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A fortuna

crítica de
Macunaíma

e
JOSÉ DE PAULA RAMOS JR.

JOSÉ DE PAULA
RAMOS JR.
é doutorando em
Literatura Brasileira pela
USP, onde desenvolve
pesquisa sobre a fortuna
crítica de Macunaíma sob
orientação de Telê Porto
Ancona Lopez.

m 1944, um artigo assinado somente com


as iniciais A. F. afirmou que Macunaí-

ma, cuja terceira edição acabara de sair


do prelo, havia sido recebido com indi-

ferença: “O silêncio. E o silêncio, Mário


de Andrade bem o sabe, sempre foi um

indício de morte” (1). Por um tempo, o prognóstico talvez

pudesse parecer correto, mas A. F. foi mau profeta.

O “herói de nossa gente” ressurgiu da Ursa Maior, em

1969, na versão cinematográfica de Joaquim Pedro de


Andrade, com grande repercussão; em 1975, a alegoria

carnavalesca da escola de samba Portela, dedicada às


estrepolias de Macunaíma, foi ovacionada pela multidão;
1 A. F., “Livros do dia/‘Macu-
a partir de 1978, nos palcos de São Paulo e, por vários anos, naíma’, de Mário de An-
drade”, in A Manhã, Rio de
nos teatros de outras cidades do Brasil e do exterior, a Janeiro, 1o/dez./1944.

