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Monografia sobre Mário Ferreira dos Santos

Índice

PARTE I

Introdução

O período de formação: 1907-1942

Porto Alegre: um período de transição

São Paulo: o mercado editorial brasileiro

Um professor incansável

A questão libertária

O pensamento filosófico

PARTE II

Auto-retrato: Meu filosofar positivo e concreto

Verbete da Enciclopédia Gallarate

Quem foi este filósofo?

Bibliografia de Mário Ferreira dos Santos

Nadiejda Santos Nunes Galvão


Yolanda Lhullier dos Santos
2001
Introdução

“Todo homem deve viver e morrer como um


guerreiro”
(Mário Ferreira dos Santos)

A finalidade desta monografia é traçar o perfil biográfico de Mário Ferreira dos


Santos abordando, em linhas gerais, a sua produção intelectual e filosófica no cenário brasileiro.
Apesar de suas obras terem se difundido por todo o território nacional, principalmente
na década de 60, alcançando tiragens bastante representativas no mercado editorial, sua figura
continua ainda bastante ignorada nos meios intelectuais. Para suprir esta falha e também, a
pedidos de muitas pessoas interessadas em conhecer detalhes de sua vida e obra, elaboramos esta
monografia
Ele próprio comentou, inúmeras vezes: “Não sou um professor de Filosofia, sou um
filósofo. Há um silêncio a minha volta, mas não me importo. Quero que o leitor me julgue e só
dele quero receber a critica boa ou má. Meus livros,‘ observou,’ foram entregues ao seu próprio
destino, sendo os leitores os únicos propagandistas; já que eram eles que os aconselhavam à
outros e, desta forma, foram tornando-se conhecidos e procurados”.
Sua postura ante a vida baseou-se nos princípios contidos nesta alocução... “Nunca
ocupei nenhum cargo em nenhuma escola, por princípio. Deliberei desde os primeiros anos tomar
uma atitude que consiste em nunca disputar cargos que possam ser ocupados por outros. É uma
questão de princípios! Sempre decidi, para mim, criar o meu cargo, a minha própria posição,
construir para mim a própria situação, e não ter de ocupar o lugar que possa caber a outro. O
meu lugar seria o meu lugar, criado por mim, para mim mesmo; por isso não disputo, nem nunca
disputei, nem nunca disputarei qualquer posição, que possa ser ocupada, por quem quer que seja.
Em suma, a minha vida, em síntese, é simplesmente esta”.
Uma das críticas que mais recebeu foi a da extrema produtividade intelectual que
causou, e ainda causa, estranheza! Realmente, os tipos enciclopédicos são “raros” na história do
pensamento filosófico e ele próprio se questionava: “Que filósofo seria eu se não pudesse tratar
filosoficamente de cada ciência?”
Acreditava na possibilidade do povo brasileiro... “todos aqueles que no Brasil
revelaram possuir mente filosófica, e não foram muito numerosos, mas contudo, foram
brilhantes, tenderam sempre para um pensamento de caráter sintético; isto é, não ficaram
totalmente dependentes às correntes filosóficas européias. Sempre houve, entre nós, o desejo de
abarcar o universal, esta característica é naturalmente justa e própria de um povo que vive em si
mesmo o universal; por isso o Brasil é atualmente um dos países existentes, aquele que está
melhor capacitado para uma filosofia universalizante, ou pelo menos, para uma nova linguagem
filosófica, capaz de unir o pensamento que divergiu tão profundamente no campo já esgotado do
pensamento europeu. Aqueles que não pensam assim, que não admitem essa possibilidade para
nós, que continuem vivendo o seu modo de pensar. Nós preferimos, porém divergir”.
Sua vida foi marcada por uma luta contínua contra as idéias negativas... ao que
destrói em vez de construir; ao que rebaixa em vez de elevar... “O homem é um fim e não um
meio. Utilizá-lo, transformá-lo em peça de um mecanismo é ofender a sua dignidade”.

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Esta monografia desenvolverá tópicos relativos a produção filosófica, sendo fiel aos
dados biográficos, tendo como princípio norteador, o adágio citado por ele: “Um homem vale por
suas obras”. Assim só constarão dela passagem biográficas que influenciaram sua formação
intelectual definindo os traços mais marcantes de seu caráter - embrião das idéias que
concretizam o seu pensamento filosófico -.
Algumas observações se fazem aqui necessárias. Em primeiro lugar consultamos o
acervo particular e selecionamos cartas, manuscritos, papéis avulsos, rascunhos, esboços de
obras, aulas, palestras e gravações. O material utilizado encontra-se arquivado. Os trechos citados
de aulas e palestras foram diretamente datilografadas de fitas gravadas e não tiveram a correção
do autor. Mantivemo-nos fiéis a linguagem original, que muitas vezes assemelha-se a uma
conversação. Não desenvolvemos uma análise da obra filosófica, pois o nosso intuito é oferecer
subsídios para futuras abordagens.
Desde as primeiras incursões na literatura, está presente a temática filosófica, que foi
se desenvolvendo e se estruturou na Filosofia Concreta atingindo a sua obra máxima, a Matese.
Partindo do indivíduo como unidade, chegamos até o pensamento que é universal, e
que ele legou a humanidade como parcela de contribuição à Cultura. E para concluir, fazemos
nossas, estas suas palavras: “Embora não consigamos realizar –e uma vida é muito pouco para
tão ingente trabalho – o nosso intuito que é de dar uma visão tensional global do existir,
acompanhada de tantas provas quantas necessárias, temos certeza, porém, que o esforço de tantos
anos de observação e de estudos não estará perdido, pois estamos certos que deixamos alguma
coisa que pode servir de ponto de partida para ulteriores estudos e novas postulações...”

O período de formação: 1907-1942

Mário Ferreira dos Santos nasceu em 3 de janeiro de 1907, na cidade de Tietê (SP).
Filho de Francisco Dias Ferreira dos Santos e de Maria do Carmo Santos. Seu pai era português e
provinha de uma família de advogados e juristas 1 .Tinha quatro anos de idade quando os pais
foram morar em Pelotas (RS).
“Meu pai, português de nascimento, caracterizava-se por acentuado ateísmo e por
uma marcante tendência anti-clerical. Revelava, em todas as ocasiões, a sua oposição ao clero.
Entretanto, tendo eu, desde cedo, mal aprendera a ler, me interessado por temas filosóficos (e a
consciência que tenho de mim mesmo nasceu de colocação de um problema filosófico que tentei
resolver), um dia meu pai me chamou e disse: “Meu filho, para teu bem vou fazer uma coisa que
vai escandalizar os meus amigos: tu vais estudar com os jesuítas.”. No dia seguinte, dirigiu-se ao
ginásio Gonzaga e, segundo o que ele me relatou depois, disse-lhes: “Todos sabem que sou
adversário da Igreja Católica e que tenho combatido desde moço, mas sei que, para educar, vós,
1
Francisco Santos nasceu na cidade de Porto, Portugal em 16/01/1873. Filho do jurisconsulto José Dias Ferreira e de
Urbana dos Santos; era afilhado de Camilo Castelo Branco. Em 1903 chegou ao Brasil fazendo parte da Cia. do
Teatro do Príncipe Real. Em 1904 casa-se com Maria do Carmo Menezes Rabelo, em Fortaleza, CE. Viajou por todo
o país com a Grande Cia. Dramática Francisco Santos. Dos três filhos Mário era o primogênito.

Em 1913 construiu a Fábrica Guarany em Pelotas, considerada a maior iniciativa do gênero da época, iniciando a
filmagem de jornais de tela, comédias e a 1ª longa metragem de ficção do cinema brasileiro. Construiu várias casas
de espetáculo no sul do país.

“Francisco Santos. Pioneiro no cinema do Brasil” de Yolanda Lhullier dos Santos e Pedro Henrique Caldas, Ed.
Semeador, Pelotas, 1995.

