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O Popular e Folha de Goiaz: o sucesso na produção de

hegemonia e as contribuições para a formação de uma


sociedade civil em Goiás (1930-1960)
DARLOS FERNANDES NASCIMENTO*

Resumo
O objetivo desse artigo é realizar um breve histórico de atuação dos periódicos O
Popular e Folha de Goiaz entre as décadas de 1930 e 1960, revelando suas
alianças políticas, analisando os fatores que levaram à ascensão e a permanência
dos mesmos no papel de maiores produtores de hegemonia entre os periódicos
goianos e compreendendo as consequências desse sucesso para a consolidação
de uma sociedade civil em Goiás.
Palavras-chave: hegemonia; sociedade civil; O Popular; Folha de Goiaz.
O Popular and Folha de Goiaz: the success in the production of hegemony
and the contributions to the formation of a civil society in Goiás (1930-1960)
Abstract
The objective of this article is to present a brief history of the periodicals O
Popular and Folha de Goiaz between the 1930s and 1960s, revealing their
political alliances, analyzing the factors that led to their rise and permanence in
the role of major producers of hegemony among the Goiás journals and
understanding the consequences of this success for the consolidation of a civil
society in Goiás.
Key words: hegemony; civil society; O Popular; Folha de Goiaz.

*
DARLOS FERNANDES NASCIMENTO é doutorando em História pelo Programa de Pós-
Graduação em História (PPGH) da Universidade Federal de Goiás (UFG) e professor da rede estadual de
ensino do Estado de Goiás.

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Introdução O propósito deste artigo não é o de
Os periódicos analisados, ao serem utilizar esses periódicos apenas como
reconhecidos como intérpretes por fontes, a fim de contar a história da
excelência da realidade cotidiana, sociedade que os circunscreveram; mas
produziram memórias que transitaram de pensar suas fundações e suas
entre os grupos políticos goianos. A esse publicações como acontecimentos e,
respeito, convém ressaltar que a deste modo, conectá-los a partir de
memória não é “do” grupo, entidade sem determinadas “condições necessárias”;
qualquer base orgânica; mas há uma buscando “reconstituir e explicar” a
memória “no” grupo, tal como nos atividade periodicista e suas implicações
esclarece Aleida Assmann (2011). Por políticas em Goiás (WALSH, 1978: 194-
sua vez, essa memória coletiva não é 195). É oportuno salientar que esses
constituída por uma alma coletiva ou acontecimentos, da forma como foram
espírito coletivo; no entanto, consiste, usados neste artigo, serão analisados sob
tão somente, na sociedade com seus a perspectiva do historiador alemão
signos e símbolos; compartilhados, Reinhart Koselleck (2006), na medida
muitas vezes, até entre indivíduos que em que o autor enfatiza que
não se conhecem, mas que estão acontecimentos podem ser narrados,
vinculados pela coexistência espaço- enquanto que as estruturas só podem ser
temporal (NORA, 1993). descritas. No entanto, “na prática, o
limite entre a narração e a descrição não

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podem ser mantidos; já na teoria dos qual pertencem os seus proprietários
tempos históricos, os níveis que abrigam (GRAMSCI, 2000).
