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Do Portal Luís Nassif

O encanto de “Pavane pour une infante défunte”, de Maurice Ravel

Publicado por Guen Yokoyama

Maurice Ravel e seu piano

O título dessa peça bem curta do francês basco Maurice Ravel chama atenção primeiro, pela
sonoridade “pavane”, “infante”, “défunte”, e também pelo estranhamento do significado.
Corre que a ideia do título foi mais pela sonoridade das cinco palavras.Pavane é composição
da juventude; fora composta quando ainda era estudante. Como outras dezenas, fora feita
originalmente para o piano e, depois, feita uma versão orquestral pelo próprio Ravel. Nesse
quesito sempre foi um mestre; basta ouvir a transposição para orquestra que fizera de uma
obra alheia:Quadros de Uma Exposição, de Mussorgsky.
Não deve ter havido peça mais maltratada do que a conhecida como “Ode à Alegria”, que
corresponde ao último movimento daNona Sinfonia de Beethoven, por intérpretes da música
popular. Perpetraram versões “pop”, virou hino e tema de encerramento de eventos
esportivos etc. Lembro de uma versão da Ode à Alegria lançada no fim da década de 1960 –
ou será início dos 1970? – que atingiu sucesso estrondoso. Beethoven e Schiller mereciam
um pouco mais de consideração. Perto do que foi feito, a versão “elétrica” do tecladista
Walter Carlos, mais tarde, Wendy Carlos, para o filme Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick,
era refresco. No entanto, Beethoven não foi a única vítima dos intérpretes da música
popular: tanto Mozart como Chopin e Richard Strauss tiveram suas músicas “vulgarizadas”
para o gosto da patuleia. Esse tipo de “popularização” faz com que alguns incorram em
casos parecidos à de uma amiga que, ouvindo um pedaço da Ode à Alegria, no original,
disse: “oh, é a música do Laranja Mecânica!”. Beethoven não estava no seu repertório de
conhecimentos.
Considerando-se alguns desses casos, pode-se dizer que Ravel foi mais respeitado. Há
muito está no repertório dos jazzistas. Para o piano, é natural, pois muitos desses
instrumentistas tiveram aprendizado clássico e conhecem bem música erudita. Mas não é só
no piano que ela tem sido interpretada. A primeira que devo ter ouvido é uma de Larry
Coryell, no álbum The Restfull Mind (Vanguard, 1974). Dos discos de Coryell, esse e Spaces
(Vanguard, 1969) estão entre os melhores que gravou. The Restfull Mind é quase um disco
da banda Oregon, com o acréscimo de Coryell; o único ausente do Oregon é o saxofonista e
clarinetista Paul McCandless (os outros são Ralph Towner, o percussionista Colin Walcott e o
baixista Glen Moore). Para que tenha atingido o estado de arte, a participação de Ralph
Towner foi essencial. Excelente violonista, melhor até que Coryell, tecnicamente,
“inaugurou” duos de violão que fez com o belga Philip Catherine e, mais tarde, com John
McLaughlin, Al DiMeola e Paco de Lucia. Sem tirar o mérito de Coryell, responsável pela
totalidade das composições e arranjos sobre obras de Ravel e do, relativamente obscuro
Robert De Visée, instrumentista e compositor da corte de Luís XVI, Towner é corresponsável
pela qualidade de The Restfull Mind. A Pavane de Ravel é um duo de Towner e Coryell, com
arranjos do último.
Dentre as interpretações que conheço, além dessa, de Coryell, há outra no CD, com o título
da peça de Ravel vertida para o inglês – Pavane for a Dead Princess (Venus Records, 2006)
–, pelo pianista Steve Kuhn, tendo como sidemen o baixista David Finck e o baterista Billy
Drummond. O tema recebe uma interpretação jazzística mesmo, em que Kuhn não se limita
às notas originais. É interessante, mas nada de excepcional.
Os que estão acostumados a ouvir a Pavane em seu desenho original, apenas ao piano, ou
na sublime versão orquestral não ficarão assustados ou mortificados e, muito menos,
rogarão alguma praga em Art Farmer por sua interpretação que está contida em Big Blue
(CTI, 1979). Acompanhado pela guitarra bela e econômica de Jim Hall, o vibrafone
(essencial para o “clima”) de Mike Manieri, Mike Moore no baixo, e Steve Gadd na bateria,
apesar dos improvisos e solos de praxe das improvisações jazzísticas, mantém-se no clima
algo etéreo e evocativo da composição original.
Uma quarta interpretação da Pavane por alguém ligado ao jazz é a de Branford Marsalis em
Creation (CBS, 2001). Esse álbum é dedicado apenas a composições eruditas de Ravel,
Debussy, Fauré, Satie, Jacques Irert e Darius Milhaud, interpretadas por Branford nos saxes
e a Orpheus Chamber Orchestra. A Pavane de Marsalis é fiel à original, arranjada para sax
soprano.
A ligação mais incontestável com o jazz da Pavane está representada na música The Lamp
Is Low. Essa composição da década de 1930 foi composta por Peter DeRose e Bert Schaffer
com letras de Mitchell Parish e é uma adaptação dessa composição. Foi cantada pela
primeira vez por Mildred Bailey e, posteriormente, por Frank Sinatra, Johnny Hartman,
Carmen McRae, Doris Day e Ella Fitzgerald (são as que conheço).
Ouça Pavane for a Dead Princess com Larry Coryell.

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