Você está na página 1de 22
0 CURRICULO UMA REFLEXAO SOBRE A PRATICA J, Gimeno Sacristan Catedratico de Diddctica, Universidad de Valencia Petia ‘Tradugio: Emani F, da Fonseca Rosa Consultoria, supervisio revisito técnica desta edicao: Maria da Graga Souza Horm Pedagoga. Mestre em Educagdo. Ke ERT OR A PORTO ALEGRE, 2000 O Curriculo como 4 Confluéncia de Praticas CaPiTULoO Desde um enfoque processual ou pritico, o curriculo & um objeto que se cons- trdi no processo de configuragao, implantagao, concretizagao © expressao de del minadas praticas pedagdgicas ¢ em sua propria avaliagao, como resultado das diver- sas intervengées que nele se operam. Seu valor real para os alunos, que aprendem seus contetidos, depende desses processos de transforma¢io aos quais se vé submeti- do. Vimos, no conjunto de fendmenos relacionados com o problema curricular, como se entrecruzam mitiltiplos tipos de priticas ou subsistemas: politicos, administratives, de produgio de materiais institucionais, pedagégicos, de controle, ctc. Como Schubert (1986) assinalou: “Ocampo do curricula nao-é somente um coepo de conhecimentos, mas uma dispersa € a0 mesmo tempo cncadeada orgunizagao social” (p. ¥). Trata-se, pois, de um campo de atividade para muiltiplos agentes, com compe- téncias divididas em proporcao diversa, que agem através de mecanismos peculiares em cada caso. Sobre o curriculo incidem as decisies sobre os minimos a que sé deve ater a politica da administrag4o num dado momento, os sistemas de exames © contro- Jes para passar para niveis superiores de educagiio, assessores e técnicos diversos, a estrutura do saber de acordo com os grupos de especialistas dominantes num dado momento, elaboradores de materiais, os seus fabricantes, editores de guias ¢ livros- texto, equipes de professoves organizados, etc. O curriculo pode ser visto come um objeto que cria em tomo de si campos de agdo diversos, nos quais muiltiplos agentes ¢ forgas se expressam em sua configuragio, incidindo sobre aspectos distintos. Fo que Beauchamp (1981, p. 62) chamou de sistema curricular, Para sua compreensao nao basta ficar ma configuragiio estdtica que pode apresentar num dado momento, é neces- sdrio vé-lo na construgae interna que ocorre em tal proceso. Nesse: sistema, as decisdes nao se produzem lineurmente concatenadas, obede- cendo a uma suposta diretriz, ner sdo frutos de uma coeréncia ou expressiie de uma mesma recionalidade. Nao so estratos de decisGes dependentes umas de outras em estrita relagao hicrarquica ou de determinagado mec4nica ec com hicida cocréncia para com determinados fins. Os niveis nos quais se decide e configura 9 curricula nao guardam dependéncias estritas uns com os outros, So instiincias que atuam conver- gentemente na defini¢io da pratica pedagégica com poder distinto ¢ através de meca- nismos peculiares em cada caso. Em geral, representam forgas dispersas ¢ até contra- 102 J. Gimeno Sacristin ditérias que criam um campo de “conflito natural”, come em qualquer outra realida- de social, abrindo, assim, perspectivas de mudanga nas proprias contradigGes que apresentam, opgiies alternativas, situagdes frente &s quais tomar partido, ctc. De al- guma forma, cada um dos subsistemas que intervém na determinagae do curricule real tem algum grau de autonomia funcional, embora mantenha relagOes de determi- nagao reciproca ou hierfrquica com outros, Mesmo que se pretendesse, por exemple, que 05 livros-texto seguissem as diretrizes do curriculo proposto ¢ regulado pela administragao, eles criam por si mesmos wma realidade cunricular independente € concorrente com a definida pela administragio, porque desenvolvem um espago de autonomia prdprio do subsistema dos meios diditicos. Ouira peculiaridade reside em que cada subsistema pode atuar sobre os diferen- tes clementos do curriculo com desigual forga ¢ de diferente forma: conteddos, estra~ tégias pedagégicas, pautas de avaliacio, O equilfbrio de forgas resultante dé lugar a. um peculiar grau de autonomia de cada um dos agentes na definigdo da pratica. O equilfbrio particular, em cada caso, é a expressio de uma determinada politics eurtcular. Um campo para entender 9 curriculo deve compreender essas determinagoes reciprocas para cada realidade concreta ¢ para as contradigées que se criam, ou, igual- ‘mente, tomar explicilas as linhas de politica curricular que se seguemn em cada siste- ma. Se o curriculo é um objeto em construgao cuja importincia depende do préprio processo, é preciso ver as instincias que o definem. Entre mis, pela tradigdio de inter- vengaio administrativa sobre o curriculo na escola ¢ frente & caréncia de um campo democritico para analisar ¢ discutir possiveis esquemas de governos da instituigao escolar e de seus contetidos, se careceu de qualquer propoxigio global sobre esse pro- blema, Aqui, a técnica pedagégica para desenvolver o ensino foi algo que competia aos professores, enguanto que as decisdes sobre o conteddo de sua pritica eram res ponsabilidade da administrago, € ambas as instincias estiveram separadas scmpr= por uma barreira de incomunicagio, devido as relagties autoritérias ¢ burocratizadas: entre os professores ¢ as autoridades administrativas mediatizadas pelo corpo de ins- petores. Q sistema global que configura o curriculo representa um equilfbrio muito pe- culiar em cada sistema educativo, com uma dindmica propria, que pode mostrar varia Ges singulares cm diferentes niveis do mesmo, Podemos considerar que © curricula Sue se realiza por meio de uma pritica pedagégica é o resultado de wma série de influéncias convergentes ¢ sucessivas, coerentes ou contraditérias, adquirindo, dessa forma, a caracteristica de ser um objeto preparado mum processo complexo, que s= transforma e constréi no mesmo. Por isso, exige ser analisado nao como um objeto estitico, max como a expressfio de um equilibrio entre miltiplos compromissos. E mais uma vezesta condigio é-crucial tanto para compreender a pritica escolar vigente como para tratar de mudé-la. A visio do curriculo como algo que se constréi exige um tipo de intervengao aliva discutida explicitamente num processo de deliberagiio aberto por parte dos agen tes participantes dos quais estd a cargo: professores, alunos, pais, forgas sociais, Bru pos de criadores, intelectunis, para que no seja uma mera reprodugao de decisdes & tnodelagdes implicitas. Nem o curricula como algo tangivel, nem os subsistemas que os determinam sfo realidades fixas, mas histéricas. ‘Desentranhar as relagSes, conexGes e espacos de autonomia que sc-estabelecem no sistema curricular é condicao sine qua non para entender a realidade e para poder estabelecer um campo de politica curricular diferente para uma escola & para uma época diferente da que definiu a escola que a democracia espanhola herdou. Um OCuniculo 103 trabalho que é importante porque a democratizacio do Estado foi acompanhada de uma mudanga histérica na sua organizagado, com reflexo- em muuitas dreas da atividade politica, e de forma muito evidente na educagaio, Uma primeira conseqiiéncia destas apreciagées é a mecessidade de qualificar 0 campo curricular como objeto de estudo, distinguindo suas dimensécs epistemolégicas, suas coordenadas técnicas, a implicagio do professorado, as vias pelas quais se trans- mitem ¢ modelam as influéncias dentro do sistema curricular seus determinantes politicos. Se ndéo entendemos este caréter processual, condicionado desde miltiplos Angulos, podemos cair na confusio ou numa visdo estdtica ¢ a-histérica de curricula, Em muitos casos, fala-se de curriculo referindo-se as disposigées da administragio regulando um determinade planode estudos, a relacdo de objetivos, aox contetidos, as habilidades, etc.; em outros, ao produto “engarrafado” em determinados materiais, como é 0 caso dos livros-texto; ds vezes, se refere i estruturagio de atividades que 0 professor planeja c realiza em sala de aula; as vezes, se refere As experiéncias do aluno na aula. Informes de avaliagdo de experiéncias ou programas também encerram um significado do curricula ou dos processos ¢ produtas de aprendizagem consideradas valiosas. O conceite curriculo adota significados diversos, por qué, além de ser suscetfvel a enfoques paradigmadticos diferentes, é utilizado para processos ou fases distintas do desenvolvimento curricular. Aplicar o conceito curriculo somente a alguns desses processos ou fases, além de ser parcial, cria um puzele de perspectivas dificeis de integrar numa teorizagao coerente. Se encontramos concep¢Ges tho diferentes sobre o que ¢ o curriculo, deve- seem parte ao fate de que se centram erm alguma das fases ow momentos do processo de transformagéo curricular. Por isso, em certa medida, todas elas sfio parciais e, de alguma forma, contém parte da verdade do que é © currfculo. Por outro