3
jesuítas, sois os mais capazes. Meu filho revela propensão para temas filosóficos; não quero
exercer sobre ele a minha ação. Julgo que sois mais competentes do que eu para guiá-lo no
conhecimento. De minha parte, prometo-vos que, em casa, respeitarei sempre as suas idéias.”
Declaradas estas condições, fui aceito. O resultado foi que meu pai passou a ser mal
compreendido pelos companheiros, que julgaram a sua atitude uma verdadeira defecção, o que o
levou a afastar-se totalmente das atividades anticlericais e ateístas. 2 ”
Aos 14 anos sentiu despontar dentro de si um grande ardor religioso. Um padre
analisara seu temperamento, e chegara a conclusão de que não tinha vocação religiosa e
recomendou-lhe: “Mário, deves ir para o mundo, teus caminhos serão outros, porém mais tarde,
sei que voltarás a nós.” Estas palavras ele as repetiu muitas vezes e dizia então: “Que mau padre
eu seria!”
Entre seus professores, citou repetidas vezes, Padre Bücher, pois considerava-o como
aquele que lhe descortinou as inúmeras possibilidades dentro do mundo do saber, induzindo-o ao
estudo mais profundo. Foi quem lhe chamou a atenção para a necessidade de um método seguro
no estudo da filosofia. “... Com os jesuítas, desde o início, recebi a orientação que me aproximou
da filosofia positiva, e dela fiz a espinha dorsal da estrutura filosófica que hoje tenho: a filosofia
positiva e concreta; positiva no sentido de filosofia que parte e permanece na afirmação, ao que
constrói, que pertence a todos os grandes ciclos culturais da humanidade, mas que encontrou o
seu desenvolvimento máximo no pensamento grego, e a sua coroação no pensamento ocidental,
sob as linhas, sem dúvida, criadoras e analíticas da Escolástica 3 .”
Foi fundador e redator-chefe do jornal “O Gymnasiano”, órgão da Academia Literária
Rui Barbosa. Participava de atividades intelectuais e desportivas, tendo jogado no time de
futebol da escola. Encenou no colégio duas peças teatrais, “O Dever” e “O Diálogo das
Sombras”. Nesta última era representado o entrechoque de idéias antagônicas, o que já revelava
as suas futuras preocupações filosóficas 4 .
Em 1925 ingressou na Faculdade de Direito de Porto Alegre. Desta época lembrava
uma discussão mantida com um professor, o qual, insatisfeito com suas opiniões, perseguiu-o
durante todo o curso.
“Eu tinha um professor que queria me matar o direito de criar, não me deixou ser
laureado pela escola precisamente porque eu criei, eu apresentei idéias próprias nas duas provas,
nas suas duas cadeiras. Não me deu a distinção que merecia unicamente porque apresentava
idéias contrárias às dele. Às vezes, em aula e nos exames, eu citava a fim de defender minhas
idéias, grandes autores; ele respondia que estes grandes autores eram catedráticos da universidade
como ele, e portanto suas idéias valiam tanto quanto as dele. Respondia eu, entretanto, que podia
demonstrar, e dizia para ele demonstrar seu ponto de vista, que eu demostraria o meu. Eu
justificava minhas idéias. Naquele tempo a banca era coletiva, não havia só um professor para dar
a nota. Os outros sempre me davam distinção, ele não. E por que não? Unicamente porque eu
apresentava idéias contrárias a dele, embora muitas dessas idéias não fossem criações minhas. Só
tive duas idéias próprias, que defendi durante um exame, porém as demais eram idéias que eu
retirava de obras de autores onde encontrava uma demonstração rigorosa”

2
Do auto-retrato publicado em “Rumos da Filosofia Atual no Brasil”, Edições Loyola, 1975, S.P.
3
Do auto-retrato publicado em “Rumos da Filosofia Atual no Brasil”, Edições Loyola, 1975, S.P.
4
“O Ginasiano”, editado na escola, noticiou a peça em 07/09/1923: ... " Mário Santos que ainda mais talento, de ator
e escritor, patenteou na tragédia em um ato “O Dever”, escrito por ele e dedicado a seus mestres e companheiros".

4
Em 1928 fez sua estréia na tribuna jurídica. Tratava-se de um rumoroso caso criminal
ocorrido em Pelotas. Trabalhava como advogado 5 e ao mesmo tempo auxiliava o pai na empresa
Xavier & Santos 6
Em 1929 casou com Yolanda Duro Lhullier, filha de Alfredo Lhullier e Antoninha
Duro Lhullier, com quem teve duas filhas: Yolanda e Nadiejda 7 . Bacharelou-se, com lauda, em
1930, em “Direito e Ciências Sociais”.
Em 1937, com o falecimento do seu progenitor, sofreu um grande abalo. Sempre que
a ele se referia era com afeição e admiração; mais que um pai, um amigo que o incentivara aos
estudos superiores. A empresa Xavier & Santos, dona da maior rede de cinemas do sul do país,
ficou sob a sua direção. Negócios mal sucedidos levaram-no, em 1941, a fechar a firma,
Entre as atividades intelectuais desta época merece destaque sua participação no
jornalismo: primeiro, como diretor de um jornal da cidade de Pelotas; segundo, como colaborador
de diversos periódicos.. Se bem que nas duas atividades tenha dedicada poucos anos de sua vida
deixou, entretanto, uma vultuosa bagagem literária.
Começou a colaborar na imprensa em 1928 quando apareceu o seu primeiro artigo “O
poeta da luz e da cor” publicado em 20/07/1928 no jornal “Diário Popular”, de Pelotas.
Em 1929 tornou-se diretor do jornal “A Opinião Pública”, cargo em que permaneceu
até o final do ano de 1930. Escreveu crônicas variadas, comentários, notícias locais, etc. Realizou
várias campanhas, entre as quais uma para acabar com o analfabetismo, propondo a formação de
escolas para operários, centros de ensino para alfabetizar, etc.
A norma seguida durante sua gestão está aqui exemplificada:: “A Opinião Pública”
será a tribuna do povo de Pelotas. Não temos princípios políticos e sim sociais. Defendemos os
interesses de todas as classes, e, sobretudo, os daquelles que mais precisam de auxílio da
imprensa, as classes populares. Opinião Pública não é a opinião isolada de um jornalista que
inculca interprete da opinião geral, mas opinião pública é a opinião do mais humilde ao mais
illustre, que é systhematisada e exposta como individualidade homogênea. Assim, julgando,
criticaremos com critério e, combatendo, doutrinaremos para collaborar e derruiremos para
construir. A situação actual exige constructores. Construamos 8 .”
Foi este um período agitado, pois participava intensamente da vida política.. Contra
qualquer injustiça social não temia levantar a voz. O país passava por momentos difíceis de
grande agitação política. Apesar de ter participado da revolução de 1930, não tardou a criticar
alguns atos do novo governo, e por este motivo foi preso em dezembro de 1930. Os amigos
5
Foi nomeado para o cargo de 2º suplente do juiz municipal do termo de Pelotas pelo prazo de 5 anos. Palácio do
Governo de Porto Alegre, 25/11/1928.

Diz a notícia do jornal “Diário Popular” de 14/11/1928: “O talentoso acadêmico sr. Mário Santos que fez
brilhantíssima estréia na tribuna judiciária, mostrou reais dotes de tribuno, além de predicados de estudioso,
demonstrando assim, que um futuro promissor lhe aguarda na vida prática.”
6
A “Empresa Xavier e Santos Ltda.” pertencia a seu pai e atuava no ramo cinematográfico e teatral.
Mário, com a idade de 6 anos participou como ator na comédia “Os óculos do vovô”, da qual restam fragmentos que
estão na Cinemateca de São Paulo e do Rio de Janeiro.
7
Yolanda licenciou-se em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. É professora
titular aposentada da Escola de Comunicações e Artes da USP. Nadiejda licenciou-se em História e Geografia pela
Faculdade de Letras Sedes Sapientae. Ambas possuem obras publicadas pela Livraria e Editora Logos Ltda., Editora
Matese e Editora Ebraesp Ltda.
8
Transcrito do jornal “A Opinião Pública” de 25/04/1929.

5
socorreram-no, entre estes o General Flores da Cunha e o prefeito da cidade de Pelotas, Dr. Py.
Crespo. Libertado, explicou o motivo de sua detenção no artigo “Porque fui detido” 9 . Pouco
tempo depois foi obrigado ( indiretamente) a afastar-se da direção do jornal.
Voltou a colaborar na imprensa por volta de 1939. Neste ano, no jornal “Clímax” de
Pelotas publicou 12 artigos. Os primeiros são de cunho literário como “O pregoeiro que passa” 10 ,
“As sombras brancas” 11 e “Quatro poemas intencionais” 12 . Em “Música e Poesia” 13 publicado
sob o pseudônimo de Xerxes já mostra seu espírito especulativo analisando a Arte. Em “O
Amanhã” 14 analisa a neurose de guerra que grassava o mundo de então.
Em 1940 colaborou no órgão “Movimento” de Porto Alegre, para o qual escreveu 3
artigos, entre os quais “Escutai em Silêncio” 15 , que é um poema ao homem que participa de todos
os momentos históricos: “Homem que vens da idades futuras, tu me encontrarás em todas as
páginas da história. Olha bem, homem das idades futuras, que verás sempre uma figura simples
que tem um sorriso para os que sofrem e uma admoestação para os que pecam. Sou eu!...” Para o
mesmo jornal escreveu “No mundo sempre houve sol” 16 , que é um apelo a esperança e a fé na
inteligência humana.
Em fins de 1940 começou a colaborar para o jornal “Diário de Notícias” de Porto
Alegre. Foi então que apareceu Pitágoras de Melo. Eis como o autor narra num de seus livros,
escrito 20 anos depois, sua criação: “... A principal personagem é Pitágoras de Melo. Nasceu-nos
logo às primeiras páginas de “Homem da Tarde” 17 . Nada prometia ainda à minha consciência,
mas logo se impôs e libertou-se de tal modo, que passou a ter uma vida própria. E poderia dizer,
sem buscar fazer paradoxos, que teve ele um papel mais criador de mim mesmo que eu dele. Não
pautou ele sua vida pela minha, mas a minha vida pela dele. Eu propriamente o imito. É quase
inacreditável isso. Mas é verdade: a personagem criou o autor. E é espantoso que foi de tal modo
que até muitas das minhas experiências futuras foram vividas por ele. Aconteceu-me na vida o
que eu já havia escrito no meu livro. Muitas das peripécias da minha existência foram
antecedidas por ele. E é essa a razão porque o respeito tanto, porque o venero. Essa existência
metafísica tornou-se real para mim. As idéias que a personagem expunha não eram então as
minhas. Hoje, em grande parte, são. A personagem me conquistou. Na verdade, não pude resistir
à tentação e ao fascínio que ela exerceu sobre mim. 18 ”

9
“A Opinião Pública” de 19/12/1930.
10
08/1939
11
08/1939
12
08/1939
13
08/1939
14
08/1939
15
12/1940
16
03/1941
17
Romance escrito na juventude e não publicado.