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transcriação cênica de Jacques Thieriot, do 1944), prevalece a crítica periodista, mas
Grupo Pau Brasil e de Antunes Filho alcan- nem sempre de caráter marcadamente
çou um sucesso magnífico. Embora com jornalístico, uma vez que muitos trabalhos
repercussão discreta, as artes plásticas tam- propendem ao ensaísmo, sendo que alguns
bém contribuíram para a divulgação da são ensaios propriamente.
rapsódia, com valiosas ilustrações de Pedro A primeira recepção pública deu-se no
Nava, Tarsila do Amaral, Cícero Dias, Diário Nacional, na edição de 7 de agosto
Carybé, Arlindo Daibert e Rita Loureiro. de 1928. Trata-se de uma resenha curta,
As peripécias do imperador do mato-vir- mas densa, que sintetiza aspectos decisi-
gem inspiraram até mesmo história para vos para a compreensão da obra. O rese-
revista em quadrinhos e adaptação para a nhista identifica o aproveitamento de ma-
literatura infantil. Macunaíma conquistou terial mítico amazônico na composição
um sem-número de novos leitores por meio do enredo e na criação de personagens;
dessas manifestações artísticas derivadas. observa, também, a mistura desse material
O fato decisivo, porém, para a incorpo- com “outras lendas brasileiras […], mani-
ração estável de Macunaíma ao repertório festações de costumes, superstições, pro-
cultural brasileiro e a conquista de um con- vérbios, modismos vocabulares, frases fei-
tingente enorme de leitores, foi a inclusão tas e cacoetes brasileiros” (3).
sistemática da obra em exames para ingres- Além de apresentar uma visão geral do
so em universidades, prática disseminada enredo, tão sumária quanto aguda, o articu-
pelo país desde, ao menos, a década de 1980. lista informa que o romance “satiriza cer-
De lá para cá e cada vez mais intensamente, tos defeitos do brasileiro” e que é “uma
incontáveis vestibulandos e colegiais têm sátira um pouco crua para poder cair nas
lido Macunaíma, cujas edições se sucedem, mãos de qualquer pessoa”. Há, ainda, uma
algumas em tiragens populares, vendidas ligeira referência ao narrador complexo de
em bancas de jornais a preço módico. A Macunaíma, uma vez que, diz o articulista,
2 M. Cavalcanti Proença, Rotei-
ro de Macunaíma, 1a ed., São rapsódia de Mário de Andrade tornou-se a narrativa é veiculada por um “autor”, que
Paulo, Anhembi, 1955. um fenômeno editorial e, atualmente, uma a aprendera de um papagaio, que, por sua
Reeditado em 1969, 1974,
1977 e 1978, a partir da 2a consulta rápida da palavra “Macunaíma” vez, a ouvira do próprio protagonista, o
ed., Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira. na Internet registra mais de 50.000 resulta- “herói sem nenhum caráter”.
3 “Macunaíma. O Livro de Mário dos em sites do país. Sob o critério numé- Numa demonstração de notável segu-
de Andrade”, in Diário Nacio- rico da população do Brasil comparada ao rança crítica perante algo tão inusitado, que
nal, São Paulo, 7/ago./1928.
seu leitorado, não se pode dizer que a obra tanto se aproveitara do repertório mítico e
4 Silviano Santiago, “A Trajetó-
ria de um Livro”, in Mário de se tornou verdadeiramente popular, mas folclórico do Brasil, a resenha termina por
Andrade, Macunaíma, o Herói atravessa há décadas uma tsunami de avaliar Macunaíma como “uma das obras
sem Nenhum Caráter, edição
crítica coordenada por Telê popularização e a sua irradiação no imagi- mais originais da nossa literatura”. Não há
Porto Ancona Lopez, 2a ed., 1a
reimp. Madrid/São Paulo, nário nacional é irreversível. identificação de autoria dessa primeiríssima
ALLCA XX/Scipione, 1997, pp. Quanto à recepção crítica, não é de hoje, recepção a Macunaíma. Silviano Santiago
182-93. Coleccíon Archivos,
6 (1a ed., 1988). Esse ensaio Macunaíma é obra reconhecida como um (4) supõe que ela seria do próprio Mário de
foi reunido em Silviano Santia-
go, Nas Malhas da Letra, São
dos pontos mais altos da prosa de ficção Andrade.
Paulo, Cia. das Letras, pp. 124- brasileira. O enorme prestígio atual da rap- O segundo pronunciamento sobre a obra
39, 2a ed., Rio de Janeiro,
Rocco, 2002, pp. 145-63, sódia, porém, é marcado por uma trajetó- coube a Alceu Amoroso Lima, em longo
com o título mudado para “His- ria acidentada, que pode ser dividida em artigo assinado com o pseudônimo Tristão
tória de um Livro”.
duas fases. de Ataíde (5). Mário de Andrade confiara
5 Tristão de Ataíde [Alceu Amo-
roso Lima], “Macunaíma”, in O O primeiro período se estende de 1928, ao crítico dois prefácios que escrevera para
Jornal, Rio de Janeiro, 9/set./
1928, p. 4. ano da primeira edição da rapsódia, até a sua obra, mas que decidira manter inédi-
6 Os dois prefácios foram publi-
1954, ano anterior à publicação do Roteiro tos (6). Com esse material em mãos, Tristão
cados em: Marta Rossetti Batis- de Macunaíma, de M. Cavalcanti Proença de Ataíde pôde destacar com precisão ques-
ta, Telê Porto Ancona Lopez e
Yone Soares Lima, Brasil: 1o (2), marco inicial da fase seguinte. Nesses tões como o “senso de nacionalismo orgâ-
Tempo Modernista – 1917/ 26 anos, que compreendem as três edições nico e social”, o processo de “desregio-
29, São Paulo, IEB-USP, 1972,
pp. 289-95. publicadas em vida do autor (1928, 1937 e nalização”, a invenção lingüística, certas

