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f = ; SERIE EDUCACAO) i JARIA ANTONIETA ANTUNES CUNHA i oI iotcas “BSE Sistem de il ‘raion Cateos ISBN 85 08 09215 3 2006 Totios os direitos reservados la Editora Atioa. Av. Otaviano Alves de Lima, 4400 internet: wwvw.atica.com.br wwwalieaoducacional.com.br Introdugao ' Q trabalho com a ensino — do Fund: to infantil; poucas ex; eficiente com a I fac diversificada com a matéria nos animaram a reeditar — com revi- mos — esta obra ‘Acreditamos que com ela as trés dificuldades antes mencionadas m no minimo redu: O plano da obra iar isso. PLANO DA OBRA Cada unidade da obra trata de um t6pico de © em cada uma delas apresentamos: | Aspectos tedricos as que nos parecem isso as Obras mais reflexdes, mas Iniciando cada unidade, so abordadas as i ver orientar 0 estudo do assunto. Seguimos p: nas sobre a matéria, ao lado de nossas prépri idéias so apenas diretrizes que 0 professor pode e deve ampliar cimentos ¢ experiéncias, seus préprios co nga ou ao jovem das obras analisadas nos semi- is ouvirem ou lerem os livros, as criangas ¢ jovens opi- sobre a ob ‘0 entre as opinides das criancas c as surgidas no se- Pesquisa em bibliotecas, entrevista com bibliotecdrios, para 0 que sugerimos algumas perguntas: a) Qual a freqiiéncia das criangas & biblioteca? E maior ou menor do que anos atrés? b) Sao mais procuradas obras informativas, formativas ou re- creativas? ©) Quais os tipos de histérias preferidos? d) Quais as obras mais apreciadas? c) Contam com pessoal especializado em literatura infantil? 4) Existem condigées para a orientagdo das criangas na retirada do ivro? g) Qual o critério usado na compra de obras infantis? 4) Pesquisa sobre a obra dos grandes educadores citados na parte tes rica desta unidade, com relagio a temas, titulos, objetivos propos- tos por eles. (Procurar relacionar com os aspectos culturais da época.) 5) Mesma pesquisa, relativa aos escritores de literatura infantil no Brasil, antes de Lobato. 6) Leitura da obra Literatura infantil brasileira — Historia & histérias (70). 46 Literatura e educacao Aspectos tedricos Se perguntarmos a qualquer educador — pai, professor cério, supervisor de ensino etc. — sobre o que pretende quando leva o livro a infancia, a resposta ser4 sempre a mesma: queremos criar nos pequenos o hébito de ler. Em outras palavras, pretendemos que crian- a¢ jovem tenham, pela vida afora, a literatura como forma de enri- quecimento. Esse € um objetivo louvavel: sabemos que a lei altamente ativa de lazer. Em vez de propiciar sobretudo repouso nagio (dai, a massificagio), como ocorre com formas passivas de | zer, a leitura exige um grau maior de consciéncia e atencao, uma par ticipacio efetiva do recebedor-leitor. Seria, pois, muito importante que a escola procurasse desenvolver no aluno formas ativas de lazer — aque las que tornam 0 individuo critico e criativo, mais consciente € produ: tivo. A literatura teria papel relevante nesse aspecto. ‘Mas cabe-nos interrogar por que, apesar do empenho dos educa- dores, nossas criangas ¢ jovens Iéem tao pouco. 47 idade caiba s6 a uma politica que a “crise de leitura’? nao especial a televisdo, por esse estado de coisas. Com efeito, a ‘aco de massa € eficiente para seus fins, ¢ tem feito seus adep- tos. Mas, se esses adeptos estio senco retirados do contingente de lei tores potenciais, talvez devéssemos confessar que nosso trabalho como “fazedores de leitores’” nao tem sido muito brilhante. Dizer que a televiséio nao exige esforcos do recebedor, ao contré- rio do livro, pode ser uma verdade. Mas concluir que, por isso, a crian- a vai dispensar 0 livro parece-nos, no minimo, simplista: temos visto criangas se empenharem, com grande atencio ¢ esforco mental, em al- guns brinquedos ou atividades de seu interesse. Parece que nés, adultos em geral, nos relacionamos mal com 0 livro (especialmente o de literatura) e que o temos explorado mal, quan- do 0 levamos & crianga ou ao joven. A relagdo do adulto com a leitura Em nosso contato dirio, por exemplo, com 0 adulto empenhado em fazer da crianga um grande leitor, tem-nos preocupado a conscién- cia pouco clara desse adulto sobre sua propria relagio com o livro sobre a importincia do habito de ler Para tentar demonstrar isso, permitam-nos apresentar algumas situagdes que vivemos com muita freqiiéncia: 1) Bextremamente comum o adulto argumentar que Ié pouco (ou nao 18) por absoluta falta de tempo, ou que s6 Ié aquilo que tem ligacao direta com sua profissio. 2) E constante a afirmagao feita pelo adulto de que o cansaco impede qualquer leitura, ao fim de um dia de trabalho. 3) Freqiientemente, 0 adulto confessa que no tem sua prépria biblio- teca ¢ que raramente vai a uma delas, ou a livrarias. 