as diferentes extensões temporais não se
interpenetram completamente”. O desenvolvimento da mídia empresarial
Ademais, para o autor, acontecimento e a profissionalização da atividade
também não é sinônimo de eventos, os jornalística ao longo do século XX no
quais “são isolados ex post da infinidade Brasil fomentou debates que distinguem
dos acontecimentos, ou para usar uma jornalismo partidário de jornalismo
linguagem burocrática, são retirados dos profissional, a partir da noção de
arquivos, podem ser experimentados imparcialidade, reconhecendo a
pelos próprios contemporâneos como promiscuidade política (SODRÉ, 1977);
um conjunto de fatos, como uma porém, subordinando-a a uma espécie de
unidade de sentido que pode ser processo de institucionalização
narrada” (KOSELLECK, 2006: 133). transcendental da imprensa (RIBEIRO,
1998). Embora existam trabalhos de
Meu interesse não se encontra na
fôlego que debatam esse tema a nível
avaliação da capacidade ou da
nacional, como a tese de doutorado
honestidade desses periódicos no papel
intitulada Com a corrente: modernidade,
de transmissores de informações;
democracia e seus sentidos no
submetendo-os à verificação dos seus
jornalismo brasileiro dos anos 1950, de
“enunciados constatativos”, os quais
Flávia Biroli, e o livro intitulado
constituem-se na utilização de uma
Imprensa e História do Brasil, de Maria
“sentença para afirmar ou negar algo,
Helena Capelato; em Goiás, apenas o
podendo ser verdadeira ou falsa”
livro Mobilidade discursiva, de Cristiano
(AUSTIN, 1990: 21). Concentro-me sim
Pereira Alencar Arrais, apresenta os
na investigação do sucesso dos
resultados de uma pesquisa acadêmico-
“enunciados performativos” proferidos
científica que tem como foco as atuações
em suas matérias; os quais, “por
políticas da imprensa goiana. Seu recorte
dizermos ou ao dizermos algo, estamos
temporal compreende as décadas de
fazendo algo” (AUSTIN, 1990: 29).
1920 e 1930, sem entrar, todavia, no
Tratam-se de “atos locucionários”,
Estado Novo, período no qual minha
porquanto “dizem algo”; de “atos
pesquisa se inicia.
ilocucionários”, pois realizam-se “na
linguagem”; e de “atos
1. O nascimento
perlocucionários”, uma vez que se
efetivam “pela linguagem” (AUSTIN,
O Popular e Folha de Goiaz nasceram
1990: 85-94).
com poucos recursos, cresceram
Ora, é justamente pelo fato de dizerem e vertiginosamente durante o Estado Novo
realizarem algo que os periódicos podem e se mantiveram, por décadas, entre os
atuar na esfera político-ideológica, no periódicos que possuíam as maiores
intuito de convencer e mobilizar os tiragens de Goiás. Diante disso, cabe a
leitores, e econômico-financeira, visando pergunta: por que esses dois periódicos
ao aumento das vendas de seus tiveram êxito e não tantos outros que
respectivos exemplares (GRAMSCI, existiram na mesma época? Para
2000). Nesse sentido, os periódicos responder a essa pergunta, faremos,
buscam satisfazer, criar e desenvolver as primeiramente, uma breve
necessidades dos seus leitores, sem, no contextualização dos períodos de
entanto, deixarem de favorecer a classe à atuação desses dois periódicos: Estado

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Novo e o período republicano que alegava em seus discursos, não
compreendido entre 1945 e 1964. privilegiou o desenvolvimento do setor
industrial, não implementou as reformas
1.1. Ludovico
estruturais a fim de resolver os
Político “marginal” durante a Primeira problemas sociais que tanto criticara e
República, Pedro Ludovico conquistou não rompeu com a tradição oligárquica
prestígio com sua atuação junto ao da Primeira República em sua forma de
movimento outubrista, compondo a governar. Manteve-se no poder pela sua
Junta Governativa ao lado de nomes habilidade com o jogo político, de modo
como Mário D’Alencastro Caiado1 e que, inicialmente, dispondo de projeção
Domingos Neto Vellasco2 (SOUZA, apenas no sudoeste goiano, buscou o
1976). Joaquim Rosa (1980) afirma que apoio de grupos oposicionistas locais
“o mundo goiano passou a girar em pré-1930 através da nomeação de seus
torno de Pedro Ludovico Teixeira”, após respectivos representantes para ocupar
o nome de Mário Caiado – então as interventorias municipais e reduziu o
principal figura da oposição à oligarquia poder de lideranças do movimento
da família Caiado antes de 1930 – ter trintista que ameaçavam seu posto
sido rejeitado pelos líderes nacionais do (CAMPOS, 2009).
