Jemisin
Publicado em comum acordo com a autora, The Knight Agency e Julio F-Yáñez
Agência Literária S.L.
Título original em inglês: The Stone Sky
Direção editorial: Victor Gomes
Coordenação editorial: Giovana Bomentre
Tradução: Aline Storto Pereira
Preparação: Cássio Yamamura
Revisão e Tradução de extra: Isadora Prospero
Capa e Design de Capa: © 2017 Hachette Book Group, Inc. and Lauren Panepinto
Imagem da Capa: © Arcangel Images, © Shutterstock
Mapa: © Tim Paul
Adaptação da Capa Original: Beatriz Borges
Projeto Gráfico e Diagramação: Desenho Editorial
Diagramação: Elis Nunes
Essa é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares, organizações e situações
são produtos da imaginação do autor ou usados como ficção. Qualquer semelhança
com fato reais é mera coincidência.
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, no todo ou em partes, através
de quaisquer meios. Os direitos morais do autor foram contemplados.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
J49c Jemisin, N.K.
O céu de pedra / N.K. Jemisin; Tradução: Aline Storto Pereira. – São Paulo: Editora
Morro Branco, 2019.
p. 512; 14x21cm.
ISBN: 978-85-92795-78-8
1. Literatura americana – Romance. 2. Ficção americana.
I. Storto Pereira, Aline. II. Título.
CDD 813
Todos os direitos desta edição reservados à:
EDITORA MORRO BRANCO
Alameda Campinas 1357, 8º andar
01419-908 – São Paulo, SP – Brasil
Telefone (11) 3373-8168
www.editoramorrobranco.com.br
Impresso no Brasil, 2019
Scan: Yuna
eBook: Argon
Versão 1.0b
SUMÁRIO
Página de título
Créditos
Mapa
Dedicatória
Prólogo: Sobre mim, quando eu era eu
1: Você, acordando e sonhando
2: Nassun sente vontade de perder as estribeiras
Syl Anagist: Cinco
3: Você, desequilibrada
4: Nassun, andando em território selvagem
Syl Anagist: Quatro
5: Você é lembrada
6: Nassun faz o próprio destino
Syl Anagist: Três
7: Você planeja com antecedência
8: Nassun no subterrâneo
Syl Anagist: Dois
9: O deserto, brevemente, e você
10: Nassun, atravessando o fogo
Syl Anagist: Um
11: Você está quase em casa
12: Nassun não está sozinha
Syl Anagist: Zero
13: Nassun e Essun, do lado escuro do mundo
14: Eu, no final dos dias
Conclusão: Eu e você
Apêndice 1
Apêndice 2
Agradecimentos
EXTRAS
Nota editorial
Discurso de N.K: Jemisin Cerimônia de premiação do
Hugo WorldCon de 2018
Sobre a autora
Para aqueles que
sobreviveram: respire. Isso.
Mais uma vez. Ótimo.
Você está bem. Mesmo que
não esteja, você está vivo.
Isso é uma vitória.
Prólogo
NÃO ERA MAU HUMOR, ERA O PRIVILÉGIO QUE A IDADE LHE DERA:
DEIXAR DE LADO A MENTIRA DA BOA EDUCAÇÃO.
EU ESTAVA CONFUSO.
– A SENHORA ESTÁ FALANDO DA DESTRUIÇÃO PELO FOGO? – ERA
SOBRE ISSO QUE EU TINHA VINDO FALAR, AFINAL. CEM ANOS, ELA
PREVIRA, CINQUENTA ANOS ATRÁS. O QUE MAIS IMPORTAVA?
