência de valores elevados de índice
de massa corporal (IMC) acima de 25 para sobrepeso e acima de 30 para
obesidade.

Como se pode perceber as definições operacionais oferecem padrões


claros e objetivos para definir as variáveis. Autores e pesquisadores poderão
inclusive discordar teoricamente destes critérios não obstante, serão esses
critérios que vão permitir ao pesquisador e seus críticos operar com suas
variáveis.

27.
Nosso segundo exemplo:

2. Comparar os efeitos de diferentes volumes de treinamento de


força nas adaptações neuromusculares dos membros inferiores
e superiores de mulheres idosas após seis semanas de
treinamento;

Definição das variáveis:


Treinamento de força com distintos volumes de carga:
Programas de treinamento de força com duração de seis semanas, com
duas sessões semanais estruturados com dois volumes de carga distintos:
1. 15 repetições ininterruptas e: 2. 3 séries de repetições por exercício com
intervalo de 1 minuto.

O desafio da iniciação científica 133


Adaptações neuromusculares (variáveis dependentes)
Capacidade de produção de força: desempenho no teste de força
de uma repetição máxima
Espessura muscular: distância entre tecido adiposo e tecido ósseo
obtido por meio de imagem de ultrassonografia.
Ativação muscular análise de sinais eletromiográficos durante a
realização do teste de uma repetição máxima.
Aptidão funcional número de repetições obtido no testes de sentar
e levantar em 30 segundos.

28.
Nosso terceiro exemplo:

3. Existem valores específicos da distância percorrida no teste


de corrida/caminhada de 9 minutos (pontos de corte) a partir
dos quais seja possível identificar crianças e adolescentes com
maior probabilidade de desenvolvimento de doença
cardiovascular e seus fatores de risco?

Pontos de corte para o teste dos 9 minutos distância percorrida


em 9 minutos a partir das qual é possível identificar crianças e adolescentes,
estratificados por idade e sexo, com maior probabilidade de manifestarem
níveis elevados de pressão arterial, colesterol total e índice de massa corporal.

Síntese
Neste capítulo discorri sobre as variáveis. Através de três exemplos
tratei de identificar, classificar, expressar as formas de medir (escalas de
medida) e definir operacionalmente. Tive muita preocupação com este
capítulo. Minha experiência docente revela que, destarte a relevância deste
conteúdo, ele normalmente não é de fácil compreensão para os estudantes
de iniciação científica. É comum, embora durante as aulas os alunos não
manifestem qualquer dificuldade de entendimento, que durante a
apresentação de seus projetos revelem alguma insegurança especialmente
no que se refere a definição operacional. É muito comum, os estudantes
insistirem com definições conceituais, retiradas de livros ou de dicionários.
Insisto que a clara identificação das variáveis, das relações entre elas, da

134 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


correta classificação, e da definição das escalas de medida são passos
fundamentais para uma adequada estruturação de um bom projeto de
pesquisa. As variáveis são como células que dão vida a um organismo. Elas
são controladas, manipuladas, medidas e são esses movimentos que permitem
validar ou não hipóteses, responder as questões de pesquisa, Enfim, produzir
novos conhecimentos em forma de teorias científicas.

Referências
PEREIRA, M.G. Artigos Científicos. Como redigir, publicar e avaliar.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011.
STANLEY, S. On the Theory of Scales of Measurement. Science, New
Series, Vol. 103, No. 2684, pp. 677-680. American Association for the
Advancement of Science, 1946
THOMAS, J.; NELSON J.J. & SILVERMAN, S.J. Métodos de pesquisa
em atividade física. (6a ed). Porto Alegre: Artmed, 2012.
VOLPATO, G. Método Lógico para Redação Científica. Botucatu: Best
Writing, 2010.

O desafio da iniciação científica 135


11.
O Método
Adroaldo Gaya

1.
Já definimos o objetivo da pesquisa, demarcamos o problema,
anunciamos as hipóteses ou questões da pesquisa, identificamos as variáveis
e as relações entre elas. Enfim, já temos uma ideia precisa sobre o que
queremos investigar e onde pretendemos chegar. Portanto, é hora de
decidirmos sobre os caminhos que vamos percorrer. É hora de decidirmos
sobre os procedimentos metodológicos que vamos adotar. Defino como
procedimentos metodológicos em pesquisa científica as estratégias adotadas
para responder ao problema da pesquisa e, por suposto, atingir seus objetivos.
Os procedimentos metodológicos incluem: 1. o delineamento, desenho ou
método (tema deste capítulo); 2. as abordagens metodológicas (estudos:
qualitativos, quantitativos ou mistos); 3. as técnicas de pesquisa (etnografia,
estudo de caso, experimental, quase-experimental, avaliativa, etc.); 4. a
seleção dos sujeitos da pesquisa (população, amostra); 5. os instrumentos
de coletas de dados ou informações; 6. as técnicas de tratamento dos dados
ou informações e; 7. os procedimentos éticos. Em síntese, os procedimentos
metodológicos delimitam o universo empírico da pesquisa científica.

2.
Neste capítulo vou tratar do método. Mas, proponho fazê-lo por
caminhos menos convencionais. Ao invés de discorrer sobre as diversas
técnicas de pesquisa científica, como ocorre na grande maioria dos manuais,
proponho seguir um trajeto centrado nos pressupostos lógicos que dão suporte
ao conhecimento científico. Portanto, não se trata de fornecer uma lista de
técnicas ou métodos para que o estudante simplesmente encontre, entre
tantos, aquele que sirva para enquadrar seu estudo. Este modelo, embora
recorrente, pouco colabora com a formação de um bom cientista. Pelo
contrário, ele reforça a “ditadura do método”. Uma prática onde o
pesquisador procura um tema de pesquisa que caiba nos modelos
metodológicos que conhece ou tem acesso. Absolutamente não é isso que

O desafio da iniciação científica 137


eu desejo para meus alunos. Como tenho referido ao longo deste livro, a
pesquisa deve iniciar por uma boa e criativa ideia e, só então, vamos identificar
o método adequado para realizá-la. Não é a ideia que deve se moldar ao
método, pelo contrário, é o método que deve se adequar aos objetivos do
pesquisador.

3.
Proponho percorrer nosso caminho passo-a-passo. Um caminho
planejado didaticamente para que a aprendizagem ocorra de forma a
estabelecer um raciocínio lógico que dê ao estudante a competência
necessária para selecionar os procedimentos metodológicos a partir de seus
objetivos. Enfim, vamos nos afastar da “ditadura do método”.

4.
Tenho claro que proponho uma simplificação. Todavia, é uma
simplificação didaticamente proveitosa. Vou trabalhar com definições
operacionais. Definições que nem sempre concordam com tantas e diversas
definições presentes nos livros e discursos sobre metodologia da pesquisa.
Proponho uma organização simples. Um modelo didático que baseado numa
lógica simples porém consistente torne o discurso sobre a metodologia da
pesquisa científica conciso, objetivo e consistente.

5.
Assim, destarte o risco de uma simplificação exagerada, proponho
as seguintes definições: 1. método- é o caminho, ação ou procedimento
para atender as intenção explicitas do pesquisador anunciadas em seus
objetivos (o caminho do pesquisador normalmente se manifesta na ação de:
descrever, associar ou correlacionar e, comparar) 2. abordagem do
método- a opção por modelos de análise, tratamento, descrição e
interpretação dos dados ou informações (a abordagem do pesquisador se
manifesta através de modelos: qualitativos, quantitativos ou mistos); 3.
técnicas ou estratégias do método- são os desenhos de pesquisa, são as
estratégias. É o delineamento utilizado pelo pesquisador para encaminhar
seus procedimentos investigativos (as estratégias do pesquisador são, por
exemplo: a etnografia, estudo de caso, modelos experimentais, quase
experimentais, preditivos, de avaliação, ex post facto, etc.).

138 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


6.
Na figura abaixo sugiro uma forma simples, lógica e objetiva para a
definição dos procedimentos metodológicos. 1. Na primeira linha (o método)
o estudante identifica se sua pesquisa é descritiva, correlacional ou causal.
2. Em seguida, na segunda linha ele define sua abordagem metodológica
(qualitativa, quantitativa ou mista) e, 3. por fim, na terceira linha, a partir da
definição de sua abordagem metodológica seleciona as técnicas pertinentes
(por exemplo: etnografia ou narrativa se a abordagem for qualitativa;
experimental, correlacional ou observacional se a abordagem for quantitativa
e exploratória ou descritiva sequencial ou concomitante se a abordagem for
mista.

Procedimentos metodológicos

7.
A princípio, partilho com Gilson Volpato a convicção de que são apenas
três os tipos lógicos de pesquisa científica1. 1. descritiva; 2. correlacional e;
3. causal. Embora, eu possa divergir de Volpato2 em relação à alguma
terminologia, concordo e compartilho absolutamente com a lógica que
subsidia seu pensamento.

1.
VOLPATO, G. Dicas para redação científica (3a Ed.). São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010; VOLPATO. G.
Método lógico para redação científica.
Botucatu: Best Writing, 2010; VOLPATO, G. Ciência da filosofia à publicação. (6a Ed.) São Paulo: Cultura
Acadêmica, 2013.
2.
Volpado classifica em: pesquisa descritiva; pesquisa de associação sem interferência e; pesquisa de
associação com interferência.

O desafio da iniciação científica 139


As pesquisas descritivas
8.
As pesquisas descritivas, como refere seu próprio nome, descrevem
um fenômeno. Explicitam o comportamento de uma variável. Exemplos: o
perfil do crescimento corporal da população de adolescentes e jovens
brasileiros; o significado de saúde numa comunidade indígena; prevalência
de diabetes em crianças e jovens obesos. As pesquisas descritivas em alguns
casos, podem também descrever o comportamento de duas ou mais variáveis,
todavia, isto deve ficar claro, elas não se ocupam em propor correlações ou
relações causais entre elas. Repito: as pesquisas descritivas apenas
descrevem.

9.
Não obstante, é importante salientar que alguns pesquisadores se
referem à determinados modelos de pesquisa que propõem correlações ou
relações causais entre variáveis como estudos descritivos. Normalmente
são estudos “quase-experimentais” que utilizam amostras não aleatórias.
Como as amostras não aleatórias normalmente não permitem inferências
estatísticas (induzir os resultados de uma amostra para a população -
trataremos disso nos capítulos seguintes) o pesquisador descreve seus
resultados limitando sua abrangência aos sujeitos pesquisados. Nestes casos,
o pesquisador não utiliza técnicas de estatística inferenciais, ele apresenta
seus resultados através de técnicas estatísticas descritivas fato que justificaria
a possibilidade de caracterizar sua pesquisa como do tipo descritiva. Isto
faz sentido, esta correto. Todavia, para manter a coerência lógica inerentes
aos conceitos da proposta de Gilson Volpato, não utilizarei essa interpretação.

10.
As pesquisas descritivas podem assumir abordagens metodológicas
qualitativas, quantitativas ou mistas e, como tal, podem lançar mão de
diferentes técnicas ou estratégias de procedimentos. Como veremos no
capítulo seguinte e nos procedente, as pesquisas descritivas qualitativas e
quantitativas adotam pressupostos epistemológicos distintos. Daí decorre
por exemplo: que a definição dos sujeitos da pesquisa, os instrumentos de
coleta de dados, o tratamento das informações seguem protocolos e
procedimentos diferentes. Nas pesquisa qualitativas predominam os aspetos

140 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


interpretativos. Em outras palavra, os pesquisadores qualitativos estão
preocupados em responder sobre os significados (qual o sentido?). Nas
pesquisas quantitativas predominam os aspetos propriamente descritivos.
Os pesquisadores estão mais preocupados em responder sobre os
mecanismos (como funciona?) 3. Dito de outra forma, enquanto nas
abordagens qualitativas estão necessariamente presentes as subjetividades
(a intenção do pesquisador está explícita), nas abordagens quantitativas se
pretende o grau possível de objetividade (o fenômeno pretende ser descrito
de forma a minimizar a intenção do pesquisador, ou pelo menos escondê-
la).

11.
Como veremos adiante, nas pesquisas descritivas qualitativas
utilizamos técnicas mais complexas (mais holísticas) cuja intenção é observar
o fenômeno em sua maior abrangência possível. Daí as técnicas de estudo
de caso (mini-etnografia), etnografia, fenomenologia, narrativa, etc. Há a
preocupação em explorar a realidade. As pesquisas descritivas quantitativas
são mais analíticas. Selecionam a priori com rigor as variáveis que pretende
descrever e, normalmente controlam os prováveis efeitos de variáveis
intervenientes. A preocupação é em descrever com maior rigor possível
algumas partes selecionados da realidade. Como tal, enquanto as pesquisas
descritivas qualitativas buscam vários procedimentos para construir suas
interpretação, as pesquisas quantitativas, são focadas em técnicas
estatísticas para a descrição da realidade objetiva.

As pesquisas de correlação
12.
Correlação significa relacionar juntos. É uma relação mútua entre
fenômenos ou variáveis. São variáveis que: 1. crescem no mesmo sentido
(ambas aumentam ou diminuem) ou, 2. variam em sentidos contrários (uma
aumenta e a outra diminui). Exemplos: 1. Quando aumento a velocidade da

Rüdiger Safranski na biografia de Heidegger apresenta um excelente texto sobre filosofia e ciência de onde
3.

retirei as ideias sobre: o sentido e a funcionalidade que adotei para definir as abordagens qualitativas e
quantitativas. SAFRINSKI, R. Um mestre da Alemanha, Heidegger e o seu tempo. Trad. Jorge Telles Menezes .
Lisboa: Instituto Paget, s.d., ps. 45 – 49.

O desafio da iniciação científica 141


corrida numa esteira rolante, aumenta meus batimentos cardíacos; 2.
Quando aumenta meus níveis de fadiga diminui minha capacidade de
concentração. No primeiro caso a correlação diz-se positivas, ambas
(intensidade da corrida e batimentos cardíacos) crescem (ou diminuem).
Variam no mesmo sentido. No segundo caso a correlação diz-se negativa,
enquanto a fadiga aumenta a capacidade de concentração diminui. Variam
em sentidos opostos.

13.
As pesquisas correlacionais, tal como ocorre nas pesquisas descritivas,
também podem optar por abordagem quantitativa, qualitativa ou mista. Na
abordagem quantitativa, as pesquisas utilizam técnicas estatísticas que
medem numericamente o índice de correlação (r). O “r” varia entre -1 e +1
e, quanto mais próximo o valor “r” estiver de 1 maior é o nível da correlação.
Como veremos adiante muitas técnicas estatísticas são utilizadas em estudos
correlacionais: Correlação Linear e Pearson, Ordinal de Spearman,
Canônica. Correlação múltipla, etc. Enfim! Na abordagem quantitativa a
correlação é medida numericamente por equações matemáticas.

14.
Na abordagem qualitativa, levando em conta que seu enfoque é
predominantemente interpretativo, as associações são justificadas por
argumentos teóricos e lógicos. A subjetividade é soberana. O pesquisador
propõe argumentos lógicos, baseados em teorias e hipóteses e, como tal,
anuncia (ou não) as correlações pretendidas. Não há, neste caso, ferramentas
objetivas tais como ocorre com as técnicas estatísticas na abordagem
quantitativa. Não obstante, como o pesquisador normalmente se cerca de
um conjunto alargado de informações (qualitativas), embora não disponha
de um índice numérico, a validade interna da abordagem qualitativa é forte.

As pesquisa causais
15.
As pesquisas causais em sua essência não deixam de ser
correlacionais. Todavia, elas buscam identificar na correlação entre as
variáveis algo mais. Procuram relações de causa e efeito. Ou seja, as
pesquisas causais procuram identificar se uma das variáveis exerce algum

142 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


efeito sobre a outra. Exemplo: 1. Identificar os efeitos de uma dieta
hipocalórica sobre o Índice de Massa Corporal em adolescentes obesos.

16.
Considerando que as pesquisas causais sugerem relação de causa e
efeito de uma variável sobre outra, faz sentido definirmos as variáveis das
pesquisas em pelo menos dois níveis: 1. variável que produz o efeito,
denominada de variável independente e; 2. variável que sofre o efeito,
denominada de variável dependente (ver capítulo 10). Esta relação, entre
variáveis independentes e dependentes, é relevante, posto que,
diferentemente do que ocorre das pesquisas correlacionais, nas pesquisas
causais as técnicas ou procedimentos de análise levam em conta a
possibilidade de julgar se a presença da variável independente exerce efeito
significativo na variável dependente.

17.
Abro parênteses para uma reflexão. É muito comum encontramos
em relatórios e projetos de pesquisa autores que identificam suas variáveis
como independentes e dependentes mesmo em estudos que não tratam de
relações causais. Ora, isto não está correto. Em pesquisas onde os objetivos
são descrever ou associar variáveis, portanto onde não se pretende identificar
efeitos de uma variável sobre outra não faz qualquer sentido lógico denominá-
las como independentes ou dependentes. Aliás, este procedimento é apenas
mais um testemunho de que nossa formação científica é pouco reflexiva.
Enfim, como papagaios, nós repetimos o que lemos e ouvimos de outrem
sem sequer preocuparmo-nos com o significado lógico do que estamos
reproduzindo.

18.
Nas pesquisas causais, normalmente o pesquisador propõe uma
intervenção. Ele intervém ou observa os efeitos sofridos na variável
dependente ao manipular a variável independente. Exemplo: o programa de
dieta hipocalórica (variável independente) é elaborado pelo pesquisador (ele
propõe um redução substancial de calorias na dieta dos adolescentes obesos)
e, procura medir os efeitos desta dieta sobre o Índice de Massa Corporal.

19.
As pesquisas causais são predominantemente de abordagem
quantitativa. Como veremos adiante são muitos os procedimentos e técnicas

O desafio da iniciação científica 143


estatísticas disponíveis para este fim. Todavia, considerando que a abordagem
qualitativa tem seu foco predominante na interpretação de fenômenos, é
evidente que se possa investigar relações de causa e efeito com o rigor
devido através de procedimentos argumentativos de ordem subjetiva.

Exemplo de pesquisa descritiva com abordagem qualitativa


20.

Políticas de lazer para os idosos na região do vale do Taquari:


um estudo descritivo dos grupos de convivência e bailes da
terceira idade4

O presente estudo, uma investigação de natureza qualitativa do


tipo descritiva, possui o tema das políticas públicas de lazer
para os idosos na Região do Vale do Taquari. Trata-se de uma
pesquisa realizada nos 37 municípios desta região. Procuramos
compreender, descrever e analisar as políticas, projetos e
atividades de lazer desenvolvidos para os idosos. A pesquisa de
campo teve duração de 10 meses. No primeiro momento
realizamos contato com as coordenadoras municipais dos grupos
de convivência para idosos. Neste, realizamos entrevistas semi-
estruturadas e coletamos documentos oficiais. Num segundo
momento, participamos de 8 bailes na região. Realizamos
entrevistas semi-estruturadas com coordenadores dos bailes, com
idosos participantes e registrando observações em diário de
campo. A triangulação das informações obtidas pelas entrevistas,
documentos, diário de campo e referencial teórico, permitiram
analisar, categorizar e descrever os grupos de convivência e
bailes. Sendo estes as principais atividades de lazer para os

4.
BRODT, A. Políticas de lazer para os idosos na região do vale do Taquari : um estudo descritivo dos grupos de
convivência e bailes da terceira idade. Dissertação de mestrado. Orientador: Reppold Filho, A. PPG -CMH,
UFRGS. 2004. <http://hdl.handle.net/10183/14409>.

144 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


idosos desta região. Destacamos que essas atividades são
necessidades que se criaram, e que precisam ser desenvolvidas
através de políticas públicas. O planejamento e a definição de
diretrizes municipais são fundamentais para sua continuidade.

Exemplo de pesquisa correlacional com abordagem


qualitativa
21.

Legados do ensino do esporte na escola : um estudo sobre o que


professores de educação física pensam em deixar para seus
alunos ao final do ensino médio5

Esta dissertação tem com tema central o legado do ensino do


esporte na escola. O objetivo é compreender como os professores
de Educação Física analisam sua própria trajetória com o
esporte, e que relações podem ser estabelecidas entre as
experiências adquiridas no decorrer dessa trajetória e a noção
de esporte que desejam transmitir a seus alunos na escola. O
trabalho está sustentado nos pressupostos da metodologia
qualitativa, e para dar conta da questão central, utilizo como
método a narrativa e como instrumento de pesquisa a entrevista
episódica. Estas entrevistas foram realizadas com doze
professores formados entre os anos de 1999 e 2009 e que
trabalham com o ensino médio em escolas estaduais de Porto
Alegre. Já o referencial teórico foi organizado em três capítulos
– O Esporte na/da Escola: Por uma “virada” de perspectiva na

5.
BASTOS, A.P. P. Legados do ensino do esporte na escola : um estudo sobre o que professores de educação
física pensam em deixar para seus alunos ao final do ensino médio. Dissertação de Mestrado: Orientador:
FRAGA, A.B. PPG–CMH UFRGS. 2011. <http://hdl.handle.net/10183/36109>.

O desafio da iniciação científica 145


Educação Física brasileira; Saberes Acadêmico-profissionais dos
professores de Educação Física sobre o esporte; Saberes
Experienciais: um marcador dos saberes docentes – cujas
discussões empreendidas serviram para compreender o modo
como o esporte se incorporou à trajetória de vida dos professores
formando suas concepções sobre este conteúdo da Educação
Física na escola e quais efeitos vem sendo produzidos por essa
herança no seu fazer docente. Para a construção dos pontos
analíticos, organizei inicialmente quatro grandes eixos, sendo o
último deles transversal aos demais: experiências com o esporte
anteriores à graduação; experiências com o esporte durante a
formação acadêmica; experiências com o esporte durante a
prática docente na escola; noções de esporte que os professores
desejam deixar para os seus alunos ao concluírem o ensino
médio. A partir desses eixos, foram estruturados os seguintes
pontos de análise: esporte na escola: entre o rendimento e o
“banho de sol na prisão”; b) “terceirização” como consequência
do vácuo conceitual das aulas de Educação Física na escola;
c) o conceito de teoria em esporte e a hipertrofia de um saber
fazer na graduação; d) Uni-duni-tê: organização do conteúdo
esporte nas aulas de Educação Física; e) Noções de esporte na
escola que se leva para a vida. A forma como organizei a pesquisa
e a partir das análises que empreendi me permitiram constatar
que as noções de saúde, valores, conhecimento crítico e “saber
se virar” representam o legado sobre esporte que os professores
desejam deixar para seus alunos. Entretanto, verifiquei que este
legado não é algo palpável, ou que está inscrito e visível nos
relatos de vida dos professores. Esse legado “paira” no
imaginário dos professores.

146 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Exemplo de pesquisa causal com abordagem qualitativa
22.

O impacto das mudanças sociais na ação pedagógica dos


docentes de educação física da rede municipal de ensino de
Porto Alegre: implantação e implementação do projeto Escola
Cidadã 6

Este estudo trata do impacto das mudanças histórico-sociais na


ação pedagógica dos/as docentes de Educação Física e um de
seus principais objetivos é compreender como tais mudanças
interferem na ação pedagógica dos/as docentes de Educação
Física no contexto escolar em ciclos de formação. Mudança
social e ação pedagógica, objetos de análise do estudo, são
compreendidas a partir da perspectiva do materialismo dialético.
Compreender o objeto de estudo a essa luz significa entender
que a pesquisa deve partir do sujeito concreto e histórico, em
suas ações práticas, ou seja, da ação pedagógica dos docentes
de Educação Física em seu cotidiano e em sua relação com as
mudanças que se verificam atualmente na sociedade. As
informações foram obtidas através das observações registradas
no diário de campo, ou extraídas das narrativas escritas, dos
documentos analisados e das entrevistas semi-estruturadas
realizadas durante o trabalho de campo em duas escolas da
Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre. A organização dos
espaços-tempos, visando a respeitar os tempos e os ritmos
diferenciados de desenvolvimento e aprendizagem dos/as
estudantes; a inclusão e permanência na escola dos/as estudantes

6.
DHIEL, V.R.O. O impacto das mudanças sociais na ação pedagógica dos docentes de educação física da rede
municipal de ensino de Porto Alegre: implantação e implementação do projeto Escola Cidadã. Dissertação de
Mestrado. Orientador: MOLINA NETO, V. PPG-CMH UFRGS, 2007. <http://hdl.handle.net/10183/12411>.

O desafio da iniciação científica 147


provenientes das classes populares; igualdade do tempo/horas
aulas semanais entre as diferentes áreas do conhecimento; o
trabalho coletivo e reuniões pedagógicas semanais são algumas
das mudanças que a maioria dos/as docentes de Educação Física
destacaram como significativas do Projeto Escola Cidadã
implantado na RME/POA. O modo de organização familiar, assim
como as modificações no papel socializador da família e da
escola e as novas tecnologias de informação e de comunicação
no cotidiano das pessoas e o fluxo migratório das comunidades,
onde se situam as escolas pesquisadas, são entendidas pelos/as
docentes como decorrentes das mudanças quem vêm ocorrendo
na sociedade contemporânea e que acabam interferindo, direta
ou indiretamente, na organização do cotidiano pedagógico das
escolas. O fluxo de migração, mais especificamente o
deslocamento interno de pessoas entre as diferentes regiões da
cidade de Porto Alegre, tem sido, na perspectiva dos/as docentes
de Educação Física, um dos aspectos que vem interferindo
intensamente em sua ação pedagógica e na organização do
cotidiano pedagógico da escola. O deslocamento das famílias
entre as diferentes regiões da cidade pode estar interferindo na
relação Escola-Comunidade, bem como provocando mudanças
nas relações interpessoais, tanto entre as pessoas da comunidade
como entre os/as estudantes. Do mesmo modo, esse contínuo
movimento migratório pode ser considerado como um dos
aspectos que tem dificultado concretizar a proposta de
participação no processo democrático das escolas, além de
dificultar as turmas de se constituírem como grupo. Portanto, é
possível pensar que esse movimento migratório das famílias é
um dos aspectos que tem interferido na organização do cotidiano
pedagógica das escolas, desafiando os/as docentes de Educação
Física para a necessidade de mudanças em suas ações
pedagógicas.

148 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Exemplo de pesquisa descritiva com abordagem quantitativa
23.

Motivação: um estudo realizado com a equipe de futebol


masculino da Universidade Federal do Rio Grande do Sul7

O presente estudo de caso, de caráter quantitativo, teve como


objetivo verificar as motivações que conduziram 19 (dezenove)
estudantes de sexo masculino da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul a participarem regularmente dos treinamentos e
jogos da equipe de futebol da instituição. Como instrumento de
medida, aplicou-se o “Participation Motivation Questionnaire”
– o PMQ (Gill et al., 1983). Esse instrumento foi traduzido para
o português por Serpa (1990;1992) e intitulado de “Questionário
de Motivação para Adesão Desportiva”, o QMAD. Tal
questionário é compreendido por um conjunto de 30 (trinta)
possíveis motivos referentes à adesão para a pratica desportiva.
Para responder ao questionário, cada indivíduo foi solicitado a
indicar, em uma escala de 1 (um) a 5 (cinco) (sendo 1 = nada
importante,..., 5 = totalmente importante), a relevância que tem
cada um dos itens apresentados para o assunto em análise. Os
trinta motivos deste questionário foram agrupados em oito
categorias ou dimensões motivacionais segundo a estrutura
fatorial proposta por Fonseca (1999). As coletas, consentidas
através de um termo assinado pelos participantes, foram
realizadas durante uma viagem da equipe. Observou-se que os
participantes aderiram às atividades da equipe
fundamentalmente por motivos que se relacionam com a
competição (4,18 ± 0,03). No entanto, aprofundando-se na
pesquisa, verificou-se que o item Divertimento (4,36 ± 0,68)
aparece como o mais importante dentre os demais. Esses resultados
levam a crer que apesar de um alto teor competitivo, os
participantes se sentiam bem aos estarem participando da equipe.

REBELLO, G.M. Motivação : um estudo realizado com a equipe de futebol masculino da Universidade Federal
7.

do Rio Grande do Sul. TCC de licenciatura em Educação Física. Orientador: Monteiro, A. Escola de Educação
Física -UFRGS. 2009. <http://hdl.handle.net/10183/18899.

O desafio da iniciação científica 149


Exemplo de pesquisa correlacional com
abordagem quantitativas
24.

Correlações entre a potência de salto e o desempenho na


velocidade de deslocamento em jovens jogadores de futebol8

O presente estudo teve como objetivo verificar se há correlação


entre a performance no salto vertical (força explosiva de
membros inferiores) e o desempenho no sprint de 30 metros
(velocidade de deslocamento) de jovens jogadores de futebol.
Metodologia: a amostra corresponde ao banco de dados do E.C.
São José, obtidos de forma secundária. Os atletas possuem
idades entre 12 e 13 anos, e o n amostral ficou definido em 57
sujeitos. As variáveis utilizadas do banco de dados nesse estudo
foram: potência de membros inferiores (Salto Contra Movimento
(CMJ) e a velocidade de deslocamento (Corrida de 30 metros).
Para correlacionar os índices médios obtidos nos testes de salto
e corrida de velocidade recorremos à estatística inferencial
adotando a correlação produto momento de Pearson. Resultados:
na força explosiva obtivemos como resultado dos testes: 33,5
(cm) ± 5,61; na velocidade de deslocamento 30m. 5,34 (seg) ±
0,29. Na correlação entre as variáveis encontramos um coeficiente
r = –0,479 de magnitude baixa e inversa, ou seja, quanto melhor
o desempenho na força explosiva menor o tempo na execução
do teste de velocidade de deslocamento. O coeficiente de
determinação foi de R = 0,229. Esse resultado indica que a
variabilidade da força explosiva pode ser explicada em 22,9%
pela variabilidade da velocidade de deslocamento e vice-versa.
Sendo assim, concluímos que há uma pequena parcela de
contribuição do trabalho de força explosiva de membros
inferiores para o desempenho na velocidade de deslocamento.
Devido às exigências e especificidades da modalidade é
necessário um treinamento que desenvolva essas duas
capacidades.

8.
SILVA, M. S. Correlações entre a potência de salto e o desempenho na velocidade de deslocamento em jovens
jogadores de futebol. TCC Bacharelado em Educação Física: Orientador: CARDOSO, M.F.S. Escola de Educação
Física – UFRGS. 2012. <http://hdl.handle.net/10183/70265>.

150 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Exemplo de pesquisa causal com abordagem quantitativa
25.

Efeitos da ordem de execução dos exercícios de força e aeróbio


durante o treinamento concorrente no desenvolvimento da carga
durante o treinamento de força9

O objetivo deste estudo é comparar a carga de treinamento, ao


longo do treinamento de força de 12 semanas, em dois modelos
de treinamento concorrente com a ordem invertida no
desenvolvimento da força. Foram utilizados 27 homens idosos,
14 no grupo aeróbico e força (GAF) e 13 no grupo força e
aeróbico (GFA), com idade média de 65 ± 4 anos. Durante o
treinamento de força (TF) foi anotada a maior carga realizada
ao final de cada semana do exercício extensão de joelhos (EJ) e
leg press (LP). A periodização adotada iniciou com 2 séries de
18-20 repetições progredindo para 3 séries de até 6-8 repetições,
sendo dividida em 5 mesociclos. O treinamento aeróbico iniciou
com 20min na intensidade de 80% FClim e, ao final do
treinamento, com 6 repetições de 4min com intensidade de 100%
FClim com 1min de intervalo entre as repetições. As cargas de
treino do último dia da semana foram anotadas para serem
analisadas com o 1RM pré dos indivíduos. Para análise estatística
foi adotada a ANOVA para medidas repetidas com fator grupo e
o teste de Mann-Whitney. Foi observada uma tendência de
interação significativa no desenvolvimento da carga relativa ao
teste de 1RM no exercício EJ (p = 0,056). Comparando os grupos
em cada mesociclo, o grupo GFA tendeu a ter valores relativos
maiores para o exercício EJ, no último mesociclo (p = 0,062).
Não houve diferenças entre os grupos na comparação das cargas
absolutas. Em conclusão, o fator ordem parece influenciar, ao
longo da periodização, no desenvolvimento da carga de TF em
indivíduos idosos.

9.
TRINDADE, G.T. Efeitos da ordem de execução dos exercícios de força e aeróbio durante o treinamento
concorrente no desenvolvimento da carga durante o treinamento de força. TCC bacharelado em Educação
Física: Orientador: KRUEL, L.F. Escola de Educação Física – UFRGS. 2011. <http://hdl.handle.net/101083/
39155>.

O desafio da iniciação científica 151


Exemplo de pesquisa correlacional com abordagem mista
26.

Os fatores motivacionais para a prática desportiva e suas


relações com sexo, idade e nível de desempenho esportivo10

O objetivos do estudo são: 1. propor um questionário para


identificar os fatores motivacionais de escolares entre 7 a 15
anos para a prática esportiva; 2. correlacionar os fatores
motivacionais para a prática esportiva como faixa etária, sexo
e nível de desempenho esportivo. A pesquisa foi realizada em
dois momentos distintos: 1. A criação do questionário e; 2. sua
aplicação e análise dos resultados. Para a construção do
questionário foram utilizadas abordagens qualitativas e
quantitativas (a) inicialmente, através de uma entrevista com 110
crianças solicitou-se que cada criança ou adolescente
relacionasse até 5 motivos pelos quais gostam de praticar
esportes. Por análise de conteúdo foram identificados e
categorizados 19 respostas que identificam os principais fatores
de motivação dos escolares pela práticas esportiva; (b)
posteriormente, estas 19 respostas constituíram-se em perguntas
de um questionário com escala do tipo Likerd e através de uma
análise quantitativa (análise dos componentes principais)
procedeu-se a categorizarão dos 19 fatores em dimensões. Desta
análise resultou três dimensões. As 19 respostas foram agregadas
em motivos relacionados ao desempenho esportivo (dimensão
1); à saúde (dimensão 2) e, ao lazer (dimensão 3). (c) Em
sequência avaliou-se a fidedignidade do questionário através
da técnica de teste e reteste com espaçamento de 14 dias. O
nível de fidedignidade foi de 0,94 considerado elevado. Em
conclusão o questionário “Fatores motivacionais para a pratica
esportiva de adolescentes” foi considerado um instrumento

CARDOSO, M.S. & GAYA, A. Os fatores motivacionais para a prática desportiva e suas relações com sexo,
10.

idade e nível de desempenho esportivo. Revista Perfil, Ano 2. n. 2, 1998., p. 28 a 40.

152 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


válido e fidedigno para coleta de dados sobre os principais
motivos que levam adolescentes a gostarem de praticas esportes.
2. na segunda fase aplicou-se o questionário para identificar
as correlações entre variáveis. Os resultados sugerem: 1. Sexo
masculino aumenta os níveis de motivação relacionada a
dimensão desempenho esportivo quando migram para a faixa
etária mais elevada. O sexo feminino reduz; 2. Os escolares dos
grupos educação física e esporte federado aumentam os níveis
de motivação para o desempenho esportivo quando migram para
a faixa atária mais elevado, o mesmo não se observa com os
escolares do esporte não federado; (3) os níveis de motivação
na dimensão amizade e lazer decrescem com a idade nos dois
sexos; (4) os níveis de motivação na dimensão saúde é relevante
para adolescentes dos dois sexos, nos dois grupos etários não
sendo relevante para o grupo esporte federado nos dois sexos.

Síntese
Neste capítulo introduzi os conteúdos referentes aos procedimentos
metodológicos. Reuni tais procedimentos na rubrica do universo empírico
da pesquisa científica. Neste universo habitam: 1. o método; 2. abordagens
e as técnicas metodológicas; (3) a seleção dos sujeitos da pesquisa e; (4) os
instrumentos de coleta de dados ou informações. Após a introdução limitei
a tratar do método, entendido como as intenção explicitas do pesquisador
anunciadas em seus objetivos: 1. pesquisas descritivas; 2. de correlação e;
(3) ou causais. Descrevi cada um desses métodos e encerrei o capítulo
com uma série de exemplos. Espero, embora correndo o risco de
simplificações, ter tratado do tema de uma forma didática, centrada numa
lógica de pensamento simples, clara e objetiva. No próximo capítulo
permaneço tratando dos procedimentos metodológicos discorrendo sobre
as abordagens metodológicas manifestas nos modelos de pesquisas:
qualitativas, quantitativas e mistas.

O desafio da iniciação científica 153


Referências
BASTOS, A.P. P. Legados do ensino do esporte na escola: um estudo
sobre o que professores de educação física pensam em deixar para
seus alunos ao final do ensino médio. Dissertação de Mestrado:
Orientador: FRAGA, A.B. PPG–CMH UFRGS. 2011. <http://
hdl.handle.net/10183/36109>.
BRODT, A. Políticas de lazer para os idosos na região do vale do
Taquari: um estudo descritivo dos grupos de convivência e bailes da
terceira idade. Dissertação de mestrado. Orientador: REPPOLD
FILHO. PPG- CMH-UFRGS. 2004. <http://hdl.handle.net/10183/
14409>.
CARDOSO, M.S. & GAYA, A. Os fatores motivacionais para a prática
desportiva e suas relações com sexo, idade e nível de
desempenho esportivo. Revista Perfil, Ano 2. n. 2, 1998., p. 28 a 40.
DHIEL, V.R.O. O impacto das mudanças sociais na ação pedagógica
dos docentes de educação física da rede municipal de ensino de
Porto Alegre: implantação e implementação do projeto Escola Cidadã.
Dissertação de Mestrado. Orientador: MOLINA NETO, V. PPG-CMH
UFRGS, 2007. <http://hdl.handle.net/10183/12411>.
REBELLO, G.M. Motivação: um estudo realizado com a equipe de futebol
masculino da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. TCC de
licenciatura em Educação Física. Orientador: Monteiro, A. Escola de
Educação Física -UFRGS. 2009. <http://hdl.handle.net/10183/18899>.
SILVA, M. S. Correlações entre a potência de salto e o desempenho
na velocidade de deslocamento em jovens jogadores de futebol.
TCC Bacharelado em Educação Física: Orientador: CARDOSO, M.F.S.
Escola de Educação Física – UFRGS. 2012. <http://hdl.handle.net/10183/
70265>.
SAFRINSKI, R. Um mestre da Alemanha, Heidegger e o seu tempo.
Trad. Jorge Telles Menezes . Lisboa: Instituto Piaget, s.d.
TRINDADE, G.T. Efeitos da ordem de execução dos exercícios de
força e aeróbio durante o treinamento concorrente no
desenvolvimento da carga durante o treinamento de força. TCC
bacharelado em Educação Física: Orientador: KRUEL, L.F. Escola de
Educação Física – UFRGS. 2011. <http://hdl.handle.net/101083/39155>.

154 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


VOLPATO, G. Dicas para redação científica (3a Ed.). São Paulo: Cultura
Acadêmica,2010.
VOLPATO. G. Método lógico para redação científica. Botucatu: Best
Writing, 2010.
VOLPATO, G. Ciência da filosofia à publicação. (6a Ed.) São Paulo:
Cultura Acadêmica 2013.

O desafio da iniciação científica 155


12.
Abordagens Metodológicas
Adroaldo Gaya

1.
A abordagem metodológica pressupõe a opção pelo tipo de
instrumentos de análise e interpretação que o pesquisador julga adequado
aos seus objetivos. São três as principais abordagens metodológicas: 1.
abordagem qualitativa; 2. abordagem quantitativa e; 3. abordagem mista.
Nesta capítulo, trato de caracterizá-las através de seis parâmetros que julgo
são capazes de dar visibilidade a forma como tais abordagens se distinguem1:
1. natureza da realidade; 2. finalidade da pesquisa; 3. natureza da relação
sujeito-objeto; 4. problema que investiga; 5. critérios de qualidade e; 6. análise
dos dados.

Abordagem quantitativa
2.
Natureza da realidade: Sua matriz é a filosofia positivista de Comte
(1798 – 1857); Stuart Mill (1806 – 1873); Emilie Durkheim (1858 – 1917)...
A abordagem quantitativa considera a realidade como algo externo ao
pesquisador. O objeto do conhecimento está “fora” do sujeito. O pesquisador
tem a pretensão de revelar uma realidade existente independente de sua
interpretação. Uma realidade singular, tangível e que pode ser fragmentada
e tratada através de variáveis nomotéticas. Variáveis nomotéticas são aquelas
que se manifestam diretamente ao sujeito sem a necessidade de
interpretações subjetivas. Exemplo: variáveis como estatura, peso,
velocidade, etc..., basta medi-las com estadiômetros, balanças, cronômetros
e obteremos os dados, independentemente de quem está medindo.

1. Cf. GAYA, A. Ciências do movimento humano. Introdução à metodologia da pesquisa. Porto Alegre: Artmed,
2008, ps. 51-58.

O desafio da iniciação científica 157


3.
Finalidade da pesquisa: na abordagem quantitativa normalmente
o propósito é descrever, correlacionar, comparar e, se possível inferir seus
resultados para todos os sujeitos com características semelhantes. Chama-
se este procedimento de inferência, indução ou extrapolação. Tem a
pretensão de anunciar conhecimentos “universais”. Exemplo: quando se
testa um medicamento para determinada doença, espera-se que a
demonstração científica da eficácia do produto sirva a todos os sujeitos
portadores desta doença.

4.
Natureza da relação sujeito-objeto: Na abordagem quantitativa o
pesquisador se coloca externamente ao objeto da pesquisa. Trabalha
relativamente distanciado e de forma objetiva. Exemplo: quando proponho
uma pesquisa com medidas de estatura e peso corporal, não necessito saber
quem mediu os sujeitos. Tendo a certeza que as medidas foram efetivadas
com rigor e critério, posso utilizá-las sem a necessidade de proceder a
interpretações subjetivas. Enfim, os dados de estatura e peso não dependem
de interpretações, basta medi-los criteriosamente.

5.
Problemas que investiga: a abordagem quantitativa normalmente
descreve, avalia ou validam teorias ou hipóteses através de análises
estatísticas. Suas variáveis são tratadas por procedimentos estatísticos. A
abordagem quantitativa normalmente parte de hipóteses que devem ser
submetidas a testes estatísticos de aceitação ou rejeição. Portanto, são
problemas que tratam de variáveis necessariamente nomotéticas. Exemplo:
Aplicação de gelo diminui o tempo de recuperação dos danos musculares
causados por exercícios exaustivos de força?

6.
Critérios de qualidade: na abordagem quantitativa se estabelece
critério rígidos de validade, fidedignidade e objetividade de seus instrumentos
de coletas de dados, tendo em vista, a adequada possibilidade de inferências
estatísticas de seus resultados. Exemplo: nos diversos estudos sobre
motivação para práticas de atividades físicas e esportivas realizados por

158 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Balbinotti e col2., houve, por parte dos pesquisadores, trabalhos preliminares
rigorosos para a construção de um inventário de motivação que fosse válido,
e fidedigno. Só então as diversas pesquisas descritivas e correlacionais
sobre motivação foram desenvolvidas pelo seu grupo de estudos.

7.
Instrumentos de coleta de dados: a abordagem quantitativa
baseia-se em instrumentos de coleta de dados que implicam na codificação
desses dados pelo processo de quantificação. São medidas, testes,
questionários, observações cujos dados são passíveis de tratamento
estatístico. Exemplos: uma bateria de testes de aptidão física; um
questionário de auto-imagem; medidas de Índice de Massa Corporal, Grade
de observação de atitudes de professores, etc.

8.
Análise dos dados: na abordagem quantitativa evidentemente se
utiliza procedimentos estatísticos para explicitar de forma objetiva as
descrições, as correlações ou comparações.

Exemplo de um estudo com abordagem quantitativa.


9.

Efeitos da imersão no meio líquido na recuperação de exercício


físico anaeróbico sobre o desempenho e o comportamento de
parâmetros fisiológicos de atletas3

Introdução: Existem dúvidas quanto à validade da utilização da


imersão no meio líquido como recurso para acelerar o período

2. BALBINOTTI, M.A.; BALBINOTTI, C.A ; BARBOSA, M.L.L; SALDANHA, R. P. Estudos fatoriais e de consistência
interna da Escala Balbinotti de Motivos à Competitividade no Esporte (EBMCE-18). Motriz: Revista de Educação
Física (Online), v. 17, p. 318-327, 2011.
3. COERTJENS, M. Efeitos da imersão no meio líquido na recuperação de exercício físico anaeróbico sobre o
desempenho e o comportamento de parâmetros fisiológicos de atletas. Dissertação de Mestrado. Orientador:
KRUEL, L.F. PPG-CMH, UFRGS, 2007.

O desafio da iniciação científica 159


de recuperação passiva após a realização de exercícios
anaeróbicos. Objetivo: Verificar se a imersão no meio líquido
em diferentes temperaturas acelera a recuperação de variáveis
fisiológicas após exercício anaeróbico e melhora o desempenho
físico subseqüente. Métodos: 16 ciclistas e 5 triatletas treinados
do sexo masculino (idade: 26,9 ± 5,8 anos, massa corporal:
72,3 ± 7,9 kg e estatura: 175,7 ± 7,7 cm) foram convidados
para três visitas ao laboratório. Em cada visita foram realizados
dois Testes de Wingate (TW) em cicloergômetro seguidos por
recuperação passiva que poderia ser fora da água, imerso a
20ºC ou a 40ºC com duração de 10 minutos. Para cada visita
foi realizado um tipo de recuperação previamente randomizado.
Valores de constante de tempo (CT), média do último minuto de
recuperação (Média_10min) e área foram calculados para
variáveis ventilatórias consumo de oxigênio (VO2), produção
de dióxido de carbono (VCO2), volume expirado (VE), taxa de
troca respiratória (TTR) e freqüência cardíaca (FC). Amostras
de sangue foram coletas para análise do lactato [LAC] sangüíneo
em intervalos de 2 min. Valores de pico de potência (PP), potência
média (PM), trabalho total (TT) e índice de fadiga (IF) foram
coletados durante os TWs para avaliação do desempenho. Uma
ANOVA para medidas repetidas (Modelos Mistos) foi realizada
tendo-se como fatores Tipo de Recuperação, Teste e Tempo.
significativamente (p < 0,05) a Média_10min (VO2 +16%, VCO2
+10%, VE +14%, FC +15%), os valores de área (VO2 +31%,
VCO2 +21%, VE +20%, FC +22%) e CT_VO2 (+18%), mas
diminuiu os valores de CT_FC (–37%). O [LAC] não apresentou
diferenças entre os tipos de recuperação. A imersão a 20ºC
deteriorou em 2,4% os níveis de potência e melhorou em 2,2%
na água a 40ºC (p < 0,01). Conclusão: Enquanto a utilização
da imersão durante curtos períodos de recuperação de exercício
anaeróbico retardou a recuperação fisiológica, do ponto de vista
do desempenho, trouxe melhorias na água quente e deterioração
na água fria.

160 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Abordagem qualitativa
10.
Natureza da realidade: Sua matriz filosófica é o existencialismo de
Husserl (1859 - 1938), Heidegger (1889 – 1976), Sartre (1905 – 1980)... .
Na abordagem qualitativa, diferente da abordagem quantitativa que, como
vimos, considera a realidade como algo externo ao pesquisador, singular,
tangível e que pode fragmentar-se em variáveis, na abordagem qualitativa
a realidade é subjetiva, múltipla e holística. Na abordagem qualitativa a
realidade é algo que se constrói, não é um dado objetivo que desvelamos da
natureza ou sociedade4. Exemplo: estudar o sentido atribuído ao corpo numa
comunidade de doentes de leucemia, não é algo que se possa fazer através
de um teste, ou da observação de atitudes estereotipadas. É necessário que
o pesquisador permaneça o tempo necessário para que possa interpretar
adequadamente os discursos, as atitudes, os sentimentos, etc..., dos sujeitos.
O papel do pesquisador é essencial. Não pode delegar tarefas à terceiros.
É ele que vai interpretar as informações e construir as variáveis (construtos)
que delineiam a realidade que se pretende investigar.

11.
Finalidade da pesquisa: Na abordagem qualitativa, além de
identificar, descrever e associar variáveis as pesquisas com abordagem
qualitativa pretendem interpretar os significados. Dar sentido aos fenômenos
que investiga.

12.
Natureza da relação sujeito-objeto: Na abordagem qualitativa o
pesquisador é quem configura o objeto de estudo. O pesquisador não se
situa externamente ao objeto ele o concebe. Ele interage criando suas
categorias de análise e delineando a realidade que investiga. Na abordagem
qualitativa, diferentemente da quantitativa, o pesquisador não descobre ou
desvenda a realidade objetiva, ele constrói subjetivamente seu universo

4. Daí a preocupação que devemos assumir com a terminologia em nossos projetos. Por exemplo: deveríamos
evitar nas abordagens qualitativas a expressão coleta de dados e substituí-las por informações; evitar, da
mesma forma a expressão variáveis e substituir por construtos, população e amostra, substituir por sujeitos da
pesquisa.

O desafio da iniciação científica 161


empírico. Exemplo: quando proponho uma pesquisa sobre o significado de
corpo, saúde e estética numa comunidade Punk, necessariamente terei de
conviver com essa tribo urbana. Observar seus ritos, perceber seu discurso,
perceber seus hábitos de vida, os cuidados com o corpo, sua forma de
vestir, etc. Daí então, eu poderei delinear um quadro passível de permitir
que eu possa atingir os objetivos de minha pesquisa. Enfim, não posso delegar
esta tarefa a outrem.

13.
Problemas que investiga: Na abordagem qualitativa os problemas
a investigar são aqueles que se enquadram nos modelos hermenêuticos,
interpretativos. Estão associados às necessidades dos grupos sociais cujos
propósitos referem-se à compreensão de determinadas situações,
normalmente sob o ponto de vista dos sujeitos ou atores envolvidos.

14.
Critérios de qualidade: Na abordagem qualitativa o critério de
qualidade centra-se fundamentalmente na credibilidade do pesquisador. Sua
capacidade e competência, mais ou menos subjetiva, em interpretar os
fenômenos que propõe investigar.

15.
Instrumentos de coleta de informações: a abordagem qualitativa
retira informações através de observações, entrevistas, registros de campo,
conversas informais, análise de documentos, de imagens, etc. São
instrumentos que normalmente possibilitam informações diversas e que
através da análise de seus conteúdos possibilitam a configuração de
categorias ou construtos que, por fim, constituem as peças que retiradas do
universo empírico, permite ao pesquisador desenhar suas conclusões.

16.
Análise das informações: nas pesquisas qualitativas, coerente com
sua filosofia de cunho hermenêutico, as análises são predominantemente
interpretativas. Exige algumas etapas diferenciadas como: redução por
análise de conteúdo, delimitação de categorias de análises, representação,
validação e interpretação dos fenômenos observados.

162 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Exemplo de um estudo com abordagem qualitativa.
17.

Formação permanente e suas relações com a prática do


professor de educação física na Secretaria de Esportes,
Recreação e Lazer de Porto Alegre5

Este estudo tem por tema a formação permanente de professores


de educação física da Secretaria Municipal de Esportes,
Recreação e Lazer de Porto Alegre, bem como as relações desta
formação com a prática deste coletivo docente. Esta investigação
focaliza os significados atribuídos por estes professores a sua
formação permanente na relação com o cotidiano de suas
práticas pedagógicas, tendo em vista as características
institucionais onde se realiza: de espaço de atuação não escolar
como praças, parques, centros de comunidade, ruas, associações
comunitárias; bem como a grande diversidade de campos de
atuação deste professorado que tem no lazer, no esporte e em
ações ligadas à promoção da saúde os instrumentos de sua
intervenção, nos seus vieses educativos, competitivos e ou lúdicos.
A pergunta que sintetiza o problema de investigação e orienta
as decisões metodológicas é: Quais significados o professorado
de educação física da Secretaria Municipal de Esportes,
Recreação e Lazer de Porto Alegre atribui ao seu processo de
formação permanente e que impactos este processo produz no
cotidiano de sua prática pedagógica? Para responder a esta
questão realizei entrevistas semi-estruturadas, analisei
documentos do período que vai de 1989 até 2009; com o mesmo
intento, utilizei as observações e registros do diário de campo
sobre as situações de formação promovidas pela instituição e

5. SCHAFF, I. A. B. Formação permanente e suas relações com a prática do professor de educação física na
Secretaria de Esportes, Recreação e Lazer de porto Alegre. Dissertação de mestrado. Orientador: MOLINA
NETO, V. PPGCMH – UFRGS, 2010.

O desafio da iniciação científica 163


do cotidiano das práticas dos professores de educação física
desta secretaria, que permitissem a construção de quadro de
análise e interpretação sobre o material coletado. O processo
analítico apontou para algumas categorias significativas para
a compreensão de práticas docentes e do papel que a formação
permanente ocupa na sua sustentação e na superação dos
desafios e contradições presentes nestas práticas. Uma destas
categorias situa-se no não-lugar do espaço público da secretaria
– a possibilidade e a expectativa de uma ação educativa em
espaços que não parecem claramente associados aos
significados da instituição escolar Desta decorre uma outra,
situada no próprio sujeito do estudo: o “ser-não ser” do
professor desta instituição – as tensões e contradições na
construção de uma identidade docente – manifestas em trajetos
de aproximação à cultura escolar ao mesmo tempo que elenca
as peculiaridades distintivas do seu fazer educativo. Articulada
às anteriores, a categoria de um personalismo e de uma
fragilidade das políticas de formação profissional da secretaria
parecem apontar para um papel ao mesmo tempo central desta
para construção da identidade e de um referencial para as
práticas dos professores, mas contraditoriamente, na sua
ausência, a distribuição dispersa dos recursos humanos e o seu
isolamento nos diversos espaços da cidade permitem uma
sobrevivência que supera a existência de uma proposta
políticopedagógica Uma idéia central sugerida pelo estudo é
que a proposta de formação permanente, enquanto compromisso
da instituição, tenha um caráter definidor de uma identidade
docente, articuladora de sujeitos e ações e que permita superar
fragilidades temporais e ideológicas das questões político-
partidárias – o estudo aponta para a importância de uma
estrutura de formação permanente, centrada nas experiências
dos professores: espaços e tempos de compartilhamento de êxitos,
de busca coletiva de superação de dificuldades e contradições.

164 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Abordagem mista
18.
Natureza da realidade: sua matriz filosófica é o pragmatismo de
Charles Peirce (1839 – 1914), William James (1841 – 1910), John Dewey
(1859 – 1952). As pesquisas com abordagem mista decorrem da
necessidade de reunir dados quantitativos e informações qualitativas num
mesmo projeto. Segundo John Creswell6, o conceito de reunir diferentes
métodos provavelmente teve origem em 1959 com Campbell e Fiske em
psicologia. O pressuposto é de fazer convergir a abordagem quantitativa
com a qualitativa com o intuito de minimizar as limitações de uma e outra.
Dados nomotéticos oriundos das análises objetivas são relacionados às
informações ideográficas das análises subjetivas. Portanto, com a abordagem
mista se aumenta a complexidade na configuração da realidade investigada.
Exemplo: Num estudo sobre fatores de motivação para a prática esportiva
de crianças e jovens, os pesquisadores7 recorreram inicialmente a um estudo
qualitativo através de entrevistas a um grupo de adolescentes. Recolheram
as opiniões dos adolescentes e identificaram, por análise do discurso, quais
os motivos mais relevantes para a participação de programas esportivos.
Posteriormente, a partir dessas informações, criaram um questionário com
escala tipo Lickert com 19 perguntas e trataram de validar empiricamente
este questionário por abordagem quantitativa (análise fatorial exploratória e
confirmatória). Por fim, o questionário com validade empírica demonstrada
foi aplicado a uma amostra de 120 escolares da Porto Alegre com o intuito
de identificar, por abordagem quantitativa, os níveis dos principais fatores
motivacionais para a prática esportiva em adolescentes de Porto Alegre.

19.
Finalidade da pesquisa: Como anunciei no parágrafo anterior a
abordagem mista tem como finalidade fazer convergir as abordagens
quantitativas e qualitativas com o intuito de superar as limitações de uma e
outra. A abordagem mista, como tal, assume uma perspectiva de maior
complexidade organizacional.

6. CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa. Métodos qualitativo, quantitativo e misto. (2 Ed.). Porto Alegre: Artmed-
Bookman, 2007.
7. GAYA, A. & CARDOSO, M. Os fatores motivacionais para a práticas desportiva e suas relações com o sexo,
idade e níveis de desempenho esportivo. Revista Perfil, ano2, n. 2, p. 40 a 52. 1998.

O desafio da iniciação científica 165


20.
Natureza da relação sujeito-objeto: Considerando que a
abordagem mista tem matriz epistemológica no pragmatismo, é inerente à
sua natureza a subversão da noção tradicional de conhecimento (ver capítulo
2). Portanto, na abordagem mista o conceito de verdade deixa de ser a
concordância do pensamento com o objeto para dar lugar ao conceito de
utilidade .
O homem não é essencialmente um ser teórico ou
pensante; seu conhecimento recebe o sentido e o valor
de seu destino prático. A sua verdade consiste na
congruência dos pensamentos com os fins práticos do
homem em que aqueles resultem úteis e proveitosos para
o comportamento prático deste (HESSEN, 1987)8.

Assim, portanto, na abordagem mista desfaz-se a dicotomia sujeito-


objeto. Simplesmente não interessa onde está a origem do conhecimento.
O que realmente interessa é se os resultados da pesquisa tem utilidade
prática.

21.
Problemas que investiga: A abordagem mista pesquisa problemas
que estão intimamente relacionados com as necessidades de resolver
problemas práticos. Propor soluções úteis para problemas concretos.

22.
Critérios de qualidade: Na abordagem mista a qualidade da pesquisa
decorre de sua capacidade de propor alternativas solução de problemas
reais.

23.
Instrumentos de coleta de dados: A abordagem mista utiliza
instrumentos de acordo às necessidades do projeto. Instrumentos,
independente de terem origem em abordagem quantitativa: testes,
questionários, dados de experimentos, etc.; ou qualitativa: entrevistas,
observações; cadernos der campo, etc., podem ser utilizados.

8. HESSE, J. Teoria do conhecimento. Coimbra: Arménio-Amado, 1987, p. 51.

166 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


24.
Análise dos dados: Na abordagem mista a análise dos dados e
informações assume, evidentemente, pressupostos das abordagens
qualitativas e quantitativas.

Exemplo de um estudo com abordagem mista


25.

Estudo da valoração da paisagem e preferencias paisagísticas


no município da Penha – SC9

Uma vez que a transformação do meio é inevitável, o estudo da


paisagem vem sendo reconhecido e valorizado como forma de
subsidiar o planejamento de uso e ocupação do solo,
diagnósticos ambientais e análises de impactos, planos de
manejo e de desenvolvimento turístico e políticas que visem a
proteção dos atributos paisagísticos. O presente trabalho, através
da utilização do Método Misto de Avaliação da Qualidade Visual
da Paisagem, objetivou obter a valoração e análise das
preferências paisagísticas no Município da Penha, situado no
litoral norte de Santa Catarina, Brasil. Pela avaliação direta
foram entrevistadas cento e cinquenta pessoas, em diversas
categorias, que valoraram cinquenta fotografias representativas
da área estudada em classes de qualidade (muito alta, alta,
média, baixa e muito baixa). Das médias das avaliações e das
medições das variáveis ambientais existentes nas fotografias,
obteve-se modelos de análise de regressão linear múltipla para
cada categoria e para todos os valoradores. Constatou-se uma
grande concentração de valores nas classes média e alta. A
unidade paisagística (homogênea) Praias e Costões recebeu
maiores valorações, sendo que as paisagens (cenas) contendo
ambientes conservados e de beleza cênica natural foram os mais

9. Marenzi, R. C. Estudo da valoração da paisagem e preferencias paisagisticas no municipio da Penha – SC.


http://hdl.handle.net/1884/29020. Acesso: 05/10/2013.

O desafio da iniciação científica 167


apreciados. Com relação à importância das variáveis nas
preferências visuais, a variável Água apresentou maior peso
positivo, enquanto a variável Solo Exposto recebeu o maior peso
negativo. O método apresentou-se adequado para este tipo de
estudo, fornecendo importantes informações a respeito da
qualidade da paisagem da Penha e da percepção paisagística
de seus usuários, propiciando conhecimentos científicos que
poderão auxiliar no planejamento e proteção dos recursos do
município.