lado, reproduzindo o discurso te6rico sobre o cunriculo, que se realiza em outros contextos culturais ¢ educativos, temos acesso a enfoques sem correspon- déncia clara em nossa realidade, pois, em outros paises, sobretudo no mundo anglo- saxio, houve uma longa tradicao de trabalho com @ curriculo, no qual se diferencia ram facetas e fun¢ées muito diversas como o plano, a dissemina¢ao, a implantagao, a avaliagao curricular ou a imovagdo, nas quais trabalham especialistay diversos que nao proporcionaram uma teoria unitdria do processo do curriculo em sua totalidade, mas que criaram discursos parciais. A falta de integragdo de tais discursos é um defcito da tcoria tradicional sobre o curricula (Gundry, 1987, p. 41), Finalmente, qual- quer tentative de organizar uma teoria coerente deve dar conta de tudo o que ocomre esse: sistema curricular, vendo como.a forma de seu funcionamento num dado contex- to afeta ¢ da significado ao préprio curriculo. © importante deste cardter processual analisar e esclarecer o curso da objetivagiio e concretizagio dos significados do currfculo dentro de um processo complexo no qual sofre miltiplas transformagoes. Um politico ou administrador que acredita poder mudar a pratica modificando o curriculo que cle prescreve desde as disposigdes legislativas ou regulagSes administrativas esquece, por exemplo, que no So suas disposigées as que incidem diretamente na pratica, Obviamente, os profes- ando programam ¢execulam a no costumam partir das dixposigdex ragiio. As orientagdes ou prescrigdes administrativas costumam ter escas- so valor para articular a pritica dos docentes, para planejar atividades de ensino ou para dar contetido definido a objetivos pedagégicos, que por muito especificos que sejam e por mais concreta definigao que tenhum, no podem transmitir ao professor co que é preciso fazer com os alunos, 0 quc Ihes cnsinar. Miiltiplos dados de pesquisa apontaram este fato. Os professores, quando prevéem sua pritica, através dos plane- 104 1. Gimeno Sacristin jamentos que realizam, consideram que sua experiéncia anterior € os livros-texto tm tanta utilidade quanto considerar os documentos eurriculares oficiais (Salinas, 1987). Eumexemplo de que, se entendemos por curricula as suas prescrigGes administrati- vas, estaremos falando de uma realidade que néio coincide com 0 curricula com 0 qual os professores ¢ os alunos trabalham. Brophy (1982) distingue sete momentos ou fases nos quais 0 curriculo se reduz, distorce ou altera: o curriculo oficial, as transformagées em nivel local, o curricula dentro de uma determinada escola, as modificagdes que o professor introduz pessoal mente, o que cle realiza, a transformagao que ocore no préprio processe de ensino ¢, por Gltimo, o que realmente os alunos aprendem, Desentranhar este processo de “construgio curricular” € condigao no apenas para entender, mas também para detectar 2s pontos nevidlgicos que afetama transfor- magdio processuwal, padendo assim incidir mais decisivamente na pratica. Distinguire- mos seis momentos, niveis ow fases no pracesso de desenvolvimento, que descobrert campos de pesquisa peculiares, que nos ajudam a compreender conexies entre tais nivdis ¢ que Lornam manifesto como, previamente ¢ em paralclo ao que denominamos pratica pedagdgica, existem cssas outras priticas. F preciso utilizar, messes niveis, pectivas ¢ metodologias diversas, o que mostra que o campo do curriculo é tam- bém de integracko de conhecimentos especializados, paradigmas ¢ modelos de pes quisas diversos. ‘Na figura a seguit propomos um modelo de interpretagiio de curriculo come algo construido no cruzamento de influéacias ¢ campos de atividade diferenciados © inter-relacionados. ‘Acreditamos que é um modelo explicative adequado, sobretude para uma este tura de gestaio centralizada na qual os espacos de autonomia das instincias interme- didrias sio bastante limitados @ priori. Embora pareca um modelo de dependéncias lineares e hicrarquizadas, nos serviré pera demonstrar suas disfunges e esferas de autonomia que representam forgas, como diziamos, concorrentes. A histéria recente: do curricula na Espanha, para os niveis universitirias, deixou um decisivo legado de intervencionismo. administrative com pretensao de determinar de forma concreta & prética pedagégica e com poucas concessies em niveis intermedidrios de decisio. Nao se trata, pois, de oferccer um modelo normative de tomada de decisbes & seguir, nesse caso, proporiamos romper certos pressupostos dese modelo vertix cal, Na realidade, com diferente grau e Zorga de influéncia entre elementos, trata-se de um modelo cujas fases tm inter-relagdes recfprocas e cireulares entre si, mas, ma atual conjuntura espanhola, 0 fluxe de influéncias tem funcionado predominantemente e-continua fazendo-o cm diregiio vertical descendente. Esclareccremos brevemente: o sign’ficado desses niveis ou fases na objetivagaio do significado do curriculo, cujo desenvolvimento poderd ser visto nos proximos capitulos, 1. O curriculo prescrito. Em todo sistema educative, como conseqiiéncia das regulagdes inexordveis as quais est submetido, levando em conta sua significagae social, existe algum tipo de prescrigiio ou oricntagao do que deve ser seu contetida, principalmente em relagao 4 escolaridace obrigatéria. Sio aspectos que amam come referéncia na ordenagdo do sistema curricular, servem de ponto de partida para & claboragio de materiais, controle do sistema, etc A histéria de cada sistema ¢ a poli tica emcada momento dio lngar a esquemas varidveis de interven¢ao, que mudam de um pais para outro. 2. O curriculo apresentado aos professores. Existe urna série de meios, clabora- dos por diferentes instancias, que costumam traduair para os professores o significado: CURRICULO EM AGAG CURRICUILO REALIZADO = Efeitos complexos: explicies-acultos, ern alunes @ professores, mela axtarice, atc 4. A objetivagiio do curriculo no proceso de seu desenvolvimento. ‘Campo acontmico, politica, social, cultural e administrative: Condicionamentos esco'aras: eos conteddos do curriculo preserito, realizando uma interpretagdo deste. As preset ges costumam ser muito genéricas ¢, nessa mesma medida, nio so suficientes para orientar a atividade educativa nas aulas. O proprio nivel de formacao do professor as condigées de seu trabalho tormam muito dificil a tarefa de configurar a pratica a partir do curricule preserito, © papel mais decisivo neste sentido é desempenhado, por exemplo, pelos livros-texto. 5 3. O curriculo moldade petos profescores. Q professor é um agente alive muito VO na concrelizacio dos contetdos ¢ significadas dos curriculos, moldando a partir de sua cultura profissional qualquer proposta que The ¢ feita, seja através da prescricfio administrativa, seja do curriculo elaborado pelos materiais, guias, livros- texto, ete. Independentemente do papel que consideremos que ele hd de ter neste pro. cesso de plunejar a pritica, de fato é um "tradutor” que intervém na configuragao dos significados das propostas curriculares. O plano que os professores fazem do ensino, ot 0 que entendemas por progeamagao, é um momento de especial significada nessa tradu¢do. Os professores podem atuar em nivel individual ou como grupo que organiza conjuntamente o ensino. A organizagdo social do trabalho docente ter4 conseqiién- Cias importantes para a pratica. 4, 0 curriculo em apdo. E na pritica real, guiada pelos esquemas teéricos & praticos do professor, que se concretiza nas tarefas académicas, as quais, como ele- mentos bisicos, sustentam o que é a aco pedagégica, que podemos notar osignifica- do real do que so as propostas curriculares. © ensino interalivo — nos tecmos de Jackson — € 0 que filtra a obtengdo de determinados resultados, a partir de qualquer proposta curricular. £ o elemento no qual o curricule s¢ transforma em método au no qual, desde outra perspectiva, se denomina introdugao. A andlise desta fase é que dio 106 J.Gimeno Sacrisuin sentido real & qualidade do ensino, acima de declaragiies, propésitos, dotagiio meios, étc. A prdtica ultrapassa os propésitos do curriculo, devido ao complexo co de influéncias, as interagGes, etc. que se produzem na mesma. 