6
As opiniões de Pitágoras eram comentadas nas rodas literárias, e muitos liam
avidamente seus artigos para saber o que ele diria sobre os acontecimentos que naquela época
abalavam o mundo, e sobre os quais versavam grande parte de suas crônicas.
Deixemo-lo falar: “é inútil a ovelha vestir a pele do lobo, o regato querer ser rio e o
rio querer ser mar. É inútil que tu queiras ser um deus! Homem, tu deves ser simplesmente
homem!” “Os homens quando se unem em rebanho tem coragem para os grandes crimes.” “A
História dirá. Ela dirá sempre os fatos passados aumentando as suas proporções. Essa grande
mentirosa... como ela contará os fatos maiores que a realidade!...” 19
Ele reaparecerá constantemente sempre emitindo opiniões filosóficas. É uma
personagem misteriosa e distante. Seu silêncio muitas vezes é uma resposta. “Foi Pitágoras de
Melo que me contou esta história”, “Pitágoras de Melo disse” assim começam muitos de seus
artigos. Eis como autor o descreve: “...Esquecia-me dos seus traços fisionômicos. Não recordava
mais a sua cabeleira nem as suas sobrancelhas cerradas. Recordava-me ainda do seu rosto magro,
mas o tom de sua voz sabia que era morna, meia grave, mas o timbre, o colorido do tom, a minha
memória já não ouvia mais”. Mais adiante: “chegava até achar ridículo a sua figura meia trágica.
E mais ridícula ainda a sua constante preocupação quanto às suas idéias e às suas palavras. Mas
quando recordava o que dele já houvera lido, quando recordava outra das suas sentenças, um
aforismo esparso, nesses momentos, então, a sua figura tornava a crescer ante mim e se impunha
outra vez.” 20
“Pitágoras de Melo era tão trágico e afirmativo que chegava a doer na gente bem lá
dentro...” “És difícil de se classificar, Pitágoras. Creio que um psiquiatra teria facilidade em
fichar-te e dar-te um nome horrível de dezoito letras, no mínimo...” “...O imprevisto aparece em
ti de uma maneira patente...” “Mas há ocasiões, que, depois, quando me entrego a meditação das
tuas palavras, fico perturbado, porque me parece haver uma contradição nelas. Responde
Pitágoras: “Mas diz-me: o dia de ontem é igual ao dia de hoje?”21
“Essa guerra durará muitos anos...” vaticina Pitágoras em 1941 22 . Sobre a II Guerra
Mundial, Pitágoras emitiu muitas opiniões, principalmente nos artigos escritos durante o ano de
1941. “Quem ganhará a guerra?” perguntaram-lhe um dia. Eis o que respondeu: “Ninguém, ou
quase... Quase... porque ninguém ganha em termos. A Humanidade vai ganhar alguma coisa. Ela
será a maior derrotada e será a maior vitoriosa. Ela sairá da luta lavada em sangue, mas mais
decidida e mais corajosa. Essa luta é um meio de equilíbrio. Muita coisa ruirá durante ela. Tudo
isso que você vê por aí vai cair. Tudo isso. Mas algo vai vencer... o homem de amanhã. Nós
seremos o derrotado.” E depois: “Ele, só ele o homem de amanhã será o vitorioso. Nós, nenhum
de nós conhecerá a vitória...” 23

18
Prólogo do livro “Filosofia da Afirmação e da Negação”, Livraria e Editora Logos Ltda., 1ª ed. 1959, São Paulo –
Brasil.
19
Trechos do artigo “Outra vez Pitágoras de Melo” – Diário de Notícias, 29/10/1940.
20
“A mais barata das felicidades...’- Diário de Notícias, 04/07/1941.
21
“A Biologia dos Conceitos” – Diário de Notícias, 05/08/1941.
22
“E a guerra perdura” – Diário de Notícias, 26/08/1941.
23
“Quem ganhará a guerra” – Diário de Notícias, 14/01/1941.

7
A respeito da II Guerra, escreveu quase uma centena de artigos. Admira-nos a
agudeza com que analisou aquela situação que era tão intensamente vivida por todos. Sabemos
como é difícil analisar os acontecimentos históricos dos quais participamos, pois encontramo-nos
imersos neles e ao sabor das paixões e das opiniões partidárias. Só com o passar dos anos
obtemos isenção suficiente de espírito para analisar com objetividade. E é esta objetividade, esta
agudeza de visão que nos admira nestes artigos escritos durante aqueles tormentosos anos.
A fuga de Hess foi fato muito comentado e as opiniões eram bastante divergentes. Ele
viu o caso Hess como um aspecto da guerra psicológica. Ele foi levar ao povo inglês a
possibilidade de uma paz, e mais... “é que Hess inicia, na Inglaterra, um contagioso movimento
psicológico, o mais dissolvente de todos em tempo de guerra, a possibilidade de uma paz 24 ”.
Lembra que a Alemanha sabia que a guerra se prolongaria, e que portanto ao final da mesma
estaria com as suas forças acabadas, gastas, enquanto a Rússia estaria em boa situação. A fuga de
Hess foi assim uma tentativa de conseguir a paz com a Inglaterra o que por meio da diplomacia
normal não seria possível.
Sobre a estranha amizade germano-russa diz: “A vitória alemã periga pelo excesso de
força”. Sabendo disto, os russos esperam o momento propício para surgirem mais tarde com os
libertadores. Não esqueçamos que estávamos então em pleno apogeu da conquista alemã, o
mundo parecia dobrar-se ao nazismo. Mas neste artigo já prevê que a Alemanha perderá pelo
excesso de vitórias, e que a presente amizade russo alemã esconde a futura inimiga, que virá para
derrotá-la, mascarada de novas facetas, pois “A Rússia vê na Alemanha a última etapa do
capitalismo, quando ele se torna, por antítese, novamente nacionalizado e nacionalista 25 .”
Nos artigos “A Rússia lutará contra a Alemanha?” e “A Alemanha atacará a
26
Rússia?” analisa esta precária amizade:“ Dois náufragos que se ajudam mutuamente. Mas o que
acontecerá depois? Os russos precisam da paz para fortificar seu exército, o urso russo esconde
seu jogo para atacar no momento preciso. Creio que esta guerra será muito mais demorada do que
se pensa. Nem a Alemanha nem a Rússia naquele momento tinham necessidade de se atacarem.
Enquanto a Rússia cedesse o que a Alemanha queria Hitler não atacaria, porém como ele ‘nessa
guerra o impossível acontece’ pode ser que Hitler ataque a Rússia. Por seu lado a Rússia precisa
se armar e para ela é vantagem a Alemanha se desgastar na luta contra a Inglaterra. Mas Hitler
conhece bem a realidade desta decisão e teme o poderio russo. O ataque da Alemanha a Rússia
favoreceu a Inglaterra, que assim desviou as forças de ataque para o outro. O que não resta
dúvida é que a diplomacia britânica lavrou um tento. Afastou por algum tempo o seu perigo ou
talvez para sempre, enquanto terá meios de poder receber o auxílio americano e preparar-se mais
ativamente para a luta definitiva”. 27 . Prenuncia que a luta entre a Rússia e a Alemanha será a
grande batalha da Segunda Guerra, pois se a “Rússia for derrotada e vencida a Alemanha terá
meios de perpetuar essa guerra por tempo indefinido”, porém quem sair vencedor será senhor da
situação, pois as outras batalhas serão somente o epílogo de um grande conflito 28 .

24
“Pitágoras de Melo e Hess” – Diário de Notícias, 17/05/1941.
25
“A paradoxal amizade germano-russo” – Diário de Notícias, 15/03/1941.
26
Diário de Notícias, 19/06/1941.
27
“Até o impossível acontece” – Diário de Notícias, 24/06;1941.
28
“A última batalha” – Diário de Notícias, 27/06;1941.

8
Em “O caso Hess e outros casos” 29 comenta o erro da Alemanha atacando a Rússia.
Hitler errou, e ele próprio depois reconheceu seu erro: abriu duas frentes de luta e aproximou
Londres de Moscou. Hitler também errou quando pensou em poder fazer uma paz em separado
com a Inglaterra. Falando em erros, comenta os grandes erros cometidos na guerra, por exemplo,
o fato de Inglaterra ter acreditado em Mussolini em 1935, não ter acreditado no poder de Hitler
em 1939. A França, por sua vez, errou quando acreditou na linha Maginot, e a Alemanha errou
quando pensou em derrotar a Rússia em 6 semanas. E assim cita vários erros cometidos 30 .
Ressalta o fato de se estar vivendo o destino da raça humana. Ninguém pode ficar
neutro, pois o momento é trágico e grave. “A maior de todas as guerras e que apenas se inicia” 31 .
Preconiza que a guerra do Pacífico será longa, obstinada, cruel. Chama a atenção para o
imperialismo japonês e para a necessidade de todos terem um espírito forte e voltado aos
problemas internacionais, pois o problema de quinta-colunismo é de uma gravidade terrível. O
indiferente é um simpatizante por omissão. Mostra que o destino do Brasil situa-se dentro do
destino do mundo, pois nesta guerra joga-se o destino do mundo 32 .
O mundo está ameaçado pelos bárbaros do século XX que são os totalizadores que
impõe uma só ideologia, uma só vontade, um só chefe, uma só raça de senhores. Se a guerra de
14 foi uma guerra de imperialistas, esta é uma guerra liquidadora dos imperialistas 33 . Combate a
filosofia “eixista” que quer nivelar os homens por baixo, transformar os homens em batráquios,
que transferem todo o poder e decisão aos líderes, ao fuehrer, aos gauletiers. Deve-se nivelar os
homens no ponto de partida, exterminando a miséria e dando a todos as oportunidades e
possibilidades de subirem 34 .
Analisa o nazismo como a última etapa do pangermanismo. Hitler foi um porta-voz
do movimento germanista, que na hora da derrota recebeu toda a responsabilidade, como se
assim a nação alemã se eximisse da culpa. Seu grande erro a invasão da Rússia e sua obstinação
em manter seus exércitos lá mesmo ante a derrota evidente35 . Em “A Alemanha quer morrer” 36
faz um estudo do nazismo e de suas profundas raízes na alma alemã: “O nazismo não pode ser
vencido apenas materialmente, precisa ser aniquilado, porque não se vence uma fatalidade ao
deixá-la prosseguir o seu destino. O nazismo não é apenas uma ideologia. Toda a simbologia é
fanática. Há em todo o nazismo uma preparação para a morte. Impossível para a Alemanha pôr-se
na defensiva. Hitler disse: ‘Lutaremos até o último homem’. A Alemanha sabe que não pode
esperar contemplação dos aliados. Ela tem, porém, esperança numa possível desunião entre os
aliados”. 37 .
29
Diário de Notícias, 10/10/1941.
30
“A guerra dos erros” – Diário de Notícias, 24/09/1941.
31
“A história que ainda não foi contada” – Diário Popular, 16/04/1942.
32
“Terceiro período: o do Pacífico” – Diário Popular, 05/1942.
33
“Uma nova Idade Média” – Diário Popular, 13/05/1942.
34
“A filosofia do charco” – Correio do Povoa, 13/12/1942.
35
“A guerra dos bigodes” – Diário Popular, 13/10/1942.
36
Correio do Povo, 14/06/1944.
37
“Mais decisivo que a 2ª frente” – Correio do Povo, 16/06/1944.