Síntese
Neste capítulo tratei das abordagens metodológicas. Definidas como
a opção pelo tipo de instrumentos de análise e interpretação que o
pesquisador julga adequado aos seus objetivos. Considerei as três principais
abordagens metodológicas: 1. abordagem qualitativa; 2. abordagem
quantitativa e; 3. abordagem mista. Discorri sobra cada uma das abordagens
caracterizando-as através das seguintes categorias de análise: 1. natureza
da realidade; 2. finalidade da investigação; 3. natureza da relação sujeito-
objeto; 4. problemas que investiga; 5. critérios de qualidade; 6. instrumento
de coleta de dados ou informações e; 7. análise dos dados ou informações.
Por fim, apresentei exemplos de pesquisas com abordagens quantitativas,
qualitativas e mistas.

168 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Referências
BALBINOTTI, M.A.; BALBINOTTI, C.A ; BARBOSA, M.L.L;
SALDANHA, R. P. Estudos fatoriais e de consistência interna da Escala
Balbinotti de Motivos à Competitividade no Esporte (EBMCE-18).
Motriz: Revista de Educação Física (Online), v. 17, p. 318-327, 2011.
COERTJENS, M. Efeitos da imersão no meio líquido na recuperação
de exercício físico anaeróbico sobre o desempenho e o
comportamento de parâmetros fisiológicos de atletas. Dissertação
de Mestrado. Orientador: KRUEL, L.F. PPG-CMH, UFRGS, 2007.
CRESWELL, J. W. Projeto de pesquisa. Métodos qualitativo, quantitativo
e misto. (2 Ed.). Porto Alegre: Artmed- Bookman, 2007.
GAYA, A. Ciências do movimento humano. Introdução à metodologia
da pesquisa. Porto Alegre: Artmed, 2008.
GAYA, A. & CARDOSO, M. Os fatores motivacionais para a práticas
desportiva e suas relações com o sexo, idade e níveis de desempenho
esportivo. Revista Perfil, ano2, n. 2, p. 40 a 52. 2998.
HESSE, J. Teoria do conhecimento. Coimbra: Arménio-Amado, 1987.
MARENZIE, R. C. Estudo da valoração da paisagem e preferencias
paisagisticas no municipio da Penha – SC. http://hdl.handle.net/1884/
29020. Acesso: 05/10/2013.
SCHAFF, I. A. B. Formação permanente e suas relações com a prática
do professor de educação física na Secretaria de Esportes,
Recreação e Lazer de porto Alegre. Dissertação de mestrado.
Orientador: MOLINA NETO, V. PPG-CMH, UFRGS, 2010.

O desafio da iniciação científica 169


13.
Principais delineamentos metodológicos para
pesquisas com abordagem quantitativa do tipo
ex post facto.
Adroaldo Gaya

1.
Neste capítulo e no seguinte apresento os mais importantes
delineamentos para pesquisas quantitativas. Vou fazê-lo classificando-os em
dois grupos: 1. delineamentos do tipo ex post facto ou prospectivo (neste
capítulo) e 2. delineamentos do tipo experimental (nos capítulos seguintes).

2.
As pesquisas do tipo ex post facto se caracterizam, como define o
próprio nome, pela observação, enumeração, associação e ou comparação
de fatos que já ocorrem. Nas pesquisas descritivas, por exemplo: quando o
pesquisador desenha o padrão de crescimento corporal de uma população
ele apenas mede, enumera e desenha o perfil da estatura, do peso corporal,
da envergadura. Não há qualquer interferência nos fatores de crescimento.
O mesmo ocorre em pesquisas de associação, por exemplo, quando o
pesquisador pretende identificar se há correlação entre consumo de bebida
alcoólica e morte por acidentes viários. O pesquisador recorre aos registros
de trânsito, identifica as mortes por acidente, consulta o laudo do médico
legista para a ingestão de bebida alcoólica e mede para ver se há correlação
entre ambos. Em pesquisas comparativas, onde se pretende identificar
relações de causa e efeito, também é possível valer-se de pesquisa ex post
facto. Por exemplo: se o pesquisador pretende verificar se programas de
exercícios físicos sistemáticos tem efeitos sobre a autoimagem em idosos
ele pode recorrer a um grupo de idosos treinados que participam de programas
de exercícios físicos em academias, medir os níveis de auto-imagem e

O desafio da iniciação científica 171


comparar com outro grupo de idosos sedentários. Em todos esses casos,
não há interferência do pesquisador nas variáveis da pesquisa, os prováveis
efeitos já ocorreram.

3.
No segundo grupo, pesquisas do tipo experimental, situam-se os
delineamentos onde o pesquisador intervém efetivamente sobre a realidade.
Ele manipula algumas variáveis (as independentes), mede seus efeitos sobre
outras variáveis (dependentes) e ainda, controla os possíveis efeitos
indesejados provenientes de outro conjunto de variáveis que possam interferir
nos resultados de seu experimento (intervenientes). Como define Amâncio
Costa Pinto (1990), na pesquisa do tipo experimental há a observação objetiva
de fenômenos que são forçados a ocorrer numa situação controlada, em
que um ou mais fatores são manipulados, enquanto os restantes são
controlados ou mantidos sob condições constantes. Exemplo: os efeitos da
ingestão de bebidas alcoólicas na performance em testes de habilidades de
precisão. Ora, para o pesquisador concluir se a ingestão de bebida alcoólica
interfere no desempenho do testes de precisão ele necessita reunir um grupo
homogêneo de sujeitos, separá-los em dois subgrupos e: 1. ao grupo experi-
mental oferecer de forma controlada e metódica doses de bebidas alcoólicas
e medir, através de um teste padrão de precisão, os resultados desse grupo;
2. medir o desempenho no teste de padrão de precisão do subgrupo controle
(grupo que não ingeriu bebida alcoólica) e; 3. comparar os resultados no
teste de precisão entre os grupos experimental e controle; 4. todavia, para
que o experimento seja bem convincente, o pesquisador precisa controlar os
efeitos de variáveis que (não sendo a ingestão de álcool) possam interferir
no teste de precisão (estresse físico ou psicológico, falta de sono, condições
de realização dos testes, etc.). Como se pode concluir nas pesquisas do tipo
experimental a participação do pesquisador é ativa e efetiva. Ele manipula,
mede e controla as variáveis de sua pesquisa.

172 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Delineamentos para pesquisas do tipo ex post facto
Pesquisa descritiva
4.
As pesquisa descritivas são pesquisa ex post facto. Vou sugerir dois
tipos principais de delineamentos: 1. pesquisa exploratória; 2. pesquisa
descritiva propriamente dita.

Pesquisa exploratória
5.
A pesquisa descritiva com delineamento exploratório caracteriza-se
como um estudo preliminar. Seu objetivo é permitir que o pesquisador se
familiarize com o fenômeno que pretende investigar. A pesquisa exploratória
pode ser realizada através de diversas técnicas, todavia, geralmente coleta
dados de um grupo pequeno de sujeitos, o que permite ao pesquisador
identificar o seu objeto de estudo com mais precisão.
Uma pesquisa exploratória, pode realizar-se através: 1. de
levantamento bibliográfico (metanálise, por exemplo); 2. através de
questionários ou entrevistas; 3. observações sistemáticas; 4. através da
aplicação de testes; 5. através da análise de imagens, etc. As pesquisas
exploratórias visam proporcionar uma visão geral de um determinado fato,
do tipo aproximativo. O objetivo desse tipo de estudo é procurar padrões,
ideias ou hipóteses. As técnicas tipicamente utilizadas para a pesquisa
exploratória são estudos de caso (quantitativos ou mistos), observações ou
análise de comportamentos ou atitudes. Exemplo: evidenciar os hábitos de
alimentação, de trabalho e lazer de uma comunidade indígena afastada dos
agregados urbanos. As pesquisas exploratórias quantitativas valem-se de
estatística descritiva, normalmente através da enumeração da prevalência
ou ocorrência de determinados fenômenos.

6.
Proponho uma analogia. Imaginem que ao entrar numa sala
desconhecida as luzes estejam apagadas e temos muito pouca visão.

O desafio da iniciação científica 173


Certamente, entraremos devagar, provavelmente arrastando os pés, tateando
paredes em busca do receptor da luz, com as mãos à frente para evitar
esbarrar em um qualquer obstáculo. Como tal, vamos entrando na sala com
muito cuidado. No escuro, não podemos descrever com clareza como é a
sala, onde estão os móveis, o interceptor da luz, etc. Portanto, vamos
explorando o ambiente e tentando levantar dados sobre ele (cadeiras, tapetes,
mesas, armários, quadros, etc.). Esses dados nos permitem elaborar hipótese
sobre como se configura a sala. Todavia, não poderemos descrevê-la com
exatidão porque não visualizamos claramente os objetos. É, mais ou menos
assim que ocorre num estudo exploratório. Não temos visão clara do que
poderemos encontrar no caminho, vamos explorando o ambiente e propondo
conjecturas ou hipóteses. Diferente seria adentrar à sala com as luzes
acessas. Evidentemente, poderíamos imediatamente descrevê-la em detalhes,
pois temos a clara visão de seu interior. Neste caso, com a visão clara da
configuração da sala sequer precisamos sugerir hipótese, basta descrever o
ambiente que se mostra claramente à nossa frente. É mais ou menos assim
que ocorre numa pesquisa propriamente descritiva.

Pesquisa descritiva (propriamente dita)


7.
O delineamento da pesquisa descritiva, tem por objetivo identificar e
medir ações, comportamentos e atitudes com o intuito de configurar uma
descrição objetiva e, mais ou menos, precisa de determinados fenômenos
numa determinada realidade. Diferentemente do delineamento exploratório,
o descritivo propriamente dito, tem, a partida, clareza sobre as variáveis e os
fenômenos que pretende enumerar e descrever. Utiliza questionários,
entrevistas, observações, testes para descrever seu objeto de análise. Na
pesquisa descritiva o pesquisador procura perceber, com o necessário cuidado
(sem interferir), a frequência com que ocorre ou prevalece determinado
fenômeno num determinado contexto.

174 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


8.
Os delineamentos descritivos podem assumir perspectivas temporais
distintas: 1. o delineamento pode descrever um fenômeno de forma genérica
num determinado tempo ou; 2. o delineamento pode descrever o
desenvolvimento de um determinado fenômeno ao longo de um período de
tempo. Exemplo: vou a uma determinada escola e, neste dia meço a estatura
das crianças entre 6 a 12 anos de idade: 1. posso simplesmente apresentar
dados descrevendo quantas crianças foram medidas, qual a média e o desvio
padrão das idade estratificadas por sexo e faixa etária, etc.; 2. todavia, eu
poderia ter outro objetivo. Eu poderia me interessar em descrever como se
desenvolve o crescimento da estatura ao longo das idades entre 6 e 12 anos.
Eu poderia pretender desenhar uma curva de crescimento dos escolares
entre 6 a 12 anos. Neste caso, portanto seria um estudo descritivo de
desenvolvimento.

Pesquisa descritiva de desenvolvimento:


análise transversal e longitudinal
9.
No exemplo anterior, quando me referi ao estudo descritivo de
desenvolvimento, sugeri uma curva de crescimento da estatura entre 6 a 12
anos de idade. No entanto, cabe ressaltar que este modelo de estudo poderia
assumir duas principais possibilidades distintas. 1. Estudo transversal: onde
em uma única visita à escola, como sugeri no exemplo, eu desenharia as
curvas de crescimento da estatura dos escolares entre 6 a 12 anos; 2. Estudo
longitudinal: onde, nesse caso, eu estaria interessado em acompanhar o
crescimento dos mesmos escolares a partir dos 6 anos até os 12 anos, Assim,
eu poderia, na primeira visita medir apenas os escolares de 6 anos e, voltar
anualmente a escola, no mesmo período do ano em que avaliei pela primeira
vez e, medi-las aos 7, aos 8, 9, 10, 11 e 12 anos. Evidentemente, nesta caso,
a coleta de dados demoraria sete anos1.

1.
Outra possibilidade seria a de um modelo longitudinal misto, onde, por exemplo, eu iria a escola por quatro anos.
Deste modo e minha curva de estatura seriam compostas efetivamente pela composição de duas curvas: a
primeira com dados entre 6, 7, 8 e 9 anos, provenientes dos escolares que na primeira medida teriam 6 anos; e
a os dados entre 10,11 e 12 com escolares que na primeira coleta tinhas 10 anos. Todavia, tais modelos apresentam
muitas limitações de interpretação e de método(ver GARLIPP 2011) e são pouco recomendados.

O desafio da iniciação científica 175


Pesquisa correlacional
10.
A pesquisa correlacional estabelece associações entre variáveis,
indicando numericamente o grau (índice de correlação) representado pela
letra “r” e o sentido (positivo ou negativo) representados pelos sinais “+” ou
“–”, em que as varáveis tendem a variar conjuntamente. Vejamos alguns
exemplos:

Correlação linear positiva


11.
Vamos acompanhar o quadro seguinte:
QUADRO 13.1 Associação entre horas de treino de lances-livres e lances-livres
convertidos no basquetebol (dados fictícios)

Vamos supor que o quadro acima sugira dados de 12 atletas da equipe


de basquetebol da escola. Na primeira coluna os alunos numerados de 1 a
12, na segunda coluna o numero de horas de treino semanal de lances-livres
e na terceira coluna os arremessos convertidos numa série de 10 arremesso.
O treinador deseja saber se há relação entre o número de horas de treino e
o número de arremessos convertidos. Será que mais horas de treinamento
de lances-livres sugerem maior numero de arremessos convertidos?

176 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


12.
Ao observarmos o quadro 13.1 nos deparamos com dificuldades para
identificar com precisão se há correlação entre horas de treino e arremessos
convertidos. Se observássemos somente os três primeiros atletas até
poderíamos concluir que entre eles quem treinou mais tempo obteve melhores
resultados. Todavia, esta conclusão não se confirma no quadro geral. Por
exemplo: os atletas 4 e 5 treinaram apenas três horas e obtiveram resultados
elevados; o atleta 10 treinou apenas duas horas e converteu 9 arremessos;
o atleta 11 treinou 7 horas e converteu apenas 4 arremessos e; o atleta 12
treinou apenas 1 hora e converteu 6 lances-livres. Será que dos dados do
quadro 13.1 permitem assumir com segurança a teoria de que há uma
tendência possível de afirmar que o número de horas de treinamento está
associado ao maior número de arremessos convertidos? Bem, para que
possamos obter tal resposta precisamos medir numericamente o grau dessa
relação ou associação. Precisamos calcular o coeficiente de correlação (“r”).

13.
Todavia, ainda antes de realizarmos o calculo do coeficiente de
correlação podemos visualizar os dados do quadro 13.1 em forma gráfica.
O diagrama de dispersão é o gráfico adequado para representar correlações
entre variáveis.
GRÁFICO 13.1 Diagrama de dispersão entre arremessos horas de treino (eixo
vertical) e arremessos convertidos (eixo horizontal)

O desafio da iniciação científica 177


Podemos verificar no gráfico 13.1 que os pontos estão dispersos.
Não podermos supor que haja correlação entre as horas de treino e os
arremessos convertidos. Se tomarmos como referência a linha 6 do gráfico
veremos que os resultados dos arremessos convertidos localizam-se abaixo
ou acima do eixo independentemente das horas de treino. Portanto, este
comportamento sugere que aparentemente não há correlação entre as
variáveis horas de treino e arremessos convertidos.

14.
Entretanto, para verificar adequadamente se tal correlação existe ou
não faz-se o cálculo numérico do que denominamos de coeficiente de
correlação (“r”). O coeficiente de correlação é uma medida objetiva do
grau de associação entre variáveis. Através de técnicas estatísticas (diversas)
calcula-se o coeficiente de correlação cujo resultado varia entre +1 e –1.
Os valores mais próximos de +1 ou –1 representam maior poder de
correlação. O sinal positivo significa que há uma correlação positiva ou
direta entre as variáveis. Em nosso exemplo significaria afirmar que quanto
mais horas de treino melhor o desempenho nos arremessos convertidos. O
sinal negativo significa uma correlação negativa ou inversa entre as variáveis.
Em nosso exemplo significaria que quanto mais horas de treino menor seria
desempenho nos arremessos convertidos. Por outro lado, coeficiente de
correlação próximo a zero significaria ausência de correlação entre as
variáveis.

15.
Para calcular o coeficiente de correlação dos dados expressos no
quadro e no gráfico 13.1 vamos adotar a técnica de Correlação Linear de
Pearson2. O cálculo de coeficiente de correlação de Pearson resultou em
r = 0,14 portanto, significando um coeficiente muito próximo a zero o que,
por indução nos permite concluir que a relação entre horas de treino e numero
de lances-livres convertidas não é forte. Portanto, dessa forma aceitaríamos

2.
A correlação produto-momento de Pearson é um teste paramétrico (distribuição normal) que mede a grandeza
e a significância de uma correlação entre os resultados de duas variáveis numéricas. Pode ser facilmente consultado
em livros de estatística básica e calculado através de calculadores e de softweres de estatística correntes na
Internet.

178 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


que não faz sentido programarmos muitas horas de treino na esperança de
que nossos atletas melhorem seus desempenhos em arremessos de lances-
livres no basquetebol.

16.
Uma pergunta se torna evidente: quando devemos aceitar o rejeitar
um determinado “r”? Esta reposta depende das variáveis que estamos
investigando e de uma perspectiva teórica do pesquisador. Em alguns casos
o pesquisador poderá entender como relevante um coeficiente de correlação
moderado ou baixo, desde que haja uma conjectura teórica que justifique
sua opção. Todavia, de modo geral, pode-se adotar os seguintes critérios:
acima de 0,70 como forte correlação; entre 0,30 a 0,70 como moderada
correlação e; inferior a 0,30 como fraca correlação.

17.
Mas vamos a outro exemplo. Desta vez nosso treinador pretende
investigar se há correlação entre a capacidade de concentração e arremesso
livres convertidos. Será que maior capacidade de concentração resultam
em maior numero de arremessos convertidos?
QUADRO 13.2 Associação entre níveis de concentração e lances-livres
convertidos no basquetebol (dados fictícios)

O desafio da iniciação científica 179


Visualizemos graficamente:
GRÁFICO 13.2 Diagrama de dispersão entre capacidade de concentração
(eixo vertical) e arremessos convertidos (eixo horizontal)

No gráfico 13.2 os dados sugerem uma tendência bastante evidente.


Podemos observar que níveis mais elevados de concentração se
correlacionam com melhor desempenho nos lances livres. Se imaginarmos
um reta passando exatamente pelo centro do conjunto de pontos (reta de
regressão) obteríamos uma linha inclinada e com uma pequena dispersão
(afastamento) entre cada ponto e a reta. Isto portanto, indica que há uma
forte correlação entre as variáveis.

19.
Agora calculemos através da Correlação linear momento-produto de
Pearson o coeficiente de correlação. O resultado indica: r = 0,84, Um
coeficiente próximo a +1, portanto pode-se acreditar que há uma forte
correlação positiva entre a capacidade de concentração e acertos nos
arremessos de lance-livre. O treinador poderia, por exemplo, concluir que é
mais relevante treinar a capacidade de concentração do que perder muitas
horas repetindo arremessos.

Correlação linear negativa


20.
Mais um exemplo. Vejamos um caso de correlação negativa. Quando
o coeficiente de correlação aproxima-se de –1. Nestes casos o sinal (–)

180 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


negativo significa que as variáveis se correlacionam em sentido oposto. Ou
seja, enquanto cresce os valores de uma variável decresce o valor da outra.
Exemplo: Nosso treinador de basquetebol desta vez pretende verificar se há
correlação entre índices de fadiga e arremessos convertidos de lances-livres.
Vejamos os dado no quadro 13.3.
QUADRO 13.3 Associação entre índices de fadiga e lances-livres convertidos
no basquetebol (dados fictícios)

21.
Vejamos os dados no gráfico
GRÁFICO 13.3 Diagrama de dispersão entre índice de fadiga (eixo vertical) e
arremessos convertidos (eixo horizontal)

O desafio da iniciação científica 181


No gráfico 13.3 podemos observar que se traçarmos uma reta entre
a nuvem de pontos deduziríamos: 1. os valores estão próximos a reta (de
regressão), portanto pouco dispersos o que representaria a ocorrência de
correlação; 2. a curva é descendente da esquerda para direita significando
que a correlação é negativa. Portanto. O gráfico sugere que ao aumentar os
valores de fadiga reduz-se o desempenho no acerto dos lances livres.

22.
Vamos calcular o coeficiente de correlação linear momento-produto
de Pearson. O resultado indica: r = –0,86. Um coeficiente próximo a –1.
Portanto, confirma-se que há uma correlação linear negativa entre índice de
fadiga e lances-livres convertidos. Os resultados sugerem ao nosso treinador
que o aumento da fadiga está associada ao aumento de lances-livres não
convertidos.

Coeficiente de determinação ou variância compartilhada


23.
O coeficiente de determinação (CD) é definido pelo coeficiente de
correlação ao quadrado (r2) multiplicado por 100. O coeficiente de
determinação mede a percentagem de variância compartilhada entre
variáveis que se correlacionam entre si. Expliquemos através do exemplo
imediatamente anterior. O treinador encontrou um r = –0,86 entre níveis de
fadiga e lances-livres convertidos. O “r” indica a “força” ou magnitude da
correlação. Todavia, se o pesquisador pretende saber em percentagem o
quanto o modelo consegue explicar os valores observados entre as variáveis,
ele necessita calcular o CD elevando o “r” ao quadrado e multiplicando por
100. Portanto, (CD = –0,862 X 100 = 0,73 X 100 = 73). Enfim, obteríamos
o CD = 73 que sugere ao treinador que 73% da variação dos acertos de
lances-livres podem ser explicadas pela variação dos índices de fadiga.

Delineamento para pesquisas preditivas ou de estimativa


24.
Os delineamentos preditivos ou de estimativa caracterizam-se pela
possibilidade de estimar, através de análise de técnicas de regressão
estatística, os valores de uma variável desconhecida através do valor de

182 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


outra variável conhecida desde de que ambas as variáveis se correlacionem
entre si. Saliento que este delineamento é muito presente (mas, muito mesmo)
nas áreas das ciências do esporte, da saúde e educação física. Como tal,
vou apresentá-lo discorrendo através de um exemplo muito conhecido nas
práticas de avaliação e planejamento do treinamento aeróbio. Refiro-me ao
teste dos 12 minutos proposto por Kenneth Cooper para estimar o volume
máximo de oxigênio (VO2Máx).

25.
Cooper identificou um elevado coeficiente de correlação entre o teste
máximo de consumo de oxigênio (padrão ouro) medido em mililitros por
quilograma de peso corporal por minuto (ml/kg.min) e a distância percorrida
medida em metros num teste de corrida de 12 minutos. O quadro 13.4
apresenta os resultados em metros de 9 sujeitos no teste de 12 minutos de
Cooper e os resultados dos mesmos sujeitos num teste direto de consumo
máximo de oxigênio medido em ml/kg.min.
QUADRO 13.4 Relação entre distância em metros percorrida em 12 minutos e
VO2Máx em ml/kg.min

Fonte GAYA, 2008

26.
O gráfico 13.4 sugere a forte correlação entre as medidas do teste de
12 minutos e de consumo máximo de oxigênio r = 0,9998. Este é uma
exigência para as medidas de predição.

O desafio da iniciação científica 183


GRÁFICO 13.4 Diagrama de dispersão entre consumo de oxigênio em
ml/kg.min (eixo vertical) e distância em metros percorrida em 12 minutos

27.
Considerando atendido os pressupostos de forte correlação entre as
variáveis, para predizer uma variável a partir da outra, por exemplo: predizer
o consumo de oxigênio a partir da distância percorrida no teste de 12 minutos
utilizamos a seguinte equação:
y = a + b.x

sendo: y = variável que se pretende estimar (Volume máximo de oxigênio)


a = parâmetro ou coeficiente linear (valor de y quando x = 0)
b = parâmetro ou coeficiente angular da reta de regressão
(inclinação da reta)
x = variável preditora (distância no teste dos 12 minutos).
O cálculo do coeficiente de regressão estatística entre os dados do
quadro 13.4 no fornece os parâmetros para a equação de predição:
a = –10,78; b = 0,021 e, vamos supor que queiramos predizer o volume de
oxigênio para uma distância percorrida de 2150 metros em 12 minutos. Então
teríamos:
y = –10,78 + 0,021 x 2150 = 55,9

184 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


O resultado sugere que poderíamos prever para um atleta que percorre
2150 metros no teste de 12 minutos um consumo de oxigênio de 55,9 ml/
kg.min.

28.
Poderíamos, da mesma forma, utilizar o gráfico 13.5 para predizer a
relação entre as variáveis. Vejamos um outro exemplo: vamos supor que no
teste de 12 minutos percorri a distância de 1875. Pois bem: 1. no eixo hori-
zontal localizamos o ponto equivalente a 1875 metros; 2. traçamos uma reta
vertical até a reta de regressão; 3. traçamos uma reta horizontal da reta de
regressão até o eixo vertical; 4. localizamos o ponto de intercessão entre a
reta horizontal e o eixo vertical (34 ml/kg.min). Como tal estimamos que
correr 1875 metros em 12 minutos equivale a um consumo de oxigênio de
34 ml/kg.mim.
GRÁFICO 13.5 Regressão entre consumo de oxigênio em ml/kg.min
(eixo vertical) e distância em metros percorrida em 12 minutos

Evidentemente poderíamos seguir o sentido inverso. Se num teste de


máximo de oxigênio obtivéssemos um consumo de 34 ml/kg.min poderíamos
prever que percorreríamos 1875 metros em 12 minutos.

O desafio da iniciação científica 185


29.
Os exemplos que apresentei neste capítulo sobre os delineamentos
correlacionais e preditivos limitaram-se a análises lineares simples. Todavia,
é importante salientar, há um evidente reducionismo nesta opção. Os
delineamentos correlacionais vão muito além dessa limitada perspectiva.
Mesmo em se tratando de análise univariada há delineamentos não lineares
que tratam com dados que não se ajustam a uma reta. Há ainda as análises
de correlação e de regressão multivariadas cujos procedimentos tratam
simultaneamente com muitas variáveis. Portanto, são muitas e distintas as
técnicas de correlação e regressão, com seus diversos fundamentos teóricos
e aplicabilidade, embora a lógica e raciocínio sejam similares em todos os
delineamentos.3

Pesquisa causal
Delineamentos do tipo comparativo
30.
Os delineamentos ex post facto comparativos são similares aos
delineamentos do tipo experimental. A diferença é óbvia, nos delineamentos
ex post facto as variáveis não são manipuladas pelo pesquisador, elas já
estão presentes, preexistem na configuração do desenho metodológico.
Exemplo: Pretendo investigar se a prática sistemática de musculação tem
efeitos sobre a perda de densidade mineral óssea em mulheres pós-
menopausa. Ao optar pelo delineamento ex post facto eu poderia recorrer
a um grupo de mulheres pós-menopausa que praticam musculação
regularmente a mais de cinco anos em academias de Porto Alegre e por
densitometria óssea medir e comparar os resultados com um grupo similar
de mulheres pós-menopausa que não praticam exercícios físicos.

31.
É fato que no exemplo anterior o pesquisador busca uma relação de
causa e efeito. Ele pretende verificar se um programa regular de musculação
tem efeito sobre a densidade mineral óssea em mulheres pós-menopausa.

3.
Disponível na internet há o excelente trabalho de Lorena Vicini. VICINI, L. Análise multivariada da teoria à prática.
Monografia de Especialização. Orientador: Adriano Mendonça Souza, Santa Maria: UGSM, 2005.

186 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Todavia, os prováveis efeitos do programa de musculação preexistem na
amostra de mulheres treinadas, bem como os níveis de densidade mineral
óssea. Não foi o pesquisador que as treinou através de um determinado
programa de musculação. Ora, como tal, as pesquisas comparativas quando
comparadas com os delineamentos do tipo experimental tornam a
interpretação dos dados mais difícil, já que não é possível aplicar os controles
típicos de um experimento propriamente dito.

32.
Alguns obstáculos relacionados aos procedimentos metodológicos são
recorrentes quando se compara os estudos ex post facto e os do tipo ex-
perimental, por exemplo: 1. a alocação dos sujeitos da pesquisa entre os
grupos (mulheres treinadas e não treinadas) não é aleatória, desta forma
não se pode assegurar a probabilidade da equivalência entre os grupos para
além do fato de serem ou não treinadas em musculação por um período de
cinco anos. Muitas variáveis intervenientes não podem ser estatisticamente
controladas; 2. Esta dificuldade tem consequências relevantes na validade
em utilizar estatística inferencial (aquela que sugere para uma população o
resultado encontrado numa amostra) tendo em vista que não sendo a alocação
aleatória não se pode assegurar que os grupos não sejam diferentes de
início pela intervenção de um conjunto de outras variáveis.

33.
Todavia, os estudos comparativos com delineamento ex post facto
são úteis e, muitas vezes, se constituem em única alternativa para o
pesquisador. É necessário, todavia, que o pesquisador adote um conjunto de
cuidados essenciais para que possa garantir o controle efetivo das variáveis
intervenientes. Vou tratar disso em detalhes adiante, no capítulo onde discorro
sobre os delineamentos semi e quase-experimentais.

34.
O delineamento comparativo substitui os delineamentos do tipo ex-
perimental, permite comparar grupos de sujeitos que diferem numa variável
já presente ou existente como por exemplo: o sexo, o nível de ansiedade, de
aptidão física, diabetes, obesidade, etc. No entanto, o problema é que os
grupos podem também diferir inicialmente em outras variáveis que possam
intervir nos resultados relativos á variável dependente.

O desafio da iniciação científica 187


Síntese
Neste capítulo discorri sobre os métodos de pesquisa com abordagem
quantitativa do tipo ex post facto. Inicialmente tratei de caracterizar as
pesquisa do tipo ex post facto e do tipo experimental. Fixei-me nos modelos
ex post facto e apresentei delineamentos para os métodos: descritivo,
correlacional e causal. Nas pesquisas com método descritivo identifiquei os
modelos exploratórios e descritivos propriamente ditos. Nas pesquisas com
método correlacional discorri sobre os delineamentos de correlação linear,
fiz referência ao coeficiente de correlação linear ilustrando correlações
positivas e negativas, bem como introduzi o conceito de regressão estatística.
Salientei que os delineamentos de correlação e regressão vão além do modelo
utilizado como os modelos não lineares e várias técnicas de análise
multivariada. Por fim, tratei das pesquisas do método causal. Distingui os
modelos comparativos dos modelos experimentais e salientei os cuidados
quando ao ajustamento de variáveis intervenientes no uso de técnicas
estatísticas nos modelos comparativos.

Referências
COSTA PINTO. A. Metodologia da investigação psicológica, Porto:
Edições Jornal da Psicologia, 1990.
GARLIPP, D. Estudo descritivo dos resultados de desenhos
transversais, longitudinais e longitudinais mistos em variáveis
do crescimento somático em uma mesma população de crianças
jovens. Orientador: Adroaldo Gaya. Tese de Doutorado, PPGCMH-
UFRGS, 2011.
GAYA, A. Ciências do movimento humano. Introdução à metodologia
da pesquisa. Porto Alegre: Artmed, 2008.
VICINI, L. Análise multivariada da teoria à prática. Monografia de
Especialização. Orientador: Adriano Mendonça Souza, Santa Maria:
UFSM, 2005.

188 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


14.
Principais delineamentos metodológicos
para pesquisas com abordagem quantitativa
do tipo experimental
Adroaldo Gaya

1.
Como anunciei na capítulo anterior, reúno sob a rubrica de
delineamentos metodológicos quantitativos do tipo experimental todas as
pesquisas em que o pesquisador intervém efetivamente através de
procedimentos de manipulação e controle das variáveis que investiga. Em
outras palavras, ele manipula variáveis submetendo-as, dentro de suas
possibilidades, a um rigoroso controle experimental. O pesquisador busca
identificar relações causais entre variáveis e, para isso: 1. demarca e
caracteriza com clareza e objetividade uma ou mais variáveis (variáveis
independentes) que; 2. pressupõe possam intervir noutra ou noutras variáveis
(variáveis dependentes); 3. organiza um ambiente bem controlado (controle
da variáveis intervenientes); 4. realiza seu experimento; 5. mede os efeitos
das variáveis independentes sobre as variáveis dependentes e; 6. conclui
sobre os efeitos das variáveis independentes sobre as dependentes:

2.
Vejamos: O pesquisador pretende identificar os efeitos de um
programa de exercícios aeróbios sobre a composição corporal. Propõe um
trabalho experimental com camundongos. Como tal: 1. adquire um grupo
de camundongos transgênicos (para controlar prováveis efeitos genéticos);
2. aloca-os por sorteio (para garantir a probabilidade de que os subgrupos
mantenham-se homogêneos) em dois subgrupos (experimental e controle);
3. organiza e controla o ambiente (temperatura, umidade relativa, ruído,
exposição a luminosidade, dieta, higiene, estresse....); 4. planeja um programa
de exercícios em esteira rolante (definindo a intensidade, a duração, o
intervalo, a frequência e o período de treinamento); 5. submete um subgrupo
(o grupo experimental) ao programa de treinamento aeróbio; 6. após o período
de treinamento compara a composição corporal (mede a percentagem de

O desafio da iniciação científica 189


massa muscular, massa gorda e massa óssea) entre o grupo que se exercitou
(grupo experimental) com o que não se exercitou (grupo controle) e; 7.
conclui (através de cálculos estatísticos) sobre os efeitos do programa de
treinamento nos componentes da composição corporal (massa muscular,
massa gorda e massa óssea).

Validade interna
3.
Em nosso exemplo há um rigoroso controle experimental. O
pesquisador foi cuidadoso para garantir a validade científica de seu
experimento. Ele esforçou-se para manter sob controle as possíveis variáveis
intervenientes (diferenças intergrupos; temperatura, umidade relativa, ruído,
exposição a luminosidade, dieta, higiene, estresse....). O pesquisador pretende
ter garantias de que ao encontrar diferenças entre a composição corporal
entre os grupos experimental e controle ela se deve aos efeitos do programa
de treinamento. Enfim, o pesquisador deu forte ênfase a validade interna de
seu experimento. Define-se como validade interna de uma pesquisa os
cuidados relacionados ao controle experimental que permite aceitarmos que
os efeitos identificados sobre as variáveis dependentes são causadas
principalmente pela(s) variável(eis) independente(s).

Validade externa
4.
Mas, atenção! Até que ponto ao enfatizarmos ao máximo o controle
experimental através da maximização da validade interna não estaríamos,
por outro lado, limitando a aplicação dos resultados para situações onde as
tantas variáveis intervenientes não possam ser controladas (ambiente natural
ou ecológico)? Vamos então definir a possibilidade de generalização dos
resultados para além da situação experimental controlada por validade
externa da pesquisa. Será que os resultados da pesquisa com os
camundongos transgênicos submetidos a rigoroso controle experimental no
laboratório poderiam ser generalizadas para todos os camundongos, inclusive
os que andam soltos mundo a fora, destarte sua ampla variedade de hábitos
e sua incrível capacidade de adaptação aos mais diversos ambientes? Seriam
estes resultados identificados em camundongo aplicados aos seres humanos?

190 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Validade interna ou externa?
5.
Estamos perante um impasse? Será que quando maximizamos a
validade interna (maior o controle de variáveis interveniente) minimizamos
a validade externa (probabilidade de generalizações dos resultados)?

6.
Antes das possíveis soluções vejamos um outro exemplo
propositadamente caricato. Nos interessa verificar se o números de pênaltis
convertidos no futebol está relacionado ao nível de fadiga muscular do atleta.
Preparamos no laboratório de pesquisa um ambiente bem controlado. Sem
ruído, com iluminação, temperatura e umidade controlada, a bola é sempre
a mesma com suas dimensões e peso constantes, os testes serão realizados
no mesmo horário, exigindo-se que os atletas estejam em repouso prévio,
todos os atletas são de alto rendimento, batedores de pênaltis e do sexo
masculino, os atletas são submetidos a procedimentos padrões controlados
para provocar a fadiga muscular... Enfim tudo foi providenciado para que
apenas a variável fadiga pudesse intervir na performance dos atletas.
Portanto, cumpriu-se um sofisticado controle experimental (validade interna).
Portanto, deste modo, parece evidente que se as cobranças de pênalti
convertidos estiveram altamente correlacionados (negativamente) com os
padrões mais elevados de fadiga se possa afirmar que a fadiga interfere no
desempenho dos atletas. Maior a fadiga menor será o desempenho. A
conclusão parece bem estabelecida. O estudo tem bom controle
experimental, tem boa validade interna.

7.
No entanto, noutro cenário, considerando uma final de Copa do Mundo
com a arena lotada, público gritando, temperatura elevada, com chuva, alto
nível de ansiedade de atletas, equipe técnica e público agitado, etc., será
que o treinador (se tivesse condições de medir a fadiga muscular) escolheria
para bater um pênalti aos 45 minutos do segundo tempo de um jogo empatado
o atleta que entre seus batedores estaria menos fadigado? Será que a variável
fadiga, neste momento, seria assim tão decisiva para o treinador realizar
sua escolha? Condições mentais, a personalidade, o medo, a confiança, por
exemplo, não seriam provavelmente variáveis mais decisivas para escolher

O desafio da iniciação científica 191


o batedor deste pênalti? Em outras palavras será que a pesquisa do laboratório
(com efetiva validade interna) poderia constituir-se no exclusivo argumento
para justificar a escolha do treinador em situação real de jogo (validade
externa)?

8.
Validade interna e validade externa um aparente paradoxo. Todavia,
compartilho com Thomas, Nelson e Silverman (2012), quando afirmam que
não podemos oferecer uma reposta definitiva a esta questão. Portanto, sugiro
que se adote uma abordagem mais realista para a tomada de decisão. Sugiro
que para adequar a validade interna e externa da pesquisa o pesquisador
leve em consideração seus objetivos específicos e, principalmente, as
implicações e alcance que ele pretende atribuir aos seus resultados. Enfim,
o que será mais importante para o pesquisador: 1. a forte validade interna
de seus resultados embora a diminuta validade ecológica ou, 2. uma validade
interna menos rigorosa com maior capacidade de aplicação dos resultados?
Creio que somente após decidir honestamente sobre seu real interesse é
que o pesquisador deve planejar definitivamente sobre o seu delineamento
de pesquisa enfatizando a validade científica através da melhor opção sobre
a relação entre validade interna e validade externa. Portanto, deixo claro
que em absoluto não devemos a priori genericamente afirmar qual a melhor
opção. Depende de nossos objetivos. Por exemplo: 1. nas pesquisas mais
focadas em conhecimentos teóricos (pesquisa básica) é evidente a opção
pela maximização da validade interna; 2. nas pesquisas mais focadas em
conhecimentos práticos (pesquisa aplicada, naturalística ou ecológica) não
é possível exigir o mesmo rigor no controle das variáveis intervenientes e,
portanto, pode-se minimizar o grau de exigência da validade interna.

9.
Como tal, as decisões sobre os delineamentos metodológicos causais
do tipo experimental podem admitir diferentes níveis de validade científica
(relação entre validade interna e externa). Os delineamentos mais rigorosos,
os delineamentos experimentais propriamente ditos, são aqueles que
priorizam a validade interna. A partir da flexibilização da validade interna a
favor da validade externa serão os delineamentos quase-experimentais e
semi ou pré-experimentais os mais viáveis.

192 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Medindo à validade interna e a probabilidade de
generalização dos resultados da amostra para a população em
pesquisas com delineamentos do tipo experimental
10.
Donald Campbell e Julian Stanley (2001), autores clássicos e pioneiros
dos manuais sobre metodologia da pesquisa, sugerem oito fontes de risco à
validade interna de um delineamento do tipo experimental. Proponho uma
síntese. Vou comentar sobre algumas dessas fontes. Dou ênfase as fontes
de risco mais recorrentes: o controle da variáveis intervenientes e a medida
do tamanho ou magnitude do efeito (effec size). Vou também discorrer
brevemente sobre a probabilidade de generalização dos resultados através
das técnicas estatísticas inferências. Vou valer-me de um exemplo simples.
Sem adentrar em detalhes e definições pontuais. Tenho a pretensão de
esclarecer uma das fontes mais recorrentes de equívoco nas interpretações
dos resultados nos relatórios de pesquisa. Equívoco decorrente da indevida
interpretação sobre a função da estatística inferencial.

11.
Exemplo1:
Vinte e quatro atletas de basquete foram selecionados para um
experimento cujo objetivo era verificar o efeito do barulho ambiental sobre
o desempenho no arremesso de lances-livres.
Procedimentos para Controle de Variáveis Interveniente
1. Os 24 atletas eram todos provenientes das equipes participantes
da Liga Nacional. Ora, isto representa que o pesquisador se
preocupou em assegurar uma similaridade entre os níveis técnicos
dos atletas.
2. O pesquisador por sorteio selecionou os 24 atletas do sexo
masculino entre um total de 180 atletas das equipes participantes
da liga nacional;

1.
O exemplo foi retirado e adaptado de DANCEY, C. P. & REIDY, J. Estatística sem matemática para psicologia.
Usando SPSS para Windows. (3a ed). Tradução: Lorí Viali. Porto Alegre: Armed/Bookman, 2006, p.220. (Os dados
são fictícios, portanto os resultados não podem ser assumidos como resultado oriundos de pesquisa real).

O desafio da iniciação científica 193


3. Também por sorteio distribuiu 24 atletas em dois subgrupos de 12
(grupo experimental e grupo controle);
4. O pesquisador preocupou-se em gravar os ruídos ambientais e
forneceu a mesma gravação para todos os atletas do grupo
experimental;
5. Os testes de arremesso foram realizados no mesmo ginásio, no
mesmo dia e horário. As bolas foram calibradas com a mesma
pressão;
6. O grupo experimental executou 20 arremessos de lances livres
portando fones de ouvido que reproduziam barulho ambiental (gritos,
conversas, música, palmas, apitos, buzinas, etc...);
7. O grupo controle executou 20 arremessos de lances livres portando
fones de ouvido sem qualquer barulho (silêncio).

Os resultados do experimento estão na tabela 14.1.


TABELA 14.1 Arremessos de lances livres convertidos em duas situações
experimentais (dados fictícios)

194 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Resultados 1 (sobre a validade interna):
8. O tamanho do efeito (effect size2): Medida simples, porém
muito relevante, embora indevidamente muitas vezes
desconsiderada em relatórios científicos. O tamanho do efeito mede
a diferenças entre as médias (ou outras medidas de tendência) do
grupo experimental e controle: (TE = 7,3 –13,8 = –6,5). Em nosso
exemplo, o resultado significa que os atletas que arremessaram na
presença de ruído ambiental erraram em média 6,5 arremessos de
lances livres quando comparados com o grupo que arremessou
sem barulho ambiental. Como treinadores consideraríamos esta
diferença como significante3 para reconhecermos a relevância dos
efeitos dos ruídos ambientais nos arremessos de lances-livres4?
Em caso positivo poder-se-ia então assegurar que a variável barulho
ambiental influencia fortemente na performance dos lances livres
entre esses atletas.
Não obstante, é importante insistir que a validade interna refere-se
exclusivamente aos sujeitos da pesquisa. Aos 24 atletas avaliados. O tamanho
ou magnitude do efeito, permite afirmar que, neste grupo investigado, houve
efetivamente o efeito do barulho ambiental sobre a performance dos atletas
no arremesso dos lances livres.

Resultados 2 (sobre a probabilidade de generalização dos resultados).


Mas, os resultados encontrados entre os 24 atletas do experimento
podem ser generalizados à todos os 180 atletas de basquetebol da liga
nacional? Qual a probabilidade de certeza que podemos assumir para
generalizar os resultados da amostra para a população? Para responder tais
questões devemos utilizar técnicas estatísticas inferencias.

2.
Tratarei do conceito de tamanho do efeito (efect size) com mais detalhes no capítulo seguinte.
3
Aqui utilizo propositadamente o termo “significância” para não confundir com o sentido atribuído ao termo
estatisticamente “significativo” utilizado nas técnicas estísticas inferências .
4
Quando tratamos com médias, a forma usual para medir o tamanho do efeito (D) é proposta por Choen através
de dados padronizados utilizando as médias e os desvios padrão. D = Média do grupo experimental menos a Média
do grupo controle dividido pela média dos desvios padrão dos dois grupos: (D = 7,3 – 13,8 / 2,65 = 2,34). O valor
de D neste exemplo é considerado muito grande posto que para Choen acima de 0,80 já é considerado um valor
grande(ver o capítulo 17).

O desafio da iniciação científica 195


9. Medindo através da estatística inferencial: em nosso exemplo
vamos adotar um teste de diferenças entre médias para dois grupos
independentes (grupo experimental e controle com diferentes
sujeitos em cada grupo). Vamos adotar o teste t- Student. Com
este teste queremos saber se as diferenças entre as médias são
suficientemente grandes (para evitar erros amostrais devido ao
acaso) para podermos concluir que os resultados encontrados en-
tre os 24 atletas podem ser generalizados para a população de 180
jogadores de basquete da liga nacional.
10. O teste t- Student é o resultado da divisão entre a medida da
variância entre os grupos experimental e controle (entre as colunas
da tabela 14.1) e a variância dentro de cada grupo (a variância em
cada coluna da tabela 14.1). Quanto maior o valor entre os grupos
(colunas), comparada com a variância dentre dos grupos (linhas)
maior será o valor de “t”.
11. Tendo obtido o valor de “t”, podemos calcular a probabilidade (“p”)
desse valor ser ou não estatisticamente significativo. Quando o
valor for estatisticamente significativo conclui-se que as diferenças
encontradas entre o grupo experimental e controle são
suficientemente grandes e podem ser generalizados para além dos
(24) sujeitos de nossa amostra de atletas de basquete.
12. Em nosso exemplo o teste t-Student revelou: “t” = 6,14 e um
“p” = 0,0001. Portanto, se aceitarmos a priori uma margem de
erro de 5% (nível de significância = 0,05), podemos concluir que
nosso resultado (p = 0,0001) é muito inferior ao nível de significância
previamente selecionado o que indica que a diferenças entre os
grupos experimental e controle, segundo nosso critério, é
estatisticamente significativa. Como tal, poderemos generalizar
nossos resultados. O ruído ambiental interfere significativamente
na performance de arremessos de lances livres em atletas de
basquetebol da liga nacional.

12.
O que pretendo sugerir a partir do exemplo é que num experimento
científico de abordagem quantitativa temos duas análises que necessitam
ser bem interpretadas. 1. A medida do efeito da(s) variável(s)

196 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


independente(s) sobre a(s) dependente(s) que é calculado pelo tamanho ou
magnitude do efeito (effect size). 2. A probabilidade de generalização desse
resultado (da amostra para a população) que é calculada pelas técnicas
estatísticas inferenciais. Todavia, quero salientar que muitos pesquisadores
incorrem em erro grave quando afirmam, por exemplo, que não houve efeito
de uma variável independente sobre uma variável dependente valendo-se
para isso do valor “p” proveniente da análise inferencial. Que fique claro:
uma coisa é medir e identificar o efeito da variável independente sobre a
variável dependente na amostra (effect size), outra coisa é calcular a
probabilidade do que o tamanho do efeito seja suficientemente grande para
podermos extrapolar os resultados para além da amostra. Há casos onde
se pode efetivamente considerar que a variável independente promoveu
efeito sobre a variável dependente, mesmo que a diferenças (“p”) não tenha
sido estatisticamente significativa.

Delineamentos experimentais
(verdadeiros ou propriamente ditos)
13.
Os delineamentos do tipo experimental “verdadeiros” ou
“propriamente ditos” são aqueles em que há um rigoroso controle científico.
Maximizam-se as fontes de validade interna. Representam, digamos assim,
o padrão ouro dos desenhos ou delineamentos experimentais. Entretanto,
esses delineamentos exigem alguns procedimentos: 1. que a amostra seja
do tipo aleatória (trato disso no capítulo 17); 2. que a distribuição dos sujeitos
da amostra pelos grupos (experimental e controle), também cumpram o
critério da aleatoriedade e; (3) que haja necessariamente um grupo controle.

14.
A seleção aleatória da amostra é relevante pois, como veremos em
detalhes no capítulo 17, ela garante estatisticamente (pela teoria das
probabilidades) que a amostra tenha grande chance de bem representar a
população de origem. Sugere o pressuposto de que a amostra é representativa
da população e que, portanto, os resultados provenientes das amostras sejam
generalizadas para a população. Trata-se portanto de garantir, sobre certos
limites de probabilidade, a generalização dos resultados da amostra para a
população.

O desafio da iniciação científica 197


15.
A distribuição aleatória da amostra pelos grupos de pesquisa
(experimental e controle) pressupõe (também baseado na teoria da
probabilidade) que os dois grupos sejam similares à partida, portanto
assegurando a validade interna do experimento. Em outras palavras se, por
ventura, ocorrer uma diferenças entre os grupos experimental e controle
esta descartada a hipótese de que tais diferenças já existiam antes dos
procedimentos experimentais.

16.
A presença do grupo controle selecionado aleatoriamente é um
procedimento eficaz para controlar fontes de risco à validade interna da
pesquisa. O grupo controle, sendo similar ao grupo experimental antes do
experimento garante que as prováveis diferenças obtidas durante o
experimento não sejam provenientes de acontecimentos ocorridos durante
os períodos de coleta de dados. Por exemplo, não se pode atribuir as prováveis
diferenças entre os grupos experimental e controle ao aumento da idade,
maior nível de fadiga, trocas de instrumentos de medida, experiência prévia,
maior carga de treinamento, etc.

Dois desenhos experimentais “clássicos”


17.
Delineamento de grupos aleatórios ou randomizados
unicamente com pós-teste: É um desenho simples, todavia requer,
necessariamente, que os sujeitos da pesquisa sejam distribuídos aos grupos
por procedimento aleatório. É exigência sine qua non, que os grupos
experimental e controle sejam idênticos à partida. Este delineamento é muito
indicado para pesquisas que não exijam um tempo longo de experimentação,
tendo em vista que, ao estender-se no tempo, poderão ocorrer variações
entre os grupos oriundas da própria história e maturação dos sujeitos ao
longo do tempo, permanecendo, desta forma, a dúvida se tais alterações
seriam fruto do longo tempo de experimentação ou se essas diferenças já
existiam à partida (já que não houve pré-teste).

198 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


O desenho é simples e pode ser assim representado:
Exemplo: O efeito da ingestão de cafeína nos resultados de uma
prova de 100 metros rasos:

Como os grupos experimental e controle são similares à partida, devido


à distribuição aleatória dos sujeitos pelos grupos, qualquer diferença que se
venha observar nos valores do tempo da corrida deve-se ao efeito da cafeína.

18.
Vamos sofisticar um pouco mais nosso exemplo. Vamos colocar mais
um grupo controle. Vamos supor a possibilidade de que ao ingerir a cafeína
os atletas fiquem mais motivados e, desta forma, poderiam correr mais
rápido. Para controlar os efeitos da motivação (variável interveniente) vamos
formar mais um grupo (também com distribuição aleatória). Um grupo ao
qual seria sugerido que ingerisse uma substância inócua, mas que, para
todos os efeitos, fosse percebida pelos atletas como cafeína. Um placebo5.
O desenho ficaria assim:
Exemplo:

Neste exemplo qualquer diferença observada entre o grupo


experimental e grupo controle 1 (com ingestão de placebo), seriam
provavelmente devido ao efeito da cafeína e não a qualquer fator de
motivação psicológica. Entretanto, o efeito da motivação poderia ser estimado
a partir de eventuais diferenças observadas entre os grupos controle 1 (com
ingestão de placebo) e grupo controle 2 (sem nenhuma droga).

Placebo é como se denomina um fármaco ou procedimento inerte, e que pode apresentar efeitos terapêuticos
5.

devido aos efeitos psicológicos da crença do paciente de que está a ser tratado.

O desafio da iniciação científica 199


19.
Delineamento de grupos aleatórios ou randomizados com pré
e pós-tese: Este delineamento não difere acentuadamente dos anteriores.
Neste e nos anteriores os sujeitos são distribuídos nos grupos por sorteio e
o tratamento experimental é aplicado a um deles. A principal diferença é
que no delineamento com pré e pós testes o pesquisador inclui dois registros
da variável dependente, um antes do tratamento experimental aos dois grupos
e outro registro após o tratamento experimental. O principal propósito desse
delineamento é determinar a quantidade de alteração produzida na variável
dependente pelo tratamento experimental comparando as diferenças entre
pré e pós teste dos grupos experimental e controle. Dito de outra formas,
comparam-se as diferenças entre os valores do pré e pós-teste de cada
grupo (normalmente se diz que comparam-se os valores de delta de cada
grupo). Este delineamento permite controlar possíveis efeitos que possam
ocorrer nos grupos experimental e controle ao longo do tempo em que decorre
o tratamento experimental Por exemplo: a maturação biológica num grupo
de adolescentes).
Exemplo:

Neste exemplo as técnicas estatísticas levam em consideração as


diferenças das médias entre o pré e o pós testes nos grupos experimental e
controle. Se, quiséssemos acrescentar mais um grupo controle (com
utilização de placebo, por exemplo) a lógica seria rigorosamente a mesma,
todavia, com outra técnica estatística (Anova, provavelmente no lugar do
teste t-Studant).

200 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Delineamentos intra-sujeitos
20.
Até então os exemplos aqui anunciados de delineamentos
experimentais trataram de comparar grupos compostos por sujeitos distintos.
Ou seja, os grupos experimental e controle são compostos por diferentes
sujeitos (grupos independentes). Cada sujeito participa unicamente ou do
grupo experimental ou do grupo controle. Os delineamentos intrasujeitos
sugerem cada sujeito é seu próprio controle.

21.
Nos exemplos anteriores, quando comparamos a performance na
prova de 100 metros rasos com e sem ingestão de cafeína, comparamos
dois grupos distintos de diferentes atletas. No delineamento intrasujeitos
utilizaríamos o mesmo grupo de atletas nas duas situações experimentais
(sem medicamento e com ingestão de cafeína). A vantagem desse
delineamento é a de assegurar a igualdade das características do sujeito
entre todos os tratamentos ou condições experimentais. Nestes casos, como
os sujeitos são os mesmos, evidentemente, não haveria variações (diferenças)
entre as características dos sujeitos do grupo experimental e controle. Seria
uma forma de bem controlar os efeitos da maturação, do histórico ou
qualquer outro fenômeno relacionado aos sujeitos da pesquisa.

22.
Todavia, o delineamento intrasujeitos pode propiciar alguns problemas.
Em nosso exemplo poderíamos conjeturar que a ordem dos testes (sem
medicamento e com cafeína ou vice-versa) pudesse alterar os tempos de
percurso (caso fossem realizados no mesmo dia a fadiga ou a própria
adaptação ao esforço poderia influenciar no tempo dos percursos em cada
teste). Cabe salientar, no entanto, que na maioria do casos podemos recorrer
a alternativas e estratégias metodológicas passíveis de solucionar essas e
outras prováveis limitações deste modelo.

23.
Nos delineamentos intrasujeitos as técnicas estatísticas são distintas
dos delineamentos intersujeitos (grupos independentes). Como não há
variação entre os sujeitos que compõe as duas condições experimentais,

O desafio da iniciação científica 201


variação intrasujeitos (os grupos são compostos pelos mesmo sujeitos) há
apenas um fator de variância dos resultados. Há apenas a variância entre
os resultados do pré e pós-teste, como tal os métodos adequados são
conhecidos como métodos de medidas repetidas (teste t-Student ou Anova
para medidas repetidas ou grupos dependentes).

Delineamentos fatoriais
24.
Os delineamentos fatoriais são aqueles em que o pesquisador manipula
duas ou mais variáveis independentes, cada uma delas com dois ou mais
níveis de tratamento.
Exemplo: Verificar os efeitos da ordem do treinamento concorrente
(força-aeróbio e aeróbio-força) e do sexo sobre a força máxima. A variável
ou fator treinamento concorrente supõe dois níveis: 1. força-aeróbio e 2.
aeróbio-força. A variável ou fator sexo, evidentemente, também dois níveis:
1. masculino e 2. feminino. Neste caso estamos frente a um desenho fatorial
2x26 que exige a formação de quatro grupos de sujeitos conforme a tabela
seguinte:

Grupo 1. Treinamento de força-aeróbio do sexo masculino;


Grupo 2. Treinamento força-aeróbio do sexo feminino;
Grupo 3. Treinamento aeróbio-força do sexo masculino;
Grupo 4. Treinamento aeróbio-força do sexo feminino.

6.
As combinações entre fatores e níveis podem ser muitas. 2X3; 3X2X2; 3X2X4 etc.

202 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Vejamos agora os efeitos fatoriais7:
Os efeitos simples:
1. manifestam os efeitos da variável ordem do treino concorrente
(força-aeróbio e aeróbio-força) estratificado por sexo.
Correspondem as comparações entre os grupo 1 e 3 (Treinamento
força-aeróbio-masculino X Treinamento aeróbio-força-masculino);
e entre os grupos 2 e 4 (Treinamento força-aeróbio-feminino X
Treinamento aeróbio-força-feminino.
2. manifestam os efeitos da variável sexo estratificados por ordem
de treinamento. Correspondem as comparações entre os grupos
1 e 2 (Treinamento de força-aeróbio-masculino X Teinamento
força = aeróbio-feminino) e entre os grupos 3 e 4 (Treinamento
aeróbio-força-masculino X Treinamento aeróbio-força-feminino).
Os efeitos globais:
1. Efeito global da ordem do treinamento concorrente
independentemente do sexo na força máxima. Corresponde a
comparação entre a1 e a2 (treinamento de força-aeróbio X
aeróbio-força independente do sexo (A);
2. Efeito global da variável sexo sobre a força máxima
independentemente do treinamento concorrente. Coresponde a
comparação entre b1 e b2 (masculino X feminino independente
do treinamento concorrente) (B).
Os efeitos das interações:
A interação entre o treinamento concorrente e o sexo (A + B) pode
produzir efeitos compartilhados (efeitos que são independentes dos efeitos
provenientes da treinamento concorrente e do sexo). Neste caso, há uma
outra fonte de variância nos resultados cuja identificação se faz necessária.

25.
Para determinar se há interações entre duas ou mais variáveis
independentes utiliza-se a ANOVA (análise de variância). A ANOVA permite
obter informações sobre a significação estatística das interações.

7.
No exemplo que apresento no texto sugeri o conjunto de todas as possibilidades de combinação entre as
variáveis e seus níveis. Evidentemente, que caberá ao pesquisador propor as combinações que entender relevante
a partir de suas hipóteses orientadoras.

O desafio da iniciação científica 203


Delineamentos Quase-experimentais
26.
Os delineamentos quase-experimentais, tal como os delineamentos
experimentais, tratam de relações causais. Comparam grupos de dados
provenientes de situações provocadas pelo pesquisador. O pesquisador
interfere manipulando uma ou mais variáveis independentes para medir os
efeitos sobre as variáveis dependentes. Não obstante, o pesquisador carece
de um controle rígido característico do delineamento experimental
“verdadeiro”. No delineamento quase-experimental, por exemplo, o
pesquisador não tem a possibilidade de selecionar a amostra por procedimento
aleatório e, em alguns casos, sequer pode distribuir os sujeitos que selecionou
aleatoriamente pelos grupo experimental e controle.

27.
É importante ressaltar que em pesquisas com seres humanos em
ambientes naturais (doentes num hospital, um equipe esportiva, pacientes
de um consultório, alunos de uma escola, usuários de uma academia...)
nem sempre é possível atender elevados níveis de controle experimental.
Devemos considerar que: 1. nem sempre poderemos ter uma amostra
selecionada por sorteio; 2. em alguns casos, sequer poderemos distribuir os
sujeitos da amostra aos grupos experimental e controle por procedimento
aleatório; (3) nem sempre poderemos submeter os sujeitos da pesquisa a
rigoroso controle sobre seus comportamentos seus hábitos e atitudes; etc.;
(3) nem sempre poderemos ter algum controle sobre o ambiente onde ocorre
o experimento. Portanto, nestes casos vamos utilizar delineamentos do tipo
experimental menos exigentes, principalmente sobre os aspectos da validade
interna. Estes desenhos são denominados de métodos quase-experimentais

Dois delineamentos quase-experimentais8


28.
Delineamento com pré e pós teste com grupo controle não
equivalente: O desenho é o mesmo do delineamento de grupos aleatórios

8.
Nas áreas clínicas é muito utilizado a terminologia método ou ensaio clínico (ensaio clínico randomizado,
delineamento não randomizados intergrupos e intragrpos, etc.). Todavia, afirmo que, embora suas especificidades
no âmbito das pesquisas médicas, tais modelos se caracterizam efetivamente como delineamentos quase-
experimentais. Sobre pesquisa clínica sugiro a consulta do excelente livro de STEPHAN, B HULLEY et al. Pesquisa
clínica. Uma abordagem epidemiológica. (3a Ed.). Tradução de Michael Ducan. Porto Alegre:Artmed. 2008.