5. O curriculo realizado. Como conseqtiéncia da prética se produzem efei complexos dos mais diversos tipos: cognitive, afelivo, social, moral, etc. Sio efei aos quais, algumas vezes, se presta atengao porque sin considerados “rendiment valiosos c procminentes do sistema ou dos métodos pedagdgicos. Mas, a seu lado, se dio muitos outros efeitos que, por falta de sensibilidade para com os mesmos ¢ por dificuldade para aprecid-los (pois muitos deles, além de complexos¢ indefinidos, efeitos a médioc longo prazo), ficariio como efeitos ocultos do ensino. As conseqi cias do curriculo se refletem em aprendizagens dos alunos, mas também afetam professores, na forma de socializagaio profissional, ¢ inclusive se projetam no biente social, familiar, etc. 6. O curriculo avafiade. Pressdes exteriores de tipo diverse nos professores — como podem ser os controles para liberer validagbes e titulos, cultura, ideologias teorias pedagdégicas — levam a ressaltar na avaliacfio aspectos de curriculo, tah cocrentes, talvez incongrucnies com os propésitos manifestos de quem prescreveu curriculo, de quem o elaborou, ou com os objetives do proprio professor. O curricula: avaliado, enquanto mantenha urna consténcia em ressaltar detenminados componen- tes sobre outros, acaba impondo critérios para o cnsino do professor e para a aprendi- zagem dos alunos. Através do curriculo avaliado se reforga um significado definide a prétiea do que é realmente, As aprendizagens escolares adquirem, para o aluno. desde os primeiros momentos de sua.escolaridade, a peculiaridade de serem ativicades: e resultados valorizados. © controle do saber ¢ inerente fungdo social estratificadora daeducagio ¢ acaba por configurar toda uma mentalidade que se projeta inclusive nos: aiveis de escolaridade obrigatéria c cm priticas educativas que niio tém uma fangio | seletiva nem hierarquizadora. Pode se comprovar que: cm cada um desses niveis se criam atuagdes, problemas _ para pesquisar, etc., que, com o tempo, costumam determinar tradigdes que sobrovive- rio como comportamentos auténomes. Imersos nelas se dificulta a visio integral do provesso de transformagdo é concretizagio curricular, principalmente quando rece- bem atengio como capitulos desconectacos no pensamento € na pesquisa pedazdégi- ca. Analisaremos as priticas que se originam em cada uma dessas fases ou esferas de transformacdo, porque todas elas so clementos que intervém na pratica pedagégi- ca, ainda que os Ambitos nos quais se decide cada uma seja exterior & instituigao escolar. S¢ a educagio reflete processos sociais ¢ culturais exteriores, se Ihes serve ow Ihes remodela em alguma medida, a pmitica curricular é um bom exemplo desse prin- cfpio geral A Politica Curricular e o Curriculo Prescrito Q curriculo preserito como instrumento da politica curricular Fungies das prescrigdes ¢ regulagies curriculares A concretizagio histérica de um esquema de intervenco na Espanha Esquema da distribuigao de competéncias no sistema educative espanhol MaritruLo {CULO PRESCRITO COMO INSTRUMENTO DA POLITICA CURRICULAR Uma teoria sobre o curriculo, além de nos fornecer uma idéia ordenada sobre a validade deste aspecto tio importante da educagdo, deve contribuir para identificar os aspectos da ordem social existente que dificultam a perseguiciio de fins racionais ou que marcam o tipo de racionalidade legitimada por essas condigSes, para que sc possa tomar consci€ncia dos mesms ¢ assim superar os condicionamentos (Carr ¢ Kemmis, 1988, p. 143). O eurriculo nao pode ser estendido & margem do contexto no qual sc configura © tampouco independentemente das condigdes em que se desenvolve; € um objeto social e histérico-e sua peculiaridade dentro de um sisterna educativo 6 um importan. te traco substancial, Estudos academicistas ou discuss6es tedricas que ndo incorpo- fem 0 contexto real no qual se configura ¢ desenvolve Ievam & incompreensiio da pripria realidade que se quer explicar, Lawton (1982) considera que é diffcil, se nao impossivel, discutir 0 curriculo de forma relewante sem colocar suas caracteristicas num contexto social, cultural ¢ histérico, senco parte muito significativa desse con- texto a politica curricular que estabelece decisivamente as coordenadas de tal con- texto. A politica curricular governa as decisées gerais ¢ se manifesta numa certa ordenagao juridica ¢ administrativa. A politica sobre o curriculo é um condicionamento da realidade pritica da odu- cagdio que deve ser incorporado ao discurso sobre o curriculo; é um campo ordenador decisive, com repercussdes muito diretas sobre essa pritica e sobre © papel e margem de atuagiio que os professores e os alunos tém na mesma. Niio sé é um dado da reali. dade curricular, como marca os aspectos e margens de atuagiio dos agentes que inter- vém nessa realidade. O tipo de racionalidade dominante na pratica escolar esta condi- cionada pela politica ¢ mecanismos administrativos que intervém na modelagio do eurriculo dentro do sistema escolar. Essa politica que prescreve certos minimos ¢ orientagdes curriculares tem uma importincia decisiva, nao para compreender o estabelecimento de formas de exercer a hegemonia cultural de um Estado organizado politica ¢ administrativamente num Momento determinado, mas sim como meio de conhecer, desde uma perspectiva pe~ 108 J. Gimeno Sacristdn dagégica, 0 que ocorre na realidade escolar, a medida que, neste! des, se lomam decisées e se operam mecanismos que tem fveis de desenvolvimento do curriculo. A politica curricular cria uma dinimica de com: o debate pade ter o interesse adicional da novidade histonica que: e divisdo das compeléncias no Estado a partir da aprovagao da Ge e dos respectivos Estatutos nas Comunidades Autonomas, aos que cada instincia administrativa possui. A transformagao que sey ctapa histérica foi proposta desde uma verlente eminentemente de poderes, reconhecimento de nacionalidades © Tegides dentre mas sem qué se tenha feito uma andlise explicita cocrente dos! curricular que o nove modelo implica. Por isso, naa serd est mecanismos historicamente muito assentados em etapas No primeiro capitulo declardvamos que o sistema regulagiies econémicas, politicas ¢ administrativas, Tendo oa io evidentes na ordena¢do do sistema educativo, na estruturaed buigdo do professorada, é légico que um sistema escolar co diretamente pela administragio educativa produza uma re se explica no 96 pelo interesse politico bisico de controlarae ideolégico, mas também pela necessidade téc: ou Ta proprio sistema educative, o que é uma forma tccnificada de i ‘co. A passagem de alunos pelo sistema escolar, a necessidadie sao tenha relaciio com o dominio progressivo de alguns comme hdsicos, a ordenagio do professorado especializado em dreas ome lo, o controle minimo na expedigio de validagées, etc. leva a nistrativa inexordvel. A regulagGo dos sistemas curriculares pe litico ¢ administrative € uma conseqiiéncia da propria estrutar: da fungdo social que cumpre, Pensar em outra possibilidade ‘outra sistema educativo e.em outra sociedade. Os curriculos recaem cm validagées que, dentro de um conhecimento é componente essencial a qualquer setor’ ir uma forte incidéncia no mercado de trabalho. A ordenagao doe intervengio do Estado na organizagio da vida social. Ordenar aa nhecimento através do sistema educative éum modo nao sé. dea também em toda a ordenagio socisl c econdmica da sociedade. de complexa é inimagindvel a ausincia de regulayGes ordenad demos encontrar graus ¢ modalidades diferentes de intervenyie. modelos politicos, que tm diferentes conseqiiéncias sobre 0 fms ‘0 sistema, Dossa forma, a administragdo ordenadora do curriculo © = mono podem ser separadas em nosso caso. Falar da politica é tratar de retirar o significado da ordenagiio do contetido da cee emaranhado de disposigées administrativas sobre estes fatar: pa de centralizagdo e de autoritarismo que levou a um interves os tuado, Um casamento que se expressa de forma muito diferente do sistema educative, de acordo com a importincia politica de = nivel e cm funcio do grau de autonomia atribuida aos professors A partir desta proposigio, se deduzem dois efettos pritica educaliva supde alterar # politica sobre 0 curriculo no.gme OCuriculo 109 80 pedagdgica tem um componente politico iniludivel. b) Por outro lado, cria-se uma dependéncia do clemento téenico-pedagégico, ¢ de alguma forma também de todo o pensamento sobre o curriculo, quanto as decisées administrativas que orde- nama realidade escolar, uma vez que esse modelo de intervengao gera todo um siste- ‘ma burocritico, uma determinada legalidade ¢ até uma mentalidade em professores ¢ ‘em especialistas ou técnicos que chegarao a considerar o modelo de intervenciio como um dado da “realidade™. ‘Ao que nos referimos quando falamos de politica curricular? Este ¢ um aspecto especifico da politica educativa, que estabelece a forma de setecionar, ordenar e mudar o curricula dentro do sistema educativo, tormando claro o poder e a autono- mia que diferentes agerites tém sabre ele, intervinda, desset forma, tet distribuigde da conhecimento dentro do sistema escolar ¢ incidindo na prdtica educativa, enquante apresenta o curriculo a seus consumidores, ordena seus conteticdos ¢ cddiges de dife- rente tipo. Em termos gerais, poderiamos dizer que a politica curricular é toda aquela deci- sfo ou condicionamento dos contetidos ¢ da pratica do desenvolvimento do curriculo a partir das instincias de