9
Comenta os perigos da doutrina nazista, como corrente dominadora, autoritária, “
pois o nazismo mesmo vencido reaparecerá com outros “ismos”. A hidra tem mais de uma cabeça
e conhece também diversas metamorfoses. A guerra contra essa hidra não é apenas no campo de
batalha, mas também dentro de nós”. 38 . “Esta guerra está provando que não basta podar as
árvores, porque brotam depois galhos mais fortes e mais potentes, nem basta cerrá-la pela base
para que nos libertemos dela. É preciso ir além, ir as raízes, revolver a terra para que nada fique.”
Admirador de Friedrich Nietzsche, escreveu inúmeros artigos, defendendo-o
principalmente da imputação dos nazistas em colocá-lo como pai da sua doutrina totalitária. Em
“Nietzsche e o povo alemão” 39 diz: “É costume dos líderes nazistas asseverarem que Nietzsche
foi o precursor da filosofia nacionalista que se polarizou no Terceiro Reich. Através da leitura
atenta da obra nietzscheana não se pode admitir que seja precursora do nazismo senão como
conseqüência de um má interpretação, demasiadamente prussiana e estreita do seu verdadeiro
sentido.” E mais adiante cita as palavras do grande filósofo: “A quimera nacionalista e a
estupidez patrioteira carecem para mim de atrativo. “Deutschland uber alles...” soa-me
dolorosamente aos ouvidos...”. E prossegue dando vários testemunhos da obra de Nietzsche que
demonstram que nunca acreditou na decantada superioridade racial germânica, que é um dos
postulados centrais, basilares, fundamentais da filosofia nacional-socialista.
Em “Hitler, mau discípulo de Nietzsche” 40 : “Sobram razões – prossegue Nietzsche –
para que a cultura alemã esteja em plena decadência. Quando um povo sofre, e quer sofrer, a
febre do nacionalismo e das ambições políticas, tem que ver nublado seu espírito com turbações
diversas. Vemos, assim, que a infecção política produziu na Alemanha acessos de bestialização
pública: por exemplo: e estupidez anti-francesa, a estupidez anti-judia, a estupidez anti-polonesa,
a estupidez wagneriana, a estupidez prussiana...”
De um modo geral seus artigos sempre tem um sentido especulativo, destacando-se o
pensamento filosófico. Em “As rãs não pedem um rei” 41 opõe-se tenazmente àqueles que querem
nivelar os homens por baixo. Os homens devem vencer suas fraquezas... Devemos ajudar o
homem a se erguer e não descer, em vez de batráquios, devemos transformá-los em águias, em
pássaros.”
Sempre acreditou e lutou pela superação do homem: “Mas na nova cultura que se
esboça o homem afirmará a natureza e afirmará as suas perguntas e saberá escolher as suas
respostas. E o homem crerá nas suas respostas, como sempre o fez em todas as culturas e elas
terão o sabor da terra e do mundo, porque na nova cultura que se formará o homem não mais
negará os seus instintos nem combaterá a sua natureza. O homem será o homem superado.” 42
Alguns destes artigos foram mais tarde editados nos livros “Páginas Várias” “Certas
sutilezas humanas”, “A luta dos contrários”, “Assim Deus falou aos homens”.
Em números o total de artigos publicados foi de 177, assim distribuídos: 1 na
“Revista do Globo” de Porto Alegre, 1 na “Folha Acadêmica” de São Paulo,1 na “Folha da

38
“As cabeças da hidra” – Correio do Povo, 26/07/1944.
39
Diário de Notícias, 19/04/1942.
40
Diário de Notícias, 21/02/1942.
41
Correio do Povo, 07/11/1942.
42
“Homem, animal que interroga” – Diário de Notícias, 17/12/1940.

10
Manhã” de São Paulo, 1 na “Gazeta” de São Paulo, 3 no “Movimento” de Porto Alegre, 16 no
“Clímax” de Pelotas, 42 no “Correio do Povo” de Porto Alegre, 44 no “Diário Popular” de
Pelotas, 68 no “Diário de Notícias” de Porto Alegre.

Porto Alegre: um período de transição

Mudou-se para Porto Alegre iniciando uma nova etapa de sua vida. Perdera uma
sólida situação econômica, e foi nestes momentos difíceis, que contou com a ajuda do amigo
Eliezer Demenezes, 43 que o apresentou aos diretores da “Livraria do Globo”.
Nesta época conheceu vários intelectuais gaúchos, entre eles Athos Damasceno Ferreira, Mário
Quintana, Manoelito de Ornelas e Érico Veríssimo.
Durante os anos de 1943 e 1944 foi contratado pela Livraria do Globo para traduzir
várias obras: “Vontade de Potência” de Friedrich Nietzsche, “Les Pensées” e “Lettres
Provinciales” de Blaise Pascal, “Journal Intime” de Henri-Fréderic Amiel, “La Phisiologie du
Mariage” de Honoré de Balzac. Seu grande sonho era redigir um dicionário de filosofia. 44 .
Nesta época já era um grande estudioso de Friedrich Nietzsche. Seu interesse pela
obra deste pensador surgiu no meio de uma discussão. Alguém citou Nietzsche, e ele referiu-se
ao filósofo como um louco. Seu interlocutor perguntou, admirado, se já o havia lido. Ante a
negativa, aconselhou-o a lê-lo, antes de fazer uma crítica precipitada. Assim o fez, e sua opinião
mudou por completo 45 .
Foi desde então que, nunca mais, referiu-se a escritor algum, sem antes ler a obra, de
preferência no original. Aconselhava a todos a fazerem o mesmo, pois as traduções e os críticos
repetidas vezes deturpam o pensamento ou mesmo interpretam diferentemente da intenção do
original. Fato que verificou quando começou a traduzir: “É um dos aspectos mais dolorosos da
cultura verificar-se como as mentiras conseguem impor-se e perdurar por tanto tempo. Valeria a
pena selecionar todas as mentiras históricas sobre o pensamento humano, repetidas nas escolas,
nas universidades e nos livros, em conseqüência de muitos não se dedicarem mais aos estudos
dos textos do que as obras de exegese”.
Traduziu “Vontade de Potência”, acompanhada de um ensaio: “O Homem que foi um
Campo de Batalha” onde além de uma profunda análise do grande pensador, visualiza-o sob um
novo ângulo. 46 . A tradução do título “Der Wille zur Macht”, que literalmente seria “A Vontade
para Poder” e vertida para “Vontade de Potência”, acarretou comentários contrários. No prefácio
da obra ele explica o motivo de sua preferência por este título.
Traduziu de Friedrich Nietzsche “Aurora”, “Além do Bem e do Mal” e “Assim
Falava Zaratustra”, este com notas explicativas da simbólica nietzscheana 47 .

43
Eliezer Demenezes introduziu-o na vida intelectual de Porto Alegre. Foi autor de vários livros, entre os quais
“Poemas da Hora Amarga”(Porto Alegre, Livraria do Globo,1943).
44
Trabalhou durante muitos anos neste dicionário e o publicou, finalmente, em 1963, pela Editora Matese.
45
Este fato, que comentou com a família, deve ter ocorrido por volta de 1935.
46
A tradução foi fundamentada na primeira edição das “Obras Completas” em quinze volumes, publicada em
novembro de 1901, por C. G .Neumann de Leipzig.
47
As duas primeiras foram publicadas pela Editora e Distribuidora Sagitário em l946 e “Assim Falava Zaratustra”
pela Livraria e Editora Logos Ltda, em 1954.

