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Anulação de transação em comissão de conciliação prévia:

Coação famélica

Texto extraído do Jus Navigandi


http://jus2.uol.com.br/pecas/texto.asp?id=557

      
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Elaborado por: João Humberto Cesário.


Colaboração enviada por: João Humberto Cesário, Juiz Titular da Vara do Trabalho de São
       Félix do Araguaia(MT) e Vice-presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho
da 23a Região - AMATRA XXIII.

            PODER JUDICIÁRIO FEDERAL

            TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 23ª REGIÃO

            1a VARA DO TRABALHO DE CUIABÁ – MT

ATA DE AUDIÊNCIA

            Aos trinta dias do mês de agosto, do ano 2.002, às 17:25 horas, na 1a


VARA FEDERAL DO TRABALHO DE CUIABÁ – MT, por determinação
do JUIZ JOÃO HUMBERTO CESÁRIO, foi aberta a sessão de julgamento
relativa ao processo 00920.2002.001.23.00-9, no qual contendem OVÍDIO
DA SILVA PEREIRA (RECLAMANTE) e TRAVASSOS SEGURANÇA
LTDA (RECLAMADA).

            Observadas as formalidades de estilo, o processo foi submetido a


julgamento, sendo prolatada a seguinte sentença:
I – RELATÓRIO

            Dispensado, nos termos do artigo 852-I da CLT..

II – FUNDAMENTAÇÃO

            PRELIMINAR PROCESSUAL

            CARÊNCIA DE AÇÃO: IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO


PEDIDO

            Eriça a reclamada preliminar de carência de ação, em face de suposta


impossibilidade jurídica dos pedidos formulados pelo obreiro, oriunda de
ajuizamento de reclamatória após a entabulação de avença no âmbito de
comissão de conciliação prévia, procedimento que, ao seu ver, estaria a ferir
o disposto no parágrafo único do artigo 625-E da CLT..

            Entrementes, sem razão.

            Para obter êxito em sua preliminar, a vindicada deveria demonstrar a


existência de normas no ordenamento jurídico que tornassem inviáveis os
pedidos do autor (todos expressamente consagrados no âmbito da ciência
juslaboral), o que nem de longe conseguiu, principalmente se levarmos em
conta que, o escopo primordial da primígena centra-se na desconstituição de
negócio jurídico oriundo de pretenso vício do consentimento, pretensão esta,
explicitamente contemplada nos artigos 86 e seguintes do vigente Código
Civil (bem como nos artigos 138 e seguintes do codex a entrar em vigor).

            Aliás, detidamente observadas a ponderações patronais no pertinente,


chego à conclusão de que são calcadas em evidente equívoco de visada.

            Não obstante formuladas em sede de preliminar processual, sob o


título de carência de ação, tratam-se em verdade de questão prejudicial,
fundamentada em suposta transação extrajudicial, capaz de colocar fim ao
processo com julgamento do mérito, ex vi do artigo 269, III, do CPC..

            Com efeito, rejeito a preliminar aventada, remetendo o deslinde da


celeuma para o título processual adequado, sob o enfoque de prejudicial
transacional, o que faço com fulcro do princípio da fungibilidade, baseado
na ampla liberdade de direção processual conferida ao magistrado trabalhista
pelo artigo 765 da CLT..
            PREJUDICIAL DE MÉRITO

            TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL

            Alardeia a vindicada, que o autor compareceu, na data de 21.02.02,


perante comissão de conciliação prévia, na qualidade de demandante,
costurando entabulação com a mesma, devidamente cumprida, fato que
preveniu, mediante concessões mútuas, eventual litígio trabalhista que
pudesse ser aforado.

            De tal arte, tem para si que, devem ser rejeitados todos os pedidos
veiculados no libelo de fls. 02 usque .

