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P L A N TA E A M B I E N T E

Caracterização

Fenologia é ferramenta auxiliar


de técnicas de produção
Gil Miguel de Sousa Câmara*

MARCELO BASSO/USP ESALQ

Soja em estágio reprodutivo; Piracicaba, SP, 2006

VISÃO AGRÍCOLA Nº5 JAN | JUN 2006 63


P L A N TA E A M B I E N T E

Fenologia refere-se à parte da botânica TABELA 1 | DESCRIÇÃO RESUMIDA DOS ESTÁDIOS FENOLÓGICOS VEGETATIVOS DA SOJA
que estuda as diferentes fases do cres- ESTÁDIO DESCRIÇÃO
cimento e desenvolvimento das plantas, SÍMBOLO DENOMINAÇÃO
tanto a vegetativa (germinação, emer- VE Emergência Os cotilédones estão acima da superfície do solo
gência, crescimento da parte aérea e das VC Cotilédone Cotilédones totalmente abertos
raízes) como a reprodutiva (floresci- desenvolvido
mento, frutificação e maturação), de- V1 Primeiro nó As folhas unifolioladas estão completamente abertas
marcando-lhes as épocas de ocorrência V2 Segundo nó Primeira folha trifoliolada aberta
e as respectivas características. A feno- V3 Terceiro nó Segunda folha trifoliolada aberta
logia de uma espécie cultivada constitui V(n) Enésimo nó “Enésimo” nó ao longo da haste principal com trifólio aberto
ferramenta eficaz de manejo que possi-
Fonte: Fehr e Caviness (1977)
bilita identificar, por meio da observa-
ção dos caracteres morfológicos da
planta, o momento fisiológico ao qual se
encontram associadas as necessidades
do vegetal que, uma vez atendidas, pos-
sibilitarão seu desenvolvimento normal
e, conseqüentemente, bons rendimen-
tos à cultura.
Todas as “tomadas de decisão” e suas
respectivas “recomendações técnicas” que afetam o desempenho da cultura, direção à superfície do solo, caracteri-
devem estar fundamentadas na familia- sejam derivados do manejo ou, princi- zando a emergência epígea da soja.
ridade que o produtor ou o responsável palmente, do meio ambiente. Rompida a superfície do solo, afloram
técnico pela produção tenha com os di- O ciclo fenológico da soja foi detalha- os cotilédones e a plúmula (folhas pri-
ferentes estádios de desenvolvimento damente estudado por Fehr e Caviness márias). Em seguida, os cotilédones se
da planta cultivada e suas necessidades. (1977), que elaboraram uma escala feno- abrem, expondo a plúmula à luz solar. A
Normalmente, a observação da fenolo- lógica alfanumérica, subdividindo a fe- emergência da soja (VE) tem início nor-
gia de uma espécie é fundamentada em nologia em duas grandes fases: vegeta- malmente de cinco a sete dias após a se-
um sistema de informações constituído tiva (Tabela 1) e reprodutiva (Tabela 2), meadura. Os cotilédones assumem colo-
por letras e números (ou somente por simbolizadas, respectivamente, pelas ração verde e são os principais respon-
números) que identificam cada fase de letras maiúsculas V e R. Recentemente, sáveis pela nutrição da plântula, duran-
desenvolvimento da planta. Tal sistema essa escala vem sofrendo novas subdi- te aproximadamente duas e três sema-
é denominado “escala fenológica”. visões, em estádios reprodutivos espe- nas após a emergência. Após a abertura
Quando se acompanha a fenologia de cíficos, facilitando a adoção de medidas dos cotilédones, o epicótilo, contendo a
uma determinada espécie, considera-se de manejo relacionadas à condução da plúmula em sua extremidade, prossegue
principalmente sua “idade fisiológica”, e cultura, até o ponto de colheita. A ger- o desenvolvimento em altura. Como re-
não apenas sua “idade cronológica”. Essa minação da soja é relativamente rápida, sultado, observa-se a emissão e a aber-
última apresentará melhor nível de pre- desde que a semente encontre condi- tura de um par de folhas opostas, tam-
cisão quando as condições ambientais e ções ambientais favoráveis. A radícula é bém conhecidas como folhas primárias
de manejo forem favoráveis ao cresci- a primeira parte do embrião a romper o ou unifolioladas (estádio VC), assim de-
mento da cultura. Entretanto, se algum tegumento, o que ocorre entre um e dois nominadas por apresentarem um único
fator atrasar ou adiantar o desenvolvi- dias após a semeadura. O desenvolvi- folíolo. A partir da emissão das folhas
mento da planta, a observação de deter- mento da raiz primária prossegue, de unifolioladas, a soja passa a formar so-
minada fase fenológica (como, por exem- maneira que, entre quatro e cinco dias mente as folhas verdadeiras ou trifolio-
plo, a abertura da primeira flor) poderá após a semeadura, surgem as primeiras ladas (compostas por três folíolos), com
ocorrer antes ou depois do tempo espe- ramificações laterais e os pêlos absor- inserção alternada ao longo do caule e
rado. É importante ressaltar que os parâ- ventes. À medida que se verifica o cres- dos ramos.
metros utilizados para identificar os es- cimento da raiz, ocorre o alongamento Simultaneamente à formação das pri-
tádios de desenvolvimento devem consi- do hipocótilo, formando uma alça ou meiras raízes e folhas, ocorre o esgota-
derar as influências de todos os fatores gancho, que conduz os cotilédones em mento gradativo das reservas contidas