204 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


ou randomizados com pré e pós-teste apresentado no parágrafo 18. Todavia,
neste caso, evidentemente os grupos não são constituídos por procedimentos
aleatórios ou randomizados.
Exemplo: Vamos investigar os efeitos de um programa de
hidroginástica sobre o equilíbrio em idosas. Bem: 1. vamos convidar pelos
meios de comunicação idosas que queiram participar de um programa de
hidroginástica em nossa academia. Vamos compor uma amostra voluntária;
2. vamos convidar um segundo grupo de idosas que participam de uma
entidade filantrópica perto de nossa academia (amostra por conveniência).
O desenho repito é semelhante ao do parágrafo 18, todavia os grupos
não são constituídos aleatoriamente.

29.
Delineamento apenas com pós-teste com grupo controle não
equivalente: O desenho é semelhante a delineamento experimental
anunciado no parágrafo 16. Todavia, os grupos não são compostos por
distribuição aleatória dos sujeitos.
Exemplo: Vamos investigar os efeitos de um novo programa de
ensino sobre a aprendizagem de língua estrangeira em adolescente de uma
determinada escola. O professor da turma “A” aplica o novo programa de
ensino. Ao final do semestre vamos comparar os resultados de proficiência
em língua estrangeira da turma “A” com alunos da turma “B” cujo professor
não utilizou o novo método.
Este delineamento quase-experimental é menos rigoroso que o
anterior, tendo em vista que a ausência do pré-teste não permite o controle
dos níveis iniciais de proficiência em língua estrangeira presente nos dois
grupos antes das intervenções pedagógicas.

O desafio da iniciação científica 205


Ajustes para delineamentos quase-experimentais9
30.
Os delineamentos experimentais “verdadeiros” são considerados o
padrão ouro em pesquisas científicas causais quantitativas. A constituição
aleatória das amostras ou, pelo menos, a distribuição aleatória dos sujeitos
da pesquisa entre os grupos experimentais e controles permite a geração
de grupos verdadeiramente (estatisticamente) comparáveis, de modo que
cada participante tem a mesma probabilidade de pertencer a um dos grupos
(experimental e controle). Dessa forma, a distribuição dos fatores (variáveis
intervenientes) relacionados aos efeitos da intervenção (o desfecho) tende
a ser igual nos dois grupos, e, como tal, os efeitos encontradas podem ser
atribuídas com elevado grau de probabilidade à variável independente.

31.
Não obstante, em muitas situações não é possível fazer seleção de
amostras ou alocação de sujeitos aos grupos de pesquisa por procedimentos
aleatórios. Por exemplo: em pesquisas pedagógicas com alunos de uma
escola frequentemente não encontraremos turmas de alunos constituídas
por procedimentos aleatórios. Como vimos ao longo deste capítulo nestes
casos adotamos os delineamentos quase-experimentais.

32.
Todavia, os delineamentos quase-experimentais recorrentemente
enfrentam críticas exatamente por não considerarem a aleatorização dos

Para este tema recomendo a leitura do excelente livro Delineando Pesquisa Clínica. Uma abordagem
9.

epidemiológica (3a ed.). STEPHEN et al. Op Cit. ps. 150-158.

206 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


sujeitos da pesquisa. Como o pesquisador não tem controle sobre a distribuição
de probabilidades das variáveis intervenientes (covariáveis) entre os grupos
da pesquisa ele não pode garantir que não ocorra estimativas enviesadas do
efeito sobre a variável dependente. Portanto, neste tipo de delineamento se
faz mister ajustes que permitam reduzir o viés de seleção e seu consequente
confundimento (confundir os efeitos da variável independente com efeitos
de variáveis intervenientes).

33.
As principais estratégias de ajustamento das amostras não aleatórias
(em estudos quase- experimentais) são: 1. pareamento ou emparelhamento;
2.; covariância10 ou ajuste estatístico e; (3) pareamento por escores de
propensão.

34.
No ajustamento por pareamento ou emparelhamento o
pesquisador organiza pares homogêneos distribuídos entre o grupo
experimental e o controle. Deste modo cada sujeito tem seu próprio controle
cujas as características no que se refere as variáveis intervenientes são
similares.
Exemplo 1: “de um pareamanto radical”
Vamos supor que trata-se de medir a durabilidade de dois modelos
de calçado esportivo para atletas de corrida de fundo. Temos duas marcas
de tênis: marca azul e marca vermelha. Uma forma efetiva e “radical” de
pareamento seria selecionar um conjunto de maratonistas e calça-los com
um tênis de cada marca. Provavelmente não ficaria muito elegante correr
com um tênis azul e outro vermelho, mas que o delineamento é eficaz não
resta dúvida.
Exemplo 2:
Queremos controlar o efeito de duas dietas alimentares para
diabéticos. Dieta da lua e dieta do sol. Vamos considerar como variáveis
intervenientes: a idade; o sexo e o tempo da doença. Neste caso portanto,
para cada indivíduo da dieta da lua haverá um indivíduo com idade, sexo e

Ver. GAYA, A. Ciências do movimento humano. Introdução à metodologia da pesquisa. Porto Alegre:Artmed,
10.

2008, ps. 120 – 131.

O desafio da iniciação científica 207


tempo de doença semelhante na dieta do sol. Se na dieta da lua temos um
sujeito de 70 anos, do sexo masculino e com 10 anos de diabete, no grupo
da dieta do sol seu par terá 70 anos, será do sexo masculino com 10 anos de
diabetes; se no grupo da lua tem uma mulher, com 55 quilos e com 5 anos
de diabetes, no grupo da dieta do sol também haverá uma mulher, com 55
quilos e 5 anos de diabetes.

35.
Como referi noutro livro11, o pareamento ou emparelhamento é uma
estratégia de ajuste de grupos amostrais que manifesta inconvenientes de
difícil superação. Se, por exemplo, identificarmos um conjunto grande de
variáveis intervenientes, evidentemente as formas de combinação seriam
muitas e, por consequência, as dificuldades de formar os pares seriam
imensas. Por outro lado, essa dificuldade de formar os pares resultaria numa
amostra de pequena dimensão. Outro aspecto importante a considerar é
que se temos em nosso grupo de diabéticos um sujeito para o qual não
encontramos seu par ele será impedido de participar do projeto. Da mesma
forma, se ao longo da pesquisa alguém abandonar o programa, seremos
obrigados a excluir o seu parceiro.

36.
Covariância ou ajuste estatístico. A Análise de Covariância
(ANCOVA) é uma combinação entre a Análise de Regressão e a Análise
de Variância (ANOVA)12 que ajusta estatisticamente a variável dependente
para algumas variáveis intervenientes com as quais se correlaciona
estatisticamente (covariáveis13).
Exemplo:
Para verificar o efeito de um programa de reforço escolar sobre a
proficiência na leitura em crianças, o pesquisador selecionou duas turmas
de uma escola. Turmas “A” e “B”. Por sorteio definiu que a turma “B”
seria a que receberia o reforço escolar (grupo experimental) e a turma “A”

11.
GAYA, A. 2008, Op. Cit.
12.
Cf. THOMAS,J;R.; NELSON, J.K & SILVERMAN, S.J. Métodos de pesquisa em atividade física. (6a Ed.). Tradução:
Ricardo Petersen. Porto Alegre:Artmed, 2012.
13.
Cf. KERLINGER, F. N. Investigación del comportamiento. Técnicas y metodología (2a ed), Tradução de José Rafael
blengio e José Carmem Pecina. México:Interamericana, 1975, p.261.

208 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


manteria normalmente suas atividades escolares (grupo controle). Ao final
do experimento ele compararia os resultados dos dois grupo num teste de
leitura. Todavia, o pesquisador preocupou-se com a Inteligência. Conjeturou
que o nível de inteligência dos alunos poderia interferir nos resultados dos
testes de leitura. Enfim, conjeturou que a Inteligência seria uma variável
interveniente que necessitaria ser controlada. Seus grupos não eram
formados aleatoriamente e, portanto, não poderia supor que os índices de
inteligências se distribuísse equilibradamente nas duas turmas da escola.
Para solucionar seu impasse adotou a análise de covariância. Aplicou nos
dois grupo um teste de Quociente Intelectual (QI) e utilizou os resultados
para análise de covariância.
A análise de covariância parte do cálculo da equação de regressão
(ver capítulo 13)
y = a + b.x

onde:
y = nota ajustada no teste de leitura (variável que se quer estimar)
a = parâmetro ou coeficiente linear (valor da nota ajustada de leitura
quando o QI = 0)
b = parâmetro ou coeficiente angular da reta de regressão (inclinação
da reta)
x = QI do estudante

Os resultados decorrentes de “y” denomina-se de valores residuais.


E serão estes valores que vão constituir os dados para a comparação entre
as médias do grupo experimental e controle. Vamos imaginar que um
estudante tirou 6 na nota de leitura e seu QI é de 95 pontos. Ao aplicar o
equação de regressão registramos que sua nota ajustada (residual) será
4,24. Portanto, este é o dado que vai ser utilizado para este aluno (e não a
nota 6 do teste de leitura) na análise de variância entre o grupo experimental
e controle após a intervenção com o programa de reforço escolar.

37.
Uma das vantagens da análise de covariância é sua capacidade de
controlar estatisticamente a influência de variáveis intervenientes sem a
necessidade de estratégias de paramento a priori. Atualmente com a

O desafio da iniciação científica 209


utilização dos pacotes estatístico sofisticados podemos facilmente utilizar a
análises de covariância multivariadas (MANCOVA) que possibilita o controle
em simultâneo sobre a influência de diversas variáveis intervenientes.

38.
Não obstante, a MANCOVA pode apresentar duas principais
desvantagens14: 1. Os resultados podem induzir a erros caso o pesquisador
não atenda os pressupostos de aplicação o modelo. Por exemplo: ele deve
observar se a regressão é linear, se as variáveis intervenientes se
correlacionam com a variável dependente. Não satisfeitas essas exigências
o modelo pode sugerir resultados indevidos. 2. Os resultados da estatística
podem ser de difícil compreensão intuitiva quando um modelo não tem bom
ajuste e se faz necessário transformações (por exemplo, elevar os valores
de alguma variável ao quadrado) ou incluir termos de interação (quando há
efeito de uma variável interveniente sobre outra. (Ver delineamento fatorial
nos parágrafos 23 e ss).

Pareamento por Escores de propensão


39.
O escore de propensão é a probabilidade (propensão) de um sujeito
da amostra ser distribuído num determinado grupo de pesquisa (experimental
ou controle) a partir dos valores preditores (exposição as variáveis
intervenientes). O escore de propensão é calculado a partir de técnicas
estatísticas multivariadas (regressão múltipla, regressão logística (a mais
usada), análise discriminante, regressão de Poisson, curva ROC entre outras)
que fornecem um único valor a partir do qual se pode parear os sujeitos
(formar duplas homogêneas em relação as variáveis intervenientes) entre
os grupo experimental e controle antes da intervenção experimental.

40.
Os pacotes estatísticos tais como o IBM-SPSS, SAS, State, R,
realizam a estimativa do escore de propensão, todavia para os procedimentos
de pareamento (pelo método de escore de propensão) são necessários rotinas

14.
Cf. HULLEY et al. Op. Cit., p. 157.

210 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


especiais que não são facilmente acessíveis, embora possam ser
implementadas15. Por outro lado, são várias as formas para efetivar o
pareamento por escore de propensão: 1. pareamento pelo vizinho mais
próximo; 2. pareamento por estratificação; (3) pareamento pelo raio; 4.
pareamento por calibração, etc.
Exemplo: O pesquisador pretende verificar os efeitos de um
programa de treinamento de potência no Tempo de Movimento (“tempo de
reação”) em jovens escolares. Forma dois grupos. O grupo experimental
que participará do programa de treinamento e o grupo controle que não
participará do programa de treinamento. Os escolares são provenientes de
duas turmas de uma mesma escola. Portanto, não se trata de grupos
formados por critérios aleatórios. Sendo assim, será necessário proceder a
ajustamentos prévios para garantir a equivalência entre os grupos
(experimental e controle) antes da intervenção (programa de treinamento).
O pesquisador tem conhecimento (ou conjetura) que algumas variáveis
confundidoras (intervenientes) podem intervir na variável Tempo de
Movimento (variável dependente). Ele supões que as variáveis: 1. idade; 2.
sexo; (3) estatura e; 4. maturação sexual podem interferir nos índices de
Tempo de Movimento e que portanto nos dois grupos (experimental e
controle) essas variáveis devem ser controladas. Opta pelo pareamento
através de escore de propensão pelo vizinho mais próximo16. Utiliza a análise
de regressão múltipla cuja coeficientes não padronizados estão no quadro
abaixo17

15.
Os escores de propensão podem ser usados para fazer o pareamento no softwere SAS em duas etapas. 1.
estimando o escore de propensão e; 2. em seguida fazendo o pareamento pelo modelo logístico utilizando os
procedimentos PROC LOGISTIC ou PROC GENMODE. Cf. SOUZA, M.C.S.C. Escores de propensão: aplicação à
epidemiologia. TCC de graduação, Bacharelado em Estatística. Orientador Álvaro Vigo. UFRGS. 2010. In.
lume.ufrgs.br
16.
Pareamento pelo valor mais próximo com escores de propensão estimados ou “Nearest available
matching on the estimated propensity score”.
17.
Exemplo retirado e adaptado de DANCEY, P. C. & REIDY, J. Estatísitca sem matemática para psicologia. Usando
SPSS para windows. (3a Ed.). Tradução: Lorí Viali. Porto Alegre: Artmed, 2006.

O desafio da iniciação científica 211


A partir dos coeficientes não estandardizados e da equação de
regressão múltipla o pesquisador pode calcular os escores de propensão
para cada aluno de ambos os grupos (experimental e controle).

Y = 0,2824 x idade + 0,0572 x sexo + 0,0100 x estatura + 0,1602


x
MS + a (21,6666)

Vamos supor que os dados a abaixo representem os dados de 10


escolares

Pedro = 0,2824 x 17 + 0,0572 x 1 + 0,0100 x 1,80 + 0,1602 x 3 + 21,6666 = 22,7024


Carlos = 0,2824 x 13 + 0,0572 x 1 + 0,0100 x 1,72 + 0,1602 x 2 + 21,6666 = 25,7326
Maria = 0,2824 x 16 + 0,0572 x 2 + 0,0100 x 1,60 + 0,1602 x 2 + 21,6666 = 26,6358
João = 0,2824 x 15 + 0,0572 x 1 + 0,0100 x 1,75 + 0,1602 x 2 + 21,6666 = 22,4843
Lúcia = 0,2824 x 13 + 0,0572 x 2 + 0,0100 x 1,68 + 0,1602 x 1 + 21,6666 = 25,6292
Jorge = 0,2824 x 16 + 0,0572 x 1 + 0,0100 x 1,90 + 0,1602 x 3 + 21,6666 = 26.7418
Luis = 0,2824 x 17 + 0,0572 x 1 + 0,0100 x 1,65 + 0,1602 x 2 + 21,6666 = 26,8615
Rita = 0,2824 x 12 + 0,0572 x 2 + 0,0100 x 1,65 + 0,1602 x 1 + 21,6666 = 25,3465
Nilo = 0,2824 x 14 + 0,0572 x 1 + 0,0100 x 1,77 + 0,1602 x 2 + 21,6666 = 26,0155
Gil = 0,2824 x 14 + 0,0572 x 1 + 0,0100 x 1,70 + 0,1602 x 3 + 21,6666 = 26,1750

212 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Em sequência, o pesquisador pode formar as duplas por proximidade
dos escores de propensão.

E, aplica-se o teste de inferência estatística de medidas repetidas


com os escolares devidamente pareados.

41.
A utilização do escore de propensão apresenta a vantagem de poder
controlar múltiplas variáveis intervenientes (confundidoras ou covariáveis)
simultaneamente. Todavia, os procedimentos podem ser de difícil
compreensão e exigem rotinas estatísticas sofisticadas, além de rotinas
especiais para o pareamento dos sujeitos entre os grupos experimental e
controle.

Delineamentos semi ou pré-experimental


42.
Em muitos casos no âmbito das práticas pedagógica ou da saúde as
situações não permitem que possamos exercer o rigor exigido pelos modelos
experimentais e quase-experimentais. São casos onde não é possível
selecionar uma amostra aleatória, distribuir os sujeitos entre grupos de
forma aleatória, utilizar estratégias de pareamento e, em alguns casos, sequer
ter um grupo controle. Nestas ocasiões, resta ao pesquisador valer-se dos
modelos pré ou semi-experimentais.

43.
Evidentemente, nestes casos os delineamentos tornam-se muito
limitados. Sua validade científica diminui sensivelmente. Os delineamentos
semi ou pré experimental exigem que o pesquisador possa suprir as
limitações empíricas (falta de dados objetivos) por argumentos teóricos
(informações subjetivas) o que não é nada fácil. Todavia, destarte sua

O desafio da iniciação científica 213


relevância, tais limitações não devem constituir-se em justificativas
peremptórias para descartar radicalmente o uso desses modelos quando
eles se constituem na única alternativa possível. Entretanto, ressalto que
tais delineamentos exigem do pesquisador muitos cuidados e muito controle
teórico sobre as variáveis intervenientes, na medida em que não detém o
controle empírico sobre elas.

44.
Como tal, os delineamentos pré ou semi-experimentais devem ser
utilizados com muita parcimônia. Devem limitar-se a estudos exploratórios,
a sugerir hipóteses e conjeturas, portanto, sem a pretensão de grandes
voos. Sem a pretensão de inferir conclusões e teorias com validade além do
que o modelo lhe permite suportar.

Três delineamentos semi-experimentais


45.
Delineamento pré e pós-teste de um só grupo: permite comparar
as medidas antes e após a intervenção experimental. Sua evidente limitação
decorre do fato de que muitas variáveis intervenientes podem atuar em
paralelo (somar-se) à variável independente, deste modo, diminuindo
sensivelmente a validade interna da pesquisa.
Exemplo:Verificar os efeitos de um programa de educação física
para a promoção da saúde sobre os hábitos de vida em escolares.

46.
Delineamento com um grupo não equivalente: permite comparar
um grupo que foi submetido a uma intervenção experimental com outro
grupo, não equivalente, que não foi submetido a intervenção.
Exemplo: Verificar os efeitos de um programa de educação física
para a promoção da saúde sobre os hábitos de vida em escolares.

214 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


47.
Delineamentos de séries cronológicas: o delineamento de séries
cronológicas ou temporais exige que o pesquisador registre uma série de
medidas antes a após a intervenção experimental.
Exemplo: Um fisioterapeuta quer testar a eficiência de um tratamento
com crioterapia (com gelo) sobre a dor lombar de tenistas. Para utilizar o
delineamento de séries temporais ele deverá ter informações sobre a
ocorrência de lombalgias numa amostra de tenista durante um período mais
ou menos longo. O fisioterapeuta obtém um relatório por semana durante
dois meses. Posteriormente, o fisioterapeuta aplica seu tratamento com
crioterapia durante um mês nos atletas e, por fim, segue obtendo relatórios
de ocorrência de lombalgias por mais dois meses. Os dados (fictícios) estão
na tabela e gráfico seguintes.

O desafio da iniciação científica 215


O que podemos concluir intuitivamente da observação dos resultados
expressos no gráfico? 1. É evidente que a ocorrência de dor lombar medidas
antes do tratamento com crioterapia era bem maior que após o tratamento;
2. portanto, conclui-se que o tratamento foi efetivo; (3) todavia, uma outra
hipótese pode ser sugerida: observamos que da 13a semana em diante a
ocorrência de lombalgia aumenta progressivamente, o que talvez nos permita
inferir que a interrupção do tratamento tenha ocasionado o retorno das
lombalgias, deste modo fazendo supor que o tratamento com crioterapia
deva ser mantido ao longo do período de competições para o benefício dos
tenistas.
As conclusões que anunciei são intuitivas. Baseadas na observação
de tendências dos pontos no gráfico.

48.
Para uma análise estatística dos delineamentos de séries temporais
faz-se necessário técnicas sofisticadas que vão além das convencionais. A
técnica estatística apropriada é a “ARIMA” (Autoregressive integrated
moving average ou modelo auto-regressivo integrado de médias móveis),
também conhecida como modelo de Box-Jenkins18 por ter sido concebida
pelos estatísticos George Box e Gwilym Jenkis em 1976.

Síntese
Neste capítulo sobre delineamentos do tipo experimental tratei de
apresentar diferenças entre os modelos experimentais verdadeiros; modelos
quase-experimentais e modelos semi ou pré-experimentais. Tais
delineamentos foram caracterizados pelos conceitos de validade interna e
validade externa discutidos em detalhes e com exemplos esclarecedores.
Discorri sobre as principais fontes de risco da validade interna e externa de
um experimento quantitativo. Discorri e apresentei exemplos de modelos
de estudos tipicamente experimentais, quase-experimentais e semi ou pré
experimentais. Considerando que o principal objetivo deste livro de iniciação
científica é insistir com a necessidade dos estudantes entender a lógica dos
procedimentos científicos, antes mesmo de obter o domínio sobre as

18.
Assim é denominada no IBM-SPSS

216 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


operações e o controle dos pacotes estatísticos, evidentemente o texto torna-
se limitado exatamente sobre o uso das principais técnicas estatísticas que,
todavia, poderão ser facilmente encontradas nos textos, livros e manuais
de introdução à estatística.

Referências
CAMPBELL, D. & STANLEY, J. Diseños experimentales y
cuasiexperimentales em la investigación social.Traduação: Maurício
Kitaigorodzki. Buenos Aires: Amorrortu, 2001.
DANCEY, C. P. & REIDY, J. Estatística sem matemática para
psicologia. Usando SPSS para Windows. (3a ed). Tradução: Lorí Viali.
Porto Alegre: Armed/Bookman, 2006.
GAYA, A. Ciências do movimento humano. Introdução à metodologia
da pesquisa. Porto Alegre : Artmed, 2008.
HULlEY, S; CUMMINGS. S; BROWNER, W; GRADY, D. & NEWMAN,
T. Pesquisa clínica. Uma abordagem epidemiológica. (3a Ed.). Tradução
de Michael Ducan. Porto Alegre : Artmed. 2008.
KERLINGER, F. N. Investigación del comportamiento. Técnicas y
metodología (2a ed), Tradução de José Rafael Blengio e José Carmem
Pecina. México:Interamericana, 1975.
SOUZA, M.C.S.C. Escores de propensão: aplicação à epidemiologia.
TCC de graduação, Bacharelado em Estatística. Orientador Álvaro Vigo.
UFRGS. 2010. In. lume.ufrgs.br
THOMAS, R; NELSON, J et SILVERMAN, S. Métodos de pesquisa
em atividade física. Trad. Ricardo Petersen. Porto Alegre : Artmed,
2012.

O desafio da iniciação científica 217


15.
Principais Delineamentos Qualitativos
Adroaldo Gaya

1.
Neste capítulo vou discorrer sobre os principais delineamentos
metodológicos para pesquisas com abordagem qualitativa. Vou caracterizar
em linhas gerais: a etnografia; o estudo de caso e a pesquisa-ação.

A Etnografia
2.
Foram principalmente: 1. o interesse dos antropólogos em registrar
os hábitos de vida e a cultura dos povos submetidos a colonização europeia
nos finais do século XIX e início do século XX e; 2. e as pesquisas de
Kaspar Bronislaw Malinowski os fatores que deram origem a moderna
etnografia.

3.
Antropólogos, principalmente ingleses, preocupavam-se em preservar
a memória cultural dos povos “primitivos” antes que os efeitos da colonização
europeia os destruísse significativamente. A Antropologia do século XIX se
pretendia histórica. Queria reconstituir a história dos povos humanos para
explicar como alguns deles tinham chegado ao “estado de civilização” e
muitos outros permaneciam em “estágios” anteriores de “selvageria” ou
“barbárie”.

4.
O material empírico sobre os quais escreviam tais antropólogos eram
provenientes da leitura de relatos de viajantes, expedições científicas,
missionários ou informes das oficinas coloniais, material que se tornou
bastante volumoso no século XIX. Esses antropólogos trabalhavam em seus
gabinetes, lendo esse material, deduzindo e especulando.

O desafio da iniciação científica 219


Falavam, por exemplo, dos “índios americanos”, dos
“índios canadenses”, sem nunca ter visto um “índio”
de “carne e osso”1. Nessas condições, não era de se
estranhar que os textos antropológicos fossem um
acúmulo de afirmações e teorias centradas na ótica
etnocêntrica dos colonizadores 2.

5.
O panorama começa a mudar quando, no final do século XIX, os
antropólogos passam a integrar as expedições científicas que se tornaram
frequentes na segunda metade desse século. Pela primeira vez, eles veem
os “índios”, por pouco tempo, nas paradas rápidas das expedições,
embora não pudessem falar com eles devido ao desconhecimento das
línguas nativas3.

6.
Neste contexto das observações in loco é que se destaca os trabalhos
de campo de Bronislaw Malinowsky. Inicialmente, esteve entre aborígenes
da Austrália. Fez sua tese de doutorado em 1913: “A Família entre os
aborígenes australianos”. Posteriormente retorna a Austrália em 1915 para
escrever sobre o Povo Mailu. Quando pretende retornar a Londres vê-se
impedido de fazê-lo. Eclode a I Grande Guerra, e a perseguição aos poloneses
constituía-se num risco iminente à Malinowski. Por intermédio de um amigo,
pesquisador, professor C.G. Seligman, Malinowski embarca em julho de
1915 para a Guiné Bissau e vai viver junto aos habitantes do arquipélago
Trobriand4 até maio de 1916, retornando em 1917 e permanecendo até
1918.

1.
Perguntando certa vez se ela tinha visto um índio, James Frazer, o especialista em religião e magia nos ditos
povos primitivos, respondeu: “Deus que me livre!”.
2.
Conforme: URPI MONTOYA URIARTE http://www.pontourbe.net/edicao11-artigos/248-o-que-e-fazer-
etnografia-para-os-antropologos. <acesso em 19/12/2013>
3.
URIARTE, idem, ibidem.
4.
As Ilhas Trobriand são atóis coralinos que formam um arquipélago de aproximadamente 440 km² ao longo
da costa oriental da Nova Guiné.

220 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


7.
É nesta longa permanência entre o povo Omakarana das Ilhas
Trobriand que Malinowski desenha a moderna etnografia. Afirmo minha
convicção de que a leitura dos Argonautas do Pacífico Ocidental é uma
exigência sine qua non para quem pretende conhecer ou praticar a
etnografia com o devido rigor. Ao longo do capitulo introdutório, cuja
publicação inicial data de 1922, os princípios e fundamentos dessa técnica
são minuciosamente relatados pelo autor. É baseado na obra prima de
Malinowski que discorre sobre a etnografia.

8.
Convivendo com seus anfitriões Malinowski inicialmente manifesta
sua inquietação com os nativos assinalando enormes dificuldades em se
relacionar. Revela momentos de severa angústia, desejos lascivos e sérias
preocupações com as doenças5. Todavia, paulatinamente passa a compartilhar
dos hábitos dos povos Trobriand e dedica-se a pesquisar sobre o KULA. O
Kula é um sistema comercial muito alargado e complexo que atingia regiões
próximas e longínquas do extremo ocidental da Nova Guiné. O Kula estava
diretamente relacionado, segundo Malinowski, as principais motivações, as
ideias, os desejos e ambições desses povos. Era um sistema de trocas
circulares e místico que influenciam fortemente a vida dos nativos da Nova
Guiné, um povo formado por marinheiros corajosos, artesãos habilidosos e
negociantes argutos6.

9.
Nestas condições o pesquisador percebeu de forma radical a
necessidade de interpretar os hábitos de vida, os costumes, os ritos, mitos e
valores na lógica interna da própria cultura local. Em outras palavras, ficou
explícito para Malinowski que, de fato, uma coisa é descrever e interpretar
na ótica do colonizado, outra, bem diferente, é interpretar na lógica dos
próprios atores sociais.

5.
Cf. Relato de Malinowsky em seu primeiro diário publicado postumamente em 1967 com autorização de sua
esposa. Este relato provavelmente não fora escrito para publicação.
6.
MALINOVSKI, B. Argonautas do Pacífico Ocidental. Um relato do empreendimento e da aventura dos nativos nos
arquipélagos da Nova Guiné Melanésia. In. Os Pensadores. Vol. XLIII, 1991.

O desafio da iniciação científica 221


De fato, em minha primeira pesquisa etnográfica no
litoral sul, foi somente quando me vi só no distrito que
pude começar a realizar algum progresso nos meus
estudos e, de qualquer forma, descobri onde estava o
segredo da pesquisa de campo eficaz. Qual é, então,
esta magia do etnógrafo, com a qual ele consegue
evocar o verdadeiro espírito dos nativos, numa visão
autêntica da vida tribal? Como sempre, só se pode obter
êxito através da aplicação sistemática e paciente de
algumas regras de bom-senso assim como princípios
científicos bem conhecidos, e não pela descoberta de
qualquer atalho maravilhoso que conduza ao resultado
desejado, sem esforço e sem problemas. Os princípios
metodológicos podem ser agrupados em três unidades:
em primeiro lugar, é lógico, o pesquisador deve possuir
objetivos genuinamente científicos (...). Em segundo
lugar, deve o pesquisador assegurar boas condições
de trabalho, o que significa, basicamente, viver mesmo
entre os nativos, sem depender de outros brancos.
Finalmente, deve ele aplicar certos métodos especiais
de coleta, manipulação e registro da evidência.
(MALINOWSKI, 1976, p. 24)7.
É enorme a diferença entre relacionar-se
esporadicamente com os nativos e estar efetivamente
em contato com eles. Que significa estar em contato?
Para o etnógrafo significa que sua vida na aldeia, no
começo uma estranha aventura por vezes desagradável,
por vezes interessantíssima, logo assume um caráter
natural em plena harmonia com o ambiente que o
rodeia. (id. ibid., p.25)

10.
Malinowski marcou um nova forma de abordar o estudo da
antropologia cultural. A partir dele, o meio efetivo para interpretar a forma
de vida de uma comunidade passou a exigir que o pesquisador possa “viver”

7.
MALINOVSKI, B. Argonautas do Pacífico Ocidental. Idem.

222 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


entre seus membros por um período de tempo, aprender sua língua e chegar
a ser aceito como um membro participante. O estudo etnográfico deve se
realizar de maneira descritiva, sistemática e técnica, combinando a
observação participante com entrevistas8.

11.
Para além da antropologia cultural, a sociologia nos anos 1920 e 19309
através da Escola de Chicago também assume a etnografia para interpretar
o estilo de vida de grupos especiais. Grupos de jovens, as “gangues” de
bairro e os imigrantes no contexto urbano passam a ser estudados a partir
da etnografia. Nos anos 1950, o enfoque da antropologia cultural se alarga.
Utiliza-se a etnografia para investigar a cultura nos ambientes escolares.
Pesquisadores como Kimball e Spindler, sugerem a antropologia educativa,
cujo o objetivo é o de investigar a influência da cultura na educação. Já, a
partir dos anos 1970, a antropologia educativa diversifica seu objeto de
estudo e passa estudar outros aspectos tais como a linguagem, os sistemas
simbólicos, os sistemas conceituais e os sistemas de avaliação.

12.
Enfim, o objetivo principal da etnografia é o estudo da cultura em si
mesma, quer dizer, delimitar numa unidade social particular, quais são os
componentes culturais e suas interrelações de modo que seja possível fazer
inferências sobre ela. Portanto, quando fazemos etnografia de uma
determinada unidade social, estamos tentando construir um esquema teórico
que recolha e responda o mais fidedignamente possível as percepções, ações
e normas de juízo dessa unidade social.
A etnografia, portanto consiste num método de
investigação pelo qual se aprende o modo de vida de
uma unidade social concreta. Através da etnografia se
persegue a descrição ou reconstrução analítica de
caráter interpretativo da cultura, formas de vida e
estrutura social do grupo investigado (GÓMEZ et al.
1996, p.44)10.

8.
ARNAL, J.; RINCÓN,D.: LATORRE, A. Metodologías de Investigación Educativa. Parte II . Barcelona: Univ. Barcelona,
1991, p.159.
9.
Cf. ARNAL et al., id,ibid.
10.
GÖMEZ, G.R.; FLORES, J.G.; JIMÉNEZ, E.G. Metodología de la investigación cualitativa. Archidona: ALJIBE,
1996

O desafio da iniciação científica 223


A triangulação como procedimento inerente à etnografia
13.
Ao pretendermos desvendar os sentidos inerentes as práticas culturais
se faz necessário investigar com muita parcimônia as diferentes
manifestações da realidade que constituem a paisagem a ser desvelada. A
etnografia se interessa pelo que a gente faz, como se comporta, como
interatua. Se propõe descrever suas crenças, valores, perspectivas,
motivações e o modo em que tudo se desenvolve ou se transforma dentro
do grupo e desde a perspectiva de seus membros. Para tanto, afirma
Malinowsky, o etnógrafo deve sempre considerar no âmbito se sua
investigação a técnica de triangulação.

14.
Malinowsky em Argonautas do Pacífico Ocidental, sugere os três
vértices do triângulo que compõe os procedimentos (de triangulação) para
a coleta de informações nos delineamentos etnográficos: 1. o arcabouço da
constituição da sociedade; 2. os imponderáveis da vida real e; 3. o espírito
nativo.

O arcabouço da constituição da sociedade


15.
O arcabouço da constituição da sociedade consiste na descrição sobre
a constituição social do grupo. Suas leis e normas, suas instituições formais
e não formais. O etnógrafo no terreno tem o dever de destacar todas as
regras e normas da vida tribal, tudo o que é permanente e fixo; deve
dar conta da anatomia da sua cultura e da constituição da sociedade11.
Em nossa sociedade, evidentemente, as instituições têm seus
pensadores, seus historiadores, legisladores. Aqueles que registram as regras
em arquivos, documentos institucionais ou pessoais, atas, cartas, gravações,
fotos, vídeos, e-mails, etc. Portanto, são estas as fontes que devem
inicialmente serem pesquisadas com rigor para que se possa compor o
arcabouço da constituição.

11.
MALINOWSKI, idem.

224 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Exemplo: Caso fizéssemos um estudo etnográfico numa escola
inicialmente consultaríamos as leis de diretrizes da educação, a estrutura
que rege a instituição (uma rede confessional, um rede pública, uma escola
isolada, etc.), os regulamentos da escola, seu projeto político pedagógico,
sua hierarquia interna, seus códigos de conduta, o planejamento das atividades.
Enfim, todo o arcabouço que normaliza as relações entre os membros da
comunidade escolar.
Enfim, a primeira etapa do trabalho de campo etnográfico é fornecer
um esquema claro e firme da constituição social, bem como destacar as leis
e normas de todos os fenômenos culturais. O esqueleto firme da vida
tribal deve ser estabelecido logo no início12.

Os imponderáveis da vida
16.
Existem vários fenômenos de grande importância que não podem
ser recolhidos através de questionários ou da análise de documentos, têm
de ser observados em pleno funcionamento. Após ter desenhado o
arcabouço da constituição da sociedade, cabe portanto investigar como na
vida real os sujeitos lidam com tais normas. São comportamentos cotidianos
como as formas de relacionamento, as práticas corporais de lazer e laborais,
as posturas corporais, as formas de comunicação. Para a descrição dos
imponderáveis da vida o etnógrafo utiliza a observação participante. Tal
procedimento exige, portanto, a observação atenta do pesquisador no interior
do contexto social com o qual interage. É importante percebermos que os
fatos imponderáveis da vida real fazem parte da verdadeira substância do
tecido social, que são eles que tecem os inúmeros fios que mantêm a coesão
comunitária. Como afirma Malinowsky, se o etnógrafo quer fazer chegar a
vida real dessa comunidade até aos seus leitores, não deve, sob qualquer
pretexto negligenciar estes fatos.
Exemplo: Em nosso estudo etnográfico na escola, providos de um
caderno de campo, câmaras fotográficas ou filmadoras, hoje facilmente
disponíveis em nossos smartphones, devemos registrar as atitudes,
comportamentos e as relações formais e informais entre os atores sociais.
Nos espaços de trabalho, de lazer, nas reuniões; em situações de conflito ou
de cooperação.

12.
Idem.

O desafio da iniciação científica 225


O Espírito Nativo
17.
Por fim, vamos ao ultimo vértice do triângulo: o espírito nativo, o
último tipo de fenômeno que deve ser registrados tendo em vista um retrato
completo e adequado da cultura da comunidade. Como descreve Malinowsky,
para além do contorno firme da constituição comunitária e dos hábitos
culturais cristalizados que formam o esqueleto; para além dos dados da
vida quotidiana e do comportamento comum, que são, por assim dizer, sua
carne e sangue, também o espírito: as visões, opiniões e expressões dos
atores socias devem ser registrados. Isto porque, em cada ato da vida
comunitária existe, em primeiro lugar, a rotina prescrita pelo costume e
tradição, depois o modo como é levada a cabo e, por fim, o comentário, que
suscita, de acordo com sua mentalidade.
Um homem que se submete a várias obrigações costumeiras e que
actua segundo a tradição, fá-lo impelido por certos motivos, acompanhado
de certos sentimentos, guiados por certas idéias. Estas idéias, sentimentos
e impulsos são moldados e condicionados pela cultura em que se encontra
e, como tal são peculiaridades dessa sociedade que devemos esforçar-nos
por estudá-las e registrá-las. Neste sentido devemos recolher depoimentos,
narrativas como discurssos que expressam a mentalidade da comunidade
que investigamos.
O espírito nativo consiste em recolher informações pessoais sobre
opiniões, pontos de vista, crenças, motivações, valores morais que
impulsionam os indivíduos a ação. São expressões que se manifestam
verbalmente. São depoimentos, conversas, discussões que possam revelar
informações relevantes aos objetivos da pesquisa.
Exemplo: Em nosso estudo trata-se de conversar com professores,
estudantes, funcionário, gestores, pais... São entrevistas, conversas formais
e informais, grupo focal, história de vida, etc. Enfim são técnicas de coleta
de informações que permitam ao pesquisador identificar depoimentos
capazes de revelar as idéias, os sentimentos e os impulsos que, moldados e
condicionados pela cultura, manifestem as mentalidades mais relevantes na
contexo escolar.

226 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


18.
Como recomendam Victora et al.13, deve-se ressaltar a importância
de se trabalhar considerando esses três níveis de realidade, na medida em
que a apreensão de apenas um deles seria uma apreensão parcial da
realidade. Muitas vezes, observamos que as ações nem sempre
correspondem às racionalizações. Em outras palavras: nem tudo que se diz
é o que se faz, e vice-versa. Nem tudo que se faz é documentado, e nem
tudo o que está documentado corresponde àquilo que se faz. A triangulação
possibilita uma aproximação dos diferentes níveis e permite uma apreensão
mais ampla da realidade.

Etapas de um projeto de pesquisa etnográfica


19.
As etapas ou fases da pesquisa etnográfica são menos formais e
lineares do que as pesquisas quantitativas. Nas pesquisas etnográficas parte
substancial do caminho vai sendo construído ao longo do percurso. Isto
significa que nosso mapa à partida tem menos detalhes, não podemos
identificar todas as armadilhas que nos espreitam ao longo do trajeto. É
caminhando que se faz o caminho14. Serão muitas idas-e-vindas.

13.
VÍCTORA et al., id. ibid.,p.55
14.
SERGIO BRITO. Enquanto houver sol. Música gravada pelos Titãs, 2003.

O desafio da iniciação científica 227


20.
As etapas da pesquisa etnográfica em muitos pontos são similares
aos modelos gerais de pesquisa. Por exemplo: dela se exige 1. que
selecionemos um tema, objetivos e uma adequada justificativa; 2. que
possamos delimitar com a devida clareza o problema principal e as questões
de pesquisa; 3. que explicitemos com clareza nossos construtos e categorias
de análise. Mas, não obstante, é também importante, sublinhar as principais
diferenças. Na etnografia devemos nos preocupar em descrever com rigor
e clareza: 1. como se deu o acesso ao cenário da investigação; 2. como
foram escolhidos os informantes e; 3. como foram recolhidas as informações.

21.
Acesso ao cenário da investigação: importante etapa do qual
depende o sucesso de nossa investigação. Um ou dois passos sobre terreno
“proibido” e lá se vai a confiança dos nossos informantes. Um ou dois
passos em terreno “proibido” poderá fechar alguns caminhos que seriam
importantes percorrer. Um ou dois passo precipitados podem nos transformar
em estranhos a quem, por exemplo, não se deve confiar informações
relevantes. Ter acesso ao cenário exige que tenhamos sensibilidade, tato e
atitude “diplomática”. A preocupação inicial em despertar o sentimento de
aceitação ou rejeição em nossa população alvo, nos desperta receio e se
constitui num momento preocupante.

22.
Daí a importância de insistirmos com algumas recomendações mais
efetivas. 1. Ao nos apresentarmos devemos anunciar com clareza nossos
objetivos. 2. Devemos informar sobre os benefícios que os participantes
poderão auferir de nosso projeto. 3. Devemos solicitar (com devida
humildade) a colaboração dos atores sociais para que possamos realmente
interagir com a coletividade.

23.
Nesta primeira fase que normalmente é bem difícil, é interessante
realizarmos uma análise exploratória de modo que nossas primeiras
informações sirvam para a constituição de um quadro provisório, mais ou
menos, fidedigno que possa subsidiar nossos primeiros passos. É necessário

228 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


um período de familiarização com os participantes. É preciso “quebrar o
gelo”. É preciso despertar a confiança. É preciso que nos mostremos como
pessoas de valor e integridade moral a quem se pode confiar a verdade.
Podemos manter os primeiros contatos com os nossos informantes de
maneira mais ou menos formal ou informal dependendo da própria exigência
da situação. O contato formal impõe uma aproximação através de vias
oficiais (direção da escola, presidente da associação de bairro, associações
comunitárias, clubes esportivos e de lazer, etc.) O contato informal sugere
uma aproximação a partir de relações pessoais, relações de amizade.

24.
Seleção dos sujeitos ou informantes: É importante que possamos
manter elevado grau de relações interpessoais com os participantes do
estudo. Erickson (1986)15 sugere que talvez uma das formas mais adequadas
para manter uma excelente relação com os informantes chaves seja
envolvendo-os efetivamente no processo de pesquisa.

25.
Nas pesquisas etnográficas a escolha dos sujeitos é intencional.
Escolhemos os sujeitos que são capazes de nos fornecer as informações
com maior rigor. São os sujeitos chaves. Aqueles que manifestam uma
maior capacidade de compreensão sobre as situações que ocorrem no
cenário da pesquisa. Eles detêm conhecimentos, capacidade comunicativa,
experiências e vivências. Normalmente são reconhecidos pelos demais
membros da comunidade. Da mesma forma, os informantes chaves podem
nos auxiliar a ultrapassar barreiras que, por ventura, surjam em nosso
caminho, podem, por exemplo, facilitar o caminho a informantes de mais
difícil acesso.

26.
Não obstante, é de ressaltar que ao recorrermos aos informantes
chaves corremos alguns riscos. Isto porque, suas perspectivas de análise e
suas opiniões podem estar distorcidas devido a seu quadro de valores e

15
Apud Arnal et al. op. cit., p.165.

O desafio da iniciação científica 229


atitudes. Este alerta é relevante porque nos faz perceber que ao
selecionarmos os informantes chaves, devemos considerar seus
comprometimentos pessoais, políticos e ideológicos para que, desta forma,
possamos constituir grupos de informantes que sejam capazes de representar
as diversas visões existentes no cenário de nossa investigação.

27.
Coleta de informações: a coleta de informações dá-se pelo
processo de triangulação. Observações participativas, consulta a
documentos, entrevistas, relatos e depoimentos formam os “dados” que ao
serem adequadamente tratados constituem o modelo empírico a ser
interpretado. Todavia, sabemos que nos modelos predominantemente
qualitativos a subjetividade esta muito presente. Está presente nos
depoimentos dos sujeitos, nas observações e interpretações do pesquisador.
Portanto, nestas condições muito do rigor da investigação radica da atuação
do próprio pesquisador. Radica mais do pesquisador do que propriamente
dos instrumentos de coleta de informações. Daí a relevância que em nossos
estudos etnográficos tenhamos a necessidade de diferenciar claramente o
que sejam descrições, interpretações e juízos de valor.

28.
Ainda, seria muito importante, que os documentos fossem
sistematicamente submetidos a um feedback por partes dos sujeitos da
pesquisa, evitando assim distorções de informações. Se por um lado a
flexibilidade da etnografia e dos métodos qualitativos em geral, nos permitem
avançar significativamente na interpretações dos fenômenos culturais e
sociais, por outro lado, não podemos esquecer que a subjetividade esta muito
presente e, portanto cabe ao pesquisador ter cuidado para não transformar
sua pesquisa num relato de suas expectativas pessoais.

Estudo de Caso
29.
O Estudo de Caso é um delineamento muito similar a etnografia.
Compartilha os mesmos princípios epistemológicos e metodológicos. O
estudo de caso pressupõe que o pesquisador esteja pessoalmente implicado
num estudo aprofundado de casos particulares.

230 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


O estudo de caso(s) caracteriza-se pelo fato de que
reúne informações tão numerosas e tão pormenorizadas
quanto possível com vistas a abranger a totalidade da
situação. É a razão pela qual ele se socorre de técnicas
variadas de recolha de informação. (DE BRUYNE et
al, 1975, p. 211).

O Estudo de Caso se configura numa descrição e análise detalhada


de fenômenos ímpares (YIN, 2001). Orienta-se pela necessidade de
compreensão profunda de uma realidade singular, seja ela um indivíduo, um
grupo, uma instituição social ou uma comunidade. Todavia, é importante
salientar que não é apenas porque temos um indivíduo, um grupo ou uma
instituição à disposição que se justifica realizaremos um estudo de caso. É
necessários que estas unidades sejam especiais, detenham características
ou propriedades distintas dos padrões já conhecidos, deve se constituir
efetivamente num caso “fora de série”.

Principais características
30.
Talvez possamos afirmar que a mais importante característica do
estudo de caso é sua capacidade de gerar hipóteses. Quando investigamos
um caso torna-se pouco fiável generalizar seus resultados. Não obstante,
tais resultados podem configurar-se como excelentes hipóteses de pesquisa
para estudos populacionais à posteriori. Cito dois exemplos: 1. Jean Piaget,
desenvolveu sua epistemologia genética, inicialmente observando seus filhos.
Através dessas observações sugeriu hipóteses. Posteriormente, tais
hipóteses foram testadas em várias e diversas situações, em vários locais
do mundo, por vários pesquisadores, em várias disciplinas e, assim, a hipótese
generalizou-se a ponto de tornar-se numa das principais e mais bem
sucedidas teorias de desenvolvimento cognitivo. 2. Sigmund Freud. Quem
não ouviu falar da psicanálise? No entanto, nasceu a partir dos estudos
clínicos de Freud. O famoso caso Anna Ó, um estudo de caso. Mas a
hipótese de Freud, tal como a de Piaget, passou por inúmeros testes e,
assim generalizou-se como uma das teorias mais revolucionárias da história
da medicina e das ciência.

O desafio da iniciação científica 231


31.
Para além de gerar hipótese o estudo de caso é utilizado para
diagnosticar situações (criar mapas) e produzir indicadores (sugerir
cenários). Exemplo: investigar a história, o perfil somático e motor de um
talento esportivo pode, sem dúvida, auxiliar no planejamento de formação e
desenvolvimento de um jovem atleta. Da mesma forma, a investigação de
casos extremos oriundos de estudos populacionais quantitativos (out liers),
casos que estão além dos níveis estatísticos de normalidade de uma
população, se enquadram perfeitamente na perspectiva de estudo de caso.

32.
Como já salientamos anteriormente o estudo de caso(s) caracteriza-
se como uma investigação intensiva que se empenha em atingir a
compreensão da singularidade de um fenômeno. O estudo de caso(s)
mergulha na realidade mediante uma análise detalhada de seus elementos e
da interação que se produz entre eles e seu contexto, para chegar mediante
um processo de síntese e a procura do significado e a tomada de decisão
sobre o caso16. O estudo detalhado permite esclarecer relações, desvelar
os processos críticos subjacentes e identificar fenômenos comuns.

33.
O estudo de caso(s), embora seja considerado normalmente como
uma técnica de pesquisa no âmbito dos métodos qualitativos, não descarta,
em hipótese alguma, a possibilidade de abordar aspetos quantitativos. Nas
ciências do esporte, cada vez mais, os pesquisadores tem lançado mão
desta técnica, principalmente em estudos com atletas de alto rendimento e
com talentos esportivos na ótica da biomecânica, da cinesiologia, da psicologia
e do treinamento esportivo.

As etapas do estudo de caso(s)


34.
1. Escolha do tema: É, característica do estudo de caso(s) uma
maior flexibilidade na escolha do tema. Isto porque ele poderá estar definido

16.
Cf. Arnal, et al. op. cit., p.170.

232 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


a priori pelo pesquisador, poderá ser determinado por uma necessidade de
interpretar determinado fenômeno oriundo de uma pesquisa quantitativa ou
qualitativa. Outra característica relevante do estudo de caso(s) é que o
tema vai se afirmando e delineando contornos mais nítidos na medida em
que o projeto avança. É importante sublinhar que é necessário partirmos de
algum porto, embora saibamos que ao longo do trajeto os ventos e as
correntezas poderão nos conduzir para direções inesperadas. Não obstante,
de início traçamos nosso rumo sobre um mapa. Mas, insisto, se por ventura,
os ventos e as correntezas nos conduzirem para outros horizontes, nada nos
deve impedir de traçar em nosso mapa inicial novas rotas e, quem sabe, até
novos destinos.

35.
2. Delimitação dos objetivos: O que referimos em relação a
escolha do tema é, evidentemente, válido para a delimitação dos objetivos
em estudo de caso(s). No estudo de caso(s) sugerimos de início a
formulação de objetivos gerais. Objetivos que possibilitem ao pesquisador ir
aos poucos mapeando em mais detalhes seu campo de estudo. Conhecendo
e interpretando paulatinamente o conjunto de sinais oriundos de seu objeto
de estudo o pesquisador poderá ao longo do trabalho ir formulando um
conjunto de objetivos específicos mais precisos e adequados às necessidades
de sua investigação. Saliento que no estudo de caso(s) muitos construtos ou
variáveis podem surgir ao longo da pesquisa, assim como outras variáveis
ou construtos podem perder sua relevância e serem descartadas. Assim
sendo, estas novas possibilidades podem alterar o rumo da investigação
inicialmente previsto e, como tal, exigir a formulação de outros ou, até mesmo,
de um novo conjunto de objetivos. Entretanto, deixemos claro que ao
considerarmos a flexibilidade metodológica do estudo de caso(s), nada
justifica iniciarmos uma pesquisa sem definirmos com clareza os objetivos
gerais que queremos atingir. Uma pesquisa científica não é um
empreendimento espontâneo, exige um projeto. Um projeto bem constituído.
Um projeto passível de ser avaliado por pesquisadores e julgado sobre sua
possibilidade de execução, relevância e pressupostos éticos.

36.
3. Estratégias e instrumentos de coleta de informações:
Embora no estudo de caso(s) utilizamos com frequência a observação, a
entrevista e depoimentos, devemos salientar que qualquer técnica pode ser

O desafio da iniciação científica 233


utilizada. Em nossa área de estudo, as ciências do movimento humano, é
muito comum a utilização de medidas e testes. Exemplo: podemos utilizar
um estudo de caso para observar os efeitos de um programa de exercícios
sobre os hábitos de vida de um sujeito obeso e hipertenso. Ora, é evidente
que além das observações sobre o cotidiano de nosso aluno: hábitos
alimentares, hábitos de sono, comportamentos de risco, atividade física
habitual, fontes de estresse etc., vamos acompanhar seus níveis de tensão
arterial, sua aptidão física e sua massa corporal. Enfim, as informações são
provenientes de diversas fontes: entrevistas; documentos pessoais como
diários, cartas, e-mails; avaliações de hábitos de vida, de variáveis psicológica,
sociológicas, da aptidão física. Se for necessário, valemo-nos de entrevistas
com outras pessoas, familiares, amigos, professores.

Tipos de Estudo de Caso(s)


37.
1. Estudo de caso único: É o típico estudo de um caso. Vamos
investigar sobre um sujeito que se distingue por alguma característica
marcante, ou por ter realizado uma obra relevante. Enfim, vamos estudar
um sujeito impar. Um talento esportivo, um bailarino que tenha inventado
uma coreografia revolucionária, o criador de uma obra de arte etc. O estudo
de caso permite que possamos desvendar em profundidade as motivações,
os hábitos, as ideias, os planos, as atitudes de um sujeito a ponto de podermos
sugerir hipóteses explicativas e interpretativas sobre um determinado feito
ou uma determinada personalidade.

38.
Os estudos de caso nas áreas biológicas, da saúde e do treinamento
esportivo são relevantes. Permitem investigarmos situações inusitadas ou
muito pouco frequentes. Excelentes exemplos de estudos de caso podemos
encontrar nos trabalhos de neurofisiologia de António Damásio) e sua equipe
nas investigações sobre emoções, sentimentos e consciência (1994, 2000 e
2010). Os pesquisadores na área do esporte, muitas vezes valem-se de
estudo de caso para investigar as necessidades individuais de um determinado
atleta de alto rendimento que necessita aperfeiçoar algum detalhe de sua
técnica visando melhorar seu desempenho. Professores de educação física,

234 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


médicos, psicólogos, fisioterapeutas, nutricionistas, da mesma forma, podem
valer-se do estudo de caso para interpretar e descrever os efeitos de sua
intervenção sobre indivíduos com características especiais.

39.
2. Estudo de caso institucional: Diferentemente do estudo de caso
único que acabamos de descrever, o estudo de caso institucional não trata
de um só sujeito. O estudo de caso institucional trata de uma organização
em particular durante um determinado período de tempo. Podemos investigar
um clube esportivo, uma academia de ginástica, uma escola, etc. De fato,
podemos pretender desvelar sua história, sua organização interna, seu
gerenciamento, as relações interpessoais.

40.
3. Estudo de caso comunitário, também citadas como micro ou
minietnografia, são investigações similares ao estudo de caso institucional,
todavia, nesta perspectiva vamos investigar uma determinada comunidade
de sujeitos. Por exemplo: Os hábitos de lazer de jovens de um determinada
comunidade religiosa. Os sentido atribuído às praticas esportivas numa
comunidade indígena. Evidentemente, no estudo de caso comunitário o foco
principal da pesquisa é o imaginário social, diferente do estudo institucional
que assume uma característica mais operacional e de resolução de problemas.

41.
4. Estudo de caso situacional: Trata de investigar um situação
impar. Descreve e interpreta um dado acontecimento, um evento particular.
Por exemplo: A transferência de clube de um atleta famosos: como
interpretam, como reagem e como se comportam os torcedores, os
dirigentes, a imprensa, os atletas. Enfim, trata de investigar um fenômeno
social no âmbito de um evento culturalmente relevante e, mais ou menos,
específico.

42.
5. Estudo de casos múltiplos: caracteriza-se pela análise
sistematizada e organizada de dois ou mais casos que são investigados no
espaço de um mesmo conjunto de objetivos. As categorias de análise são

O desafio da iniciação científica 235


as mesmas para cada um dos casos. Tais categorias servem para analisar
cada caso em especial e, posteriormente, auxiliam as análises comparativas
entre os diversos casos sugerindo possíveis regularidades e algumas
especificidades entre eles (os casos), desta forma permitindo a construção
de um quadro mais amplo e diversificado de análise sobre o objeto de
investigação.
Exemplo: Pretendemos investigar a prática docente de professores
de educação física em escolas de ensino médio que trabalham com o ensino
dos esportes. Vamos selecionar quatro professores com características
distintas: 1. Professor recém formado sem participação relevante em práticas
esportivas; 2. Professor com mais de dez anos de experiência docente todavia,
sem participação relevante em práticas esportivas; 3. Professor recém
formado com relevante participação esportiva e; 4. Professor com mais de
dez anos de experiência docente e com relevante participação esportiva.
Vamos investigar a partir das análises dos planos de curso e de
observações das aulas as seguintes categorias: 1. Planejamento dos objetivos
de ensino; 2. Planejamento dos conteúdos da aprendizagem; 3. Planejamento
das atividades de aprendizagem; 4. Planejamento das estratégias de ensino
e; 5. Planejamento das avaliações.
Neste caso poderemos compor o projeto da pesquisa da seguinte
forma: 1. Uma introdução geral apresentando os objetivos da pesquisa, a
justificativa de sua relevância, as categorias de análise, ...; 2. Um capítulo
sobre o referencial teórico que subsidia a investigação; 3. Um capítulo
correspondendo a cada sujeito da pesquisa. Ou seja, quatro capítulos
construídos a partir de uma mesma estrutura: a biografia do professor e a
partir das categorias de análise descreveremos as informações oriundas
das análises dos documentos escritos, das entrevistas e observações; a
seguir discutiremos e interpretaremos as informações e apresentaremos as
conclusões (caso a caso). 4. Mais um capítulo e poderíamos concluir a
pesquisa apresentando uma síntese comparativa entre os quatro professores
através das cinco categorias de análise. Neste capítulo poderíamos revelar
aspetos coincidentes, aspectos divergentes e possíveis especificidades de
cada professor e interpreta-los a luz da experiência docente e da experiência
esportiva. 5. Por fim, um último capítulo poderia reunir as conclusões gerais
do pesquisador, formando um quadro teórico coerente e consistente a partir
das análises dos capítulos anteriores.

236 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Pesquisa-Ação (Investigação-Ação)
43.
A Pesquisa-Ação é um tipo de pesquisa social com base
empírica que é concebida e realizada em estreita
associação com uma ação ou com a resolução de um
problema coletivo e no qual os pesquisadores e os
participantes representativos da situação ou do
problema estão envolvidos de modo cooperativo e
participativo. (THIOLLENT, 1996,p. 14)

Atribui-se a John Dewey (1859–1952) a origem da Pesquisa-Ação.


Segundo afirma António Esteves (1986), após a ruptura com a visão
epistemológica idealista hegeliana e, no quadro de uma concepção unitária
da ciência, Dewey desenvolveu um conceito de pesquisa onde se torna
evidente a exigência de uma atitude pragmática no âmbito da investigação.
Para J. Dewey, os problemas genuínos da investigação
são colocados pelas próprias situações sociais reais
que sejam conflituais e confusas, sendo fictício e
arbitrariamente colocado pelo investigador qualquer
outro problema que não surja destas condições
(ESTEVES, 1986, p.255).

44.
Não obstante, ao reconhecimento da relevância das ideias de Dewey
na origem da Pesquisa-Ação, os estudiosos da história da ciência são
unânimes em atribuir a Kurt Lewin a sua gênese. Foi Lewin quem registrou
o nome: Pesquisa-Ação em 1946, adotando-o para descrever um enfoque
de pesquisa, que sem romper com o modelo tradicional analítico da
psicologia, supõe uma adaptação aos programas de ação social (ARNALL
et Col. 1991). Para Lewin, a pesquisa é antes de tudo uma pesquisa-ação,
ele não admite uma ação sem pesquisa, nem tampouco uma pesquisa sem
ação, isto porque somente desta forma teremos avanços teóricos e
simultaneamente mudanças sociais. Muitas foram as áreas de aplicação
desta metodologia: hábitos alimentares, preconceitos, disposições
psicológicas, resistência à mudanças, formação de quadros, decisão de
grupos, comportamento de grupos marginais, etc. (ESTEVES,1986).

O desafio da iniciação científica 237


45.
Nos anos de 1970 a Pesquisa-Ação assume uma relevância
significativa no âmbito da educação. Este movimento é impulsionado por
pesquisadores como: Stenhouse (1970), Elliot (1973), Allal et al (1979) que
apresentam a Pesquisa-Ação como alternativa à pesquisa educacional
tradicional. Surge neste período o Instituto CARN (Classroom Action
Research Network), que bianualmente publica monografias sobre a Pesquisa-
Ação. Assim, a Pesquisa-Ação se desenvolve passando a se constituir num
método de pesquisa muito valorizado. Embora as críticas, a maioria delas,
advinda de pesquisadores tradicionais, para os quais a ciência se resume
apenas a um único modelo de racionalidade, a Pesquisa-Ação representa
uma alternativa de significativa relevância, principalmente para as ciências
aplicadas como é o caso das ciências do movimento humano.