            Do seu lado, o autor, já na primígena, e ainda na sua réplica (ata de


fls. 15/16), assevera que somente se submeteu à avença noticiada, em função
do seu estado de fragilidade econômica, na medida em que, passados mais
de três meses de sua dispensa, sequer havia percebido as verbas rescisórias a
que fazia jus, não lhe sendo entregues nem mesmo as guias CD/SD alusivas
ao seguro-desemprego, bem como o TRCT, com código de saque 01, hábil
ao levantamento de valores fundiários depositados.

            Em conclusão de seu raciocínio, aduz que a malfadada transação


anunciada não pode prevalecer, postulando, em decorrência, os pleitos
laborais que entende de direito, elencados no item ‘2’ da exordial.

            Com razão o reclamante, não podendo o Judiciário Trabalhista


conferir guarida ao acordo extrajudicial sub exame.

            Debruçado sobre o caso à baila, denoto que o reclamante foi


incontroversamente dispensado em 30.11.01, sem que a reclamada jamais se
preocupasse em proceder ao necessário acerto rescisório com a imperativa
assistência do sindicato obreiro, somente vindo a pagar parte das verbas
rescisórias de direito, com a liberação das guias do seguro desemprego e
TRCT código de saque 01, na data de 01.03.02, após a passagem do
trabalhador pelo âmbito da comissão de conciliação prévia, quando já
decorridos mais de três meses da denúncia do pacto laboral outrora mantido
entre os contendores.

            Pois sim.

            Tal fato, por si só, possui o condão de evidenciar que o autor ao


aquiescer com os termos da conciliação extrajudicial proposta, outorgando
quitação geral à sua antiga empregadora, não manifestou sua vontade de
maneira livre, existindo evidente vício no seu consentimento, oriundo de
coação famélica.

            A demonstração da assertiva retro, não demanda maior esforço de


evidenciação, emanando o truísmo da situação desafiada, das regras de
experiência comum, subministradas pelo que ordinariamente acontece, que
devem ser levadas em conta pelo magistrado na resolução dos conflitos de
interesses postos à sua apreciação, ex vi do artigo 335 do CPC, e mais
propriamente do artigo 852-D in fine da CLT, dada a singularidade oriunda
da adoção do rito sumaríssimo trabalhista na vertente reclamatória.

            A questão é singela.

            Como já visto, o vindicante, após ser dispensado, somente recebeu


parte das suas verbas rescisórias, com a liberação das guias do CD/SD e
TRCT 01, quando já decorridos mais de três meses do término do liame
empregatício.

            Ora, parece-me um tanto quanto óbvio que, desempregado


(presunção oriunda da liberação das guias CD/SD), sem dinheiro para prover
o sustento seu e de sua família (ilação oriunda da falta de acerto rescisório e
da não liberação do FGTS no tempo próprio), e sem a possibilidade de
ajuizamento imediato de reclamatória trabalhista (oriunda do óbice contido
no caput do art. 625-D da CLT – de constitucionalidade duvidosa é certo),
não restou qualquer outra possibilidade ao reclamante, senão a de passar
pelo âmbito da comissão de conciliação prévia, aceitando a pífia proposta
que lhe foi ofertada, em troca de quitação com eficácia liberatória geral.

            Qualquer outra conclusão constituir-se-ia em desprezo às regras de


experiência comum, subministradas pelo que ordinariamente acontece, às
quais, como já exaustivamente visto, o magistrado deve render respeito
(artigos 335 do CPC e 852-D da CLT).

            Por outra cardeal, como se não bastasse o vício do consentimento


oriundo de coação famélica, vislumbro a ocorrência de outra modalidade de
achaque, emanada do instituto jurídico da lesão, considerada como o
prejuízo que um contratante experimenta quando, em contrato comutativo,
não recebe, da outra parte, valor igual ao da prestação que forneceu (1),
proposição que se amolda como luva, por motivos de obviedade ressonante,
ao caso vertente.

            Não se venha dizer que o vício do assentimento decorrente da lesão


não encontra respaldo em nosso ordenamento jurídico.