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relações entre arte erudita e arte popular, o ta de Antropofagia reproduziu em seu se- Batizado de
“instintivismo, tão adaptado à mentalidade gundo número parte do primeiro capítulo
e às inclinações de nossos dias”, além de da narrativa, que, então, ainda estava no Macunaíma, de
traços problemáticos do gênero, do herói e prelo, com o título de “Entrada de Macu- Tarsila do
da dimensão simbólica de Macunaíma, em naíma”. Oswald de Andrade aceitou a pro-
Amaral
conexão com a busca de uma suposta “en- vocação de Tristão e reivindicou Macu-
tidade nacional dos brasileiros” (7). naíma para a antropofagia.
Tristão de Ataíde fez também restrições Polêmica à parte, Oswald destacou pon-
ao livro, como ao seu tamanho, tido como tos fundamentais para o conhecimento crí-
“longo demais”, além de “cacete muitas tico da obra de Mário, como a aproximação
vezes, como na imensa carta, em estilo com a Odisséia, que convida a uma refle-
médico-purista, que o nosso herói escreve xão sobre o gênero e pressupõe um diálogo
às suas súditas do Uraricoera”. De acordo com a alta tradição épica e mítica da narra-
com seu catolicismo militante, o crítico viu tiva ocidental. Ao discernir a invenção do
no livro “uma pornografia muitas vezes “herói cíclico e por cinqüenta anos [d]o
dispensável” e, no “herói sem nenhum ca- idioma poético nacional” (8), Oswald to-
ráter”, um “modelo do que devemos com- cou em pontos que exigem atenção especi- 7 Primeiro prefácio, op. cit, p.
289.
bater em nós”. al, como a questão da (in)definição de um
8 Oswald de Andrade, “Esque-
O texto de Tristão tornou-se famoso, caráter nacional brasileiro, supostamente ma ao Tristão de Ataíde”, in
firmado no princípio da “posse contra a Revista de Antropofagia, São
entre outros motivos, por inaugurar uma Paulo, a. I, no 5, set./1928,
polêmica que ainda hoje produz eventuais propriedade” (9). p. 3.
atritos na crítica. Trata-se das relações en- O polígrafo João Ribeiro, respeitado 9 Idem, ibidem.
tre Macunaíma e o movimento da antropo- acadêmico da velha geração e folclorista 10 João Ribeiro, “Crônica Literá-
ria/Macunaíma – Herói sem
fagia, desencadeado por Oswald de Andra- notável, foi contundente ao considerar Nenhum Caráter – por Mário
de. Tristão, valendo-se de uma carta de Macunaíma uma asneira: “Mário de de Andrade”, in Jornal do Bra-
sil, Rio de Janeiro, 31/out./
Mário de Andrade dirigida a ele, dissociou Andrade é capaz de uma asneira, mas sem- 1928, p. 10. Reunido em João
a rapsódia do movimento liderado por pre uma asneira respeitável. E, nesse caso, Ribeiro, Os Modernos, Rio de
Janeiro, Academia Brasileira
Oswald. É importante lembrar que a Revis- uma asneira de talento” (10). O elogio é de Letras, 1952, pp. 8184.