46
No Brasil a Pesquisa-Ação foi muito valorizada, principalmente pelos
educadores populares que na esteira de Paulo Freire desenvolveram estudos
e realizaram práticas de alfabetização de adultos que marcaram
profundamente nossa história mais recente. Da mesma forma os grupos
ligados a Igreja Católica, as Comunidades Eclesiais de Base como são
conhecidas, valeram-se da Pesquisa-Ação para investigar e propor ações
em grupos normalmente marginalizados da sociedade tais como:
Trabalhadores rurais sem terra, meninos de rua, prostitutas, homossexuais,
populações que vivem em torno do lixo, sem tetos, etc. Em Porto Alegre a
Pesquisa-Ação teve papel fundamental na constituição do Orçamento
Participativo do município de Porto Alegre, diga-se de passagem, uma
experiência reconhecida internacionalmente como uma das mais
consagradas expressões de democracia participativa, infelizmente
desconstruída pelos políticos tradicionais e os governos conservadores que
sucederam administração popular.

Pesquisa-Ação: tipos de ação


47.
Michel Thiollent, um dos estudiosos e sistematizadores mais
importantes no âmbito da Pesquisa-Ação sugere: Para que não haja
ambiguidade, uma pesquisa pode ser qualificada como Pesquisa-Ação

238 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


quando houver realmente uma ação por parte das pessoas ou grupo implicado
no problema sob observação. Além disso, é preciso que a ação seja uma
ação não-trivial, o que quer dizer uma ação problemática merecendo
investigação para ser elaborada e conduzida (THIILLENT,1996).

48.
Para Thiollent são os seguintes os principais tipos de ação:
1. Ação reivindicatória: Por exemplo, no contexto associativo estudos
capazes de justificar e implantação de um serviço médico. No contexto de
uma comunidade a reivindicação de um posto de saúde, uma escola, ou
serviço de transporte, etc.; 2. Ação de caráter prático: Atividade realizada
no âmbito de uma coletividade com intuito de efetivar uma ação concreta.
Exemplo, o lançamento de um jornal ou rádio comunitária; organização de
um clube esportivo ou cultural. 3. Ação no contexto organizacional: Atividade
que visa resolver problemas de ordem aparentemente mais técnica. Exemplo:
introduzir uma nova tecnologia, ou desbloquear a circulação de informações
dentro de uma organização.

Principais características da Pesquisa-Ação


49.
Conforme Thiollent (1996, p.16) a Pesquisa-Ação apresenta as
seguintes principais características: 1. há uma ampla e explícita interação
entre pesquisadores e pessoas implicadas na situação pesquisada; 2. desta
interação resulta a ordem de prioridade dos problemas a serem pesquisados
e das soluções a serem encaminhadas sob forma de ação concreta; 3. o
objeto de investigação não é constituído pelas pessoas e sim pela situação
social e pelos problemas de diferentes naturezas encontradas na situação;
4. o objetivo da Pesquisa-Ação consiste em resolver ou, pelo menos, em
esclarecer os problemas da situação observada; 5. há, durante o processo,
um acompanhamento das decisões, das ações e de toda a atividade
intencional dos atores da situação; 6. a pesquisa não se limita a uma forma
de ação (risco de ativismo): pretende-se aumentar o conhecimento dos
pesquisadores e o conhecimento ou o nível de consciência das pessoas e
grupos considerados.

O desafio da iniciação científica 239


A organização da Pesquisa-Ação
Seguindo em linhas gerais as indicações de Michel Thiolent podemos
anunciar os principais passos na execução de uma Pesquisa-Ação:

50.
1. Fase exploratória: Consiste em definirmos o objeto de pesquisa.
Identificarmos o campo de intervenção, os interessados e suas expectativas.
Devemos realizar um diagnóstico sobre a situação, sobre os problemas
prioritários e eventuais ações. Um dos aspetos mais importantes na Pesquisa-
Ação é ter claro nossas possibilidades. Isto requer que tenhamos clareza
sobre nossa disponibilidade de tempo, nossos recursos orçamentários, nossa
capacidade de trabalhar coletivamente, nossa experiência, etc. Por outro
lado, é necessário identificar as condições de realizarmos um trabalho deste
tipo numa determinada comunidade. Detectar os apoios e as resistências;
as convergências e divergências; as posições otimistas e céticas. Devemos
ter muito em conta que nossa inserção no meio onde pretendemos pesquisar
é fundamental para o sucesso do trabalho. Nesta fase de diagnóstico é
preciso que ao mantermos os primeiros contato possamos identificar as
expectativas, os problemas da situação, as características da população. É,
da mesma forma, importante que nossa equipe reúna todas as informações
disponiveis em documentos oficiais, jornais, revistas etc. Enfim, trata-se de
um diagnóstico.

51.
2. Definição do tema: Os aspetos mais relevantes sobre a definição
do tema de pesquisa já foram discutidos no capítulo 5. De fato, tudo que
afirmamos naquele capítulo permanece plenamente válido para a Pesquisa-
Ação. Todavia é necessário complementarmos com algumas informações
que lhe são inerentes. Por exemplo: na Pesquisa-Ação o tema deve ser
definido a partir de um processo de discussão com os participantes. Da
mesma forma o tema deve ser escolhido em função de um determinado
compromisso entre nós, os pesquisadores, o os participantes da situação
investigada.

240 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Em certos casos, o tema é de antemão determinado pela
natureza e pela urgência do problema encontrado na
situação. Por exemplo: nos casos de uma remoção de
favela ou de uma campanha popular para construir
uma escola. Em outros casos, o tema emerge
progressivamente das discussões exploratórias entre
pesquisadores e elementos ativos da situação
(THIOLLENT, 1996, p.51).

52.
Definido o tema da pesquisa, devemos situar este tema no âmbito de
um marco teórico adequado. Esta exigência decorre da necessidade de
nortearmos a pesquisa e, atribuirmos relevância a determinadas categorias
de informações sobre as quais serão esboçadas as interpretações e
equacionadas as possíveis soluções.
É claro que, nesse processo, os pesquisadores não
podem aprender tudo o que precisam apenas no contato
com a população. Precisam de uma formação anterior,
a mais completa possível, para estarem em condição de
definir a problemática adequada ao desenrolar da
prática de pesquisa. Nesta fase a pesquisa bibliográfica
é necessária. É possível, também, recorrer ao saber de
diversos especialistas dos assuntos implicados.
(THIOLLENT, 1996 p.53).

53.
3. Definição do problema de pesquisa: Tal como em relação a
escolha do tema, os aspetos mais significativos sobre a definição de um
problema de pesquisa já foram descritos no capítulo 5. Todavia em se tratando
de Pesquisa-Ação devemos sublinhar que, em particular nesta abordagem
metodológica, os problemas devem enunciar questões de ordem prática. É
inerente a Pesquisa-Ação a resolução de problemas concretos, tendo em
vista alcançarmos um objetivo ou realizar uma possível transformação dentro
do tema definido.

O desafio da iniciação científica 241


É claro que, para que haja realmente necessidade de
uma pesquisa, os problemas colocados não devem ser
triviais. Se coletar três ou quatro informações bastasse
para resolver um problema do dia-a-dia ou para toma
uma decisão rotineira na vida de uma associação não
precisaríamos desencadear um processo de investigação
ação. (THIOLLENT, 1996 p. 54).

54.
4. Hipóteses: Na Pesquisa-Ação as hipóteses correspondem a
suposições propostas pelo pesquisador ao nível observacional à respeito de
prováveis soluções ao problema da pesquisa. A adequada formulação de
hipóteses, que neste caso não tem as mesmas características das hipóteses
estatísticas, servem como normas à indicar o caminho e focalizar
determinados aspetos relevantes na busca de soluções para o problema da
investigação. Todavia, mesmo que a hipótese na Pesquisa Ação não tenha
que tratar de variáveis quantitativas, é necessário que seja formulada em
termos claros e precisos. Lembremos que será a partir da hipótese que o
pesquisador e participantes tomam conhecimento sobre as informações que
são necessárias e as técnicas de coleta de informações a serem utilizadas.

55.
5. O seminário: Estando definido o tema, problema e hipóteses, e
considerando que os participantes da pesquisa estão de acordo, o passo
seguinte é a constituição do grupo que irá conduzi-la. A técnica principal é
o seminários.
Thiollent sugere as seguintes principais tarefas do seminário: 1. Definir
o tema e equacionar os problemas para os quais a pesquisa foi solicitada; 2.
Elaborar a problemática na qual serão tratados os problemas e as
correspondentes hipóteses de pesquisa; 3. Constituir os grupos de estudos
e equipes de pesquisa. Coordenar suas atividades; 4. Centralizar as
informações provenientes das diversas fontes; 5. Elaborar as interpretações;
6. Buscar soluções e definir diretrizes de ação; 7. Acompanhar e avaliar
ações e; 8. Divulgar os resultados pelos canais apropriados.

242 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


56.
Como pudemos verificar ao longo deste item sobre Pesquisa-Ação,
sua concepção teórica, tal como foi referimos no capítulo 4, difere
significativamente das concepções nomotéticas e ideográficas.
Filosoficamente insere-se na perspectiva do pragmatismo, isto significa que
seu objetivo imediato e a resolução de problemas factuais. Por outro lado, é
uma pesquisa predominantemente coletiva, exige a participação dos atores
sociais envolvido no estudo e, além do mais, pressupõe a transformação
nos níveis de consciência dos seus partícipes. A Pesquisa-Ação, tem um
componente político explícito, ela toma partido das causas ou reivindicações
de grupos humanos e está preocupada com mudanças significativas na vida
das pessoas em sociedade.

O desafio da iniciação científica 243


Referências
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Investigación Educativa. Parte II. Barcelona: Univ. Barcelona, 1991,
p.159.
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Porto: Porto Ed., 1994.
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(orgs) Metodologia das Ciências Sociais .8a ed. Porto: Afrontamento,
1986.
FLICK, U. Uma Introdução à Pesquisa Qualitativa. Porto Alegre:
Bookman, 2004.
GAYA, A. As Ciências do Desporto nos Países de Língua portuguesa.
Uma abordagem epistemológica. Porto: Universidade do Porto, 1994.
GÖMEZ, G.R.; FLORES, J.G.; JIMÉNEZ, E.G. Metodología de la
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HÉRBERT-LESSARD, M.; GOYETTE,G.; BOUTIN, G. Investigação
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empreendimento e da aventura dos nativos nos arquipélagos da Nova
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THIOLLENT, M. Metodologia da Pesquisa-Ação. (7a ed.), São Paulo:
Cortez, 1996.
VÍCTORA,C.G; KNAUTH, D.R.; HASSEN, M.N.A. Pesquisa
Qualitativa em Saúde. Uma introdução ao tema. Porto Alegre. Tomo.
2000.
YIN, R. Estudo de Caso. Planejamento e Métodos. Porto Alegre:
Bookman, 2001.

244 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


16.
Principais Delineamentos Mistos
Adroaldo Gaya

1.
John W. Creswell (2007, p.213) ao apresentar as pesquisas com
abordagem mista sugere um conjunto de perguntas cujas respostas orientam
o pesquisador na definição do delineamento adequado aos seus objetivos.
São critérios para escolher a melhor estratégia. Considerando que a
abordagem mista assume no mesmo projeto abordagens qualitativas e
quantitativas algumas decisões devem ser tomadas a priori pelo pesquisador:
1. Qual a sequência na utilização das abordagens qualitativa e quantitativa?
Começar por onde? 2. Durante a coleta e análise dos dados e informações
há prioridade entre dados quantitativos ou informações qualitativas? Qual,
entre eles, é o mais relevante para atender aos objetivos do projeto? As
conclusões decorrem principalmente dos dados quantitativos, qualitativos
ou de ambos? 3. Em que estágio do projeto serão integrados os dados
quantitativos e as informações qualitativas? Na coleta de dados e
informações? Na análise dos dados? Na interpretação dos resultados? Das
respostas à estas1 perguntas o pesquisador desenha suas estratégias de
pesquisa.

2.
Qual a sequência na utilização das abordagens qualitativa e
quantitativa? A implantação de projeto com abordagem mista possibilita
ao pesquisador que a coleta de dados e informações quantitativas e
qualitativas possam ser realizadas em momentos distintos (sequenciais) ou
ao mesmo tempo (concorrentes). Se a opção for por coletas sequenciais,
evidentemente há duas possibilidades: Iniciar pela coleta de dados
quantitativos e posteriormente a coleta de informações qualitativas ou vice-
versa.

1
Creswell sugere um quarta pergunta: Será usada uma perspectiva teórica global? Excluí esta pergunta do
presente texto por entende-la redundante. Parece-me óbvia exigência de uma teoria orientadora em qualquer
projeto de pesquisa.

O desafio da iniciação científica 245


3.
Quando a coleta sequencial inicia por abordagem qualitativa,
normalmente o pesquisador pretende realizar um estudo exploratório. Um
estudo inicial com pequenos grupos para estabelecer algumas hipóteses,
testar seus instrumentos. Em pesquisas cujo objetivo é a construção de
questionários, por exemplo, usualmente o pesquisador propõe um estudo
qualitativo através de entrevistas para identificar as principais variáveis ou
construtos presentes no ideário da população alvo, (exemplo: motivos para
prática de esportes). Posteriormente, por análise de conteúdo, identifica
nas entrevistas categorias e dimensões de análises que, se constituem em
itens do questionário (exemplo: ser atleta, encontrar amigos, ser campeão,
manter à saúde...). Em sequência este questionário preliminar, por
procedimentos de abordagem quantitativa, é testado em relação a validade,
fidedignidade e objetividade e enfim, está pronto para ser utilizado em
pesquisas (sobre motivação para as práticas esportivas).

4.
Quando a coleta sequencial inicia por abordagem quantitativa é
comum o pesquisador inicialmente preocupar-se com o perfil de uma
população numa ou mais variáveis de interesse. Por exemplo: a prevalência
de crianças e adolescentes com excesso de peso na população escolar de
um determinado município ou região. Decorre desta coleta de dados
quantitativos simplesmente dados descritivos sobre as crianças e
adolescentes com excesso de peso. Todavia, se o pesquisador se interessar
por identificar associações entre o excesso de peso e hábitos de vida diária
ele realizará um estudo qualitativo, com as crianças com excesso de peso
(ou parte delas) para identificar, através de entrevistas, o que fazem as
crianças e adolescentes em seu dia-a-dia. Como tal, ao final da pesquisa
temos informações sobre a prevalência de excesso de peso provenientes
dos dados quantitativos e os principais intervenientes neste perfil, advindos
das informações qualitativas.

5.
Quando a coleta de dados quantitativos e de informações qualitativas
é concorrente, ou seja, realizadas ao mesmo tempo é evidente que o
pesquisador de início já tem claro sua intenção de realizar um estudo de

246 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


associação entre variáveis quantitativas e qualitativas. Exemplo: o
pesquisador pretende associar os níveis de aptidão física relacionada à saúde
de adolescentes com os padrões de atividade física dos seus pais. Para isso
o pesquisador pode ir às escolas de sua região e realizar medidas e testes
de aptidão física relacionada à saúde (dados quantitativos) e,
simultaneamente entrevistar pais, mães e responsáveis sobre os padrões de
atividade física (informações qualitativas) e, finalmente na fase de tratamento
dos dados, sugerir uma análise estatística de correlação (abordagem
quantitativa) ou uma análise por argumentação teórica (abordagem
qualitativa).

6.
Durante a coleta e análise dos dados e informações há
prioridade entre dados quantitativos ou informações qualitativas?
Há projetos onde as abordagens qualitativas e quantitativas mantém a mesma
relevância. Noutros projetos, todavia, pode haver a maior relevância
(predominância) de uma ou outra abordagem. Em outras palavras, como
afirmam Thomas, Nelson e Silverman (2012), um projetos pode ser
predominantemente qualitativo com uma parte quantitativa, ou
predominantemente quantitativo com uma parte qualitativa. Nestes casos,
os delineamentos podem ser denominados como mistos (concorrentes ou
sequenciais) com abordagem qualitativa aninhada (primeiro caso), ou
com abordagem quantitativa aninhada (no segundo caso). Estas
alternativas podem ocorrer quando a abordagem aninhada à abordagem
predominante investiga alguma questão diferente da questão da abordagem
predominante ou investiga informações de diferentes níveis hierárquicos
(CRESWELL, 2007).

7.
Em que estágio do projeto serão integrados os dados
quantitativos e as informações qualitativas? A integração entre dados
quantitativos e informações qualitativas podem ocorrer em diversas fases
do projeto. Desde o início; na organização do banco de dados; na fase de
discussão e interpretação dos resultados. Por outro lado, pode envolver
relações entre questões abertas e fechadas, questões abertas e dados
objetivos de algum teste, entre observações subjetivas e respostas a

O desafio da iniciação científica 247


questionários padronizados. Ainda, há projetos onde construtos qualitativos
são transformados em dados numéricos (por exemplo, quando a partir de
entrevistas os textos correspondentes após interpretados são traduzidos em
escalas do tipo Lickert). Enfim, o momento onde ocorre a integração entre
dados quantitativos e informações qualitativas está relacionado principalmente
ao fato da coleta ocorrer em fases sequenciais ou concorrente.

Síntese
Em forma de síntese podemos classificar os delineamentos ou
estratégias mistas através do seguintes esquemas.
Estratégias de Delineamento Mistos

1. Delineamento misto concorrente iniciado pela abordagem qualitativa


2. Delineamento misto concorrente iniciado pela abordagem quantitativa
3. Delineamento misto concorrente com abordagem quantitativa aninhada à qualitativa
4. Delineamento misto concorrente com abordagem qualitativa aninhada à quantitativa
5. Delineamento misto sequencial iniciado pela abordagem qualitativa
6. Delineamento misto sequencial iniciado pela abordagem quantitativa

Referências
CRESWELL, J.W. Projeto de Pesquisa. Métodos qualitativo, quantitativo
e misto. (2a ed.). ARTMED: Porto Alegre, 2007.
THOMAS, J.R; NELSON, J.K. & SILVERMAN, S.J. Métodos de
Pesquisa em Atividade Física. (6a Ed.) ARTMED: Porto Alegre, 2012.

248 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


17.
Sujeitos da pesquisa, população e amostra
Adroaldo Gaya

1.
A identificação dos sujeitos da pesquisa é parte relevante dos projetos
de investigação científica. Afinal, trata-se da seleção dos informantes. É
parte essencial do trabalho de campo. São as fontes que fornecem os dados,
as informações ou evidências que vamos processar e interpretar para
produzir teorias. É importante também ressaltar que é na seleção dos sujeitos
da pesquisa onde residem os mais frequentes erros que resultam, tantas
vezes, em conclusões precipitadas e indevidas. Estes erros infelizmente
ocorrem com muita frequência nas pesquisas inferenciais (pesquisas que
tratam com amostras e pretendem induzir seus resultados à população por
procedimentos estatísticos), devido ao pouco cuidado que os pesquisadores
atribuem aos procedimentos de seleção da amostra (sua representatividade
perante a população).

2.
Vou discorrer sobre os sujeitos da pesquisa dos projetos de
investigação científica sob três perspectivas: 1. a dos projetos de pesquisas
qualitativas; 2. dos projetos de pesquisas quantitativas com amostras
probabilísticas, randômicas ou aleatórias e; 3. dos projetos de pesquisas
quantitativas com amostras não aleatórias.

3.
Porque esta distinção? Trata-se efetivamente de um ponto de vista
que pretendo firmar. Decorre da enorme confusão (sem exageros) que
encontramos na bibliografia, nas normas de publicação de vários periódicos
científicos e, como consequência, surgem amiúde nos textos de muitos
projetos e relatórios de pesquisa. Confundem-se (misturam-se) pressupostos
conceituais e, como tal, inúmeras vezes exigem-se das pesquisas qualitativas
e pesquisas quantitativas com amostras não aleatórias tratamentos

O desafio da iniciação científica 249


estatísticos inferenciais que só são aplicáveis aos estudos quantitativos com
amostras aleatórias1. Erros como este são muito frequentes e, como tal,
exigem reparos.

4.
Pretendo neste capítulo: 1. afirmar os pressupostos teóricos e
metodológicos que justificam a seleção dos sujeitos nos modelos de pesquisa
qualitativos e quantitativos; 2. definir as técnicas de seleção dos sujeitos
para estudos qualitativos; 3. definir as técnicas de amostragem para estudos
quantitativos com ou sem amostras aleatórias.

Os sujeitos da pesquisa nos métodos qualitativos


5.
Nas pesquisas qualitativas os pesquisadores principalmente
preocupam-se em interpretar comportamentos, atitudes, expectativas de
um determinado grupo ou de uma comunidade mais ou menos restrita. Nas
pesquisas qualitativas os pesquisadores não ambicionam propor inferências
(estatísticas) que possibilitem induzir ou transpor seus resultados para uma
população além daquela que constitui seu universo empírico.
Como salienta Egberto Ribeiro Turato:
É necessário enfatizar que os pesquisadores
qualitativistas (sic) 2 , não tencionam generalizar
resultados, mas dar possibilidades de generalizar novos
conceitos e pressupostos que levantam na conclusão
do estudo (2003, p. 260).

A observação de Turato é pertinente. Em outras palavras significa


que, 1. enquanto os métodos quantitativos com amostras probabilísticas tem
como pressuposto que os resultados, encontrados num pequeno grupo de
sujeitos (amostra) podem representar todos os sujeitos (população); 2. os

1
Ou, aos estudos com amostras não aleatórias, desde que se cumpram as exigências relacionadas ao ajustamento
inicial dos grupos da pesquisa.
2
Particularmente não concordo com a adjetivação “pesquisadores qualitativistas”.Os pesquisadores devem ser
apenas pesquisadores e devem estar aptos a escolher os métodos quantitativos ou qualitativos conforme as
exigências de seu estudo. É um reducionismo lamentável esta dicotomia entre pesquisadores qualitativistas e
quantitativistas.

250 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


métodos qualitativos não assumem tais pretensões. Eles não assumem a
ambição de interpretar um determinado fenômeno num determinado
contexto reduzido e extrapolar os resultados para todos os contextos (mesmo
que semelhantes). As pesquisas qualitativas são projetadas para fornecer
uma visão de dentro do próprio grupo. Preocupam-se os pesquisadores
qualitativos principalmente com a validade interna3 de seus resultados.

6.
Nas pesquisas qualitativas a seleção dos sujeitos é, normalmente,
intencional e voluntária. O pesquisador seleciona e convida os sujeitos que
ele reconhece serão capazes de lhe fornecer as informações inerentes as
suas questões de pesquisa. Não há exigência (e nem faz sentido) proceder-
se a técnicas para a seleção aleatória dos sujeitos da pesquisa e, tampouco,
utilizar técnicas estatísticas para a definição do tamanho da amostra. Assim
sendo, sugiro que não deveríamos denominar o conjunto dos sujeitos de
uma pesquisa qualitativa de amostra. Minha sugestão é simples: basta
denomina-los como “sujeitos da pesquisa”. Voltarei a tratar desse tema
com mais detalhes quanto discorrer sobre “população e amostra” nas
pesquisas quantitativas com amostras probabilísticas.

7.
Não obstante, Isto não significa supor a ausência de critérios
claramente definidos para a seleção dos sujeitos. Toda a seleção dos sujeitos
da pesquisa nos estudos qualitativos dá-se em função dos objetivos do
pesquisador. O local e os sujeitos selecionados devem apresentar as
melhores possibilidades de fornecer informações adequadas sobre os
indicadores, atributos ou categorias investigadas em relação ao universo
empírico. Insisto, a seleção dos sujeitos de pesquisa em estudos qualitativos
deve preferencialmente ser intencional e voluntária. É baseada em critérios
pré-definidos. A seleção dos sujeitos envolve a consideração de onde
observar, quando observar, a quem observar e o que observar e,
evidentemente a disponibilidade do sujeito.

3
O conceito de validade interna e externa de uma pesquisa é bem descrita por Maurício Gomes Pereira em seu
livro: Artigos Científicos. Como redigir, publicar e avaliar. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011.ps. 58-9.

O desafio da iniciação científica 251


8.
Todavia, nunca é demais lembrar que uma amostra intencional
absolutamente não significa selecionar sujeitos cujas respostas ou
comportamentos atendam as necessidades inerentes ao desejo do pesquisador
em confirmar suas hipóteses. Embora, algumas vezes isto lamentavelmente
ocorra, e possa passar despercebido aos leitores, é indiscutivelmente uma
transgressão aos princípio elementares da ética em pesquisa.

9.
Vou me valer das considerações de Víctora, Knauth & Hassen (2000)
retiradas do livro Pesquisa Qualitativa em Saúde. As autoras sugerem quatro
tópicos principais para a seleção dos sujeitos: 1. os grupos que participarão
do estudo; 2. o lugar onde o grupo eleito será recrutado; 3. o período de
tempo que será contemplado para o estudo e; 4. O número de sujeitos que
participarão da investigação.

10.
1. Quanto aos grupos que participarão do estudo (os sujeitos da
pesquisa) eles deverão ser delimitados em razão de um conjunto de
informações relevantes ao pesquisador. Os critérios de inclusão.
Exemplo: o estudo de Leonardo Loeck4: Os significados do corpo
para as pessoas adeptas das modificações corporais extremas. O
principal objetivo deste trabalho foi interpretar o significado do corpo para
os indivíduos que possuem modificações corporais. Como tal, o autor
selecionou um conjunto de critérios de inclusão bem explícitos para compor
seu universo empírico.

Foram considerados para inclusão na pesquisa os sujeitos com


as seguintes características: 1. pelo menos um membro do corpo
coberto por tatuagem ou mais de quatro tatuagens que tenham
área superior a 8 cm2; 2. mais de seis piercings e ou alargadores;
3. ou qualquer escarificação, branding, bifurcação na língua
ou nulificação (características consideradas como modificações
corporais radicais).

4
TCC do curso de graduação em educação física da UFRGS apresentado em junho de 2010. Orientador: Dr. Alex
Fraga.

252 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Está evidente. Os sujeitos que participarão estudo foram claramente
delimitados em razão de informações relevantes ao pesquisador
(modificações corporais extremas), os critérios de inclusão foram definidos
com objetividade. Um bom exemplo.

11.
2. Em relação ao local onde serão selecionados os sujeitos é
necessário que ele garanta as melhores condições de acesso ao grupo,
tanto no que se refere à disponibilidade, como ao número de sujeitos com o
perfil desejado e quanto à aceitação do pesquisador. Há evidente vantagem
em utilizar o critério de conveniência para definir o local da pesquisa. É
condição necessária que o pesquisador tenha acesso pleno as informações,
o que depende, em grande escala, da confiança que os sujeitos da pesquisa
atribuem a ele.
No estudo de Leonardo Loeck , cumpriu-se esta exigência. O local
onde o grupo eleito foi selecionado está bem descrito.

Os sujeitos da pesquisa foram selecionados a partir de consulta


aos estúdios de tatuagem dos municípios de Porto Alegre e
Canoas (RS).

As próprias entrevistas foram realizadas nos estúdios de tatuagem.


Sem dúvida, um local adequado para encontrar os adeptos dessas práticas
corporais radicais e para a realização da coleta de informações.

12.
3. Quanto ao período de tempo em que será realizada a
investigação, em primeiro lugar se deve considerar se trata-se de um
trabalho de corte transversal ou longitudinal. Nas pesquisa de corte
transversal o pesquisador propõe analisar um fenômeno num determinado
momento do tempo, sem preocupar-se com possíveis alterações em
momentos futuros. Na pesquisa de corte longitudinal o pesquisador propõe
acompanhar o comportamento dos sujeitos da pesquisa ao longo de um
determinado período de tempo. Tem por objetivo verificar prováveis
alterações no fenômeno observado ao longo do tempo. É bem diferente
estudar um grupo acompanhando-o ao longo de um período razoavelmente

O desafio da iniciação científica 253


longo (estudo longitudinal) do que estudar um grupo em espaço ou recorte
temporal determinado (estudo transversal). Nos estudos de corte longitudinal,
podemos imaginar a composição de um filme onde as cenas se mostram
em movimento contínuo. Imagem dinâmica. Dá ideia de movimento. Nos
estudos de corte transversal, poderíamos imaginar uma fotografia, portanto
uma imagem discreta. Imagem recortada num dado tempo. Imagem estática.
O exemplo que selecionei se caracteriza como um estudo transversal.

13.
4. Quanto ao número de sujeitos que participarão da pesquisa,
nas abordagens qualitativas, como já afirmei, não se realizam cálculos
amostrais por técnicas estatísticas para definição do tamanho da amostra.
Sendo assim, normalmente eu aconselho aos estudantes que adotem o
critério da exaustividade ou saturação. Isto significa que o número de
sujeitos é definido durante a realização da coleta de informações a partir do
instante em que o pesquisador observa a recorrência ou redundância de
informações, ou seja, quando a seleção de novos sujeitos não mais acrescenta
novas informações relevantes. No exemplo que destaquei o pesquisador
manifesta que foram nove os sujeitos entrevistados o que permitiu uma
quantidade satisfatória de respostas diferentes”.
Enfim, é importante salientar que, embora o fato da
pesquisa qualitativa trabalhar com populações menores
não significa que duas ou três pessoas investigadas
conseguirão dar conta do objeto. É fundamental que o
pesquisador busque, dentro de seu universo, a maior
diversidade possível, de forma a contemplar as
diferentes perspectivas do problema e obter uma
saturação dos dados adequada (VÍCTORA, KNAUTH
& HASSEN, 2000, p. 51).

Os sujeitos da pesquisa nos métodos quantitativos com


amostras aleatórias (população e amostra)
14.
Nas pesquisas quantitativas utiliza-se o termo população e amostra
para descrever os sujeitos da pesquisa. Essas expressões merecem muito
cuidado. Elas têm forte significado no âmbito da redação científica e sua
utilização exige domínio de suas definições e conteúdos.

254 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


15.
A população é o conjunto de elementos que detém pelo menos uma
característica em comum. Exemplo: queremos realizar um estudo sobre os
efeitos de um programa de educação física para a promoção da saúde
em escolares com excesso de peso (sobrepeso e obesidade) entre 6 a
17 anos do município de Porto Alegre. Neste caso, a população é
constituída por todos os estudantes com excesso de peso (a presença de
sobrepeso e obesidade característica em comum entre os estudantes que
queremos investigar) entre 6 a 17 anos matriculados nas escolas de Porto
Alegre.

16.
Amostra é uma parte da população que se pretende observar de
modo que seja possível estimar alguma observação sobre determinada
característica (obesidade em nosso exemplo) à toda a população (escolares
com excesso de peso de Porto Alegre). Decorre destas definições que uma
amostra, para fins de pesquisa científica, deva ser representativa da
população de origem5. Ou seja, os escolares obesos selecionados para
compor a amostra devem representar com a maior fidedignidade possível
todos os escolares obesos entre 6 e 17 anos das escolas de Porto Alegre.
Eis a questão: em que condições podemos aceitar que uma amostra é
representativa da população?

Experiências na feira livre


17.
No cotidiano, na vida do dia-a-dia temos problemas semelhantes.
Por exemplo, quando vou a feira comprar uma melancia, peço ao feirante
para que ele retire uma pequena parte da fruta para que eu possa
experimentá-la. Isto presume que o feirante vá retirar uma amostra da
melancia. Ele escolhe um qualquer ponto da melancia (uma escolha aleatória)

5
Ver excelentes artigos: OLIVEIRA, T.M.V de. Amostragem não probabilística: adequação de situações para uso e
limitações da amostra por conveniência, julgamento e cotas. Administração On line. V.2, número 3, julho/agosto/
setembro, 2001. MARTINS, M.E.G. Análise de dados. Introdução às técnicas de amostragem, introdução a estimativa,
introdução aos testes e métodos não o paramétricos. Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, 2009.
<arquivoescolar.org/bitstream/arquivo-e/98/1/análise%20de%20dados.pdf> acesso em novembro de 2012.

O desafio da iniciação científica 255


e retira uma parte. Em seguida, após verificar as qualidades desta parte da
fruta, julgo sobre as qualidades de toda a fruta e decido comprá-la ou não.
A partir da parte que experimentei concluo sobre as características da
melancia inteira (faço uma inferência).

18.
Mas, se todavia o feirante for um sujeito sem escrúpulos? Vamos
imaginar que ele conheça as qualidades da fruta que pretende me vender e
sabe que a melancia já tem um de seus lados “apodrecido”. Peço-lhe uma
amostra, no entanto ele retira a “amostra” do lado ainda sadio da fruta
(uma escolha intencional). Neste caso, ele está propositadamente tentando
me enganar. Quer me vender uma melancia com a metade podre exibindo-
a a partir de uma pequena parte ainda sadia (amostra?). Ora! Evidentemente,
essa segunda “amostra” sadia da melancia apodrecida não tem a propriedade
de representar a fruta toda e o feirante sabe disso. É uma amostra
intencionalmente enviesada. Houve a clara intenção do feirante em falsear
a verdade. Ele manipulou as informações que detinha sobre a qualidade da
fruta. No dito popular o feirante “vendeu gato por lebre”. Ele cometeu uma
falcatrua, manipulou intencionalmente a amostra para atender seu objetivo:
vender a melancia podre. Portanto, a amostra não é representativa da
melancia.

19.
Mas, vamos considerar uma terceira hipótese. O feirante é homem
honesto. Ele não sabe das condições da melancia. Ele escolhe um ponto
qualquer da melancia para cortar o pedaço que irei experimentar (uma
escolha aleatória). O pedaço é bem vermelho, doce e suculento. Compro a
fruta. Chego em casa, abro a melancia em duas partes e uma das metades
esta apodrecida. Ora, concluo que a amostra que me foi apresentada, também
não representou adequadamente as qualidades da melancia. Uma amostra
enviesada. Todavia, neste caso, o local da melancia de onde foi retirada a
amostra fora escolhido ao acaso. Não houve qualquer intenção do feirante
em me enganar. Para meu azar experimentei a parte sadia da melancia
podre. Azar! Isto mesmo azar. E disso ninguém está livre quando se trata
de selecionar uma amostra. É o risco sempre presente de comprar “gato
por lebre”. Sempre! Seja na feira livre ou na pesquisa científica.

256 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


20.
Na pesquisa científica quantitativa inferencial ocorre algo semelhante.
Se for de interesse do pesquisador extrapolar os resultados de uma amostra
para a população é necessário que a amostra seja representativa da
população. Mas, tal como na compra da melancia, não podemos ter certeza
de que a nossa amostra represente efetivamente a população de onde foi
selecionada. Como tal, estamos perante um problema bem complicado. Se
não tenho certeza de que minha amostra seja realmente representativa da
população (e nunca terei esta certeza) como poderei afirmar que suas
características (da amostra) podem ser induzida a toda a população? De
fato, é um problema.

Erro amostral
21.
Mas, de onde vem essa incerteza sobre a representatividade da
amostra? Resposta: do erro amostral. O erro amostral ocorre simplesmente
porque ao não usarmos todos os sujeitos da população-alvo, cada amostra
poderá apresentar valores médios diferentes da média da população.
Vejamos um exemplo: Imaginemos que cada um desses números no quadro
1 represente a circunferência da cintura de uma população de 50 jovens
escolares.
QUADRO 1

Agora, imaginemos que no quadro 2, cada uma das linhas da tabela


abaixo representa uma amostra aleatória de dez jovens provenientes da
população de escolares (quadro 1).

O desafio da iniciação científica 257


QUADRO 2

Se calcularmos a média da população (quadro 1) o resultado é 100.


Ao calcular a média de cada uma das cinco amostras (linhas do quadro 2)
dos dez escolares podemos observar que em todas as amostras selecionadas
as médias foram diferentes entre si e todas elas foram diferentes da média
da população (100), As médias das amostras 2 e 4 superestimaram a média
da população, as médias 1 e 5 subestimaram e a amostra 3 ficou muito
próxima. Isto é, nas cinco amostras houve erro amostral. Portanto, o erro
amostral é o grau em que a amostra difere do parâmetro da
população.

22.
Não podemos evitar a presença do erro amostral, porém podemos
limitar seu valor e calcular o nível de probabilidade de que a amostra
represente adequadamente a população (a margem de erro). Isso, nas
pesquisa científica faz-se através da seleção de uma amostra
necessariamente aleatória e de dimensão (tamanho) adequada.

Amostra aleatória6
23.
A amostra aleatória é aquela em que todos os sujeitos da população-
alvo tem a mesma chance (equiprobabilidade) de serem sorteados (para
compor a amostra). Como tal, tendo como pressuposto a teoria das
probabilidades7, ao selecionarmos uma amostra aleatória podemos calcular

6
São sinônimos: amostra aleatória, probabilística, randômica ou ao azar, significa que o pesquisador não tem
qualquer controle sobre a seleção dos sujeitos (não tem qualquer controle sobre a face do dado que vai dar em
cada lance).
7
Pierre Simon Laplace é considerado o fundador da teoria das probabilidades.

258 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


sua probabilidade de representar devidamente a população de origem (é
como se fosse calcular a chance de dar o número 1 no jogo de dados, como
o dado tem 6 faces a chance de dar 1 é 1/6).
É importante salientar que na constituição de uma amostra aleatória
o pesquisador não tem qualquer controle sobre a seleção das unidades que
a compõem (o quitandeiro não tem o controle sobre a parte da melancia
que vai me oferecer para provar a fruta).

Procedimentos para selecionar amostras aleatórias


24.
Amostra aleatória simples. É a mais conhecida técnica de
amostragem, bem como aquela que, para a maioria dos metodólogos, atinge
o maior rigor de exigência científica. Sua principal característica e a garantia
de que cada indivíduo da população (isoladamente) tenha a mesma
oportunidade de ser sorteado para compor a amostra (independentemente
de quantas vezes eu jogar o dado a oportunidade de dar o número 1 será
sempre 1/6). Para a composição de uma amostra aleatória simples é
necessário compor a lista numerada de todos os sujeitos da população e,
proceder a um sorteio para selecionar aqueles que vão compor a amostra.
O sorteio para a composição da amostra pode ser com reposição e sem
reposição dos sujeitos. No caso da amostra sem reposição cada sujeito da
população só poderá ser sorteado uma única vez, na amostra com reposição
ele tem a possibilidade de ser sorteado mais de uma vez. Normalmente se
utilizam amostras aleatória com reposição para representar grandes
populações (mais de 100 mil sujeitos)8. Para realizar o sorteio podemos
recorrer ao modelo usual (do tipo “bingo”, papeletas numerados misturados
numa caixa ou chapéu) ou as tabela de números aleatórios9.
Exemplo: Pretendemos selecionar uma amostra aleatória simples
de 15 sujeitos de uma turma com 50 estudantes. Pois bem! Em primeiro
lugar, necessitamos da lista numerada completa de todos os 50 estudantes.
Se nossa opção para a composição da amostra for através do sorteio,
colocamos os números de todos os 50 estudantes num recipiente (chapéu,
caixa de sapatos ou globo de bingo) e, após bem misturá-los, sorteamos os
15 sujeitos previstos para a constituição da amostras.
Se nossa opção para a composição da amostra foi através da utilização
de uma tabela de números aleatórios, podemos utilizar uma calculadora ou

O desafio da iniciação científica 259


softwere de estatística, para rodar uma tabela de 50 números aleatórios
(quadro 3).
Lista de 50 números ordenados aleatoriamente (de 1 a 50)
gerados pelo EXCEL

Em seguida, a partir de algum critério vamos selecionar os 15 alunos


para compor a amostra. Vejamos duas possibilidades: 1. vamos selecionar
os 15 primeiros estudantes que compões as três primeiras colunas da
esquerda para a direita do quadro 3. Neste caso farão parte da amostra os
sujeitos 11, 30, 22, 43, 32, 3, 16, 14, 18, 10, 38, 49, 35, 2, 44); 2. vamos de
olhos fechados correr o dedo indicador sobre o quadro dos números aleatórios.
Vamos supor que nosso dedo parou no número 17 (segunda linha quarta
coluna) e a partir daí vamos selecionar mais 14 números saltando de dois
em dois da esquerda para direita. Vão compor a amostra os sujeitos 17, 48,
13, 35, 15, 26, 18, 27, 25, 32, 24, 9, 46, 38 e 50.

25.
Amostra aleatória sistemática. É uma variação da amostragem
aleatória simples. Na amostragem sistemática, tal como na amostra aleatória
simples, iniciamos por numerar todos os elementos da população.
Posteriormente definimos o intervalo de amostragem (I). Este intervalo de
amostragem é o resultado da divisão entre o número de sujeitos da população
(N) e o número de sujeitos previsto para compor a amostra (n).

I = N/n

8
As vantagens da amostra aleatória por reposição pode ser consultado em: MARTINS, M.E.G. Análise dos Dados.
Lisboa: Faculdade der Ciências da Universidade de Lisboa, 2009. <arquivoescolar.org/bitstream/arquivo-e/98/1/
Análise%20de20dados.pdf> acesso em 06/04/2013.
9
As tabelas de números aleatórios são obtidas através de calculadoras ou programas de computador. Para rodar
números aleatórios no EXCEL basta selecionar um conjunto de células equivalentes ao conjunto de números que
queremos selecionar, por exemplo 50 e digitar: = ALEATÓRIOENTRE(1; 50) e clicar “enter”.

260 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Em nosso exemplo: I = 50/15 = 3,3 (vamos assumir I = 3)
Agora, por um qualquer critério escolhemos um número qualquer do
quadro de números aleatório (quadro 3). Vamos adotar o mesmo critério
utilizado no exemplo “b” da amostra aleatória simples. Corremos o dedo
indicador sobre o quadro de olhos fechados e paramos no número 17. Como
nosso I = 3, vamos a partir do número 17 saltando de três em três números.
Assim, serão selecionados os sujeitos correspondentes aos números 17, 21,
14, 15, 6, 37, 25, 10, 20, 46, 42, 33, 16, 23 e13.

26.
Amostra estratificada. É uma forma de amostragem aleatória que
adotamos quando a população é constituída por conjuntos homogêneos a
partir de determinadas características que gostaríamos de analisar ou
controlar seus prováveis efeitos sobre as variáveis dependentes (sexo, idade,
nacionalidade, etnia, atividade esportiva habitual, etc.). A amostragem
estratificada consiste em dividir a população em subconjuntos denominados
de estratos e em sortear uma amostra para cada um dos estratos.
Para a obtenção de uma amostra estratificada podemos nos valer
das seguintes possibilidades: 1. Amostra estratificada proporcional: cada
estrato será representado na amostra em proporção exata à sua frequência
na população total. Se 65% da população é do sexo feminino, da mesma
forma, vamos compor a amostra com 65% de sujeitos do sexo feminino. 2.
Amostra estratificada constante. Cada estrato da amostra será composto
por um número igual de indivíduos. 50% do sexo masculino e 50% do sexo
feminino, independente da composição da população.
Exemplo: Queremos selecionar uma amostra de 100 sujeitos de uma
escola cuja a população é de 600 alunos. Nos interessa estratificar os alunos
por sexo. Portanto, necessitamos criar duas listas. Uma lista para o sexo
masculino e outra para o feminino e, sortear (tal como demonstramos na
amostra aleatória simples) os sujeitos de cada estrato da amostra
separadamente.
Caso nossa opção fosse por uma amostragem estratificada
proporcional deveríamos saber de antemão qual a composição de estudantes
de cada sexo para reproduziríamos a proporção da população na definição
da amostra. Ou seja, se na escola a prevalência do sexo feminino fosse de
65% e do masculino 35% na constituição da amostra de 100 estudantes

O desafio da iniciação científica 261


teríamos 65 meninas e 35 meninos. Mas, se nossa opção fosse por
amostragem estratificada constante teríamos na amostra 50 meninas e 50
meninos.

27.
Amostra por conglomerados ou grupos: Este tipo de amostra
que se configura numa variante da amostra aleatória simples, normalmente
é adotada quando se torna impossível ou muito complicado a confecção da
lista completa dos constituintes de uma população. Seria, por exemplo, o
caso de uma investigação cujo objetivo fosse delinear o conceito de saúde
a partir de todos os usuários de academias de ginástica numa grande cidade.
Neste caso seria muito difícil elaborar a lista de todos os praticantes de
academias de ginástica da cidade, todavia é bem provável que, a Secretaria
Municipal responsável por esse serviço público tenha o cadastro do número
de academias A amostragem por conglomerados portanto, consiste em
selecionar aleatoriamente unidades de agrupamentos (sortear as academias)
e, em seguida, sempre aleatoriamente, nas academias sortear os sujeitos
constituintes da amostra.
Voltando ao exemplo das academias de ginástica, o pesquisador
que quisesse criar uma amostra dos usuários deveria, em primeiro lugar,
estabelecer um listagem de todos as academias e selecionar de forma
aleatória um determinado número delas. Em seguida deveria constituir a
lista dos usuários em cada academia selecionada. Por fim, uma seleção
aleatória realizada independentemente no interior de cada uma dessas listas
estabeleceria a amostra final. Em outras palavras na amostra por
conglomerados ao invés de se escolher indivíduos, primeiramente se escolhe
unidades amostrais (escolas, bairros, distritos, etc.).

28.
Amostra multifásica, de fases múltiplas ou em várias etapas:
Constitui-se numa variante da amostragem por conglomerados. Se
caracteriza quando o processo requer várias etapas para a seleção da
amostra. No exemplo anterior poderíamos selecionar as academias
inicialmente por regiões da cidade, posteriormente por bairros, pelo número
de frequentadores, pela especificidade do serviço oferecido e, finalmente,
por sujeitos.

262 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Estimativa do tamanho mínimo das amostras aleatórias para
assegurar sua representatividade
29.
Existem diferentes métodos para definir a priori1 a dimensão ou
tamanho mínimo das amostras aleatórias: a “Regra do Polegar”2, várias
fórmulas matemáticas3 e programas de computador4. Não obstante, todas
as alternativas necessitam que, antecipadamente, tenhamos algumas
informações e que tomemos algumas decisões: 1. é importante obtermos
informações sobre a variabilidade dos parâmetros cujo fenômeno
pretendemos estudar na população-alvo; 2. precisamos decidir sobre a
probabilidade de erro que queremos assumir para aceitar se os resultados
de um estudo descritivo ou as diferenças ou associações entre grupo controle
e experimental são significativas e, como tal, possam ser induzidas à
população-alvo; 3. faz-se mister definirmos qual o tamanho do efeito da
variável independente sobre a variável dependente que aceitamos como
pertinente para julgarmos o sucesso do experimento e; 4. é importante
decidirmos sobre a probabilidade da certeza que queremos assumir para
que o teste estatístico confirme nossa hipótese causal (a potência do teste
estatístico).

30.
1. Sobre a variabilidade dos dados. A importância de obtermos
informações sobre a variabilidade dos dados do fenômeno observado na
população-alvo (prevalência, desvio-padrão) decorre do fato de que: (a)
caso ocorra uma pequena variação dos parâmetros (portanto sendo a
população homogênea) a amostra pode ser pequena; (b) todavia, se por
outro lado, a variação é grande (portanto a população é heterogênea) a
amostra deve ser grande. Enfim, o tamanho da amostra relaciona-se com a
variabilidade dos dados que vamos observar na população-alvo (e não,
como muitos acreditam, pelo tamanho da população).

10
Criticas sobre a definição a priori da dimensão das amostras pode ser lido no excelente artigo de Carlos Alberto
Mourão Junior Questões em bioestatísitca: o tamanho da amostra. Rev Interdisciplinar de Estudos Experimentais.
v.1, n.1, ps. 26 -28, 2009.
11
HILL et HILL, 2002; GAYA, 2008.
12
Cf. http://www.slideshare.net/flaviasmatos/clculo-do-tamanho-de-uma-amostra
13
Exemplos de alguns programas para calcular o tamanho da amostra: Programa R; BioEstat; G Power; SAS;
MiniTab; SPSS.

O desafio da iniciação científica 263


31.
Nestas condições, se nosso projeto propõe observar variáveis que
são medidas em unidades de proporção ou prevalência (exemplo:
percentagem de crianças obesas em escolares de Porto Alegre), é suficiente
estimar sua dimensão (prevalência) na população através da consulta à
literatura, a dados censitários (28,3% no exemplo da pesquisa que investiga
sobre obesidade, (cf. Flores e col., 2012), ou realizando um estudo piloto
que minimamente nos forneça tais indicadores. Todavia, caso não tenhamos
disponível tais informações podemos utilizar o valor de 50%.

32.
Entretanto, quando estamos trabalhando em nosso projeto com valores
médios de uma população (por exemplo: valores médios da massa corporal
em Kg de escolares de Porto Alegre) faz-se necessário que tenhamos
informações sobre o valor médio esperado e a respectiva variância (desvio
padrão) da população-alvo. Estes valores podem ser encontrados através
de consultas a outros estudos semelhantes, através de dados censitários ou,
realizando um estudo piloto.

33.
Sobre a probabilidade de erro (erro tipo 1) que queremos
assumir. Trata-se do nível de significância. O nível de significância é
representado normalmente por a e usualmente nas pesquisa assume valores
de: 0,05; 0,01 e, em casos mais raros, 0,10. O nível de significância está
associado ao nível de confiança (1–a) que se refere a probabilidade de
erro que aceitamos assumir ao rejeitar a hipótese nula, usualmente (95%,
99% ou 90%). Em outras palavras: trata-se de responder a seguinte questão:
qual a probabilidade de erro que toleramos ao concluir que existe um efeito
na amostra (estimativa, diferenças ou correlação) quando realmente ele
não existe na população? Este erro em rejeitar a hipótese nula (quando ela
é verdadeira) é denominado de Erro Tipo 1.

34.
Vamos entender um pouco mais sobre o significado estatístico do
Erro Tipo 1, o nível de significância e o nível de confiança. Quando utilizamos
a estatística inferencial para comparar dois ou mais grupos oriundos de

264 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


uma mesma população-alvo normalmente temos o seguinte cenário: 1.
retiramos uma amostra aleatória da população-alvo (exemplo: escolares
obesos); 2. distribuímos por sorteio os sujeitos da amostra em dois (ou mais)
grupos (designação aleatória dos sujeitos nos grupos); 3. submetemos um
dos grupo a um tratamento experimental (grupo experimental, por exemplo,
submetido a um programa de dieta hipocalórica); 4. mantemos o outro grupo
intacto (grupo controle que no contexto da pesquisa representa os
parâmetros da população-alvo e que, portanto, não será submetido ao
programa de dieta); 5. através de um teste estatístico comparamos os
resultados dos índices de obesidade (IMC) nos dois grupos de amostras; 6.
decorrente dos resultados da estatística teremos duas possibilidades: (a)
rejeitamos ou; (b) não rejeitamos a hipótese nula. Em outras palavras:
aceitamos ou rejeitamos a hipótese de que não houve diferenças
estatisticamente significativa nas médias de IMC entre os grupos submetido
e não submetido à dieta hipocalórica. Entretanto, mesmo quando os dados
estatísticos nos sugerem rejeitar a hipótese nula (houve diferenças nas médias
do IMC entre os grupos), nós nunca temos plena certeza sobre a pertinência
de tal conclusão. Isto porque, há sempre embutido nos cálculos estatísticos
a probabilidade do erro (erro amostral). Há sempre uma probabilidade de
que a hipótese nula seja verdadeira quando a rejeitamos (afirmar que há
diferenças na média do IMC entre os grupos quando na realidade não há.
Um resultado falso positivo, (é a probabilidade de, por exemplo, dar três
vezes o número cinco em três lançamento consecutivos de um dado, é a
imprevisível presença do azar ou sorte, é o acaso, o aleatório.). É o Erro
Tipo 1. O Erro tipo 1 é representado por “a” (0,05; 0,01 e 0,10) e esta
associado ao nível de confiança que é representado por 1–a (95%; 99% ou
90%). Portanto, quando, por exemplo, definimos o nível de significância
a = 0,05 estamos de fato propondo um intervalo de confiança de 95%
(1–0,05 = 0,95). Isto, dito de outra forma, significa que para cada 100
amostras retiradas da população em 95 delas teríamos a probabilidade de
encontrarmos resultado semelhantes (rejeitar a hipótese nula).

35.
3. Sobre o tamanho do efeito da variável independente sobre
a variável dependente: para definir a dimensão da amostra necessitamos
também definir o tamanho do efeito (effect size). O tamanho do efeito

O desafio da iniciação científica 265


mede a diferença dos resultados no grupo experimental e controle após a
intervenção experimental (seria a diferença, em valores absolutos,
percentuais ou em unidades de desvio-padrão entre as médias de IMC dos
grupo experimental e controle após o programa de dieta hipocalórica). O
tamanho do efeito da a dimensão da validade interna da pesquisa, e pode
ser medido de várias maneiras14. Apresento a proposta de Cohem (1988).
O autor sugeriu a seguinte fórmula: subtrair da média do grupo experimental
a média do grupo controle e dividir o resultado pelo desvio padrão do grupo
controle. A vantagem dessa proposta é que coloca a diferença entre as
médias em unidades de desvio padrão e ainda permite que possamos seguir
as orientações normativas do autor15 onde: 0,20 ou menos representa um
tamanho de efeito pequeno; cerca de 0,50 um tamanho moderado e 0,80 ou
mais um tamanho grande16. O tamanho do efeito também pode ser medido
simplesmente pela diferença entre os resultados no pré e pós testes após
tratamento experimental (no capítulo 21 apresentamos exemplos de medidas
de tamanho do efeito em pesquisas avaliativas).

36.
Uma das vantagens dessa proposta decorre do fato de que
normalmente não dispomos antecipadamente do tamanho do efeito. Afinal,
ainda estamos no projeto. Deste modo, poderíamos a priori optar em
selecionar as indicações de Cohen (0,20; 0,50 ou 0,80). Não obstante,
poderíamos ainda definir o tamanho do efeito através de referências de
outros estudos semelhantes ou, através de um estudo piloto. É importante
considerar que quanto menor o tamanho do efeito desejado maior é a
dimensão da amostra exigida17.

14
Além de “d de Cohem” sugerido neste texto, há outras medidas do tamanho do efeito (effect size): “g de
Hedges”; “D” of Glass
15
Cohem para teste de correlação sugere para definir o tamanho do efeito os seguintes valores de r: 0,10 pequeno;
0,30 médio e 0,50 grande.
16
É importante salientar que cabe ao pesquisador definir o tamanho do efeito conforme o que entende, pela sua
experiência, seja um efeito razoável para sua área de estudo.
17
Tendo em vista que quanto menor a diferença que queremos encontrar entre as médias dos grupos a probabilidade

266 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


37.
Sobre a probabilidade de erro (erro tipo 2) que queremos
assumir. A esta exigência denominamos de potência de um teste estatístico.
A potência esta associada ao Erro Tipo 2. O Erro tipo 2, representa a
possibilidade de aceitar a hipótese nula quando ela é falsa (afirmar que não
há diferença ou associação entre os grupos de amostra quando efetivamente
elas não são diferentes ou não estão associadas. Um resultado falso-
negativo). A possibilidade desse erro é denotada por b e usualmente nas
pesquisa assume valores de 0,30; 0,20 (mais usual); ou 0,15. O Erro Tipo 2
(b), por sua vez, está associado à potência ou poder do teste de hipóteses
que é denotado por (1–b). A potência do teste representa a probabilidade
de rejeitar a hipótese nula quando ela é falsa (o que é normalmente pretendido
pelo pesquisador). Em outras palavras, a potência representa a probabilidade
de rejeitar corretamente a hipótese nula e usualmente nas pesquisa assume
valores de 0,70; 0,80 (mais usual); ou 0,95.

38.
De posse desse conjunto de informações, através de equações, tabelas
e programas de computador já temos a possibilidade de definir o tamanho
mínimo da uma amostra para estudos inferenciais. Vamos exercitar.
Qual seria o tamanho mínimo da amostra para um projeto de pesquisa
que pretenda verificar os efeitos de um programa de dieta hipocalórica em
estudantes com excesso de peso (sobrepeso e obesidade) nas escolas
públicas estaduais de ensino médio de Porto Alegre?Estes são os dados
necessários: 1. Sobre a variação da população: (a) O senso escolar de
2012 indica que em Porto Alegre há 31.140 estudantes do ensino médio; (b)
pesquisa de Flores et ali 2013, indica que a prevalência de adolescentes
com excesso de peso na região sul do Brasil é de 28,3%; (c) portanto,
considerando os indicadores de (a) e (b) podemos estimar que a população
de adolescentes com excesso de peso é de 8.812 sujeitos. (d) no estudo de
Teixeira (2013) constatou-se que a média do IMC dos adolescentes com
excesso de peso é de 20,3 com um desvio padrão de 3,6. 2. Sobre a
probabilidade do erro tipo 1 (nível de significância): vamos assumir o
grau de confiança (1–a) de 95%, portanto, nível de significância a = 0,053.
Sobre o tamanho do efeito adotamos 0,3 4. Sobre a probabilidade de
erro tipo 2 (potência do teste estatístico adotamos 0,80).

O desafio da iniciação científica 267


Determinando a dimensão da amostra
por uma fórmula simples
39.
n = (S2 . p . q)/ e2
n = tamanho da amostra
S = grau de confiança (em número de desvios padrão)
p = Porcentagem em que o fenômeno se verifica
q = Percentagem complementar (1–p)
e = erro máximo permitido em percentagem

Em nosso exemplo:
S = 2 desvios padrão (equivalente de a = 0,05)
p = 28,3
q = 27,3
e = 5%
n = 4 . 28.3 . 71,7/ 25 = 123,61
n = 123 alunos em cada grupo (experimental e controle) = 246

Determinando a dimensão da amostra por uma fórmula


que exige o tamanho da população (N)
40.
n = S2 . p . q . N / e2 (N –1) + (S2 . p . q)
n = tamanho da amostra
S = grau de confiança em número de desvio padrão
p = proporção de sujeitos na população-alvo
q = porcentagem complementar 100 – p
N = Tamanho da população
e = Erro tolerado (5%)

Em nosso exemplo:
S =2
p = 28,3
q = 71,7
N = 8812;
e = 5%

portanto: n = 4. 28.3 . 71,7 . 8812/(25 . 8811) + (4 . 28,3 . 71,7) = 321


n = 321alunos

268 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Determinando a dimensão da amostra pela potência
41.
As tabelas abaixo são retiradas de Cohen 1988. Elas permitem definir
o tamanho da amostra a partir de informações sobre o nível de significância
(a para 0,05 e 0,01), o tamanho do efeito (d); a potência desejada pelo
pesquisador (power) e a definição se a hipótese é unilateral ou bilateral.

Hipótese unilateral ou bilateral


42.
Uma hipótese é bilateral ou bicaudal (dois extremos da curva Normal)
quando ao rejeitar a hipótese nula há a possibilidade de duas hipóteses
alternativas. Exemplo: ao rejeitar a hipótese nula sobre há diferença nos

O desafio da iniciação científica 269


padrões de habilidade motora entre moças e rapazes, duas alternativas são
possíveis: 1. as moças serem mais habilidosas, ou, ao contrário, 2. os rapazes
serem mais habilidosos. Uma hipótese é monocaudal ou unilateral (um único
extremo da curva de Normal) quando ao rejeitar a hipótese nula há uma
única hipótese alternativa. Exemplo: Ao testar os efeitos de um programa
de musculação para jovens é de se esperar que o programa tenha efeito
aumentando a força média do grupo. Não se deve imaginar que o treinamento
de força reduza a força média do grupo, portanto, neste caso a hipótese
alternativa é unilateral.

43.
Em nosso exemplo: nível de significância (a = 0,05); tamanho do
efeito vamos adotar 0,30; a potência (1–b) = 0,80 e a hipótese é unilateral
(não se espera que um programa de dieta hipocalórica possa aumentar os
índices médios de IMC no grupo experimental, portanto a hipótese alternativa
é unilateral).
Com esses dados vamos a tabela de Cohen: (a) A tabela superior é a
que vamos consultar, pois é a que refere o nível de significância a = 0,05;
(b) Nossa hipótese é unilateral (0,05 à esquerda da curva normal); (c) Na
coluna à esquerda na sétima linha vamos apontar a potência (1–b = 0,80);
(d) na linha superior vamos apontar na quarta coluna o tamanho do efeito
desejado (d = 0,30); (e) no encontro da quarta coluna com a sétima linha
obteremos o n = 175 em cada grupo amostral. Dimensão total da amostra
350 estudantes.

