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UM ESTUDO DE CASO DE GESTÃO DE

PORTFOLIO DE PROJETOS DE
TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO

Renato de Oliveira Moraes


Faculdade de Economia e Administração da Universidade de
São Paulo, Rua Pe. Benedito Maria Cardoso, Bl. f-10,
apto. 404, CEP 03169-060, São Paulo, SP,
e-mail: renato.moraes@perceptron.com.br

Fernando José Barbin Laurindo


Departamento de Engenharia de Produção da Escola
Politécnica da Universidade de São Paulo, Av. Prof. Almeida
Prado, 128, Tr. 2 Biênio, 2° andar, CEP 05508-900,
São Paulo, SP, e-mail: fjblau@usp.br

Recebido em 1/7/2003
v.10, n.3, p.311-328, dez. 2003 Aceito em 25/11/2003

Resumo

O papel da tecnologia da informação (TI) nas organizações pode variar de simples suporte
administrativo até uma situação estratégica, em que ocupa posição hierárquica superior em organizações
que disputam mercados em crescente competição. Por outro lado, ainda há discussão sobre as dificuldades
de se obterem evidências do retorno dos investimentos feitos em TI. Embora haja diferentes explicações
para esse fato, há certo consenso sobre o significativo crescimento dos investimentos em TI na última
década. As decisões sobre quais projetos de TI devem ser implementados são, freqüentemente,
determinantes do desempenho empresarial e são capazes não somente de mudar o posicionamento
estratégico das organizações, mas também podem modificar a estrutura de competição do setor como
um todo. Este artigo procura analisar, por meio de um estudo de caso, a seleção de projetos de TI
segundo uma abordagem de gestão de portfolio, considerando os diferentes tipos de projetos, os impactos
desses projetos nos fatores críticos de sucesso da empresa, os custos do projeto, bem como os riscos
associados. Contempla, portanto, aspectos de eficiência (uso de recursos) e eficácia (obtenção de
resultados positivos para a organização).
Palavras-chave: tecnologia da informação, gestão de portfolio de projetos, avaliação ex ante.
312 Moraes & Laurindo – Um Estudo de Caso de Gestão de Portfolio de Projetos de Tecnologia da Informação

1. Introdução como a eficácia e a eficiência organizacional


(Carvalho et al., 2003; Laurindo et al., 2003).