decisao politica ¢ administrativa, estabelecendo as regras do jogo do sistema curricular. Planeja um campo de atuacaio com um grau de flexibilida- de. para os diferentes agentes moldadores do curricule..A politica € um primeira condicionante direto do curriculo, enquanto o regula, ¢ indiretamente através de sua agio em outros agentes moldadores. A politica curricular estabelece ou condiciona a incidéncia de cada um dos subsistemas que intervém num determinade momento histérico. O curricula prescrito para o sistema cducativo ¢ para os professores, mais evi- dente no ensino obrigatdrio, é a sua propria definigao, de scus conteridos ¢ demais orientagies relativas 208 cédigos que o organizam, que obedecem as determinaghes que procedem do fato de ser um objeto regulado por instincias politicas e administra- tivas. A intervengio politica sobre o curriculo, ao estabelecer concretamente os mini- mos para todo o sistema educative ou para algum de seus ni eumpre diferentes fungées que é preciso esclarecer para dar a esta fase de decisiies seusjusto valor © analisar as conseqléncias de expressar as prescrigies dessa ou daquela forma. A partir da experiéncia histérica que temos, qualquer esquema de intervengiio neste sentido pode parecer negative ¢ cerceador da autonomia dos docentes coma supostos cspecialistas da atividade pedagégica ¢ do desenvolvimento curricular. A intervengio administrativa supés uma caréncia de margens de liberdade nas quais expressar as tendéncias criadoras ¢ renovadoras do sistema social ¢ educativo. Numa sociedade democritica, que ademais garante a participardo dos agentes da comuni- dade edueativa cm diversos niveis, € preciso analisar a intervengao ou regulagao do curriculo desde outra perspectiva. Em muitos casos a politica custicular esta longe de ser uma proposigdo explicita , perdendo-se numa mentalidade difusa, aceita muitas veres como uma historicamente configurada, dispersa numa séne de regulagGes desconectadas E mais clara ali onde o controle é realizado de modo explicito ¢ onde é exercida por mecanismios Coercitivos que nao sc ocultam. Mas, a medida que o con- trole deixa de scr cocrcitivo pura se tecnificar ¢ ser exercido por mecanismos buro- criticos, se oculta sob tegulamentagées administrativas ¢ “orientacGes pedagégicas” com boa inteng4o, que tém a pretensiio de “melhorar” a prética. A falta de clareza e de-um modelo politico neste sentido também tem relagdo com a.caréncia de um siste- ina explicitamente proposta e aceito de controle do curricula ¢ com a falta de consi- 110 J. Gimeno Sacristin FUNGOES DAS PRESCRICOES E REGULAGG=S CURRICULARES deragdio da politica curricular como part? essencial da politica educativa, instru to para incidir na qualidade do ensino. A politica curricular pode ser sistematizada em tora de uma séne de aspect ‘ow itens que contribuem para lhe dar forma c para que logre, sejam quais forem caminhos, sua fungdo reguladora. Analisando esses caminhos de intervengiio co preendcremos o sentido do curricule. como campo no qual se expressa uma ago nao sendo de tipo pedagdgico, tem amplo poder de enquadrar o que é a pritica ensino, Para dispor de uma primeira sistematizago, consideramos conveniente abse ‘var os seguintes aspectos: a) _Asformas de regular ou impor uma determinada distribuigio do con! mento dentro do sistema edocativo. b) 0 Estrutura de decisGes centealizadas ou descentralizadas na regulagio ¢ controle do curricula. As opgées que forem tomadas nesta dimensiio de limitam os espacos de liherdade atribuidas a diversos agentes ¢ ins as que intervém na configuragao do curriculo: administray-o central, outt administragées, escolas, professores, criadores de materiais, ctc. Ou que regula explicitamente essas margens ou porque as permite ou as mula. Em cada caso se desenvolvem mecanismos de “resisténcia’ flexibilizam e até fazem inoperantes as regulagSes em algumas situages sem deixar de estar dentro do sistema, ©) Aspectas sobre os quais esse controle incide: vigilincia para determinar @: cumprimento dos objetives ¢ aprendizagens considerados minii ordenamento do processo pedagégico ou inlervengdo através das didaticos, d) Mecanismes explicitos ou ocultos pelos quais se exerce o controle 30 a priitica ¢ a avaliugio da qualidade de sistema educativo: regulagfio de processo, inspegdo sobre as escolas ¢ professores e avaliagio externa. importante analisar o grau de conhecimente e tipo de utilizagao das infor Tugies sobre o sistema educativo, e) As politicas de inovagaio do curriculo, assisténcia as escolas ¢ de ap coamento dos professares camo estratégias para melhorar a qualidade do ensino. E importante ver o papel especffico dos meios técnicos express mente dirigides para organizaro-curricule em planos ou esquemas molddvel pelo professorado, devido a decisiva influéncia na intervengio do currice- lo. Portanto, desde a politica curricular é preciso ver que campo se oferess para sua criagdo, consume ¢ inovagao. ‘0 primeiro nivel de defini¢o do curriculo nos sistemas educativos minimamente organizados parte da instincia politico-administrativa que o ordena. Tal definigao ¢ as formas de realizd-la cumprem uma séric de fungdes dentro do sistema social, do siste- ma escolar ¢ na pritica pedagégica, que se realiza por diferentes caminhos. Cada sistema educalivo em fungaio do csquema de politica curricular que segue, de acordo com sta prépria historia, estabelece pautas de funcionamento peculiares que 0 carac terizam. Comentaremos essas fungdes, qué vém a ser as coordenadas bisicas para & andlise da politica curricular. OCuniculo 111 Curriculo Prescrito como Cultura Comum Em primeire lugar, a prescrigko de minimos ¢ de dirctrizes curriculares para um sistema educative ou para um nivel do mesmo supSe um projeto de cultura comum para. os membros de uma determinada comunidade, & medida que afcta a escolaridade obrigatéria pela qual passam todos os cidadiios. A idéiado curricule comum na educa- 80 obrigatéria € inerente a um projeto unificado de educagao nacional. Numa socie- dade autoritéria expressa o modelo de cultura que o poder impée. Numa sociedade democrdtica tem que aghutinar os elementos de cultura comum que formam o consenso democnitico sobre as nevessidades culturais comuns e essenciais dessa comunidade. Determinar esse micleo. em culturas.c sociedades mais homogéncas é uma tarefa me- nos conflitiva do que no caso de sistemas que acolhem culturas heterog@neas ou com minorias culturais de diversos tipos. A busca de um denominador comum para essa cultura basica tem seu reflexa num problema que manifesta, pois, vertentes politicas, culturais ¢ educativas, € a discussio sabre o core curriculum ou componentes curriculares baseados nas neces- sidades de todos os alunos. Dessa cultvra comum fazem parte ox conteddos, as aprendizagens basicas ¢ as onentagées pedagépicas para o sistema, a valorizagio de contedidos para um determi- nado ciclo de estudos etc, Determind-la nos primeiros momentas da escolaridade obri- gatéria no coloca grandes controvérsias, ao existir um consenso maior sobre o que ha de fazer parte da educagiio nessa etapa; fazé-lo mais adiante, quando a cultura escolar tende a se diversificar em opgdes distintas relacionadas com diversos fimbitos cultu- rais e profissionais mais especializados (cientificos, humanisticos, artisticos, técni- cos ¢ relativos a opeies prafissionais diversas, etc.), obriga a tomar decisoes cuja significado tem uma transcendéncia social de primeira ordem, pois esses campos culturais de formagdo supdem opgées de desenvolvimento intelectual, com valoriza- gées distintas na sociedade ¢ com diversas oportunidades de coneadv como mundo do trabalho especializado. No caso do ensino secundario, o curriculo basico ou core curriculum & a parte comum, para todos, complementada com tempos ¢ materiais diversificados por opedes. Z 4 Por isso, a idéia de um curriculo minimo comum esté ligada A pretensio de uma escola também comum. A existéncia desse curriculo minimo obrigatério se justifica no caso para facilitar uma escola freqiientada por todos os alunos, seja qual for sua condi¢So social (Skilbeck, 1982), seja a priméria, soja a escola compreensiva no nivel de educago secundiria, O debate curricular € parte da justificagéo social, cultural e educativa da escoluridade obrigaléria, completando ¢ dando sentido & missin de cus- tédia que a escolarizag4o mas sociedades modernas inexoravelmente tem. Partindo do fato de que em nossa sociedade existem diferengas culturais ¢ desi- guais oportunidades ligadas a desigualdades socioeconémicas ¢ culturat defini- g30 do micleo curricular minime — ou de qualquer cultura normatizadora — nao é uma decisiic inocente e neutra para as diferentes coletividades sociais, cujas experiéncias culturais extra-escolures ¢ suas expectativas