Determinando a dimensão da amostra através do G-POWER


44.
O G- POWER é um softwere criado por Faul, F & Erdfelder em
1992 na Universidade de Bona. É um programa disponível livremente na
WEB, muito intuitivo, leve e propicia os seguintes cálculos: tamanho do
efeito (d); potência (1–b); nível de significância (a) e tamanho amostral
(n). Em se tratando de dimensionar a priori o tamanho da amostra o programa
exige do pesquisador as seguintes informações: 1. o teste estatístico que
será utilizado e a definição se a hipótese e uni ou bilateral; 2. nível de
significância; 3. o tamanho do efeito desejado; 4. a potência que se pretende
considerar. A figura a seguir reproduz uma página do G- POWER.

270 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Em nosso exemplo:
t tests - Means: Difeference between two independent means
(two groups)
Analysis: A priori: Compute required sample size – given d, power,
and effect size
Input: Tail(s) = One
Effect size d = 0,3
a err prob = 0,05
Power (1–b err prob) = 0,80
Allocation ratio N2/N1 = 1
Output: Noncentrality parameter d = 2,5009998
Critical t = 1,6503932
Df = 276
Sample size group 1 = 139
Sample size group 2 = 139
Total sample size = 278
Actual power = 0,8023399
O desafio da iniciação científica 271
Os sujeitos da pesquisa nos métodos quantitativos com
amostras não probabilísticas ou não aleatórias
45.
As amostra não aleatórias ou não probabilísticas são aquelas em que
a seleção dos sujeitos é realizada por critérios que não atendem ao principio
da equiprobabilidade. Em outras palavras, o pesquisador desconhece a
probabilidade ou chance de cada sujeito da população ser selecionado para
compor a amostra. Portanto, como as inferências estatísticas são baseadas
na teoria matemática das probabilidades, as amostras não aleatórias, na
medida em que não se pode calcular a natureza e extensão do viés das suas
estimativas, não suportam inferências seguras para a população-alvo. Como
tal, os pesquisadores correm sérios riscos de tirarem conclusões indevidas
(infelizmente são muitos) quando utilizam inadvertidamente as técnicas
estatísticas inferenciais para comparar grupos de amostras não aleatórias e
inferir seus resultados para a população-alvo.

46.
Todavia, há exceções. Em estudos quase-experimentais (estudos com
amostras não aleatórias) também podem ser utilizadas estatísticas
inferenciais. Entretanto, faz-se necessário adotar a priori um conjunto de
procedimentos. São ajustamentos capazes de garantir a priori a equivalência
entre grupos de amostras.
Exemplo:Pretendo avaliar os efeitos de um programa de educação
física para a promoção da saúde sobre o Índice de Massa Corporal (IMC)
de alunos do 50 ano de uma escola. Leciono em duas turmas diferentes
(turma 51 e 52). Numas das turmas (51) vou aplicar o programa especial
de educação física e pretendo comparar os índices do IMC com a outra
turma (52) onde não apliquei o programa. As turmas não foram compostas
aleatoriamente. Portanto, pode-se supor que ocorram diferenças iniciais
entre as turmas em variáveis como: estatura média, massa corporal média,
padrões de atividade física, sexo, idade, etc., variáveis que podem interferir
na medida do IMC. Sendo assim para comparar os dois grupos em relação
ao IMC devo a priori ajustar as variáveis intervenientes de modo a equiparar
os dois grupos (turmas 51 e 52). Ao equipara-los presumo que as duas
turmas eram semelhantes antes do programa especial de educação física
(são provenientes da mesma população) e, portanto, se ocorreu alguma

272 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


diferença entre os grupos após as aulas, tais diferenças são atribuídas ao
programa especial de educação física para a promoção da saúde Nestas
condições é possível utilizar estatística inferencial para supor que os efeitos
do programa de especial de educação física possam ser generalizado para
todos os alunos do 50 ano.
O pressuposto para a utilização de estatística inferencial nestes casos
é que ao ajustarmos previamente os grupos no que tange a um determinado
conjunto de variáveis intervenientes se possa interpretá-los (os grupos) como
oriundos de uma mesma população (população que, por suposto, deve ser
muito bem identificada através de critérios de inclusão rigorosos). Existem
várias técnicas de ajuste, para lidar com o viés da falta de comparabilidade
entre grupos tais como (ver capítulo 14): o pareamento, emparelhamento,
balanceamento, covariância, escore de propensão (emparelhamento de um
conjunto de variáveis através de técnicas estatísticas multivariadas.

47.
Não obstante, mesmo considerando tais limitações não devemos
imaginar a possibilidade de deixar de realizar uma pesquisa porque nossas
amostras não são aleatórias. Seria um disparate. Na imensa maioria das
vezes não temos acesso a possibilidade de amostragem aleatória. Turmas
de escolares, equipes esportivas, doentes num hospital, frequentadores de
um parque público, participantes de um programa de políticas públicas, etc.

48.
O uso de amostras não aleatórias em pesquisas quantitativas é
justificado quando: 1. a população não está disponível (os peixes do
oceanos18.); 2. trata-se de um estudo de caso institucional onde a composição
dos grupos não foi aleatória (exemplo: comparar os efeitos de um programa
de dieta em duas turmas de aula de uma escola, academia ou internos em
um hospital (é o caso típico dos estudos em que médicos, fisioterapeutas e
outros agentes de saúde denominam ensaios clínicos randomizado); 3.
efetivamente o pesquisador não está interessado em propor inferências e;

de rejeitar a hipótese nula aumenta com o aumento da dimensão da


18
Exemplo citado por OLIVEIRA, T.M.V. Administração On line. Prática – Pesquisa – Ensino. V.2, N. 3, julho/agosto/

O desafio da iniciação científica 273


4. quando há limitações de tempo, recursos financeiros, materiais e pessoais
para a realização de uma pesquisa com amostragem aleatória.

Procedimentos para selecionar amostras não aleatórias


49.
Amostra acidental. Consiste em selecionar os constituintes da
amostra num determinado local num determinado momento. Exemplo:
Diagnosticar índices de tensão arterial em 200 pessoas que chegam ao
super-mercado, ao aeroporto, a um estádio esportivo ou passam por uma
rua ou parque previamente definidos. Devemos ter cuidado para não
interpretar a amostra acidental como se aleatória fosse (aliás, é comum
observarmos este equívoco). Este equívoco ocorre porque as pessoas que
estão nesses locais no momento da coleta de dados são escolhidas por
acaso. No entanto, raramente, este procedimento produz amostras
representativas da população, isto porque, com efeito, só as pessoas que
tem possibilidade de encontrarem-se no lugar predeterminado, têm a
probabilidade não nula de serem selecionadas.

50.
Amostra por quotas: O sistema de amostragem por quotas é muito
semelhante ao da amostragem aleatória estratificada, a diferença esta, como
é evidente, no processo de escolha dos sujeitos. Na amostragem por cotas
a escolha dos sujeitos ocorre de forma não aleatória. Na amostragem por
cotas são utilizados conhecimentos prévios da população, em outras palavras,
a amostragem por cotas exige previamente uma avaliação das principais
características da população que deverão ser reproduzidas na amostra
selecionada. A amostra por cotas permite ajustamentos a priori de um
conjunto de variáveis intervenientes entre os grupos amostrais tornando-os
muito semelhantes antes da intervenção. Dessa forma se pode supor que
ambos os grupos amostrais sejam provenientes de uma mesma população-
alvo. Como tal, este procedimento suporta que os dados possam ser tratados
através de estatística inferencial.

274 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


51.
Marconi et Lakatos (1990) descrevem três etapas para a delimitação
de uma amostra por quotas: 1. classificação da população em termos de
propriedades que se presume ou se sabe serem relevantes para a
característica a estudar. Este procedimento envolve acesso a dados
censitários, cadastros, listas e outras fontes de representação da população;
2. construção de um mapa representativo da população a ser investigada,
com a determinação, relativa a amostra total, da proporção que deve ser
colocada em cada estrato com base na sua constituição conhecida ou
estimada; 3. fixação das quotas, por controle independente ou inter-
relacionado, para a seleção final da amostra, tal como fixado na segunda
etapa.
Vamos exemplificar19: Imaginemos que se pretenda investigar sobre
as principais categorias referentes as motivações inerentes as práticas
esportivas em escolares de 10 a 14 anos de uma determinada região urbana.
Vamos supor que se tenha optado por uma amostragem por quotas e que a
população tenha a seguinte característica (dados fictícios).

Definindo um conjunto de 1000 crianças para constituir a amostra,


sua configuração teria o seguinte perfil:
a) Com quotas independentes

setembro, 2003. <www.fecap.br/adm_online/art23/tania2.htm> acesso em 09/03/2013.

O desafio da iniciação científica 275


b) Com cotas inter-relacionadas

52.
Marconi et Lakatos (1990), chamam a atenção para o fato de que se
pode observar nas quotas inter-relacionadas a necessidade de
arredondamento na classificação dos sujeitos a investigar. É preciso que o
pesquisador ao distribuir por quotas não se desvie da proporção determinada
pelo desenho da população, previamente definida. Esta preocupação é muito
relevante, principalmente quando se leva em consideração que as
amostragens não probabilísticas não possibilitam a adoção de técnicas
estatísticas para a correção de possíveis desvios.

276 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


53.
Amostra intencional: A amostragem intencional se caracteriza pelo
emprego de critérios previamente definidos e por um esforço deliberado
para se obter amostras representativas mediante a inclusão de áreas típicas
ou grupos supostamente capazes de fornecer as informações necessárias à
investigação. Na amostragem intencional, como refere a própria
nomenclatura, o pesquisador está interessado no comportamento de
determinados sujeitos da população, sujeitos que possivelmente pela situação
que desfrutam na comunidade investigada sejam capazes de fornecer os
dados que o investigador procura. Exemplo: Vamos imaginar que um
pesquisador queira delinear o perfil de opiniões sobre a extinção da
obrigatoriedade das aulas de educação física nos currículos escolares.
Optando pela técnica de amostragem do tipo intencional o pesquisador
poderia selecionar diretores das faculdades de educação física, diretores
de escolas de I e II graus, dirigentes de associações de profissionais da
educação física, coordenadores de comissão de pais e mestres, Centros
estudantis, etc. Como se pode observar nesta técnica de amostragem o
pesquisador não se dirige a população em geral, mas opta por selecionar
aqueles que, segundo seu entendimento, exercem as funções de líderes de
opinião na comunidade, no pressuposto de que tais sujeitos sejam capazes
de influenciar o conjunto de seus concidadãos.

54.
Amostra voluntária: Este tipo de amostragem é utilizado nas
pesquisas onde a experimentação possa ser potencialmente incômoda,
dolorosa ou, em casos limites, até mesmo perigosa, ou em situações em que
não é pertinente selecionar uma amostra aleatória, por exemplo: Os idosos
hipertensos de uma grande cidade. Normalmente nesses casos o investigador
relata publicamente suas intenções, seus objetivos e estimula a participação
voluntária em seu estudo. Publica convites pela imprensa, coloca cartazes
em espaços públicos, etc. Como se pode perceber esta técnica traz evidentes
dificuldades referentes a representatividade da amostra, uma vez que
possivelmente os indivíduos que se propuseram a participar do projeto sobre
exercício e hipertensão arterial tenham características distintas no que
concerne aos cuidados com a sua doença, comportamento que
provavelmente não se possa induzir a população-alvo. Essas mesmas

O desafio da iniciação científica 277


limitações podem estar presentes nas pesquisas com amostragem
selecionadas pela internet.

55.
Amostra por conveniência ou acessibilidade. Definir uma
amostra por critério de conveniência ou acessibilidade significa optar pelo
procedimento menos rigoroso entre as técnicas de amostragem. É destituída
de qualquer rigor estatístico. O pesquisador seleciona os sujeitos a que tem
acesso. Aqueles que estão mais facilmente a sua disposição. Todavia como
sugere Rosane Rivera Torres (2000), pode-se utilizar este tipo de
amostragem em estudos exploratórios ou qualitativos, em que não é requerido
elevados níveis de precisão. São exemplos estudos de relato de experiências
onde normalmente os sujeitos da pesquisa são oriundos das turmas em que
o professor leciona, ou da academia em que tema acesso facilitado.

56.
Em se tratando de técnicas de amostragens não-probabilísticas outros
modelos menos frequentes poderiam ser apresentados. Lakatos et Marconi
(1990) na obra que temos repetidamente referido apresentam, por exemplo,
a amostragem por “juris” e amostragem por “tipicidade” e Babbie apresenta
uma série de exemplos de amostras para estudos de survey (1999).

Estimativa do tamanho das amostras não aleatórias


57.
Para a estimativa das amostras não aleatórias em estudos quantitativos
adotamos duas alternativas: 1. quando a pesquisa é descritiva, ou seja ela
apenas descreve os resultados inerentes aos grupos pesquisados sem a
perspectiva de inferências estatísticas para a população e; 2. quando a
pesquisa é quase-experimental, ou seja, embora utilize amostra não aleatória
o pesquisador pretende fazer inferências para a população-alvo.

58.
No primeiro caso, não há uma regra definida. Depende da
disponibilidade de sujeitos. Exemplos: num estudo clínico sobre uma
determinada doença rara o pesquisador depende dos sujeitos a que tem
acesso. Numa pesquisa com talentos esportivos, onde o talento é por conceito

278 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


uma exceção (out liers), da mesma forma, o pesquisador depende de quem
está disponível. Todavia, nestes casos sugiro que o pesquisador utilize alguns
dos seguintes critérios que são adotados também em estudos qualitativos:
1. explicitar com clareza os critérios de seleção dos sujeitos; 2. identificar o
lugar onde o grupo eleito será recrutado; 3. definir o período de tempo que
será contemplado para o estudo e; 4. descrever o número de sujeitos que
participarão da investigação.

59.
No segundo caso, em estudos quase experimentais quando há a
pretensão de utilização de técnicas estatísticas inferenciais, há a exigência
da definição dos procedimentos de definição do tamanho da amostras. Neste
caso, como os grupo amostrais não são aleatórios, em minha opinião não
faz sentido utilizar equações que levem em consideração o tamanho da
população. Assim, sugiro que a definição do tamanho da amostra nestes
casos considere a análise da potência do testes estatístico (ver parágrafos
40 a 43 neste capítulo, Regra do Polegar, Potência desejada, G-Power).

Erros não amostrais


60.
Uma excelente referência sobre erros não amostrais é o livro de
Alberto Carlos Almeida “Erros nas Pesquisas Eleitorais e de Opinião20”.
Com muita clareza e objetividade o autor, através de exemplos de pesquisas
reais (casos) demonstra, comenta e sugere alternativas sobre os mais
importantes fontes de viés nas pesquisas decorrentes de erros não amostrais.
Será a partir do livro de Almeida que vamos discorrer sobre este tema
relevante.

61.
A primeira importante observação é que os erros não amostrais,
diferentemente dos erros amostrais, não se presta a formulação matemática
generalizante. Conforme Almeida, o erro não amostral é de natureza empírica

19
Exemplo adaptado do texto de Marconi et Lakatos. 1990, p. 49 a 51.

O desafio da iniciação científica 279


(prática). Há três tipos básicos de erros não amostrais: 1. Erro de cadastro;
2. Erros associados a não respostas e; 3. erros de medição.

62.
O erro de cadastro pode ocorrer quando nossa lista de sujeitos para
a seleção de uma amostra aleatória é deficiente. Imaginemos que vamos
selecionar uma amostra aleatória de estudantes de uma Universidade.
Recorremos a Reitoria e obtemos uma lista desatualizada de alunos (por
exemplo, não consta os alunos ingressos no segundo semestre do ano). Por
consequência se atribuirmos nossos resultados a todos os alunos da
Universidade (inferência estatística), poderemos estar ocorrendo em erro.
Os erros de cadastro podem ser dos seguintes tipos: 1. ausência de
unidades (exemplo anterior); 2. unidades que não pertencem a
população (exemplo: se na lista de estudantes inadvertidamente constam
os professores e técnicos administrativos da Universidade); 3.
multiplicidade de unidades (exemplo: quando um professor é também
estudante, ou é estudante matriculado em dois cursos diferentes desta
Universidade, nesta caso ele vai constar em duas listas, a de professores e
estudantes, ou de estudantes em dois cursos); 4. Informação de acesso
incorreta é quando todas as unidades estão na lista mas torna-se impossível
localizá-las (exemplo: um estudante esta em viagem ao exterior e
incomunicável)21.

63.
Os erros associados a não resposta são de dois tipos: 1. a não
resposta da unidade que ocorre quando uma ou mais unidades relevantes
não responde(m) ou simplesmente não é (são) pesquisada(s) e; 2. a não
resposta ao item ocorre quando uma ou mais questões do instrumento
não é respondida.

64.
Os erros de medição são aqueles decorrentes de atribuição de valores
errados às variáveis mensuradas. Como toda a medição exige um

20
ALMEIDA, A. C. Erros nas pesquisas eleitorais e de opinião” Rio de Janeiro: Record, 2009.
21
Almeida em seu livro refere ainda outro erro de cadastro: erro de informação de acesso.

280 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


instrumento de coleta de dados, duas possibilidades de erro são possíveis: 1.
erro no próprio instrumento de medir e 2. erro na operacionalização
ou aplicação do instrumento. Exemplo: se for medir a velocidade de
corrida numa distância de 20 metros e o cronômetro não for fidedigno tenho
o erro de medição. Por outro lado, se o cronômetro for fidedigno mas minha
pista tem mais (ou menos) do que 20 metros, também tenho erro de medida.
E ainda, se adoto critérios diferentes para acionar o cronometro na partida
e trava-lo na chegada dos 20 metros, também assumo erro de medida.

65.
Como salientamos ao longo deste capítulo são muitos os obstáculos
para garantir a cientificidade de um projeto de pesquisa. E os cuidados
referentes aos sujeitos da pesquisa, população e amostra são fundamentais.
Entre os principais obstáculos salientamos a necessidade de cuidados
especiais com dois principais tipos de erro: 1. erro amostral que se relaciona
com a representatividade da amostra e se presta a formulações estatísticas
e; 2. o erro não amostral decorrente de procedimentos empíricos (não
passíveis de generalizações estatísticas) relacionados a erros de aplicação
e operacionalização dos instrumentos de medida.

Síntese
Neste capítulo tratamos dos sujeitos da pesquisa. Uma das exigências
mais relevantes de um projeto de pesquisa científica. Todavia, um tema
controverso, permeado de impertinentes incorreções, de indevidas
interpretações, por consequência, de recorrentes equívocos e, por suposto,
fonte de muitos obstáculos para validação científica de tantos relatórios de
pesquisa.
Iniciei referindo-me aos estudos qualitativos onde não há
preocupações com generalizações de resultados para além do grupo
investigado. Não há inferências estatísticas. Os estudos qualitativos estão
preocupados principalmente com a validade interna. Portanto, logicamente
não faz sentido e, portanto, não aconselho a utilização das expressões
“população e amostra”. Sugiro simplesmente “Sujeitos da pesquisa”. Da
mesma forma, não faz sentido nos estudos qualitativos propor a dimensão
da amostra por procedimentos estatísticos. Aliás, este é um fato recorrente
em projetos de pesquisa, um equívoco que, antes de tudo, revela a precária

O desafio da iniciação científica 281


compreensão do pesquisador sobre os pressupostos epistemológicos
inerentes aos estudos qualitativos. Proponho, para a definição dos sujeitos
da pesquisa quatro tópicos principais: 1. os grupos que participarão do estudo;
2. o lugar onde o grupo eleito será recrutado; 3. o período de tempo que
será contemplado para o estudo e; 4. O número de sujeitos que participarão
da investigação. Para delimitar o número de sujeitos da pesquisa sugiro o
critério de exaustão ou saturação. Encerrar a coleta de informações quando
as respostas ou observações tornarem-se recorrentes.
O segundo tema deste capítulo tratou dos sujeitos da pesquisa em
métodos quantitativos com amostras aleatórias. Salientei bem o fato de que
nesta perspectiva faz sentido utilizar as expressões “população e amostra”.
Os estudos com amostras aleatórias permitem que o pesquisador, baseado
na teoria matemática das probabilidades possa fazer inferências estatísticas
de uma amostra para uma população. Nas pesquisas quantitativas com
amostras aleatórias dá-se ênfase a validade externa do estudo. Ou seja,
sua capacidade de generalizar resultados para um grupo grande (população)
a partir de um grupo reduzido (amostra). Todavia, para que as generalizações
sejam cientificamente válidas e necessário que a amostra seja representativa
da população de origem e isto ocorre a partir da exigência que a amostra
seja aleatória e tenha um tamanho adequado. Para selecionar uma amostra
aleatória apresentei diversas técnicas: aleatória simples, sistemática,
estratificada, por conglomerados e multifásica. Para definir o tamanho da
amostra discorri brevemente sobre as noções de: erro tipo 1 e tipo 2; nível
de significância e de confiança, potência do teste estatístico, e tamanho do
efeito. Por fim apresentei algumas alternativas simples para a definição do
tamanho de amostras.
Por fim, tratei dos estudos quantitativos com amostras não aleatórias.
Salientei que nestes desenhos de pesquisa à princípio não faz sentido lógico
utilizar os métodos de estatística inferencial (teste t, anova, mann-whitney,
etc.). Considerando que as amostra não são aleatórias não é possível avaliar
a probabilidade do erro das generalizações dos resultados das amostras
para a população. Nestes casos a melhor alternativa para interpretações e
conclusões dos resultados e a medida do tamanho do efeito (effect size)
que dimensiona a validade interna da pesquisa.
Entretanto, nos modelos quase-experimentais (realizados com
amostras não aleatórias) observa-se a utilização de estatística inferencial.
Nestes caso, no entanto, há a necessidade de ajustes a priori cujo objetivo é

282 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


uniformizar as amostras (emparelhá-las), Dito de outra forma, trata-se a
priori de manter equivalentes nos grupos amostrais todas as variáveis que
possam intervir na variável dependente. Estes ajustamentos, ao tornarem a
priori equivalentes os grupos amostrais, fazem supor que as amostras
sejam provenientes de uma mesma população.
Quanto ao tamanho das amostras em pesquisas com grupos não
aleatórios sugeri duas alternativas. A primeira quando se trata de estudos
descritivos (sem a pretensão de inferências estatísticas à população-alvo)
e, a segunda nas pesquisas quase-experimentais.
Por fim apresentei um conceito que é muito pouco discutidos nos
cursos e manuais de metodologia da pesquisa, baseado no livro de Alberto
Carlos Almeida (2009) discorri sobre os principais erros não amostrais.
Este capítulo trata de um dos temas que considero mais relevantes
em minhas aulas de metodologia da pesquisa. Essa importância se deve
principalmente ao fato que considero a seleção dos sujeitos da pesquisa, a
seleção e o tipo de amostra, bem como sua dimensão as causas mais
frequentes de erros de interpretação e conclusão de resultados. Acredito,
que estes são os pontos mais significativos para confirmar (ou não) a validade
científica de um bom projeto de pesquisa.

Referências
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Janeiro: Record, 2009.
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1999.
COHEM, J. Statiscal power analysis for the behavioral sciences (2a
ed) New York: Academic Press, 1988.
FLORES, L. S. Perfil nutricional de crianças e jovens brasileiros: um
estudo da prevalência nos útimos seis anos. Dissertação de mestrado do
PPGCMH-UFRGS. Orientador: Adroaldo Gaya, 2012.
GAYA, A. Ciências do movimento humano; Introdução à metodologia
da pesquisa. Porto Alegre: Artmed, 2008.
HILL, M.M & Hill, A. Investigação por questionário (2a ed). Lisboa:
Sílabo, 2002.
MARCONI,M. A. & LAKATOS, E. M. Técnicas de pesquisa (2a ed.)
São Paulo: Atlas, 1990.

O desafio da iniciação científica 283


MARTINS, M.E.G. Análise de dados. Introdução às técnicas de
amostragem, introdução a estimativa, introdução aos testes e métodos
não o paramétricos. Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa,
2009. <arquivoescolar.org/bitstream/arquivo-e/98/1/análise%20de
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MOURÃO JUNIOR, C. A. Questões em bioestatísitca: o tamanho da
amostra. Rev Interdisciplinar de Estudos Experimentais. v.1, n.1,
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OLIVEIRA, T.M.V de. Amostragem não probabilística: adequação de
situações para uso e limitações da amostra por conveniência, julgamento
e cotas. Administração On line. V.2, número 3, julho/agosto/setembro,
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Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011
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Estatística. Porto Alegre: Instituto de Matemática da UFRGS, 2010.
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TORRES, R.R. Estudo sobre os planos amostrais das dissertações e
teses em administração e contabilidade da Universidade de São
Paulo e da Escola de Administração da Universidade federal do
rio Grande do Sul: Uma contribuição crítica. Dissertação de Mestrado
FEA/USP. Orientador: Gilberto de Andrade Martins. São Paulo, 2000
TURATO, E.R. Tratado da metodologia da pesquisa clinico-
qualitativa.( 2a Ed.) Petrópolis RJ: Vozes, 2003.
VÍCTORA, C.G.; KNAUTH, D. R.; HASSEN, M.A. Pesquisa
Qualitativa em Saúde: uma introdução ao tema. Porto Alegre: Tomo
Editorial, 2000.

284 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


18.
Instrumentos de coleta de dados e informações
Adroaldo Gaya

1.
Para operacionalizar os projetos de pesquisa científica é indispensável
recorrer a instrumentos de coleta de dados e informações. Os instrumentos
usuais de coleta de dados são: as entrevistas, os questionários as provas
testes e as observações. Neste capítulo vou discorrer sobre as principais
características, suas principais vantagens e desvantagens e, sobre
procedimentos de validade científica.

A entrevista
2.
A entrevista se constitui no instrumento mais comum para obter
informações. Possui qualidades que não estão presentes nos questionários,
testes e observações. Através das entrevistas se pode obter informação
abundante tendo em vista a sua flexibilidade e adaptação a situações especiais
(KERLINGER, 1975). Uma das principais vantagens das entrevistas é o
fato de entrevistador e entrevistado estarem cara à cara. Isto possibilita ao
entrevistador perceber se o entrevistado tem dúvidas sobre as respostas, se
compreendeu adequadamente a pergunta, fato que possibilita ao
entrevistador refazer a pergunta de outra forma, com outras palavras, de
modo a adquirir informações precisas. E ainda, as entrevistas permitem ao
pesquisador indagar sobre o contexto e as razões de suas respostas. Essas
principais características e vantagens das entrevistas são essenciais quando,
por exemplo, pesquisamos com crianças.

3.
A desvantagem das entrevistas é, principalmente que exige um tempo
relativamente longo para conseguir informações. Da mesma forma, sua
transcrição e o tratamento das informações (análise do conteúdo) é morosa.
Há, também, necessidade de ambos, entrevistador e entrevistado
compartilharem dos mesmos tempos e espaços, o que torna longo o período
da coleta de dados.

4.
Segundo Kerlinger (1975) a entrevista pode ser empregadas para
atender a três fins principais: 1. pode constituir-se em instrumentos de

O desafio da iniciação científica 285


análise exploratória quando ajuda a identificar variáveis e relações entre
elas, sugerir hipóteses e guiar outras fases da pesquisa; 2. pode ser o principal
instrumento da pesquisa e, como tal, tratam de medir diretamente as variáveis
do projeto. 3. pode complementar outros métodos pesquisa, para validá-
los, aprofundar as informações, etc.

5.
Há três principais modelos de entrevistas: 1. entrevista estruturada;
2. entrevistas não estruturada e: 3. entrevista estruturada com possibilidade
de perguntas complementares. Nos primeiro modelo o entrevistador tem
pouca liberdade para formular perguntas. Ele deve se limitar as perguntas
previamente definidas. No segundo modelo, sua liberdade é dada de
antemão. Embora os objetivos das pesquisas regem as perguntas, seu
conteúdo, sua ordem e sua formulação se encontra por inteiro nas mãos do
pesquisador. No terceiro modelo o entrevistador tem liberdade para usar
perguntas alternativas que, em sua opinião, se ajustam a situações e sujeitos
particulares (KERLINGER, 1975).

Exemplo de guia para entrevista estruturada


6.

Dados de Identificação

Categoria:
Data de nascimento:
Anos como goleiro de Futebol Federado: Idade que tinhas:
Anos no CLube Atual:
Formação Educacional:
Estatura:
Massa corporal:

Roteiro da Entrevista:

1. Fale sobre a tua primeira experiência jogando futebol (não precisa ser a de
goleiro)
2. Como foi tua primeira experiência de goleiro? Que idade?
3. Quais os motivos que te levou a escolher esta posição?
4. Por você ser o último jogador da defesa, aumenta a pressão e a
responsabilidade?
5. Você gostaria de falar algo que não foi perguntado?

Fonte: RIBEIRO, V.; VOSER, R. C. (2011)

286 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


7.
As entrevistas normalmente são presenciais. Entrevistador e
entrevistado estão frente à frente. Todavia, é cada vez mais recorrente, as
entrevistas serem realizadas por telefone, e-mail e por contato à distância
via plataformas de comunicação (Skype, Moodle, etc...).

8.
Nas provas acadêmicas de defesa de monografias e teses muitas
vezes os arguentes questionam sobre os parâmetros de validade,
fidedignidade e objetividade das entrevistas. Vou tratar desses conceitos ao
final deste capítulo. Não obstante, essas exigências no caso das entrevistas
são muitas vezes improcedentes. Vejamos: Se numa entrevista eu pergunto:
o nome, a idade, o endereço, ou ainda: se pratica exercícios físicos, se é
religioso e qual sua doutrina; se vota nesta ou naquele candidato, qual seu
time de futebol ..., é evidente que as respostas são precisas. Não há
possibilidade de interpretação dúbia sobre as perguntas. São claras e
precisas. São objetivas. Evidentemente, nessa caso não faz qualquer sentido
exigir procedimentos de validação.

9.
Entretanto quando as entrevistas são do tipo que exigem determinado
grau de conhecimento específico ou sofisticação intelectual, em outras
palavras, que exijam do entrevistado algum grau de conhecimento prévio
(por exemplo sobre conceitos inerentes a correntes pedagógicas ou
filosóficas), torna necessário que a pergunta seja clara e precisa para evitar
interpretações dissonantes. Neste caso, é pertinente a realização de um
estudo piloto para verificar os parâmetros de validade e fidedignidade da
entrevista. É importante destacar que em todos os casos é importante que
o pesquisador tenha um guia ou grade de observação com critérios
claramente definidos.

As técnicas projetivas
10.
Conforme Cláudia Dias (2000), as técnicas projetivas são usadas
quando o pesquisador considera praticamente impossível aos entrevistados
responderem sobre as reais razões que os levam a assumir certas atitudes
e comportamentos. Muitas vezes as próprias pessoas desconhecem seus

O desafio da iniciação científica 287


sentimentos e opiniões a respeito de determinado assunto, sendo incapazes
de verbalizar seus verdadeiros sentimentos e motivações. O pesquisador,
nesses casos, apresenta ao entrevistado um dilema, um estímulo ambíguo e,
observa suas reações no relacionamento com esse dilema. Esse tipo de
técnica é bastante utilizado em pesquisas sobre desenvolvimento moral.
Exemplo de um dilema moral:

O Dilema de Henrique (Heinz)


“Numa cidade da Europa, uma mulher estava a morrer de câncer.
Um medicamento descoberto recentemente por um farmacêutico
dessa cidade podia salvar-lhe a vida. A descoberta desse
medicamento tinha custado muito dinheiro ao farmacêutico, que
agora pedia dez vezes mais por uma pequena porção desse
remédio. Henrique (Heinz), o marido da mulher que estava a
morrer, foi ter com as pessoas suas conhecidas para lhe
emprestarem o dinheiro e, assim, poder comprar o medicamento.
Apenas conseguiu juntar metade do dinheiro pedido pelo
farmacêutico. Foi ter, então, com ele, contou-lhe que a sua mulher
estava a morrer e pediu-lhe para lhe vender o medicamento mais
barato. Em alternativa, pediu-lhe para o deixar levar o
medicamento, pagando mais tarde a metade do dinheiro que
ainda lhe faltava. O farmacêutico respondeu que não, que tinha
descoberto o medicamento e que queria ganhar dinheiro com a
sua descoberta. O Henrique, que tinha feito tudo ao seu alcance
para comprar o medicamento, ficou desesperado e estava a
pensar assaltar a farmácia e roubar o medicamento para a sua
mulher1.” Deveria ou não assaltar a farmácia?

Entrevista de grupo focal


11.
O grupo focal ou entrevistas de grupo focal caracteriza-se pela reunião
de pequenos grupos de pessoas (6 a 10 pessoas) com o objetivo de identificar
e avaliar: percepções, sentimentos, atitudes e ideias dos participantes a

1.
KOHLBERG, L. Essays on Moral Development, 1984, in ( O.M. Lourenço, Psicologia do Desenvolvimento Moral,
Coimbra, Almedina, 1992.

288 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


respeito de um determinado assunto, de um produto ou atividade. Seus
objetivos variam de acordo com a abordagem de pesquisa. Em pesquisas
exploratórias, o propósito é gerar novas ideias ou hipóteses e estimular o
pensamento do pesquisador, enquanto que, em pesquisas fenomenológicas,
é inferir sobre como os participantes interpretam a realidade, seus
conhecimentos e experiências (DIAS, 2000).

12.
O grupo focal inicia com a reunião de seis a dez pessoas selecionadas
com base em suas características, homogêneas ou heterogêneas, em relação
ao assunto a ser discutido e tem o intuito de estimular a interação entre os
participantes. De acordo com Dias (2000), os usuários dessa técnica partem
do pressuposto de que a energia gerada pelo grupo resulta em maior
diversidade e profundidade de respostas, isto é, o esforço combinado do
grupo produz mais informações e com maior riqueza de detalhes do que o
somatório das respostas individuais. Resumindo, a sinergia entre os
participantes leva a resultados que ultrapassam a soma das partes individuais.

13.
A discussão ocorre durante aproximadamente duas horas, sendo
conduzida por um moderador que utiliza dinâmicas de grupo a fim de
compreender os sentimentos expressos pelos participantes. Todavia, se por
um lado, sob o ponto de vista dos participantes a conversa possa ser bem
flexível, por outro lado, sobre a perspectiva do pesquisador deve haver um
planejamento sobre o que deve ser discutido e quais são os objetivos
específicos da pesquisa. Em geral, o moderador atua no grupo de maneira
a redirecionar a discussão, caso haja dispersão ou desvio do tema
pesquisado, sem, no entanto, interromper bruscamente a interação entre os
participantes.

14.
Conforme Claudia Dias (2000), primeira etapa do grupo focal é o
seu planejamento. Nessa etapa deve ser definido o objetivo da pesquisa. A
partir dos objetivos, é selecionado um moderador e elaborada uma lista de
questões para discussão. O moderador é a peça mais importante do grupo
focal, porém mantendo-se neutro e evitando introduzir qualquer ideia
preconcebida na discussão. É importante que o moderador tenha experiência
em dinâmicas de grupo para que possa conduzir a discussão sem inibir o

O desafio da iniciação científica 289


fluxo livre de ideias, promovendo a participação de todos e evitando que
certas pessoas monopolizem a discussão. A discussão do grupo focal deve
acontecer numa atmosfera agradável e informal, capaz de colocar seus
participantes à vontade para expor suas ideias, A dinâmica e a interação do
grupo torna-se parte integrante da técnica, pois os participantes, engajados
na discussão, dirigem seus comentários aos outros participantes, ao invés
de interagirem apenas com o moderador. O moderador tem a difícil tarefa
de conduzir a reunião de forma a ultrapassar o nível superficial e defensivo,
normal em qualquer interação entre pessoas desconhecidas, com intuito de
alcançar o lado autêntico de cada participante.
15.
Frente à quantidade de informações trocadas nesse tipo de reunião,
o moderador pode ser auxiliado por um anotador ou pela gravação da sessão
em áudio e/ou vídeo, desde que os participantes assim o permitam. A tarefa
mais difícil da técnica do grupo focal é a análise dos resultados, pois não é
suficiente repetir ou transcrever o que foi dito. O objetivo da pesquisa e o
guia de entrevista podem ser utilizados para estruturar o relatório, o qual
deverá conter, além da transcrição das fitas gravadas ou do que foi registrado
pelo anotador, um resumo dos comentários mais importantes, conclusões e
recomendações do moderador (DIAS, 2000).

O questionário
16.
O questionário corresponde ao mais estruturado e rígido tipo de
entrevista. Pressupõe uma formulação e ordenação rígida de perguntas,
respostas de conteúdo relativamente reduzido, pouca liberdade dos
intervenientes. É uma boa técnica para estudos extensivo, com muitos
sujeitos, mas o nível da informação é relativamente limitado (LIMA, 1987).

17.
Três tipos de questionários são usuais nas pesquisas científicas: 1.
questionário com questões fechadas; 2. questionários com questões abertas
e; 3. questionários com questões fechadas com a possibilidade de justificação
das respostas às questões fechadas com argumentos discursivos.
Questionário de perguntas fechadas
18.
Nos questionários de perguntas fechada as questões ou afirmações
apresentam categorias ou alternativas de respostas fixas e preestabelecidas.

290 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


O entrevistado deve responder a alternativa que mais se ajusta às suas
características, ideias ou sentimentos. Existem diversos tipos de perguntas
fechadas. As mais utilizadas são as seguintes: 1. Perguntas com alternativas
dicotômicas (do tipo: sim ou não; verdadeira ou falsa; certo ou errado;
concorda ou discorda); 2. Perguntas com respostas múltiplas, as que
oferecem mais de duas alternativas (do tipo: em que turno você pratica
esportes? ( ) manhã, ( ) tarde, ( ) noite, ( ) não pratica; 3. Perguntas com
respostas hierarquizadas (escalas ordinais). Escalas do tipo Likert ( ) discordo
plenamente; ( ) discordo; ( ) sem opinião; ( ) concordo; ( ) concordo
plenamente).

19.
Na elaboração de perguntas fechadas, devem ser considerados dois
aspetos importantes: 1. as alternativas de resposta devem ser exaustivas,
isto é, devem incluir todas as possibilidades que se podem esperar e; 2. as
alternativas devem ser excludentes. O entrevistado não deve duvidar entre
duas ou mais alternativas.
Questionário de motivação para práticas esportivas

Fonte: CARDOSO e GAYA, 1998.

O desafio da iniciação científica 291


Questionário de perguntas abertas
20.
O questionário de pergunta aberta caracteriza-se por perguntas ou
afirmações que levam o entrevistado a responder com frases ou orações.
O pesquisador não está interessado em antecipar as respostas, deseja uma
maior elaboração das opiniões do entrevistado (RICHARDSON,1985) .
Por exemplo: 1. Qual sua avaliação sobre as aulas de educação física que
teve na escola; 2. Você concorda com a obrigatoriedade da educação física
na escola? Por favor, justifique sua resposta. 3. De acordo com seu ponto
de vista como deveria ser a educação física na escola.

Questionário que combinam perguntas abertas e fechadas


21.
O pesquisador, em muitos casos, elaboram os questionários com
ambos os tipos de perguntas. As perguntas fechadas, destinadas a obter
informação sociodemográfica do entrevistado (sexo, escolaridade, idade
etc.) e respostas de identificação de opiniões (sim - não, conheço - não
conheço etc.), e as perguntas abertas, destinadas a aprofundar as opiniões
do entrevistador. Exemplo: Que programa de televisão o Sr.(Sra.) prefere?
( ) Noticiários; ( ) esportivos; ( ) telenovelas; ( ) humorísticos; ( ) policiais;
( ) não assisto televisão. Justifique sua resposta.

A observação
22.
A observação é nosso instrumento privilegiado de relação com o
mundo objetivo. É observando que nos situamos, orientamos nosso
deslocamento, reconhecemos pessoas e objetos. A observação, como
referem Laville e Dionne (1999), é instrumento de uma ampla variedade de
descobertas e de aprendizagens. É uma ferramenta essencial na produção
do conhecimento. Todavia, é de ressaltar que a observação como
instrumento da pesquisa científica exige alguns critérios. Não é uma busca
ocasional ou meramente intuitiva. Como instrumento de coleta de dados
para um projeto científico é necessário que a observação seja conduzida a
partir de um objetivo claro de investigação. Que possa testar uma hipótese

292 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


ou responder sobre questões de pesquisa (ver capítulo 9). Além disso, como
instrumento de investigação científica os procedimentos de observação
devem ser rigorosos, o que pressupõe que devam ser submetidos a
procedimentos de validade, fidedignidade e objetividade (como veremos ao
final deste capítulo).

23.
As exigências que salientamos ao final do parágrafo anterior todavia,
não impedem que haja modelos diversos de observação, com níveis distintos
de estruturação formal. Assim, conforme Lessard, Goyette e Boutin (1990)
podemos identificar duas principais estratégias: 1. observação direta e
sistemática com observador externo (observador não participante do grupo
observado), também reconhecida como observação de abordagem fechada
ou estruturada; 2. observação participante (observador integrado e
participante do grupo observado), também reconhecida como observação
de abordagem aberta ou não estruturada.

24.
Lessard, Goyette e Boutin (1990) sugerem uma visão desses modelos
de observação sistemática e não sistemática através de um continuum em
função de um conjunto de parâmetros. Os referidos autores referem
inicialmente que a observação direta e sistemática situam-se no âmbito das
pesquisas descritivas e a observação não sistemática no âmbito das pesquisas
narrativas e interpretativas.

25.
As pesquisas descritivas tem por objetivo fornecer uma descrição
aprofundada e pormenorizada dos fenômenos investigados (acontecimentos,
atitudes, conversas, ritos...) e, comparando-os entre si, construir novas
variáveis que permitem fazer emergir novos conhecimentos. Os sistemas
descritivos com observação direta sistemática portanto, desempenham uma
tarefa instrumental: 1. suas categorias de análise são predeterminadas; 2. a
pesquisa é orientada para descrever comportamentos, atitudes, habilidades;
3. são utilizadas grades, ou grelhas de categorias previamente estabelecidas,
lista-controle, escalas de classificação; 4. e o objetivo é obter dados
normativos, identificar normas de comportamento e, principalmente
interpretá-lo.

O desafio da iniciação científica 293


Exemplo de uma grade de observação de atividades em sala de aula

Fonte: http://www.arlindovsky.net/2012/04/avaliacao-complexa-do-desempenho/

294 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


26.
As pesquisas narrativas ou interpretativas permitem um registro
escrito das informações numa linguagem próxima a vida cotidiana. Os
registros podem ser feitos no local, no momento da observação de um evento
crítico ou do desenrolar de um conjunto de eventos que se manifestam
durante um período de tempo. A observação de abordagem aberta
desempenha uma tarefa interpretativa: 1. inexistem categorias
predeterminadas; 2. a pesquisa é desenhada para interpretar e dar significado
a comportamentos, discursos, atitudes; 3. utiliza-se diários de campo.

Observação participante
27.
A observação participanteestá associada intimamente as pesquisas
etnográficas (ver capítulo 15). Sua principal característica é coletar
dados e informações por meio de observações e escuta de pessoas em seu
contexto natural e dar sentido as interpretações sociais que elas atribuem
as suas próprias atividades (GRAY, 2012). É o relato das experiências do
próprio pesquisador: seus sentimentos, suas expectativas, suas ansiedades,
quando inserido e participante de uma determinada comunidade ou evento.

28.
Na observação participante o pesquisador é membro do grupo que
está investigando e, por suposto, começa a perceber intimamente as diversas
situações reais ao vivenciá-las pessoalmente. Como descreve Gray (2012):
O pesquisador passa a estar imerso no contexto onde
ocorre a pesquisa de campo, com o objetivo de
compartilhar e experimentar as vidas das pessoas para
conhecer seu mundo simbólico (GRAY, 2012, p. 323).

29.
O principal desafio da observação participante está na capacidade
do pesquisador manter um adequado equilíbrio entre sua subjetividade e a
objetividade dos fatos. Em outras palavras manter o equilíbrio entre o

O desafio da iniciação científica 295


pesquisador e o ator social. Não obstante, a observação participante tem
efetivo valor por ser eficaz na observação do comportamento não verbal;
serem imediatos no sentido de que geram informações sobre eventos na
medida em que eles ocorrem; possibilita o desenvolvimento de uma relação
natural, com o tempo, entre o pesquisador e o observado (GRAY, 2012).

Teste
30.
Os testes são instrumentos utilizados para fazer uma medida numa
determinada competência (cognitiva, motora, esportiva, musical, etc.).
Embora, normalmente a expressão teste venha associada as expressões
medida e avaliação, devemos ter claro as diferenças. O teste é o instrumento
que fornece uma medida objetiva. A medida, por sua vez, é o ato de mensurar,
geralmente indicando um número ou uma ordem para o fenômeno que se
pretende avaliar. Avaliação é uma declaração de qualidade, de excelência,
de mérito, de valor ou de merecimento sobre o avaliado. A avaliação implica
numa tomada de decisão (MORROW et al., 2003).

31.
O teste de Corrida/caminhada de 6 minutos utilizado pelo PROESP-
Br (www.proesp-ufrgs.br) é um instrumento cujo objetivo é medir a
distância que um sujeito percorre em 6 minutos. Conforme a distância
percorrida, a partir de um tabela de desempenho se pode avaliar (de forma
indireta) a capacidade cardiorrespiratória do sujeito (se está na Zona
Saudável ou na Zona de Risco à Saúde).

32.
Como de se pode perceber para fins de pesquisa científica o teste é
relevante como instrumento de medida todavia, desde que atrelado aos
critérios de avaliação. Não obstante, se exige do teste certas propriedades
métricas que possam garantir sua qualidade. Um teste (tal como um
questionário, uma grade de observação ou entrevista) deve ter validade,
fidedignidade e objetividade)

296 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


A validade de um instrumento de coleta de dados
33.
A validade ou acurácia (cf. HULLEY et al., 2008) representa a
capacidade objetiva de uma medida em representar efetivamente aquilo
que pretende. Se pretendo utilizar o teste de corrida/caminhada de 6 minutos
como uma medida de aptidão física relacionada à saúde é necessário que
eu tenha objetiva garantia de que, dentro de certas margem de probabilidade,
eu possa afirmar que uma criança ou adolescente está ou não na zona
saudável ou na zona de risco à saúde. A validade da medida indica em que
grau os escores do teste ou do instrumento medem o que realmente pretende
medir. A validade se refere à solidez da interpretação dos escores de um
teste (THOMAS, NELSON & SILVERMANN, 2012).

34.
Da acordo o que se pretende representar através das medidas de
uma observação, entrevista, questionário ou teste (variável dependente),
define-se a validade de um instrumento através de três procedimentos: 1.
validade de conteúdo; 2. validade de critério e; 3. validade de construto.

Validade de conteúdo
35.
A validade de conteúdo, avalia o grau em que cada elemento de um
instrumento de medida (cada item de um questionário, por exemplo) eì
relevante e representativo de um específico constructo a ser avaliado. No
exemplo do parágrafo 19 deste capítulo, será que todos os itens do
questionário representam motivos (é um questionário sobre motivação) entre
os quais as crianças e adolescentes justificam seu gosto pela prática de
esportes? Em caso positivo, afirmamos que o questionário tem validade.

36.
Para aferir a validade de conteúdo duas alternativas são usuais: 1.
validade por procedimento qualitativo (teórica ou lógica) e; 2. validade por
procedimento quantitativo (índice de concordância entre avaliadores).
Todavia, nas duas alternativas se utilizam de avaliadores experientes que
julgam as propriedades do instrumento de medida (comitê de especialistas).

O desafio da iniciação científica 297


37.
Na validade por procedimentos qualitativos o pesquisador seleciona
através de critérios claros e bem descritos um conjunto de “juízes”. Cinco a
dez, especialistas reconhecidos na área de atuação que vão julgar o
instrumento de medida. Nessa decisão, deve-se levar em conta as
características do instrumento, a formação, a qualificação e a disponibilidade
dos profissionais necessários. Entre esses critérios é relevante: 1. ter
experiência; 2. publicar e pesquisar sobre o tema; 3. ser perito na estrutura
conceitual envolvida e; 4. ter conhecimento metodológico sobre a construção
de testes, questionários e escalas de medida (ALEXANDRE & COLUCI,
2011).

38.
Ainda, conforme Alexandre e Coluci (2011), os juízes devem
inicialmente avaliar o instrumento como um todo, determinando sua
abrangência. Isto eì, se cada domínio ou conceito foi adequadamente coberto
pelo conjunto de itens e, nesta fase, podem sugerir a inclusão ou a eliminação
de itens. Precisam também analisar os itens individualmente verificando
sua clareza e pertinência. Em relação aÌ clareza, deve-se avaliar a redação
dos itens, se são relevantes e, se são adequados para atingir os objetivos.
Essa avaliação pode ser inicialmente feita de forma individual e independente
pelos juízes, seguida por uma discussão em grupo. A provável desvantagem
desse procedimento é restrita análise de ordem subjetiva. De outra forma,
não há medidas objetivas que permitam uma avaliação numérica do
instrumento. Trata-se apenas de julgarmos através de argumentos teóricos
enunciados pelos juízes.

39.
Na validade de conteúdo por procedimento quantitativo, os
procedimentos iniciais são similares aos descritos nos parágrafos anteriores.
Todavia, utiliza-se um maior número de juízes, em torno de 10 a 20 e, procede-
se a um calculo numérico que indica a magnitude da validade do instrumento.
Essas medidas são normalmente: 1. percentagem de concordância entre
avaliadores; 2. índice de validade de conteúdo e; 3. coeficiente k (kappa)
(ALEXANDRE e COLUCI, 2011).

298 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


40.
A percentagem de concordância entre os juízes é um índice muito
simples: 1. calcula-se a razão entre os juízes que concordam com a validade
do instrumento (ou de seus itens) e o número total de juízes participantes e;
2. multiplica-se o resultado por 100. Ao utilizar este procedimento considera-
se como um valor aceitável a concordância em torno de 90%.

% de concordância = (numero de juízes que concordam/ numero


total de juízes) X 100

41.
O índice de validade de conteúdo (IVC) é mais sofisticado. Os
procedimentos são os seguintes: 1. o pesquisador elabora uma questionário
criterioso para avaliação dos itens do instrumento de medida. Normalmente
este questionário utiliza uma escala tipo Lickert com 4 alternativas (1 = não
relevante; 2 = necessita grande revisão; 3 = necessita pequena revisão e;
4 = está adequado); 2. solicita aos juízes que avaliem o instrumento de
medida e, 3. calcula-se o IVC pela razão entre o número de respostas “3”e
“4” e o número total de respostas; 4. Para avaliação global do instrumento
alguns autores consideram: (4.1) calcular a média das proporções dos itens
considerados relevantes pelos juízes ou; (4.2) a razão entre o número total
de itens considerados como relevantes pelos juízes e o número total de
itens. Nestes casos alguns autores sugerem uma concordância mínima de
0,80 (ALEXANDRE e COLUCI, 2011).

42.
Estatística K (kappa) é uma medida de concordância usada em escalas
nominais que nos fornece uma ideia do quanto as observações se afastam
daquelas esperadas, fruto do acaso, indicando-nos assim o quão legítimas
são as interpretações. É uma medida de concordância entre avaliadores.
Por exemplo: dois diferentes avaliadores medem as dobras cutâneas em 20
adolescentes. O coeficiente K indica o grau de concordância entre os dois
avaliadores. Normalmente se considera valores abaixo de 0,40 como baixos;
entre 0,40 e 0,75 mediano a superior a 0,75 como excelente. Esta estatística
K é similar a estatística do qui-quadrado e pode ser calculada em software
estatísticos.

O desafio da iniciação científica 299


Validade de Critério
43.
Conforme Gilberto Martins (2006), a validade de critério estabelece
a validade de um instrumento de medição comparando-o com algum critério
externo. Este critério é um padrão com o qual se julga a validade do
instrumento. Quanto mais os resultados do instrumento de medidas se
relacionam com o padrão (critério) maior a validade de critério.

Validade de critério convergente


44.
Se o critério se fixa no presente, temos a validade convergente os
resultados do instrumento se correlacionam com o critério no mesmo
momento ou ponto no tempo. Por exemplo, o teste de corrida/caminhada de
6 minutos é válido para medir a capacidade cardiorrespiratória? Para resolver
a questão podemos correlacionar a distância percorrida em 6 minutos por
um grupo de adolescentes e correlacionar com os resultados deste mesmo
grupo submetido a uma medida de VO2 de pico através de teste de direto
de consumo máximo de oxigênio (teste padrão ouro). Quanto mais próximo
de 1 a correlação (r) mais consistente ou válido é o teste que se propõe.

Validade preditiva
45.
Se o critério se fixa no futuro temos a validade preditiva. Conforme
Martins 2006), a validade para predizer refere-se à extensão a qual o
instrumento (geralmente teste) prediz futuros desempenhos de indivíduos.
A validade preditiva é muito importante para testes que são usados com
propósitos de identificar, classificar ou predizer resultados. A validade de
predizer é estabelecida através de correlações dos resultados do teste com
subsequente medida de um critério. Exemplo: o teste de corrida/caminhada
de 6 minutos utilizada pelo PROESP-Br tem a pretensão de identificar jovens
com fatores de risco cardiovascular. A validação do teste foi feito através
de associação entre determinado desempenho (distância percorrida no teste
de 6 minutos estratificado por idade e sexo) e índices elevados de colesterol
total, hipertensão arterial e excesso de peso. Através de técnicas estatísticas

300 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


de associação (Curva ROC, neste caso) identificou-se a sensibilidade e a
especificidade do teste de 6 minutos. Os resultados confirmam sua
possibilidade de predizer a ocorrência desses fatores de risco em crianças
e adolescentes de 7 a 17 anos (BERGMANN et al, 2010), portanto o teste
possui validade de critério.

Validade de construto
46.
A validade de construto é extremamente útil para explicar a natureza
dos instrumentos que medem traços para os quais não se possuem critérios
externos diretamente quantificáveis. A validade de construto, ao contrário
da validade de conteúdo e critério, não é expressa em termos de um
coeficiente quantitativo (VIANNA, s.d.) Em outras palavras, como referem
Thomas, Nelson e Silvermann (2012), a validade de construto trata de avaliar
instrumentos cujas as características não são diretamente observadas.

47.
Exemplo: um questionário que pretende medir autoimagem. Não há
um aparelho que conectado ao sujeito (“autoimagemômetro”) capaz de medir
diretamente o nível de autoimagem. A autoimagem (bem como motivação,
espírito esportivo, qualidade de vida, aptidão física...) é um construto. Uma
construção teórica. Portanto, para medi-la é necessário identificar um
conjunto de características capazes de descriminar indivíduos com alta ou
baixa autoimagem. Vejamos um exemplo:
Questionário Auto Estima e Auto Imagem de Steglich
Este questionário foi desenvolvido por Luiz Alberto Steglich, em 1978,
em sua dissertação de mestrado “Terceira Idade, aposentadoria, auto-
imagem e auto-estima”, na qual desenvolveu o referido instrumento, obtendo
alto índice de validade e fidedignidade.
As questões: 4, 9, 12, 13, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 25, 26, 27, 32, 35,
36, 37, 38, 41, 52, 55, 56, 57, 59, 62, 63, 65, 71, 72 e 75, receberam um valor
numérico de 5 a 1, as questões 1, 2, 3, 5, 6, 7, 8, 10, 11, 14, 15, 23, 24, 28, 29,
30, 31, 33 34, 39, 40, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 53, 58, 60, 61, 64,
66, 67, 68, 69, 70, 73, 74, 76, 77 e 78, receberam um valor numérico de
1 a 5.

O desafio da iniciação científica 301


302 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA
48.
O que se observa neste questionário é que os itens representam
comportamentos passíveis de identificar idosos com graus distintos de
autoimagem (valores de 1 a 5). Para definir a validade de construto do
questionário o pesquisador deveria selecionar dois grupos de idosos: 1. com
alta autoimagem e 2. com baixa autoimagem. Aplicar o questionário e
verificar se ele (o questionário) é capaz de discriminar os dois grupos (Análise
da Função Descriminante). Em caso positivo o instrumento é considerado
válido para medir o construto autoimagem.

49.
Supondo que o questionário é capaz de discriminar sujeitos com alta
e baixa autoimagem, ainda assim o pesquisador pode identificar a
consistência interna dos itens do questionário. Para isto são úteis as técnicas
estatísticas denominadas como Análise Fatorial Exploratória e Análise
Fatorial Confirmatória2. A Analise Fatorial Exploratório identifica os itens
do questionário que estão associados entre si, sugerindo a hipótese de que
tais itens configurem dimensões especiais do questionário e a Análise Fatorial
Confirmatória, confirma (ou não) tais hipóteses.

Em nosso exemplo foram identificadas e confirmadas 4


dimensões: 1. orgânicos (itens de 1 a 8); 2. sociais (itens de 9 a
14); 3. intelectuais (itens de16 a 24) e; 4. emocionais (itens 25 a
28.

50.
Como afirmam Thomaz, Nelson & Silvermann (2012), em verdade,
todos os procedimentos de validação (validação de conteúdo e validação
por critérios) são utilizados para evidenciar a validade relacionada ao
constructo. Em geral, se torna necessário usar evidências das outras formas
de validação para oferecer uma base sólida à validade dos escores de
determinado instrumento e ao uso de seus resultados.

2.
Essas técnicas estatisticas não serão tema deste livro. Mas, sugiro um texto introdutório sobre essas e outra
técnicas multivariadas muito esclarecedor. KERLINGER, F. Metodologia da Pesquisa em Ciências Sociais. Um
tratamento conceitual. São Paulo: EPU. 1980.

O desafio da iniciação científica 303


Fidedignidade, confiabilidade ou precisão
51.
A fidedignidade ou confiabilidade de um instrumento para coleta de
dados é a confiança que a mesma confere ao pesquisador. Vejamos um
simples exemplo: subo numa balança e ela registra 80 quilos; desço e subo
novamente e ela registra 85 quilos; repito o procedimento e, agora ela indica
73 quilos. Conclusão esta balança esta “louca” ou, em outras palavras, não
posso confiar nessa balanças, pois em cada medida do mesmo sujeito ela
indica resultados diferentes. Esta balança não é fidedigna.

52.
A confiabilidade de um instrumento de medição se refere ao grau em
que sua repetida aplicação, ao mesmo sujeito ou objeto, produz resultados
iguais. Em outras palavras, confiabilidade refere-se à consistência ou
estabilidade de uma medida. É o que se exige de um instrumento de coleta
de dados que ele seja, válido e fidedigno.

53.
A confiabilidade de um instrumento de medidas pode ser determinada
mediante diversas técnicas e procedimentos, entre elas: 1. teste e reteste;
2. teste das duas metades; 3. coeficiente alfa de Cronbach e; 4. coeficiente
KR-20 (MARTINS, 2006).

54.
Teste e reteste. O instrumento de coleta de dados é aplicado duas
vezes num mesmo grupo de sujeitos e calcula-se o índice de correlação
entre as duas medidas. Se a correlação é forte entre as duas medidas o
instrumento é considerado válido. Não obstante, caso o instrumento seja do
tipo questionário, é importante considerar um intervalo de tempo entre teste
e reteste. Intervalo nem tão longo, para que não ocorra algum efeito de
variáveis intervenientes a ponto de alterar a situação inicial do respondente,
tampouco muito curto, para que a memória das respostas ao teste não
contamine os resultados do reteste. Sugere-se um intervalo entre 10 a 15
dias.

304 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


55.
Teste das duas metades. Num questionário mais ou menos longo,
onde as questões medem um mesmo construto (autoimagem, por exemplo),
o pesquisador poderá dividir os itens do questionário em duas metades e
calcular o valor da correlação entre elas. Se a correlação é forte o
questionário é fidedigno. O pressuposto teórico é o seguinte: se todos os
itens do questionário medem comportamentos relativos à mesma variável
(autoimagem), é correto admitir que deverá haver forte correlação entre
os itens de instrumento. As duas metades podem simplesmente serem
oriundas da divisão do questionário ao meio, ou provenientes dos itens pares
e ímpares ou por sorteio.

56.
Alfa de Conbrach. O instrumento é aplicado única vez e calcula-se,
facilmente através de pacotes estatísticos, todas as correlação entre cada
item e o escore total. O alfa é o valor médio de todas as correlações. É uma
técnica interessante na medida em que fornece informação sobre cada
item do instrumento o que possibilita, quando necessário, sua correção ou
exclusão. Considera-se o instrumento de coleta de dados fidedigno quando
alfa é igual ou superior a 70% (MARTINS, 2006).

57.
Coeficiente KR-20. Criado por Kuder e Richardson em 1937
(MARTINS, 2006). Tem finalidade similar ao coeficiente alfa de Cronbach,
todavia é utilizado quando os instrumentos de coleta de dados apresentam
respostas dicotômicas (do tipo: sim ou não; certo ou errado).