movimento outubrista para assumir a
interventoria federal em Goiás graças ao Ademais, com a construção de Goiânia e
seu sobrenome (ROSA, 1980: 110). a mudança da capital, que se deu de
forma autoritária e violenta, mesmo
Ao longo de doze anos como interventor durante o período dito democrático
e três como governador eleito (1934-1937), Ludovico desarticulou os
indiretamente e contando com a maioria caiadistas e seus correligionários e
da Assembleia Legislativa Estadual, aumentou exponencialmente seu
Ludovico, de acordo com Francisco prestígio, transformando sua façanha em
Itami Campos (2009), ao contrário do símbolo do progresso que marcou a
imagem de sua administração
1
Em 1907, fundou o Partido Republicano (PR) (MENDONÇA, 2013). Essas conquistas
de Goiás e seu periódico oficial Voz do Povo, o colocaram como o nome mais forte
através do qual passou a fazer oposição ao para assumir a interventoria federal a
governo dominado por sua família durante a
Primeira República. Em 1908, foi nomeado juiz.
partir da instauração do Estado Novo.
Secretário do Interior e Secretário Geral de
Estado durante o Governo Provisório (1930- 1.2. O Popular
1934). Eleito deputado federal em 1933 e
senador em 1935 (FREITAS, 2009).
Encarregado pela propaganda sobre as
2
Oficial do Exército Brasileiro, participou do possibilidades de investimento no
Movimento Tenentista. Nomeado Secretário de Estado de Goiás e, principalmente, em
Segurança Pública de Goiás durante o Governo sua recém-inaugurada capital, Joaquim
Provisório (1930-1934) e eleito deputado Câmara Filho, diretor do Departamento
constituinte em 1933 e deputado federal em
1934. Pertenceu ao movimento trintista e rompeu
de Propaganda e Expansão Econômica
com Vargas ao longo da década de 1930, sendo (DPEE), decide criar um periódico no
preso em 23 de março de 1936, antes mesmo de início de 1938. Por um lado, Ludovico
se instaurar o Estado Novo, acusado de conspirar poderia se beneficiar com mais um
um golpe comunista. Fundou a ala Esquerda veículo de comunicação em massa que,
Democrática da UDN em 1945 e o Partido
Socialista Brasileiro (PSB) em 1947, pelo qual
legitimado por sua posição não oficial
foi deputado federal e senador (CONTART, relacionada à sua condição de periódico-
1995). empresa, desenvolveria sistemática

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propaganda das realizações de sua direção, Waldemar na gerência e Edson
interventoria. Por outro, Câmara Filho na chefia de redação e sua redação e
poderia conquistar prestígio político com oficina situava-se, primeiramente, na
o sucesso dessa propaganda e com o Avenida 24 de Outubro, em Campinas.
crescimento de vendas do seu periódico Nesse período, o periódico era composto
(ASMAR, 1989). e impresso manualmente, em maquinário
adquirido do político anapolino José
Para tanto, dispõe de recursos materiais
Lourenço Dias, então proprietário do
provenientes da J. Câmara & Irmãos, na
hebdomadário Voz do Sul, e publicado
qual era sócio proprietário ao lado dos
aos domingos (ASSOCIAÇÃO
irmãos Vicente Rebouças Câmara e
GOIANA DE IMPRENSA, 1980).