Você, desequilibrada
Nassun, andando em
território selvagem
Você é lembrada
Nassun no subterrâneo
2729
2714–2719: ASFIXIA
2699
2613
2583
2562
2530
2501
2490
2470
2400
2322–2329: ÁCIDA
SERÁ QUE A SÉTIMA AO MENOS SE INTERESSA PELO FATO DE QUE A
NOSSA CONCEPÇÃO POPULAR DA FREQUÊNCIA DE ACONTECIMENTOS
DE NÍVEL DE ESTAÇÃO ESTÁ COMPLETAMENTE ERRADA? ESSAS
COISAS NÃO ESTÃO ACONTECENDO A CADA DUZENTOS OU
TREZENTOS ANOS. ESTÁ MAIS PARA TRINTA OU QUARENTA! SE NÃO
FOSSE PELOS ROGGAS, ESTARÍAMOS MIL VEZES MORTOS. E, COM
ESSAS DATAS E AS OUTRAS QUE EU COMPILEI, ESTOU TENTANDO
MONTAR UM MODELO DE PREVISÃO PARA AS ESTAÇÕES MAIS
INTENSAS. EXISTE UM CICLO AQUI, UM RITMO. NÃO PRECISAMOS
SABER COM ANTECEDÊNCIA SE A PRÓXIMA ESTAÇÃO VAI SER MAIS
LONGA OU, DE ALGUM MODO, PIOR? COMO PODEMOS NOS
PREPARAR PARA O FUTURO SE NÃO RECONHECEMOS O PASSADO?
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Sou testemunha do que se segue. Vou lhe contar tal como foi.
Observo você e sua filha encararem uma à outra pela
primeira vez em dois anos, através de um abismo de
provações. Só eu sei o que vocês duas passaram. Cada uma de
vocês pode julgar a outra apenas com base nas presenças, nas
ações e nas cicatrizes, pelo menos por enquanto. Você: muito
mais magra do que a mãe que ela viu pela última vez quando
decidiu faltar à creche um dia. O deserto desgastou você,
ressecando sua pele; a chuva ácida descoloriu seus cachos,
deixando-os com um tom de castanho mais claro do que
deveria ser, e os fios brancos aparecem mais. As roupas
dependuradas em seu corpo também foram descoloridas pelas
cinzas e pelo ácido, e a manga direita vazia da sua camisa foi
atada em um nó; ela balança, nitidamente esvaziada, enquanto
você recupera o fôlego. E outra parte da primeira impressão
que Nassun tem de você pós-Fenda: atrás de você há um grupo
de pessoas que olham para Nassun, algumas delas com uma
desconfiança palpável. Você, no entanto, demonstra apenas
angústia.
Nassun está tão imóvel quanto um comedor de pedra. Ela
cresceu apenas dez centímetros desde a Fenda, mas, para você,
parece que foram trinta. Você consegue ver que a adolescência
está chegando… cedo, mas essa é a natureza da vida em
tempos difíceis. O corpo tira vantagem da segurança e da
abundância quando pode, e os nove meses que passou em
Jekity foram bons para ela. Ela provavelmente vai começar a
menstruar no próximo ano, se conseguir encontrar comida
suficiente. Mas as maiores mudanças não são materiais. A
desconfiança no olhar dela, nada parecida com a timidez
reservada de que você se lembra. A postura dela: os ombros
para trás, os pés apoiados no chão e retos. Você disse a ela
para arrumar a postura um milhão de vezes e sim, ela parece
tão alta e forte agora com a postura reta. Tão lindamente forte.
A orogenia dela repousa sobre a sua consciência como um
peso sobre o mundo, firme como uma rocha e precisa como
uma broca de diamante. Pela Terra Cruel, você pensa. Ela
sensa exatamente como você.
Acaba antes de começar. Você sente isso tão seguramente
quanto sensa a força dela, e ambas as coisas a deixam
desesperada.
– Eu estava procurando você – você diz. Você ergueu a
mão sem pensar. Seus dedos se abrem e se contraem e abrem
outra vez em um gesto que é metade avidez, metade súplica.
Ela semicerra os olhos.
– Eu estava com o Papai.
– Eu sei. Eu não conseguia te encontrar. – É redundante,
óbvio; você odeia a si mesma por balbuciar. – Você… está
bem?
