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MONTAGEM DE INTERAÇÕES

INTERACTIONS AND MONTAGE

Luis Enrique Cazani Junior, Dra. Letícia Passos Affini - Campus: Bauru – Faculdade de Arquitetura, Artes e
Comunicação - Comunicação Social: Radialismo - cazani.unesp@hotmail.com - PIBIC/CNPq.

Palavras-chaves: Audiovisual; Montagem; Interação;


Keywords: Audiovisual; Montage; Interaction;

RESUMO

1. INTRODUÇÃO
Este trabalho apresenta estudos de casos realizados com narrativas audiovisuais, que possuem
características estruturais diferenciadas reunidas em Jan Simons sob a denominação de complexas, e
outros produtos com processos de interação instituídos na montagem e na plataforma de recepção,
propondo a sua utilização como referência para aplicação de interações na TV Digital.
Compreendida como uma técnica de seleção e articulação de fragmentos de sentidos na
composição do discurso audiovisual, aponta-se a montagem como um mecanismo propulsor de
interação, manifestada pela transferência da sincronização dos módulos de sentidos que compõem a
mensagem para o espectador. Promovem-se, dessa forma, novas formas de experiênciação,
envolvimento e relacionamento com a obra em que ele imerge, além de instituir mudanças na
concepção narrativa, o que contribuí para a sua evolução.

2. OBJETIVOS
 Compreender como a interatividade, a portabilidade e a mobilidade contribuem para a
evolução das narrativas audiovisuais e da ficção seriada;
 Apontar as características estruturais diferenciadas nas narrativas audiovisuais complexas
reunidas em Jan Simons (2008);
 Demonstrar as possibilidades de interação oriundas do processo de montagem em “Amélia”
do programa “Você Decide” (Rede Globo, 1999) e em “Nine Lives” (GPS films, 2007);
 Vislumbrar os aspectos do ciberespaço em “Desenrola” (Oi Futuro, 2008);
 Propor explanações concorrentes à interatividade e a mobilidade em “Nine Lives”.

3. MATERIAIS E MÉTODOS
 Acervo bibliográfico;
 DVD e roteiro acessado no ciberespaço dos seguintes filmes: The Butterfly Effect, Lola
Rennt, Pulp Fiction, Being John Malkovich e Babel;
 Episódio “Amélia”, do programa de televisão Você Decide (Rede Globo, 1999), da websérie
“Desenrola” e o filme “Nine Lives”, disponibilizados no ciberespaço.
 Software de edição de vídeo e imagem.

Estudos de caso foram realizados em Robert Yin, possibilitando de se apontar as


características estruturais que advieram do corpus diferenciado de Jan Simons, e de se mensurar a
evolução das narrativas audiovisuais, comparando-as com as funções das personagens estabelecidas
por Vladimir Propp e com outros produtos de diferentes plataformas.
A quebra da linearidade da informação no ciberespaço foi tomada como referência para o
desenvolvimento de conteúdo da televisão digital. O trabalho seguiu as proposições teóricas
estabelecidas em função da (des) construção da linearidade narrativa com Aristóteles e Santo
Agostinho, e aspectos da montagem com Eduardo Leone, Sergei Eisenstein e David Griffith. Essa
reconstrução também se deu pela utilização das funções das personagens, da ordenação das cenas
dos roteiros tomando por referência a temporalidade, acompanhada da fragmentação e disjunção das
narrativas. Em narrativas bifurcadas, utilizou-se o mapa das possibilidades lógicas narrativa de
Claude Bremond para estudos narratológicos.
Revisões bibliográficas foram realizadas, destacando a utilização do pensamento complexo
em Edgar Morin para fundamentar as narrativas complexas de Jan Simons e as mudanças na
estrutura narrativa em si; o conceito de interação mútua e a reativa propostas por Alex Primo;
interatividade aberta e fechada de Lev Manovich; estudos sobre bidirecionalidade com Fernando
Crocomo, além de André Lemos para mobilidade e portabilidade.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os princípios dialógico, recursivo, retroativo, sistêmico, hologramático, auto-eco-organização
e reintrodução daquele que conhece em todo conhecimento, integrantes do pensamento complexo
proposto por Edgar Morin, foram aplicados a produtos audiovisuais sob os conceitos reunidos por
Jan Simons com a denominação de narrativas complexas: forking path narratives, puzzle films,
mind-game films, modular narratives, database narratives, multiple-draft films, subjective stories e
network narratives. Constatou-se que alguns deles se sobressaiam demonstrada nas análises abaixo,
contudo, todos aplicáveis à estrutura narrativa, inviabilizando uma categorização pura.
A linearidade se constitui como uma orientação estabelecida em função de uma lógica de
causa e efeito, e das relações temporais. Foram vislumbradas distorções temporais, sem, contudo,
contemplarem os requisitos necessários à denominação de narrativas não-lineares. Com as funções
de Vladimir Propp traçaram-se suas linearidades, reforçando o conceito de Aristóteles de que toda
obra possui começo, meio e fim. No ciberespaço, essa causalidade é substituída pela recursividade,
o que promove a busca por estruturas que contemplem essa prerrogativa.
 The Butterfly Effect (forking path narratives e puzzle films): A atualidade é definida por
Bremond como o fim a ser atingido na narrativa, originando um percurso narrativo ou processo de
melhoramento.Nessa narrativa, o processo se constitui pelas reconstruções de determinados trechos,
e conseqüentemente, o desencadeamento de desfechos diferenciados que são integrados a totalidade
fílmica. A sua supressão inicial provocada por problemas de memória do protagonista (interdição)
inibe o cansaço do público pelas releituras e abre a narrativa para um processo de investigação pelo
espectador, compartilhando com o protagonista Evan a sua descoberta. Rompendo as relações de
interdependência do filme com um programa de edição de vídeo, produziu-se uma estrutura de
interatividade fechada e reativa, demonstrada pelas figuras abaixo, cabendo ao espectador a escolha
d a s releituras, como também
definir a sua
ordenaçã
o.