4) O adulto impinge a crianga determinada leitura, na suposigfo de que, por conta propria, ela niio chegard ao livro, 5) B cada vez mais freqitente a utilizag&o de jogos e outras atividades para fazer o aluno se interessar pela leitura de determinada obra 48 literdria. A propria biblioteca tem diversificado suas atividades, in- cluindo jogos, miisica, danga ete., menos como filosofia de integra- cao de liniguagens do que uma forma de “‘chamar’” a crianca ao re- duto do livro, 6) B por demais conhecida a incrivel reagio dos adultos ao preco do livro (de literatura, em especial), enquanto brinquedos, de u de ou utilizagio menor, ou outros produtos supérfluos sao adquiri dos sem qualquer queixa. Todos esses comportamentos dos adultos evides que no tomamos consciéncia ou que nos recusamos a adi pel muitas vezes secundério e sempre pouco agradavel que o livro cum- pre em nossa vida, mum fato de ir: 0 pa- Se analisarmos cada caso apresentado, veremos que eles escon: dem esse ponto crucial Argumentar com a falta de tempo ¢ o cansaco para justificar a pouca (ou nenhuma) leitura é desconhecer que exatamente 0 cansaco nos obriga a criar um tempo para o descanso, para o lazer. E esse tem po € realmente criado por todos, s6 que ndo é ocupado com a leitura. Quer dizer: 0 livro (sobretudo o de literatura) nfio € urna opgiio de la- zer, nio significa prazer para o adulto, Por outro lado, a auséncia da biblioteca ¢ da livraria na vida dos adultos mostra 0 pouco interesse por conhecer livros, por atualizar-se com relacao a publicagSes. Se isso ocorre com professores € biblioteca rios, tal desconhecimento é muito mais grave: 0 livro é um dos mais importantes instrumentos de trabalho (ou 0 mais importante deles), € no usé-lo ou desconhecé-lo é Zo pouco profissional quanto seria a falta de instrumentos de consulta para o médico. Dificilmente aceita- rfamos qualquer tipo de justificativa para um médico que nio tivesse um bom instrumental ¢ que no soubesse informar (para que serve, ‘onde encontrar ctc.) sobre um novo aparelho. Poderfamos entender que tal médico tivesse problemas financeiros, mas possivelmente pro- curarfamos um outro “mais aparelhado”” para cuidar de nossa saiide. Da mesma forma, mereceria pouca confianca o professor ou bi- bliotecdrio que no conhecesse um de seus instrumentos basicos de tra balho. Mas como a maioria dos adultos também nao da maior impor- tncia ao livro, a desconfianca no existe em escala significativa. A reacio ao preco do livro revela seu desprestigio em relagio a outros ‘‘bens de consumo", © livro de literatura € a menos cara das artes, além de sua ‘‘comodidade”’ ¢ seu poder de “rultiplicagao": mi- 49 ivro, em lugar, situacao ¢ tem- ro informativo também apresenta essas vanta~ y material que concorre com ele, Mas nada disso » quando 0 livro nao tem valor real para o individuo. ioria dos educadores quer compulsoriamente ligar a crian- ro, como se cle fosse remédio ruim, mas benélico, é porque ro € para eles, efetivamente, um remédio ruim. A versio “huma- desse adulto impositivo é 0 educador que mistura um disfarce (doce € sucos deliciosos!) ao remédio: é o jogo ou outra atividade que tenta encobrir 0 livro e faz. crianga “‘engoli-lo’”, sem que ele atraves- se a garganta. Essa suposi¢ao de que a crianga nfo se interessa pelo livro € ape- nas 0 reflexo do préprio desinteresse do adulto por tal objeto. A experiéncia cada vez mais tem-nos dado étimas oportunidades de ver que, no principio de sua vida, a crianga vé o livro como um brinquedo — ¢ nao menos interessante do que os outros. Alguma coi- sa de magico e encantador envolve o decifrar do desenho das palavras — ea crianga ama decifrar esses mistérios. E cada vez mais nos sur- preendemos com a enorme diversificagao das criangas, com relacio ao que preferem ler: literatura, livros informativos, enciclopédias, revis- tas etc, A atitude prosaica desencantadora do adulto é que vai aos poucos minando a ligacao entre erianca ¢ livro. A relagao do adulto com a crianga ‘Temos nos perguntado insistentemente (¢ a outros adultos tam bém — ¢ alguns se sentem chocados com a “‘insinuacdo”) se nossa atua- ¢fo na formagao da cabeca de nossas criancas nio difere apenas em grau e em aspectos formais (sutileza, por excmplo) da atuacdo dos go- vernos totalitaristas quando tentam “criar”” o pensamento convergen- te em todo 0 povo. Vejamos: podemos supor que tais governos acreditem, com a mes ma boa-fé do adulto em geral, estar fazendo um bem (coletivo c/ou individual) ao defender determinadas idéias. E como fazem essa defe- sa? Através da coacio; se preciso, da tortura. 50 Nossa relag&o com os menores apresenta essa mesma forga ¢ po- der decisério. Dar opgées, em qualquer sistema (politico, familiar, es- colar ete.), significa criar posigdes incomodamente divergentes... Cocrentemente, isso mesmo ocorre quando 0 adulto leva o livro Acrianca: cle tem a idéia clara de que a leitura é uma atividade funda- mental para a aquisico de conhecimentos. (Gonvenhamos — ¢ esta- mos ainda raciocinando como o adulto: atividade fundamental, mas bastante desagradavel... Se no a considerdssemos desse modo, como Justificar que, adultos, Ieiamos to pouco?) A idéia de que a leitura vai fazer um bem & crianga ou ao joven leva-nos a obrigé-los a ler, como thes impomos a colher de remédio, a injeco, a escova de dentes, a escola. Assim, é comum 0 menino sentir~ se coagido, tendo de ler uma obra que nao lhe diz nada, tendo de submeter-se a uma avaliagao, ¢ sendo punido se nfo cumprir as regras do jogo que ele no definiu, nem entendeu. E a tortura sutil ¢ sem mar- cas “observaveis a olho nu”, de que nfo nos damos conta. Informagao X arte Pensamos que 0 grande problema da literatura (a nfvel do adulto , nao dos