de fumuro conectam desigualmente com essa cultura comum ¢ com o que fique fora dela. Numa sociedade heterogénea ¢ com desiguais oportunidades de acesso 4 cultura, o cunriculo comum obrigatério tem que ser enfocado inexoravelmente desde uma perspectiva social. ‘0 curricule comum contide nas prescrigdes da politica curricular supée a defi- nigdo das aprendizagens exigidas a todos os estudantes ¢, portanto, € homogéneo para todus as escolas. Implica a expressiio de um tipo de normalizagao cultural, de 112 J. Gimeno Socristiin uma politica cultural e de uma opgao de integragao social em torne da cultura por: definida. O Curriculo Minimo Prescrito e a Igualdade de Oportunidades De um ponto de vista social, portanto, principalmemte num sistema educative: com centres privados ¢ pblicos que acolhem diferentes tipos de alunos, a existéncas, dos mfnimos curriculares regulados deve expressar uma cultura que se con valida para todos. Isso supdc, desde uma politica educativa progressista (para que nao seja tachada de igualadora com os menos dotados, desvalorizando assim o sist ma educative é a qualidade do ensino), a necessidade de acompanhd-la dos meios para tomar essa cultura comum efetiva, que realmente garanta o dircito a uma educa gao de qualidade aos que tm menos recursos para enfrenté-la com sucesso, buscan- do a igualdade de oportunidade a saida do sistema. O “minimo™ marca uma norma: qualidade de conhecimentos ¢ aprendizagens bisicas para todo o sistema, que preci- sa uma politica compensatéria para os mais desfavorecidos. Evitar esse problema suporia situar tais minimos a um nivel muito baixo ou esquecer-se de suas implica ges sociais, isto é, de que nem todos poderiio aborda-los com as mesmas probabil dares de sucesso. CO reconhecimento desse valor fundamental, que a regulagio dos minimos oa | curriculo comum tem, néo deve nos fazer cair na ingenuidade de acreditar que se cumpriré tal potencialidade pelo fate de ser regulada administrativamente. E preciso: analisar seu poder igualador ¢ normatizador cultural através dos meios pelos quais se exerce, quer dizer, com que procedimentos ¢ instrumentos a cultura comum s¢ iit | pile, se sugere ¢ sc toma efetiva. Por qué, evidentemente, ¢ apesar da boa vontade de reformadores bem-intencionados, as disposigdes administrativas n&o tém tanto poder como poderia se deduzir da contundéncia e da proliferagiio com que ds vezes so exercidas. A existéncia ou nao de meios eficazes de controle sobre a pratica escolar a andlise dos recursos que o curriculo apresenta.a professeres ¢ a alunos ajudar-nos io a matizar a importincia que se possa dar A prescricdo curricular como fonte de incidéncia directa na cultura escolar que se realiza na pratica, Algo que: se: tratard com mais detalhes no capitulo seguinte. A definicgo de minimos para o ensino obrigatério nao é, pois, um problema Puramente técnico ou de regulagao burocrdtica do curriculo, mas sim adquire uma profunda significagio cultural e social, expressando uma importante opeaio politica, daqual é preciso examinar todas as conseqiiéncias. Neste aspecto a politica curricular se converte num elemento da politica educativa c cultural como expressiio também da politica social para toda uma comunidade. Na decisiio de que cultura se define como minimae obrigaldria estd se expressando o tipo de normatizagio cultural que a escola propée aos individnos, a cultura ¢ o conhecimento considerado valioso, os padrées pelos quais todos serdo, de alguma forma, avaliados ¢ medidos, expressando depois para a sociedade o valor que alcancaram nésse processo de normalizagio cul- tural. Se todo ¢ curriculo contém um projeto de socializacao para 0 aluna, 0 mos regulados como exigéncias para todos denotam mais claramente essa fungio. OCuriculo 113 Curriculo Prescrito e a Organizagao do Saber dentro da Escolaridade ‘Tal como se disse anteriormente, a regulagio do curriculo € inerente A propria existéncia de um sistema escolar complexo que, através das validagGes que distribui, regula o consume cultural ¢ qualifica para dar entrada aos individuos em diferentes postos, numa sociedade na qual os saberes escolares, ou ao menos sua validade, sio tio decisives. O curriculo preserito, quanto a seus contetidos e a seus cddigos, cm suas diferentes cspecialidades, expressa o contetido base da ordenagiio do sistema, estabelecendo a seqiiéncia de progresso pela escolaridade ¢ pelas especialidades que o compiem. Parcelas do curriculo em fungio de ciclos, etapas ou niveis educativos, marcam uma linha de progressao dentro de um mesmo tipo de contetidos ou assina- Jando aspectos diversos que é necessdrio abordar conseculivamente num plano de estudas. A regulagio ou intervengdo do curriculo é realizada de miiltiplas formas & pode se referir aos mais variados aspectos nos quais incide ou é feito: em seus contedidos, cm seus codigos ou nos mefos através dos quais se configura na pratica escolar. Uma intervengao € tao cficaz quanto a outra, ainda que desigualmente ma- nifesta num caso ¢ noutro, pode-se realizar de forma direta ou indireta. Intervém-se determinando parcelas culturais, ponderando umas mais que outras, ao optar por determinados aspectos dentro das mesmas, quando se din orientagdes metodolégicas, ao agrupar ou separar saheres, ao decidir em que momento um conhecimento € pertinente dentro do processo de escolaridade, ao proporcionar seqiléncias de tipos de cultura e de contetidos dentro de parcelas diversas, quando se regula o progress dentro da escolaridade — a promogie dos alunos -, av ordenar o tempo de wa aprendizagem ~ por curso, por ciclos —, dizendo o que € curriculo obrigatério ¢ o que € curriculo optativo, intervindo na oferta que se pode escolher, atribuindo tipas de saberes a ramos especia los paralelos dentro do sistema escolar, cegulando os meios ¢ o material diddtico, incidindo indiretamente com a dotagao de materiais que se consideram necessdrios ow ndo nas escolas, ordenando 0 cspago escolar — reatro do desenvolvimento do curriculo — 0 mobilidrio, o funcionamento das esco- las, estabelecendo diligéncias intermedidrias para o desenvolvimento curricular, regulando a avaliacao, ete. : Essa ordenagdo, que pode manifestar-se com distintos graus de concretizagio na prescrigéio, se apresenta as vezes como [acilitadora e orientadora do professorado, nao apenas para indicar os caminhos que realizem a prescricio curricular, mas tam- bém como uma ajuda profissional que nao supde prescri¢4o obrigat6ria em si mesma. Aregulagao administrativa do curricula, com sua minuciosidade ¢ entrada em terre- no estrilamente pedagégico, quis sc justificar entre nés como uma via indireta de formagao dos professores que tm que desenvolver na pratica o curriculo prescrito, para 6 qual dita nfio apenas contetidos ¢ aprendizagens consideradas minimas, mas trata também de ordenar pedagogicamente o processo. Fornece “orientagdes” metodolégicas gerais, sugere as vezes paulas mais precisas de tratar determinados temas; nao apenas regula as avaliages que so fariio ¢ em que momentos, mas fala também das técnicas de avaliagao a serem realizadas, etc. ‘A mistura dessas duas fungtes bésicas ¢ as vezes contradilérias = prescrever os minimos e orientar 0 proceso de ensino e a aprendizagem pedagégica — leva a uma politica contraditéria que certamente é ineficaz no exercicio real de cada uma dessas duas fungSes em separado, Nem se controlam os minimos na pratica, porque o modelo de controle vigente entre nés nao o permite, nem se orienta o processo pedagdgico ou. se forma realmente o professorado através desta tatica de intervengao. Publicar mini- 114 J. Gimeno Sacristén mos ¢ orientagdes é expressar uma determinada op¢io que nin se cumpre pelo fa de explicité-la, senZo através de outros meios. Por mais intervencionismo ques queira exercer, nunca se pode chegar a pratica dirctamente, mesmo tendo-se fei indiretos, positivos no pressupasto de que. seja uma boa orientagiio e alguns vos em qualquer caso. Uma série de fatores pode explicar essa tentativa de intervir na pritica nas las: a) A valorizagio nfio-manifesta por parte da administrago de que nlio s dispée de um professorado adequade pedagogicamente, unido 4 boa i fengao de facilitar sua adequacao a novas orientagoes pedagégicas pa desenvolver o curriculo. Apreciagdo que justifica a razdo para a entre nds, a preserigfio minucinsa se desenvolveu sobretudo no nivel ensino primério. b) A aparente facilidade ¢ baixo custo que supic “expor” ¢ propor um mi delo pedagégico desde disposigées administrativas com a crenga dé q . sna propria publicidade faz com que sc implante em alguma medida Pritica. Uma uitica de atuagdo administrativa que até poderia autojustifics em certos casos, a falta de atengSo ao aperfeigoamento dos professores! a auséncia de medidas noutros