O papel da tecnologia da informação (TI) nas


organizações pode variar de simples suporte
administrativo até uma posição estratégica
Este artigo visa a investigar a gestão de
portfolio de projetos de TI, considerando a liga-
ção desses projetos com os objetivos estratégicos
(Henderson & Venkatraman, 1993; Mcfarlan, da organização, os riscos associados e a utilização
1984). A função estratégica da TI tem ocupado dos recursos.
posição destacada em organizações líderes que O impacto estratégico das aplicações de TI e
disputam mercados em crescente competição seus efeitos na organização e na indústria foram
(Porter, 2001). Dois pontos básicos podem ser analisados por McFarlan (1984), por meio do
usados para compreendê-la: obtenção de van- Grid Estratégico, que permite visualizar a relação
tagem competitiva na cadeia de valor e aumento entre a estratégia de TI e a estratégia da
de competências essenciais (Porter & Millar, organização. McFarlan (1981) também analisou
1985; Duhan et al., 2001). Por outro lado, embora a seleção de projetos de novas aplicações da TI,
haja certo consenso sobre o significativo considerando os riscos associados a cada projeto
crescimento dos investimentos em TI na última e também os riscos da carteira de projetos. Jiang
década, permanece uma importante discussão & Klein (1999a) estudaram a seleção de tais
sobre as dificuldades de obter evidências do projetos considerando empresas classificadas nas
retorno dos investimentos feitos em TI, tanto no diferentes possibilidades do Grid Estratégico.
âmbito da empresa individual como no agregado Para investigar esses conceitos, a abordagem
da economia. Essa discussão tem sido chamada metodológica adotada para o desenvolvimento
de “paradoxo da produtividade” (Strassman, da pesquisa tratada neste artigo foi a de estudo
1990; Brynjolfsson, 1993). Contudo, deve-se de caso (Yin, 1991; Claver et al., 2000). A base
destacar que um número crescente de diferentes teórica engloba conceitos de gestão de portfolio
explicações para esse fato tem sido publicado na de projetos (em especial os de TI McFarlan,
literatura acadêmica (Stratopoulos & Dehning, 1981), fatores críticos de sucesso (Rockart,
2000; Brynjolfsson & Hitt, 1998). 1979), impacto estratégico da TI (McFarlan,
As decisões sobre quais projetos de sistemas 1984), e tipologias de aplicações de TI (Farbey
de informação (SI) devem ser implementados são, et al., 1995) e a questão dos riscos em projetos
freqüentemente, determinantes do desempenho (Archibald, 1976; Jiang et al., 1996; Jiang &
empresarial e são capazes não somente de mudar Klein, 1999b).
o posicionamento estratégico das organizações, Os resultados iniciais indicaram a necessidade
mas também podem modificar a estrutura de com- de ferramentas que facilitassem o entendimento e
petição do setor como um todo, como aconteceu a disseminação da gestão do portfolio de projetos.
nos setores financeiro e de transporte aéreo Este artigo pretende contribuir com uma abordagem
(McFarlan, 1984; Laurindo, 2002). ampla e sistemática de seleção de projetos de TI,
Entretanto, a avaliação da eficiência dos trazendo novos pontos e alternativas para a dis-
projetos de TI (em relação a prazos, custos e cussão dessa questão, de importância crescente na
qualidade) ainda é uma questão problemática, por competitividade das organizações.
conta da incerteza e da complexidade inerentes
a esse tipo de projeto. Atingir as metas de eficiên- 2. Fundamentos teóricos
cia dos projetos envolve uma série de trade-offs
entre seus escopos e os recursos disponíveis. A revisão teórica tem início com uma visão do
Assim, os gerentes de projeto de TI utilizam um papel dos projetos de TI nas estratégias das
conjunto de conceitos, ferramentas e técnicas organizações (Rockart, 1979; McFarlan, 1984;
para melhorar o desempenho dos projetos, bem Farbey et al., 1995) e segue com a seleção de
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projetos (em especial os de TI – McFarlan, 1981) informação, esse método apresenta importante
e a consideração dos riscos associados que afetam impacto nas práticas gerenciais e de planejamento
a probabilidade de sucesso (Archibald, 1976; Jiang estratégico. É comum definir FCS para diferentes
et al., 1996; Jiang & Klein, 1999b). Também é funções da empresa, como FCS de marketing, de
discutida a influência da situação dos projetos em manufatura, de projeto, dentre outros.
andamento (Cleland & Ireland, 2002; Maximiano, Porter (1979, 1996) destacou a importância do
1997) sobre a seleção de novos projetos, já que eles posicionamento da empresa em sua indústria, de
concorrem pelos mesmos recursos. E, por fim, há forma a obter vantagens competitivas sustentáveis
a questão do acompanhamento dos projetos em por meio da escolha de uma das três possíveis
andamento (Archibald, 1976; Farid & Karshenas, estratégias genéricas: liderança em custos, diferen-
1988; Dinsmore, 1992; Moraes, 1999). ciação e foco. Para esse autor, a competitividade
de uma indústria resulta da ação de cinco forças:
clientes, fornecedores, produtos substitutos, novos
2.1 Projetos de tecnologia da
entrantes e a rivalidade entre os competidores
informação e estratégia
atuais. Quanto mais intensas forem essas forças,
Nos primeiros estágios de uso de computadores maior a concorrência entre as empresas de uma
nas empresas, a capacidade limitada de hardware indústria e, por conseguinte, menor o potencial de
e software restringia de forma bastante intensa as lucratividade.
possibilidades de aplicações da TI. Assim, apenas McFarlan (1981) analisou a seleção de pro-
aplicações mais estruturadas e menos complexas jetos de novas aplicações de TI considerando os
podiam ser implementadas, como, por exemplo, riscos associados a cada projeto e também os
folha de pagamento, controle de estoque e contas riscos da carteira (portfolio) de projetos. Esses
a pagar. Com o desenvolvimento tecnológico, o riscos incluem custo, prazo, desempenho técnico,
leque de possibilidades foi ampliado e uma gama superestimação dos benefícios dos SI e incom-
de novas alternativas de aplicações de TI tornou- patibilidade de hardware e/ou software com o SI.
se possível. Desse modo, gerou-se um aumento O mesmo McFarlan (1984) propôs o Grid Estra-
da incerteza acerca da decisão sobre a seleção dos tégico, que permite visualizar a relação entre
projetos a serem desenvolvidos e implementados estratégia de TI (atual) e carteira de aplicações
(Laurindo et al., 2001). (futuro), definindo quatro regiões, cada qual
Uma das primeiras propostas para o problema representando um possível papel para a TI dentro
de seleção e priorização de projetos de TI foi o da organização: Suporte, Fábrica, Transformação
método dos Fatores Críticos de Sucesso (FCS), e Estratégico (Figura 1):
proposto por Rockart (1979). Esse método, que
ainda é amplamente utilizado, foca, princi-
• Suporte: as aplicações presentes e futuras
de TI têm pouca influência na estratégia da
palmente, os sistemas de informação gerenciais
organização.
e executivos, e é baseado na definição, por parte
dos altos executivos, das atuais necessidades • Fábrica: as aplicações da TI são importantes
representadas pelos FCS. Rockart (1979) define para o sucesso da operação da empresa, mas
FCS como as áreas onde um resultado satisfatório não há nenhuma aplicação estratégica
“garante o sucesso do desempenho competitivo planejada para o futuro.
da organização”. O autor afirma que os principais • Transformação: a TI está saindo de uma
FCS podem ser identificados na estrutura do setor, situação de baixa importância (região de
na estratégia competitiva, na posição da indústria, Suporte) para assumir um papel de im-
na localização geográfica e nos fatores ambientais portância estratégica na organização, em
e temporais. Embora tenha sido concebido face das novas aplicações de TI planejadas
primariamente para definição de sistemas de para ser implementadas no futuro próximo.
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• Estratégico: a TI é muito importante na classificadas nas categorias estratégico e trans-