Ela desvia o olhar, preocupada, e você fica incomodada
com o fato de que a preocupação dela claramente não é você.
– Eu preciso… o meu Guardião precisa de ajuda.
Você fica tensa. Nassun ouviu de Schaffa sobre como ele
era antes de Meov. Ela sabe, em sua mente, que o Schaffa que
você conheceu e o Schaffa que ela ama são pessoas
completamente diferentes. Ela viu um Fulcro e a forma como
ele desvirtuava seus detentos. Ela se lembra de como você
costumava ficar tensa mesmo ao ver de relance a cor vinho…
e enfim, aqui no fim do mundo, ela entende por quê. Ela
conhece você melhor agora do que jamais conheceu antes em
sua vida.
E no entanto. Para ela, Schaffa é o homem que a protegeu
de saqueadores… e do pai dela. É o homem que a acalmou
quando ela estava com medo, que a colocava na cama de noite.
Ela o viu lutar contra sua própria natureza brutal, e contra a
Terra em si, a fim de ser o pai de que ela precisava. Ele a
ajudou a aprender como amar a si mesma pelo que ela é.
A mãe dela? Você. Não fez nenhuma dessas coisas.
E nesse momento contido, enquanto você luta contra a
lembrança de Innon caindo aos pedaços e da dor intensa de
ossos quebrados em uma mão que você não tem mais, com
“Nunca diga não para mim” ecoando na sua cabeça, ela intui
aquilo que você negou até agora: que é impossível. Não pode
haver nenhuma relação, nenhuma confiança, entre você e ela
porque vocês duas são o que a Quietude e a Estação as
tornaram. Que Alabaster estava certo e que algumas coisas
estão quebradas demais para serem consertadas. Não há nada a
fazer a não ser destruí-las totalmente, por misericórdia.
Nassun chacoalha a cabeça enquanto você fica ali,
contraindo-se. Ela desvia o olhar. Chacoalha a cabeça outra
vez. Os ombros dela se curvam um pouco, não devido à
preguiça, mas ao cansaço. Ela não culpa você, mas também
não espera nada de você. E, neste exato momento, você apenas
está no meio do caminho.
Então ela se vira para ir embora, e isso lhe causa um
choque que a tira de seu estado de fuga.
– Nassun?
– Ele precisa de ajuda – ela repete. A cabeça está baixa e
os ombros, tensos. Ela não para de andar. Você inspira e
começa a segui-la. – Tenho que ajudá-lo.
Você sabe o que está acontecendo. Sentiu isso, receou isso,
o tempo todo. Atrás de você, você ouve Danel deter as demais.
Talvez ela pense que você e sua filha precisam de espaço.
Você as ignora e corre atrás de Nassun. Você pega o ombro
dela, tenta fazê-la virar.
– Nassun, o que… – Ela chacoalha o ombro para se
libertar de você com tanta força que você cambaleia. Seu
equilíbrio ficou abalado desde que você perdeu o braço, e ela
está mais forte do que era antes. Ela não percebe que você
quase cai. Ela continua andando. – Nassun! – Ela nem olha
para trás.
Você está desesperada para conseguir a atenção dela, para
fazê-la reagir, alguma coisa. Qualquer coisa. Você procura e
então diz, com ela de costas para você:
– Eu… eu… eu sei sobre Jija!
Isso a faz vacilar até parar. A morte de Jija ainda é uma
ferida aberta dentro dela que Schaffa limpou e suturou, mas
que não fechará por algum tempo. O fato de você saber o que
ela fez a faz curvar-se de vergonha. O fato de ter sido
necessário, autodefesa, frustra-a. O fato de você tê-la lembrado
disso agora transforma a vergonha e a frustração em raiva.
– Eu tenho que ajudar Schaffa – ela diz outra vez.