governantes) esté nesse engano de perspectiva ao idar com a obra literéria O que ocorre é que nao sabemos distinguir a palavra-informagio da palavra-arte Infelizmente para a literatura, sua matéria-prima — a palavra — nao Ihe exclusiva: ela serve tanto & informacio quanto a arte. Isto no acontece com as outras artes, cuja matéria-prima é imediatamen- te identificada com sua expressio arifstica: o som, para todos, liga-se A miisica; as cores, & pintura — e assim por diante. A palavra-informago é essencialmente denotativa: quanto mais preciso e unfvoco seu significado, tanto melhor ela vai cumprir sua fun- 40. Deseja-se que o maior ntimero possfvel de pessoas entenda do mes- mo modo a informagao. Com a palavra-arte dé-se 0 contrdrio: cla é essencialmente cono- tativa, Quanto mais multfvoca, quanto mais possibilidades de inter- 51 sera uma palavra poética. Nao se pretende, 1 igualdade de interpretacio. jos na escola ou na familia com a palavra-arte como wra-informagao. Trabalhamos com a literatura do mesmo «que com a Matematica, ou a Geografia: nio distinguindo obje- livos diferentes, no usamos estratégias diferentes, para as duas espé- cies de palavra B inegavel que a arte (como, alids, qualquer outra rca de conhe- cimento, ou atividade) se desenvolve integrando as trés Areas vitais do homem: a motora, a cognitiva e a apreciativa. Mas parece certo tam- bém que a ligacio do individuo com a arte, a criagdo do ‘“fruidor’ dela € uma questo de aprendizagem apreciativa (supondo, evidente- mente, um suporte motor e ideativo). Ora, a érea apreciativa é aquela que estabelece gosto, opgdes, ati- tudes, crencas, ideais, ¢ cuja aprendizagem se faz através da discrimi- nacao orientada pelo prazer ¢ desprazer. Nesse sentido, 0 proceso de aprendizagem deve ser 0 actimulo de experincias acompanhadas de sensagio agradavel HA diferencas bésicas (embora elas se complementem) entre es sas trés Areas, em especial entre a apreciativa e as outras duas. Com rclagio aprendizagem nas Areas motora ¢ ideativa, 0 mais importan- te € 0 produto. Isso se explica facilmente: andar é um automatismo relativamente pouco diferenciado; cinco mais cinco sao, efetivamente, dez; ¢ Curitiba é, mesmo, a capital do Parana. A divergéncia de res- postas a perguntas desse tipo nao é desejavel, Podemos dizer que a con- vergéncia de resultados na aprendizagem é 0 ideal nesses dominios. Na dtea apreciativa, ao contrario, é impossfvel precisar o resulta- do. Caracteriza esse campo o pensamento divergente, as solucées dife- rentes. Tentar a convergéncia, nesse caso, & fazer 0 jogo da forca € wna estratégia. Aqui, deve interessar mais 0 processo, a vivéncia, que © produto Pois € exatamente 0 processo que é abandonado, no caso da ex- ploragao da obra liter4ria na escola. Definido que a literatura deve ser ‘“‘aprendida”” pelo aluno, um silencio total preenche 0 tempo entre a apresentacio do titulo da obra a ser lida e a prova que comprove sua leitura, prova que vai medir © que é mensurdvel na literatura, 0 que o aluno sabe da hist6ria, das personagens (nome, caracteristicas, parentesco etc.) — dados esses da rea cognitiva, E a busca do pensamento convergente. 52 0 livro como lazer Atividades que tornem o livro uma fonte de prazer e enriqueci- mento, um desafio sauddvel para o aluno, essas nao foram imagina- das. Durante os dias que durarem a leitura, o aluno esta irremediavel- mente solitario, com seu prazer ou desprazer, com suas dividas, com uma enorme vontade de, pelo menos, tentar outro livro (a que nés, adultos, fazemos trangiiilamente, sem qualquer incdmodo: nada nos obriga a chegar ao fim de um livro detestavel). © processo da leitura se d4, portanto, com tropecos ¢ as vezes com alegrias, mas sempre & margem da escola: sua especialidade ¢ sua preo- cupacao é avaliar. E, na melhor das hipéteses, durante a leitura do alu- no, o professor est ocupado em criar a avaliagio que dé menos chan- ec de burla: 0 menino que nao leu 0 livro tem de ser discriminado pela prova. Aqui, pois, se coloca um problema de filosofia e uma questo de estratégia, no trabalho com a literatura para jovens e criancas. 1) Se, fundamentada na Area apreciativa, é uma opedo, até que ponto € legitimo impormos ao aluno uma obra (escolhida pelo professor), a ser cobrada através de proceso determinado pelo professor, em um dia D, do calendério escolar? E mais: € licito impor a literatura? 2) Fstrategicamente, se queremos ‘fazer a cabeca’” dos alunos para formar, se possivel, 30 leitores em 30 criangas, a técnica da coercao funciona? Pessoalmente, acreditamos que ninguém pode estar obrigado a gostar de ler, ou preferir a leitura & misica, ou ao futebol. Supomos, no entanto, que exatamente para as pessoas que créem imprescind{vel a literatura é importante mudar a tatica do jogo. Essas posic6es nfio nos retiram da luta pela literatura. Muito pelo contrério: elas nos empurram para uma batalha mais abrangente, niio 86 da literatura, mas de todas as artes, e das verdadeiras opgdes do in- dividuo — na area exata em que deve dar-se. Sabemos que gostar ou nao de literatura, como de qualquer outra experiéncia, nao é um dado biol6gico, de nascenca. Se essa caracteristica é da histéria de cada um, cabe-nos, como educadores, influir o