11
Encontrou dificuldade na tradução, pois o alemão que aprendera, quando cursava o
ginásio, não era suficiente. Não esmoreceu ante esta dificuldade e recomeçou a estudá-lo com um
professor particular. “A tradução das obras de Nietzsche é sempre um esforço”, observou, “um
dispêndio de energias, que só o podem compreender aqueles que a realizam. Muito são os
escolhos que encontra pela frente o tradutor, e, sobretudo, a impossibilidade em que se vê muitas
vezes de verter para o outro idioma o que é característico do seu estilo, e que só a língua alemã
permite expressar. Procurei por todos os meios ao meu alcance ser o mais fiel ao ritmo, ao estilo
e as modalidades da expressão nietzscheana. E se muitas vezes não a reproduzi foi porque seria
demasiadamente dura na nossa língua, e, por me ter colocado sempre na posição de sentir como
Nietzsche escreveria se fizesse ‘Zaratustra’ em português. Em minha obra ‘O Homem que
Nasceu Póstumo’, tive ocasião de examinar, os aspectos da simbólica e da mística nietzscheana,
bem como expor, embora em linhas gerais, o que se pode conceber por símbolos.
Sei que algumas das minhas afirmativas poderão provocar oposições, mas, de
antemão, respondendo à uma crítica fácil, devo dizer que nenhuma das que apresento são
peregrinas, e todas estão fundadas num estudo de vários e longos anos em que compulsei, não só
toda a obra de Nietzsche, como os seus mais categorizados comentadores. Esta é a razão porque,
em certas ocasiões, não apareça Nietzsche como o desejam ver, segundo certas posições
filosóficas, alguns daqueles que procuram interpretá-lo. O meu amor à obra desse grande poeta e
a minha lealdade para com o seu pensamento não me permitiram que procedesse de outro
modo...” 48 .
No verão de 1944 passou dois meses na casa de campo do amigo Athos Damasceno
Ferreira. Durante toda a vida desejou levar uma vida de meditação, de solidão, de realização
espiritual, porém as condições foram-lhe adversas: “Dormirei hoje construindo sonhos com Santa
Rita. Quererá o destino que consiga realizar o meu sonho de solidão em Santa Rita? Poderei ali
construir o meu mosteiro para me entregar ao estudo, à meditação e a realização de todas as obras
que desejo realizar?” 49
Neste mesmo ano escreveu o ensaio filosófico, “Homem animal que interroga”. Para
editá-lo, a Livraria Globo exigia que passasse pela crítica de alguns intelectuais. Para um deles:
“o livro seria um fracasso pois brasileiro não lê filosofia”. Ele decidiu provar a improcedência
desta opinião e, anos mais tarde, publicou-o sob. o título “Se a Esfinge falasse” com o
pseudônimo, Dan Andersen.
.Percebeu, porém, que na capital gaúcha não teria possibilidade de realizar o que
almejava: publicar suas obras filosóficas. Decidiu ir para São Paulo, que oferecia maiores
possibilidades para seus planos.

São Paulo: o mercado editorial brasileiro

Em 1945 fixou residência em São Paulo, indo trabalhar na Editora Flama, Na época
traduziu obras famosas: “Saudação do Mundo” de Walt Whitmann. “Adolphe” de Benjamin
Constant, “Hermann e Dorotéa” de Goethe, e “Histórias de Natal” ( antologia de contos célebres)
Permaneceu, porém, pouco tempo na firma, passando a dirigir a seção editorial da
Editora e Distribuidora Sagitário Ltda., onde publicou vários livros (grande parte de sua autoria),

48
Retirado do livro “Assim Falava Zaratustra”, pág.11, São Paulo, Livraria e Editora Logos Ltda., 1954.
49
Santa Rita ficava nas proximidades de Farroupilha, RS.

12
além de traduções e ensaios. Na contracapa de “Aurora” de Nietzsche está a programação na qual
ele é praticamente, o único autor (sob pseudônimos vários).
Na coleção Circe: ”Vida não é argumento” (Max Sanders). Na coleção Perspectivas:
“Teses da existência e inexistência de Deus” (Charles Duclos); “Se a Esfinge falasse”;”
Realidade do homem” ( Dan Andersen).Traduziu “Nacionalismo e Cultura de Idéias Absolutistas
do Socialismo” de Rudolf Rocker que fazia parte desta coleção. Para a coleção Clímax traduziu
“Aurora” (reflexões sobre os preconceitos morais) de Friedrich Nietzsche e, do mesmo autor,
“Além do Bem e do Mal”. Na coleção Estímulo: “Convite a Psicanálise” (Nelson Werner),
“Convite a Liberdade” (Lázaro Brentano) e “Convite a Filosofia” (Charles Duclos). Na coleção
Pássaro Azul: “Assim Deus Falou aos Homens” (Mahdi Fezzan).
Na época dedicava-se intensamente ao trabalho intelectual, porém, eram grandes as
dificuldades econômicas, já que não conseguia o suficiente para manter a família. Aceitou
trabalhar na livraria Ritz, na seção de livros raros (ramo que já lhe despertara a atenção em
Pelotas). 50
Em várias ocasiões afirmou ser necessário que o conhecimento fosse divulgado de
forma acessível ao leitor brasileiro e foi, visando suprir esta falta, que iniciou a coleção “Cultura
para Milhões”, uma série similar aos pocket’s books – “uma imitação à brasileira” como dizia
que, ao serem editados em papel jornal com acabamento simples e sem ilustrações, podiam ser
vendidos a um preço bastante acessível 51 .
Da programação da coleção faziam parte: “Conheça a Relatividade” de Maurice
Dubois; “O que é Psicanálise” de Nelson Werner; “O Mistério das Origens” (há dúvidas que
Walter Bock; “Até onde irá o Conhecimento Humano” de Egon Platz e “Constrói tua Vitória” de
Mark Kimbal.)
Nesta época recebeu a visita de um conhecido da família, um dos diretores de uma
firma cinematográfica norte-americana, que lhe fez uma proposta tentadora: trabalhar em roteiros
de filmes. Era um emprego com grandes possibilidades, porém este não era seu ideal, como
muitas vezes dissera::“...Sei que no mundo dos negócios poderia eu ter um destino melhor. Mas
sou daqueles poucos raros que valorizam o ser e não o ter.”
Propostas semelhantes não lhe faltaram no decorrer da vida. Nunca quis ter vínculos,
subordinar-se a partidos, facções, grupos, a fim de não se comprometer, sendo este um dos
motivos do silêncio que se fez a sua volta. Também no comércio teve propostas de sucesso e de
ganhos fáceis desde que se subordinasse a escrever livros de valor duvidosos.
De uma carta: “Minha situação, cujos detalhes te contei por alto, mas poderás
perfeitamente aquilatar ao menos em seu valor, era desesperadora. Estava às portas de escravizar-
me para o resto da vida a um homem, comerciante, frio, calculista, vantagista, que se
aproveitando da minha situação, impunha-me a escravidão para o resto da vida, através de um
contrato que deveria escrever, com pseudônimos vários, livros medíocres para que ele editasse.
Você sabe quão afrontoso para mim seria isso! Você sabe que ideal de cultura tenho eu, quanto
desejo poder contribuir na medida de minhas forças pela cultura de nossa gente. Dar tudo quanto
posso nesse sentido, contribuir para esse fim, colaborar com os bens intencionados, não medir
esforços nem sacrifícios... E, no entanto, ver-me-ia obrigado a fazer traduções de obras

50
Foi gerente da Livraria Ritz, na Rua Barão de Itapetininga-livraria e galeria de arte, que depois mudou-se para a
Av. São João, nº577.
51
A coleção Cultura para Milhões foi publicada pela Editora Edigraf .

13
miseráveis e escrever “borracheiras” para serem vendidas para maior incremento da ignorância e
do mau gosto”
Todos estes fatos reforçavam sua vontade de ter sua própria editora. O grande
problema era a falta de capital.
Anos mais tarde, numa palestra, comentou a primeira entrevista tida com um editor
paulista:
“Ninguém teve uma luta maior do que eu dentro do meu campo de ação editorial,
porque quando eu procurei editor para o meu livro, eu não fui corrido do seu escritório, porque
ele era um homem educado, mas deu a entender que era o maior absurdo editar um livro de
filosofia num país de analfabetos, e me disse francamente: “O Sr. para editar um livro de filosofia
no Brasil, o Sr. precisa ter muito dinheiro, porque tem que financiar a obra, depois o Sr. não tem
leitores, se conseguir vender algum exemplar será a custo de uma publicidade muito grande,
porque não há leitores, nós não podemos empatar nosso capital na edição de livros desta
espécie...” E eu, então, disse a ele: “Pois vou fazer uma experiência com o meu próprio esforço.”
E fiz uma editora para editar os meus próprios livros, sem um tostão de capital, usei crédito e
paguei a edição em trinta dias, antes do vencimento que era de noventa dias. Não fiz publicidade,
não tive apoio de ninguém, não pedi a quem quer que fosse escrevesse qualquer coisa a meu
favor, não elogiei ninguém para que me elogiasse. Aguardei apenas que o povo brasileiro
tomasse o meu livro, o lesse e fizesse a propaganda por si próprio. E fez, e as minhas obras
venderam, eu editei oitenta e tantos livros em quatorze anos, com cerca de trezentas edições, Eu
lutei dentro das minhas forças e dentro das minhas possibilidades, não me contive, não aceitei
aquela maneira abjeta, que aquele brasileiro me colocava ante o Brasil.”
A decisão de editar “Filosofia e Cosmovisão” apresentou grandes dificuldades. Uma
delas era a má vontade dos livreiros para colocar à venda uma obra de filosofia. A maioria nem a
queria ter na livraria e, quando procurados, respondiam com o velho chavão: “brasileiro não lê
filosofia...”.A primeira edição desta obra foi em 1952 pela Editora Edanee,.
Em 1953 fundou a Livraria e Editora Logos e iniciava-se, assim, o plano editorial,
que contou com obras não só de cultura geral mas principalmente de filosofia.
Neste mesmo ano publicou “Curso de Oratória e Retórica”, cuja edição esgotou-se
rapidamente, seguindo-se uma série de reedições. Editou em seqüência: “Práticas de Oratória” e
“Técnica do Discurso Moderno”, trilogia vendida em coleção, o “ carro-chefe”, a locomotiva que
carregava as outras obras já que, tratando-se de fácil venda empurraria as que não obtinham o
mesmo sucesso no mercado, mas que “necessitavam ser editadas também”.
E, sucessivamente, foi publicando os livros que constituíram a “Enciclopédia de
Ciências Filosóficas e Sociais”: ”Psicologia”, “Lógica e Dialética”, “Teoria do Conhecimento”,
“Ontologia e Cosmologia”, “O Homem perante o Infinito”, “Noologia Geral”, “Tratado de
Simbólica”, “Sociologia Fundamental e Ética Fundamental”, “Filosofia da Crise”, “Filosofia
Concreta dos Valores” e “Filosofia Concreta”. Os doze primeiros volumes foram reunidos na
coleção denominada “Cultura Moderna”.
A fim de explicar as finalidades da Livraria e Editora Logos declarou: “Em oposição
às outras editoras, que visualizam apenas o aspecto comercial, que visam apenas ganhar dinheiro,
a Logos tem um programa cultural e realiza, dentro de suas forças, o que outros já deveriam ter
feito: publicar apenas obras culturais. Tudo o que temos editado são clássicos e obras de filosofia.
Nesse programa, estamos realizando o que o Brasil mais precisa, cultura e apenas cultura. Nosso
programa é apenas cultural.”
As editoras continuavam praticamente no sistema tradicional de vendas. Não se
interessavam por obras filosóficas e não aceitavam a distribuição, alegando desinteresse e falta de