Fidedignidade entre avaliadores ou objetividade


58.
A objetividade de um instrumento de coleta de dados é a propriedade
de reproduzir seus resultados quando são aplicados por sujeitos diferentes.
É uma propriedade importante de ser medida posto que os resultados devem
ser confiáveis independentemente de avaliador que o aplica. Um exemplo
muito comum na área das ciências do esporte e da saúde é a medição de
dobras subcutâneas. Tal medida através de plicômetros é tão instável que
mesmo em se tratando do mesmo avaliador há variação nos resultados, o
que driá quando os avaliadores são sujeitos diferentes.

O desafio da iniciação científica 305


59.
Em casos como esse, é relevante minimizar as fontes de variação
dos resultados, o que se faz através de utilização de um único avaliador
treinado ou de um grupo de avaliadores bem treinados cuja a discrepância
dos resultados seja a menor possível. Para a determinação da objetividade
mede-se a correlação entre avaliadores e considera-se normalmente como
uma boa objetividade índices de correlação igual ou acima de 0,80.

Síntese
Nesta capítulo discorri sobre os instrumentos de coleta de dados e
informações. Inicialmente apresentei os principais instrumentos: 1. A
entrevista, as técnicas projetivas, entrevista de grupo focal; 2. O questionário
de perguntas abertas, fechadas e combinadas; 3. A observação de
abordagem aberta, fechada e observação participante e; 4. O teste como
instrumento de medidas de atitudes de comportamentos. Na segunda parte
do capítulo discorri sobre os procedimentos de validade: 1. validade de
conteúdo; 2. validade de critério e; 3. validade de construto, e procedimentos
de fidedignidade: 1. teste e reteste; 2. teste das duas metades; 3. coeficiente
alfa de Cronbach e; 4. coeficiente KR-20. Tenho a expectativa de ter
abordado, embora de forma introdutória, os principais e usuais procedimentos
de coleta de dados, bem como os principais procedimentos inerentes as
exigências de rigor métrico dos instrumentos de medida para a pesquisa
científica.

306 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Referências
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processos de construção e adaptação de instrumentos de medida. Ciência
& Saúde Pública 16(7)3061:3068, 2011.
BERGMANN, G; GAYA, A; HALPERN, R.H.; BERGMANN, M.; RECH,
R. CONSTANZI, C. & ALLI, L. Pontos de Corte para a aptidão física
cardiorrespiratórtia de fatores de rico para doenças cardiovasculares.
Revista Brasileira de Med do Esp. 15.341–345, 2010.
CARDOSO, M. & GAYA, A. Os Fatores Motivacionais para a prática
esportiva. Revista Perfil, 1998.
DIAS, C.A. Grupo focal: técnicas de coleta de dados em pesquisas
qualitativas. Periódicos.ufpb/index.php/ies/article/download/330/252.
Acesso em 02/07/2014.
GRAY. D.E. Pesquisa Mundo Real. (2 ed.). Porto Alegre: Penso, 2012.
HULLEY, S.B.; CUMMINGS, S.R.; BROWNER, W.S.; GRADY. D.G.
& NEWMAN, T. B. Delineando a Pesquisa Clínica. Uma
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LAVILLE, C. & DIONNE, J. A Construção do saber. Manual de
metodologia da pequisa em ciências humanas. Porto Alegre: ARTEMD;
Belo Horizonte: ed UFMG. 1999.
KOHLBERG, L. Essays on Moral Development, 1984, in( O.M. Lourenço,
Psicologia do Desenvolvimento Moral, Coimbra, Almedina, 1992.
LIMA, M.P. Inquérito Sociológico. Problemas e metodologia. Lisboa:
Editorial Presença, 1987.
MARTINS, G. A. Sobre Confiabilidade e Validade. RBGN, São Paulo,
8(20)1-12, 2006.
MORROOW, R.J.Jr; JACKSON, A.W.; DISCH. J.G. & MOOD, D.P.
Medidas e Avalição do Desempenho Humano (2ed). Porto Alegre:
ARTMED, 2003.
RICHARDSON, R. J. Questionário. Funções e características. In.
Pesquisa social; métodos e técnicas. Richardson e Outros. São Paulo:
Atlas, 1985.
THOMAS, J.R.; NELSON, J.K & SILVERMANN, S.J. Métodos de
Pesquisa em Atividade Física (6ed.). Porto Alegre: ARTMED, 2012.

O desafio da iniciação científica 307


19.
Critérios para decisões sobre o tratamento
estatístico dos dados
Adroaldo Gaya e Anelise Gaya

1.
Neste capítulo conto com o auxílio da minha filha e colega Anelise
Gaya. Por dois principais motivos: 1. sua experiência com pesquisas
quantitativas e, decorrente disso sua prática cotidiana no uso da estatística
como ferramenta da pesquisa científica e; 2. não menos relevante, pela sua
paixão de ensinar aos jovens o caminho da iniciação científica. Juntos,
planejamos e preparamos este capítulo tendo no horizonte a ideia central
deste livro: auxiliar estudantes de iniciação científica a produzirem seus
projetos de pesquisa.

2.
Considerando que este livro tem por objetivo colaborar com a
elaboração de projetos de pesquisa para estudantes de iniciação científica,
salientamos que não é nosso propósito apresentar neste capítulo um manual
de estatística. Não tratamos de ensinar aos estudantes como devem usar
as diversas ferramentas da estatística. Limitamo-nos a discorrer sobre os
principais critérios que envolvem a definição ou seleção dessas ferramentas
para atender as exigências de seus projetos de pesquisa.

3.
Nossa primeira mensagem aos estudantes de iniciação científica é a
seguinte: não se deixem escravizar pela estatística. Não deixem que ela
decida por vocês sobre as conclusões ou decisões inerentes aos dados de
seus trabalhos. Lembrem da lição do Professor José Maia, da Universidade
do Porto: “Antes de ligar o computador liguem vossos cérebros”.
Lembrem-se também da epígrafe deste capítulo. Levem em consideração
que não é a estatística quem deve decidir sobre os resultados de suas
pesquisas. A estatística é uma ferramenta, é um meio, é um método, é um
caminho para orientar nossas conclusões. Por isso é tão importante que

O desafio da iniciação científica 309


nossa competência nessa matéria esteja além de simplesmente: 1.
manejarmos com eficiência determinados pacotes estatísticos; 2. calcularmos
o valor de “p”; 3. definirmos se aceitamos ou não a hipótese nula e; 4.
concluirmos se nossa experiência foi ou não foi bem sucedida. A validade
de uma teoria científica não é proveniente unicamente de cálculos
matemáticos. É mais do que isso, exige bom senso, coerência lógica (teoria)
e consistência empírica (prática). Portanto, não acreditem definitivamente
em cálculos que resultem em conclusões que destoem drasticamente do
bom senso. Sendo assim, decidir por um ou outro modelo estatístico exige
um conjunto de critérios técnicos e teóricos que sejam capazes de justificar
com pertinência vossas escolhas.

4.
Por outro lado, não deleguem a tarefa da definição do tratamento
estatístico à outrem. Não entreguem seus bancos de dados a um estatístico
para que ele tome as decisões por você. Sim, sempre que for necessário
procurem apoio, assessoria, orientação, mas tenham consigo bem claro e
definido o que pretendem analisar, que resultados lhe interessam interpretar,
que perguntas querem responder. Estejam suficientemente inteirados das
técnicas que forem utilizar, suas principais características, seus pontos fortes,
suas limitações, os pressupostos que exigem dos dados. Não se deixem
levar pela lógica do papagaio que, adestrados pelo homem (seu orientador),
repete palavras e frases cujo significado desconhecem.

O que é estatística
5.
A palavra estatística é de origem latina e tem sua raiz em “estado”.
Isto porque sua função principal era a de registrar os dados populacionais
de um povoado, região ou país (número de habitantes, de casamentos, de
filhos, etc.) e a elaboração de tabelas e gráficos para descrevê-los e
representa-los resumidamente em forma numérica. Com o tempo sua
evolução foi notável, tornou-se uma especialização no campo da matemática
tendo se constituído num conjunto de métodos e técnicas especialmente
apropriados à coleta, à apresentação (organização, resumo e descrição), à
análise e à interpretação de dados de observação, tendo como finalidade a
compreensão de um fenômeno específico.

310 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Critérios de decisão para a definição do tratamento estatístico
6.
Para selecionar adequadamente o tratamento estatístico para os
projetos de pesquisa que vamos submeter a análise de comissões ou comitês
de avaliação precisamos responder as seguintes principais questões: 1. Nossa
pesquisa é descritiva ou inferencial? 2. Qual a escala de medida das nossas
variáveis? 3. A distribuição dos dados em relação à média é simétrica
(paramétrica, normal) ou assimétrica (não paramétrica)? Com quantos
grupos e variáveis vamos tratar?

1. Estatística descritiva ou inferencial


7.
Nossa primeira preocupação para selecionar adequadamente o
tratamento estatístico para os projetos de pesquisa decorre da resposta à
seguinte pergunta: nós vamos analisar os dados provenientes de um ou
mais grupos e restringir nossas análises exclusivamente a esse(s) grupo(s)
ou, pretendemos analisar os dados de um ou mais grupos (constituindo-o(s)
como amostra(s) com o intuito de extrapolar seus resultados para um conjunto
alargado de sujeitos com características semelhantes (população)?

8.
Se decidirmos pela primeira alternativa nossa escolha recairá no
âmbito das estratégias da estatística descritiva. A estatística descritiva
caracteriza-se pelo conjunto de métodos para organização, apresentação e
descrição de dados representativos do comportamento de um grupo (sem a
pretensão de extrapolar os resultados para além desse grupo). Na estatística
descritiva apresentaremos os dados através de tabelas, gráficos e medidas
(média, mediana, moda, desvio padrão, variância, razão de prevalência, razão
de chance, etc. (ver capítulo 18) que resumem a distribuição de uma ou
mais variáveis exclusivamente neste(s) grupo(s).

O desafio da iniciação científica 311


9.
Se decidirmos pela segunda alternativa nossa escolha recairá no âmbito
das estratégias da estatística inferencial ou indutiva. Nesse caso, vamos
utilizar hipóteses, vamos selecionar com rigor as amostras (representativas
da população), e vamos utilizar testes de probabilidade estatística (Teste t,
Anova, Teste U. Manova, etc.).
Exemplos:
Modelo descritivo
Sou professor numa escola no Município de Porto Sentido. Estou
preocupado com a ocorrência de excesso de peso em meus alunos. Também
me preocupa saber se há diferença entre o perfil de meninos e meninas.
Neste caso, posso medir os alunos da minha escola e através de gráficos e
tabelas apresentar os resultados médios, desvios padrão, variância do peso
corporal; posso apresentar resultados da ocorrência de meninos e meninas
com excesso de peso; posso identificar os casos extremos (os jovens em
situação de obesidade severa, etc.). Assim, obterei um descrição fiel da
realidade da minha escola e, sem dúvidas, poderei planejar ações para
minimizar os prováveis problemas de excesso de peso (se eles forem
identificado). Mas, vamos repetir, estes resultados refletem a realidade de
nossa escola e, como tal, não devem ser extrapolados para todos os escolares
de Porto Sentido).

Modelo inferencial
Agora, sou secretário da saúde do Município de Porto Sentido. Estou
preocupado com a prevalência de excesso de peso em escolares do
município. Portanto, quero delinear um perfil do padrão de excesso de peso
e, também quero saber se há diferenças entre meninos e meninas de Porto
Sentido. Vamos supor que Porto Sentido tenha uma população de vinte mil
escolares. Bem, nesse caso não vou medir a totalidade dos escolares, vou
propor um estudo através de uma amostra. Através de uma parte
representativa da população (ver capítulo 10). Imaginemos o estudo com
200 escolares (100 meninos e 100 meninas, oriundos de algumas escolas
selecionadas por sorteio). Neste caso, vou investigar a partir de uma amostra
(200 escolares de Porto Sentido) com o objetivo de extrapolar os resultados
para os 20.000 (a população escolar do município).

312 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


2. Escala de medida das variáveis
(2.1) Medidas de tendência central
10.
Na definição do tratamento estatístico para o nosso projeto de pesquisa
outra pergunta exige resposta: nossos dados são expressos em medidas
nominais, ordinais, ou numéricas (ver capítulo 10)?

11.
Se nossas dados são manifestos em escala nominal (sexo, religião,
time de futebol, cor da pele, tipo sanguíneo, etc.) nossas análises são bastante
restritas. Lembremos que variáveis expressas na escala nominal podem
ser apenas “iguais” ou “diferentes” entre si. Não é possível sequer qualquer
ordenação hierárquica. Os números atribuídos (por exemplo: sexo masculino
1 e sexo feminino 2) servem apenas para identificar o sexo dos sujeitos.
Não faz qualquer sentido usar os valores 1 masculino e 2 feminino para, por
exemplo, calcular um valor médio (neste caso o valor 1,5 rigorosamente
não tem qualquer significado). Como tal, para tratar com dados medidos
em escala nominal a única possibilidade estatística é estabelecer a ocorrência
em valores reais ou em percentagens.
Exemplo:
Para descrever um grupo de 50 estudantes podemos identifica-los
como composto por 20 homens ou seu equivalente 40%, e 30 mulheres
equivalente a 60%. Nenhuma uma outra operação pode ser realizada.

12.
Se nossos dados são medidos em escala ordinal, outras operações
são possíveis. Podemos ordenar um grupo de alunos por níveis de motivação
para a prática esportiva. Por exemplo, utilizamos para avaliação o
questionário de motivação para as práticas esportivas (CARDOSO e GAYA,
1998).

O desafio da iniciação científica 313


Questionário de motivação para práticas esportivas

Fonte: CARDOSO e GAYA, 1998.

Consideramos os níveis de motivação em três níveis: 1 = Nada


Importante; 2 = Pouco importante e 3 = Muito importante.
Vamos supor os seguintes escores de 5 adolescentes (linha 1):

Os valores na linha 2, ordenam do menor valor (1) ao maior valor 5.


os adolescentes por ordem de escores no questionário. Todavia, é importante
salientar que numa escala ordinal os escores entre os valores de ordem ou
posição não são equidistantes. Ou seja a diferença nos escores entre 25 e
32 dos adolescentes 1 e 2 é igual a 7 entretanto, não podemos interpretar
que o aluno 2 seja 7 vezes mais motivado que o adolescente 1, tampouco
que o aluno 4 seja 20 vezes mais motivados que o aluno 1. Esta característica
da escala ordinal é relevante posto que, não sendo os valores equidistantes
entre si, não é correto utilizarmos as médias dos valores atribuídos aos
sujeitos do grupo. Assim sendo, em escala ordinal as possibilidades
estatísticas limitam-se: 1. a estabelecer ocorrências (tal como na escala

314 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


nominal); 2. ordenar os sujeitos (do menor ao maior; do pior ao melhor; do
mais habilidoso ao menos habilidoso; etc.) e; 3. calcular duas medidas de
tendência central: (3.1) moda, que é a maior ocorrência de um determinado
valor no grupo de sujeitos e; (3.2) a mediana que é o valor que divide o
grupo em duas metades.
Exemplo 1.
Um grupo de sete escolares foi ordenado por escores de motivação
do mais baixo para o mais alto (linha 1 escores de motivação) com os
valores de 1 a 7 (linha 2 valores de ordenação).

Qual a moda desta distribuição? Considerando a moda como o valor


de maior ocorrência é evidente que neste caso não há uma medida que
represente a moda (nenhuma das medidas de estatura é mais frequente
que as outras).
Qual a mediana desta distribuição? Considerando que a mediana é a
medida de tendência central, neste caso o valor de ordem que divide os
dados em duas partes iguais é 4 que equivale ao escore de 34 na escala de
motivação.

Exemplo 2.
Um adolescente chegou atrasado e agora temos os seguintes novos
valores

Qual a moda? Bem! A situação se mantém a mesma do exemplo 1,


Não há um valor que possa representar a moda.
Qual a mediana? Neste caso não temos um único valor de ordem
que divida os dados em duas metades iguais (o número de sujeitos é par).
Assim, calcula-se a média aritmética entre os dois valores da motivação
que estão mais próximos ao meio da distribuição dos dados: valor 4 (34) e
valor 5 (40). Portanto a mediana é: (34+40)/2 = 37. Da mesma forma,
como os escores são iguais os valores de ordem ou posição também devem
ser iguais, então ao invés de 4 e 5 teremos duas vezes 4,5 (4+5)/9).

O desafio da iniciação científica 315


Exemplo 3.
Houve um erro de medida, e ao refazê-las obtivemos os seguintes
novos resultados.

Qual a moda? Agora podemos observar que os alunos da ordem 4 e


5 (4,5) tem a mesma estatura. Temos dois alunos com escore de 34. Não
há outro caso de medidas iguais. Portanto, a moda neste exemplo é 34.
Todavia, é muito importante lembrar que neste(s) caso(s) os valores de
ordem também seria(m) alterados. Se ambos tem escore 34 metros os
valores de ordem devem ser os mesmos como tal os valores 4 e 5, seriam
ambos substituídos pela média (4+5)/2 = 4,5. Se, caso houvesse outro valor
de estatura repetida (vamos supor: o valor 8 fosse igual ao valor 7 (7,5)
ambos com escore 55 nesta caso teríamos duas modas, portanto a
distribuição seria bimodal (e assim sucessivamente trimodal ou plurimodal).
Qual a mediana? Tal como no exemplo 2, a mediana é a média dos
valores de estatura ao centro da distribuição: (34+34)/2 = 34.

13.
Se nossas medidas são em escala(s) numérica(s) (intervalar ou de
razão, ver capítulo 10), o tratamento para análises descritivas podem ser
bem mais sofisticadas. Um escala numérica se caracteriza pela equidistância
entre os valores numa determinada distribuição. Por exemplo: os valores
numéricos numa régua escolar são todos equidistantes, ou seja os valores
entre 5 a 10 cm, corresponde a mesma distância entre os valores 20 e 25 (5
cm em ambos os casos). Se os dados são medidos em escala numéricas ou
contínuas, a medida de tendência central mais sofisticada é a média (desde
de que a distribuição dos dados atendam ao critério de normalidade, como
veremos nos próximos parágrafos).

Exemplo:
Vamos supor os seguintes valores de estatura de adolescentes (linha 1)

316 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


A primeira constatação quando trabalhamos com a média (em relação
à mediana) é que não há necessidade de ordenar os sujeitos por valores de
escores. Para calcular a média basta somar todos os escores e multiplicar
pelo número de sujeitos. Nesta caso a média é: 1,75. (A mediana é: 1,74).

14.
Como se pode perceber a média é o valor absoluto que divide o
grupo em duas metades. Duas metades equivalentes? Necessariamente
não. Aí vai depender da distribuição da frequência Se a distribuição for
paramétrica (ou normal) as duas metades são equivalentes, caso a
distribuição não seja paramétrica a média não divide o grupo em duas metades
equivalentes. Esta informação é relevante porque, caso a distribuição não
seja paramétrica a média não deve representar adequadamente o valor de
um grupo (neste caso devemos optar pela utilização da mediana).
Exemplo:
Vamos supor os seguintes valores de estatura de adolescentes (grupo 1)

Vamos supor os seguintes valores de estatura de adolescentes (grupo 2)

A média do primeiro grupo é 1,66 metros (bem maior que a do grupo


2, embora haja apenas um escore diferentes). Todavia, podemos observar
que a média deste grupo é superior a todos os valores de estatura dos 4
primeiros adolescentes. Essa média representa bem o grupo 1?
A média do segundo grupo é 1,60 metros. Verificamos que este valor
divide o grupo exatamente em duas metades equivalentes. Inclusive podemos
observar que a média e a mediana tem o mesmo valor (a coincidência entre
média e mediana é um indicador de distribuição paramétrica). Portanto, a
média do grupo 2 pode muito bem representar este grupo. Conclui-se do
exemplo que a média é uma medida bastante eficiente, desde que seja
proveniente de uma distribuição normal ou paramétrica dos dados (voltaremos
a tratar de distribuições paramétricas e não paramétricas ainda neste
capítulo).

O desafio da iniciação científica 317


(2.2) Principais medidas de dispersão e de posição
15.
Com medidas em escala numéricas para descrever resultados, além
da média, podemos utilizar medidas de dispersão ou de variabilidade. Elas
são relevantes porque nem sempre a média isoladamente permite uma
interpretação coerente do fenômeno. Voltemos aos exemplos 1 e 2 do
parágrafo 14. Os escores dos dois grupo são idênticos em quatro dos cinco
adolescentes. Bastou um adolescente do grupo 1 ter um escore bem superior
ao do grupo 2 para que as médias se tornassem bem diferentes. Isto ocorre
porque a variabilidade dos escores do grupo 1 é maior que o grupo 2. Portanto,
a média para ser devidamente esclarecedora sobre a descrição de um grupo
de dados deve ser acompanhada de medidas de variabilidade ou dispersão.

16.
As medidas de variabilidade mais utilizadas
são: 1. amplitude; 2. desvio médio; 3. variância; 4. desvio padrão; 5.
erro padrão da média e; 6. intervalo de confiança.

17.
A amplitude revela o quanto está dispersa uma distribuição. Para
obtê-la basta ordenar os escores e subtrair do escore mais elevado o escore
mais baixo.
Exemplo:
Vamos supor os seguintes valores de estatura de adolescentes (grupo 1)

Vamos supor os seguintes valores de estatura de adolescentes (grupo 2)

A amplitude do grupo 1 = 1,95–1,59 = 0,36


A amplitude do grupo 2 = 1,64–1,59 = 0.05

318 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Observa-se que a medida de amplitude apresenta a mesma
desvantagem da média. Ou seja, os valores extremos (a distância entre o
valor mais baixo e mais alto) interfere significativamente no resultado. Em
nosso exemplo, apenas o adolescente 5 de ambos os grupos obtiveram escore
diferentes, e o valor mais elevado (grupo 1) foi responsável pela importante
mudança (0,36 e 0,05) no valor da amplitude.

18.
O desvio médio representa a média em que os escores se distanciam
do escore médio
Exemplo:
Na linha 1, vamos supor os seguintes valores de estatura de
adolescentes (grupo 1). Ao calcularmos a média do grupo 1 obteremos
1,67. Na linha 2 a distância dos escores em relação à média

Vamos supor os seguintes valores de estatura de adolescentes (grupo


2). Ao calcularmos a média obteremos 1.60. Na linha 2 a distância dos
escores em relação à média 1,60.

O desvio médio do grupo 1 = (–0,08) + (–0,07) + (–0.09) + (–0,05) +


0,28/5) = 0,02
O desvio médio do grupo 2 = (–0,01)+ 0 + (–0,02) + 0,02 +
0,04 = 0,006
Com se pode verificar o desvio médio do grupo 2 (0,006) é bem
inferior ao do grupo 1 (0,02), demostrando claramente uma maior dispersão
no grupo 1.

19.
A variância e desvio padrão. Vamos inicialmente entender a lógica
do cálculo dessas medidas. Como veremos, o desvio médio e o desvio
padrão, embora sejam resultados de cálculos um pouco diferentes,

O desafio da iniciação científica 319


apresentam uma mesma lógica de raciocínio. Por outro lado, a variância é
igual ao desvio padrão elevado ao quadrado (ou, o que da no mesmo, o
desvio padrão é igual a raiz quadrada da variância). Assim sendo, vamos
abordar a variância e o desvio padrão, ambas no mesmo exemplo.
Exemplo:
Vamos supor os seguintes valores de estatura de adolescentes (grupo
1). Ao calcularmos a média do grupo 1 obteremos 1,67. Na linha 2 calculamos
a distância dos escores em relação à média (tal como fizemos no exemplo
do parágrafo 18); na linha 3 elevamos os dados da linha 2 ao quadrado
(para não trabalharmos com valores negativos e evitar soma zero).

A soma dos valores da linha 3 corresponde a 0,09 (soma dos quadrados


da diferença). Ao dividirmos (0,09) pelo número de sujeitos 5. obteremos a
média da soma dos quadrados que representa a variância. Portanto: neste
grupo a Variância = 0,018. Como a variância é o dobro do desvio padrão,
para calculá-lo extrai-se a raiz quadrada da variância. Portanto, o Desvio
Padrão = 0,28.
Vamos supor os seguintes valores de estatura de adolescentes (grupo
2). Ao calcularmos a média obteremos 1.60. Na linha 2 a distância dos
escores em relação à média 1,60.

A soma dos valores da linha 3 corresponde a 0,0025. Ao dividirmos


(0,0025) pelo número de sujeitos 5. obteremos a variância média da soma
dos quadrados ou a Variância = 0,0005. Cuja raiz quadrada corresponde
ao Desvio Padrão = 0,02.

Com se pode verificar por esses dois exemplos a variância e o desvio


padrão no grupo 2 são bem inferiores à variância e o desvio padrão do
grupo 1. Sugerindo que o grupo 2 é mais homogêneo que o grupo 1.

320 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


20.
O erro padrão da média é uma medida associada ao erro amostral
(ver capítulo 17). Ou seja, ele estima o erro dos valores entre a média ou
proporção de uma amostra frente a diversas amostras retiradas de uma
mesma população. O erro padrão é a razão entre o valor do desvio padrão
e a raiz quadrada do numero de sujeitos na amostra.
Exemplo:
Valores de estatura de um grupo de cinco adolescentes:

A média = 1,60; o desvio padrão = 0,02


Erro padrão da média = 0,02/”5 = 0,02/2,23 = 0,09

21.
O intervalo de confiança para média é uma medida de posição.
Indica um intervalo entre dois limites onde podemos, com determinada
probabilidade de confiança (95%), localizar o escore correto. Para
calcularmos o limite inferior do intervalo confiança subtraímos da média o
produto do erro padrão da média pelo valor da distribuição do “teste t
Student” para determinado “grau de liberdade” (numero de sujeitos da
amostra (n) –1 ). O valor “t de Student” é fixo pra cada valor de graus de
liberdade (n–1) e nível de significância (0,05) (constam em tabelas de
distribuição t de student). Para calcularmos o limite superior do intervalo
de confiança somamos à média o produto do erro padrão da média pelo
valor da distribuição do teste t, para determinado grau de liberdade (n–1) e
nível de significância (0,05)
Exemplo:
Valores de estatura de um grupo de cinco adolescentes:

A média = 1,60; o desvio padrão = 0,02


Erro padrão da média = 0,02/”5 = 0,02/2,23 = 0,09
IC (inferior) = média – (EP x valor de t) = 1,60 – (0,09 x 2,77) = 1,36
IC(superior) = média + (EP x valor de t) = 1,60 +(0,09 x 2,77) = 1,84
Os resultados significam que há a probabilidade de 95% de que o
valor médio da estatura dos adolescentes esteja entre os limites de 1,36 e
1,60.

O desafio da iniciação científica 321


3. A distribuição dos dados: se é paramétrica ou não
paramétrica?
22.
Outra pergunta relevante para a definição dos procedimentos
estatísticos é sobre a distribuição dos dados: Os dados apresentam um
distribuição paramétrica ou a distribuição não é paramétrica? Dessa
definição depende se vamos trabalhar com médias ou medianas e quais os
testes estatístico de hipóteses iremos selecionar.

23.
A distribuição paramétrica dos dados é representada por uma curva
em forma de sino cuja a média, mediana e moda coincidem e dividem a
população em duas metades equivalentes. Esta curva é denominada de
curva normal ou curva de Gauss (nome do seu descobridor).

24.
A curva normal apresenta as seguintes principais características: 1.
é simétrica, divide a curva em duas metades iguais; 2. tem a forma de sino;
3. as medidas média, mediana e moda coincidem e; 4. tem uma distribuição
de dados em que 68,26% dos dados estão entre +1 e –1 desvios padrão,
95,45% entre +2 e –2 desvios padrão e 99,73% entre +3 e –3 desvios padrão.

25.
Para definir se uma determinada distribuição dos dados é ou não
paramétrica valemo-nos de cálculos de medidas de simetria e curtose. A
simetria é evidente quando a média, mediana e moda são coincidentes e

322 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


dividem a distribuição em duas metades equivalentes. (figura anterior do
parágrafo 23). A assimetria é quando a média não divide a distribuição em
duas metades equivalentes. Nas figuras que seguem demonstramos duas
curvas assimétricas. A da esquerda representa a assimetria positiva ou à
direita e a figura da esquerda representa a assimetria negativa ou à esquerda.

26.
A curtose tem a ver com as características de verticalidade em relação
a curva normal. Na figura que segue demonstramos três curvas: 1. a curva
normal ou mesocúrtica (B); 2. As curvas mais achatadas denominadas de
platicúrticas (C), e as curvas mais alongadas denominadas de leptocúrticas
(A). As medidas de curtose definem se as curvas são mais alongadas ou
achatadas que a curva normal.

O desafio da iniciação científica 323


27.
As medidas de curtose são relevantes porque demonstram: 1. que a
distribuição dos dados tem uma dispersão maior em torno da média (no
caso da curva platicúrtica), com muitos dados nas caudas das curva e; 2.
uma dispersão menor (no caso da curva leptocúrtica) com dados
concentrados próximo a média e poucos dados distribuídos nas caudas da
curva. Essas características afrontam a distribuição normal das percentagens
de dados entre os desvios padrão tal como apresentamos na figura do
parágrafo 25.

28.
Esses conceitos de dados paramétricos e não paramétricos são
relevantes pois permitem que possamos entender a lógica da opção por
testes estatísticos (paramétricos ou não paramétricos). Se nossos dados
tem uma distribuição normal ou paramétrica é evidente que a média é uma
boa medida para tratarmos nossos dados. A média e o desvio padrão, por
exemplo, dão uma boa indicação do comportamento de tendência central e
dispersão dos dados do(s) grupo(s) que vamos medir. Todavia, se a
distribuição dos dados é não paramétrica a média e o desvio padrão não
representam bem o perfil do grupo e portanto devemos optar por outra
medida. A mediana, por exemplo. Neste caso, quando utilizamos a mediana
os testes de hipóteses não utilizam os valores absolutos dos dados (por
exemplo a estatura de um estudante) eles tratam com valores de ordem (a
posição ascendente ou descendente do estudante em seu grupo. São valores
numa escala ordinal. Ver exemplo 1 do parágrafo 12).

4. Com quantos grupos vamos investigar?


29.
Esta é outra pergunta relevante que devemos responder para
selecionarmos a ferramenta estatística de nosso projeto de pesquisa. Será
um grupo com medidas repetidas (por exemplo: 1 grupo com pré e pós
teste), serão dois ou mais grupo emparelhados, ou serão dois ou mais grupos
independentes?

30.
Entende-se por medidas repetidas (dependentes) quando medimos
apenas um grupo de sujeitos em situações distintas (pré e pós teste, por

324 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


exemplo). Todavia, também se considera como medidas repetidas quando
temos dois ou mais grupos emparelhados (ver capítulo 10).

31.
Entende-se por medidas independentes quanto temos dois ou mais
grupos independentes de sujeitos. Em outras palavras, quando temos dois
ou mais grupos sorteados aleatoriamente de uma população.

32.
A necessidade de levarmos em consideração estes critérios na escolha
da ferramenta estatística decorre do conceito de graus de liberdade (gl).
Graus de liberdade é um estimador do número de categorias independentes
num teste particular ou experiência estatística. Quando numa pesquisa
operamos com grupos de sujeitos o gl é representado por k–1 onde k é o
número de grupos. Assim, quando medimos apenas um grupo com pré e
pós teste ou grupos emparelhados, estaremos comparando os mesmos
sujeitos (ou sujeitos equivalentes) em dois momentos. Neste caso temos a
variância entre os grupos nos dois momentos em que efetuamos a medida
mas, não temos a variância intrasujeitos, (os sujeitos são os mesmos nas
dois momentos). Por outro lado se medimos dois grupos independentes,
além da variância entre os dois momentos em que efetuamos as medidas
temos a variância entre os sujeitos dos dois grupos. No primeiro caso temos:
gl = k–1 = 2–1 = 1 (1 grau de liberdade) . No segundo caso temos gl = k–
3–1 = 2 (2 graus de liberdade).

33.
Os graus de liberdade afetam a robustez do teste estatístico, por isso,
quando selecionamos uma ferramenta estatística devemos previamente saber
se nossas medidas são emparelhadas ou dependentes ou são medidas
independentes.

Enfim! Realizando a seleção da ferramenta estatística


34.
Embora possamos encontrar facilmente na internet programas que
auxiliam o pesquisador a selecionar seu teste estatístico, o fluxograma
tradicional que sugerimos abaixo é muito útil e efetivo para os propósitos
deste capítulo.

O desafio da iniciação científica 325


Quadro de critérios para decisões sobre o tratamento estatístico

Exercícios
35.
Exercício 1:
Voltemos ao exemplo 1 do parágrafo 5 no capítulo 7 deste livro.
Objetivo: “Comparar os efeitos dos programas de treinamento
concorrente e treinamento de força sobre a força máxima em idosos”.
O instrumento para medir a força máxima nos idosos é um
dinamômetro de preensão manual que mede a força em kg. Serão
selecionados aleatoriamente dois grupos de idosos (Grupo 1: treinamento
concorrente; Grupo 2: treinamento de força). Os resultados sugerem uma
distribuição normal dos resultados. Qual o teste estatístico adequado para
sugerir inferências dos resultados a população de idosos?

326 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Exercício 2.
Vamos repetir o objetivo do exemplo anterior, todavia vamos
acrescentar um grupo controle. Um grupo de idosos que não participará de
programa de treinamento. Qual o teste estatístico adequado para sugerir
inferências dos resultados à população de idosos?
Exercício 3.
Utilizamos o questionário de motivação para as práticas esportiva de
CARDOSO e GAYA, 1998 (parágrafo 12 deste capítulo) e queremos
comparar se há diferença entre os níveis de motivação entre rapazes e
moças das escolas publicas de Porto Sentido? Os grupos são constituídos
aleatoriamente a partir da população do município. Qual o teste estatístico
adequado para este projeto?
Exercício 4.
Vamos supor que no “Exercício1” os dados não tenham distribuição
paramétrica. Qual o teste estatístico deve ser selecionado?
Exercício 5.
Numa turma de escolares queremos descrever o perfil das opções
religiosas dos alunos. Propomos as seguintes categorias: 1. Católicos; 2.
Evangélicos; 3. Pentecostais; 4. Espíritas; Religiões afro; 5. Outras e; 6.
Ateus. Qual a decisão metodológica para descrever adequadamente este
perfil?
Exercício 6.
Caso queiramos associar duas categorias: 1. religiosos e 2. ateus aos
rapazes e as meninas. Em outras palavras, há associação entre gênero e
ser ou não religioso? Neste caso qual a decisão estatística?

Referências
CARDOSO, M. & GAYA, A. Fatores motivacionais para a prática
desportiva e sua relação com o sexo, idade e nível de desempenho
desportivo. Perfil, 1998
TORRES, L & GAYA, A. Hábitos de Vida e a prática esportiva em
alunos de uma escola municipal de Porto Alegre. Perfil, 1997.
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
BARROS, M. ....
GREEN,J.; D’OLIVEIRA, M. Testes Estatísticos em Psicologia.
Lisboa: Estampa, 1991.

O desafio da iniciação científica 327


20.
Formatando a apresentação do projeto
Adroaldo Gaya

1.
Este capítulo é muito simples. Elementar, quase desnecessário.
Relutei em inseri-lo neste livro. Afinal, não tenho muito à acrescentar aos
diversos manuais de metodologia da pesquisa científica. Convenceu-me o
pedido de meus alunos da graduação ao final do semestre. Eles reivindicaram
um texto aos moldes de um manual simples e objetivo. Acatei o pedido e me
dediquei a tarefa, evidentemente ao longo da redação inseri alguns
comentários que considero relevante para o desafio da iniciação científica.

2.
Adotei a seguinte perspectiva: como a formatação de um projeto de
pesquisa não exige tantas formalidades como ocorre com o relatório final,
não obstante, tendo em mente que um bom projeto auxilia muito a formatação
do relatório final optei por exigir de meus alunos (e de meus leitores) os
mesmos requisitos do relatório (evidentemente sem os resultados, discussão
dos resultados e conclusões). Tenho a convicção que desta forma “pescamos
dois peixes num único anzol”, um bom projeto e um bom rascunho para o
relatório final.

3.
Consultei algumas dissertações e teses de colegas que tive a honra
de orientar no programa de Pós-graduação em Ciências do Movimento
Humano da UFRGS e fui montando o texto e desenhando figuras. Como
referi no primeiro parágrafo, acrescentei alguns comentário que entendo
procedentes e, quando no caminho reencontro temas que já foram
devidamente abordados ao longo do livro, simplesmente remeto os leitores
aos respectivos capítulos.

O desafio da iniciação científica 329


4.
A capa e a folha de rosto, são
constituintes que devem compor um bom
projeto de pesquisa (no relatório da pesquisa
são constituintes obrigatórios). Todavia os
estudantes devem considerar que capa e
folha de rosto são reconhecidos como
conteúdos pré-textuais, isto significa que
embora presentes no projeto (e no relatório),
não devem constar em seu sumário (ver
parágrafo 12 e seguintes).

5.
Na capa deve constar: 1. a instituição
de origem; 2. o título do projeto, normalmente
centrado e em caixa alta; (3) o nome do autor,
centrado ou justificado à direita e; (4) ao pé
da página a cidade e o ano de apresentação.

6.
Na folha de rosto: 1. o nome do autor;
2. no centro da página o título do trabalho,
centrado e em caixa alta; (3) a finalidade do
projeto, justificado à esquerda e com
parágrafo avançado além do centro da página;
(4) Nome do orientador, abaixo do texto sobre
a finalidade do projeto, justificado à direita e;
(5) local, mês e ano, ao pé da página.

330 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


7.
Dedicatória, agradecimentos e
epígrafe são elementos pré-textuais e
opcionais (normalmente ausente na fase do
projeto). Por mais óbvio que possa parecer a
primeira vista, ressalto que se o pesquisador
optar por não incluir dedicatória,
agradecimentos e epílogo ele não deve incluir
no projeto três páginas com os respectivos
títulos (dedicatória, agradecimentos e epílogo)
e deixa-las branco. Insisto com esta “dica”
por experiência própria, nas minhas aulas
quando saliento esta informação óbvia os
alunos acham graça, mesmo assim, alguns
deles insistem e acabam por realizar essa
incrível façanha.

8.
Resumos em português e em Inglês, elementos pré-textuais
obrigatório no relatório final da pesquisa todavia, opcional na fase do projeto.
Entretanto, como as principais agências de fomento à pesquisa exigem em
seus editais a apresentação de um resumo, considero importante que o
estudante de iniciação científica incorpore esse procedimento (pelo menos
o resumo em português) já em seu projeto de TCC.

O desafio da iniciação científica 331


9.
Como referi no meu livro Ciências do Movimento Humano:
introdução à metodologia da pesquisa, o resumo é um texto muito
relevante e deve constituir-se numa síntese do projeto. Através do resumo
o leitor deverá ficar bem informado sobre o conteúdo do projeto da pesquisa.
Um resumo de projeto deve contar as seguintes principais informações:
objetivos do trabalho e descrição sucinta da metodologia. Um resumo não
deve ultrapassar um total de 250 palavras.

RESUMO

Mapas da Aptidão Física Relacionada à Saúde em


Crianças e Jovens Brasileiros

Autores: Fernando Cardoso e Carlê Ribas


Orientador: Adroaldo Gaya

Objetivo: Descrever os padrões da aptidão física


relacionada à saúde de crianças e adolescentes brasileiros
de 7 a 17 anos estratificados por sexo e por região
geopolítica do Brasil. Métodos: Estudo descritivo com
resultados manifestos em forma de mapa evidenciando
nas cinco regiões geopolíticas do Brasil a prevalência de
crianças e adolescentes cuja aptidão física classifica-os na
zona de risco à saúde para as doenças cardiovasculares e
musculoesqueléticas. Os resultados, estratificados por sexo,
serão expressos em percentagens. Os dados são
provenientes do Observatório Permanente do Crescimento
Corporal, Perfil Nutricional e da Aptidão Física do Projeto
Esporte Brasil da UFRGS. Os sujeitos da pesquisa são
73.688 escolares (39.839 rapazes e 33.849 moças) de 7 a
17. A aptidão física relacionada à saúde foi avaliada através
das medidas de Índice de Massa corporal (IMC); dos testes
de aptidão cardiorrespiratória (6 min.), flexibilidade (sentar
e alcançar) e resistência abdominal (força/resistência
abdominal 1min.) e categorizada em zona de risco à saúde
conforme os pontos de corte propostos pelo PROESP-BR
2014. Com esse estudo pretende-se delinear o mapa
brasileiros da prevalência de crianças e jovens brasileiros
na zona de risco às doenças cardiovasculares e
musculoesqueléticas através dos padrões de aptidão física
e argumentar sobre a relevância de políticas públicas que
estimulem a prática sistemática de exercícios físicos.

332 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


10.
Listas são constituintes pré-textuais opcionais. São as seguintes: 1.
lista de ilustrações: referem-se aos desenhos, fotos, gráficos, quadros; 2.
lista de tabelas; (3) lista de abreviaturas e siglas. Não é muito comum em
projetos de pesquisa a apresentação de listas. Todavia, se por ventura na
revisão de literatura o pesquisador apresentar muitas figuras ou tabelas,
talvez possa ser conveniente introduzi-las. Do meu ponto de vista não vejo
relevância nestes procedimentos. Por outro lado, infelizmente, alguns
pesquisadores insistem com a infeliz ideia de transformar seu texto num
emaranhado de siglas e abreviaturas. É um horror! Um texto “criptografado”
que exige do leitor consultar a lista de siglas e abreviaturas em cada novo
parágrafo. É evidente, que também nesses casos o bom senso deve
predominar, mas perante o evidente exagero não há como descartar uma
lista de abreviaturas e siglas.

11.
As lista são formatadas em três colunas: 1. na coluna da esquerda
enumeramos as ilustração, as tabela ou as abreviatura; 2. na coluna central
anunciamos o título da ilustração e; (3) na coluna à direita a página onde se
encontra a ilustração, tabela ou abreviatura.

O desafio da iniciação científica 333


12.
O sumário apresenta a enumeração das principais divisões, seções
e outras partes do projeto na ordem em que surgem no texto e referindo a
respectiva página. O sumário e considerado conteúdo textual de um projeto
e, portanto, é conteúdo obrigatório. O sumário assim como as listas de
ilustrações, tabelas e abreviaturas tem três colunas, 1. na coluna da esquerda
está a enumeração de capítulo e itens relevantes de cada capítulo; 2. na
coluna do centro os títulos e subtítulos dos capítulos e; (3) na coluna à
esquerda as respectivas páginas.

13.
A formatação de um sumário pode (e deve) ser elaborado
automaticamente pelos editores de texto. O “word”, provavelmente o editor
mais utilizado por nossa comunidade, permite com muita facilidade editar
prefácios com várias características e possibilidades. Na internet, encontram-
se vários textos e vídeos que ilustram como utilizar tais ferramentas. Ver
por exemplo:
http://www.tudosobremonografia.com/2011/02/como-fazer-um-
sumario-automatico-word.html
www.youtube.com/watch?v = 87ZHGqbo8D4
https://www.youtube.com/user/magnusaulasetutorial
Exemplo de um sumário

334 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


14.
A Introdução é um conteúdo obrigatório num projeto de pesquisa e
sobre ela já nos referimos no capítulo 6. Todavia, é interessante ressaltar
que será na introdução que as páginas começam a ser numeradas, embora
a contagem inicie já na folha de rosto.
15.
A revisão de literatura é conteúdo obrigatório num projeto de
pesquisa e sobre ela já nos referimos no capítulo 8. Entretanto, vou aproveitar
a oportunidade para tratar de um tema relevante nos textos de revisão de
literatura. Trata-se dos procedimentos de citação de referências. A citação
é a referência no corpo do trabalho de uma informação proveniente de
outros estudos. São três os tipos de citação: 1. literal; 2. não literal e; (3)
indireta.
16.
A citação direta (literal), como refere o próprio nome ocorre quando
transportamos para o nosso texto um trecho de outro autor ipsis litteris.
Nestes casos temos duas regras a seguir: 1. quando a citação tem até três
linhas ela vai em destaque no próprio parágrafo do texto “entre aspas” ou
itálico e seguida do último nome do autor(es), o ano da publicação e a
página. 2. Quando a citação direta tiver mais que três linhas ela é transcrita
em um novo parágrafo, com com recuo de 4cm da margem esquerda.
Atenção: todavia, quando a referencia aos autores é colocada entre
parênteses esses nomes vão em letras maiúsculas. Sugiro que no texto
quando houver até três autores, todos sejam citados, quando forem mais de
três cita-se o primeiro seguido da expressão e col. (de colaboradores) ou, et
al. (de et alii do latim para outros ou et aliae para outras).
17.
A citação indireta (não literal) é a reprodução livre de parte de um
texto, ou seja, a citação não é transcrita nas mesmas palavras do autor.
Nestas circunstâncias deve-se informar o(s) autor(es) e o ano da publicação
(não é necessário acrescentar a numeração de páginas).
18.
Citação de citação (citado por) ou (apud). Aproveitamento das ideias
de um autor (ao qual não se teve acesso) que é citado por outro autor. Por
exemplo: cito em meu texto as ideias de Marx que li no livro de Boaventura
Sousa Santos. Neste caso cita-se o autor da ideia (Marx) seguido da
expressão “citado por” ou “apud” e o autor do livro (Santos), seguido do
ano de publicação da obra de Santos: “Marx (apud Santos, 2000)”.

O desafio da iniciação científica 335


19.
Nas citações prevalece o sobrenome do(s) autor(es): 1. Quando o
sobrenome do autor compõe o texto ou integra a frase somente a inicial do
sobrenome será em letra maiúscula, exemplo: “Conforme refere Santos
(2000)”; 2. quando o sobrenome do autor for colocado entre parênteses
todo o sobrenome estará em letras maiúsculas, exemplo: “E quando isso
acontece é o espelho a pretender refletir...(SANTOS, 2000).

20.
Os procedimentos metodológicos constituem a sessão mais
relevante de um projeto de pesquisa. Aí são apresentados todos os
procedimentos de operacionalização do projeto. A descrição objetiva e
detalhada do plano de trabalho
permite a outros pesquisadores
replicar o estudo de forma a
confirmar (ou não) os resultados
de uma pesquisa. Os
procedimentos metodológicos
consolida a qualidade do projeto.
É, principalmente nesta sessão
onde os avaliadores e consultores
dedicam sua atenção para julgar a
adequação e pertinência do projeto.
A coerência e a consistência entre
a formulação do problema, o
enunciado das hipóteses ou
questões de pesquisa, a definição
das variáveis, os sujeitos da
pesquisa, os instrumentos de coleta
de dados, o tratamento das
informações, os procedimentos
éticos e o cronograma são,
definitivamente, os critérios de
avaliação mais significativos para
a aprovação de um projeto de
pesquisa científica. Acrescenta-se
aos procedimentos metodológicos
a apresentação das referencias e
os documentos pós-textuais
(anexos e apêndices).

336 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


21.
Vou propor um padrão de estrutura para apresentação dos
procedimentos metodológicos (ver figura anterior). Faço-o através de uma
justificativa que me parece lógica e pertinente. Inicio pela apresentação do
problema da pesquisa. É onde tudo começa, toda pesquisa se preocupa
em resolver um problema, portanto enuncia-lo imediatamente me parece
um decisão de bom senso (ver capítulo 8).

22.
Todavia, todo o problema de pesquisa nos conduz à respostas
preliminares. Respostas que, através de nossa experiência, conhecimentos
e intuição sugerimos como possível solução para o problema da pesquisa.
Não podemos a priori assegurar sua validade, aliás é este o objetivo da
investigação, todavia propomos respostas provisórias em forma de
hipótese(s). A(s) hipótese(s) são respostas preliminares ao problema da
pesquisa que serão testadas no decorrer da investigação. Portanto, logo
após a formulação do problema sugiro que o pesquisador anuncie suas
hipóteses.

23.
Todavia, em alguns modelos de estudo o pesquisador não tem
hipótese(s). É o caso de alguma pesquisas exploratórias ou descritivas. O
pesquisador não sabe o que poderá encontrar no caminho de sua pesquisa.
Não tem uma conjetura para validar. Ele vai explorar um novo tema, uma
dada realidade empírica sobre a qual tem pouca informação. Por exemplo:
o pesquisador pretende descrever os hábitos de lazer esportivo de uma
comunidade indígenas no interior do país, ora ele não tem informações
preliminares que lhe permitam supor hipóteses. Nestes casos, sugiro que o
pesquisador, anuncie questões de pesquisa (ver capítulo 9). As questões de
pesquisa são perguntas objetivas e pontuais que auxiliam o pesquisador
encontrar os caminhos para compor o quadro amplo de informações que
deem conta do problema da pesquisa. São as questões orientadoras.

O desafio da iniciação científica 337


24.
Após descrever as hipóteses e questões de pesquisa sugiro ao
pesquisador anunciar as Definições operacionais das variáveis. A lógica
e a seguinte: as hipóteses ou questões de pesquisa são constituídas por uma
ou mais variáveis e as prováveis relações entre elas. Portanto, se faz
necessário explicitar logo de início no projeto como essas variáveis serão
tratadas, medidas observadas, etc. Enfim, trata-se de anunciar como vamos
operar com tais variáveis. A definição operacional vai cumprir esta tarefa
(ver capítulo 10).

25.
Delineamento metodológico, caracterização ou método é o
próximo item a ser anunciado (ver capítulos 11 a 16). Trata-se de descrever
o método (descritivo, de associação ou causal); a abordagem (qualitativa,
quantitativa ou mista) e as estratégias de pesquisa (o desenho metodológico
propriamente dito: estudo experimental, quase-experimental, semi-
experimental, estudo de caso, etnografia, etc.).

26.
Já temos o problema da pesquisa; as hipóteses; as variáveis; o método;
a abordagem e as estratégias, nos falta indicar onde e quem vamos investigar.
Portanto, falta definir os sujeitos da pesquisa ou, em outras palavras a
população e a amostra (ver capítulo 17).

27.
Já sabemos onde e com quem pesquisar. Já definimos a população e
amostra, os sujeitos da pesquisa. Todavia, como vamos coletar os dados:
vamos observar, entrevistar, aplicar questionário, aplicar medidas e testes?
Enfim, quais serão os instrumentos de coleta de dados ou informações?
É importante salientar que ao anunciar os instrumentos de coleta dados se
faz mister descrever: sua validade, fidedignidade e objetividade e, além
disso, explicitar com detalhes todo os procedimentos e os locais para a
coleta dos dados? (ver capítulo 18).

338 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


28.
Tendo planejado a forma de obter os dados como pretendemos
organizá-los e interpretá-los. Como será realizado o Tratamento dos
dados? Será por procedimento estatístico (descritivos, inferencial), por
procedimentos qualitativos (análise documental, de conteúdo de discurso)
ou misto? (ver capítulo 20).

29.
Tendo planejado nosso plano de ação, quais os cuidados que vamos
adotar para garantir aos nossos sujeitos de pesquisa o pleno respeito à sua
integridade física, psicológica, moral? Qual o grau de sigilo das informações
que serão coletadas? Nossos sujeitos da pesquisa têm liberdade para
abandonar o projeto se assim o desejarem por qualquer motivo e a qualquer
momento? Quais as reponsabilidades dos pesquisadores frente a algum
acidente ou incidente no decorrer da pesquisa ou mesmo após a pesquisa
encerrada desde que decorrente desta? Os sujeitos estão inteiramente ciente
de seus direitos? Eles estão devidamente informados? Eles tem acesso
fácil ao pesquisador responsável? Ao comitê de ética em pesquisa? Tudo
isso deve estar ao detalhe e com linguagem acessível anunciado nos
Procedimentos éticos (ver capítulo Betão).

30.
O Cronograma é parte relevante num projeto de pesquisa e,
absolutamente deve ser subestimado, ou tratado como mero procedimento
burocrático. Um cronograma com informações indevidas, que não respeita
a lógica das ações no tempo devido ou, em outras palavras, que apresenta
prazos muito curtos ou muito longos para determinadas ações corre o sério
risco de ver inviabilizada sua aprovação pelas câmaras ou comitês de
pesquisa, de ética ou órgãos de fomento.

31.
O cronograma é uma representação, normalmente em forma de
quadro, do tempo investido nas diversas tarefas condizentes ao projeto de
pesquisa. Na essência é uma lista de atividades interligadas por relações de
dependência que identifica as diversas fases de um projeto delimita prazos
e permite o controle da realização destas atividades e do projeto.

O desafio da iniciação científica 339


Exemplo de cronograma:
O quadro abaixo apresenta o cronograma de atividades do projeto.
CRONOGRAMA

32.
Orçamento. É um plano financeiro que considera a previsão de
receitas e despesas inerentes a realização do projeto de pesquisa. Relaciona
os recursos a serem utilizados: material permanente (computadores,
impressoras, instrumentos de medida, prédios, etc.); material de consumo
(resmas de papel, cartuchos para impressoras, canetas, etc.); serviços de

340 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


terceiros (digitadores, tradutores, revisores, técnico de informática, etc.);
gerenciamento de pessoal (bolsas para estudantes, para pesquisadores, etc.).
O orçamente, ainda deve declarar as fontes de financiamento (órgãos de
fomento à pesquisa, patrocínios, etc.).
Exemplo de orçamento
ORÇAMENTO

O material permanente será cedido pelo PROESP- Br

33.
Referências. Constituem uma lista ordenada dos materiais de
consulta devidamente citados no corpo do projeto. São dois os principais
sistemas de referências utilizados: 1. o sistema alfabético onde as citações
são organizadas no final do trabalho em uma única ordem alfabética. Ou
seja, a ordem na lista das referências é, independente de onde o(s) autor(es)
se situa(m) no texto, organizada pela inicial do sobrenome do autor ou, em
caso de coautoria, do sobrenome do primeiro autor. É o sistema sugerido
pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). 2. o sistema
numérico é também conhecido como sistema Vancouver, supões que na
lista de referencias as citações aparecem numeradas, em ordem crescente
a partir da ordem em que aparecem no texto do projeto.

34.
Referências à livros:

Autores >>> Título e subtítulo >>> Edição >>> Local >>> Editora >>> Data

Os autores são referenciados (no sistema alfabético) pelo


sobrenome do primeiro autor seguido dos demais autores. Os sobrenomes
estarão em letras maiúsculas, os nomes, normalmente limitam-se as iniciais
seguidas de pontos e a separação entre autores faz-se por ponto e vírgula.
Segue o título e subtítulo do livro. O Título é referenciado em negrito, o

O desafio da iniciação científica 341


subtítulo é separado do título por dois pontos e não vai em negrito. Se o livro
tiver duas ou mais edições deve ser indicado entre parênteses. Após o título
e subtítulo indica-se a cidade da editora. Seguido de dois pontos o nome da
editora e, seguido por vírgula o ano da edição.
Atenção: quando a edição é uma tradução de um texto original deve-
se citar após os autores, seguido por ponto e vírgula o nome e sobrenome
do tradutor.
Exemplos:

BARROS, M.V.G.; REIS, R. S.; HALLAL, P.C.; FLORINDO, A. A.; FARIA JÚNIOR, J.C.
Análise de dados em saúde (3.ed.). Londrina : Midiograf, 2012.

KINCHELOE, J. L.; BERRY, K. S. Pesquisa em educação: conceituando a bricolagem.


Tradução Roberto Cataldo da Costa. Porto Alegre : Artmed, 2007.

35.
Os Organizadores são os responsáveis pela publicação de uma
obra coletiva. Neste caso, quando se referencia um capítulo de algum autor
que compõe a obra coletiva cita-se seu nome, o título do capítulo seguido de
“In”, o nome dos organizadores do livro e acrescenta-se entre parênteses a
abreviatura (Org), segue o título do livro, local, : editora e as páginas, inicial
e final, onde se localiza o artigo.
Exemplo:

BENTO, J. O. Desporto para crianças e jovens: das causas e dos fins, In. GAYA, A.;
MARQUES, A.; TANI, G. (org) Desporto para crianças e jovens: razões e finalidades.
Porto Alegre : Editora da UFRGS, 2004, ps. 21-55.

36.
Autor entidade são livros publicados por entidades oficiais, de classe
ou congêneres.
Exemplo:

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIOGRANDE DO SUL, Estatuto e Regimento Geral.


Porto Alegre : UFRGS/Gráfica, 2011.

37.
Sem autoria. Em caso de autoria desconhecida, a referência é
anunciada a partir da primeira palavra do título em negrito e letras maiúsculas.

342 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


As palavras seguintes que compõem o título seguem em negrito, mas com
letras minúsculas. Segue as informações sobre local, editora e ano da
publicação. Todavia, caso não se identifique o local utiliza-se entre colchetes
[s.l] (de sine loco). Ainda, caso não se identifique a editora utiliza-se entre
colchetes [s.n.] (de sine nomine).
Exemplos:

AS MIL e uma noites. SaÞo Paulo: Scipione, 1992.

Vamos supor que não soubéssemos o local


AS MIL e uma noites. [s.l.]: Scipione, 1992.

Vamos supor que não soubéssemos a editora


AS MIL e uma noites. SaÞo Paulo: [s.n.], 1992.

38.
Livros retirados da internet. Referencia semelhante ao do livro
em papel, acrescentando-se o endereço do site e a data de acesso.
Exemplo:

GAYA, A.C.A. Ciências do Movimento Humano: introdução à metodologia da


pesquisa. Porto Alegre: Artmed. 2008. Disponível em <http://books.google.com.br>
acesso em 07/10/2014.

39.
Artigo de revista.

Autor >>> Título do artigo >>> Título do periódico (em negrito) >>> Local >>>
Volume >>> Fascículo >>> páginas (inicial e final do artigo) >>> Data.

Atenção: os meses devem ser abreviados no idioma original e não


devem ser abreviados os meses com até quatro letras.
Exemplo:

BURGHES, D. J.; NAUGHTON, G. Talent development in adolescentes team sports: a


review. Internationaln Journal of Sports Physiology and Performance, Melbourne,
n. 5, p. 397- 404, 2009.

40.
Artigo de Jornal

Autor(es) [se houver] >>> Título da reportagem >>> Título do Jornal (em negrito)
>>> local >>> Data >>> Caderno ou parte do jornal >>> página.

O desafio da iniciação científica 343


Exemplo:

BRUM, G. J. Migração Verde. Jornal da Universidade, Porto Alegre, setembro de


2014, Atualidade, p.5.

41
Nas referências de trabalhos de conclusão de curso (monografias,
dissertações e teses) devem ser indicados: além do autor e título: o nome
do orientador academico, o tipo de documento (tese, dissertação, trabalho
de conclusão de curso), o grau (graduação, especialização, mestrado,
doutorado), a vinculação acadêmica, o local e a data.
Exemplo:

MOREIRA, R.B. Níveis de atividade física nas aulas de educação física. Orientador
Adroaldo Gaya, Tese (doutorado), Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
Escola de Educação Física, Programa de Pós-graduação em Ciências do Movimento
Human, Porto Alegre, Br-Rs, 2014.

42.
As referências de meios eletrônicos são sites, bases de dados,
listas de discussão, etc.

Autor (se houver) >>> meio eletrônico (bases de dados, site, etc.) >>> endereço
eletrônico >>> data de acesso.

Exemplo:

PROJETO ESPORTE BRASIL, site, www.proesp.ufrgs.br, acesso em 10/10/2014.

43.
Após as referencias, seguem se houver necessidade os apêndices
e anexos. Ambos são documentos que servem como ilustrações,
complementações de informações (fotos, desenhos, termos de consentimento
livre e esclarecido, cálculos estatísticos, etc., relacionadas ao projeto.
Considera-se apêndices quando o texto é elaborado pelo autor do projeto e
anexo quando não for de autoria do pesquisador.