campos como o da dependéncia des quanto a certos materiais didticos, que, por sua vez, a propria adminis traciio cducativa aprova_ c) A sobrevivéncia de um esquema de intervencio ¢ de controle sobre proceso educative que, por cima de intencdes declaradas, induz. pre tensiio de intervir na execugSo pritica do curricula, motivado por cert desconfianga no professorado, propria de uma longa histéria educati autoritdria. ‘0 Curriculo Prescrito como Via de Controle sobre a Pritica de Ensino Ordenar a pritica curricular dentro do sistema educativo supde indubitavelmen pré-condicionar o ensino, porque as decisées em tomo de determinados cédigos projetam inexoravelmente em metodologias concretas, com distinto grau de eficiés cia em seus efeitos, ainda que nfo existisse uma intencao cxplicita de fazé-lo, se & que se considera este aspecto um dmbito de competéncia proprio das escolas ¢ dos professores. J4 vimos, por cxemplo, as implicagdes que podem ter o ordenar o sab da cscolaridade em parcelas especializadas — cadeiras — ou faz8-lo em torno de de conhecimento. O mesmo se pode dizer de outros cédigos curriculares regulade pela administracio dentro de um campo de politica curricular que pretenda guiar a pritica pela via de regular de alguma forma os processos pedagégicns. Considera: toda essa organizagio como algo inerente A existéncia do sistema escolar. A intervencéio sobre os contetidos curriculares, ao prescrever um curricula, ob mente supée mediatizar a cultura possivel nas instiluigdes educativas. Mas, 4 medida: que, dentro do curriculo, especialmente no caso da educago obrigatéria, passam a se considerar aprendizagens muito diversas ¢ objetives educativos que cobrem todo um projet de desenvolvimento humano em suas vertentes intelectuais, afctivas, socials e morais, a intervengaio curricular, prescrevendo ou orientando, ganha um valor deci- sivo e uma forga muito maior, Este poder acrescentado é uma conseqiiéncia da amplia- go de objetivos curriculares posta nas mios de pautas de controle ¢ de uma estrutura: OCuriculo 115 escolar que evoluiu pouce quanto a suas pautas basicas de funcionamento. Algo para 0 qual 0 proprio discurso pedagégico colabera, como jd argumentamos em outro momenia. © aperfeigoamento da propria técnica pedagdégica para elaborar os curriculos argumenta que um curriculo, como plano tangivel cxpressade documentalmente, nia deve limitar-se especializagiio de tépicos de contetdos, mas deve conter um plano: educativo completo. A ampliagdo de objetivos curriculares, junta a esse conceito téenico de curricu- lo, resulta que, se ndo se revisam as normas de intervengao sobre o mesmo, o curriculo: prescrito e as pautas de controle abrangerdo niio somente uns mfnimos culturais de ordem intelectual para cumprit com as fungSes de politica educutiva assinaladas nos Pontos anteriores, mas também conduzirio a uma infervengdo no préprio processa do ‘ensino ¢ em aspectos pessnais, sociais ¢ morais, incidindo em seus contedidos e em suas formas pedagégicas. A funcdo técnica e de controle inevitavelmente se misturam, com Uma inter-relagin que nao é conveniente, a instincia administrativa se atribui ‘uma fungiio técnica que nfo pode cumprir em boas condigdes, tampouco deve ser estritamente sua funggo, em prol de uma autonomia mais ampla das escolas e dos professores neste aspecto. A administragdo pode e deve regular o sistema curricular enquanto éum elemento de politica educativa que ordena o sistema escolar, facilitando ‘0s meios para que se faga um desenvolvimento técnico-pedagégico adequado do mes- mo, mas niio propondo o modelo definitive. ‘A evolucao pedagdgica é a ampliagio de fins da escolaridade, refletindo nos contetidos curriculares dentro de uma tradigdo administrativa intervencionista © controladora, resulta na intengado de governar, modificar ou melhorar a pritica escolar através das preserigoes curriculares. E um esquema de controle muito mais forte em sua proposigao, que, como contrapartida, tem “a virtude” de ser bastante ineficaz, se sé colocasse com intengao de submeter as priticas escolares aos esquemas prescritos. Algo que nos serve para relativizar a importincia e a eficacia das preserig6es curnculares no caso de que se traduzam ¢m pautas de comportamento na prética, quando se quer utilizd-las para melhorar a qualidade dos procedimentos pedag6gicos. Masa interven— cdo por essa via gera habitos de dependéncia ¢ nfo propicia o desenvolvimento de agentes especificamente dedicados a facilitar o auxilia ao professarado no desenvolvi- mento do curriculo. Na Espanha, uma longa histéria de submissdo da escola a esquemas ideoldgicos impostos, de intervencionismo em seus contetidos ¢ em suas formas pedagdgicus niio Pode evitar a existéncia de professores que fizeram outra educagao mais adequada ‘com os postulados da pedagogia moderna nem a organizagio dos professores inquie- tos nos Movimentos de Renovagdo Pedagdgica. Desde uma proposigio de politica ilustrada ¢ renovadora, a intervencilo sob os mesmos esquemas, ainda que fosse para ‘propor modelos educativos diferentes, nfo evitard Lampouco que haja professores que nic os sigam. © que niio significa que seja 0 mesmo uma opgio politica ou outra, mas: sim manifestar a necessidade para encontrar outros caminhos para melhorar a quali- dade do ensino através da politica curricular que nao seja a regulacdo burocritica da pritica de desenvolvimento do curriculo, ainda que a sua preserigdo tenha o valor de ‘manifestar uma filosofia educativa. O que queremos deixar claro é que tal filosofia se instala on nao na mentalidade dos professores ¢ em seus esquemas de aluagJo pritica Por outrus meios, que sdo os que deveriam estimular a politica cducativa. Este esquema de controle do processo pedagégico tem varias conseqiiéncias negativas: 116 J. Gimeno Sacristin 1) Nao proporciona um verdadeiro si: na de controle do curriculo p avaliar o sistema escolar ¢ suas escolas, detectar as desigualdades as mesmas ou entre zonas, diagnosticar necessidades de formagio do p fessorado ou de educacaa compensatéria, etc. 2) = Deixa entregue a instincia administrativa, que regula o curriculo, a gGo em campos técnicos que correspondem a outros mbites de det pedagdégica. Confunde-se a fungado de controle com a fungio técnica d orientacio, contribuindo assim para forjar um clima de dependéncia pro fissional das instancias que propriamente deveriam atar no campo co-pedagégico, escolas e professores, quanto & burncracia administrate va, mantendo a debilidade profissional dos docentes. A maior dependés cia do professor das regulugfes da administragdo corresponde: um mend desenvolvimento de instancias de modula¢ado intermediaria do curr 3) Criaa ilusiio de que uma politica educativa progressista pode assim de forma ripida ¢ barata sobre o sistema escolar, melhorando a qua de. 4) Descuida ou nfo pondera suficientemente os caminhos e a criagiio recursos estéveis mais eficares a média c longo prazo para proporcion mais qualidade ao sistema, como a melhora da qualidade do profess do, o aperfeicoamento proximo seu local de trabalho e a criagao de mat fiais ¢ meios de qualidade que transfiram © curriculo para planos pr de atuagdo, a dotagdo de melhores meios nas eseolas ¢ a melhor orden gio c funcionamento das mesmas. 5) © controle da qualidade do processo, por meio da inspeciio educati ceria um clima de relacées rarefeitas na educago pela ambigtlidade ¢ co wadigao entre diferentes fungGes atnibuidas 4 figura do inspetor, Na Espanha, uma tradigdo de intervencionismo buroctatico na administragiio, uma histéria de controle ideolégico mmito forte, sobretudo no sistema escolar sobre os professores, a cultura e os meios que a facilitam, nos legou um esquema intervencionista de decisis nas maos da administragio, moldou muitos habitos dem tro do sistema educativo ¢, o que pode ser pior, criou uma mentalidade. O que leva em muitos casos a que nem se sinta necessidade de propor o debate social ¢ cultural que esta impomante decisdo merece, transformando profundamente as pautas de in lervengiio sobre o sistema escolar, iniludiveis em alguns casos ¢ convenicntes ¢ ne- cessirias cm outros. E o que é mais grave; a crenga implicita em muitos, inclusive nos professores, de que essas decisGes so préprias da burocracia ¢ nao da sociedade civil, nem das coletividades profissionais. Umma especificago detalhada do curriculo é incompativel com a adaptagiio pan © individuo, com as variadas e mutantes condigées fora das aulas ¢ com a aulonomia dos professores. Uma pressdio no sentido de que # escola responda as necessidades de aprendizagem para continuar progredindo pelo sistema escolar ¢ adaptar-se a um determinado mercado de trabalho ¢ a preocupagio social ¢ politica pela “rentabilida~ de” da cscola apoiario a cspecificagio dos contetidos