14
receptividade do público. Em face dessas dificuldades, decidiu vender suas obras por um sistema
pioneiro: a venda a crediário. Contra a opinião de todos, que prenunciavam o malogro da nova
iniciativa, obteve, o que permitiu fazer várias reedições em poucos anos. Para maior difusão,
facilitou o crédito a vendedores que quisessem abrir suas próprias firmas comerciais,
estabelecendo também filiais em várias cidades.
Muitas firmas de crediários de livros formaram-se nesta época funcionando no
sistema de venda de porta em porta. Eram verdadeiros pioneiros, que percorriam o interior do
país, facilitando a aquisição de obras de boa qualidade tanto no seu conteúdo como na sua
apresentação. Sistema este, que ainda em nossos dias continua funcionando e é responsável pela
difusão da cultura , principalmente para classes menos favorecidas.
A crescente procura de seus livros e a ampliação da distribuição exigiu um local
central e de fácil acesso. Alugou três salas na Praça da Sé onde montou um escritório. Nele
recebia os vendedores e representantes de todo o Brasil 52 .Quando mudou-se para a rua 15 de
Novembro, aproveitou o espaço para montar juntamente um auditório com capacidade para 250
pessoas que seria utilizado para palestras, cursos, conferências, etc., unindo assim o que sempre
tivera em mente: a parte empresarial com a cultural. Alugou as dependências de uma fábrica no
Cambuci, em 1961, onde instalou a Gráfica e Editora Minox Ltda, tendo mais tarde transferido-se
para sede própria. 53
Era um trabalhador incansável. Em seus empreendimentos contou sempre com o
apoio dos familiares. Na produção literária era auxiliado pela esposa e filhas e na parte
administrativa e industrial pelos genros. Sua esposa, incansável colaboradora, foi quem
datilografou os manuscritos e, mais tarde, transcreveu as fitas gravadas. A editora contava
também com uma equipe de revisores e tradutores.
Algumas pessoas o criticavam por ser o editor e o propagandista de suas obras, o que
o levou a explicar este posicionamento:
“Desejei, entretanto, estabelecer algumas considerações. Como podem V.S. observar
estou realizando no Brasil uma atividade inédita. É costume dizer-se nesta terra que o leitor
brasileiro não se interessa senão pela baixa literatura. Essa calúnia assacada ao nosso leitor levou-
me a uma experiência: a de editar livros de filosofia. E o resultado foi o desmentido cabal a todo
pessimismo dos mesmos editores. Meus livros passaram a vender-se por milhares. E entrei em
contato direto com o leitor, sem ter pedido licença a qualquer grupo de literatos detentores dos
meios de publicidade. Apresentei-me diretamente ao leitor e disse-lhe: tenho isto para você. E o
leitor aceitou, sem esperar por alguém que o aconselhasse a ler. E o resultado não se fez esperar,
contrariando todos que divorciados do verdadeiro leitor, pensam que este só quer subliteratura,
escândalos, etc.”
No desejo de difundir a cultura para todos, o que sempre fora um ideal, publicou a
coleção “Convite ao Saber”, composta de “Convite à Filosofia”, “Convite à Estética” , “Convite
à Psicologia Prática”, “Convite à História”, e “Convite à Ciência”. Editou o “Dicionário de
Pedagogia e Puericultura”, com a colaboração de sua filha Yolanda Lhullier dos Santos na parte
de puericultura. Publicou clássicos: “Dom Quixote de la Mancha” de Cervantes, “Fábulas de La

52
A Livraria e Editora Logos Ltda. teve inicialmente sede na própria residência. Posteriormente mudou-se para al.
Jaú, 467, depois para a rua São Carlos do Pinhal, 485, Praça da Sé, 47, 1º andar salas 11,12 e 13 e, definitivamente,
rua 15 de Novembro, 137, 8º andar.
53
Instalada na Av. Conceição, 645 (Atualmente Av. Engenheiro Armando de Arruda Pereira).

15
Fontaine”, “Paraíso Perdido” de Milton, “Tratado da Tirania” de Alfieri, “O Critério” de Balmes,
dentre outros. 54
Apesar da atividade comercial tomar-lhe grande parte do tempo, lecionava e proferia
palestras. Muitos livros foram escritos no escritório durante o expediente comercial. Conseguia
isolar-se, mesmo estando no meio de muitas pessoas.. Exercício que aprendera, quando estudava
com os jesuítas.
Em 1963 fundou a Editora Matese e, no mesmo ano, publicou “Dicionário de
Filosofia e Ciências Culturais”, em 4 volumes.
Tinha um especial carinho pela nova editora. Ao ser questionado o porquê do nome.
explicou: “Pitágoras dizia: sou um filósofo, sou um amante desta sabedoria, sou um homem que
me ufano por alcançar este conhecimento superior que seria então a instrução suprema, como a
palavra instrução em grego é “Mathese”, e o superlativo de “mega” é “meghiste”, ele deu o nome
de “Mathesis Megiste”, que traduzimos por Matese, daí o nome da Editora Matese.”
Além de vários textos de filósofos clássicos, publicou: “A Sabedoria dos Princípios”,
“A Sabedoria da Unidade” e “A Sabedoria do Ser e do Nada”.

Um professor incansável

Iniciou as atividades como professor particular no ano de 1946 e a manteve até os


últimos dias. Gostava de ensinar e suas explanações despertavam no aluno o interesse pela
matéria. Comentava que quando estava dando aulas, vinham-lhe idéias, que, depois eram
desenvolvidas nos livros.
Ministrou cursos no colégio Livre de Estudos Superiores, além de inúmeras
palestras 55 .A noite estudantes se reuniam em sua residência onde, após as aulas, o debate era
aberto para temas políticos, econômicos e sociais.
Em 1947 fundou o “Instituto Cultural Logos”, que mantinha cursos orais aula e por
correspondência. Estes, englobados sob o título de Cultura e Filosofia Geral eram na época uma
novidade pois os poucos que haviam, vinham diretamente dos Estados Unidos ou da Europa. Não
iam, evidentemente, ao encontro às necessidades do nosso povo. Isto o levou a preparar, de forma
cuidadosa, o texto procurando expor a matéria de forma acessível sem rebaixar o conteúdo.
Bastante solicitados, abrangiam uma gama bem ampla, indo de Língua Portuguesa, História do
Brasil, História Geral, Geografia Geral e do Brasil, Ciências Físicas e Naturais, Matemática,
Cultura, Higiene, desdobrado para Psicologia Teórica, Psicologia Prática, Filosofia Geral, Lógica
Geral, Dialética, Visão Geral do Mundo (Cosmovisão) que, em grande parte, foram editados em
livros que vieram a constituir a Enciclopédia de Ciências Filosóficas e Sociais. As apostilas,
enviadas para todo território nacional, eram divulgadas por cada um dos alunos a amigos e
interessados e em anúncios de jornais e revistas.
Muitos dos alunos mantiveram contato constante com ele através de correspondência:
“Todos os meus alunos encontram em mim não apenas um professor, mas um amigo,
pois estou sempre pronto a dar-lhes conselhos úteis, fornecer-lhe idéias de livros para leitura,
orientá-los em sua cultura pessoal, pois estamos, hoje, numa época em que os homens valem pelo
que são e não apenas pelo que tem. O mundo que se forma é um mundo em que valerão apenas os

54
Vide Fundo Editorial da Liv. e Editora Logos Ltda.
55
No Colégio Livre de Estudos Superiores, cito à Rua General Jardim, 234, ministrava cursos de Lógica e Filosofia,
a convite de Vicente Ferreira da Silva, que dirigia a entidade.