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corroído pelo sarcasmo: “Se Macunaíma Ribeiro), riquíssima em sugestões críticas. Na página
fosse um livro de estréia, o autor nos cau- Foi ele, por exemplo, o primeiro a associar
saria pena como a de um próximo hóspede Macunaíma à tradição literária que inclui os
anterior,
de manicômio”. Não obstante o juízo nega- “contos orientais, as lendas da Idade Média, retrato
tivo, o artigo de João Ribeiro suscita gran- Gargantua e Pantagruel, de Rabelais, Peer
de Mário de
de interesse por aquilo que soube consta- Gynt, de Ibsen […].”
tar, sem saber compreender: a originalida- Silviano Santiago (12) tem como mo- Andrade, por
de de Mário perante o material de que se desta a repercussão de Macunaíma na dé- Anita Malfatti
valeu; o caráter compósito do herói, que cada de 1920. No entanto, se considerar-
estaria mais próximo de Malasartes, tido mos que, para Macunaíma, essa década tem
como epigonia ibero-cabocla de Ulisses, somente dois anos e meio, e que nesse pe-
do que da “figura do Macunaíma da lenda ríodo a obra mereceu, no mínimo, vinte e
amazônica”; a estrutura fragmentária e dois pronunciamentos de críticos impor-
contraditória das personagens e da narrati- tantes, distribuídos em publicações de cin-
va; a subversão espaço-temporal por meio co estados, talvez a repercussão não tenha
da assumida imitação da perspectiva mági- sido tão modesta assim.
ca, própria do mito; enfim, a função do De 1931 a 1954, a crítica retomou pon-
humor. João Ribeiro hesita na classifica- tos levantados pelas considerações pionei-
ção do gênero – “romance (se acaso é ro- ras, examinando-os, discordando ou con-
mance)” – e nega unidade à obra, por su- cordando com eles, acrescentando-lhes no-
posta falha do artista: “É um livro volunta- vos matizes e propondo, às vezes, novos
riamente bárbaro, primevo, espécie de frag- atalhos de leitura. Tal produção agregou
mentos desconexos que escaparam e fo- autores da importância de Luís da Câmara
ram reunidos por um comentador reduzido Cascudo, Ronald de Carvalho, Sérgio
à inépcia de qualquer coordenação”. Milliet, Sérgio Buarque de Holanda, Brito
Outro crítico veterano, de muito prestí- Broca, Nelson Werneck Sodré, Rubem
gio, que se interessou por Macunaíma logo Braga, Roger Bastide e Florestan Fer-
no primeiro momento foi Nestor Vítor (11). nandes. Este último merece menção espe-
Após discutir a legitimidade do indianismo cial por seu estudo “Mário de Andrade e o
na literatura brasileira, o crítico atribui a Folclore Brasileiro” (13). Embora de inte-
Macunaíma o caráter de obra fundadora de resse mais amplo, pois discute a posição de
“um neo-indianismo derrotista”, que ele Mário de Andrade no âmbito dos estudos
considerou lamentável na medida em que folclóricos no Brasil e compreende o con-
“o índio, visto com tão furioso freudismo, junto de sua produção intelectual e artísti-
torna-se símbolo antecipado da nossa segu- ca, esse ensaio inaugura uma postura críti-
11 Nestor Vítor, “Macunaíma, o
ra bancarrota como povo no correr dos sécu- ca mais rigorosa no exame das relações entre Herói sem Nenhum Caráter”,
los”. Nestor Vítor viu em Macunaíma o cultura popular e cultura erudita, decisivas in O Globo, Rio de Janeiro,
8/out./1928. Reunido em
exemplo patente de um “movimento literá- para a compreensão da obra de Mário de Nestor Vítor, “Os de Hoje/
Mário de Andrade/Macunaí-
rio dionisíaco de arremedo”, impregnado de Andrade, especialmente de Macunaíma. ma”, in Obra Crítica de Nestor
dadaísmo e da “ciência de Freud”, a ponto Essa leitura mais minuciosa e exigente de Vitor, Rio de Janeiro, MEC/
Fundação Casa de Rui Barbo-
de fazer do processo onírico, em que as di- Florestan Fernandes prenuncia a segunda sa, 1973, v. II, pp. 360-5 (1a
ed. 1938).
mensões e os limites naturais dão lugar às fase da fortuna crítica da rapsódia, inaugu-
possibilidades do maravilhoso, o princípio rada pela publicação do primeiro livro de- 12 Op. cit.

estrutural da narrativa. Nestor Vítor enten- dicado inteiramente ao seu estudo, o Rotei- 13 Florestan Fernandes, “Mário de
Andrade e o Folclore Brasilei-
deu que esse processo, “próprio à criança e ro de Macunaíma, de M. Cavalcanti Pro- ro”, in Revista Arquivo Munici-
pal, São Paulo, ano XII, no 106,
ao homem primitivo”, como ensinava a ença. Aliás, trata-se, porventura, do primei- jan.-fev./1946, pp. 135-58.
etnologia positivista, seria “um modo de ro livro inteiramente dedicado à investiga- Reproduzido em: Revista Arqui-
vo Municipal, São Paulo, no
pensamento regressivo” levado ao último ção de uma obra modernista (14). 198, 1990, pp. 135-58. Edi-
A obra de Cavalcanti Proença é ponto ção fac-similar do n o 106,
grau por Mário de Andrade. O texto de Nestor
1946, da mesma revista.
Vítor é outro exemplo de crítica adversa, de chegada da primeira fase da história da
14 Devo essa observação a Telê
embora respeitosa (ao contrário de João fortuna crítica de Macunaíma e ponto de Porto Ancona Lopez.