Jaime Câmara, sócio majoritário. Com
poucos meses de funcionamento na nova Nessa época, ainda com 22 anos de
capital, a empresa se situava em um idade, Castro Costa já possuía sólida
prédio na Avenida Anhanguera que experiência no jornalismo; uma vez que
abrigava seu escritório administrativo, a havia colaborado nos periódicos
Papelaria e Livraria Popular e a vilaboenses A Razão, de Jaime Câmara,
Tipografia Popular, composta por e A Coligação, de Alfredo Nasser, no
máquinas rodadas à mão que produziam diário carioca Correio da Manhã, que
uma linha em cinco minutos cada e até dispunha em sua chefia de redação do
mil jornais por hora juntas jornalista Costa Rego, e fundado, no dia
(ASSOCIAÇÃO GOIANA DE 13 de maio de 1934, o periódico O
IMPRENSA, 1980). Lyceu, órgão estudantil do Liceu de
A cobertura favorável à interventoria Goiás (ASSOCIAÇÃO GOIANA DE
ludoviquista por parte de O Popular IMPRENSA, 1980). Castro Costa, por
ainda rendeu a Câmara Filho grande sua vez, foi premiado com o cargo de
prestígio junto a Ludovico, que o nomeia Diretor Geral do Departamento Estadual
ao cargo de diretor do recém-criado de Cultura de Goiás e assessor de
Departamento Estadual de Imprensa e Ludovico em sua campanha ao senado
Propaganda (DEIP) em 1942 e ao cargo federal em 1945 (O Popular, 9 de
de prefeito de Anápolis, o qual setembro de 1945).
desempenhou entre 1943 e 1945 2. A política em Goiás
(ASMAR, 1989). Sendo assim, o
periódico também serviu para que Com o processo de redemocratização
Câmara Filho propagandeasse – de iniciado em 1945, entre as dezenas de
forma mais contida – suas realizações à partidos nacionais, os poucos que
frente da prefeitura anapolina (O penetraram em Goiás, à exceção do
Popular, 28 de setembro de 1944). Partido Social Democrático (PSD) e da
União Democrática Nacional (UDN),
1.3. Folha de Goiaz
fundaram seus diretórios com relativo
Já o Folha de Goiaz foi fundado em 2 de atraso. Todavia, a exemplo da dinâmica
julho de 1939 pelos jovens Gerson de político-partidária nacional, polarizada
Castro Costa, Waldemar Gomes de Melo entre getulistas e anti-getulistas, em
e Edson Hermano de Brito, que Goiás as disputas foram canalizadas na
resolveram atender ao apelo do rivalidade entre ludoviquistas e anti-
interventor Pedro Ludovico e se arriscar ludoviquistas. Embora as dissidências
na incipiente capital estadual. Seu partidárias tivessem criado até quatro
expediente era composto por Gerson na frentes simultâneas, com a aproximação

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das eleições, as mesmas se Vellasco, Jalles Machado3, Alfredo
reconfiguravam em torno das duas Nasser4 e Emival Caiado5.
maiores forças político-partidárias
2.2. O jogo midiático-partidário
goianas.
Em 1946, Câmara Filho rompe com
Pedro Ludovico e se alia à UDN, de
2.1 O jogo político-partidário modo que O Popular teve papel
fundamental na derrota ludoviquista nas
eleições estaduais de 1947. Esse
A manutenção do ludoviquismo no
resultado forçou o ludoviquista Castro
poder e a intensa reordenação no quadro
Costa, que já havia vendido a Folha de
de membros dos partidos – verificada
Goiaz para os Diários Associados, a sair
num histórico de variadas cisões e
de sua diretoria, pois a determinação de
alianças motivadas por disputas por
Assis Chateaubriand6 era apoiar sempre
poder e justificadas pelos atores políticos
quem estivesse no poder. Em 1949,
por questões de ordem moral –
Câmara Filho volta a se aliar a Pedro
configuram-se nas principais
Ludovico, contribuindo para a sua
características da dinâmica político-
campanha através das páginas de O
partidária desse período em Goiás. Além
de ser eleito senador duas vezes e
governador com uma ampla margem de 3
Formado em engenharia, foi nomeado
votos, Pedro Ludovico lançou as Secretário de Viação e Obras Públicas do Estado
candidaturas vitoriosas de Juca em 1929. Um dos fundadores e chefes da UDN,
Ludovico, seu primo, de José Feliciano e foi eleito deputado federal pelo partido em 1945,
1950 e 1962. Pai de Otávio Lage, governador de
de Mauro Borges, seu filho, ao Goiás entre 1966 a 1971 (FERNANDES, 2001).