estratégia atual do negócio e as novas apli- formação são, normalmente, mais dispostas a
cações planejadas manterão a importância assumir riscos e têm controles mais rigorosos para
estratégica da TI no futuro. os projetos de TI. As empresas classificadas como
suporte consideram o custo como o principal
A fim de avaliar o impacto estratégico da TI, critério para seleção e condução dos projetos de
McFarlan analisou o efeito das aplicações de TI nas TI.
cinco forças competitivas (Porter, 1979). Havendo A seleção de projetos de TI deve considerar,
impacto em ao menos uma dessas forças, a apli- simultaneamente, aspectos relacionados à eficiên-
cação de TI (ou o conjunto de aplicações de TI) cia (uso dos recursos) e à eficácia (obtenção de
poderá ser considerada estratégica. resultados para a organização), além de analisar
Diferentes aplicações de TI, conforme sua seus riscos. Esse critério é muito importante em
natureza, abrangência e grau de modificação mercados altamente competitivos de economia
imposto, apresentam diferentes impactos em uma globalizada. Neste artigo, projetos de TI são
organização. Com base nessas considerações, considerados projetos de pesquisa e desenvol-
diferentes classificações de aplicações de TI vimento (P&D), e se usa a idéia de gestão de
foram propostas. portfolio (carteira).
Entre as diversas taxonomias de aplicações de Essa abordagem permite que os gerentes te-
TI, Farbey et al. (1995) propuseram uma nham uma visão ampla das alternativas de projetos
classificação em oito diferentes tipos: mudanças que podem maximizar os resultados de toda a
obrigatórias; automação; sistemas de valor carteira (McFarlan, 1981; Carvalho et al., 2003).
adicionado direto; sistemas de informação As incertezas podem ser percebidas de dife-
gerenciais (SIG) e sistemas de apoio à decisão rentes formas durante o desenvolvimento de um
(SAD); infra-estrutura; sistemas interorganiza- projeto. Neste artigo, serão consideradas as incer-
cionais; sistemas estratégicos; e transformação tezas em relação à obtenção dos resultados
do negócio. esperados em termos de custo, prazo, qualidade
do resultado final do projeto e seus impactos na
2.2 Seleção de projetos de TI e a organização.
probabilidade de sucesso dos Nota-se que, segundo Archibald (1976), as
projetos incertezas de projeto diminuem conforme o
projeto avança (Figura 2).
Jiang & Klein (1999a) estudaram a seleção de Jiang & Klein (1999b) e Jiang et al. (1996)
projetos de TI considerando as quatro diferentes associam os fatores de risco de projetos de sis-
possibilidades do Grid Estratégico. Empresas temas de informação ao sucesso desses projetos.

Figura 1 – Grid Estratégico do impacto das aplicações de TI (McFarlan, 1984).


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Por meio da análise de cerca de 86 projetos, Keil et al. (1998), ao estudarem os riscos de
foram identificados os principais fatores de risco projetos de sistemas de informação, utilizaram
que explicam o sucesso de projetos de sistemas a técnica DELPHI, o que levou à construção de
de informação, a saber: uma lista dos fatores de risco em ordem decres-
• novidade da tecnologia; cente de importância:
• tamanho do projeto; 1. falta de apoio e comprometimento da alta
• falta de conhecimento necessário da equipe gerência;
como um todo; 2. falha em obter o comprometimento dos
• falta de capacidade da equipe em relação usuários;
à tarefa ou ao negócio no qual o sistema 3. requisitos não entendidos corretamente;
irá operar;
4. falta de envolvimento adequado dos usuários;
• falta de capacidade técnica da equipe de
5. falha em gerenciar as expectativas dos
desenvolvimento;
usuários;
• falta de suporte e envolvimento do usuário
no projeto; 6. mudanças de escopo e objetivos;
• insuficiência de recursos; 7. falta de conhecimento e habilidades ne-
cessários por parte da equipe do projeto;
• falta de clareza na definição de papéis e
responsabilidades no projeto; 8. falta de “congelamento” dos requisitos;
• complexidade da aplicação; 9. introdução de novas tecnologias;
• Falta de experiência do usuário em relação 10. recursos insuficientes ou não apropriados;
ao negócio e ao trabalho em projetos. 11. conflitos entre departamentos dos usuários.

Figura 2 – Incerteza versus fase do projeto (Archibald, 1976).


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Os diferentes tipos de riscos foram mapeados não deve, necessariamente, ser descontinuado.
em uma matriz 2 × 2 (Figura 3). A primeira É preciso avaliar as alternativas para sua
dimensão utilizada é a importância percebida do conclusão, quanto ainda é necessário para con-
fator, considerando sua probabilidade de ocorrên- cluí-lo e quais os benefícios que poderão ser
cia e seu impacto. A segunda dimensão refere- auferidos. Nota-se que os recursos necessários
se ao poder de controle que o gerente do projeto podem ser muito menores do que aquilo que já
pode exercer sobre determinado fator. foi investido, e os benefícios agora esperados
também poderão ser muito menos ambiciosos do
2.3 A influência dos projetos em que os iniciais. Contudo, se a relação (medida de
andamento alguma forma) entre os recursos ainda necessá-
rios para concluir o projeto e os benefícios ainda
Os novos projetos de aplicações de TI con- possíveis se mostrar vantajosa, o projeto não
correm pelos recursos com os projetos de TI já em deverá ser interrompido. Vale aqui a idéia de que,
andamento. Por sua vez, os projetos em anda- quanto mais o projeto avançar no cronograma,
mento têm, em geral, uma incerteza menor do que maiores serão as razões para ele ser concluído.
os projetos propostos (Archibald, 1976). Ao desconsiderar, formalmente, o que já foi
A atividade de acompanhamento desses pro- investido no projeto, diminui a probabilidade de
jetos pode, e deve, tirar proveito desse fato, a fim ocorrência da “Síndrome do Jogador”, caracte-
de extrair estimativas mais precisas para serem rizada por uma atitude do tipo “o dobro ou nada”
usadas na análise e na composição do portfolio (Hammond et al., 2001), na decisão de con-
de desenvolvimento. Nessa abordagem, o acom- tinuidade do projeto. Alguns gerentes, por já
panhamento dos projetos deve considerar apenas terem investido significativamente em algum
os recursos necessários a sua conclusão, des- projeto, sentem-se emocionalmente compro-
considerando o que nele já foi investido. metidos com ele e acreditam que devem “salvar”
Isso é importante para evitar alguns tipos de o projeto, levando-o, a qualquer custo, a atingir
erros comuns em processos de tomada de decisão. seus objetivos iniciais. Fazendo isso, muitas
Apontam nessa direção Cleland & Ireland (2002) vezes, assumem riscos que normalmente não
ao descreverem o uso do Método do Valor Líquido assumiriam se não estivessem tão envolvidos
Presente (VLP), já que destacam o fato de que emocionalmente.
se deve considerar apenas o fluxo de caixa (entra- Portanto, os projetos atuais em desenvol-
das e saídas) futuro esperado. vimento competem por recursos com os novos
Um projeto no qual foi investido grande volu- projetos – projetos que estariam em desenvol-
me de recursos e no qual se verificou que os vimento se houvesse recursos disponíveis, espe-
objetivos iniciais não mais poderão ser atingidos cialmente recursos humanos.