melhor que pudermos nesse da do cultural, Para nés 0 problema se coloca, pois, do seguinte modo: 1) Da perspectiva de uma filosofia de educagio, ¢ obrigagao do educa dor mostrar nfo 86 a literatura como também as demais artes como 1es formas de descoberta do individuo, nas relagées riacdo possiycis entre ele ¢ a obra. E também obri- nar todas as possibilidades de cada arte, re para se aventurar nos caminhos de uma , dono que ele tem de ser de suas opedes. Se ele nao fizer 1 opclio que desejamos, paciéncia. Mesmo que ele estivesse errado (e ndo & 0 caso), o direito de errar (¢, se for erro, suas conseqiién- cias) & dele. 2) Da perspectiva de estratégias, cabe ao educador sempre se pergun- tar se, com uma atuaco mais eficiente, mais orientada, néo pode- ria ele estar ajudando mais pessoas a optarem por literatura (ou qual- quer outra forma de arte ou cultura), Formas de motivagao verdadeira e um acompanhamento estimu- lante so sempre modos de ajudar 0 aluno a sentir-se em casa com 0 livro (e com qualquer outro objeto de arte) Afinal, a critica constante ¢ sem condescendéncia de nosso pr6- prio desempenho pode ajudar-nos a procurar caminhos mais agrada- veis ¢ eficazes. A escolha do livro Aliado ao problema do objetivo tratamento da obra esté, dentemente, 0 da prépria escolha do livro. JA que o livro deve “ensin: 's, escolhemos para nossos me- ninos aquele que vai desenvolver determinadas idéias, ou proponha determinadas condutas que nos parecam as mais adequadas socialmente. E bastante provavel que, se temos uma idéia tio redutora da fungao da literatura, cultivemos também valores igualmente conservadores comportados; pdssivel mente vamos escolher aquela obra comportada © pedagégica, que — como ja vimos — nao é exatamente literatura, Ai, temos 0 maximo da inadequaco: além do programa educativo, a obra ainda luta por valores questionaveis para nosso. momento hist6rico-cultural. ‘Temos um temor exagerado de deixar & mao de nossas eriancas livros com cenas indesejaveis: violencia, qualquer apelo ao sexo ete. No entanto, revistas, programas de televisio, 0 cinema ¢ a propria vi- da esto af mostrando um mundo menos arrumado do que o que apre~ sentamos teoricamente para as criancas, 54 Quando queremos “limpar”’ a literatura a ser Jevada a infancia (embora nem sempre sejamos exemplares nessa conduta “limpa’") dei- xamos clara, mais uma vez, a nossa posigio: televisio, cinema, revis- tas sio para distrair — 0 livro € que educa. Com essa atitude eviden- ciamos também nossa idéia de que a crianga é wm ser puro que deve- mos ‘'proteger’’, Muitas obras tém questionado atualmente essa visio angelical da crianga (veja n? 7 da bibliografia). Mas nem precisamos depender dessa bibliografia. Basta termos boa meméria ¢ relembrar- mos muitos comportamentos considerados pouco recomendaveis, que exercitamos em nossa inffincia. Sobre a violencia e a imitagiio dos he~ réis pelas criangas, assim se pronunciou o psiquiatra Joy Arruda: “Os psiquiatras, entretanto, tém obsereado que muitas criancas en- contram profunda satisfacéo em compartithar das ousadas aventuras de seus herdis sem nenhum prejutz0 ou qualquer manifestagéo anémala na conduia. As froucas criangas, entretanto, que tenham reagide pratolagica- mente, fariam o mestno diante de qualquer outro estimulo. Qualquer coi sa que ouvissem ou vissem poderia despertar o impulso patoldgico que ne- las era jf existente’” (12, p. 17), Transcrevemos aqui, do mesmo artigo, as sugestdes de Josette Frank, membro da Associacao Americana do Estudo da Crianga, com relagio & orientagao das atividades recreativas na infancia: O que os pais podem fazer 1) Tentar compreender as necessidades bésicas das criangas. 2) Gonhecer o que suas eriangas esto lendo, vendo ou ouvindo. Ou- vir com elas os scus programas preferidos, ou ir com elas aos ci- nemas por elas mesmas escolhidos. Orienté-las (sem insisténcia) para outras leituras, outros programas, outros cinemas que jul- garem melhores ¢ do agrado delas. Convidé-las a ouvir com voce alguns dos seus prdprios programas ou ir com vocé a um deter- minado cinema, 3) Discutir com as criancas os programas preferidos de cinemas, tea- tro, televisio. Tais discussdes (se forem sem censura ou condes- cendéncia) auxiliam muitas vezes a quebrar as barreiras ¢ a criar miituo entendimenio entre pais e filhos. ramas de TV, desnecessariamente; nao as obrigue ma no meio da sessao. las a desenvolver padrdes de eri bom desenho ou bom contetido numa hi em quadrinhos; boa apresentacao ou bom enredo num filme ou num programa de radio ou de TV. ibuir o seu tempo para os trabalhos‘escolares, para os brinquedos fora de casa, para 8, Bi para os programas favoritos de r: de cinema e teatro. , 7) Quando observar que certos programas de rédio, TV ou de cine- ma as esto perturbando, sugerir que os abandonem, Se realmente isso estava sendo perturbador, elas provavelmente ficardo satis- feitas em aceitar a cooperaco e os deixarao. Mas se elas ainda ‘em esses programas, ouga-os com elas, sentando-se a que Ihes dar apoio e segurar radio, assiste 8 televisao ou vai ao cinema de maneira exagerad: ou absorvente, a ponto de cxcluir todos os outros interesses vidades, converse com ela sobre isso. Conjuntamente poderdo as- sentar um plano para cortar ou selecionar essas atividades. 