executivo estadual. Até mesmo no único 4
Jornalista, advogado e professor do Liceu de
pleito perdido – devido à uma grande Goiás e da Universidade Federal de Goiás, foi
dissidência dentro do PSD goiano – eleito deputado estadual em 1935 pelo Partido
obteve maioria na Assembleia Democrático, atuando contra o projeto de poder
de Ludovico de mudança da capital estadual e
Legislativa, o que dificultou a sendo preso acusado de conspiração comunista.
governabilidade de seus opositores. Ingressou no DASP na capital federal, por meio
de concurso público, permanecendo no cargo
durante todo o Estado Novo. Foi eleito senador
Do outro lado, durante quase duas pela UDN em 1947 e deputado federal pelo PSP
décadas, a UDN goiana, com o seu em 1958 e 1962 e nomeado ministro da justiça
“personalismo descentralizado” em 1961 (ASMAR, 1994).
5
Advogado e filho de Antônio Ramos Caiado,
(FERNANDES, 2002: 36), não um dos maiores líderes políticos goianos da
conseguiu se desvencilhar dos fatores Primeira República, foi eleito deputado estadual
que condicionaram sua fundação em em 1950 e deputado federal em 1954, 1958 e
1945, tais como a construção de sua 1962 pela UDN. Fundou o Diário do Oeste,
identidade através do anti-ludoviquismo através do qual fez intensa oposição ao governo
de Mauro Borges (1961-1964) (FREITAS,
e sua função de receptáculo dos 2009).
adversários e desafetos de Pedro 6
Jornalista, advogado, professor de direito,
Ludovico. Esse fenômeno explica, por escritor membro da Academia Brasileira de
exemplo, o lançamento da candidatura Letras e dono dos Diários Associados, maior
de quatro ex-adversários ao executivo conglomerado midiático da América Latina entre
os anos 1930 e 1960, destacou-se como uma das
estadual em detrimento de nomes figuras públicas mais influentes da História do
consagrados e com uma sólida trajetória Brasil Republicano, sendo eleito senador em
no partido, como os de Domingos 1952 (ABREU, 2001).

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Popular nas eleições estaduais de 1950. os diretores da Folha de Goiaz deveriam
Com a vitória de Ludovico nessas analisar se falar mal de determinada
eleições, a Folha de Goiaz volta a ser autoridade traria retorno financeiro,
ludoviquista. Do retorno de Ludovico ao Câmara Filho e Jaime Câmara, além
Palácio das Esmeraldas em 1951 até sua deste cuidado, teriam a preocupação em
ruptura com Jaime Câmara em 1963, os descobrir se tal autoridade não seria um
dois maiores periódicos de Goiás – O aliado político e, em caso negativo, se
Popular e Folha de Goiaz – atuaram em não seria vantajoso se um dia viesse a se
favor do ludoviquismo. tornar um.