            Se por um lado é verdade que o monumento jurídico da lesão,


outrora regulado pela Codificação Filipina, foi banido pelo codex de 1916,
por outro ponto, não é menos verdade que, a Lei de Proteção à Economia
Popular (Decreto-lei No 869/38, substituído pela Lei 1.521/51), em seu
artigo 4o, ‘b’, ressuscitou-o em nosso estuário normativo, definindo-o em
linhas gerais, como a obtenção, em qualquer contrato, de lucro excessivo,
em abuso de premente necessidade da outra parte.

            Embora de natureza criminal, o dispositivo acima invocado é capaz


de produzir efeitos na esfera civil, e conseqüentemente na trabalhista, em
virtude da supletividade do direito comum garantida pelo parágrafo único do
artigo 8o da CLT..

            No diapasão dos efeitos civis da mencionada lei trago o escólio do


Professor Sílvio Rodrigues:

            Tal dispositivo, de caráter criminal, tornava naturalmente ilícito o ato


assim praticado, possibilitando, dessarte, a declaração de sua nulidade na
órbita civil (...).

            De sorte que surgiu, dentro do direito positivo brasileiro a


possibilidade de a vítima de um contrato realizado em tais condições,
promover o seu desfazimento (Cód. Civ., art. 145, II), ou pleitear a
devolução daquilo que ultrapassasse o justo preço. (2)

            Ademais, ainda que assim não fosse, é de se ver que o novo Código
Civil, a entrar brevemente em vigor, ao tratar dos defeitos do ato jurídico,
estatui em seu artigo 157, que ocorre a lesão quando uma pessoa, sob
premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação
manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

            Comentando a aplicabilidade de tal dispositivo no direito do


trabalho, assim se manifesta o notável magistrado e doutrinador Edilton
Meireles, citando o mestre Cláudio Armando Couce de Menezes:

            No direito do trabalho essas figuras têm ampla aplicação frente à


característica da comutatividade que informa o contrato de emprego, onde o
empregado, muitas vezes, por ignorância, inexperiência ou inferioridade
econômica e/ou jurídica, aceita negócios expressamente danosos a si, em
desproporcional proveito do empregador. (2)

            Enfim, ad argumentandum, ainda que não fosse válido o raciocínio


acima expendido, há que se ver que estamos diante de uma reclamatória em
curso sob o rito sumaríssimo, não sendo demais lembrar que, em tal caso, a
CLT permite que o magistrado julgue estribado nos princípios da equidade
jurídica, na medida em que o parágrafo 1o do seu artigo 852-I, estabelece
que o juízo adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e
equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum.

            Com efeito, sendo verdadeiro truísmo que a finalidade social das


comissões de conciliação não é a de chancelar a fraude de direitos
trabalhistas, através dos perversos mecanismos da lesão e da coação
famélica, rejeito a prejudicial transacional sub exame.

            Agir de modo diverso seria render azo ao abuso de direito, em


detrimento da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho,
princípios que, ex vi do artigo 1o, III e IV, da Magna Carta, são considerados
como fundamentos da República Federativa do Brasil.

            MÉRITO STRICTO SENSU

            MULTA DO ARTIGO 447, PARÁGRAFO 8o DA CLT

            Condeno a reclamada a pagar ao reclamante a multa em epígrafe, no


valor de um salário mensal estrito incontroverso (R$336,40), pois como
demonstrado, o adimplemento de parte das verbas rescisórias de direito se
deu mais de três meses após a denúncia do pacto laboral outrora mantido
entre os litigantes.

            DIFERENÇA DE FÉRIAS VENCIDAS – 1/3 SOBRE AS FÉRIAS


VENCIDAS

            Assevera o reclamante, que embora fizesse jus ao valor de R$336,40


a título de férias vencidas, recebeu apenas R$201,84, possuindo direito à
diferença de R$134,56.

            Aduz ainda, que não recebeu o valor de R$112,13, relativo ao terço


das férias integrais.

            Instada a se manifestar acerca da temática, a reclamada se defende


apenas sob o argumento da transação extrajudicial, já superado, não se
valendo do princípio da eventualidade para outras ponderações.