FIGURA 1: Estruturas narrativa e interativa, respectivamente, do filme The Butterfly Effect.


 Being John Malkovich (subjective stories): Os recursos utilizados para promover a imersão
do público na narrativa sob a figura de John Malkovich são a câmera subjetiva e a sonoridade meta
diegética. Essa imersão é desfrutada pelas personagens, integrando o contexto narrativo.
 Pulp Fiction (database narratives e modular narratives): Aponta-se o princípio da
serialização no filme que se apresenta fragmentado sob três denominações (“A situação Bonie”,
“Vicent Vega e a esposa de Marsellus” e “O relógio de ouro”). Esses A situação Bonie
fragmentos constituíam-se como narrativas independentes dentro um Vicent Vega e a esposa de Marsellus
mesmo contexto e dentro de uma linearidade temporal constatada em O relógio de ouro
Propp, transformadas em interdependentes no processo de montagem.
Decompõe-se “A situação Bonie” em dois módulos e inserem-se as outras narrativas para enfatizar
a reflexão e a decisão dos personagens Jules e Vicent em continuar ou não a praticar crimes. A
reflexão e a decisão acontecem a posteriori de seu desfecho. De acordo com Santo Agostinho,
passado e futuro são colocados como modalizações do presente, nesse filme.

FIGURA 2: Linearidade da montagem e da narrativa representada pelo tracejado, respectivamente.


 Lola Rennt (mind-game films e forking path narratives): Apresenta releituras de ações como
em The Butterfly Effect, só que, justapostas à totalidade fílmica. Destaca-se a idéia do tempo dos
jogos e a apresentação das personagens como avatares e de forma caricata. O processo de
melhoramento se institui pelas releituras que funcionam como tentativas de Lola de conseguir
(atualidade) 100 mil marcos em 20 minutos para Manni, partindo sempre de um mesmo ponto.
Lola passa por sua mãe, que está ao telefone.
Lola corre pelas escadarias, passando, caindo e pulando um garoto com um cachorro.
Lola quase esbarra, esbarra e passa tranqüilamente, por uma mulher com um carrinho de
bebê.
O pai de Lola anuncia que ela é adotada e se separa para ficar com a amante grávida,
provocando um assalto. O pai de Lola larga a amante ao saber que está grávida de outro. O
pai de Lola sai com o Sr Mayer.
Lola passa por uma funcionária do banco, demonstrando três finais para ela.
Lola corre e encontra o rapaz com uma bicicleta que lhe oferece. Ela recusa.Ela acusa-o
dizendo que é roubada. Lola para na frente da bicicleta.
Freiras abrem caminho para Lola nas duas primeiras vezes. Na terceira, não abrem caminho
para Lola.
Lola passa na frente do carro do Sr Mayer. Ela caminha sob a lataria do carro. Lola é
atropelada pelo carro.
Diante de um grande vidro carregado por homens, ambulância para, quebra o vidro, para.
Apresenta-se Lola assaltando uma loja de conveniência, Manni morto e Lola em um
cassino.
FIGURA 3 Estrutura narrativa de Lola Rennt.
 Babel (network narratives): As montagens paralelas de Babel possibilitam a expressão do
multiculturalismo e da construção de eventos simultâneos que não ocorrem em um mesmo intervalo
de tempo. Essa interpolação se dá pela existência de laços entre as personagens que integram o plot
e os sub-plots. Distorce-se, dessa forma, o tempo para dar ritmo à narrativa, segundo Andrei
Tarkovski. A estrutura proporciona a introdução de processo de interação que englobe diferentes
pontos de vistas sobre um mesmo evento ou indique a escolha de um dos percursos apresentados.