8) Fazer com que as criangas tenham bastantes coisas agradaveis a fazer, lugares onde ir, amizades, experiéncias e aventuras verda- deiras e, acrescentamos nés, nfo as deixar somente com 0 radio ples comodismo. Texto de apoio Esséneia e fangio da literatura A obra de arte literéria é a organizacdo verbal significativa da expe- riéncia interna e externa, ampliada e enriquecida pela imaginagao ¢ por ela manipulada para sugerir as virtualidades desta experiéncia. A moda- lidade especifica do discurso literdrio, emocional, imaginative, ambiguo, 56 irbnico, paradoxal, alusivo, metaférico, etc., tends a fazer da obra uma estrutura de significados auténoma que diverge profundamente do discur- 0 6 referencial, racional, cognoscitivo e puramente instrumen- tal. do discurso literdrio é a comunicagéo intensa, vivida, da ex- periéncia que nele se organizon. Neste processo é fundamental o papel da Hingua que nit sé medeia a experiéncia, mas em certa medida a constitu’ Todavia, a lingua representa sé um dos planos da obra literéria, embora soja cla que projete os outros planos, tais como enredo, personagens, rela ges ¢ conflitos de valores. Ea tolalidade desses planos que transmite a experiéncia ¢ interpretacéo da realidade, gracas é organizacao ¢ composi ao especifcas, no sentido vertical e horizontal, da obra Para transmitir uma experiéncia ao nivel da consciéncia atual é de relevincia uma linguagem ao nivel da consciéncia atual, Uma das fun aes fundamentais da literatura contemporinea 6, porlanto, a renovagiio da linguagem, das préprias palavras e dos seus contexlos, para liberté-los dos clichés ¢ mistificagées que carregam consigo através das décadas, na medida em que se tornam conchas esvaziadas da vida que a lalvez tenham abrigado, O familiar e gasto — e isto é um pri toda a arte — deve ser rompido através do insélita e estranko a fim de que uma nova experiéncia nos atinja intensamente e se torne novia expe- ritncia nossa, verdadeira "‘informagdo estética””. Cabe ao autor aplicar sicao literéria em geral — ao estilo, as me- ‘tdforas, ao jogo imaginativo, & simbolizagao, enfir, & estrutura geral da obra. Os novos problemas, as novas concepges nao existem como tais, am lermos estéticos, enguanto nao se manifestarem, de forma adequada, plenamente assimilados & estratura da obra. O autor contempordineo cumpre ‘a sua fungéo ao oferecer a experiéncia assim entendida a leitores de quer ‘exige néo apenas 0 consumo prassivo — como ocorre quase sempre no caso das indiistrias culturais (cinema, to, rédio, imprensa) — mas a co- produgio, ao nivel da consciéncia alcangada pelo texto propasto. De um modo geral, a literatura amplia e enriquece a nossa visio da reatidade de um modo especifico. Permite ao leitor a vivéncia intensa @ ao mesmo tempo a contemplagio critica das condigies « possibilidades da existéncia humana. Nem a nossa vida pessoal, nem a ciéncia ou filo- sofia permitem em geral esta experiéncia ao mesmo tempo una ¢ dupla No primeiro caso estamos demasiado envolvidos para ter distancia con- tanciados para viver inten . A literatura é 0 lugar privilegiado om que a experiéncia “‘vivida”’ e a contemplacio critica coincidem num conhecimento singular, cujo critério ndo é exatamente a “verdade” ¢ sim @ “‘validade’” de uma interpretagio profunda da realidade tornada em 57 ida real, se nos afigurar avesva ds nossas hora nao transmitindo nenhumn conheciment reduzido a conceitos exatas, a obra suscita uma po- idade, da nossa imaginagéo ¢ do nosso sam que deixe de ser prazer, jd decorre em nivel simbélico-fictécio. Entretanto, talvec se deva nna arte atual, momentos em que 0 campo estético-lidico ¢ inva- dido por uma “‘crueldade’’ que suspends, em certa medida, 0 prazer ao impacto da realidade. ROSENFELD, Anatol. Extruura ¢ problemas da obra literria. S10 Paulo, Perspectiva, 1976. p. 55-5, Analise de textos 58 Asdrébal e suas maldades Asdnibal, 0 Terrivel, vinka andando muito satisfeito, assobiando a marcha fiinebre. Tinka acabado de cuspir numa borboleta e contava ainda de jazer um pip. capy im cima das mariscas da praia ‘Asdirébal era um monstrinko ainda dos seus setecentos anos de idade que adoraia fazer maldade com todo mundo que morava perto dele. Sua inde sempre dizia: — Asdnibal, cuspir em borboletas néo adianta nada, porque de- ‘pois elas secam, tornam a voar por at enfeitando tudo. Vacé tem que apren- der a fazer maldades maiores, como seu pai. O pai de Asdribal era Sigmundo, 0 Horroroso. Sua especialidade: entrar nos sonhos das pessoas, transformando-os em pesadelos. ViGNA, Elvira. A breve histinia de Asdr Rio de Janeiro, José Ol 0 Torivel. 2. ed. 978. p. 9-7. Questionario 1) Poderiamos dizer que esse texto se caracteriza por fugir aos modelos comuns na lile- ratura infantil. Vocé divia que: 4) Sua introducio & diferente das outras? Por qué? 8) As personagens sito comuns na obra infantil? ©) Os conselhos da maz Uke parecem normais¢ coerentes? (Analise as relacies fami liares do texto.) 4) 05 livros infantis comamente apresentam o desembarago del i rentam race de linguagem exemplix fieado por ‘‘contava ainda de fazer wm pipi caprichado em cima dos mariscos ‘da praia”? 