Figura 3 – Fatores de risco (adaptada de Keil et al., 1998).


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O acompanhamento de projeto deve avaliar, a fazer o apontamento da execução nesse gráfico,


cada instante, se os projetos em desenvolvimento pode-se perceber quando há tendência de atraso
apresentam o alinhamento estratégico desejado, antes que ele ocorra de fato. Isso permite a
os riscos aceitáveis e o desempenho esperado. No tomada de ações corretivas para adequar o
caso de serem observados desvios, deve-se empreendimento a um ritmo esperado. Esse tipo
procurar identificar suas causas (Maximiano, de análise é chamado de análise de tendência.
1997). Assim, o processo de acompanhamento (ex Pela tendência observada, pode-se prever se
cursus) liga-se à avaliação ex ante. haverá alguma alteração na data originalmente
prevista para o término.
A técnica de controle valor adquirido (earned
2.4 Técnicas de acompanhamento de
value) permite comparar o andamento físico do
projetos
projeto com o andamento financeiro (Figura 5).
Moraes (1999) apresenta uma revisão de Por exemplo, um projeto em desenvolvimento
técnicas de acompanhamento e controle de pro- que está atrasado, isto é, o andamento físico está
jetos na qual são destacadas quatro formas usual- abaixo do programado. Se seu custo acumulado
mente utilizadas: até o momento também está abaixo do
programado, esse projeto apresenta problema de
• porcentual concluído e duração remanes- custo. O valor adquirido ajuda a considerar
cente; simultaneamente aspectos físico e financeiro. O
• curva “S” e análise de tendência; '∆ físico' é a variação porcentual do volume de
• valor adquirido (earned value); tarefas entre o programado e o realizado. E o
• relatório de posição (status report). '∆ financeiro ' é a variação porcentual de custo
A quantificação do porcentual concluído de entre o programado e o realizado. O valor adqui-
uma atividade supõe a existência de um critério rido é a relação entre '∆ físico' e '∆ financeiro '.
de medição para a atividade, o que nem sempre Se seu valor for maior que 1 significa que,
é fácil. No caso de um software cujo tamanho independentemente do estágio atual do projeto,
estimado é de 5.000 linhas de código, se já tive- ele terá um custo menor do que o previsto. Se for
rem sido escritas 2.500 linhas de código, po- menor, o custo do projeto será maior do que o
deríamos dizer que metade da codificação foi esperado (Farid & Karshenas, 1988).
realizada. Contudo, não seria possível afirmar O status report é um procedimento que per-
que as 2.500 linhas restantes exigirão o mesmo mite formalizar o estágio de desenvolvimento do
tempo e esforço (custo) do que aquelas já escri- projeto em determinado instante no tempo (Figu-
tas. Dessa forma, seria mais cauteloso, em vez ra 6). Esse tipo de relatório deve trazer, em
de medir (ou estimar) o porcentual concluído de destaque, identificação do projeto: seu nome/
uma atividade, trabalhar com a duração remanes- código, objetivo de custo, prazo e desempenho
cente. A duração remanescente, ao se referir à técnico, escopo, nome do gerente/coordenador/
parcela da atividade ainda não executada, é, responsável e pessoal-chave.
portanto, mais útil para a avaliação do projeto em Eventualmente, também pode conter um breve
andamento do que o porcentual concluído. histórico do projeto até o momento de sua edição.
A curva “S” é um gráfico que mostra a evo- Usualmente, contém a descrição do desempenho
lução (porcentual concluído) do projeto no tempo do projeto em custo e prazo e nos aspectos técni-
(Figura 4). O projeto começa a ser executado de cos desde a última edição do relatório. Também
forma lenta e o ritmo vai aumentando durante a costuma apresentar a evolução do projeto no
execução, até se aproximar do término, quando período, os problemas encontrados e uma expecta-
volta a cair. A curva “S” mostra a região na qual tiva de desempenho futuro, podendo também
o projeto não está nem atrasado nem adiantado em conter (não necessariamente) recomendações
relação à data de término (Dinsmore, 1992). Ao (Archibald, 1976).
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Figura 4 – Curva “S” (Moraes, 1999).