344 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Exemplo de anexo1:
Instrumento para avaliação de estruturas para atividade física (PARA)

1
Exemplos de anexo e apêndice tirado do projeto de dissertação de Ariele Dias….

O desafio da iniciação científica 345


Exemplo de apêndice

Termo de autorização

Caro Sr(a) Diretor(a)

Pelo presente documento convidamos sua escola a participar de um projeto


de pesquisa intitulado, o ambiente escolar e o ambiente urbano como fatores
intervenientes para as práticas de atividades físicas de adolescentes. Nosso principal
objetivo é identificar a contribuição do ambiente escolar e do ambiente urbano para
a prática de atividade física em diferentes contextos (dentro e fora da escola). Assim,
solicitamos vossa autorização para: 1. Aplicar nos alunos um questionário intitulado
como “atividades físicas na escola e fora da escola”. 2. Colocar nos alunos o pedômetro
(aparelho que registra o número de passos), durante três dias consecutivos, sendo
colocado no horário da aula durante o turno escolar. (3) Verificar o número de passos
que os alunos realizam através do pedômetro durante uma aula de educação física.
(4) Percorrer nos ambientes da escola (áreas de acesso à escola, terrenos da escola,
tais como: ginásio, quadras, sala de dança, etc.) para preencher o instrumento que
avalia a estrutura escolar.
Todos os procedimentos serão realizados nas dependências da escola sob a
responsabilidade do Prof. Dr. Adroaldo Gaya coordenador do projeto e professor
titular da Escola de Educação Física da UFRGS. O pesquisador responsável se
mantém a inteira disposição para esclarecimentos sobre todas as atividades propostas,
além do mais a direção da escola poderá a qualquer momento retirar sua autorização
para a realização do estudo.
Ressaltamos que será mantido em sigilo a identidade da escola e de todos os
participantes da pesquisa e os dados coletados servirão exclusivamente para fins de
pesquisa científica. Todos os relatórios serão entregues a direção da escola e os
resultados dos testes estarão disponíveis à direção, ao professor de educação física
e aos pais ou responsáveis dos alunos.
Este projeto será submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da UFRGS e
terá início somente após a provação do referido comitê.
Agradecemos vossa colaboração e colocamo-nos a disposição para qualquer
esclarecimento, em qualquer etapa da realização do projeto. Os contatos podem ser
feitos pessoalmente; pelo telefone do coordenador do projeto Prof. Dr. Adroaldo
Gaya (51) 81959570 ou por e-mail (acgaya@esef.ufrgs,br). Qualquer
encaminhamento sobre procedimentos éticos podem ser esclarecidos pelo CEP-
UFRGS pelo telefone (51) 33083629.

346 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Síntese
Este capítulo é, praticamente um manual de primeiros passos. A partir
de uma compreensão lógica sobre os procedimentos que envolvem um
projeto de pesquisa apresentei as etapas que o constituem. Dividi as etapas
do projeto em quatro partes principais 1. pré-textos: capa, folha de rosto,
dedicatória, agradecimentos, epígrafe, resumo, listas.; 2. sumário e introdução;
(3) Revisão de literatura e; (4) procedimentos metodológicos (problema da
pesquisa, hipóteses ou questões de pesquisa, definição das variáveis, método
e abordagem, sujeitos da pesquisa, instrumento de coleta de dados,
tratamento dos dados, procedimentos éticos, cronograma, orçamento,
referências e, apêndices e anexos.
É um capítulo, como referi no parágrafo inicial muito simples, todavia
operacional. Assim espero possa de alguma forma ser útil nesse desafio da
iniciação científica.

O desafio da iniciação científica 347


21
A Pesquisa Avaliativa:
Sugestões alternativas para o tratamento simplificado de
dados quantitativos em escala nominal dicotômica nas
pesquisas pedagógicas no ambiente escolar
Adroaldo Gaya, Arlete Brasiliense & Anelise Gaya

Introdução
Dois momentos em que a universidade bate à porta da
escola como um pedinte faminto: o estágio dos nossos
alunos da graduação e a realização de uma pesquisa
sobre a escola, a sala de aula ou a prática pedagógica
de um professor.
(TELLES, 2002, p. 92)

1.
Os cursos de licenciatura nas suas diversas áreas do saber se deparam
com a crescente necessidade de produzir conhecimento científico sobre as
práticas pedagógicas no ambiente escolar. Entretanto, principalmente nas
licenciaturas intimamente ligadas às ciências biológicas e da natureza, os
modelos quantitativos hegemônicos da produção do conhecimento científico
migram diretamente dos laboratórios para o ambiente escolar levando
consigo exigências metodológicas que causam dificuldades operacionais
aos professores-pesquisadores. Não obstante, salienta-se que não se trata
de questionar a elegância teórica, a qualidade e o rigor desses métodos
quantitativos clássicos. O que está em causa não é sua idoneidade científica,
mas sua possibilidade de adaptar-se ao ambiente escolar. Os modelos
experimentais clássicos exigem um conjunto de pressupostos que na maioria
das vezes inviabilizam sua aplicação nas pesquisas pedagógicas. Por
exemplo: a exigência da aleatoriedade da amostra, a distribuição
probabilística, a delimitação da dimensão da amostra e os pressupostos da
estatística inferencial. Os requisitos de Fischer, como são conhecidas essas
exigências (cf. SALSBURG, 2009), não se ajustam facilmente ao ambiente
escolar. O objetivo deste ensaio é sugerir um conjunto de alternativas de

O desafio da iniciação científica 349


fácil utilização para o tratamento de dados quantitativos na pesquisa avaliativa
em investigações pedagógica no ambiente escolar.

2.
Define-se operacionalmente a pesquisa avaliativa aplicada às práticas
pedagógicas como um conjunto de procedimentos sistemáticos de coleta,
analise e interpretação de dados fidedignos e válidos para a avaliação da
eficácia e tomada de decisões sobre os programas de intervenção pedagógica
no ambiente escolar.

3.
A pesquisa avaliativa, em relação a pesquisa experimental tradicional,
é mais focada na busca de efetivos resultados práticos. Como referem
Seltz, Wrightsman & Cook (1987), seus resultados não se destinam apenas
a incrementar o corpo de conhecimentos ou a desenvolver teorias, são
utilizados imediatamente para a tomada de decisões. Há duas classes de
pesquisa avaliativa: a pesquisa somativa que avalia o produto final da
intervenção e; a pesquisa formativa que avalia o processo de intervenção
(CONTANDRIOPOULOS, 2006). Este ensaio restringe-se aos
delineamentos da pesquisa avaliativa somativa com abordagem quantitativa
com medidas nominais dicotômicas (do tipo sucesso/insucesso).

Estratégias operacionais das pesquisas avaliativas somativas


com abordagem quantitativa
4.
Os projetos de pesquisa avaliativa, como se pode observar no quadro1,
não diferem substancialmente dos projetos tradicionais de investigação
científica, senão essencialmente por um processo de valoração subjetiva
que, como se verá adiante, baseada num conjunto de valores manifestos
pelo professor-pesquisador servem de referências “ad hoc1” para a definição
dos procedimentos de avaliação e de tomadas de decisão (DE LA ORDEM,
1985). Em outras palavras, a pesquisa avaliativa consiste em aplicar um

1
“Ad hoc”: referente a argumento, proposta ou hipótese formulada com o único objetivo de legitimar ou defender
uma teoria, e não em decorrência de uma compreensão objetiva e isenta da realidade.

350 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


julgamento de valor a uma intervenção, através de um dispositivo capaz de
fornecer informações cientificamente válidas e pedagogicamente legítimas,
permitindo aos diferentes atores envolvidos se posicionarem e construírem
um julgamento capaz de ser traduzido em ação (CONTANDRIOPOULOS,
2006).
QUADRO 1. As possíveis fases de um projeto de pesquisa avaliativa somativa

Fonte: Adaptado pelos autores de ARNAL, J.; Del RINCÓN, D.; LATORRE, A. (1992)

5.
Este ensaio discorre sobre as propostas de estratégias operacionais
das pesquisas avaliativas somativas com abordagem quantitativa e medidas
nominais dicotômicas para a avaliação da eficácia de programas de
intervenção pedagógica a partir de dois delineamentos: 1. com pré e pós
teste de grupo único e; 2. com grupo de intervenção e grupo controle não
equivalentes. Para todos os modelos sugere-se o tratamento dos dados a

O desafio da iniciação científica 351


partir de análises estatísticas descritivas. Em outras palavras, sem a pretensão
de inferências por modelação estatística2.

Delineamentos para pesquisa avaliativa somativa com pré e


pós teste de grupo único.
Avaliação Somativa através de Medidas de Dimensão do
Efeito com escalas nominais dicotômicas
6.
Este é o modelo mais simples e mais fácil de se realizar no ambiente
escolar. É um delineamento do tipo pré-experimental (Cf. CAMPBELL &
STANLEY, 2001). O professor pode realizar a pesquisa com sua própria
turma. O desenho corresponde: pré-teste ‡à intervenção à ‡ pós-teste.
Salienta-se que há evidentes limitações no que se refere a validação externa
dos resultados (indução dos resultados para além dos sujeitos avaliados).
Não obstante, ao utilizar-se medidas de pré e pós teste com o mesmo grupo
de sujeitos (onde cada sujeito é seu próprio controle), minimizam-se algumas
principais dificuldades no que se refere ao controle das variáveis entre os
sujeitos (intrasujeitos), estratégia que permite admitirmos uma boa validade
interna.

7.
Sugere-se, neste ensaio, que as variáveis de desfecho (variáveis
dependentes) sejam medidas em escala nominal dicotômica. As variáveis
medidas em escala nominal dicotômica permitem que o professor-
pesquisador possa afirmar a eficácia de seu projeto de intervenção
pedagógica (medidas de dimensão do efeito) diretamente pela ocorrência
dos alunos que obtiveram sucesso (ou insucesso). Tem-se a convicção de
que para o professor-pesquisador é mais relevante identificar os alunos que
beneficiaram-se (ou não) de sua intervenção pedagógica do que comparar
as médias e desvios padrão do grupo de alunos antes a após intervenção.

2
Talvez seja importante esclarecer uma confusão conceitual recorrente na comunidade científica. Trata-se da
asserção de que as pesquisas que limitam-se a estatística descritiva não possam generalizar seus resultados para
além do grupo investigado. É preciso estarmos atentos para dois conceitos distintos: generalizações estatísticas
e, generalizações analíticas (Cf. YIN, 2015). No primeiro caso trata-se de inferências sobre uma população com
base nos dados empíricos coletados de uma amostra. Trata-se de generalizar resultados. No segundo caso não
se trata de generalizar resultados empíricos (dados) mas sim de generalizar hipóteses ou teorias que resultam da
valoração do pesquisador sobre os resultados da pesquisa.

352 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Médias e Desvios Padrão reduzem os resultados do coletivo de estudantes
a um valor único que tem reduzida utilidade na compreensão do fenômeno
pedagógico. Outra vantagem prática é que as variáveis medidas em escala
nominal dicotômica permitem que o professor-pesquisador possa criar
critérios a priori “ad hoc” (pontos de corte). Ou seja, permite que antes
mesmo da realização do trabalho de campo, ainda durante a fase de
planejamento ele possa anunciar os critérios que vai adotar para avaliar o
sucesso ou insucesso de sua intervenção (por exemplo: quantos alunos devem
ser beneficiados para considerar o sucesso (ou insucesso) da sua
intervenção?). Tais critérios funcionam como parâmetros que subsidiam a
subjetiva valoração do projeto a partir das expectativas dos resultados
definidas operacionalmente a priori pelo professor pesquisador, procedimentos
que ficam inviabilizados quando o julgamento da eficácia intervenção
pedagógica ocorre exclusivamente pelo valor de “p”.

8.
Sugere-se os seguintes indicadores3 estatísticos para a descrição e
avaliação do impacto de uma intervenção pedagógica com variáveis
dependentes em escala nominal dicotômica através das medidas de dimensão
do efeito; 1. Medidas de Prevalência (MP); 2. Medidas de Incidência (MI);
3. Medidas de Chance (MC) e; 4. Processo de Valoração (PV).
Vamos discorrer sobre esse indicadores através do exemplo
apresentado no quadro 2.

QUADRO 2: Exemplo de pesquisa avaliativa somativa com medidas de


tamanho de efeito em escala nominal dicotômica de grupo único.

Numa escola com 400 alunos, identificam-se 80 deles com distorção idade/ano escolar4.
O serviço de orientação pedagógica propôs uma intervenção para a correção de
fluxo escolar. Após a intervenção (com grupos de reforço escolar, laboratórios de
aprendizagem, etc., com os alunos em distorção idade/ano escolar) o numero absoluto
de alunos com distorção idade/ano escolar (80) reduziu para 50 alunos. Portanto 30
alunos corrigiram seu fluxo escolar.

3
Pode-se utilizar outros indicadores similares: a razão de prevalência (RR). A razão de Incidência (RI) e a razão
de chance ou: “odds ratio (RC). Nestes casos não se multiplica os resultados da divisão por 100. Em nosso exemplo
a RP antes da intervenção pedagógica seria = 0,2; a RP após intervenção = 0,07 e; a RC = 0,6.
4
Se define a distorção idade/ano escolar quando há uma defasagem superior a dois anos entre a idade do alunos
e o ano que está cursando. As medidas para minimizar ou eliminar estas diferenças é definido como correção de
fluxo escolar.

O desafio da iniciação científica 353


Os professores-pesquisadores com a intensão de socializar os resultados de sua
experiência pretendem publicá-los em forma de artigo científico. Quais os indicadores
estatísticos mais adequados para descrever os dados e medir a dimensão do efeito
da intervenção pedagógica? Sugere-se quatro indicadores:
1) Medida de prevalência (MP): expressa a medida em que, num determinado
momento, ocorre um evento de interesse em relação ao total de sujeitos de uma
população. (MERCHÁN-HAMANN, TAUIL & COSTA 2000). É um valor descritivo.
Em nosso exemplo: 1. a MP antes da intervenção pedagógica = (80/400)x100 =
20. Interpreta-se que 20% dos estudantes estão em distorção idade/ano escolar.
2. Supõe-se que após a intervenção pedagógica o numero absoluto de alunos
nesta condição (80) reduziu para 50 alunos. A MP após a intervenção passa a ser
de (50/400)x100 = 12%.
2) Medida de incidência (MI) Descreve a ocorrência de novos casos. Em nosso
exemplo representa em percentagem os 30 alunos que corrigiram o fluxo escolar
em relação a todos os 400 alunos da escola = (30/400)x100 = 7,5. Interpreta-se
que 7,5% do total de (400) alunos corrigiram o fluxo escolar. Todavia, este resultado
é pouco esclarecedor para a interpretação da medida da dimensão do efeito da
intervenção pedagógica neste caso. Deve-se perceber que o universo de alunos
com distorção idade/ano escolar é 80 (e não 400). Desses 80 alunos que
participaram da intervenção pedagógica 30 corrigiram o fluxo escolar e 50
permaneceram com distorção idade/ano escolar. Sendo assim, a melhor
alternativa é medir a razão de chance.
3) Razão de chance (RC): é o coeficiente entre a chance de que algo ocorra e a
chance de que algo não ocorra. No exemplo, entre os 80 alunos com distorção
idade/série, após a intervenção pedagógica 30 deles regularizaram seu fluxo (o
sucesso ocorreu) e 50 não corrigiram (o sucesso não ocorreu). Com tal, a RC é =
(30/50 ) = 0,60. Pode-se concluir do resultado que a chance dos estudantes
com distorção idade/ano escolar regularizaram seu fluxo escolar a partir da
intervenção pedagógica é de 60% (0,60x100) Em outras palavras, a intervenção
pedagógica obteve uma eficácia de 60% (medido pela RC). Ou ainda, podemos
inferir que a razão de chance de cada estudante com distorção idade/ano escolar
regularizar seu ciclo, ao participar deste programa de intervenção pedagógica,
é de 6 alunos em 10, ou 3 em cinco.
4) Processo de valoração: é subjetivo. Se aproxima ao que os estatísticos
denominam como probabilidade pessoal (SALSBURG, 2009). Neste exemplo
sobre a distorção idade/ano escolar que critérios o pedagogo pode assumir
para validar sua proposta de intervenção? O que é um bom projeto? Aquele que
corrige o fluxo escolar 20%, 50%, 60% ou 80%? Ressalta-se que se trata do
processo de valoração, que é subjetivo e deve ser explicitado durante a fase de
planejamento da pesquisa pelo professor-pesquisador coerente com suas
concepções teóricas e experiências profissionais5. Outra possibilidade para a
avaliação seria criar um conjunto de critérios qualitativos em escala ordinal:
Exemplo: <20% ineficaz; 21 a 40% Pouco eficaz; 41 a 60% Razoavelmente eficaz;
61 a 80% Eficaz e; >81% Muito Eficaz (baseado no modelo probabilístico pessoal
de Patrick Suppes. (Cf. SALSBURG, 2009, p. 247- 48). Todavia, na opinião do
autores deste ensaio, a melhor avaliação decorre dos critérios de valoração
pessoal do pesquisador tendo como referência o contexto onde atua e realiza
sua tarefa pedagógica. A probabilidade pessoal “ad hoc”.

5
Evidentemente esta escolha também depende do tema que estamos tratando (por isso a denominação “ad
hoc”). Talvez, caso estivéssemos avaliando um projeto para adolescentes dependentes de drogas, 20% de
proporção de ocorrência de sucesso, embora seja uma percentagem relativamente baixa, poderia ser considerada
pertinente.

354 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Avaliação Somativa através de medidas de probabilidade
estatística em escala nominal dicotômica de grupo único -
Teste de McNemar
9.
As avaliações de impacto por medidas de probabilidade estatística
valem-se do valor de “p” (probabilidade) oriundo de um teste estatístico de
significância da discrepância entre a comparação de resultados observados
(medidos na pesquisa) e previstos (dados provenientes de uma distribuição
normal teórica) (SALSBURG, 2009; THOMAS, NELSON e
SILVERMAN, 2012; BARROS et al. 2012). O Teste de McNemar expressa
a proporção das mudanças pré e pós intervenção. É um modelo de qui-
quadrado para amostras repetidas (onde cada indivíduo é o seu próprio
controle), medidas em escala nominal (ou ordinal). Assim como o X2, O
teste de McNemer é um teste de adequação de ajuste (SALSBERG, 2009),
calcula um valor de X2 que é comparado aos valores críticos associados a
um determinado nível de significância (no anexo 1 consta um corte da tabela
de valores críticos de X2). O quadro 3 exemplifica a utilização do teste de
McNemar.
QUADRO 3: Exemplo de pesquisa avaliativa somativa com medidas de
probabilidade estatística em grupo único -Teste de McNemar

O professor de educação física, observando a alta prevalência de excesso de peso


entre seus alunos planeja um projeto de intervenção em suas aulas. Promove duas
estratégias: aumentar os níveis de atividade física em suas aulas e incrementar
informações teóricas sobre hábitos de vida fisicamente ativo e hábitos da alimentação
saudável. Sua intervenção será durante um semestre letivo, todavia o professor
pretende publicar um artigo na Revista Nova Escola, sobre o resultado ou os efeitos
de sua proposta pedagógica. Planeja um estudo com seus alunos (grupo único) em
que vai medir o perfil nutricional, antes e após o programa de intervenção através do
índice de Massa Corporal (IMC - variável de desfecho ou dependente). Utiliza um
modelo de avaliação com medidas em escala nominal e dicotômica cujos critérios
são: 1. alunos com excesso de peso (EP) e; 2. alunos eutróficos ou com peso
“normal” (EU). Dos 35 alunos que compõe sua turma nas medidas de IMC antes da
intervenção (pré-teste), 14 estavam com EP e 21 EU. Ao final do semestre o professor
volta a medir seus alunos (pós-teste) e obtém os seguintes resultados: 1. entre os 14
alunos com EP no início 12 tornaram-se EU (12 melhoraram (+) e dois mantiveram-se
como EP (2 mantiveram (+–); 2. Entre os 21 alunos EU 2 tornaram-se EP (2 pioraram
(–) e 19 permaneceram EU (19 mantiveram-se (–+).
Como avaliar através da probabilidade estatística (teste de McNemar) se seu programa
de intervenção teve ou não efeito significativo sobre a incidência de EU na sua turma
de estudantes?

O desafio da iniciação científica 355


Para visualizar a lógica do Teste de McNemar vamos constituir uma tabela de
contingência da seguinte forma.
Pós-teste

Na célula A o número de alunos que permaneceram EP [2 (—)]


Na célula B o número de alunos que migraram de EP para EU [12 (–+)]
Na célula C o número de alunos que migraram de EU para EP [2 (+–)]
Na célula D o número de alunos que permaneceram EU [(19++)]

A equação para cálculo do X2 utiliza os valores discrepantes na tabela de contingência


(+ –) e (– +). Então tem-se a seguinte equação:

X2 = [ (B – C) – 1]2 / B+ C
X2 = [12 – 2]–12 / 12 +2 = 81/14 = 5,78

Obteve-se um X2 = 5,78. O próximo passo é comparar o valor do X2 aos valores


críticos fornecidos por uma tabela de distribuição de X2 (6) (Anexo 1). O valor crítico
fornecido pela tabela {para 1 grau de liberdade [numero de colunas da tabela de
contingência –1 multiplicado pelo número de linhas –1 = (2–1)(2–1) = 1] e nível de
significância de 0,05} é 3,84. Como o valor calculado (5,78) é maior que o valor
crítico (3,84) conclui-se que houve diferença estatisticamente significativa entre os
resultados do pré e pós teste. Dessa forma, pode-se inferir que a proposta pedagógica
do professor para de minimizar a ocorrência de excesso de peso foi estatisticamente
eficaz a um nível de confiança de 95%.

Para aplicar o teste de McNemar há “softweres” livremente disponíveis na internet,


como o QuickCalcs (www.graphpad.co/scientific-softwerw)7.

Delineamentos para pesquisa avaliativa somativa com grupo


de intervenção e grupo controle
10.
Neste modelo de pesquisa avaliativa somativa com abordagem
quantitativa o professor-pesquisador dispõe de, pelo menos, duas turmas de
alunos para planejar sua pesquisa. O professor defini aquela que será objeto
de sua intervenção pedagógica e, compara os resultados com a outra. É um
delineamento do tipo quase-experimental (Cf. CAMPBELL & STANLEY,
2001). O desenho corresponde a intervenção pedagógica em apenas um
grupo e a comparação dos resultados entre os dois grupos no pré e pós
teste.

6
Tabelas de valor critic de X2 pode ser facilmente encontrada em qualquer livro básico de estatística ou na Internet.
7
QuickCalcs (www.graphpad.co/scientific-softwerw). Acesso em 10 de maio de 2015.

356 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


11.
Todavia, deve-se considerar que as duas turmas que participam da
experiência não são organizadas por procedimentos aleatórios, portanto não
se pode assegurar a priori que as turmas sejam equivalentes. Que os alunos
ou parte deles não detenham algumas características relevantes que possam
intervir (variáveis intervenientes) sobre os resultados. Sendo assim, para
minimizar tais inconvenientes sugere-se que as medidas de pré-teste sejam
utilizados para proceder-se ao ajustamento dos grupos por técnica de
pareamento (GAYA, 2008) como será demonstrado a seguir. Ou seja, o
pareamento é uma alternativa para diminuir as prováveis diferenças naturais
existentes entre os indivíduos, o professor-pesquisador organiza os alunos
em pares, em que cada aluno do grupo que será submetido a intervenção
pedagógica tenha seu próprio controle entre os alunos do grupo que não
será submetido a intervenção pedagógica. As duplas devem ser o mais
semelhante possível quanto às características que possam influenciar os
resultados.

Ajustamento por pareamento


12.
Sugere-se discorrer sobre o ajustamento por pareamento através do
exemplo que segue no quadro 4.
QUADRO 4: Exemplo de pesquisa com ajustamento de grupos não
equivalentes por pareamento

Exemplo: Professor de língua estrangeira pretende investigar os efeitos de um


novo programa de ensino sobre a aprendizagem da língua inglesa em adolescente
da sua escola. O professor pretende aplicar na turma “A” o novo programa de
ensino e, na turma “B” o ensino tradicional. Ao final do semestre vai comparar os
resultados de proficiência em língua inglesa dos alunos da turma “A” com os
alunos da turma “B”.
Considerando, que a composição das turmas não obedece a um critério aleatório,
o professor supõe que as turmas não sejam equivalentes em algumas das variáveis
intervenientes relevantes. Ele resolve então utilizar os escores de proficiência dos
alunos no pré-teste para formar duplas homogêneas. No quadro abaixo estão as
notas dos alunos (de zero a 10) e os critérios de avaliação: Não proficientes (NP)
notas inferiores a 6 e Proficientes (P) notas iguais ou superiores a 6).

O desafio da iniciação científica 357


Notas dos alunos e avaliação das turmas “A” e “B” no pré-teste (dados
fictícios)

Considerando as notas o professor pareou os seus alunos das turmas “A” e “B” da
seguinte forma:

Pares de alunos da Turma “A” e “B” conforme as notas do pré-teste

Este pareamento manifesto na tabela anterior, sugere que os grupos são


equivalentes quanto aos resultados do pré-teste. Todavia, como se pode observar,
não foi possível proceder ao pareamento de dois alunos. Os alunos 19 e 20 da
turma “A”, não tiveram colegas com notas semelhantes na turma “B”. Esta é uma
limitação do método, e desta forma o professor vai selecionar para sua experiência

358 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


os resultados de 18 alunos (do total de 20 em cada turma) para avaliar o impacto
de sua intervenção pedagógica. Assim, através do ajustamento por pareamento
pretende-se que estejam satisfeitas as exigências de que os grupos sejam
equivalentes antes da intervenção pedagógica e, como tal, se possa adotar técnicas
estatísticas para comparação entre grupos. (Atenção: evidentemente, isto não
significa na prática que o professor deva retirar os alunos 19 e 20 de suas aulas.
Apenas, seus resultados não serão computados no cálculo dos indicadores
estatísticos dos grupos).

13.
Após a sugestão de ajustamento dos grupos por pareamento, para
avaliação de intervenções pedagógicas em desenhos de grupos intervenção
e controle com variáveis dicotômicas em escala nominal sugere-se: 1. testes
de medidas de efeito e; 2. o teste do Qui-quadrado (X2) com correção de
Yates quando os sujeitos da pesquisa forem menos de 20 ou quando numa
das células da tabela de contingência houver menos de 5 alunos.

14.
Para discorrer sobre estas estratégias de avaliação do impacto da
intervenção pedagógica, no quadro 5 dá-se seguimento ao exemplo anterior.
QUADRO 5: Notas e avaliações dos alunos das turmas “A” e “B no Pós-teste
(dados fictícios)
Supõe-se que na tabela seguinte estão os resultados das duas turmas de língua
inglesa após a intervenção pedagógica com o método inovador no grupo “A” e o
modelo tradicional de ensino no grupo “B”.

Notas e avaliação dos alunos das turmas “A” e “B” no pós-teste (dados fictícios)

O desafio da iniciação científica 359


Avaliação Somativa através de Medidas de Dimensão do
Efeito com escalas nominais dicotômicas
15.
Para que se possa interpretar com clareza as medida da dimensão
do efeito sugere-se os seguintes indicadores: (a) medidas de prevalência e
incidência e (b) medidas de eficácia (razão de chance e razão de chance
relativa) e; (c) processo de valoração. Retorna-se ao exemplo:
QUADRO 6: Avaliação do impacto por medidas de dimensão do efeito

Medidas de prevalência
A prevalência de alunos proficientes em inglês antes das intervenções
pedagógicas (pré-teste) na turma “A” (primeira e segunda linhas da primeira tabela
do quadro 4) é = 3/18 = 0,16. Interpreta-se que 16% (0,16 x 100) dos alunos são
proficientes antes das aulas.
O mesmo resultado de prevalência é encontrado (no pré-teste) com os alunos da
turma “B” (terceira e quarta linhas da primeira tabela do quadro 4)
3/18 = 0,16 ou 16% .
A prevalência de alunos proficientes em inglês após as intervenções
pedagógicas (pós-teste) com o método inovador (Turma “A”) é = 14/18 = 0,77.
Interpreta-se que 77% dos alunos estão proficientes em inglês após as aulas com o
método inovador.
A Prevalência de alunos proficientes em inglês após as aulas (pós-teste) com
o método tradicional (Turma “B”) é = 8/18 = 0,44. Interpreta-se que 44% dos
alunos estão proficientes em inglês após as aulas tradicionais.
Medidas de incidência
A incidência de alunos proficientes na Turma “A” é de 11 estudantes, portanto 11/18
= 0,61. Interpreta-se que houve a incidência 61% de alunos proficientes em inglês
com o método inovador
A incidência de alunos proficientes na Turma “B” é de 5 alunos para o nível proficiente
com a método tradicional, portanto 5/18 = 0,27. Interpreta-se que 27% dos estudantes
migraram de Não Proficiente para Proficiente através do método tradicional
A Razão de incidência
É a razão entre os valores de incidência nas duas turmas, considerando o total de
alunos em cada turma (18). A razão de incidência é = 0,61/0,27 = 2,25. Interpreta-
se que os alunos da turma “A” com o método inovador têm 2,25 vezes mais chance de
serem proficientes em inglês do que os alunos da Turma “B” com o método tradicional..
Medidas de razão de chance (eficácia)
Considere-se que as medidas de razão de chance constituem-se pela razão entre a
ocorrência de alunos proficiente e não proficiente em cada análise. Nas duas turmas
os resultados são semelhantes. São 3 alunos proficientes e 15 não proficientes.
Portanto a chance dos alunos serem proficientes antes das intervenções pedagógicas
é = 3/15 = 0,20. Interpreta-se que 0,20 é a chance dos alunos serem proficientes
antes das práticas pedagógicas.

360 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Na Turma “A”, com o método inovador a razão de chance é = 14/4 = 3,5. Interpreta-
se que a chance de um aluno tornar-se proficiente em inglês com o método inovador
aumenta em 3,5 vezes
Na Turma “B” com o método tradicional a razão de chance é = 8/10 = 0,80.
Interpreta-se que a chance de um aluno tornar-se proficiente em inglês com o método
tradicional aumenta em 0,80 vezes.
Conclui-se, com esses dados que os dois métodos de ensino tem bom nível de
impacto sobre a aprendizagem do inglês. Todavia, a hipótese de trabalho do professor-
pesquisador é que o método inovador é mais efetivo do que o método tradicional. Daí
a relevância de medir a razão de chance relativa.
Medidas de razão de chance relativa
A razão de chance relativa é a razão entre a razão de chance entre os valores obtidos
com o método inovador (Turma “A”) e o método tradicional (Turma “B”). Portanto:
3,5/0,80 = 4,37. Interpreta-se que a chance de um alunos tornar-se proficiente pelo
método inovador aumenta em 4,37 vezes em relação ao método tradicional.
Processo de valoração
O que o professor-pesquisador considera como um impacto satisfatórios sobre a
aprendizagem de inglês? Quais são os seus critérios para avalição do impacto dos
modelos de ensino? Supõe-se que ele adote os critérios de avalição sugeridos por
Cohem (1988) para estudos de associação: tamanho do efeito a até 0,10 pequeno
efeito (Insatisfatório); 0,10 a 0,30 médio efeito (Satisfatório); superior a 0,30 grande
efeito (Bom). Outra possibilidade é o uso do modelo probabilístico pessoal de Patrick
Suppes. (Cf. SALSBURG, 2009, p. 247- 48) onde: <20% ineficaz; 21 a 40% Pouco
eficaz; 41 a 60% Razoavelmente eficaz; 61 a 80% Eficaz e; >81% Muito Eficaz. De
qualquer forma, neste caso, os resultados da experiência sugerem: 1. que os dois
modelos de ensino são eficazes. O modelo tradicional é Eficaz e o modelo inovador é
Muito Eficaz; 2. Não obstante, confirma-se a hipótese do professor-pesquisador, o
modelo inovador (turmas “A”) é bem mais eficaz que o modelo tradicional (Turma
“B”). A chance de sucesso na aprendizagem em inglês com o modelo inovador é de
4,37 vezes em relação ao modelo tradicional.

Avaliação Somativa através de medidas de probabilidade


estatística em escala nominal dicotômica de grupos não
equivalentes - Teste do Qui-Quadrado com correção de Yates
16.
O Qui-quadrado, representado por X2 é um teste de adequação de
ajuste criados por Karl Pearson em 1900 (SALSBERG, 2009). Calcula um
valor de X 2 que é comparado aos valores críticos associados a um
determinado nível de significância. O princípio básico deste(s) método(s) é
comparar proporções, isto é, as possíveis divergências entre as frequências
observadas e esperadas para um certo evento. Pode-se dizer que dois grupos
se comportam de forma semelhante se as diferenças entre as frequências
observadas e as esperadas em cada categoria forem muito pequenas,

O desafio da iniciação científica 361


próximas a zero. O quadro 7 exemplifica a utilização do teste do X2 com
correção de Yates8.
QUADRO 7: Exemplo de pesquisa avaliativa somativa com medidas de
probabilidade estatística em dois grupos – O Teste do X2 com correção de Yates
(Cf. CLEGG 1995)9

Numa escola de educação básica o professor de educação física esta preocupado


com a atitude dos estudantes perante ao ensino de sua disciplina. Reconhece que a
motivação entre os rapazes é superior a motivação entre as moças. Portanto, está
interessado em investigar se o gênero influencia na opinião dos alunos sobre a
educação física. Entrevista 350 alunos. São 200 rapazes e 150 moças. Os resultados
são os seguintes: 140 rapazes afirmam gostar das aulas de educação física e 60
discordam. Entre as moças 60 dizem que gostam de participar das aulas e 90
discordam. Para calcular X 2 há inúmeros programas de estatística disponíveis. Não
obstante, neste ensaio, apresenta-se os procedimentos passo à passo de forma a
permitir a compreensão lógica do modelo.
O primeiro passo para aplicação do X2 é criar uma tabela de contingência 2x2 a partir
das frequências observadas.

Tabela de contingência com as frequências observadas

Os valores das células representam as frequência observadas.


O segundo passo é calcular as frequências esperadas: 1. multiplica-se o total da linha
1 pelo total da coluna 1 e divide-se pelo total (350) e tem-se a frequência esperada da
célula (A): 200x195/350 = 111,5; 2. multiplica-se o total da linha 1 com o total da
coluna 2 e divide-se pelo total e tem-se a frequência esperada da célula (B): 200x155/
350 = 88,5; 3. multiplica-se o total da linha 2 com o total da coluna 1 e divide-se pelo
total e tem-se a frequência esperada da célula (C): 150x195/350 = 83,5; 4. multiplica-
se o total da linha 2 com o total da coluna 2 e divide-se pelo total e tem-se a frequência
esperada da célula (D): 150x155/350 = 66,4.

8
Sempre que uma amostra for inferir a 20 ou, que numa das células da tabela de contingência do X2
ocorram valores inferiores a 5 recomenda-se a Correção de Yates. No exemplo do quadro 6, este procedimento
está incorporado no terceiro passo representado pela subtração de 0,5 na frequência de cada célula.
9
CLEGG, F. Estatística para Todos. Tradução de Catarina Horta. Lisboa: Gradiva, 1995.

362 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Tabela de contingência com as frequências esperadas

O terceiro passo é calcular a diferença entre as frequências esperadas e observadas


(sempre diminuindo o menor valor do maior valor) para cada célula e ainda subtraindo
0,5 (Correção de Yates). Célula (A) = 135 – 111,5 – 0,5 = 23,1; Célula (B) = 88,5 –
65 – 0,5 = 20; Célula (C) 83,5– 60 – 0,5 = 23; Célula (D) = 90 – 66,5 – 0,5 = 24.
O quarto passo é aplicar a fórmula X2 = S[(O – E)2 /E]. Elevar ao quadrado os
valores de cada célula obtidas no terceiro passo e dividir o resultado pela frequência
esperada para cada célula específica: Célula (A) = (23,1)2 /111,4 = 4,7; Célula (B) =
(20)2/111,4 = 3,5; Célula (C) = (23)2/83,5 = 6,3; Célula (D) = (24)2 / 66,4 = 8,6.
O quinto passo é calcular o valor da soma dos quatro valores obtidos no passo 4:
4,7+ 3,5 + 6,3+ 8,6 = 23,1.
O sexto passo é calcular os grau de liberdade (gl) gl = (r – 1)(c – 1), sendo r = o
número de linhas da tabela de contingência e c = ao número de colunas: gl = (2 –
1) (2 – 1) = 1
Por fim, o último passo é comparar o valor do X2 com o valor encontrado na tabela de
valores crítico de X2 , observando o valor de gl e o nível de significância (anexo 1).
Observa-se na tabela de valores críticos do X2 que o valor do X2 = 23,1, para 1gl é
bem superior aos valores críticos da tabela. Inclusive é superior ao valor crítico ao
nível de significância de 0,001 (10,83). Portanto, conclui-se que há diferença
estatisticamente significativa entre os rapazes e as moças. Os rapazes realmente
gostam mais de fazer as aulas de educação física do que as moças. O resultado tem
um nível de confiança (1 – 0,001) = 0,999.

Síntese
Este ensaio é fruto da experiência de seus autores na docência de
metodologia da pesquisa em cursos de formação de professores e da vivencia
em escolas de educação básica. Originou-se da constatação sobre as
dificuldades encontradas pelos estagiários e professores no trato da
investigação científica no âmbito das práticas pedagógicas. Repetidas vezes
quando tais estagiários em seus trabalhos de conclusão de curso planejavam
pesquisas de abordagem quantitativa no ambiente escolar deparavam-se
com os modelos hegemônicos cujas exigências de rigor inviabilizavam sua
aplicação. Os pressupostos de Fischer para as pesquisas probabilísticas

O desafio da iniciação científica 363


constituem-se em obstáculos praticamente intransponíveis aos modelos de
pesquisa que se poderia realizar na escola. Daí a necessidade de alternativas
capazes de viabilizar pesquisas científicas que pudessem auxiliar os
estagiários e professores em seu ambiente de trabalho a avaliar o impacto
de suas práticas pedagógicas. A intenção dos autores neste ensaio foi a de
sugerir alternativas que pudessem ser facilmente utilizadas sem descurar
das exigências de rigor inerentes ao conhecimento científico. Deu-se ênfase
a Pesquisa Avaliativa Somativa e a desenhos metodológicos simplificados,
com medidas em escalas nominais dicotômicas. Dois métodos foram
apresentado: 1. grupo único com pré e pós-teste e 2. e dois grupos
(intervenção e controle) não equivalentes. Para análise dos dados sugeriu-
se: 1. medidas de dimensão do efeito: medidas de prevalência, incidência,
razão de chance e razão relativa de chance e 2. medidas do valor de “p”:
Teste de McNemar e X2 com correção de Yates. Pretende-se com este
estudo incentivar estudantes de cursos de licenciatura e professores a
valerem-se do método científico como ferramenta para a avaliação do
impacto de suas intervenções pedagógicas e, principalmente incentivar a
publicação de trabalhos científicos no âmbito das pesquisas pedagógicas no
ambiente escolar.

Referências
Arnal, J.; Del Rincon, D, & Latorre, A. Investigación educativa:
fundamentos y metodología. Barcelona: Labor, 1992
Barros, M.; Reis, R; Hallal, P.; Florindo, A.; Farias Júnior, J. Análise de
dados em saúde. (3a ed.) Londrina: Midiograf, 2012.
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Ed). New York. Academic Press, 1988.
Contandriopoulo, A.P.; Champagne, F.; Denis, J.L. & Pineault, R. In.
Hartz, Z.M.A, Avaliação em Saúde: Dos modelos conceituais à prática
na análise de implementação de programas. Rio de Janeiro: Osvaldo
Cruz, 1987.
De La Ordem, A. Diccionario de ciências de la educación. Investigación
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Gaya, A. Ciências do Movimento Humano. Introdução à metodologia

364 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


da pesquisa. Porto Alegre: Armed, 2008.
Kidder, L.H. (org). Métodos de Pesquisa nas relações sociais/ Seltz,
Wrightaman e Cook (2ed). São Paulo: USP, 1987.
Merchan-Hamman, E.; Tauil, P.L.; Costa, M.P. Terminologia das medidas
e indicadores em epidemiologia: subsídios para uma possível padronização
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Salsburg, D. Uma senhora toma chá… como a estatística revolucionou a
ciência no século XX. Rio der Janeiro: Lorge Zahar, 2009.
Seltz, Wrightsman e Cook. Métodos de pesquisa nas relações sociais.
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Telles, J. A. “É pesquisa? Ah, não quero, não, bem!”. Sobre pesquisa
acadêmica e sua relação com a prática do professor de línguas.
Linguagem e Ensino, Vol.5. n. 2, 2002: 91 – 116.
Thomas, J.R.; Nelson, J.K & Silverman, S.J. Métodos de pesquisa em
atividade física. Porto Alegre: ARTMED, 2012.
Yin, R. K. Estudo de Caso. Planejamento e métodos. (5a ed.).Porto Alegre:
Bookman, 2015.

ANEXO
Valores críticos de X2

O desafio da iniciação científica 365


22.
Revisao Sistemática e Metanálise
em Estudos Clínicos
Gracielly Sbruzzi

Definição de revisão sistemática


1.
A revisão sistemática é um estudo secundário que reúne de forma
organizada, grande quantidade de resultados de pesquisas, auxiliando na
explicação de diferenças encontradas entre estudos primários que
investigaram questões similares. Utiliza métodos sistemáticos para identificar,
selecionar, e avaliar criticamente pesquisas relevantes com o objetivo de
responder a uma pergunta claramente formulada (HIGGINS & GREEN,
2011). Além disso, a revisão sistemática é uma pesquisa original e caracteriza-
se por gerar o melhor nível de evidência para tomada de decisões sobre
projetos de intervenção. (COOK, MULROW, HAYNES, 1997).

Diferenças entre revisão narrativa e revisão sistemática


2.
Alguns itens básicos diferem as revisões narrativas das revisões
sistemáticas conforme descrito abaixo (COOK, MULROW, HAYNES,
1997): 1. Questão de pesquisa: na revisão narrativa geralmente a questão
de pesquisa é ampla e na revisão sistemática é mais restrita, formada a
partir dos componentes do acrônimo PICOT, conforme veremos a seguir;
2. Fonte de busca dos estudos: na revisão narrativa a fonte de busca
geralmente é não especifica e na revisão sistemática é construída uma
estratégia de busca explícita, além da utilização de fontes de busca
abrangentes; 3. Seleção dos estudos: na revisão narrativa a seleção dos
estudos geralmente é não especifica,e na revisão sistemática a seleção é
sistematizada, baseada na questão de pesquisa e nos critérios de elegibilidade
dos estudos; 4. Avaliação da qualidade dos estudos: na revisão narrativa
a avaliação é variável e em alguns estudos inexistente, e na revisão

O desafio da iniciação científica 367


sistemática a avaliação é criteriosa e reprodutível; 5. Síntese dos dados:
na revisão narrativa a síntese dos dados é sempre qualitativa, e na revisão
sistemática a síntese pode ser qualitativa e/ou quantitativa quando realizado
a metanálise.

Tipos de revisões sistemáticas


3.
Existem seis tipos principais de revisões sistemáticas em estudos
clínicos as quais dependerão do delineamento dos estudos incluídos: revisão
sistemática de ensaios clínicos randomizados; revisão sistemática de ensaios
clínicos não randomizados; revisão sistemática de estudos observacionais;
revisão sistemática de testes diagnósticos; revisão sistemática de dados de
pacientes individuais; e overviews of reviews (revisão de revisões
sistemáticas). Para fins didáticos, iremos abordar nesse capítulo as questões
referentes à revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados.

Metanálise
4.
Uma revisão sistemática pode conter ou não metanálise. Quando os
resultados de estudos primários são sumarizados, mas não estatisticamente
combinados, a revisão pode ser chamada de revisão sistemática qualitativa;
porém quando uma revisão utiliza métodos estatísticos para combinar os
resultados de dois ou mais estudos primários, ela passa a se chamar revisão
sistemática quantitativa ou metanálise (COOK, MULROW, HAYNES,
1997). A metanálise pode ser realizada para desfechos categóricos (exemplo:
mortalidade) e para desfechos contínuos (exemplo: força muscular, pressão
arterial, entre outros).

5.
Pela combinação de informações dos estudos relevantes, a metanálise
pode prover estimativas mais precisas dos efeitos de intervenções em
cuidados da saúde do que aquelas derivadas dos estudos individuais incluídos
dentro de uma revisão. A metanálise também facilita a investigação da

368 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


consistência das evidências entre os estudos, e a exploração das diferenças
entre os estudos (HIGGINS & GREEN, 2011). Além disso, ao combinar
amostras de vários estudos, aumenta-se a amostra total, melhorando o poder
estatístico da análise, assim como a precisão da estimativa do efeito de
tratamento (AKOGENG, 2005).

6.
Existem softwares específicos para a realização da metanálise. Uma
dessas ferramentas é o programa de revisão sistemática da Colaboração
Cochrane chamado Review Manager (http://ims.cochrane.org/revman/
download). Outra opção gratuita é o programa estatístico “R” (http://
www.rproject.org/). Algumas opções de programas comerciais são o
Comprehensive Meta-Analysis (http://www.meta-analysis.com/
index.php), MetaWin (http://www.metawinsoft.com), WEasyMa (http://
www.weasyma.com) que também possuem opções demo gratuitas e o SAS
(http://www.sas.com), STATA (http://www.stata.com) ou WinBUGS (http:/
/www.mrc-bsu.cam.ac.uk/bugs) (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012).

7.
O gráfico da metanálise é denominado de forest plot (gráfico de
floresta) e o símbolo do resultado final da metanálise é chamado de diamante.
Esse gráfico exibe a estimativa de efeito (tamanho do efeito) e intervalo de
confiança para os estudos individuais e para a metanálise, além de permitir
uma inspeção rápida qualitativa, acerca das tendências do estudo e conclusão
da metanálise (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012).

8.
Como podemos interpretar um gráfico da metanálise? Vamos levar
em consideração o seguinte exemplo: esse gráfico é uma metanálise de
desfecho contínuo que responde a seguinte questão de pesquisa: qual o
efeito do treinamento muscular inspiratório (IMT na figura) comparado com
grupo controle (control na figura) sobre a pressão inspiratória máxima em
pacientes com insuficiência cardíaca? (PLENTZ et al, 2012).

O desafio da iniciação científica 369


Forest plot de desfecho contínuo

Fonte: Plentz et al, 2012.

9.
No gráfico da metanálise, as linhas horizontais representam os
intervalos de confiança de cada estudo. O ponto central de cada linha
horizontal representa o tamanho do efeito de cada estudo. Se a linha
horizontal tocar ou cruzar a linha vertical central do gráfico, em que para
desfechos contínuos o valor neutro (nulo) é o zero, isto indica que não há
diferença estatística entre os grupos intervenção e controle em relação ao
benefício ou malefício da intervenção. O resultado final da metanálise é
expresso de forma gráfica em forma de um diamante. Na parte inferior do
gráfico, o valor de Z é um teste estatístico da significância do efeito global,
isto é, uma medida matemática equivalente à localização e à largura do
diamante no gráfico. O valor de qui-quadrado (I2) é um teste estatístico de
homogeneidade do tamanho do efeito entre os estudos (Teste de
Inconsistência), isto é, uma medida de consistência do resultado entre os
estudos individuais.

10.
Analisando o resultado final da metanálise: caso o diamante toque ou
cruze a linha vertical central do gráfico, entende-se que não há diferença
significativa entre a intervenção e o grupo controle de todos os estudos em
conjunto. Se o diamante estiver totalmente à esquerda da linha central do
gráfico, isto indica que a intervenção reduziu significativamente o desfecho

370 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


avaliado, e se o diamante estiver totalmente à direita da linha central, isto
indica que a intervenção avaliada aumentou significativamente o desfecho
avaliado. No exemplo acima, podemos observar que o diamanete está
totalmente à direita da linha central do gráfico, indicando que a intervenção,
no caso o treinamento muscular inspiratório comparado com grupo controle,
aumentou significativamente a pressão inspiratória máxima (23,36 cmH2O;
IC95%: 11,71-35,02) em pacientes com insuficiência cardíaca (PLENTZ
et al, 2012).
Forest plot de desfecho categórico

Fonte: Sbruzzi et al, 2012.

11.
No exemplo acima, observamos uma metanálise de desfecho
categórico que responde a seguinte questão de pesquisa: qual o efeito do
ultrassom intracoronário comparado à angiografia coronariana sobre a
reestenose angiográfica no implante de stents coronarianos? A interpretação
é a mesma do gráfico de desfecho contínuo, exceto que a linha central do
gráfico tem como valor neutro (nulo) o 1 (um) pois geralmente a medida de
efeito utilizada em metanálises de desfechos categóricos é o risco relativo
ou o odds ratio. Nesse exemplo, podemos observar que o diamante esta
totalmente à esquerda da linha central, indicando que a intervenção, no
caso o ultrassom intracoronário comparado a angiografia, reduziu
significativamente a taxa de reestenose angiográfica (risco relativo: 0,73;
IC95%: 0,54–0,97) no implante de stents coronarianos (SBRUZZI et al,
2012).

O desafio da iniciação científica 371


Importância da revisão sistemática
12.
A revisão sistemática pode solucionar controvérsias entre estudos
primários que são discordantes sobre a mesma questão de pesquisa. Além
disso, um único estudo primário geralmente não consegue detectar ou excluir
com certeza uma moderada, porém clinicamente relevante diferença de
efeitos entre dois tratamentos. Isto porque elaborar um ensaio clínico
randomizado, com estimativas corretas para o cálculo do tamanho de amostra
e poder estatístico adequados exige, na maioria das vezes, um tamanho de
amostra significativo, e muitas vezes torna-se difícil conseguir um número
elevado de pacientes. Dessa forma, a revisão sistemática com metanálise é
uma alternativa bastante útil quando não há grandes estudos randomizados
disponíveis sobre o mesmo assunto (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012).

13.
Outra importância da revisão sistemática com metanálise é que as
metanálises combinam os dados de todos os estudos que avaliaram
tratamentos iguais ou similares para pacientes com uma condição específica.
Deste modo, obtêm-se estimativas de efeito com maior precisão (menos
erro aleatório) devido ao aumento do tamanho de amostra, tornando o
intervalo de confiança mais estreito.

14.
Ainda, a revisão sistemática permite realizar análises mais consistentes
de subgrupos, por exemplo, entre homens e mulheres, ou entre diferentes
parâmetros e intensidades da intervenção. Isso é uma vantagem, visto que
em alguns estudos primários essas análises ficam prejudicadas devido ao
pequeno número de pacientes incluídos no estudo.

15.
E por fim, uma das importâncias da revisão sistemática é que ela
identifica a necessidade de planejamento de estudos maiores e definitivos.
Por exemplo, se somente poucos estudos com pequenos tamanhos de amostra
forem incluídos, a estimativa de efeito gerada pela metanálise apresentará
um largo intervalo de confiança gerando um resultado inconclusivo, o que
poderá sugerir a necessidade de novos estudos com maior poder estatístico

372 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


para realmente responder a questão que esta sendo estudada (HIGGINS
& GREEN, 2011; MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012).

Limitações da revisão sistemática


16.
Apesar de a revisão sistemática ser uma pesquisa original capaz de
gerar o melhor nível de evidência para a tomada de decisões clínicas, esse
tipo de estudo apresenta algumas limitações. Uma delas é ser uma pesquisa
retrospectiva que esta condicionada aos dados dos estudos primários
incluídos e a forma como esses estudos foram conduzidos. Por exemplo, se
a maioria dos estudos incluídos na revisão sistemática apresentarem alto
risco de viés (ou seja, baixa qualidade metodológica), isso influenciará
diretamente na conclusão da revisão sistemática, como veremos a seguir.

17.
Ainda, a revisão sistemática pode estar sujeita a alguns vieses, tais
como viés de publicação e viés de seleção. O viés de publicação pode
ocorrer quando a busca realizada na literatura pelos estudos primários
apresenta falhas, como realização de uma busca muito específica, além de
restrição de idioma. Isso pode dificultar que se encontre alguns estudos,
como por exemplo, os estudos com resultados negativos que são menos
frequentemente publicados ou são publicados na língua nacional dos autores.
O viés de seleção pode ocorrer quando a questão de pesquisa não é
adequadamente formulada, podendo levar a subjetividade na inclusão dos
estudos.

18.
Outra limitação da revisão sistemática é que por mais que tenha sido
construída uma questão de pesquisa específica, pode haver diferenças
entre os pacientes e entre as intervenções nos estudos primários, além da
existência de fatores de confusão, que podem levar a uma heterogeneidade
clínica entre os estudos (HIGGINS & GREEN, 2011; MINISTÉRIO DA
SAÚDE, 2012).

O desafio da iniciação científica 373


Etapas para a realização da revisão sistemática
19.
As habilidades e conhecimentos são fundamentais para a garantia
da qualidade metodológica da revisão. Assim, são necessárias noções de
metodologia sobre a revisão sistemática, estatística, epidemiologia,
conhecimento clínico da questão de pesquisa, informática e domínio de,
pelo menos, a língua inglesa. Além disso, a equipe de trabalho deve saber
utilizar as ferramentas necessárias à condução da revisão, como programas
gerenciadores de referência, programas que geram a metanálise, as
peculiaridades de busca nas várias bases de dados, a redação do protocolo
e do manuscrito (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012).

20.
A construção de uma revisão sistemática é dividida em três etapas
principais: Etapa I - planejamento, que engloba a formulação da questão de
pesquisa, a identificação da necessidade da revisão e a preparação e o
desenvolvimento do projeto de revisão sistemática; Etapa II - execução,
que engloba a identificação dos estudos na literatura, a seleção dos estudos,
a avaliação da qualidade metodológica dos estudos, a extração dos dados e
a síntese dos dados; e Etapa III - apresentação e divulgação, que engloba a
realização do relatório e a transferência das evidências para a prática clínica
(CASTRO). A seguir é sumarizado um tutorial para a realização, passo a
passo, de todas as etapas de uma revisão sistemática, com ou sem metanálise,
de ensaios clínicos randomizados:

21.
Formulação da questão de pesquisa: a questão de pesquisa deve
ser formulada claramente desde o início e deve contemplar o acrônimo
PICOT, onde cada letra representa um componente da questão. Deve conter
a população ou situação clínica que será estudada (P – participante ou
problema), a intervenção de interesse (I – intervenção), a comparação de
interesse (C – comparador), o (s) desfecho (s) de interesse (O – outcome)
e o delineamento dos estudos que serão incluídos na revisão (T – tipo de
estudo) (AKOBENG, 2005; HIGGINS & GREEN, 2011)

374 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Exemplo de uma questão de pesquisa ampla:
O exercício é efetivo no tratamento da insuficiência cardíaca?

Exemplo de uma questão de pesquisa mais especifica, contemplando


os componentes do PICOT, ideal para uma revisão sistemática:

Em pacientes com insuficiência cardíaca, o exercício aeróbio


comparado a grupos controles sem intervenção é efetivo na melhora da
qualidade de vida, a partir da análise de ensaios clínicos randomizados?

Identificação da necessidade da revisão sistemática:


22
Ao se definir uma questão de pesquisa para a revisão sistemática,
deve ser realizada uma busca na literatura para identificar se essa questão
já foi respondida por alguma revisão prévia, ou caso já tenha sido, se foi
respondida adequadamente. Para isso, sugere-se a busca em três bases de
dados eletrônicas: no site oficial da Cochrane Library (http://
www.thecochranelibrary.com) ou na Biblioteca Cochrane disponível na
Biblioteca Virtual em Saúde – Bireme (http://evidences.bvsalud.org/);
no Centre for Reviews and Dissemination (CRD) da Universidade de York
(http://www.york.ac.uk/inst/crd/), ambas as bases especializadas em
revisões sistemáticas; e no MEDLINE (acesso gratuito via PubMed - http:/
/www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/). Além disso, para quem esta realizando
uma pesquisa na área da Fisioterapia, sugere-se a busca na base de dados
PEDro (http://www.pedro.org.au/) que também contém registro de
revisões sistemáticas, além de guidelines e ensaios clínicos randomizados.

O desafio da iniciação científica 375


23.
Preparação e desenvolvimento do projeto ou protocolo de
revisão sistemática:
Assim como em qualquer estudo primário, o protocolo de uma revisão
sistemática deve ser elaborado a priori e tem como objetivo registrar de
forma clara e transparente todo o processo que envolve a realização da
revisão, bem como definir as análises que serão realizadas. Isso é necessário,
pois minimiza o risco de erros sistemáticos ou vieses, introduzidos por
decisões que são influenciadas pelos achados (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2012).
O projeto ou protocolo descreve as etapas a serem realizadas na
revisão e deve conter preferencialmente os seguintes itens: resumo,
introdução e/ou revisão da literatura, justificativa para a realização da revisão
sistemática, objetivos, metodologia, cronograma, orçamento, referências
bibliográficas, e apêndices e/ou anexos. Todos esses itens são parecidos
com os projetos de pesquisa dos demais tipos de estudos, exceto a
metodologia. Na metodologia devem constar os seguintes subitens:
• tipo de estudo: tipo de revisão sistemática que será realizada;
• amostra: refere-se aos critérios de elegibilidade dos estudos que
serão incluídos e deve contemplar principalmente os componentes
do PICOT – paciente, intervenção, comparação, desfecho (s),
tipo de estudo que será incluído; além de outros possíveis critérios
de inclusão e exclusão como tempo de intervenção e tempo de
seguimento;
• amostragem: refere-se às fontes de busca dos estudos a serem
incluídos, a estratégia de busca que será utilizada para a busca, e
outros aspectos como período que será realizada a busca, será
haverá restrição de idioma na busca, e se haverá restrição quanto
ao estado da publicação (exemplo: se estudos pilotos serão
incluídos);
• seleção dos estudos: deve ser descrito como ocorrerá o processo
de seleção dos estudos;
• avaliação da qualidade metodológica: deve ser descrito qual
método ou abordagem será utilizado para a avaliação do risco de
viés;

376 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


• extração dos dados: descrever como será realizada a extração
dos dados, através de qual formulário, e quais variáveis serão
extraídas;
• análise dos dados: deve ser descrito como será realizada a análise
dos dados, se será qualitativa ou quantitativa, e se for o último
caso, quais métodos e modelos estatísticos serão utilizados.
Após a construção do projeto da revisão sistemática, sugere-se que
o mesmo seja cadastrado em um site de registro de revisões sistemáticas.
Nesse sentido, o PROSPERO (International Prospective Register of
Ongoing Systematic Reviews – disponível em http://www.crd.york.ac.uk/
PROSPERO/) é um novo banco internacional de registros de revisões
sistemáticas, ativo desde 22 de fevereiro de 2011, que pode ser utilizado
para esse fim (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012).

24.
Identificação dos estudos na literatura: após a realização dos
passos anteriores, deve ser realizada a busca na literatura pelos estudos
que contemplam a questão de pesquisa formulada. Para a localização desses
estudos, bases de dados eletrônicas são essenciais e úteis, mas, se apenas
essas são utilizadas, uma proporção substancial de estudos relevantes pode
não ser recuperada. Assim, a busca deve ser a mais completa, objetiva e
reprodutível possível, e por isso, é recomendado ampliar ao máximo as fontes
de busca. Dessa forma, sugere-se realizar a busca em bases eletrônicas de
dados para a recuperação de artigos publicados, além de busca por estudos
não publicados e estudos em andamento (HIGGINS & GREEN, 2011;
MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012). Abaixo, exemplos de fontes de busca
pelos estudos primários:

25
Busca em bases eletrônicas de dados publicados: são
consideradas bases essenciais que devem ser buscadas: MEDLINE
(livre acesso via PubMed - http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/),
EMBASE (acesso via assinatura - http://www.embase.com/login),
Cochrane Central (acesso pelo site oficial da Cochrane Library -
http://www.thecochranelibrary.com - ou livre acesso na Biblioteca

O desafio da iniciação científica 377


Cochrane disponível na Bireme - http://evidences.bvsalud.org/), e Lilacs
(http://lilacs.bvsalud.org/). Além disso, deve ser realizado busca em bases
de dados específicas da área de interesse. Por exemplo, quando a pesquisa
é realizada na área da Fisioterapia, a busca deve adicionar a base de dados
PEDro (livre acesso - http://www.pedro.org.au/). Também se sugere
buscar no Google Acadêmico (livre acesso - http://scholar.google.com.br/
?hl = pt-BR).

26.
Busca por estudos não publicados e em andamento: muitos
estudos são finalizados, mas não são publicados. As principais causas dessa
associação seriam resultados não significativos ou negativos. A identificação
destes estudos não é fácil (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012). Sugere-se
que a busca por esses estudos seja realizada em anais e resumos de
congressos através de busca manual, e em bancos de dissertações e teses.
Também pode ser realizada uma busca em bases de registro de ensaios
clínicos randomizados como o Clinical Trials (https://clinicaltrials.gov/) e o
Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (REBEC - http://
www.ensaiosclinicos.gov.br/). Nessas bases, podem ser encontrados os
estudos que estão em andamento e/ou os estudos finalizados que não foram
publicados. Além disso, também se sugere a busca manual na lista das
referências bibliográficas de revisões prévias sobre o assunto ou dos outros
ensaios clínicos incluídos na revisão. E por fim, deve ser realizado contato
com autores da área que esta sendo estudada.