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15 Telê Porto Ancona Lopez, “A partida da segunda. O Roteiro sintetiza as todo do módulo fabular, colhido nos estu-
Margem e o Texto: Contribui-
ção para o Estudo de Macu- especulações centrais da fase periodista e dos de Vladimir Propp, para um trabalho de
naíma”, in Boletim Bibliográfico
Biblioteca Municipal “Mário de
realiza a primeira exegese sistemática da análise estrutural da narrativa; o segundo,
Andrade”, São Paulo, no espe- rapsódia, abrangendo campos variados apoiado na lingüística, procurou apreender
cial, fev./1970, pp. 9-81.
Depois, publicado em Macunaí- como a filologia, a estilística, a herme- as matrizes estruturais da rapsódia, vincula-
ma: a Margem e o Texto, São
Paulo, Secretaria Cultura, Espor-
nêutica, a crítica e a história literária. das à noção de “sátira menipéia”, além de
te e Turismo/Hucitec, 1974. A obra admirável de Cavalcanti Proen- introduzir noções críticas de Bakhtin como
16 Mário de Andrade, Macunaí- ça, por um tempo, pareceu esgotar a maté- as de “dialogismo” e “polifonia”, caminho
ma, edição crítica de Telê Porto
Ancona Lopez, Rio de Janeiro/ ria. Até a sua segunda edição, em 1969, o desenvolvido mais tarde por Susana
São Paulo, Livros Técnicos e
Científicos/Secretaria da Cultu- assunto Macunaíma continuou a freqüen- Camargo (20). Gilda de Mello e Souza, com
ra, Ciência e Tecnologia, 1978. tar páginas de periódicos, mas com freqüên- O Tupi e o Alaúde (21), polemizou com
17 Op. cit. cia escassa. Haroldo de Campos e propôs uma instigante
18 Haroldo de Campos, Morfolo- De 1970 em diante, acentua-se o pro- leitura interpretativa de Macunaíma, apro-
gia do Macunaíma, São Paulo,
Perspectiva, 1973. cesso de enriquecimento da fortuna críti- ximando-a à novela de cavalaria medieval,
19 Mário Chamie, Intertexto: Escri- ca de Macunaíma, com farta produção uni- sobretudo à Demanda do Santo Graal e ao
ta Rapsódica – Ensaio de Leitu-
ra Produtora, São Paulo, Práxis,
versitária, teoricamente fundamentada e modelo compositivo criador da música po-
1970. desenvolvida com rigor metodológico. pular de nossos cantadores.
20 Maria Susana Camargo, Ma- Talvez, por sua especificidade acadêmi- Eneida Maria de Sousa empreendeu uma
cunaíma – Ruptura e Tradição,
São Paulo, Massao Ohno/João ca, no sentido de trabalho científico, essa análise semiológica preocupada com a “prá-
Farkas, 1977.
produção devesse ser considerada como tica discursiva, entendida enquanto articu-
21 Gilda de Mello e Souza, O Tupi
e o Alaúde: uma Interpretação
uma terceira fase da recepção crítica de lação entre sujeito e linguagem” (22), apro-
de Macunaíma, São Paulo,Duas Macunaíma. Pelos avanços que trouxeram, ximando-se de formulações de Bakhtin sem
Cidades, 1979.
algumas obras desse período tornaram-se descartar a abordagem estrutural, cuja raiz
22 Eneida Maria de Souza, A Pe-
dra Mágica do Discurso, 2a ed. referências obrigatórias a quem deseje com- está em Lévi-Strauss. Relações entre
revista e ampliada, Belo Hori-
zonte, Ed. UFMG, 1999.
preender a obra-prima de Mário de Andrade Macunaíma e o universo latino-americano
23 Raúl Antelo, Na Ilha de Mara-
e o seu alcance. foram estudadas por Raúl Antelo (23);