Endireita os ombros de um jeito que você reconhece de cem
tardes nos seus tormentos improvisados e de quando ela tinha
dois anos e aprendeu a palavra “não”. Não dá para argumentar
com ela quando fica assim. As palavras se tornam irrelevantes.
As ações significam mais. Mas que ações poderiam
possivelmente expressar a desordem dos seus sentimentos
neste exato momento? Você olha para os outros sem poder
fazer nada. Hjarka está segurando Tonkee; o olhar de Tonkee
está fixo no céu e na reunião de mais obeliscos do que você
jamais viu em sua vida inteira. Danel está um pouco mais
distante do resto, mãos atrás das costas, lábios pretos
mexendo-se no que você reconhece como um exercício
mnemônico de sabedorista para ajudá-la a absorver tudo o que
vê e ouve, palavra a palavra. Lerna…
Você esqueceu. Lerna não está aqui. Mas, se estivesse,
você suspeita, ele estaria alertando-a. Ele era médico. Feridas
de família não estavam propriamente dentro da sua esfera de
atuação… mas qualquer um consegue ver que alguma coisa
aqui infeccionou.
Você corre atrás dela de novo.
– Nassun. Nassun, pelas ferrugens, olhe para mim quando
eu falo com você! – Ela ignora você, e é um tapa na cara; mas
do tipo que clareia a sua mente, e não do tipo que faz você
querer brigar. Tudo bem. Ela não vai ouvir você até que tenha
ajudado… Schaffa. Você deixa para trás esse pensamento,
embora seja como arrastar-se em uma lama cheia de ossos.
Tudo bem. – D-deixe-me ajudar você!
Isso faz Nassun de fato diminuir o ritmo e depois parar. A
expressão dela é desconfiada, tão desconfiada, quando ela se
vira para trás.
– Me ajudar?
Você olha para além dela e vê que ela estava se dirigindo a
outra das construções em forma de torre… essa tem uma
escada larga com corrimão que sobe pela lateral inclinada. A
vista do céu deve ser excelente lá do alto… Irracionalmente,
você conclui que tem que impedi-la de subir até lá.
– É. – Você estende a mão outra vez. Por favor. – Me diz
do que você precisa. Eu vou… Nassun. – Você está sem
palavras. Deseja que ela sinta o que você sente. – Nassun.
Não está funcionando. Ela diz em um tom de voz tão duro
quanto pedra:
– Preciso usar o Portão do Obelisco.
Você hesita. Eu já lhe disse isso semanas atrás, mas
aparentemente você não acreditou.
– O quê? Você não pode.
Você está pensando: isso vai matar você.
Ela cerra a mandíbula.
– Eu vou.
Ela está pensando: eu não preciso da sua permissão.
Você chacoalha a cabeça, incrédula.
– Para fazer o quê? – Mas é tarde demais. Já chega para
ela. Você disse que ia ajudar, mas depois hesitou. Ela é filha de
Schaffa também, no fundo do coração dela; pelos fogos da
Terra, dois pais e você entre todas as pessoas para moldá-la, é
de espantar que ela tenha saído do jeito que saiu? Para ela,
hesitação é a mesma coisa que “não”. Ela não gosta quando as
pessoas dizem “não” para ela.
Então Nassun dá as costas para você de novo e diz:
– Não venha mais atrás de mim, Mamãe.
Você, claro, imediatamente começa a segui-la outra vez.
– Nassun…
Ela se vira com violência. Ela está na terra, você sensa, e
está no ar, você vê as linhas de magia e, de repente, as duas
forças se entrelaçam de um modo que você não consegue nem
sequer entender. A substância do chão de Ponto Central, que é
de metal e fibras prensadas e substâncias para as quais você
não tem um nome, disposta em camadas sobre rocha
vulcânica, sobe e desce sob os seus pés. Por conta de um velho
hábito, de anos suprimindo as birras orogênicas dos seus
filhos, você reage ao mesmo tempo em que cambaleia, fixando
uma espiral no chão que você pode usar para interromper a
orogenia dela. N