27.
Para a busca é importante especificar claramente a estratégia de
busca adotada em cada base de dados, juntamente com os termos de busca
usados. São as definições dos termos apropriados de busca, que devem
priorizar mais a sensibilidade que a especificidade, que irão garantir o resgate
de toda a potencial evidência disponível. Dessa forma, o conhecimento dos
mecanismos de busca nas várias bases de dados se faz necessário, já que
diferem bastante entre si. A construção da estratégia de busca pode ser
feita considerando os componentes do acrônimo PICOT. Entretanto, sugere-
se não definir termos para o “O” de desfecho, para não atribuir uma
especificidade não desejada nesta etapa de recuperação dos artigos
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012).

378 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


28.
Definem-se, então os termos para os seguintes componentes do
PICOT: População, Intervenção e Tipo de estudo. Porém, para a busca do
tipo de estudo, no caso, ensaios clínicos randomizados, geralmente utiliza-
se uma estratégia de busca já validada (os chamados filtros de busca)
(HIGGINS & GREEN, 2011; ROBINSON & DICKERSIN, 2002). Os
resultados da busca devem então ser combinados utilizando os operadores
boleanos, principalmente o OR e o AND.

29.
Mas quais termos desses componentes devem ser utilizados? É
importante utilizar vocabulário controlado, que é o termo descritor do assunto,
já que a melhor estratégia de busca geralmente é obtida pela combinação
desses termos (SOUZA & RIBEIRO, 2009). O termo é específico de cada
base de dados: no MEDLINE e Cochrane Central chama-se MeSH
(Medical Subject Headings), no EMBASE chama-se EMTREE, e na Lilacs
chama-se DECs. Além disso, deve-se utilizar na busca também os descritores
não controlados como termos sinônimos dos termos controlados (no PubMed
são os entry terms que se encontram dentro da definição dos termos MeSH),
palavras textuais, variações de grafia, entre outros. Outro fato importante é
que não deve haver restrição de linguagem na busca para evitar o viés de
publicação.

30.
Abaixo é demonstrado um exemplo de passo a passo para a construção
de uma estratégia de busca e a estratégia de busca final utilizada na base
de dados PubMed para a seguinte questão de pesquisa: qual o efeito da
estimulação elétrica funcional comparada com exercício aeróbio ou grupo
controle (sem intervenção) sobre o consumo máximo de oxigênio, capacidade
funcional e força muscular em pacientes com insuficiência cardíaca, através
da análise de ensaios clínicos randomizados? (SBRUZZI et al, 2010).

31.
Primeiro, devem ser definidos quais componentes da questão de
pesquisa serão utilizados na busca. Nesse caso, utiliza-se a população, a

O desafio da iniciação científica 379


intervenção e o tipo de estudo que são: P – pacientes com insuficiência
cardíaca; I – estimulação elétrica; T – ensaio clínico randomizado. Deve-
se então definir os termos para esses componentes, lembrando que para o
tipo de estudo não é necessário essa definição, pois se utilizam filtros já
validados na literatura. Para a população e a intervenção, deve-se então
localizar primeiro seus vocabulários controlados e seus descritores não
controlados e depois uni-los com os termos boleanos. É importante destacar
que uma estratégia de busca completa utilizada em pelo menos uma das
bases de dados deve ser demonstrada no artigo (MOHER et al, 2009).
Abaixo, a estratégia de busca para essa questão de pesquisa utilizada
no Pubmed:

#1 “Heart Failure”[Mesh] OR “Heart Failure” OR TERMOS PARA A


“Cardiac Failure” OR “Heart Decompensation” POPULAÇÃO, todos
OR “Decompensation, Heart” OR “Heart ligados com o termo
Failure, Right-Sided” OR “Heart Failure, Right boleano OR
Sided” OR “Right-Sided Heart Failure” OR
“Right Sided Heart Failure” OR “Myocardial
Failure” OR “Congestive Heart Failure” OR
“Heart Failure, Congestive” OR “Heart Failure,
Left-Sided” OR “Heart Failure, Left Sided” OR
“Left-Sided Heart Failure” OR “Left Sided Heart
Failure”
#2 “Electric Stimulation”[Mesh] OR “Electric TERMOS PARA A
Stimulation” OR “Electrical Stimulation” OR INTERVENÇÃO,
“Electrical Stimulations” OR “Stimulation, todos ligados com o
Electrical” OR “Stimulations, Electrical” OR termo boleano OR
“Stimulation, Electric” OR “Electric
Stimulations” OR “Stimulations, Electric” OR
“Electric Stimulation Therapy”[Mesh] OR
“Electric Stimulation Therapy” OR “Electric
Stimulation Therapy” OR “Therapeutic Electric
Stimulation” OR “Electric Stimulation,
Therapeutic” OR “Stimulation, Therapeutic
Electric” OR “Therapy, Electric Stimulation” OR
“Stimulation Therapy, Electric” OR
“Electrotherapy” OR “Neuromuscular
electrical stimulation” OR “neuromuscular
electric stimulation” OR “Electrical muscle
stimulation”
#3 (randomized controlled trial[pt] OR controlled FILTRO PARA
clinical trial[pt] OR randomized controlled ESTUDOS
trials[mh] OR random allocation[mh] OR RANDOMIZADOS, já
double-blind method[mh] OR single-blind validado na literatura
method[mh] OR clinical trial[pt] OR clinical

380 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


trials[mh] OR (“clinical trial”[tw]) OR (singl*[tw]
OR doubl*[tw] OR trebl*[tw] OR tripl*[tw]) AND
(mask*[tw] OR blind*[tw]) OR
(“latinsquare”[tw]) OR placebos[mh] OR
placebo*[tw] ORrandom*[tw] OR research
design[mh:noexp] OR follow-up studies[mh]
OR prospective studies[mh] OR cross-over
studies[mh] OR control*[tw] OR
prospectiv*[tw] OR volunteer*[tw]) NOT
(animal[mh] NOT human[mh])
#4 #1 AND #2 AND #3 União do resultado
final (paciente,
intervenção, tipo de
estudo), todos
ligados com o termo
boleano AND

Fonte: Autoria própria.

32.
Após a realização da busca em todas as bases de dados, os resultados
das bases podem ser reunidos em um programa gerenciador de referências
bibliográficas, como o EndNote (https://www.myendnoteweb.com), para a
realização da próxima fase da revisão sistemática que é a seleção desses
estudos, para observar quais estudos realmente serão incluídos na revisão
sistemática, já que a busca de estudos em todas as fontes de dados gera um
número muito maior de artigos do que os que realmente serão elegíveis
pelos critérios estabelecidos. Isto ocorre porque a estratégia de busca é
elaborada preconizando a sensibilidade em detrimento à especificidade
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012).

33.
Seleção dos estudos: Para a seleção dos estudos, os critérios de
elegibilidade devem já estar definidos e devem ser claros e reprodutíveis a
fim de minimizar vieses de seleção. Idealmente, dois revisores devem realizar
a seleção dos estudos de forma independente e cegada (SAMPAIO &
MANCINI, 2007). A primeira fase de seleção dos estudos encontrados na
busca da literatura implica a avaliação detalhada dos títulos e resumos, para
determinar sua inclusão ou não. Nessa fase, ainda não é necessário a
concordância dos dois revisores. Na segunda fase, artigos duvidosos devem

O desafio da iniciação científica 381


ser lidos na íntegra para determinar sua inclusão ou exclusão definitiva da
revisão. Nessa fase, deve haver concordância entre os dois revisores e
deve ser explicado como será resolvida as discordâncias entre esses dois
revisores caso ocorra, o que geralmente é feita através de um consenso
entre ambos ou pela análise de um terceiro revisor (SOUZA & RIBEIRO,
2009). Ainda nessa etapa devem ser registrados os motivos de exclusão
dos estudos, se for o caso. Isso se faz necessário, pois nos resultados do
artigo, deve ser fornecido um fluxograma com todos os dados envolvendo o
processo de seleção dos estudos, incluindo as razões para exclusão na fase
da leitura do artigo completo (MOHER et al, 2009). Os autores dos artigos
primários podem ser contatados caso haja dúvidas a respeito dos estudos.

34.
Avaliação da qualidade metodológica ou risco de viés dos
estudos incluídos: a utilidade clínica de uma revisão sistemática depende
muito da qualidade metodológica dos estudos incluídos nela. Como os ensaios
clínicos randomizados são considerados o melhor método para avaliar a
eficácia de uma intervenção, o desenho do estudo, a condução e o relato
dos dados devem ser de alta qualidade (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2012).
Assim, existem métodos para avaliar a qualidade dos ensaios clínicos
incluídos dentro de uma revisão sistemática. Basicamente, a avaliação do
risco de viés pode ser realizada a partir de uma avaliação descritiva dos
componentes metodológicos ou através do uso de escalas.

35.
A avaliação descritiva dos componentes metodológicos é realizada
através da análise das principais características que definem um ensaio
clínico randomizado de boa qualidade, e são características sugeridas pela
Colaboração Cochrane (HIGGINS & GREEN, 2011): geração da alocação
aleatória e sigilo da alocação (avaliam a existência de viés de seleção nos
estudos incluídos), cegamento dos pacientes e do terapeuta (avaliam a
existência de viés de desenvolvimento), cegamento dos avaliadores dos
desfechos (avalia a existência de viés de aferição), descrição das perdas
de seguimento e análise por intenção de tratar (avaliam a existência de viés
de seguimento), e relato seletivo dos desfechos (avalia a existência de viés
de relato). Cada um desses itens avaliados deve ser assinalado como sim,
não, não informado ou não claro, e cada característica pode ser descrita

382 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


como apresentando alto, moderado ou baixo risco de viés (quanto mais alto
o risco de viés, mais baixa é a qualidade metodológica dos estudos incluídos).
Por exemplo, se em uma revisão sistemática todos os estudos incluídos
relatam como foi realizado o sigilo da alocação, essa revisão apresenta
baixo risco de viés para essa característica metodológica.

36.
Escalas também podem ser utilizadas para a avaliação do risco de
viés, como a escala de Jadad, PEDro, lista de Delphi, entre outras. Porém,
o uso de escalas para esse fim é explicitamente desencorajado pela
Colaboração Cochrane (HIGGINS & GREEN, 2011). Isso ocorre porque
as escalas oferecem uma simplicidade atraente, porém oferecem menor
transparência para os leitores da revisão. Além disso, as escalas possibilitam
o cálculo de uma pontuação para os estudos atribuindo pesos para cada
item da escala, mas a justificativa do peso de cada item é incerta (HIGGINS
& GREEN, 2011). Assim, caso seja utilizado escalas para avaliação da
qualidade, sugere-se que seja demonstrado todos os itens avaliados pela
escala e não somente o escore final da mesma. A avaliação do risco de viés
também deve ser realizada por dois investigadores de forma independente.

37.
Extração dos dados: a extração dos dados é sempre guiada por um
formulário padronizado, elaborado previamente pelos autores da revisão, e
também é realizada por dois revisores de forma independente. Geralmente
os dados extraídos dos artigos primários são: nome do estudo, ano de
publicação, desenho metodológico, número de sujeitos em cada grupo, sexo
e idade média dos grupos, características dos participantes, características
do protocolo de intervenção, período de intervenção e seguimento, grupos
de comparação, variáveis analisadas, resultados dos desfechos, além das
características metodológicas como descrito no item acima. Todos esses
dados podem ser apresentados em uma tabela que destaca as características
principais dos estudos incluídos, o que é obrigatório em uma revisão
sistemática (MOHER et al, 2009). Ainda, caso os autores realizem
metanálise e encontrem heterogeneidade estatística entre os estudos, essas
características podem auxiliar na explicação dessa heterogeneidade através
da realização de análises de sensibilidade. Os autores dos estudos incluídos
podem ser contatados caso haja alguma dúvida quanto a algum dado
apresentado.

O desafio da iniciação científica 383


38.
Síntese dos dados: como descrito no início do capítulo, a revisão
sistemática pode ser somente qualitativa, isto é, quando os resultados dos
estudos primários são sumarizados, mas não estatisticamente combinados;
e a revisão sistemática pode ser quantitativa, isto é, quando são utilizados
métodos estatísticos para combinar os resultados de dois ou mais estudos
primários. Em ambos os casos, a seção de resultados do artigo deve conter
um item com a descrição dos estudos incluídos, isto é, deve ser apresentado
um fluxograma com todos os dados da etapa de seleção dos estudos, desde
o número de artigos identificados em todas as bases de dados e buscas
adicionais, número de estudos duplicados (mesmo estudo encontrado em
mais de uma base de dados), número de estudos que passaram pela fase de
análise de título e resumos, número de estudos excluídos nessa fase, número
de estudos que passaram pela fase de análise do artigo completo, número
de estudos excluídos nessa fase e com os motivos das exclusões e número
de artigos incluídos na análise qualitativa e quantitativa, se for o caso
(MOHER et al, 2009).
Abaixo o modelo do fluxograma sugerido pelo PRISMA Statement:

Fonte: Tradução do fluxograma sugerido pelo PRISMA Statement. Versão original em inglês disponível em
http://www.prisma-statement.org/.

39.
384 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA
Ainda, a seção de resultados deve conter uma tabela com as principais
características dos estudos incluídos, conforme discutido no item extração
dos dados desse capítulo; e deve conter os resultados da avaliação do risco
de viés de cada estudo avaliado, conforme discutido no respectivo item
desse capítulo.

40.
Se os resultados forem combinados em uma metanálise, deve ser
apresentado o resultado da metanálise de cada desfecho avaliado. Ainda, é
importante determinar se isso foi razoável. Um julgamento clínico deve ser
feito se os estudos primários apresentam diferenças nas características da
população estudada, intervenções e comparações e desfechos avaliados. A
validade estatística da combinação dos resultados dos estudos incluídos deve
ser avaliada pela homogeneidade dos desfechos dos artigos. Caso os
resultados dos estudos primários diferirem em um ou mais aspectos, será
apropriado realizar uma análise qualitativa dos dados. Quando há
heterogeneidade estatística, isto é, quando os estudos primários apresentam
variância entre si, os autores devem tentar explicar as possíveis fontes de
heterogeneidade (AKOBENG, 2005; COOK, MULROW, HAYNES, 1997).

41.
Interpretação dos resultados e avaliação da validade externa
da revisão sistemática e/ou metanálise: profissionais da saúde sempre
devem fazer um julgamento sobre se os resultados encontrados em um
estudo são válidos para a nossa população em questão. Isto é, os resultados
devem ser interpretados dentro do contexto da questão de saúde atual.
Além disso, devem ser consideradas as limitações metodológicas dos estudos
incluídos na revisão e da própria revisão sistemática (AKOBENG, 2005;
COOK, MULROW, HAYNES, 1997). Assim, a discussão pode ser
organizada da seguinte forma:
• sumário da evidência: resumem-se os principais achados da
revisão sistemática em um parágrafo;
• discussão dos resultados encontrados: procura-se discutir os
resultados sem repetir os valores descritos anteriormente, levando
em consideração a qualidade metodológica dos estudos incluídos;
• pontos fortes e limitações da revisão sistemática: devem-se discutir
quais os pontos fortes que a revisão apresenta (por exemplo: busca
ampla na literatura utilizando inúmeras fontes de estudos) e as
limitações da mesma (por exemplo: inclusão somente de estudos

O desafio da iniciação científica 385


com baixa qualidade metodológica o que influenciará diretamente
os resultados da revisão sistemática, ou restrição de idioma que
poderá implicar em viés de publicação).
• comparação com outras revisões: caso existam outras revisões
sistemáticas sobre o mesmo assunto, devem-se comparar os
resultados apontando pontos fortes e limitações entre elas, e deve-
se descrever o que a nova revisão traz como novas contribuições.

Possíveis conclusões de uma revisão sistemática


42.
A conclusão responde diretamente ao objetivo da revisão sistemática
e podeser estruturada levando em consideração dois aspectos:
• implicações para a prática clínica: é importante relacionar os
achados da revisão com a aplicabilidade clínica da intervenção
para a população estudada;
• implicações para a pesquisa: deve-se avaliar se as conclusões
geradas pela revisão sistemática são suficientes (conclusivas) ou
insuficientes (inconclusivas). Nesse último caso, deve-se apontar
se há necessidade de novos ensaios clínicos randomizados com
maior número de pacientes e/ou melhor qualidade metodológica
para definir a questão de pesquisa. Abaixo, uma figura
demonstrando as possíveis conclusões de uma revisão sistemática
em relação às implicações para a pesquisa:

Fonte: Adaptado de: CASTRO, AA. Curso de revisão sistemática e metanálise da Unifesp Virtual.

386 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Rigor metodológico na construção de
uma revisão sistemática
43.
Para ajudar a melhorar a qualidade e a apresentação de uma revisão
sistemática e metanálise de ensaios clínicos randomizados, foi publicado
em 2009, o PRISMA statement (MOHER et al, 2009), que é uma atualização
do QUORUM statement (MOHER et al, 1999), onde pode ser encontrado
um checklist dos itens que devem estar especificados em uma revisão
sistemática e metanálise, tudo isso para produzir evidência de boa qualidade
que irá auxiliar na tomada prática de decisões clínicas.

Referências
AKOBENG, A.K. Understanding systematic reviews and meta-
analysis. Arch Dis Child, v. 90, n. 8, p.845-8, 2005.
CASTRO, A.A. Curso de revisão sistemática e metanálise da Unifesp
Virtual. Disponível em http://www.virtual.unifesp.br/home/
card.php?obj = 14. Acesso em 30 de novembro de 2014.
COOK, D.J., MULROW, C.D., HAYNES, R.B. Systematic reviews:
synthesis of best evidence for clinical decisions. Ann Intern Med,
v. 126, n. 5, p. 376-80, 1997.
COOK, D.J., SACKETT, D.L., SPITZER, W.O. Methodologic
guidelines for systematic reviews of randomized control trials in
health care from the Potsdam Consultation on Meta-Analysis. J
Clin Epidemiol, v. 48, n. 1, p. 167-71, 1995.
HIGGINS J, GREEN S. Cochrane Handbook for Systematic Review
of Interventions. 2011.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretária de Ciência, Tecnologia e Insumos
Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Diretrizes
metodológicas: elaboração de revisão sistemática e metanálise
de ensaios clínicos randomizados. Brasília: Editora do Ministério da
Saúde, 2012.
MOHER D., et al. Improving the quality of reports of meta-analyses
of randomised controlled trials: the QUOROM statement. Quality
of Reporting of Meta-analyses. Lancet, v. 354, n. 9193, p. 1896-900,
1999.

O desafio da iniciação científica 387


MOHER D., et al. Preferred reporting items for systematic reviews
and meta-analyses: the PRISMA statement. Physical Therapy, v.
89, n. 9, p. 873-80, 2009.
PLENTZ, R.D.M., et al. Inspiratory muscle training in patients with
heart failure: meta-analysis of randomized trials. Arq Bras Cardiol,
v. 99, n. 2, p. 762-71, 2012. SAMPAIO, R., MANCINI, M. Estudos de
revisão sistemática: um guia para síntese criteriosa da evidência
científica. Rev Bras Fisioter, v. 11, p. 83-89, 2007.
SBRUZZI, G., et al. Functional electrical stimulation in the treatment
of patients with chronic heart failure: a meta-analysis of
randomized controlled trials. Eur J Cardiovasc Prev Rehabil, v. 17,
p. 254-60, 2010.
SBRUZZI, G. et al. Intracoronary ultrasound-guided stenting improves
outcomes: a meta-analysis of randomized trials. Arq Bras Cardiol,
v. 98, p. 35-44, 2012.
SOUSA, M.R., RIBEIRO, A.L. Systematic review and meta-analysis
of diagnostic and prognostic studies: a tutorial. Arq Bras Cardiol,
v. 92, n. 3, p. 229-38, 2009.

388 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


23
Guia de Utilização do Endnote Web
Marcelo Cardoso da Silva

1.
Nos trabalhos acadêmicos, TCC’s, dissertações, teses e artigos
científicos, a revisão da literatura assume um papel importante, conforme
as orientações e instruções referidas nos capítulos oito e vinte e três desse
livro. Por isso, a necessidade de recorrermos a ferramentas que nos auxiliem
na busca, na gestão de referências bibliográficas e na criação de
bibliografias. Dessa forma, otimizando o tempo e facilitando a realização
dessa etapa do trabalho.

2.
Existem vários gerenciadores bibliográficos em versões pagas ou
gratuitas que propiciam o gerenciamento de suas referências. Com base
nas citações realizadas geram uma lista ao final do texto, por exemplo:
Mandeley - http://www.mendeley.com/download-mendeley-
desktop/; Jabref - http://sourceforge.net/projects/jabref/files/; Ref
Works - http://www.refworks.com/; Bibtex (Latex) - http://
www.bibtex.org/; Zotero - https://www.zotero.org/; More - http://
www.more.ufsc.br/; EndNote - http://endnote.com/; EndNote Web -
https://www.myendnoteweb.com/EndNoteWeb.html.

3.
Neste capitulo apresentaremos um guia de utilização do EndNote
Web. Escolhemos esse por ser um dos gerenciadores bibliográficos mais
utilizados, com conexões em diferentes base de dados, pela acessibilidade,
por disponibilizar inúmeros recursos sem ocupar espaço físico em seu
computador e por ser gratuito. O passo a passo será apresentado com
texto informativo e com figuras do software, referindo os comandos nos
cinco menus para pesquisa, organização e utilização de recursos.

4.
O EndNote é um gerenciador de referências bibliográficas
desenvolvido pela Thomson Reuters. O software permite armazenar e
organizar as referências encontradas nas buscas em diferentes bases de

O desafio da iniciação científica 389


dados, possibilitando a inclusão automática de citações e referências quando
da elaboração de um texto.

5.
O EndNote Web está disponibilizado gratuitamente para os usuários
na plataforma da ISI Web of Knowledge: https://www.myendnoteweb
.com/EndNoteWeb.html?returnCode = ROUTER.Unauthorized
&SrcApp = CR&Init = Yes ou acessando a pag. na internet https://
www.myendnoteweb.com/EndNoteWeb.html.
Essa ferramenta on-line auxilia no trabalho de importação,
armazenamento e organização das referências em pastas, no gerenciamento
da bibliografia em diferentes formatos e na inserção de citações referenciadas
no texto. Possibilitando, também, compartilhar sua bibliografia com outros
usuários do EndNote.
Veremos a seguir como operacionalizar as principais funcionalidades
do software que são:
• Coleta de registros
• Armazenamento e gerenciamento de referências
• Geração de citações e referências
• Compartilhamento das referências
O primeiro passo é acessar a pag. a seguir para realizar o seu cadastro
https://www.myendnoteweb.com/EndNoteWeb.html, observe as figuras
que se seguem.

390 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Digite seu e-mail e confirme, depois continue.

Agora registre seus dados, selecione uma opção Opt in/Opt out e
depois clique em Agree, conforme figura abaixo.

O desafio da iniciação científica 391


Importante, considerar as recomendações no momento de criar a
senha (password). Deve conter letras e símbolos, exemplo: MCC205@
Após o registro você já poderá criar as suas referências bibliográficas,
mas primeiro vamos verificar quais são as funções de cada menu do EndNote
Web para tirar proveito dos recursos do software.

8.
A primeira ferramenta do menu denominada “Minhas referências”
vai subdividir-se em pesquisa rápida, para fazer buscas em registros salvos;
Minhas referências, apresenta o número total de referências, agrupadas,
temporárias e lixeira; Meus grupos, exibe as pastas criadas com as
bibliografias que você ordena por tema, objetivo ou conteúdo pesquisado.

9.
A segunda ferramenta do menu denominada “Coletar”, subdividir-
se em pesquisa on-line, este tem a função de pesquisar nas bases de
dados; Nova referência, fazer uma referência manualmente; Importar
referência, importar referência de outras base de dados.

10.
A terceira ferramenta do menu denominada “Organizar”, subdividir-
se em organizar meus grupos, permite criar, excluir ou renomear grupos
de registros salvos, a fim de facilitar a organização das suas referências;
Grupos de outros, grupos de registros compartilhado por outros usuários
do EndNote Web; Encontrar duplicações, detectar e excluir registros
duplicados; Gerenciar anexos, verificar os anexos incluídos e espaço
disponível.

392 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


11.
A quarta ferramenta do menu denominada “Formato”, subdividir-se
em bibliografia, permite selecionar um grupo de registros para gerar a
lista de referências; Plug-in do Cite While You Write, para baixar a
barra de ferramentas do EndNote Web no Word; Formatar artigo, para
definir o formato da bibliografia no artigo; Exportar referências, exportar
registros para outros programas de gerenciamento bibliográfico.

12.
A quinta ferramenta do menu denominada “Opções”, subdividir-se
em senha, permite alterar senha; Endereço de e-mail, permite alterar
endereço de e-mail; Informações do perfil, alterar informações do perfil;
Idioma, definir o idioma; Download dos instaladores, para instalar o
captura de referência; informações de conta traz informações da sua
conta e prazo espirar a senha.

13.
Agora vamos começar a explorar as funções de cada ferramenta,
com ilustrações e orientações, para que você possa construir as suas
referências bibliográficas.
O primeiro passo é buscar referência, ir ao menu coletar e em seguida
clicar na pesquisa on-line. No quadro acima do conectar selecione uma
base de dados (exemplo: Pub Med (NLM) ou na conexão de catalogo de
biblioteca. Após selecionar é só clicar em conectar conforme figura que se
segue:

O desafio da iniciação científica 393


Você também pode criar nos meus favoritos uma lista das bases de
dados de sua preferência.
Selecionar os campos de pesquisa, os mais comuns são: autor, título,
palavras-chave, resumo etc. Combinar os campos usando os operadores
booleanos: and, or, not. Clicar em pesquisar para efetuar a pesquisa, conforme
figura abaixo.

Observação: não são todas as bases de dados que o acesso é


disponibilizado para pesquisa, mesmo dentro da Universidade.

14.
Para verificar o resultado de pesquisa clicar em recuperar conforme
indicação na ilustração que se segue:

O EndNote apresentará uma tela mostrando os resultados obtidos na


pesquisa. Clicando sobre o titulo do artigo poderá visualizar o registro
completo.

394 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


15.
Para criar um grupo de registros bibliográficos selecione os registros
desejados clicando na caixa ao lado do título do artigo, depois clicar em
adicionar um grupo e selecione a opção adicionar ao novo grupo, conforme
instruções nas figuras seguintes.

Ao clicar em Novo grupo, abrirá uma janela para inserir o nome do


grupo, dê um nome para os registros selecionados na sua pesquisa.

O desafio da iniciação científica 395


16.
Os novos grupos criados e os registros salvos podem ser visualizados
no menu Minhas referências. Para editar o registro ou fazer alterações
no título ou acrescenta informações vá ao menu Organizar, em organizar
meus grupos.
Também é possível saber se você tem outros artigos do mesmo autor
basta clicar em cima do nome de um autor específico e o EndNote Web
fará uma pesquisa desse autor em todos os seus registros salvos.
Se você tem uma referencia que não consta nas bases de dados e
você quer incluir nas suas referências bibliográficas, no menu Coletar,
clicando na ferramenta nova referência você poderá inseri-la manualmente,
escolhas o tipo e preencha os dados do formulário.

396 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


17.
Para importar referências de outras bases de dados recorra ao menu
Coletar, clicando na ferramenta importar referências, você poderá
importar da biblioteca virtual de saúde, no site http://regional.bvsalud.org/
php/index.php.
Importe referências que estão no formato RIS, preencha os campos
de pesquisa conforme instruções nas figuras seguintes.

O desafio da iniciação científica 397


Retorne ao EndNote Web e no menu menu Coletar, clicando na
ferramenta importar referências selecione o arquivo que foi salvo em
seu PC. Veja as instruções na figura abaixo.

398 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


18.
Importando referências pelo Google acadêmico, siga as instruções
nas figuras abaixo.

Faça a pesquisa no Google acadêmico, selecione as referências e


importe.

O desafio da iniciação científica 399


Retorne ao EndNote Web e no menu menu Coletar, clicando na
ferramenta importar referências selecione o arquivo que foi salvo em
seu PC. Veja as instruções na figura abaixo.

Importando referências da base de dados da PubMed

400 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Retorne ao EndNote Web e no menu menu Coletar, clicando na
ferramenta importar referências selecione o arquivo que foi salvo em
seu PC. Veja as instruções na figura abaixo.

19.
Compartilhando pastas para outros usuários do EndNote Web. No
menu “Organizar”, na ferramenta Meus grupos, selecione a pasta para
compartilhar, conforme instruções na figura a baixo.

O desafio da iniciação científica 401


20.
Gerenciando anexos, o EndNote Web disponibiliza 2 GB de espaço
para armazenar anexos em formatos PDF e JPEG. Para visualizar, excluir
ou inserir siga as instruções na figura que se segue.

402 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


21.
Para definir o formato de sua bibliografia para ser encaminhada a
outros pesquisadores que não tenham o EndNote Web. No menu Formato,
clicando na ferramenta Bibliografia para selecionar a pasta e definir o
estilo bibliográfico para encaminhar. Observe as indicações na figura abaixo.

22.
Para inserir referências bibliográficas no Word e formatar citações
automaticamente é necessário instalar o Plug-in do Cite While You Write.
No menu “Formato”, clicar em Plug-in do Cite While You Write, para
baixar a barra de ferramentas do EndNote Web no Word. Verifique como
proceder nas ilustrações abaixo.

O desafio da iniciação científica 403


Após a instalação uma barra será inserida no processador de texto,
os comandos são:

404 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


23.
Para incluir uma referência no texto do Word clique no EndNote no
menu do Word e em seguida será solicitado o e-mail e senha (password).

Após efetuar o loguin clicar em no barra de


ferramentas do EndNote no Word para definir o autor ou palavra chave e
encontrar em sua bibliografia do EndNote Web a referência bibliográfica
que deseja inserir no texto. Verifique as informações nas figuras seguintes.

O desafio da iniciação científica 405


406 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA
24.
Para editar citações e referência siga as instruções na figura abaixo.

Importante à realização de um procedimento após a finalização do


trabalho, tese, dissertação ou artigo, para corrigir possíveis erros. O
procedimento é de converter o documento em texto, para criar um novo
documento sem códigos do EndNote Web. Isso pode ser realizado da
seguinte forma: no menu do EndNote no Word clicando no convert Citations
and Bibliography abrirá uma caixa com outras opções. Você deve clicar
em Convert to Plain Text.

A recomendação é de que tenha o trabalho salvo nas duas formas,


com os códigos do EndNote e na versão apenas de texto, isso evitará erros
de configuração e formatação ou alterações na impressão do trabalho final.

O desafio da iniciação científica 407


25.
Outro recurso que o EndNote Web oferece é a ferramenta de
Capture Reference, ela permite otimizar a transferência do resultado das
buscas nas bases de dados, revistas, jornais e livros on-line, realizando a
referenciando a origem de onde foi extraído a matéria, o conteúdo ou imagem.
O software possibilita a instalação de um botão de captura na barra de
favoritos dos navegadores. Para usuários do “Mozilla Firefox” o botão é
criado com a instalação do “Firefox Extension”, siga as orientações abaixo.

No Firefox ao acessar a web e escolher uma matéria ou conteúdo


para incluir em sua bibliografia basta realizar os procedimento descritos na
figura abaixo.

408 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


A referência bibliográfica aparecerá da seguinte forma na sua base
bibliográfica no EndNote Web, para posteriormente ser inserida em seu texto.

26.
Por fim algumas informações de como salvar resultados de buscas
efetuadas diretamente em outras bases de dados que não foram apresentadas
anteriormente.
• Na Web of Science:
Selecionar as referências de interesse e exportar o resultado
diretamente para o EndNote Web.
• Nas Bases CSA (ProQuest):
Selecionar as referências de interesse e clicar em exportar/salvar,
selecionar EndNote, continuar abrindo uma janela para inserir o
login e senha do EndNote Web, os registros serão enviados
automaticamente para suas referências.
• Nas Bases Ovid:
Selecionar as referências de interesse e clicar em export, abrindo
uma janela para selecionar EndNote na opção export to. Em select
fields to display selecionar a opção copmplete reference, após
clicar em export citations, abrirá uma janela para inserir o login e
senha do EndNote Web, os registros serão enviados
automaticamente para suas referências.

O desafio da iniciação científica 409


• Nas Bases SCOPUS:
Selecionar as referências de interesse e clicar em export. Em
export format selecionar a opção RIS format (Reference Manager,
ProCite, EndNote). Em Output selecionar opção complet format,
depois é clicar em export e salvar arquivo.
• No Portal de Periódicos da CAPES:
Após efetuar a busca clicar em detalhes (abaixo de cada registro)
clicar em enviar para e selecionar EndNote. Os registros serão
enviados automaticamente para suas referências.
• Nas bases IEEE:
Selecionar as referências de interesse e clicar em download
citations e após selecionar a opção EndNote. Clicando no download
citations abrirá uma janela para inserir o login e senha do EndNote
Web, os registros serão enviados automaticamente para suas
referências.

Mais informações você poderá encontrar nas referências a seguir:


EndNote Web
https://www.myendnoteweb.com/
EndNote Quick Reference Card – Thomson Reuters (em português):
http://science.thomsonreuters.com/m/pdfs/mgr/portugueseenw.pdf
Manual EndNote Web – SIBI/USP:
http://www.bvs-sp.fsp.usp.br:8080/image/pt/internas/manuais/
endnoteweb.pdf
Help do EndNote Web (em inglês):
http://www.myendnoteweb.com/help/en_us/ENW/help.htm
Guia do Usuário EndNote Desktop – NUPAD/UFMG:
http://www.medicina.ufmg.br/nupad/apostila.pdf
http://www.ufrgs.br/bibliotecas/ferramentas-de-producao/
gerenciadores-de-referências/
SABI/UFRGS - EndNote Web
http://multimidia.ufrgs.br/conteudo/documenta/videos_sabi_20/
sabi_web/formato_endnote.htm
Biblioteca de Ciências e Tecnologia da UFRGS
http://www.ufrgs.br/bibicta/imagens/endnoteweb/view
Guia de uso do EndNote Web http://www.ufrgs.br/super6/?p = 532
Biblioteca FAMED/HCPA UFRGS

410 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


h t t p : / / w w w. u f r g s . b r / b i b m e d / p e s q u i s a / n o r m a s - t e c n i c a s /
gerenciadores-de-referências
Biblioteca da ESEF/UFRGS, http://www.ufrgs.br/bibesef; Treinamentos
e orientações de como fazer referências bibliográficas no MORE e no
EndNote Web;https://docs.google.com/forms/d/18bt6YUcsYhI7yb
YZH7yW3rP8Pn61n26aEEsgOQh_8nY/viewform?formkey =
dEc5ZXptWnBpaTUtcVBkbFIwSkxpRlE6MQ&hl = en_US#gid
=0

O desafio da iniciação científica 411


24
Aspectos Éticos da Pesquisa Científica
com Seres Humanos
Alberto Reinaldo Reppold Filho

1.
O avanço da investigação científica tem colocado os pesquisadores
e a sociedade em geral frente a dilemas éticos de difícil solução. São comuns
as denúncias de desrespeito à integridade, aos valores e à dignidade dos
sujeitos da pesquisa. Disputas pela autoria e propriedade intelectual tornaram-
se correntes nos meios acadêmicos. As acusações de falsificação e
fabricação de resultados, de plágio e de outras condutas inaceitáveis do
ponto de vista da ética científica também estão na ordem do dia.

2.
Além disso, aspectos econômicos e comerciais têm interferido cada
vez mais nos rumos da pesquisa científica, gerando muitas vezes conflitos
de interesse entre pesquisador e patrocinador do estudo. A destinação de
recursos públicos vem exigindo das agências financiadoras uma maior
atenção quanto à relevância social das pesquisas. São frequentes também
os debates a respeito do financiamento público de pesquisas cujos resultados
dirigem-se mais diretamente aos interesses privados. Aumentaram as
pressões para que os cientistas, sejam das ciências biológicas e da saúde ou
das ciências humanas e sociais, dediquem-se a investigar e solucionar
problemas que de fato contribuam para a felicidade e o bem-estar das
pessoas.

3.
Com isso, os aspectos éticos da pesquisa assumem em nossos dias
substancial importância. Na prática científica, os pesquisadores se defrontam
com esses dilemas e espera-se que sejam capazes de julgar, tomar decisões
e agir de acordo com princípios e valores eticamente justificáveis. Em outras
palavras, o pesquisador como agente moral deve estar em condições de
fazer suas escolhas e justificá-las com base em princípios e valores que

O desafio da iniciação científica 413


estejam além dos seus interesses pessoais. Pensar eticamente pressupõe,
com afirma Singer (1998, p. 21), considerar os interesses de todos que
serão afetados pelas nossas decisões.

4.
A Ética em Pesquisa surge, assim, da necessidade de examinar e
oferecer respostas a problemas éticos relacionados à pesquisa científica.
Trata-se de uma área de estudo que tem como foco principal a conduta dos
pesquisadores no fazer científico. Dall‘Agnol (2004, p.16) define a ética
como “uma reflexão filosófica sobre a moralidade”, sendo a moral o “conjunto
de costumes, modos de ser, regras, etc. que guiam o comportamento humano
na busca do bem.” Para o autor, a “ética trata da justificação de nossas
crenças morais”. Assim, enquanto área de conhecimento, a Ética em
Pesquisa procura responder as seguintes questões: Podemos justificar (e
de que modo) nossas crenças morais no âmbito das pesquisas que
realizamos? Existem limites éticos à pesquisa científica? Se existem, quais
são esses limites? Quais princípios éticos devem orientar a prática científica?
Por que devemos seguir tais princípios e não outros? Evidentemente, estas
questões se desdobram em outras, constituindo um quadro complexo de
indagações sobre as relações da ética com a ciência.

5.
Como a Ética em Pesquisa compreende temas diversos, nesse
capítulo focalizamos apenas àqueles que consideramos mais relevantes para
à formação inicial do pesquisador. Inicialmente, apresentamos uma visão
retrospectiva da pesquisa envolvendo seres humanos, destacando os casos
que marcaram mais diretamente os rumos da ética em pesquisa para, em
seguida, apontarmos os principais documentos internacionais orientadores
da pesquisa envolvendo seres humanos. A seguir, fazemos uma exposição
dos quatro princípios básicos – autonomia, não-maleficência, beneficência
e justiça –, que fundamentam as discussões sobre a ética em pesquisa em
vários países. Como veremos, esses princípios fornecem a base para a
regulamentação das pesquisas com seres humanos em vigor no Brasil. Na
parte final, tratamos do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
documento considerado imprescindível para que a pesquisa se desenvolva
em bases éticas.

414 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Visão Retrospectiva da Pesquisa com Seres Humano
6.
Um rápido olhar sobre os caminhos percorridos pela ciência até nossos
dias é suficiente para evidenciar que a pesquisa envolvendo seres humanos
não é um fato recente. Em realidade, tem ocorrido ao longo da história em
diferentes tempos e lugares.

7.
Os registros documentais mais recentes de pesquisas envolvendo
seres humanos podem ser traçados até segunda metade do século XVIII.
Na época, médicos testavam vacinas em si mesmos, em familiares, em
pessoas conhecidas e escravos. O cientista inglês Edward Jenner, por
exemplo, ficou famoso por ter desenvolvido a vacina contra a varíola. Ele
realizou um experimento no qual inoculou o vírus da varíola bovina (uma
forma mais branda do vírus) em um menino saudável de oito anos, filho do
seu jardineiro. O menino contraiu a doença e, após alguns dias de febre
baixa, frio e falta de apetite, estava recuperado. No mês seguinte, Jenner
inoculou-o com o vírus da varíola humana (forma mais violenta do vírus).
Por ter desenvolvido imunidade, a partir do contágio com a forma mais
branda do vírus, o menino não contraiu a varíola humana. Experimentos
desse tipo eram seguidamente realizados sem que os sujeitos envolvidos
soubessem dos riscos que estavam correndo.

8.
No início do século passado não eram permitidos experimentos
envolvendo o uso de novas drogas e procedimentos com pacientes, sem
que antes se mostrassem seguros em pesquisas realizadas com animais. A
participação voluntária de pessoas saudáveis era aceita, mas exigia
conhecimento das circunstâncias e consentimento do participante. Apesar
das condições e restrições impostas, experimentos questionáveis do ponto
de vista ético, relacionados à etiologia, diagnose e prevenção de doenças
como sífilis, febre amarela, tifo e herpes, foram conduzidos na época com
crianças, prisioneiros, soldados e doentes mentais. Loue (2002, p. 1) .

O desafio da iniciação científica 415


9.
Durante o século XX, vários episódios marcaram negativamente a
história da pesquisa científica envolvendo seres humanos. Os mais
conhecidos foram os estudos levados a efeito por cientistas alemães sob o
domínio do nazismo. Na Segunda Guerra Mundial, os experimentos
realizados, em especial nos campos de concentração, provocaram
sofrimento, humilhação e morte a milhares de seres humanos.

10.
Outro caso que abalou a opinião pública e a comunidade científica
ocorreu nos Estados Unidos e ficou conhecido como o Experimento de
Tuskegee. A pesquisa, promovida pelo Serviço de Saúde Pública dos Estados
Unidos, durou 40 anos, de 1932 a 1972. O experimento envolveu seiscentos
negros norte-americanos de uma comunidade pobre do Alabama, sendo
parte deles portadores e parte não portadores de sífilis. O estudo foi
conduzido sem que os pacientes soubessem dos seus verdadeiros propósitos.
Os pesquisadores informaram aos participantes que eles receberiam
tratamento para sangue ruim, expressão usada pela comunidade local para
designar várias doenças, entre elas anemia, fadiga e sífilis. Entretanto, a
pesquisa havia sido desenvolvida para registrar a evolução natural da sífilis
e já se sabia de antemão que os participantes não receberiam tratamento
para a doença. O caso tomou dimensão ainda maior por não ter sido
oferecido tratamento aos participantes do estudo mesmo quando, na metade
da década de 1940, a penicilina ter se tornado uma alternativa viável para a
cura da sífilis. Na verdade, os sujeitos da pesquisa foram enganados sobre
os objetivos do experimento, não estando dessa maneira em condições de
fornecer o seu consentimento livre e esclarecido. Da mesma forma, nunca
lhes foi oferecida a possibilidade de encerrarem a participação no estudo,
mesmo quando já havia tratamento para a doença. Os efeitos negativos do
experimento são ainda hoje sentidos. Existem correntemente filhos e netos
dos pacientes envolvidos na pesquisa recebendo benefícios médicos e de
saúde. (UNITED STATES OF AMERICA, 2009)

416 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Documentos internacionais orientadores da pesquisa com
seres humanos
11.
Os casos mencionados e outros ocorridos ao longo do século XX
tiveram um enorme impacto na comunidade científica, fornecendo o ímpeto
inicial para o desenvolvimento de documentos internacionais para a pesquisa
envolvendo seres humanos. Diretrizes e normas orientadoras foram
elaboradas com o intuito de salvaguardar o bem-estar dos sujeitos das
pesquisas. Destacamos aqui três destes documentos:

12.
O Código de Nurembergue, documento resultante do julgamento,
em 1947, dos crimes de guerra cometidos por cientistas ligados ao nazismo,
representa um marco nessa direção. O documento forneceu novos padrões
de conduta, fundados na cultura dos direitos humanos, para a pesquisa
científica no período do pós-guerra. O Código apresenta dez princípios,
entre eles: o consentimento voluntário para participar da pesquisa e o direito
de encerrar a participação em qualquer momento. Estabelece também que
os riscos envolvidos devem ser pesados em relação aos benefícios esperados.

13.
Outro episódio marcante para a ética em pesquisa ocorreu em 1964,
quando a Associação Médica Mundial adotou a Declaração de Helsinque.
O documento desenvolve os princípios originalmente estabelecidos no
Código de Nurembergue. Embora elaborada por uma organização médica,
a Declaração não se dirigia apenas aos pesquisadores desta especialidade,
mas à área da saúde em geral, e teve grande repercussão na comunidade
científica mundial. Com o intuito de acompanhar os desafios colocados pela
investigação científica, a Declaração de Helsinque passou, desde então,
por várias revisões, tendo a última ocorrido em 2013. Entre outras
contribuições importantes, a Declaração introduziu a possibilidade de obter
o consentimento informado por meio de representante legal, toda vez que o
sujeito da pesquisa não estiver em plenas condições de fazê-lo. Além disso,
estabeleceu a necessidade dos protocolos de pesquisa serem encaminhados
à consideração de comitês independentes, cuja tarefa principal é avaliar os
aspectos éticos da pesquisa. Como veremos mais a frente, tal recomendação

O desafio da iniciação científica 417


foi incorporada às normas brasileiras da ética em pesquisa com a constituição
do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa e dos Comitês de Ética em
Pesquisa (Sistema CEP/CONEP).

14.
Outro documento que merece destaque é o Relatório Belmont,
publicado em 1978. Desenvolvido originalmente para atender as
preocupações do governo norte-americano com os princípios orientadores
da pesquisa envolvendo seres humanos no país, acabou influenciando os
rumos da pesquisa em escala internacional. A comissão responsável pela
elaboração do documento tinha por compromisso garantir o cuidado e os
interesses das populações vulneráveis (crianças, pessoas com deficiências
mentais, presidiários, etc.).

Princípios Orientadores da Ética em Pesquisa


O Relatório Belmont apresentou três princípios básicos orientadores
da ética em pesquisa:
• Respeito pelas pessoas (a autonomia dos sujeitos de pesquisa deve
ser respeitada, para que possam tomar decisões com liberdade e
de acordo com seus valores);
• Beneficência (o bem-estar dos sujeitos da pesquisa deve ser
maximizado e o dano prevenido);
• Justiça (os sujeitos da pesquisa devem ser tratados com equidade,
sendo-lhes garantida a igual distribuição de riscos e benefícios).

15.
Em 1979, os princípios apresentados no Relatório Belmont foram
sistematizados e reformulados por Beauchamp e Childress. No livro
Principles of Biomedical Ethics (Princípios de Ética Biomédica), os autores
argumentam em favor de quatro princípios básicos: respeito à autonomia,
não-maleficência, beneficência e justiça. Na obra, o princípio da não-
maleficência, inicialmente contido no princípio da beneficência, recebe
tratamento diferenciado. Assim, há uma distinção entre ambos. O primeiro
refere-se a não causar danos aos outros, o segundo, a fazer-lhes o bem. Os
quatro princípios propostos por Beauchamp e Childress formam a base do
Principialismo, a abordagem predominante para as reflexões sobre os
problemas éticos na pesquisa envolvendo seres humanos.

418 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


Ética em Pesquisa com Seres Humanos no Brasil
16.
No Brasil, a regulamentação da pesquisa com humanos tem início no
final da década de 1980, com a aprovação da Resolução 01/1988 do Conselho
Nacional de Saúde. Elaborada com base nos documentos internacionais já
citados, apresenta normas para a pesquisa na área da saúde. A normatização
não se dirige apenas aos estudos em seres humanos, inclui também em
animais e outros seres vivos. Existe uma preocupação especial com a
pesquisa envolvendo menores de idade, indivíduos sem condições de dar
consentimento e mulheres em idade fértil e grávidas. Para fins desse estudo,
cabe destacar que a Resolução está orientada para as ciências da saúde,
não se aplicando assim as pesquisas realizadas nas áreas das ciências
humanas e sociais. O documento é claro nesse sentido, ao afirmar que as
pesquisas em saúde devem ser realizadas por profissionais da área. De
acordo com a Resolução, são considerados profissionais de saúde: médicos,
odontológos, farmacêuticos, biólogos, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas,
fonoaudiólogos, fisioterapêutas e médicos-veterinários. Esse aspecto da
regulamentação então em vigor é interessante por evidenciar que não havia
necessidade dos pesquisadores de outras áreas, entre elas as ciências
humanas e sociais, submeterem seus estudos aos Comitês de Ética.

17.
Nos anos de 1990, a Resolução 01/1988 foi substituída pela Resolução
196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Considerada um marco na ética
em pesquisa no país, essa regulamentação encontra-se em vigor até 2012.
Assim como a anterior, ela fundamenta-se nas principais declarações e
diretrizes internacionais para pesquisa envolvendo seres humanos,
incorporando os quatro referenciais básicos da ética em pesquisa: respeito
à autonomia, não-maleficência, beneficência e justiça.

18.
A Resolução CNS 196/96 cria no país um sistema de avaliação ética
para a pesquisa com seres humanos, o Sistema CEP/CONEP, composto
pelos Comitês de Ética em Pesquisa (CEPs) e pela Comissão Nacional de
Ética em Pesquisa (CONEP). De acordo com a Resolução, as instituições
que realizam pesquisa envolvendo seres humanos devem constituir um ou

O desafio da iniciação científica 419


mais Comitês de Ética em Pesquisa. Estabelece também que toda a pesquisa
envolvendo seres humanos deve ser submetida à apreciação de um CEP,
cuja função primordial é “defender os interesses dos sujeitos da pesquisa
em sua integridade e dignidade e para contribuir no desenvolvimento da
pesquisa dentro de padrões éticos.” Os CEPs são órgãos colegiados de
caráter consultivo, deliberativo e educativo. Sua composição é
interdisciplinar, incluindo profissionais da área da saúde, das ciências exatas
e das ciências humanas e sociais. Fazem parte também um ou mais membros
da sociedade, representando os usuários da instituição a que o CEP está
vinculado.

19.
A Resolução estabelece que a pesquisa envolvendo seres humanos
se processe somente após consentimento livre e esclarecido do sujeito da
pesquisa e/ou de seu representante legal, no caso de indivíduos em situação
de vulnerabilidade ou legalmente incapazes. Existem também exigências
quanto à confidencialidade, privacidade proteção da imagem e não
estigmatização dos pesquisados, sejam indivíduos ou coletividades. Nesse
sentido, a regulamentação brasileira preocupa-se em estabelecer exigências
para que o pesquisador respeite a cultura, os costumes e os valores das
pessoas e comunidades estudadas.

20.
Em 2012, o Conselho Nacional de Saúde emitiu a Resolução Nº 466,
com o intuito de melhor atender às exigências atuais da ética em pesquisa
com seres humanos. Esta Resolução revogou as anteriores que tratavam
assunto e tornou-se o documento orientador para os pesquisadores
brasileiros.
É importante referir que o documento adota um conjunto de termos e
definições, que necessitam ser claramente entendidos e empregados no
âmbito da pesquisa envolvendo seres humanos. Para exemplificar,
apresentamos abaixo alguns termos utilizados nesse capítulo, cujo significado
segue o estabelecido na Resolução:
• “Pesquisa Envolvendo Seres Humanos – pesquisa que, individual
ou coletivamente, tenha como participante o ser humano, em sua
totalidade ou partes dele, e o envolva de forma direta ou indireta,
incluindo o manejo de seus dados, informações ou materiais
biológico;”

420 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


• “Risco da pesquisa - possibilidade de danos à dimensão física,
psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual do ser
humano, em qualquer pesquisa e dela decorrente;”
• “Vulnerabilidade - estado de pessoas ou grupos que, por quaisquer
razões ou motivos, tenham a sua capacidade de autodeterminação
reduzida ou impedida, ou de qualquer forma estejam impedidos de
opor resistência, sobretudo no que se refere ao consentimento
livre e esclarecido.”

21.
A legislação brasileira sobre ética em pesquisa identifica-se assim
com as preocupações internacionais de garantir os direitos e o bem-estar
dos sujeitos de pesquisa, evitando que a prática científica lhes coloque em
risco ou provoque danos. É importante lembrar que a partir da aprovação
da Resolução CNS 196/96, todas as pesquisas envolvendo seres humanos
e não apenas as da área da saúde, devem ser encaminhadas para avaliação
do ponto de vista ético.

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido


22.
O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) é uma
exigência para a avaliação de projetos de pesquisa pelos Comitês de Ética.
Desta forma, todo pesquisador que realiza estudos com indivíduos ou
comunidades deve estar ciente da necessidade do TCLE e saber elaborá-
lo. Apresentamos a seguir algumas das características essenciais desse
documento.

23.
Inicialmente, destacamos que TCLE tem por objetivo garantir a
autonomia do sujeito de pesquisa, permitindo-lhe que de maneira livre e
esclarecida possa decidir a respeito da participação ou não no estudo. Para
que esse objetivo seja atingido, é necessário que o esclarecimento seja feito
em linguagem acessível aos sujeitos da pesquisa. Assim, quando da
elaboração do Termo de Consentimento, devemos considerar o nível
educacional, a área profissional, a cultura lingüística, etc., das pessoas e
comunidades a quem o documento está sendo dirigido. Nesse sentido,
recomendamos evitar a linguagem técnica e dar ênfase às expressões de
uso comum.

O desafio da iniciação científica 421


24.
Além disso, devemos realizar o máximo esforço para que os
participantes tenham uma clara compreensão das razões e dos objetivos do
estudo e dos procedimentos que serão utilizados. Os riscos e desconfortos
precisam ser claramente apresentados, bem como os benefícios esperados.
É importante que os participantes estejam cientes de que podem buscar
esclarecimentos com o pesquisador antes e durante a pesquisa e de que
podem se recusar a participar ou retirar o consentimento em qualquer etapa
da mesma, não sendo, por isso, prejudicados ou penalizados. O TCLE
evidencia ainda que o pesquisador tem o dever de garantir a confidencialidade
dos envolvidos na pesquisa e de assegurar a sua privacidade.

25.
Por fim, o TCLE deve conter informações referentes: a) ao
pesquisador responsável (nome e telefone/email para contato) e ao CEP
(telefone e/ou email para contato) que referendou a pesquisa; b) à forma
de ressarcimento, quando houver, das despesas decorrentes da participação
na pesquisa; c) à forma de acompanhamento e assistência prestada aos
sujeitos do estudo; d) à forma de indenização em caso de eventuais danos
decorrentes da pesquisa.

26.
Depois de elaborado, o documento precisa ser aprovado pelo CEP.
Quando da obtenção do consentimento, o TCLE deverá ser assinado, em
duas vias, pelo sujeito da pesquisa e/ou por seu representante legal, ficando
uma via com o pesquisador e outra com o participante da pesquisa.

27.
Chamamos atenção, que as informações aqui apresentadas referem-
se tão somente aos aspectos essenciais do TCLE, não retirando a
necessidade de consulta às normas em vigor no país e do estudo da literatura
específica sobre o assunto.

Considerações Finais
28.
Apesar dos avanços obtidos até o momento, a investigação científica
envolvendo seres humanos ainda apresenta vários desafios éticos. Como

422 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA


observado ao longo do capítulo, as preocupações éticas com o fazer científico
têm suas origens e, posterior desenvolvimento, mais diretamente ligados às
pesquisas realizadas nas ciências biológicas e da saúde.

29.
Entretanto, cada vez mais essas preocupações se fazem sentir nas
ciências humanas e sociais. Nas últimas décadas, pesquisadores das áreas
da sociologia, história, ciência política, antropologia, educação, entre outras,
têm se questionado quanto à adequação das abordagens atuais da ética em
pesquisa aos problemas de suas especialidades acadêmicas. Perguntam se
tais abordagens dão conta das tradições de pesquisa e dos dilemas éticos
enfrentados quando estudam valores, significados, crenças, interesses e
desejos. Dessa forma, a Ética em Pesquisa configura-se também como um
espaço de disputas e debates.

Referências
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Conselho Nacional de Saúde.
Resolução N°. 01, 1988.
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Conselho Nacional de Saúde.
Resolução N°. 196, 1996.
UNITED STATES OF AMERICA. Centers for Disease Control and
Prevention. U.S. Public Health Service Syphilis Study at Tuskegee.
Disponível em: http://www.cdc.gov/tuskegee/index.html, 2009.
DALLÈAGNOL, D. Bioética. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
GUILHEM, D.; DINIZ, D. O que é ética em pesquisa. São Paulo:
Brasiliense, 2008.
LOUE, S. Textbook of research ethics: theory and practice. New York:
Kluwer Academic Publishers, 2002.
SINGER, P. Ética prática. 2 ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998.

O desafio da iniciação científica 423


O autor e seus convidados
Adroaldo Gaya é professor titular do Departamento de Educação
Física da UFRGS. Mestre em Educação pela UFRGS, Doutor em Ciências
do Desporto pela Universidade do Porto; Doutor em Educação Física e
Livre Docente em Treinamento Esportivo pela Universidade do Estado do
Rio de Janeiro. Coordenador do Projeto Esporte Brasil (PROESP-Br),
Pesquisador 1D CNPq. Professor de Epistemologia e Metodologia da
Pesquisa nos cursos de graduação em Educação Física e programa de
Pós-graduação em Ciências do Movimento Humano da UFRGS.

Convidados:
Alberto Reppold Filho Doutor em Educação pela Universidade
de Leeds, Inglaterra (2000), Mestre em Educação pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (1988), Especialista em Desportos Coletivos pela
Universidade do Estado de Santa Catarina (1985) e Licenciado em Educação
Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1983). Atualmente,
é professor associado e diretor da Escola de Educação Física da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Na mesma universidade, atua como professor
no Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano e
coordena o Centro de Estudos Olímpicos. É membro da Academia Olímpica
Brasileira e professor visitante da Academia Olímpica Internacional
(Grécia). Tem experiência em Educação Física e Esporte, atuando
principalmente na área dos Estudos Olímpicos. Estuda as políticas de esporte
e o impacto dos megaeventos esportivos.

Anelise Reis Gaya Professora Adjunta da Escola de Educação


Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora do
Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano da
UFRGS. Possui graduação em Educação Física/Licenciatura Plena, pelo
Centro Universitário Metodista IPA (2000); Mestre em Ciências do Desporto
e Doutora em Atividade Física e Saúde pela Faculdade de Desporto da
Universidade do Porto. Realizou estágio de Pós-doutoramento na Escola
de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É
Coordenadora Científica da Equipe de Pesquisa do Projeto Esporte Brasil.
Atua principalmente nas subárea de educação física escolar, atividade física,

O desafio da iniciação científica 425


aptidão física e saúde, obesidade e doenças cardiovasculares com ênfase
na população infanto-juvenil.

Arlete Brasiliense é pedagoga (FAPA), administradora de


empresas (PUC-RS), terapeuta de família. É orientadora educacional da
Secretaria de Educação do Município de Alvorada, e coordenadora
pedagógica do Projeto Esporte Brasil da UFRGS. Dedicada aos estudos
sobre moralidade infanto-juvenil e educação inclusiva.

Graciele Sbruzzi Possui Graduação em Fisioterapia pela


Universidade de Passo Fundo (2007). Mestrado em Ciências da Saúde:
Cardiologia pelo Instituto de Cardiologia / Fundação Universitária de
Cardiologia (IC/FUC) (2010). Doutorado em Ciências da Saúde: Cardiologia
pelo IC/FUC (2011). Atualmente é Professora Adjunta 2 do Curso de
Fisioterapia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
Professora e Orientadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências do
Movimento Humano da UFRGS e Professora e Orientadora do Programa
de Pós-Graduação em Ciências Pneumológicas da UFRGS. Tem experiência
na área de Fisioterapia, atuando principalmente nos seguintes temas:
eletrotermofototerapia, reabilitação cardiorrespiratória, revisão sistemática
e metanálise.

Marcelo Cardoso da Silva, Possui graduação em Educação Física


pela Universidade da Região da Campanha (1985), especialização em
Treinamento Físico Desportivo na UFRGS (1986), especialização em
Metodologia do Ensino da Educação Física e Esportes na UFRGS (1996) e
mestrado em Ciências do Movimento Humano pela Universidade Federal
do Rio Grande do Sul (1998). Doutorando do curso de Ciências do Movimento
Humano da UFRGS. Atualmente é professor da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (2013). Tem experiência na área de Educação Física
escolar ensino fundamental e médio, ensino, avaliação e treinamento
esportivo, atuando principalmente nos seguintes temas: pedagogia do esporte,
avaliação da aptidão física para saúde, avaliação do rendimento esportivo,
cineantropometria. Participa como membro pesquisador de grupos de
pesquisa cadastrados no CNPq e certificados pela UFRGS: Grupo de Estudos
em Esporte GEE e NP3 - Esporte - Núcleo de Pesquisa em Psicologia e
Pedagogia do Esporte.

426 PROJETOS DE PESQUISA CIENTÍFICA E PEDAGÓGICA

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