2) Os nomes das personagens sao comuns ou bonis? Sugerem simpatia, indepen aaa Get" Bota Ne tae 2) Ao longo da histéria, Asdribal se reoela um moustrinko inconpetente demais. Co- tno iso & sugerido 34 na primcira pagina? 3) Relacione 0 nome de Sigmando com sua especialidade. Para nis, adultos, isso é uma alusio a quem? O menino e 0 trem A histéria que vou contar, é a his trem, Tudo aconteceu numa pequenina cidade do interior do Brasil. Cha- mar de cidade serd talvez wm exagero, pois tudo se passou num povoado simples, habitado por genie simples ¢ boa li vivia um povo abengoado por Deus, gente pobre porém traba- Uadora e honesta MY Seimei Alagoinha é 0 nome do povoado ¢ foi naguele lugar que se passou esta pequena histéria de um menino e um tren. simples de um menino e um A familia Agui esté a familia Xavier, uma familia composta apenas de trés pessoas: Seu Manuel, 0 dono da casa, dona Teresa, sua esposa, ¢ Zezi- nho, um garoto que tem a mania de sé entrar em casa apitando como se fosse 0 trem. Quando D. Teresa, com a merenda do Zezinho & mesa, 0 procurava — Zezinho! O Zezinho! 59 Era certo ouvir de Sex Manuel, em tom muito grave, a resposta — Ora, ora, vocé querer encontrar Zezinko a estas horas! — Mas, onde andard ele? — Ainda pergunta? Claro que esti na estagéo vendo 0 trem chegar. LoB0, Fernando. O menina 0 trem. 2. ed Rio de Janeiro, José ‘Olympio, 1981 Questionario 1) 0 texto apresenta vérias redundéncias (informagées, adjtivos). Indique-as, 2) O trecko tem um tom sentimental. Através de que elementos isso se dd? 3) O texto apresenta preconceitos. (Observe a apresentacdo do povo de Alagoinka & da familia.) Indique-os. 4) Esses preconceitos sdo muito comuns. Nesse caso, 0 trecho “reflte”” 0 pensamento de wma sociedade, a) O preconceito, nesse texto, the parece das personagens ou do narrador? Justifi: que sua opinido 2) Qual dos casos vocé considera mais compromeledor para a narrativa? O Brasil em 1889 Graciliano Ramos conta as criancas como se estabeleceu publica no Brasil: seus antecedentes e suas conseqiiénci omega apresentand a vida diferente, o ambiente brasileiro naque- la época. Em 1889 0 Brasil se diferencava muito do que é hoje: ndo possuia- ‘mos Cineléndia nem arranha-céus; os bondes eram puxados por burros ¢ ninguém rodava em automével; 0 rddio ndo anunciava o encontro do Flamengo com a Vasco, porque nos faltavasn vidio, Vasco e Flamengo, nna estrada de ferro Central do Brasil morria pouca gente, pois os homens, escass0s, viajavam com moderagio; existia 0 marro do Castelo, ¢ Rio Branco nuio era uma avenida — era um bardo, fitho de visconde. visconde ti- aha sido ministra e 0 baxio foi ministro depois, Se eles no se chamassem Rio Branco, a avenida teria outro nome. 60 As pessoas nio voavam, pelo menos no sentido exato do verbo. Bi- guradamente, sujeites sabides, como em todas as épocas ¢ em todos os lugares, voavam em cima dos bens dos outros, é claro; mas positivamen- te, a mil metros de altura, 0 vé0 era impossivel, que Santos Dumont, um mineiro terrivel, no tinka fabricado ainda o primeira aeroplano, avé dos que por ai zumbem no ar. O Amazonas, a cachoeira de Paulo Afonso ¢ as florets do Mato Grosso comportacam-se como hoje, Mas as estradas de ferro eram curtas, € quase se desconheciam estradas de rodagem, porque havia caréncia de todas. Nos sitios percerrides atualmente pelo caminhdo deslocava-se 0 carro de bois, pesado ¢ vagaroso. Pouco luxo nas capitais, necessidades reduzidas no campo. As ¢1 dadezinhas do interior, mediocremente povoadas, ignoravam a ilumina- io elétrica e 0 bar. Os jornai circulavam com O café niio havia constitutdo a gléria e a fortuna de Séo Paulo; no Nordeste ¢ no Estado do Rio espathavam-se os modestos bangiiés, que ‘usina venceu, em Minas consurnia-se manteiga francesa; no Rio Gran- de do Sul vestia-se casimiva inglesa, Os individuos bem situados enver- gonhavam-se de usar 0 produto nacional. sham quatro pedginas (duas de amtincio) e as noticias lio. RAMOS, Graciliano. Pequena Histéria da Repiibliea. In: —. Alexandre eatros kris. 5. ed. So Paulo, Martins, 1964. p. 129-130, Questionario 1) Apis a letura do texto, a impresséo que fica é a de uma dgina cheia de humor. Marque os trechos em que isto se observa melhor 2) Que procedimento usa o autor para tornar sensivel o ambiente de 1889, para uma crianga de hoje? 3) No paralelo entre as duas épocas, os elementos que atestam o progresso atual so significativos? 4) Apesar do atraso, 0 autor sugere alguna vantagem dos tempos antigos? 5) Pelos dados apresentados, em que parte do Brasil se achava o autor, ao escever 0 texto? 6) O autor parece concordar com as individuas apresentados no fim do texto? 61 REG: AR aks O cavalinho branco A tarde, 0 cavalinko branco est muito cansado: mas hd wm pedacinko de campo onde & sempre feriado. cavalo sacide a crina loura e comprida ¢ nas verdes ervas ativa ‘sua branca vida. Seu relincho estremece as raizes ¢ ele ensina aos ventos a alegria de sentir loves seus movimentos. Trabathou todo 0 dia tanto! desde a madrugada! Descansa entre as flores, cavalinko branco, de crina dourada, ofl, 1964 , Cecilia, On ito on aguilo, So Paulo Questionario 1) Com que vocd identificaria o cavalinko branco? Baseado em que elementos? 