Portanto, considerando esses aspectos, a abor- ratório, desenvolvidos por intermédio da abor-
dagem de gestão de portfolio adotada neste artigo dagem de estudo de caso, que permite analisar
está baseada nos seguintes conceitos: Fatores como os fatores estão envolvidos no processo
Críticos de Sucesso – FCS (Rockart, 1979), (Yin, 1991; Claver et al., 2000). A análise dos
posicionamento estratégico (McFarlan, 1984), dados do estudo de caso será feita com base nos
incertezas dos projetos (Archibald, 1976; Jiang conceitos apresentados na seção anterior, que
et al., 1996; Jiang & Klein, 1999b), tipos de constituem a base teórica do presente artigo.
projeto (em termos de complexidade e expe- Os critérios para seleção do caso foram a exis-
riência com a tecnologia associada), prazo e tência de expressivo e diversificado conjunto de
orçamento (McFarlan, 1981; Jiang & Klein, projetos de SI e a presença de um processo formal
1999a; Farbey et al., 1995). de gestão de projetos na área de TI.
Com base nesses critérios, a organização sele-
3. Aspectos metodológicos cionada, uma empresa de capital nacional, é uma
das maiores e mais importantes da indústria de
O presente artigo visa a investigar alguns materiais de construção no Brasil e adota a dife-
pontos relativos à seleção de projetos de TI: renciação como estratégia de competição. As
como é feita a seleção de projetos de TI informações foram obtidas por meio de entre-
considerando sua ligação e com os objetivos vistas semi-estruturadas realizadas com vários
estratégicos da organização, bem como os as- atores de diferentes níveis estratégicos das áreas
pectos dos riscos associados e da utilização de de negócio e TI.
recursos; e como é feita a seleção de projetos de Após uma “primeira rodada” do estudo de
TI caso sejam tratados de acordo com o conceito caso, os resultados foram apresentados à empresa
de portfolio, em vez de cada projeto iso- estudada. Foram constatadas lacunas no trata-
ladamente. mento sistemático da ligação dos projetos com
Aspectos de funcionalidade dos sistemas a estratégia de empresa e na gestão de riscos.
associados aos projetos não serão considerados. Também notou-se inexistência de uma abor-
As decisões de implementação de aplicações de dagem que tratasse do portfolio dos projetos em
TI podem envolver tanto o desenvolvimento desenvolvimento. Visando a incluir esses as-
interno como eventual outsourcing. Para esse fim, pectos, uma nova proposta de procedimentos para
optou-se por uma pesquisa de caráter explo- seleção de projetos de TI foi desenvolvida.
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∆ financeiro
Valor adquirido do projeto =
∆ físico

Figura 5 – Exemplo do gráfico de valor adquirido (Moraes, 1999).

Em seguida, aprofundou-se o estudo de caso crescente aumento da participação de competi-


na mesma empresa, buscando compreender como dores externos cujos custos são menores. As duas
esses novos procedimentos propostos afetaram principais abordagens competitivas percebidas são:
a organização. estratégia de liderança em custos e diferenciação
(conforme a classificação de Porter, 1979). No
4. O estudo de caso decorrer dos anos, a Empresa ‘A’ obteve liderança
em seus mercados por meio da estratégia de
A organização selecionada, doravante chamada diferenciação (Porter, 1979), uma vez que seus
de Empresa ‘A’, como já destacado, é uma das produtos são bem conhecidos pela qualidade e
mais importantes na indústria brasileira de pelo design superiores. Outro importante fator de
materiais de construção (receita de US$ 400 diferenciação é a assistência técnica, oferecendo
milhões por ano e 6 mil funcionários, aproxi- serviços de reparos e permitindo que os con-
madamente). Ela está organizada em quatro sumidores comprem, facilmente, peças de repo-
diferentes unidades estratégicas de negócio, com sição.
características operacionais bastante distintas e Considerando esse cenário, e de acordo com
geograficamente dispersas. Os dados deste estudo os executivos de TI da corporação e das unidades
foram obtidos por meio de entrevistas semi- de negócio, os Fatores Críticos de Sucesso (FCS)
estruturada realizadas com vários atores de na Empresa ‘A’ são: 1. design de novos produtos
diferentes níveis estratégicos das áreas de negócio e prazo de lançamento no mercado; 2. qualidade
e da corporação, envolvendo tanto a área de TI de processo e do produto final; 3. imagem de
como áreas usuárias. As empresas brasileiras de qualidade do produto; 4. serviços de pós-venda;
material de construção têm adotado diferentes 5. custos; 6. flexibilidade e amplitude no mix de
estratégias competitivas para responder ao produtos; e 7. prazo de entrega dos produtos.
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Figura 6 – Exemplo de relatório de projeto (status report).

Nota-se que os quatro primeiros FCS corro- sofisticadas nos produtos, o que se reflete no
boram com o posicionamento estratégico tradi- primeiro FCS.
cional da empresa que vem garantindo a liderança Nota-se que a empresa ‘A’ pode ser consi-
do mercado, que é o de competir por diferen- derada uma manufatura tradicional (em termos do
ciação. Por sua vez, os três últimos FCS também uso de TI). Nessas condições, a TI tem papel de
apontam para a crescente preocupação com as suporte e não há perspectivas de mudança desse
novas demandas de mercado e com o aumento de papel em futuro próximo. As aplicações de TI
competidores, incluindo produtos importados, existentes, bem como aquelas que se planeja im-
usualmente de custo mais baixo. A demanda por plantar a curto prazo, não apresentam impactos
prazos de entrega curtos também reflete essa situa- estratégicos. Dessa forma, pode ser classificada no
ção. A importância dada à flexibilidade e a um mix quadrante Suporte do Grid Estratégico (Figura 7).
variado de produtos indica uma nova forma de Durante a década de 1990, a Empresa ‘A’
diferenciação, na qual a empresa tenta usar seus enfrentou mudanças no grupo da alta gerência.
pontos fortes em relação à concorrência. Final- A nova cúpula diretiva iniciou um processo de
mente, observa-se uma tendência de crescente centralização com uma política de redução de
pressão por características tecnologicamente mais custos nas áreas administrativas, o que levou a
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drástica redução de pessoal na área corporativa Os critérios adotados pelo CIO (Chief
de TI (de 200 funcionários, em 1990, para cerca Information Officer – principal executivo de TI
de 40, em 2002). Esses dois aspectos, centra- da empresa) para selecionar os projetos de TI a
lização e controle de custos, são características ser desenvolvidos são: reparo de bugs, modi-
marcantes da nova cultura da empresa. Todavia, ficação de ordem legal, projetos corporativos
durante quase toda a década de 1980 e começo (diretamente determinados pelo CEO – Chief
da de 1990 (apogeu desse modelo), houve um Executive Office, isto é, principal executivo da
processo de descentralização da TI na empresa empresa) e projetos das unidades de negócio (ao
(outras áreas da empresa, como suprimentos, menos um em cada unidade de negócio).
também foram descentralizadas), até virtualmente Também há “projetos tecnológicos”, iniciativas
desaparecer nos dias atuais. No período estudado da própria área de TI. Esses projetos envolvem,
e no âmbito da corporação, a área de TI está principalmente, construção e melhoria da infra-
subordinada a uma das diretorias executivas estrutura em TI.
corporativas. Não há fórum ou processo formal que permita
O rol de atribuições das equipes de TI das ao CIO ou a outros gerentes de TI participar
unidades de negócio foi reduzido ao suporte a diretamente das discussões sobre a estratégia de
usuários finais e, a seguir, aos padrões e às prio- negócio da organização. Um resumo das
ridades definidos pela área corporativa de TI. A características da área corporativa de TI na Em-
cultura da organização privilegia o desenvol- presa ‘A’ é mostrado na Tabela 1.
vimento interno de aplicações, mas isso está mu-
dando lentamente. Alguns pacotes de software têm 5. Proposta de procedimentos para
sido comprados para complementar pontos especí- seleção de projetos de TI
ficos da arquitetura dos SI. A área corporativa de
TI não possui um método sistemático para planejar Os pontos principais de análise do caso apre-
e controlar seus projetos sob os aspectos de custos sentado foram discutidos com o CIO e outros
e recursos necessários, tampouco para avaliar o gerentes de TI e de áreas de negócio. Com base
desempenho das aplicações. Também não há pro- nessa discussão e na abordagem de gestão de
cesso formal ou regular de avaliação ex ante dos portfolio, um novo conjunto de procedimentos
projetos de TI, tampouco para avaliar os resultados para seleção de projetos de TI foi proposto e
das decisões sobre a fila de projetos de TI. analisado na Empresa ‘A’.