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nos cotilédones que, em conseqüência, ou das plantas jovens por fungos do solo com vistas a efetivar-se o manejo inte-
amarelecem e caem. Nessa fase, a plan- e do ar. Por isso, antes do plantio, mui- grado de pragas.
ta apresenta folhas definitivas (estádios tos produtores tratam as sementes com O início do florescimento da soja é ca-
V2 a V4) e se acha preparada para seguir fungicidas e inseticidas. racterizado pela abertura de uma flor em
seu desenvolvimento autotrófico. O A partir do quarto trifólio expandido, qualquer nó da haste principal (estádio
crescimento das raízes ocorre durante a planta acelera o acúmulo de matéria R1). A partir desse instante, acompanha-
toda a fase vegetativa do ciclo de vida da seca e de nutrientes em sua parte aérea, se a evolução fenológica observando-se
planta, cessando a partir do início do flo- o que justifica algumas estratégias de as estruturas reprodutivas da soja: flores,
rescimento. A formação de nódulos tem manejo adotadas entre os estádios V2 e frutos e sementes (Tabela 2). O pleno flo-
início normalmente aos 7 a 10 dias após V4, como, por exemplo, a pulverização rescimento (R2), caracterizado pela aber-
a emergência da planta (estádio VC), tor- foliar de cobalto e molibdênio, essenci- tura de várias flores ao longo da haste
nando-se visíveis e mais capazes de lhe ais ao processo de fixação biológica do principal, pode ocorrer simultaneamen-
fornecer nitrogênio, a partir do primei- nitrogênio. Também nesses estádios é te; isto é, no mesmo dia do início do flo-
ro trifólio expandido (V2). As pragas ini- que se aplica potássio em cobertura e se rescimento (R1), no caso das plantas com
ciais da soja (perfuradoras e mastigado- faz o manejo químico, em pós-emergên- hábito de crescimento determinado, ou
ras) atacam a cultura já desde a fase de cia, das plantas daninhas. A partir do es- entre dois e sete dias após o R1, em plan-
semente e prosseguem até o estádio V5, tádio V6, a cultura da soja torna-se mais tas com hábito de crescimento indetermi-
podendo causar danos severos ao estan- atrativa aos insetos desfolhadores (la- nado típico. Não há uma transição defi-
de inicial, o que se refletirá em quebra gartas), devendo-se iniciar o levanta- nida entre os períodos de florescimento
de produtividade. Esta também pode mento da população de pragas, por meio e frutificação. Essa última (R3) inicia-se,
ocorrer devido à infecção de sementes de amostragens com o pano de batida, conforme o genótipo, entre 7 e 15 dias