2) Divida o poema em partes. Observe que a tltima é uma extenstio enviguecida da (primeira, Estude os verbos de cada parte ¢ vga onde predomina o aspecto dindmico 3) Quais ax conotagies do adjetioo branco, no poema? 4) Observe 0 apelo ao sensorial no texto, sobretudo os aspectes visuais « tates 5) Estude a tigagdo das duas primeiras esiofes ¢ 0 elemento poctico nelas existent 62 emer oraRRECeneN ERO HONRR NENCUNE RH Conversa de orelhio Num espetéculo do circo, Maria vé seus pais morrerem 20 fa- zer um nimero de trapézio sem rede. Ela fica, ent&o, com a extraor- Barbuda. Mas é obrigada a ir viver com a av6, mulher mal, que quer fazer Maria esquecer a circo. Barbuda vai viajar para o sul e despede-se de Maria, por fone, A conversa ja esté demorada demais... — Vocé comegou com a professora particular? — Comecei. Dei aula na quarta, na quinta ¢ na sexta. ¢ mesmo? i — Nao, na casa da professora. E aqui perto. Mas fiquei numa afligéo danada. — Por qué? — E que... 6 que... — 0 qué, Maria? — Bom, ela cobra um dinkeiro, Eu enti pedi pra minka avé com- rar uns lioros pra ver se ew aprendia sozinha, A minka avé disse que nndo. Disse que eu tenho que passar no teste que vdo fazer. Disse que eu “jd perdi muito tempo no circo, Disse que eu nao posso perder mais tempo. ‘Disce que faz questio de me ver na quarta série, que nem o neto de uma ‘amiga dela que tem dez anos também, Mas é que... mas é que.. — Que é, filhinha? Quando a tua fala tranca assim nao é bom si- nal. Que que &? — Barbuda. — Fala, meu bem. — Ja pensou se eu nio aprendo nem muiltiplo, nem célculo do peri- ‘metro, nem aquele troco todo? — Claro que vocé vai aprender! — E complicado. — Vocé tem cabeca jiia. — A professora jé explicou tudo ¢ eu néo entendi nada. — Vocé acaba entendendo. Nao fica se preocupando muito com is- 50, fithinha, Deixa pra la. — Mas como é que eu deixo pra ld se todo dia tem aula? — Bom... — Eo pior vocé néo sabe 63 Uma mulher fez fila atrs do homem que estava atrds das mocinhas que estavam atrds do homem que estava danado da vida com aquele bate- ‘papo de Barbuda que néo acabava nunca mais, E estava mesmo téo da- nado, que ndo resistiu e cutucou Barbuda corn forca. Ela se zangou também. — Pera at, Maria, pera ai, tem um fulano agui crianilo caso co- ‘igo. Virou pro homem: — O senhor quer fazer o favor de me deixar falar em paz nesse telefone?! O homem acabou de perder um restinko de paciéncia que tinka guardad: — Mas seré que a senhora pensa que é sé a senhora que quer falar? Olha a fila, otha a fila! Barbuda apontou o telfone: — A menina té com um problema. — Nao é sé ela, néo: en th assim de problema. — Bla é uma menina fechada, conheco ela desde que nascet, é uma menina que fala powco — Imagina se falasse muito, — E agora cla té desabafando, Isso éraro. O senkor néo vai querer que eu desligue no meio do desabafo, néo €? =O que eu vou querer é que a senhora acabe com essa conversa de uma vez! — Acabar como se 0 senhor no me deiva falar descansada? = Olha, se a senkora bota outra ficka nessa orelha. Mas Barbuda jd tinka se virado de novo pro telefone: — Maria? Fala, filhinha, que pior é esse que eu nao sei? — E que ela dé aula com 0 pé em cima do cachorro — Em cima de qué? Fala mais alto, — Do cachorvo. — Do qué? — Dum CACHORRO que vai pra baixo da mesa quando ela co- meca a dar aula, Ela diz que ele — Gosta de qué? — Dela botar 0 pé em cima dele. — Sui, Mas ¢ dat? — Equea mesa é pequena. Eo cachorro é enorme. Ese esparrama todo. E acaba sempre sobrando wm pedaco dele debaixo da minha cadei- ra, Eu no posso mexer 0 pé que, pronto: jd esbarro nele, E é 36 um esbarriozinko de nada que ele jé levanta num palo ¢ comeca a latir com uma voz grossa (ada a vida, Eu morro de susto. 64 — Mas sé porque ele late, filhinka? — Ble late assim indo pra frente, com jeito de que vai morder. — Ea professora nao faz nada? — Sé faz psiu. E eu fico 0 tempo todo pensando onde é que ew vou botar meu pi. Barbuda ficou aflita: como é que a menina ia entender a ticio se no tinka onde botar 0 pyé descansada? — Escuta, Maria, vocé jd falou com a sua avd? — Falei, ‘sim. Falei que tinka medo do cachorro — Ela? = Disse que era bobagem. — Entio fala com o Seu Pedro. — Ele chega tarde, no dé pra conversar. Que que eu fara, Barbuda? — Pera ai, deiva eu pensar um bocadinko O homer da pacitncia perdida virou pra uma das mocinkas ¢ apontou pra Barbuda: — Eu néo posso mais falar com ela, Agora se eu falar é pra brigar. E vou brigar de igual pra igual: ela néo usa barba? Fala vocé. Mostra 0 tamanho da fila ‘A mocinka era meio timida, mas como estava também com pressa, cihegou junto de Barbuda, pedi com licenca, explicon que tnha wna porgio the gente querendo falar, ¢ todo 0 mundo com muita pressa, Barbuda ain- da ficou mais aflita — Bu sei, moca, mas o que é que eu posso fazer? Té indo pro sul, no vou mais ter chance de falar com a Maria de novo, ¢ ela té com um problema serio, sabe? Precisa aprender uma porcao de coisas complicadas ‘nao ter onde botar 0 pé. Segurow o braco da maga. — Agiienta a mao ‘mais um bocadinko, sim? Por favor. Virou pro telefone, — Escuta, Maria, ‘acd me conhece, nao é? Eu acko que é sempre melhor a gente ser franca. Diz assim pra professora: olha, professora, ow a Senhora me dé lugar ‘pra cu botar 0 pd descansada, ow eu ndo dow mais aula, Virou pra moca: — Vocé néo acha que é isso que ela tem que dizer pra professora? ‘A moca fez cara de quem néo sabe e trou o brazo com jeitinko. Vol- tou pra fila ¢ anunciow — Acho que a conversa vai longe: a coisa td meio complicada: ¢ uma menina que néo tem onde botar 0 pp Corda bambe, Rio de Janeiro, Civi 1969, p. 29-37. Nunes, Lygia Boj lizagio Bra 65 Questionario 1) Procure, com elementos do texto, caracterizar as seg da Maria; i les personagens. 