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Alimentação e ritos de socialização: por que respeitamos regras na hora de comer?

Vários animais sociais cooperam para obter alimentos, caçando juntos no caso de predadores felinos
ou caninos, criando juntas piolhos no caso das formigas... Entre animais sociais mais próximos,
como os primatas superiores, em particular entre nossos primos, os chimpanzés e os bonobos, além
da cooperação para providenciar alimentos, podemos observar tendencias em compartilhar
alimentos de maneira organizada e em socializar ideias culinárias (sobre qualidade dos alimentos
ou maneira de temperar).

Embora é importante destacar o que compartilhamos com outras especies, o fato é que o ser
humano tem particularidades em relação à alimentação. Só o ser humano segue ciclos e ritos
organizados na hora de comer.

O ato alimentar reúne e separa a humanidade; alimentação constitui no mesmo tempo um fenômeno
plenamente biológico e plenamente cultural. O ser humano, seus alimentos e o planeta co-
evoluíram. Transformamos os nossos alimentos : o milho, o tomate, o trigo, o peru, etc. do mundo
moderno têm pouco a ver com as versões originais ( o tomate era verde e azedo, o milho muito
reduzido, o peru migrava do México até o Canadá). Nossos alimentos nos transformaram : a grande
parte da humanidade adotou a agricultura e com ela o sedentarismo. Grupos humanos passaram a
desenvolver capacidade que nossos antepassados não tinham, como digerir o leite e o trigo.

Todos os seres humanos têm basicamente as mesmas necessidades em termos de vitaminas,


proteínas, minerais, fibras. Nosso metabolismo precisa de uma ingestão calórica regular. Essa
função biológica tem se transformado em performances sociais complexas extremamente
diversificada que separam a humanidade. Cada grupo humano tem suas maneiras de comer, sua
lista de alimentos comestíveis e desejáveis, suas ferramentas culinárias, sua maneira de organizar as
refeições. Os dados da arqueologia mostram provas cada dia mais remota da tendencia da
humanidade em compartilhar alimentos de maneira ritualizada e diferenciada.

Em sociedade complexa, como o Brasil , embora tem princípios comuns que fundam uma certa
identidade alimentar (tudo mundo come feijão, ninguém come cachorro, se usa garfos e facas, etc.),
existe muitas variações ligadas ao poder de compra e ao status social. A sociedade brasileira é
profundamente desigual, o que impede qualquer tipo de generalização sobre etiquetas na mesa.
Além da questão econômica, os grupos em cima da hierarquia social sempre vão inventar rituais
para se distinguir e as classes sociais inferiores sempre tendem a imitar as superiores que logo têm
que inventar uma coisa diferente para manter a distinção social.

Respostas às perguntas

1 - Desde quando a humanidade se reúne para fazer a alimentação? Os rituais coletivos


surgiram por quais motivos?

Não existe dados arqueológicos que mostram seres humanos modernos não reunidos para comer.
Comer juntos de uma maneira organizada e ritualizada parece uma atividade consubstancial com a
humanidade.

Por muito tempo os seres humanos eram menores e mais frágeis que outros animais que os
cercavam mas tinham cérebros mais potente e capacidade maior de comunicar. Fazer as coisas
juntas foi uma necessidade para nossa sobrevivência.

Essa tendência milenar esta se intervindo em certos lugares. Pesquisas apontam que nos Estados
Unidos hoje, o snacking ( o fato de merendar porque deu fome, a maior parte do tempo frente a
televisão, no carro, jogando video-game, etc) reponde por uma ingestão calórica maior que as
refeições, que alias se tornam cada vez mais raras agora que cada componente da família tende a ter
seu quarto com sua televisão e computador. Nos Estados Unidos se come em média 15 vezes por
dia... Não conheço pesquisa a respeito sobre o Brasil ou a Bahia mas pude observar que nas classes
media para cima, existe uma tendência semelhante por aqui.

Claude Fischler tem apelido esse fenômeno de anomia alimentar. Tem consequências consideráveis
e desastrosas sobre a saúde, a digestão, o meio ambiente assim como sobre socialidade. A
comensalidade (o fato de comer juntos) sempre foi um momento importante de socialização,
transmissão de valores e tradições e criação de uma identidade comum.

2 - A partir de que momento surgiu a necessidade de sofisticação dos hábitos na hora de


alimentação?

Os nômades precisam carregar tudo que têm nas costas cada vez que mudam de lugar. Com a
adoção da agricultura e o sedentarismo (fenômenos interligados) aparecem novidades na maneira de
comer juntos. Essas novidades vão se acumular com a especialização do trabalho.

4 - Os primeiros utensílios auxiliares na alimentação foram as panelas? Trate da questão do


desenvolvimento dos talheres, como forma de refinamento dos costumes.

Não dá para colocar um mamute numa panela! Os primeiros utensílios foram facas, sílex de pedra,
que serviam tanto para a caça como para o corte dos animais. Se usava pedras também par quebrar
ossos e abrir nozes. Outras ferramentas devem ter sido usado para assar os animais. A panela só
chega com o sedentarismo e a agricultura.

Considerar talheres mas refinado que palitos orientais ou que o uso da mão e o auxilio de crepes
para pegar os alimentos, é uma atitude etnocêntrica.

5 - O que pensa da divisão de classes representada, a partir de alguns períodos da


história, pelo acesso a uma mesa montada com porcelanas finas, cristais e finas iguarias?

A divisão social do trabalho e a desigualidade criou uma elite que tinha necessidade de gastar e de
se distinguir Seculos atrás na França, os pobres comiam salmão, e os ricos, pão branco. Hoje é o
contrario, salmão virou comida de rico e os mais ricos comem pão integral. Existe um movimento
continuo de distinção social e imitação. Os mais ricos inventam maneira de se distinguir, os pobres
imitam, os ricos mudam para se distinguir de novo.

6 - As regras de etiquetas surgiram por quais motivos?

Por necessidade de ordem, de construção de identidade coletiva e de diferenciação social.

7 - A que ponto a humanidade corrompe sua natureza para poder seguir regras?

Nada é mais natural no ser humano que de produzir e seguir regras.

8 - Na sua opinião, qual o valor das normas de etiqueta úteis à sociedade? Tomar um vinho na
taça correta é algo que tem importância?

A taça de vinho não é só uma norma de etiqueta (como seria o habito de sentar duma certa maneira,
de não dever arrotar ou ao contrario de ter que arrotar, de colocar o garfo de um certo lado do prato
etc.) mas uma tecnologia que foi se sofisticando paralelamente a produção de vinho. O formato da
taça tem um efeito real e mensurável sobre o sabor do vinho. Nesse sentido, o formato da taça não é
uma realidade contingente e relativa como é o próprio habito de beber vinho comendo. Podemos
distinguir entre as normas cujo valor é intersubjetivo (melhor não ficar arrotando ou comer feijão
com as mãos na mesa no Brasil) e tecnologias que têm uma utilidade mais objetiva (o que não as
tornam indispensáveis). Todo grupo precisa de normas mas é interessante tomar consciência que
elas são arbitrarias para não menosprezar os outros pelas suas diferenças.

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