patá , São Paulo/Brasília, Telê Porto Ancona Lopez, com Ma- Mario M. González (24) examinou víncu-
Hucitec/MINC/Pró-Memória/
INL, 1986. cunaíma: a Margem e o Texto (15), inaugu- los possíveis entre a rapsódia de Mário de
24 Mario M. González, “Macunaí- rou a sua “contribuição para o estudo de Andrade e a narrativa picaresca espanhola.
ma”, in A Saga do Anti-herói,
São Paulo, Nova Alexandria/
Macunaíma”, que se estenderia a toda a obra Muitos outros estudos foram apresen-
Embaixada de Espanha, 1994, de Mário de Andrade, de tal modo que seu tados em dissertações de mestrado e em
pp. 297-314.
nome e o dele estão para sempre conjuga- teses, novos ensaios são divulgados em li-
25 Mário Andrade e Manuel Ban-
deira, Correspondência Mário de dos. Deve-se à pesquisadora a continuida- vros ou revistas especializadas, novas pes-
Andrade & Manuel Bandeira,
organização, introdução e no-
de, o alargamento e o aprofundamento do quisas são empreendidas, outros preciosos
tas Marcos Antonio de Moraes. trabalho de M. Cavalcanti Proença. A Mar- subsídios à matéria surgem nas publicações
1a ed., São Paulo, Edusp/IEB,
2000 (2a ed., 2001). gem e o Texto rastreou minuciosamente o da correspondência de Mário de Andrade,
26 Lélia Coelho Frota (org.), Carlos percurso criativo da rapsódia, preparando o como os trabalhos modelares de Marcos
e Mário: Correspondência en-
tre Carlos Drummond de
terreno para a edição crítica da mesma, cuja Antonio de Moraes (25) e de Lélia Coelho
Andrade – Inédita – e Mário de primeira versão foi publicada em 1978 (16). Frota (26), ou com a publicação de inéditos
Andrade, apresentação e notas
às cartas de Mário de Andrade: Dez anos depois, essa foi aprimorada na como O Turista Aprendiz (27), por Telê
Carlos Drummond de Andrade;
prefácio e notas às cartas de exemplar publicação da Coleção Archivos Porto Ancona Lopez. E não mencionamos
Carlos Drummond de Andrade: (17), que alia a perspectiva de edição críti- estudos que se acumulam lentamente no
Silviano Santiago, Rio de Janei-
ro, Bem-Te-Vi, 2002. ca à de edição genética e conta com a cola- exterior, interessados no “herói de nossa
27 Mário de Andrade, O Turista boração de vários estudiosos que se pro- gente”. Tudo indica que a fortuna crítica de
Aprendiz, estabelecimento de
texto, introdução e notas de Telê nunciaram de modo relevante sobre a obra- Macunaíma, já bem consistente, tende a
Porto Ancona Lopez, 1a ed., São prima de Mário de Andrade. multiplicar-se mais ainda, pois a rapsódia
Paulo, Duas Cidades/Secreta-
ria Ciência, Cultura e Tecnolo- Recuando um pouco no tempo, é neces- do “herói sem nenhum caráter” continua a
gia, 1976 (2a ed., 1983).
sário consignar que Morfologia do Macu- repor o seu enigma a cada releitura. Apesar
28 Darcy Ribeiro, “Liminar/
Macunaíma”, in Mário de naíma (18), de Haroldo de Campos, e de tantos esforços críticos reveladores,
Andrade, Macunaíma, edição Intertexto (19), de Mário Chamie, trouxe- como disse Darcy Ribeiro, “Macunaíma
crítica de Telê Porto Ancona
Lopez (coord.), op. cit., p. XVIII. ram novas luzes. O primeiro aplicou o mé- permanece um mistério” (28).

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