            De tal sorte, condeno a vindicada a pagar ao vindicante, no


pertinente, os valores postulados por via da primígena.

            DESCONTOS INDEVIDOS

            Postula o autor a devolução de supostos descontos indevidos, no


importe de R$31,70.

            Em defesa, a reclamada alega que tais descontos são referentes a


contribuição social, vale transporte e custeio do sistema confederativo,
comprovando suas assertivas através da discriminação contida no
campo 47 do documento encartado às fls 27, não elidido pelo vindicante.

            Rejeito.

            ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA

            Presentes os requisitos previstos no artigo 4o da Lei 1.060/50, defiro


ao reclamante os benefícios da assistência judiciária, com todas as benesses
previstas no artigo 3o do citado diploma legal.

            EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO

            Tendo em conta a utilização abusiva de comissão de conciliação


prévia, detectada no âmbito do vertente decisum, determino a expedição de
ofício ao Ministério Público do Trabalho, após o trânsito em julgado,
informando o fato, instruindo-o com cópia autenticada da presente, para a
tomada das medidas de direito.

III – DISPOSITIVO

            Assim sendo, resolvo, nos autos da Reclamação Trabalhista No


00920.2002.001.23.00-9, na qual contendem OVÍDIO DA SILVA
PEREIRA (RECLAMANTE) e TRAVASSOS SEGURANÇA LTDA
(RECLAMADA):

            1 – Rejeitar a preliminar de carência de ação, por impossibilidade


jurídica do pedido, eriçada pela vindicada;

            2- Rejeitar a prejudicial de transação extrajudicial retro analisada;

            3 – Acatar em parte os pedidos de cunho condenatório contidos na


ação, para condenar a reclamada a pagar ao reclamante, com correção
monetária e juros de mora ex lege, observados o E.200/TST e a OJ124/SDI-
TST, no prazo de 48 horas do trânsito em julgado da presente, as seguintes
verbas e valores: multa do artigo 477 da CLT (R$336,40); diferenças de
férias (R$134,56); 1/3 sobre férias (R$112,13);

            4 – Rejeitar o pedido relativo a descontos indevidos.

            Sendo líquida a presente sentença, não há que se falar na modalidade


de liquidação a ser observada.

            Ao reclamante os benefícios da assistência judiciária.

            Após o trânsito, expeça-se ofício ao MPT, instruído com cópia


autenticada da presente.

            Tudo nos termos da fundamentação, que passa a fazer parte do


presente dispositivo, para todos os fins que se fizerem necessários.

            Para efeitos do parágrafo 3o, do artigo 832 da CLT, acrescentado pela


Lei 10.035/00, declaro que todas as verbas que compõem a condenação são
de natureza indenizatória, não havendo que se falar no recolhimento das
contribuições sociais previstas no artigo 195, I, ‘a’ e II da CRFB..

            Custas pela reclamada, no importe de R$11,66, calculadas sobre


R$583,09, valor líquido da condenação.

            Cientes (E.197/TST).

            Nada mais.

            JOÃO HUMBERTO CESÁRIO

            Juiz do Trabalho Substituto

NOTAS

            01. Demontes (De la lesión dans les contrats entre majeurs, Paris,
1924, pág. X), apud, Silvio Rodrigues, in, Direito Civil, Vol. I, 21a ed., São
Paulo: Saraiva, 1990, pág. 232.

              02. Op. cit., pág. 235.

            03. O Novo Código Civil e o Direito do Trabalho, 1a ed., São Paulo:


LTr, 2002, pág. 48.
 

Sobre o autor

João Humberto Cesário


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Sobre o texto:
Texto inserido no Jus Navigandi nº 63
Elaborado em 08.2002.

Informações Bibliográficas:
Conforme a NBR 6023:2000 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto científico publicado em
periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma:
Anulação de transação em comissão de conciliação prévia: Coação famélica. Jus
Navigandi, Teresina, ano 7, n. 63, mar. 2003. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/pecas/texto.asp?id=557>. Acesso em: 15 jul. 2008.

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