curriculares cm diretrizes € contetidos minimes, apoiando-se inclusive na falta de competéncia do professorada (Lauglo ¢ McLean, 1985). ‘A concepgiic eficientista do curriculo que queira responder com pragmatismo is mecessidades sociais ¢ do mercado de trabalho facilitou também essa concepgio instrumental do curriculo, gerando a necessidade de sua regulagio, e até impds um formato técnico sob a forma de esquemas cficientes para expressar os objetivos pre- OCuriculo 117 cisos que se perseguem (Tyler, 1973; Gimeno, 1982). Um formato que inclusive pe- netrou nas formas de prescrever o curriculo minimo da educagio obrigatéria na Espanha em determinados momentos de dpice da tecnocracia educativa, como vere- mos. A concepefo burocritica da eficdcia resulta num modelo de alta defini¢ao ou especificagaio dos meios c dos fins que se podem atribuira cada um dos elementos da organizagao, de acorde com a posigao que nela ocupem, coordenando de farma hic~ rérquica suas atividades (Lauglo e McLean, 1985, p. 21), Desde o esquema de funcio namento de uma burocracia éficientista, algo que se pode definir com preciso per- mite ajustar procedimentos c meios para consegui-lo; se, pelo contrarian, é difuso, nao-especificavel ¢ tem que contar com as peculiaridades de contextos ¢ individuos, nao se pode precisar facilmente, perdendo-se eficicia no ajuste de meios para fins e na busca de resultados. Por mais intervencionismo que a administragao queira fazer ¢ por precisas que suas orientagées pretendam ser, normalmente os professores ndo podem encontrar nas disposigdes oficiais um guia preciso para sua ago, As prescrictes curriculares costumam se referir a contetidos © orientagées pedagégicas que podem ser determinantes, no melhor dos casos, para a ¢laboragio de materiais, se se ajustarem a elas, ow para realizar o controle do sistema, mas mais dificilmente costumam ser reguladoras da pritica pedagdgica des professores de uma forma direta, Deste nivel de decisdes ou de orientagiio nfo sc pode condicionar a pratica pedagdgica cm ter- mos definidos, ainda que sc faca através de outros cédigos ou de forma indireta. Tampouco a partir dessa regulagio ¢ possivel transmitir aos professores uma visio coerente.e articulada de um campo do saber, uma ponderagiio de seus componentes, uma determinada visio do valor de um certo conhecimento ou de experiéncias que abarquem uma disciplina ou drea determinada. Cada disposiglo oficial teria que ser uma espécie de tratadlo pedagégico. Damos um exemplo: na regulagio curricular referente ao Ciclo Médio da EGB, dentro da drea de Ciéncias Sociais, para o quinte curso, dentro do bloco temstica Iniciagda ao Estudo da Espanha, a prescrigio curricular em disposigio legal de 1982 estabelece come niveis de referéncia para o aluno: _ “2. Localizar ¢ cnumerur us regides espanholas ¢ as provincias que as conslilvem, Des= crever de modo elementar ¢ situar os principais acidentes do relewo, os climas mais caracteristions (mediterraney, interior, atlintico) ¢ as bacias fluviais mais importantes da Espanha, Rstudar, em detalhe, um sistema montanhoso da Espanha ¢ uma hacia fluvial” (Decreto Real de 12-IT-1982). Esta disposigao geral para o Estado se concretizou, para o territério controlado pelo Ministério de Educagao, em prescrigdes um pouco mais precisas: Objetives: “4.4.3. Sitar e descrever, de forma elementar, o relevo, as costas ¢ as principais bacias fluvinis. 5.4.4. Deserever os climas mais caracteristicos (mediterrAnco, interior, atlintica) ¢ sua influéncia nas plantaydes, na criago de gado, na distribuigiio da populagao © a0 tipo de moradia” (Ordem de 6-V- 1982). E sugere-se ao professor, como atividades para este iltimo objetiva: 118 J. Gimeno Sacristin Informar-se através do livrotexto ou de consulta, da explicagée do professor, dos m audiovisuais... sobre os trés tipos de clima (mediterranes, interior, ailantica), ‘Desenhur o mapa da Espanha e assinalar com cores diferentes as diferentes 20 climidticas. Indicar a que zona climitica pertence 4 regio c 2 cidade do aluno. Anotar dado alguns fatores climsticos (chuva, temperatura...) ¢ compani-los cam os de outras 0 chimiticas. Observar através de slides, filmes © outros meios audiovisuais como o condiciona a paisagem, 0 tipo de moradia, a roupa, 0 lipo de populagio. Lustrar um mapa da Espanha, sem os nomes das regiées, destacando a seca e a Espanha timida. Confeccionar um mural ilustrado com fotografias, postais, etc.,dos diferentes fives da Espanha. Recolher em listas comparativas os produtos tipicos de cada zona climética, (Os objetivos expressam de forma pretensamente precisa o que € necessiirio ap der, mas € dificil que o professor, a partir dessa formulagio, tenha uma que esses conhecimentos representam para que nao déem lugar a aprendi; ramente decoradas e alguma idéia sobre a forma de organizd-las em ati tantivas. No fim das comtas, os exemplos de atividades sugeridas nao exemplos descarnados que necessilam de uma proposigao metodolégica glohalizadora. As orientagéies, por outro lado, cxigem uma série de recursos que esto A disposigao de boa parte de escolas ¢ professores, exceto & medida que o Ii ‘texto Os apresente. © curricula prescrito no pode nem deve ser entendido como um tratado pe g6gico-¢ um guia didético que oferta planos claborados para os professores, ‘tem outras fungGes mais decisivas para cumprir, desde o ponto de vista da pol educativa geral, do que ordenar os processos pedagdégicos nas aulas. Se a politics curricular pode ¢ deve ajudar os professores, deve fazé-lo por outros meios_ Controle de Qualidade A ordenagiio ¢ a presericfio de um determinade curriculo por parte da admins tragdo educativa é uma forma de propor o referencial para realizar um controle so a qualidade do sistema educativo. O controle pode ser exercido, basicamente, | meio da regulardo administrativa que ordena come deve ser a pritica escolar, ait que scja sob a forma de sugestoes, avaliando essa pritica do curriculo através inspegdo ou por meio de uma avaliagao externa dos alunos como fonte de int ‘¢4o. Em nosso sistema educativo, as duas primeiras titicas caracterizaram deci mente a forma de controlar a pratica, com resultados pouco eficazes para melho qualidade do sistema sim com amplas repercuss6es no estabclecimento de um si ma de relagdes de dominio misturadas com a imposigao ou proposta de modelos: funcionamento pedagégico. A propria extensiic do sistema educative tora inoy a vigilfincia do processo por parte da inspegiio. As formas fundamentais de realizar 0 controle do curriculo dependem dos pectos sobre os quais se centra, do ponto de referencia no qual se fixa o poder, sen basicamente dois (Broadfoot, 1983): a) Ocontrale do processo de desenvolvimento curricular através das rele ges burocriticas entre o agente que controla ¢ o professor ou escolas: OCumicul 119 controladas, ¢ supervisionando, através da inspegdo, a qualidade da préti- ca do proprio processo educativo. b) Avaliagio ou conirole centrade nes produtes ou rendimentos que os alu- nos oblém que, para ter valor de contraste ¢ comparagaa entre escolas, grupos de alunos, etc., deve ser realizado desde fora, niio sendo validas as avaliagées que os professores realizam. O primeiro modelo trata de incidir mais dirctamente nas condigdes do ensino, enquanto que o segundo se fixa nos produtos da aprendizagem. Cada modelo tem suas vantagens ¢ seus inconvenientes peculiares. © centrado no processo de desenvolvimento curricular ¢ na pratica educativa, que é proprio do nosso sistema educative nao-universitario, tem o perigo de cair na pretense de esta- belecer mecanismos rigidos de homogeneizagao nas escolas ¢ nos proprios contet- dos de ensino, ao ser exercide em boa parte através da regulagao dos materiais didé- cos. Regula ¢ ordena as condigées da pratica, mas depois nao pode saber sc se cumprem ou no as condigées estabelecidas. Pode chegar a regular e ordenar tudo, menos a pritica dos professores, como também se diz ironicamente do sistema fran- cés (Broadfoot, 1983, p. 259), o que, na realidade, pode dar, de fato, mais autonomia aos professores e As escolas que a avaliagdo de produtos, se ndo se acompanha de uma rigidez burocritica c se sc conta com recursos variados para desenvolver o cur- ticulo na pratica, sem se ater a um reduzido mimero de livros-texto. Quer dizer que sua vantagem, do ponto de vista da salvaguarda da autonomia dos professores, esti em sua propria ineficiéneia. A vigilancia da qualidade deveria contar com um grande mimero de inspetores cfetivos para realizar ¢ssa fun¢do, algo que ¢ oneroso ¢ nada facil. Se a presenga do inspetor nao € eftiva, o modelo é ineficaz ¢ nominal, obvia- mente. Havendo o perigo, que entre nés se conhece muito bem, de criar Telagdes farefeitas entre professores ¢ inspetores, ao sc misturar a