Enquanto os diretores da Folha de 3. Produção de hegemonia
Goiaz, após a saída de Castro Costa,
Além das atuações políticas, O Popular
permaneceram apoiando o governo
e Folha de Goiaz se destacaram por
udeno-pessepista até o seu fim, o
terem se tornado os primeiros periódicos
político Câmara Filho, compreendendo
noticiosos de sucesso em Goiás. Os
que o retorno ludoviquista era
periódicos que eram órgãos oficiais de
praticamente inevitável, antecipa a
prefeituras e do Estado, responsáveis por
debandada. Com a posse de Pedro
comunicar aos cidadãos a realização de
Ludovico, o Folha de Goiaz, que, por
medidas administrativas, e os periódicos
determinação de Chateaubriand, deveria
que representavam algum movimento ou
sempre ser situacionista, torna-se
organização da sociedade goiana jamais
pessedista. Porém, por ser pessedista
poderiam atingir números tão
desde a época da campanha eleitoral, na
expressivos quanto os de O Popular e
qual desempenhou importantíssima
Folha de Goiaz, pois seus conteúdos
atuação, O Popular seria melhor
despertavam o interesse de apenas uma
recompensado que o Folha de Goiaz. Ou
parcela da população. O principal
seja: a estratégia dos Câmara até poderia
objetivo desses periódicos era tornar
ser mais arriscada, no entanto, propiciou
público as ideias, os posicionamentos e
maior rentabilidade.
as ações de um determinado grupo ou
Esses dois padrões de atuação se instituição. Quando vendiam – e não
mantiveram durante todo o período distribuíam gratuitamente – seus
estudado e se constituíram pelo fato de exemplares ou espaços publicitários em
Chateaubriand se encontrar distante da suas páginas, pretendiam apenas cobrir
política goiana enquanto Câmara Filho e os gastos que tiveram com suas
Jaime Câmara estavam mergulhados em respectivas produções.
sua trama. Logo, os diretores da Folha
3.1. O modelo jornalístico-empresarial
de Goiaz eram apenas gestores,
enquanto que os de O Popular eram Já os periódicos tidos como noticiosos e
gestores e políticos de carreira. Essa independentes não possuíam limitações
diferença foi crucial para os rumos que predefinidas em seu escopo. Além de
os dois periódicos tomaram, de modo noticiarem, inclusive, as mesmas coisas
que O Popular, por possuir diretores e que os demais, como, por exemplo, um
proprietários protagonistas do jogo despacho governamental, uma
político estadual, tinha um leque de reivindicação sindical ou uma
atuação mais limitado, estando preso ao manifestação artística, ainda poderiam
conjunto de alianças, conflitos e cisões. criar, como muitos o fizeram, novos
Daí vem as alcunhas Folha de tipos de notícias, cada vez mais
Mercenários e O Politiqueiro: enquanto seccionadas em colunas, tais como as

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femininas, infantis, policiais, políticas, Ludovico foram fatores que se
classificados, esportivas e até sobre retroalimentaram (NASCIMENTO,
frivolidades acerca do cotidiano da elite 2016). Esses fatores explicariam a
goiana. Essa liberdade fazia de seus expansão desproporcional desses
exemplares objetos de interesse, se não periódicos se comparada ao tímido
de todos, da maioria dos goianos; crescimento de periódicos
tornando-os ferramentas eficazes na tradicionalmente reconhecidos que
produção de hegemonia (GRAMSCI, atuavam em outros municípios goianos,
2000). Ademais, atendiam aos anseios como O Social, que nessa época ainda
das empresas que produziam e vendiam era um órgão independente, O Anápolis,
esses periódicos seguindo um modelo Cidade de Goiaz e O Ipameri.
mercadológico iniciado na Europa
durante o século XIX e recém- 3.3. O reordenamento ludoviquista
implantado no Brasil (SODRÉ, 1977): o No levantamento feito por Oscar Sabino
da fabricação de conteúdos em larga Júnior (ASSOCIAÇÃO GOIANA DE
escala visando, principalmente, a IMPRENSA, 1980), encontramos
obtenção de lucro. referências a outros periódicos
3.2. O pioneirismo goianiense “noticiosos” e “independentes” fundados
em Goiânia no mesmo período – ou até
Após a realização desse primeiro antes – que O Popular, fundado em
recorte, resta-nos, então, saber: o que 1938, e Folha de Goiaz, fundado em
diferenciava O Popular e Folha de 1939: Goiaz Jornal, de 1938, Jornal de
Goiaz dos demais periódicos Goiânia, de 1936, Goiânia, fundado no
considerados noticiosos e mês de novembro de 1935, e o pioneiro
independentes? Dentre tais periódicos, a Nova Goiaz, fundado em junho de 1935.