Figura 7 – Enquadramento do estudo de caso no Grid Estratégico


(adaptada de McFarlan, 1984).
322 Moraes & Laurindo – Um Estudo de Caso de Gestão de Portfolio de Projetos de Tecnologia da Informação

Tabela 1 – Organização da área de TI na Empresa ‘A’.

Elemento da TI Característica da empresa ‘A’


Estrutura da TI Por sistemas
Operação da TI Descentralizada
Desenvolvimento de sistemas Centralizada; interna
Dispersão geográfica; unidades de negócio;
Razões para descentralização da TI
desejo de controle
Modelos de eficiência Nenhum modelo formal
Controle dos projetos de TI Ad hoc

Esses procedimentos buscam formalizar o vez que a classificação dos oito diferentes tipos
processo de construção da carteira de de projetos propostos por Farbey et al. (1995) foi
desenvolvimento usando uma abordagem de considerada muito complexa pelos gerentes de
gestão de portfolio alinhada à estratégia da TI da organização estudada, uma nova classi-
empresa e considerando os projetos atualmente em ficação foi proposta, com apenas quatro dife-
desenvolvimento, já que estes concorrem com os rentes tipos de projetos de TI. São eles:
novos no uso dos escassos recursos. O processo
de teste desses novos procedimentos foi objeto de • obrigatórios: projetos que não possuem
aprofundamento do estudo de caso na empresa. alternativas à sua execução. Esse foi o caso,
Os procedimentos propostos incluíam os se- por exemplo, das aplicações que tinham
guintes passos: problemas relacionados ao bug do milênio,
já que as empresas eram obrigadas a modi-
• determinação dos FCS (que já havia sido ficar seus SI para evitar sérios problemas
previamente feita);
futuros. Alterações legais podem ter o
• classificação dos projetos de TI a desen- mesmo efeito sobre os projetos de SI;
volver na empresa, de acordo com suas
características e seus impactos na orga- • infra-estrutura: nesse tipo de projeto os
nização como um todo, e na utilização de benefícios imediatos são pouco significa-
recursos da equipe de TI; tivos, mas criam novas e importantes opor-
tunidades. Exemplos dessa categoria são:
• formar um portfolio viável de projetos de
implantação de um novo banco de dados
TI a desenvolver, a partir do conjunto de
corporativo, de uma rede local, implan-
projetos em carteira;
tação de intranets ou uma nova estrutura
• estimar os custos de cada um desses pro- organizacional;
jetos de TI do portfolio;
• incremental: projetos que envolvem tecno-
• estimar a probabilidade de sucesso de cada
logia ou processo de negócio bem
um desses projetos de TI do portfolio;
conhecido, cujos impactos são facilmente
• estimar a contribuição de cada um desses previstos. Trazem ganhos incrementais em
projetos aos FCS da empresa; e eficiência e/ou eficácia;
• escolher o portfolio que proporcione maior • exploratórios: projetos que envolvem no-
contribuição global ao conjunto dos FCS
vas tecnologias (em relação ao conheci-
da empresa.
mento dominado pela organização), novas
Portanto, inicialmente seria necessário classi- estratégias de negócio e/ou novas estru-
ficar os diferentes tipos de aplicações de TI. Uma turas/processos organizacionais. São pro-
GESTÃO & PRODUÇÃO, v.10, n.3, p.311-328, dez. 2003 323