16
que sabem, porque a complexidade do mundo de amanhã não dará margens aos ignorantes. Sei
que V.S. é um industrial e aproveita suas horas disponíveis para cultivar seu espírito. O que V.S.,
faz é um ato louvável e só posso encher-me de satisfação ao ter, como meu aluno, uma pessoa
que sabe aproveitar tão bem o seu tempo e colabora, assim, para que a cultura do nosso povo seja
uma realidade.”
Em uma das cartas explicou seus objetivos:
“Luto contra os moedeiros falsos da filosofia e da ciência, emprego todos os meus
esforços em dar uma luz nova, junto todas as minhas forças para conseguir esse desideratum. E
quero em troco, apenas, que as minhas lições despertem um grande amor ao saber e à cultura, um
amor capaz de permanecer límpido ante a catástrofe que nos ameaça, agora mais do que nunca,
quando todos, consciente ou inconscientemente trabalham, afanam-se para destruir o patrimônio
cultural da humanidade às vésperas de uma luta que tem como bandeira apenas a concupiscência,
o lucro desenfreado, o ódio desmedido. Alguma coisa há de salvar-se desse naufrágio. Que seja
pelo menos, a cultura.”
E, quanto aos cursos por correspondência:
“Quando criei o curso de Filosofia por correspondência, fi-lo a pedido de muitos
alunos que haviam cursado cursos orais comigo. Como não desejava continuar somente dando
aulas orais e desejando ser útil aos meus patrícios, resolvi criar este curso por correspondência,
cujos resultados estão indo além das minhas expectativas, pelo interesse e aproveitamento que
tem demonstrado os alunos. Realmente não sou comerciante nem desejo ser. Devoto a minha
vida, e para tanto não temo os prejuízos e as conseqüências, em bem servir os outros, já que tão
poucos se lembram que os outros existem senão para deles se utilizarem. Numa época como a
nossa, em que se perdeu todo o sentido humanitário, é preciso que alguém não seja como os
outros. Alguém que seja diferente. E entre este número restrito, tenho orgulho de estar. Satisfaço-
me como vivo, embora com poucas coisas, mas com muitas outras que o dinheiro não dá.”
A boa acolhida foi-lhe de grande incentivo. E os alunos se manifestaram:: “Devo
informar que estou bastante entusiasmado com o curso dirigido por V.S.; minha impressão é de
que o mesmo vai prestar inestimável contribuição para que muitos patrícios nossos, sem recursos
para cursar academias, como é o meu caso, possam adquirir uma cultura geral – não só para
conforto próprio como para maior facilidade na luta da vida.”...
... “Primeiramente quero comunicar-lhe o recebimento das folhas e também de sua
preciosa carta. Quanto a nova resolução tomada por V.S. a fim de facilitar-me, quero agradecer-
lhe, pois vejo que V.S. procura mesmo ajudar-me, não pelo interesse do dinheiro, mas pela
vontade que tem em ensinar os outros, para que não enveredam no caminho da perdição,
principalmente os jovens, bem o conheço e como o compreendo...”
... “Em meu poder sua prezada carta de 3 de maio, cujas palavras se revestem de uma
espécie de humanidade a aprofundamento no estudo da alma humana que demonstram
nitidamente uma superioridade de pensamento... uma coisa que não vi nas minhas relações
anteriores com os homens e a qual tanto me impressionou anteriormente, a ponto de escrever-
lhe...”
Em 1947 iniciou um curso de Cultura Geral, do qual participavam em média 20
alunos. Era um curso de extensão cultural, abrangendo temas de História, Estética, Filosofia,
Psicologia, Sociologia, etc. A partir de 1957, passou apenas a dar aulas noturnas para uma turma
selecionada, pois os afazeres da editora tomavam-lhe todo o dia. "Eu tenho me dedicado mais a
dar aulas para grupos isolados, nunca me preocupei em ser professor de escola alguma, aliás faço
isso deliberadamente porque tenho um modo de ver, de sentir e de pensar muito pessoais, e não
gosto de entrar em choque com os outros, gosto de respeitar as idéias alheias, e naturalmente isto

17
dentro de uma universidade é difícil, porque tem o seu programa, a sua orientação e eu não
concordo. Por exemplo, não admito aluno que não possa suportar três horas de Filosofia, quem
não pode, não deve estudar filosofia. É o meu modo de sentir, de pensar e de ver”.
Pretendia despertar no aluno o espírito criador, evitando prender-se a idéias pré-
concebidas e a sistemas fechados “... toda a minha luta como professor foi despertar nos alunos a
sua capacidade criadora. Não quero dizer que eu tenha conseguido, não, não consegui, malogrei,
mas não fui eu que malogrei, foram meus discípulos que malograram, que se deixaram envolver
pelo espírito quantitativista, pelo espírito da autoridade, assustam-se com as autoridades, e então
ficam subservientes a um determinado pensamento, preferem estarem no coro e não
representarem os primeiros papéis, e o próprio Aristóteles dizia isto, aliás uma bonita expressão
dele: “nós devemos ser como aqueles que querem representar os primeiros papéis e não no coro.”
Ministrou vários cursos de Oratória, principalmente para alunos da Faculdade de
Direito. Deixou gravado, um Curso de Oratória em 20 aulas, seguindo um método próprio.
Freqüentemente era procurado por pessoas angustiadas, aflitas, desesperançadas, que
nele encontravam auxílio e amparo. Ouvia-os com paciência procurando ajudá-las a se
recuperarem utilizando um método que criara e que dera resultados bastante positivos em vários
casos particulares.
Com a finalidade de torná-lo conhecido escreveu “Curso de Integração Pessoal” e
“Convite à Psicologia Prática”. Nestas obras ensina como conhecer o caráter e o temperamento
próprios e como estimular nossas possibilidades, aproveitando os ensinamentos da
Caracterologia.
“Um dos estudos que aconselho os senhores a fazerem para o próprio bem pessoal é o
estudo da própria caracterologia, porque ela nos ajuda a vencer os nossos defeitos. Eu nasci com
todos os defeitos possíveis, mas venci-os através do conhecimento das minhas deficiências e das
minhas tendências viciosas, para corrigi-los através da minha vontade. Foi um grande sacrifício,
mas grande parte auxiliado pelo próprio esforço.
Foram inúmeras as palestras e discursos 56 proferidos. Grande orador, empolgava o
auditório com a palavra fluente. Quando jovem, na primeira aparição em público como advogado
de defesa, a sua habilidade oratória foi fator preponderante na absolvição de seu constituinte. Por
possuir dotes oratórios foi várias vezes convidado a candidatar-se a cargos políticos, porém
sempre rejeitou. Interessava-se por política e procurava a solução dos problemas sociais, mas não
almejava cargos públicos.

56
Dentre as inúmeras palestras proferidas conseguimos fazer um levantamento inicial: “A filosofia de Max Scheller”
no Colégio Livre de Estudos Superiores, ‘946; “Proudhon e o socialismo no século XX” no Centro de Cultura social,
1947, São Paulo; “Que es el existencialismo” no Centro Gallegó, 1950, São Paulo; “São Lucas e sua significação” na
Sociedade Médica São Lucas, 18/10/1952, São Paulo; “O Método Dialético e sua aplicação” no Instituto Sampaio
Fonseca, 29/04/1954, São Paulo; “Mauá, o Grande Homem de Empresa” no Instituto Sampaio Fonseca, 28/12/1954,
São Paulo; “O pensamento Pitagórico e sua atualidade” no Centro de Debates e Estudos Culturais CEDEC,
16/10/1955, São Paulo; “Realidade Brasileira” no Centro Acadêmico 3 de março, 02/10/1962, São Paulo; “Os ciclos
culturais” no Centro de Cultura, 14/11/1965, São Paulo; “Conceito Ontológico da História” no Centro de Cultura e
Livraria e Editora Logos, 16/01/1962, São Paulo; “Integração e Desintegração da História” na Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Santos, 1963; “A Crise no Mundo Moderno” na Associação Brasileira de Imprensa,
1965, Rio de Janeiro; “Dialética Concreta” na Faculdade de Filosofia São Bento, 14/10/1966, São Paulo; “Palestras
sobre temas propostos” no Colégio São Luís, 26/10/1966, São Paulo; “S. Tomás e a Sabedoria” no Instituto
Teológico Pio XI 03/1967, São Paulo; “Palestras sobre temas brasileiros” no Convivium 02/05/1967, São Paulo;
“Palestras sobre temas propostos na hora” no Convivium, 24/04/1967, São Paulo; “A importância da Oratória na
vida de um líder” na Câmara Júnior de São Paulo, 16/08/1967.