FIGURA 4: Mapa de relacionamento dos personagens.


 Episódio “Amélia”: O telespectador reage a uma série de eventos e intertextos apresentados,
direcionado a escolher um final pelo telefone, estabelecido pela dicotomia do sim e do não
(interatividade fechada). Monta-se, portanto, o final da narrativa que se encontra disjunto.
 Websérie “Desenrola”: Ganchos narrativos possibilitam reunir os episódios em uma
totalidade. Há processos de interação mútua e reativa, oriundos de redes sociais, promoção de
concursos culturais e possibilidade de envio de vídeos, promovendo a bidirecionalidade na
comunicação, em uma plataforma interativa com canal de retorno.
 Nine Lives: O GPS (Global Positioning System) é utilizado como suporte para recepção e
promoção da interação instituída na montagem. O espectador é responsável pela reconstrução da sua
linearidade e das relações de interdependência que constitui a narrativa, podendo suprimir ou mudar
a ordenação dos fragmentos, alterando, segundo Edgar Morin, o todo. Não há, portanto, a
apresentação de uma totalidade fílmica, mas de fragmentos, encontrados disponibilizados em
localidades onde se passa a trama para a sua constituição. Ao colocar o espectador no local da ação,
promove um alto nível de imersão possibilitando a reconstrução do percurso narrativo das
personagens através da mobilidade do dispositivo de recepção.
5. CONCLUSÕES
As narrativas do corpus são construídas a partir de releituras (integradas, justapostas ou
disjuntas) ou de fragmentos (serialização), que passam a se comportar como novas totalidades que
emergem da totalidade iniciadora do processo narrativo.A narrativa se complexifica apontada pela
variação na ordenação das funções de Propp e caminha para a modulação.
A montagem, estabelecida sob esse viés torna-se, então, opção para aplicação de processos de
interação. Na justaposição dos fragmentos de sentido, nesse processo, originam-se relações de
interdependência que abstêm a independência e especificidades dos fragmentos, recorrente a
uniformidade que caracteriza a estrutura fílmica que eles integram. A transferência da sua
manipulação para o espectador torna-o responsável pelo estabelecimento dessas relações, do sentido
e da totalidade que os exprimem. A montagem recria a unidade temporal e redefine a linearidade –
começo, meio e fim - do produto, não remetendo, necessariamente, a proposta na narrativa,
permitindo que se advenha novas qualidades e significados a serem inferidos. Apontam-se ainda
como mecanismos de imersão: a construção de enigmas narrativos, a introdução do espectador na
espacialidade narrativa, a utilização de câmeras subjetivas e construções meta diegéticas.

6. BIBLIOGRAFIAS
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BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Edições 70. 1988.
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Direção de Quetin Tarantino. Eua. Miramax Films, 1994, DVD, 154Min, Dolby Digital.
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Mackye Gruber. EUA e Canadá, New Line Cinema, 2004, DVD, 113MIN, DTS Dolby Digital.
CROCOMO, Fernando: TV digital e produção interativa: a comunidade manda notícias.
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EISENSTEIN, Sergei: O sentido do filme; Apresentação, notas e revisão técnica José Carlos
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GOLIN, Spike; LANDAY, Vicent; STERN, Sandy; STIPE, Michael; JONZE, Spike: Being John
Malkovich. Filme. Produção de Spike Golin, Vicent Landay, Sandy Stern, Michael Stipe. Direção
de por Spike Jonze. EUA. USA Films, 1999, DVD, 112Min, Dolby Digital.
LEONE, Eduardo; MOURÃO, Maria Dora Genis. Cinema e montagem. São Paulo: Ática, 1993.
MANOVICH, Lev. The Language of New Media, The MIT Press, 2000.
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PRIMO, Alex. Interação mediada por computador: comunicação, cibercultura, cognição. 2 ed.
Porto Alegre: Sulina, 2008.
SIMONS, Jan. Complex narratives. New review of Film and Television Studies. London:
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TARKOVSKIAEI, Andreaei Arsensevich. Esculpir o tempo. Tradução Jefferson Luiz Camargo. 2
Ed. São Paulo: Martins fontes. 1998.
TYKWER, Tom. Lola Rennt. Filme. Direção de Tom Tykwer. Alemanha, X-Filme Creative Pool,
1998, DVD, 81Min, Dolby Digital.
YIN, Robert K. Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. Tradução: Ana Thorell; Consultoria,
supervisão e revisão técnica desta edição: Cláudio Damacena. Porto Alegre: Bookman. 2001.

7. APOIO FINANCEIRO
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.

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