TABELA 2 | DESCRIÇÃO RESUMIDA DOS ESTÁDIOS FENOLÓGICOS REPRODUTIVOS DA SOJA

ESTÁDIO DESCRIÇÃO
SÍMBOLO DENOMINAÇÃO
R1 Início do florescimento Uma flor aberta em qualquer nó da haste principal
R2 Florescimento pleno Maioria das inflorescências da haste principal com flores abertas
R3 Início da frutificação Vagens com 0,5 a 1,5 cm de comprimento no terço superior da haste principal
R4 Frutificação plena Maioria das vagens no terço superior da haste principal com comprimento de 2 a 4 cm (“canivete”)
R5.1 Início da granação Até 10% da granação máxima na maioria das vagens localizadas no terço superior da haste principal
R5.2 Maioria das vagens no terço superior da haste principal entre 10 e 25% da granação máxima
R5.3 Média granação Maioria das vagens no terço superior da haste principal com 25 a 50% da granação máxima
R5.4 Maioria das vagens no terço superior da haste principal entre 50 e 75% da granação máxima
R5.5 Final da granação Maioria das vagens no terço superior da haste principal com 75 a 100% da granação máxima
R6 Semente formada 100% de granação. Maioria das vagens no terço superior contendo sementes verdes em seu
ou granação plena volume máximo (“vagem gorda”)
R7.1 Maturidade fisiológica Até 50% de folhas e vagens amarelas
R7.2 Maturidade fisiológica Entre 50 e 75% de folhas e vagens amarelas
R7.3 Maturidade fisiológica Acima de 75% de folhas e vagens amarelas
R8.1 Desfolha natural Até 50% de desfolha
R8.2 Desfolha natural Acima de 50% de desfolha. Aproxima-se o ponto de colheita
R9 Maturidade a campo 95% de vagens com a cor da vagem madura
Fonte: Ritchie et al. (1982)

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após o início do florescimento. No está- sementes, ocorre amarelecimento e maior se refere ao constante monitora-
dio R3 as vagens situadas no terço supe- queda gradativa das folhas. A maturação mento das pragas aéreas (percevejos su-
rior da haste principal encontram-se com das sementes consiste em uma série de gadores de grãos em formação) e das do-
até 1,5 cm de comprimento. Nessa fase, alterações físicas, morfológicas, bioquí- enças desfolhadoras (doenças de final
verifica-se o declínio do florescimento. micas e fisiológicas, verificadas a partir de ciclo, oídio, mela, antracnose e a te-
O período de florescimento da soja é da fecundação do óvulo. Encerra-se mida ferrugem asiática). No Brasil, a
relativamente longo (vai de 30 a 40 dias) quando a semente, ao atingir o máximo cada nova safra de soja, constata-se o
e superpõe-se ao de formação das va- peso de matéria seca, se desliga fisiolo- uso cada vez maior da fenologia da soja,
gens e sementes, fazendo com que a gicamente da planta e alcança a maturi- apresentada neste artigo, destacando
planta resista melhor a períodos curtos dade fisiológica (estádio R7), caracteriza- sua importância como ferramenta auxi-
de estiagem, durante a floração. Não da pelo máximo peso de matéria seca liar às tecnologias de produção adota-
raro, observa-se, em uma mesma axila nos grãos. Nesse momento, os grãos as- das pelo agricultor brasileiro.
foliar, presença simultânea de gemas sumem coloração amarela e apresen-
vegetativas, flores abertas ou murchan- tam teores de umidade de aproximada- *Gil Miguel de Sousa Câmara é professor
do e frutos em desenvolvimento. O está- mente 28 a 30%. Atualmente, para faci- do Departamento de Produção Vegetal da
USP ESALQ (gmscamar@esalq.usp.br).
dio R4 indica a fase em que a maior parte lidade do monitoramento da lavoura, a
das vagens está formada. Vagens do ter- maturidade fisiológica é subdividida
ço superior da planta (haste principal) se em três subestádios, relativos aos ní-
apresentam com 2 e 4 cm de comprimen- veis crescentes de amarelecimento de
to. Os produtores brasileiros identificam folhas e vagens.
esse estádio como o momento da cultu- Simultaneamente à maturidade fisio-
ra em que as plantas mostram os “cani- lógica de uma lavoura, poderá ocorrer a
vetes”. As sementes são formadas por queda natural das folhas. Abaixo de 50%
meio do processo de fertilização da oos- de desfolha, tem-se o estádio R8.1; acima
fera, seguido por divisões e diferencia- de 50%, o estádio R8.2. O amarelecimento
ções, podendo inicialmente ser vistas das folhas e das vagens, acompanhado
depois do desenvolvimento da vagem, da abscisão foliar, indica desidratação
caracterizando o início da granação da das plantas, vagens e sementes. Quando
soja (estádio R5.1). O acúmulo de matéria se observam 95% ou mais de vagens ma-
seca nas sementes evolui, atingindo o duras, identifica-se a maturidade a cam-
máximo volume quando se observam as po (estádio R9). A lavoura poderá ser co-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
cavidades das vagens verdes totalmen- lhida a partir de 16% ou menos de umi-
CÂMARA, G. M. S. Fenologia da soja. In: CÂMA-
te preenchidas por sementes de colora- dade nas sementes. O crescimento das RA, G. M. S. (Ed.). Soja: tecnologia da produ-
ção verde (estádio R6). Entre o início e o raízes durante os estádios reprodutivos ção. Piracicaba: ESALQ/Departamento de
máximo volume, o processo de acúmu- cessa no R1, para as plantas com hábito Agricultura 1998. p. 26-39.