6) Barbuda. to possivelmente the parecerd ao mesmo tempo engracado ¢ comovente, Por qué? Aponte trechos que exemplifiquem as duas situagies. 2 5) O didlogo do texto éextremamente vivo. O uso da realizagao oral da lingua ¢ fun- dasnental. Apante os recurses de expressividade tipicos da lingua oral usados no text. Analise de obra © pote de melado © gato falou: — Vem, rato. 0 rato falou: — Vem, pato, 0 gato falou: — Vamos comer melado. — A vovs vem at! — falou o pato. Eo gato pulou na laia, o rato pulou no bule, o pato pulou na panela. A woes vin o rabo do gato A vovd viu o rabo do rato. A v0v6 vin 0 rabo do pato. A vous pegou 0 gato pila rabo. Pegou 0 rato pelo rabo. Pegou 0 prato pelo rabo. E a vod deu, para eles, um pote de melado. PRaNca, Mary & FRANCA, Bi lo, Atica, 1980 0. 0 foie de milado. Sio Paw- 66 -xtrema simplicidade do texto. Tudo iculdades (além das letras Percebemos, de imediat colabora para que a crianca o leia sem d grandes na edic&o original), As palavras utilizadas so, em geral, monossflabos ou dissflabos: apenas duas palavras tém trés silabas — panela e melado. Ha ainda j¢o no s6 de sons, como de palavras ¢ estruturas. Na const tuicdo do perfodo, temos normalmente oragdes absolutas — periodos simples, portanto, O nico periodo composto é paratitico: E 0 gato pulow na lata, © rato pulou no b © pato pulou na panela. Essas oracécs coordenadas vio sugerir a rapidez com que eles ten- tam esconder-se. Trés perfodos simples aqui tornariam mais lenta a dade, no entanto, nao diminui o valor do texto. Ele i imo das criangas. Nao ha nele nenhum 67 adjetivo: as emogdes das personagens esto subentendidas na prépria acio desenvolvida. Veja-se ainda o emprego interessante do termo vo- vd, na fala dos animais: eles se sentem netos, como as criancas. Ou serfio mesmo criangas, sempre dispostas a travessuras? ‘O que nos parece especialmente feliz nessa histéria é a imprevisi bilidade do final Quando a vov6 pega os bichinhos pelo rabo, espera-se que ela Ihes aplique um castigo qualquer. Pois ela apenas os retine para Ihes dar um presente: um pote de melado. Veja-se que no se trata do pote an- tes mencionado, E como se o presente nio tivesse relacao com a tra- vessura, fosse independente dela. E essa imprevisibilidade cria 0 hu- mor do texto. A surpresa na hist6ria realiza-se também em virtude de uma ex- celente paginagao: o imprevisto surge com o virar da pagina. Se os bi- chos aparecessem com o pote de melado na pagina impar (da direita), ‘a surpresa desapareceria. A ilustracao de Eliardo Franga é, como sempre, muito boa, A mu- danga de ambiente, por exemplo, s6 se apresenta a nivel de ilustraco. A Gnica ressalva que fazemos € a seguinte: na antepentitima e na peniiltima paginas (quando a vové pega os animais pelo rabo), 0 rosto risonho dela antecipa a pagina seguinte, desfazendo assim a im- previsibilidade que o texto guardou para o final. Preferfamos que a avé aparecesse de costas, para 0 suspense manter-se até a tiltima pagina. Sugestées de trabalhos 1) Visitas a livrarias e bibliotecas, para se observar a atenco dispen- sada ao livro de literatura infantil, espaco existente (aspecto, dimen- ses, estantes etc.); variedade de tftulos; conhecimento e interesse do pessoal pela crianga e pela literatura infantil. 2) Anilise de obras que abordem 0 mesmo assunto ou tema. Sugestdes: a) A Pirilampéia ¢ os dois meninos de Tatipurum, de Joel Rufino dos Santos. 0 Jingo do contrério, de Jandira Masur 0 frio pode ser quente?, de Jandira Masur. b) O que os olhos néo véem, de Ruth Rocha. Gato do mato ¢ cachorro do morro, de Ana Maria Machado. 68 ©) O gato que pulava em sepato, de Fernanda Lopes de Al O menino ¢ 0 trem, de Fernando Lobo. d) Pivete, de Henry Corréa de Aratijo. Té pedindo trabalho, de Terezinha Alvarenga. 0 Praca Quinze, de Paula Saldanha. Amarelinko, de Ganymédes José. 0 circulo, de Maria Lysia Correa de Aradjo ©) Pequenininka, de Mirna Pinsky, Tatu-bolinka, de Mirna Pinsky. 3) Leitura e discuss da obra Literatura infantil ¢ ideologia (60). 69 rr Caracteristicas da obra literdria infantil “Que venka, sim, 0 toro de bela Aspectos tedricos Ja vimos que, se certas obras, guem agradar-thes, devem apresentar determinadas caracte portantes para o espirito infantil ‘Vamos discutir nesta unidade os elementos que supomos possibi- jeresse da crianga pela obra. ou no para criangas, conse as i= ue parece nfio dever existir: a fa- ia para criangas € essencialmente a mesma obra de ar~ prea adulto. Difere desta apenas na complexidade de concepeao: a obra para criangas sera mais simples em seus recursos, mas nao me- nos v. 70 ‘Assim tos (por exemplo: est nas, na obra narrativa), © 4 cratura infantil, Montei- <

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