grande maioria atuou, assim como O Entretanto, estes eram dirigidos por
Popular e Folha de Goiaz, figuras públicas de elevado prestígio no
sistematicamente em favor de Pedro cenário político goiano e próximas ao
Ludovico durante o Estado Novo, cuja interventor Pedro Ludovico e, portanto,
censura proibia críticas ao regime e aos já haviam sido fechados na virada para a
seus representantes, mas não os obrigava década de 1940, pois seus diretores
a elogiá-los. Porém, poucos tiveram que se dedicar aos expressivos
empreendedores ousaram se mudar para cargos que passaram a ocupar no
a recém-inaugurada Goiânia e arriscar governo, a exemplo do diretor do Goiaz
seus investimentos numa cidade que Jornal, Albatênio de Caiado Godoy, que
ainda estava em construção, como os foi nomeado Secretário Estadual de
proprietários de O Popular e Folha de Segurança Pública, e do diretor do
Goiaz o fizeram. Jornal de Goiânia, Venerando de Freitas
Borges, que foi nomeado prefeito de
Além de ter proporcionado um retorno Goiânia.
financeiro sem precedentes, visto que o
crescimento da nova capital estadual Do reordenamento orquestrado por
superou até as expectativas mais Pedro Ludovico, restaram apenas O
otimistas, tal escolha teria sido Popular e Folha de Goiaz. O primeiro
recompensada pelo interventor: o era dirigido por Joaquim Câmara Filho,
crescimento de Goiânia, o sucesso que, apesar de ter sido nomeado diretor
mercadológico de O Popular e Folha de do Departamento de Propaganda e
Goiaz e o aumento do poder de Pedro Expansão Econômica (DPEE), manteve

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o periódico em pleno funcionamento ao Essa guerra de posições (GRAMSCI,
cuidar apenas do conteúdo e deixar o 2000) se deu de modo mais equivalente
restante ser administrado pelo seu irmão também devido às atuações de O
e sócio Jaime Câmara. O segundo era Popular e Folha de Goiaz, que
dirigido pelo então jovem e procediam às migrações político-
desconhecido Gerson de Castro Costa, partidárias nos momentos decisivos de
que atendeu ao chamado do interventor reconfiguração da arena democrático-
para promover Goiânia. Favorecidos eleitoral goiana, no intuito de atenderem
pela censura do Estado Novo, O Popular aos seus próprios interesses
e Folha de Goiaz tornaram-se os mercadológicos. Todavia, embora
instrumentos mais poderosos de tivessem obtido um relativo sucesso,
hegemonia em Goiás. esses periódicos que nasceram no calor
do jogo democrático estiveram longe dos
4. Sociedade civil goiana resultados alcançados por O Popular e
Folha de Goiaz; pois estes, apesar de
Com o processo de redemocratização serem dirigidos por políticos e
iniciado em 1945, os diretórios regionais empresários com alianças político-
político-partidários goianos criaram seus partidárias, não representavam
respectivos periódicos – O Social, do oficialmente um partido político,
Partido Social Democrático (PSD), aumentando sua credibilidade junto aos
Jornal do Povo, da União Democrática leitores.