jetos de grande incerteza intrínseca, con- A primeira lista de projetos de TI, com estima-
tudo, se forem bem-sucedidos, podem tra- tiva de sucesso de cada projeto e sua classificação,
zer grandes ganhos (em termos de é mostrada na Tabela 2. A descrição de cada projeto
eficiência e/ou eficácia) para a organização. foi omitida por razões de confidencialidade de
informações da Empresa ‘A’. Os gerentes de TI
Conforme convenção adotada pela empresa,
estimaram (subjetivamente) o custo e a probabi-
considerou-se o prazo de desenvolvimento como
lidade de sucesso de cada projeto.
o tempo decorrido desde o início formal do pro-
Foi feita avaliação que atribui uma nota relativa
jeto até o projeto gerar os benefícios esperados.
à situação de cada um dos FCS. Essa nota, um
O orçamento planejado, por sua vez, está rela-
número entre 0 (péssimo) e 1 (excelente), é repre-
cionado ao investimento necessário para gerar
sentada por um valor porcentual. Em seguida, para
esses benefícios.
cada um dos projetos propostos foi feita estimativa
A proposta enfatizou a necessidade de ava-
de sua contribuição para a melhoria de cada um
liação ampla dos projetos, a consideração dos
dos FCS, o que permitiu construir a Figura 8, que
diferentes tipos de projetos e a necessidade de
mostra, portanto, a contribuição estimada (em
alinhamento estratégico (Henderson & Venkatra-
termos de melhoria, de forma porcentual, dos
man, 1993).
FCS) de cada projeto em relação a cada FCS.
Não há algoritmo heurístico envolvido.
Essas estimativas também foram feitas pelos
Apesar de esses procedimentos terem permitido
gerentes de TI. Deve-se notar que cada projeto
a participação de diferentes stakeholders, foi
pode contribuir para mais de um FCS. Os FCS (2)
baseado na avaliação subjetiva dos gerentes.
qualidade de processo e do produto final e (5)
Contudo, ele permite que os gerentes reflitam
custos aparentam ser os que sofrerão o maior
de maneira mais abrangente e qualitativa sobre
impacto do conjunto de projetos. Isso é consistente
o escopo e os benefícios para a organização.
com a tradição gerencial dessa organização.
Os gerentes (tanto de TI como de negócios) Todavia, esse gráfico não mostra adequadamente
devem procurar selecionar um portfolio de pro- o efeito combinado dos projetos sobre os FCS.
jetos com a melhor combinação de atendimento Para entender os efeitos combinados, o próximo
aos critérios utilizados, que, freqüentemente, passo foi avaliar o efeito global de cada possível
podem se tornar conflitantes. Esse processo per- carteira de desenvolvimento. A carteira com a
mite avaliar a importância das diferentes contri- maior contribuição potencial global torna-se, em
buições que a área de TI pode dar à organização. princípio, forte candidata a ser escolhida. A Figura
Os procedimentos propostos procuraram inter- 9 apresenta o resultado de uma carteira de projetos
relacionar os conceitos previamente apresen- de TI incluindo todos os projetos da Tabela 2. A
tados. Uma vez classificados os projetos, o passo área menor (hachurada e mais escura) em torno
seguinte foi listar os projetos candidatos a serem da grande área central representa os ganhos
parte da carteira de projetos de TI. O escopo esperados de uma carteira específica.
desses projetos pode variar desde a simples ma- Outro importante aspecto a ser considerado na
nutenção de sistemas existentes ou substituição seleção dos projetos é o grau de incerteza gerado
de hardware até novos e estratégicos SI. Projetos pelas características dos projetos e dos recursos
já em desenvolvimento não devem ser interrom- alocados em seu desenvolvimento (custo orçado).
pidos. Essa restrição está de acordo com a po- As incertezas podem ser amenizadas por meio de
lítica interna da Empresa ‘A’ para condução dos disponibilidade suficientemente grande de re-
projetos de TI. Contudo, conforme já exposto, cursos, isto é, por um grande orçamento (por
deve-se ressaltar que essa restrição deveria ser exemplo, se uma quantidade maior de analistas é
extinta, a fim de haver melhor alocação de alocada, a incerteza em relação ao cumprimento
recursos. de prazos tende a ser reduzida).
324 Moraes & Laurindo – Um Estudo de Caso de Gestão de Portfolio de Projetos de Tecnologia da Informação

Tabela 2 – Características dos projetos de TI da Empresa ‘A’.

Projeto Custo estimado Probabilidade de sucesso (incerteza) Tipo


A USD 210.000 90% Incremental
B USD 320.000 75% Incremental
C USD 360.000 50% Incremental
D USD 250.000 90% Incremental
E USD 250.000 85% Incremental
F USD 280.000 60% Exploratório
G USD 250.000 85% Obrigatório
H USD 180.000 50% Exploratório
I USD 210.000 40% Exploratório
J USD 320.000 60% Exploratório
K USD 360.000 75% Incremental
L USD 280.000 70% Incremental
M USD 140.000 95% Infra-estrutra
N USD 70.000 97% Infra-estrutra
O USD 30.000 92% Infra-estrutra
P USD 100.000 93% Infra-estrutra
Q USD 70.000 98% Infra-estrutra
R USD 250.000 70% Infra-estrutra

Figura 8 – Contribuição estimada dos projetos de TI para cada FCS.