fun¢ao avaliadora, que um enorme poder, com ade assessoramento, na qual o modelo de qualidade defendi- do pelo inspetor fica fora de qualquer comparacao e investido da autoridade que The di sua posigao. O controle sobre os produtes, realizado por agentes exteriores, da teoricarmente mais autonomia ao sistema c aos professores para se organizarem, mas, 40 legitimar uma norma de qualidade ¢ de cultura nas provas que realiza para os alunos, acaba provocando, cm alguma medida, u sujeicao do processo pedagdgico ao tipo de co- nhecimento ¢ rendimento avalindo desde fora. A autonomia real dos professores & provocada mais pelo grau de formagio ¢ competéncia profissional do que pelas regulagées exteriores. Lim quadro de liberdade curricular sem meios ¢ sem professo- res competentes os levard 4 dependéncia de outros agentes, como, por exemplo, os materiais didaticos. Um quadra intervencionista do processo com professores com- petentes levard 4 busca de brechas, para exercer a autonomia, ¢ a titicas de resistén- cia. O controle do produto, liberalizando ao maximo o curriculo que as escolas distri- buam, pode conduzir a uma dispersio ¢ desigualdades nas exigéncias das escolas que chegue a hipotecar a fungio social dos minimos curriculares. Além disso, 0 controle do produto coloca a utilidade de sua propria realizagdo, entiio para que se empregam os dados da avaliagao externa: validacoes, controle de qualidade do ensino, avaliagio de rendimentos do sistema, das escolas, avaliagiio indireta de professores, deteccdo de necessidades...? Isso nos leva a relacionar essa avaliagio com outros aspectos: fundamentuais da politica educativa. Por exemplo, conviria colocar sua utilidade quando existe uma rede de escolas privadas e piblicas no ensino obrigatério financiadas pelas verbas do Estado, Tem 120 1, Gimeno Sacristin valor de diagnéstico para determinar a qualidade: do sistema em escolas, zonas, munidades auténomas, de modo que sc propicic um debate sobre temas que, informaco, a sociedade nao pode realizar, exceto a partir de apreciagGes ou d com pouca capacidade de informagéo, come ocorre com a porcentagem de fra escolar. E de utilidade para detectar micleos necessitados de atengo especial. 0 lor fundamental deste modelo reside em sua ul ao como instrumento de d tico para obter informagéio dentro da politica educativa — algo de que nosso siste educative carece. Os controles externos tém, dentro das ctapas obnigatérias ou m freqiientadas de escolaridade, a missio de avaliar o sistema mais do que a de a) niveis de conhecimento para expedir titulactes ou validaghes. A fungao s cada vez menor 4 medida que a democratizagao do sistema educative imp! prolongagaéo do ensino obrigalério, em muitos casos dentro de um tipo de cer comum para todos, transfcrindo-se a filtragem seletiva de alunos para as portas: ensino superior Essas duas formas de controle ndo tém relagdo direta para que o sistema dinigido por uma politica descentralizada, com ampla autonomia curricular das ese las c delegagiio de poderes a autoridades intermedidrias ¢ locais, cujo exemplo et peu mais esclarecido foi o brilanico, ow por uma administragio centralizada, com nosso caso ou o francés. O controle pode ser forte ou fraco, az ¢ vilido ov it eaz, realizando-se num tipo ou noutro de quaciro politico-administrativa. A di controle de processo versus controle de produto se entrecruza com a dimensda: tralizagdo-descenwralizagdo. Os padrOes de exercicio de controle sobre o sister curricular se diferenciam nos sistemas educativos em fungio das posigdes que tam nessas coordenadas io tem relagao com a transferéncia de poderes de um gt da administragao, que nao implica necessariamente que sistema se tore mais participative, inovador, efetive ou eficiente (Hurst, 1985). isolamento autocrdtico, como assinala esse autor, ndo é préprio apenas das inst de deciséo centralizada, nem hi razdes para supor que o nove grupo detentor die decisées responded necessariamente aos interesses da comunidade, A ev! empirica tampouco confirma o principio facilmente aceito de que as organi: descentralizadas sejam mais inovadoras que as centralizadas em qualquer caso © margem de outros fatores ¢ considcragties, As vantagens da descentralizagae educati podem ter conseqiiéncias e se moldarem muito desigualmente nos distintos aspect nos quais a politica educativa intervém: financiamento, planejamento de infra-est tura, distribligdo de recursos, detecedo de necessidades, politica de profes dice contetidos do curricula, forma de dinigi-lo, métodos pedagdgicos, politica de m riais, hordrios escolares, formas de organizagio das escolas, controle de qualida cic, A descentralizagaie pode acomodar suas atuagocs as necessidades da cot i de de forma muito diferente em cada um desses capitulos e ndo é condigio suficier para melhorar a qualidade do sistema uma polities de eqitidade, de unidade, de eficiéacia e conjung8o de-recurnos, recall cedora das diferengas, etc. se tem boa informagiio ¢ mecanismos dgeis de decisaia, embora possa cuir facilmente na ignordncia da “periferia”, na qual exerce sua i fluéncia, e esquecer as peculiaridades culturais da mesma dentro de uma politica cultural homogeneizadora. Um equilibria com retengio de fungées de interesse es tratégico para todo o sistema, uma dclegacio na acomodacao dos curriculos, um sis- tema de informagdo Muida em qualquer modelo sobre o fun mento do sistema e de coordenagio de recursos pode ser a solugio, o que Lyons (1985) chama de OCumicu 121 descancentracdo como resposta que reconcilie os impulsos centralizadores © os descentralizadores. Também nav hé coincidéncia sobre o fate de que win sistema de decisGes adm- nistrativas centralizado deixe inexoravelmente menos autonomia profissional aos pro- fessores no desenvolvimento do curriculo que um sistema descentralizado (Glatter, 1977). .A agio homogencizadora dos materiais, a influéncia de determinados grupos de especialistas, a propria capacitayio do professorado, a pressiio indireta sobre pro- fessores c cscolas para que levem cm conta as necessidades de atender a aprendiza- gens propedéuticas para niveis educativos posteriores, as demandas do mundo pra- dutivo reclamando determinados conhecimentas ¢ competéncias, etc. chegam a ser fatores muito mais decisives de controle indireto, de homegeneizagao © restrigao para as escolas ¢ professores, que muitas pautas de controle explicitas sobre o desen- volvimento curricular nos sistemas centralizados. Fatores que ficam 4 margem da atuagiio: da administracaio ¢ dos professores. No que se refere ao planejamento curricular se recomenda um ponte interme: rio, a partir da experiéncia de pafses com tradigGes de descentralizagdo que, neste Momento, se encaminham para posic¢des mais centralizadoras, enquanto que sistemas ‘mais centralizados procedem a uma progressiva descentralizacio. Skilbeck (1972) distingue trés modelos basicos neste tema: 1} © modelo racional dedutive, que se torna manifesto nos sistemas educativos mais centralizados, nos quais a politica © os meios para desenvolvé-la sio determinados de forma centralizada, 2) © modelo racional interative, no qual as decisdes sio compartilhadas: entre as governs locais, os professores ¢ até ox pais c ox alunos. 3) O modelo incwitive de tomada de decisées, que parte da atuagio indivi- dual dos professores nas aulas, em vista da percepcaio das necessidades de cada grupo de alunos, ‘O esquema de gestio do curriculo supie, pois, a distribuighio de competéncias sobre o mesme cnire os diferentes agentes sociais que nele imtervém € o recebern. Para o autor citado, o modelo mais adequado ¢ 0 interarive, um modelo democratico que pode resolver o compromisso entre as necessidade minimas de regulagao ¢ a autonomia das partes. Em nosso caso é precise instrumentar um sistema de progres- siva autonomia de escolas e professures que corrija os esquemas herdados, no qual as instancias de regulagao e de controle assegurem a qualidade ¢ a igualdade de oportu nidades. i e Meins que Desenvalvem o Curriculo A intervengiio das prescrigées a partir da politica curricular é operativa para regular contetidos ¢ métodos da pratica do ensino, nao tanto pelas intengdes ¢ conted- dos que expresse, mas sim por sua incidéncia real nos meios e mecanismos que deter- minam a pritica escolar, que nio sao, evidentemente, as orientagdes pedagdgicas difundidas desde as instincias administrativas, ov ao menos nao o so de forma im- portante. As orientaghes ou exigéncias curriculares contidas no formato de curriculo que a administragiio prescreve mio podem orientar ou prescrever de forma direta a pritica de professores ¢ de alunos nas aulas, senda por via indireta. Ainda que os professores declarem que os “documentos oficiais” so instrumento de partida junto

Você também pode gostar