Nacional (UDN), O Debate, do Partido
Socialista Brasileiro (PSB) e Jornal de A despeito da grande quantidade de
Notícias, do Partido Social Progressista periódicos que disputavam espaços de
(PSP) – e investiram de tal forma que os produção de hegemonia7, a diversidade
mesmos ficaram atrás somente de O ideológica apresentada era medíocre,
Popular e Folha de Goiaz. revelando o predomínio dos interesses
das classes dominantes em Goiás –
4.1 Guerra de posições formadas por famílias aristocráticas, por
integrantes da sociedade política e por
Esses periódicos disputaram com O capitalistas – e uma guerra de posições
Popular e Folha de Goiaz um espaço de travada, fundamentalmente, entre as
hegemonia nos campos político- mesmas. Ou seja, para além dos debates
ideológico e econômico-financeiro, político-partidários, o que esteve em
apresentando linguagens e estratégias jogo foi uma disputa pela posição de
argumentativas semelhantes, provocando principal organização propagadora da
intensos debates, inclusive com ideologia burguesa.
acusações e ofensas de cunho pessoal, 4.2 Consolidação
satisfazendo, criando e desenvolvendo as
necessidades do maior número possível Durante a primeira década do regime
de leitores ao seccionar suas páginas em democrático, os periódicos que eram
colunas sobre política, sociedade, órgãos oficiais de partidos políticos
esportes, segurança pública, foram sendo extintos e, ao final da
classificados, alugando seus espaços década de 1950, surgiram três periódicos
publicitários, vendendo seus exemplares
7
e investindo em tecnologia de ponta e Ao longo de minha pesquisa, foram
em tipografias localizadas nos lugares catalogados 128 periódicos que funcionaram, em
algum momento, no interior do recorte espaço-
mais nobres de Goiânia.
temporal estabelecido.

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“independentes” que ameaçaram mais solenidades assinalaram a posse
severamente as posições de O Popular e desses dois homens públicos [...].
Folha de Goiaz: Diário da Tarde, Um dia festivo para todo o povo
fundado por pessedistas, Diário do goiano. (O Popular, 1º de fevereiro
Oeste, comprado por udenistas, e Cinco de 1959).
de Março, fundado por pessepistas. Ou Esse quadro evidencia a preferência dos
seja, o grupo político que dirigia O leitores goianos pelo jornal-empresa
Social passou a dirigir o Jornal da noticioso e, em última análise, revela um
Tarde, o grupo político que dirigia o momento de consolidação de uma
Jornal do Povo passou a dirigir o Diário sociedade civil em Goiás (GRAMSCI,
do Oeste e o grupo político que dirigia o 2000), de modo que O Popular e Folha
Jornal de Notícias passou a dirigir o de Goiaz criaram uma arena específica
Cinco de Março. Entretanto, os novos da luta de classe.
jornais, assim como O Popular e Folha
de Goiaz, não evidenciavam em suas Entretanto, foram raras as vezes em que
edições suas relações político- as classes subalternas conseguiram
partidárias. transitar nesse novo espaço de disputa
por poder, de tal forma que se inaugurou
Diante dessa disputa pela construção de um período de complexificação e
hegemonia, na qual o modelo aprofundamento hegemônico das classes
desenvolvido pelo O Popular e pela dominantes goianas (NASCIMENTO,
Folha de Goiaz fora copiado pelas 2016). O Popular, Folha de Goiaz e os
demais forças político-midiáticas demais periódicos que copiaram seus
goianas, percebemos a conclusão de um modelos de atuação e seus discursos
longo processo de adaptação à buscaram esconder posições políticas
institucionalidade democrático-liberal- situadas, naturalizando concepções que
representativa implementada em 1945. definem as fronteiras da política
Isto é, pela primeira vez na história democrática, gestando consensos e
republicana da imprensa goiana promovendo o esvaziamento de debates
apresentou-se um cenário no qual que historicizam as próprias práticas
nenhum órgão político-partidário oficial democráticas estabelecidas (BIROLI,
figurou entre os periódicos mais 2003).
vendidos, predominando um discurso de
pretensa neutralidade justificado em
favor do “povo goiano”: Referências
ABREU, Alzira Alves de (org.). Dicionário
Hoje em dia, ninguém anda mais
Histórico-Biográfico Brasileiro pós-1930. Rio
fora de hora pelas ruas claras ou de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas,
escuras de Goiânia e seus bairros 2001.
que não seja abordado por um
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