GESTÃO & PRODUÇÃO, v.10, n.3, p.311-328, dez. 2003 325

A probabilidade de sucesso (relacionada a empresa atua, bem como as competências


essas incertezas) dos projetos está associada à internas da empresa.
classificação apresentada anteriormente. Assim,
cada projeto foi classificado e sua incerteza foi
6. Conclusões
estimada, como já mencionado. Na Figura 10, os
projetos são classificados de acordo com os O estudo de caso mostrou alguns dos pro-
quatro tipos propostos (obrigatório, infra-estru- blemas enfrentados pelos gerentes de TI em busca
tura, incremental e exploratório) e cada projeto de melhor alocação de recursos entre vários
é representado por um círculo, cuja área repre- projetos. Ele levou a proposta de um conjunto de
senta o investimento necessário. procedimentos abrangente (que considera ques-
Esse gráfico permite avaliar investimentos de tões de eficácia, eficiência e risco) e apresentou
grande incerteza. Uma importante pergunta que potencial para ser aplicado nas organizações.
poderia ser feita é: devem-se alocar recursos Usualmente, as equipes de TI focam muito a busca
escassos em projetos de grande incerteza? Os do sucesso técnico em seus projetos, bem como
projetos ‘C’ e ‘I’, cujos investimentos repre- as funcionalidades presentes nas aplicações
sentam, respectivamente, US$ 360 mil e US$ 210 desenvolvidas. Com a abordagem de gestão por
mil e as probabilidades de sucesso estimadas em portfolio proposta e estudada, as preocupações de
50% e 40%, poderiam representar essa situação. natureza gerencial e mesmo estratégica ficam
Por outro lado, se esses projetos são considerados presentes no processo de planejamento e controle
importantes por outros critérios, devem receber desses projetos. Um dos pontos a ser melhor
mais recursos ou ter seu escopo revisto de forma analisado é a classificação dos projetos de TI, uma
a poderem atingir seus objetivos com menor vez que a tipologia adotada reflete a situação
incerteza. Da mesma maneira, projetos obriga- específica da empresa estudada e o ponto de vista
tórios não devem apresentar grade incerteza, já de seus gerentes de negócios e de TI. A eficiência
que o fracasso traz graves conseqüências. Os e a eficácia da gestão dos projetos em desenvol-
trade-offs desse processo refletem a competição vimento não foram analisadas, tampouco o re-
associada à estrutura da indústria na qual a sultado dos projetos já concluídos.

Figura 9 – Melhoria da eficácia pela carteira de projetos em relação aos FCS.


326 Moraes & Laurindo – Um Estudo de Caso de Gestão de Portfolio de Projetos de Tecnologia da Informação

Figura 10 – Incertezas dos projetos de TI, classificados em quatro tipos.

Essas duas questões devem ser mais bem trabalhassem juntos e, conseqüentemente, enten-
estudadas em novas pesquisas. Algumas das dessem melhor as necessidades das partes en-
dificuldades no uso da proposta foram causadas volvidas, o que possibilitou aumentar o tão dese-
pelo fato de ser a primeira vez que os gerentes jado alinhamento estratégico.
participaram do processo e não tinham Dessa forma, fica facilitada uma visão estra-
familiaridade com os conceitos utilizados. tégica tanto do negócio como da TI, de forma a
Uma vez que múltiplos objetivos devem ser analisar e avaliar os ganhos na produtividade e
satisfeitos pelo processo de seleção da carteira na competitividade dos negócios oriundos de
de projetos de TI, algumas técnicas poderiam ser maior eficácia no uso da TI, em alinhamento com
de grande valia, como Analytic Hierarchy a operação e a estratégia da empresa. Contudo,
Process (AHP) ou Fuzzy Sets (Saaty, 1991; ainda persiste a necessidade de eficiência na
Shimizu et al., 2001). Elas poderiam ser utili- operação da TI, bem como a importância da
zadas, por exemplo, na avaliação e na priorização capacitação técnica nos processos de gestão de
dos efeitos da TI sobre os FCS. Outro ponto projetos de TI (Carvalho et al., 2003; Laurindo
passível de melhoria reside no cálculo do risco et al., 2002).
de cada projeto, que, no caso em questão, foi Embora a Empresa ‘A’ deva manter a TI no
estimado de maneira subjetiva. Finalmente, o quadrante Suporte, isso não significa que ela
impacto de cada aplicação em cada FCS também possa negligenciar uma gestão mais integrada
poderia ser estimado de maneira menos subjetiva. entre TI e negócios, incluindo a corporação e as
Um importante benefício da sistemática pro- áreas de negócio. Todavia, o fato de os proce-
posta foi auxiliar os gerentes a sistematizar suas dimentos de avaliação de eficácia serem pouco
idéias e refletir sobre o processo e os impactos elaborados e de os procedimentos de avaliação
dos projetos de TI selecionados naquilo que é de eficiência não serem rotineiros está de acordo
importante para a empresa. Também permitiu que com o papel de apoio da TI à operação. Final-
os profissionais de TI e de outras áreas mente, este artigo pode ser o início de futuras
GESTÃO & PRODUÇÃO, v.10, n.3, p.311-328, dez. 2003 327

pesquisas que deverão tratar das possibilidades análise e a avaliação ex post dos projetos de TI;
de melhoria mencionadas anteriormente, bem e a influência do grau de maturidade da orga-
como possibilitar o aprofundamento da discussão nização no processo de seleção e avaliação de
acerca da gestão de projetos de TI. Entre elas, a seus projetos de TI.

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SELECTING AN INFORMATION TECHNOLOGY


APPLICATION THROUGH AN EFFECTIVENESS APPROACH:
A PRODUCTION PLANNING SYSTEM CASE STUDY

Abstract

The role of information technology (IT) in organisations can vary from simple administrative support
till a strategic position, in which IT achieve an important status in leading companies in increasingly
competitive markets. On the other hand, there is still an important discussion about the difficulties of
finding evidence of returns over investments in IT. Although there are different explanations for this fact,
there is a general consensus about the relevant increase in IT investments in the last decades. The
decisions about which IT projects should be implemented are frequently determinant of business
performance and are able not only of changing the competitive positioning of the companies but also can
modify the competitive structure of industries. This paper aims to analyse, through a case study, the
selection of IT projects through a management of portfolio approach, considering both efficiency (use of
resources) and effectiveness (achieving positive results for the organisation) issues, and also analysing
their risks.
Key words: information technology, project portfolio management, ex ante evaluation.

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