lo de matéria seca pode ser gradativa- de crescimento determinado, e progride CÂMARA, G. M. S. Ecofisiologia da cultura da
soja. In: SIMPÓSIO SOBRE CULTURA E PRO-
mente quantificado por meio do tato ou até R5.2, para as de hábito de crescimen-
DUTIVIDADE DA SOJA, 1., 1991, Piracicaba.
da visão, conforme descrevem os subes- to indeterminado. Entretanto e inde- Anais. Piracicaba, SP: ESALQ/Departamento
tádios R5.1 a R5.5 apresentados na Tabela 2. pendentemente do hábito de crescimen- de Agricultura; FEALQ, 1992. p. 129-142.
As taxas de crescimento das vagens e to, a atividade fisiológica das raízes per- COSTA, J. A.; MARCHEZAN, E. Características
de acúmulo de matéria seca pelas se- siste até o máximo volume de grãos (R6). dos estádios de desenvolvimento da soja.
Campinas: Fundação Cargill, 1982. 30 p.
mentes são relativamente lentas, até Simultaneamente ao crescimento radi-
FEHR, W. R.; CAVINESS, C. E. Stages of soybean
cerca de 25 a 35 dias após o início do flo- cular, ocorre o aumento da taxa de no-
development. Ames, Yowa: Yowa State Uni-
rescimento. A partir desse momento, dulação das raízes, cujo auge se dá en- versity of Science and Technology, Coopera-
tornam-se rápidas, ao mesmo tempo que tre os estádios R2 e R6, épocas fenológi- tive Extension Service, 1977. 11 p. (Special Re-
as vagens e sementes vão perdendo a cas e fisiológicas em que a soja requer port, n. 80).

coloração verde e assumindo a colora- maior quantidade de energia, água e RITCHIE, S.; HANWAY, J. J.; THOMPSON, H. E. How
a soybean plant develops. Ames, Yowa:
ção característica da cultivar (pubescên- nutrientes.
Yowa State University of Science and Tech-
cia cinza ou marrom). À medida que há Com relação ao manejo, durante a fase nology, Cooperative Extension, 1982. 20 p.
transferência de matéria seca para as reprodutiva da soja, a preocupação (Special Report, n. 53).

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