18
Na maioria das vezes as palestram eram improvisadas e freqüentemente o tema era
proposto pelos ouvintes. Deixava para o final as respostas às perguntas formuladas pelo auditório.
Muitos o criticavam-no pelo fato de tratar de vários assuntos. Em palestra para
jovens, respondeu: “Há muitas pessoas que admiram que sendo eu um filósofo, que trate de
matérias que pertencem a tantas e diversas disciplinas, mas todas estas disciplinas pertencem a
Filosofia. O que deveria preocupar, impressionar, era que precisamente eu como filósofo não
fosse capaz de tratar dessas matérias, porque na filosofia não há especialização. O filósofo
especialista é uma “contradictio in adjectis”, porque a filosofia é universalista, generalista por
natureza, e uma especialidade na filosofia pode haver de professores de filosofia, mas não de
filósofos. Nenhum grande filósofo foi especialista, nenhum, todos foram universalistas, todos
trataram de tudo quanto cabe ao campo da filosofia.”
Na ocasião explicou, também, porque não era apenas um professor de filosofia, mas
um filósofo!
“Ser um mero professor de filosofia eu não sou, eu posso dar aulas especializadas,
mas não sou propriamente um professor de filosofia, eu sou um filósofo, tenho uma obra
realizada, esta obra existe, está aí publicada, quer queiram quer não, não são folhetins, são livros
volumosos e tenho mais a publicar. Queria estabelecer este ponto porque sei que como predomina
nas escolas e nas universidades, infelizmente, o espírito do especialismo, que desde que entrou só
serviu para perturbar o desenvolvimento da cultura humana e fazer com que estes três séculos
sejam os três séculos mais estéreis do pensamento humano, eu sei que este espírito influi na
juventude que não está devidamente preparada e não sabe como reagir a esta maneira de ver.
Podem verificar na história da filosofia que os grandes filósofos, não dos pseudamente grandes
filósofos, não daqueles que são incensados por uma publicidade mal intencionada, mas dos
grandes filósofos na história da humanidade, todos eles foram universalistas e trataram
mateticamente, digamos assim, de todas as matérias.”
Certa vez, perguntaram-lhe se podia ser tachado de “sofista do século XX”.
Respondeu: “Não, porque a nossa posição na filosofia é muito clara. Só aceitamos na filosofia
uma autoridade, e a demonstração necessita ser apodítica, isto é, com juízos universalmente
válidos, enquanto não chegamos a isto consideramos o trabalho ainda incompleto. A nossa
posição é muito clara, somos contra a filosofia subjetiva, de opiniões, de doxa, de pareceres, de
ponto de vista, interessa-nos apenas a filosofia objetivamente. Partimos do seguinte: “há uma
“sofia” que é “suprema sofia”, que é a verdade das coisas em si mesmas, das coisas tomadas em
si mesmas, para si mesmas. Esta marcha do homem para esta “sofia”, para este conhecimento,
este afanar, este esforço é propriamente a filosofia. Esta filosofia ou alcança alguma verdade,
alcança a determinados conhecimentos que pode estabelecer como absolutamente válidos ou não.
Se tem certeza que não alcança, é apenas uma vilegiatura, é um turismo intelectual, é um
passatempo. Se atinge vamos nos dedicar a ela, por isso nos opomos a todas as escolas onde se
prega o agnosticismo e a inutilidade da filosofia, Partimos do seguinte: aceitamos a frase de
Aristóteles, a única autoridade é a demonstração, quer dizer, enquanto não se demonstra
apoditicamente um juízo também exclusivo, nós não alcançamos o fim da nossa pesquisa. Se isto
é possível ou não é que se discute, nós dizemos que é possível e provamos”.
Em 1958, ao visitar vários países da Europa, aproveitou para contatar algumas
editoras. Desta viagem voltou com vontade redobrada para lutar pelo Brasil, pelo seu
engrandecimento e difusão da cultura. De uma conferência retiramos este trecho:
“Quando viajei pela Europa e vi a grandeza daqueles povos, lembrando-me das coisas
do meu país eu tinha pena de nós, como éramos tão atrasados e só pensava em voltar para o
Brasil e lutar nesta terra, para que nós fizéssemos o que eles faziam.... Infelizmente os nossos

19
intelectuais nos traem, porque eles vivem volvidos para culturas estranhas, e somente admiram
aquilo que outros realizaram, e descrêem das nossas possibilidades, e não ensinam nem a si
próprios, para que também possam vencer as suas deficiências e alcançar aquele nível. Nós
precisamos também estimular o nosso povo a ter fé em si mesmo e confiança de poder fazer
alguma coisa de grande. E o Brasil pelas suas condições históricas, porque é um país que recebeu
os povos de todos os quadrantes do mundo, e conseguiu dar uma convivência, entre esses povos,
a mais harmônica que se conhece na História, não há entre nós nenhum conflito de caráter racial
ou de qualquer caráter étnico, um país que consegue isto, esta convivência extraordinária e que
não se conhece em nenhuma outra parte do mundo, é um povo que está predestinado a alguma
coisa de grande. Só este povo poderá lançar uma visão ecumênica, uma concepção universal,
porque qualquer ciclo cultural que se forma hoje no mundo tem que ser ecumênico, tem que ser
universal, porque a ciência está abrindo as fronteiras, por mais que os políticos a cerrem, que
façam os muros de vergonha, as cortinas de aço, a ciência, o conhecimento está penetrando, está
atravessando e vai além, vence todas essas resistências, o mundo está se tornando um mundo só.
Este mundo marcha para uma só concepção, para uma visão geral ecumênica, que vai
compreender e conter dentro de si as heterogeneidades. Nós somos capazes de viver o equilíbrio
dentro do heterogêneo, seríamos capazes de unir os opostos que se analogarão numa concepção
universal, e esta realidade só pode surgir de um povo que já deu o exemplo histórico de
compreensão universal, e este povo é o povo brasileiro.”
Criticava o nosso colonialismo e numa entrevista em que lhe perguntaram: “Mas é
possível um brasileiro fazer tais coisas?” (referiam-se à sua obra numerosa), respondeu: “Nosso
colonialismo passivo, que infelizmente domina muitas mentes no Brasil, leva-nos a descrer,
totalmente de nossos homens, o que impele a muitos se terem aliado aos grupos de detratores de
nossos homens, e também de terem destruído muitos valores que não encontraram em sua pátria
o apoio que mereciam. Essa prática é contumaz e monótona na nossa história. Citar nomes seria
alongar demais estas notas. Realmente muitos duvidam de que um brasileiro seja capaz de
realizar obra tão vasta como a minha, apesar dela existir, não em promessas, mas em ato, de
“argumentum camelumpardalis” (argumento da girafa). Diz-se que alguém, que antes nunca vira
uma girafa ao ver animal de pescoço tão longo, exclamou: “É impossível, este animal não
existe!”.
Ante a situação brasileira, necessário se fazia organizar uma série de obras para
compreender a realidade histórica. Surgiu, assim, “Brasil, um país sem esperança?” 57 , e um
esboço de “Brasil, país de exceção”, obras que deveriam fazer parte da coleção, “Uma Nova
Consciência”.
Perguntaram-lhe numa palestra: “Qual a mudança radical que se deve fazer no
Brasil?” Respondeu: “Bem a mudança que se deve fazer no Brasil é em nós, primeiro nós
brasileiros temos que mudar radicalmente se quisermos fazer alguma coisa, porque o que temos
lá em cima é um reflexo de nossa situação. Se lá em cima vão esses homens é porque não fomos
capazes de evitar que lá chegassem. Precisamos criar elites de espírito brasileiro, preocupadas
com problemas brasileiros, porque as elites no Brasil é que sempre dirigiram a nossa história. Se
não formarmos novas elites, não criaremos uma outra mentalidade, não criaremos a confiança em
nós mesmos, não seremos capazes de elevar este país para o destino que merece. Há muita gente
capaz neste país, mas muitas vezes não podem fazer nada porque estão coartadas pela ação de
grupos e de outros elementos que ocupam, às vezes, cargos de mando. Vamos fazer uma nova

57
“Brasil, um país sem esperança?” trata-se de um manuscrito inacabado, publicado em “Humanismo
Pluridimensional” 2º volume, da Sociedade Brasileira de Filósofos Católicos, Edições Loyola, São Paulo, 1964.

20
elite no Brasil, vamos obrigar aos nossos homens que estudem as nossas coisas e dêem valor ao
que é nosso”.
A situação social do país era uma das suas preocupação: “...Senhores, como o Brasil
sairá da miséria? Apenas aplicando um sistema de organização social? Se não houver uma
modificação psicológica neste povo? Se não despertarmos neste povo um outro sentimento de si
mesmo, uma outra maneira de ver a vida, e isto se fabrica da noite para o dia? Isto não está
exigindo lutadores? Temos um papel muito grande a realizar, levantar neste povo a confiança que
já teve em si mesmo...”
“Falando para jovens: “... o jovem tem um papel muito importante, porque ele é o
futuro, é o amanhã. Tem sido na história um elemento manejável pelos interesses políticos, e este
é um papel indigno. Aquela juventude que perseguiu os pitagóricos e levou a destruição a ordem
pitagórica foi agitada por demagogos, julgando que estava realizando alguma coisa de superior.
Aquela juventude ululante que exigia a morte de Sócrates era uma juventude criminosa, mas
julgava que estava cumprindo um dever social. A verdadeira juventude foi aquela que assistia as
aulas de Sócrates, de Platão, de Aristóteles, que fazia parte do Instituto Pitagórico, que em toda
história lutou pelo saber e pelo conhecimento. Os jovens tem um responsabilidade muito grande,
sobretudo porque eles sendo despreparados, não estando a par de tanta coisa que só o tempo nos
pode dar, mais do que qualquer outro grupo social tem obrigação de saber o que fazem, porque
são muito mais sujeitos aos erros do que aqueles que tem uma idade mais avançada e uma maior
experiência. Têm de tomar consciência desse seu papel na História e assumir o papel de
realizadora. Aquilo que Anatole France dizia “que a juventude saiba, que a maturidade possa”, o
jovem tem o poder, mas não tem o saber, o homem da idade madura tem o saber, mas não tem o
poder, então se a juventude soubesse e a maturidade pudesse, eles se encontrariam. Nós
precisamos ir ao encontro da juventude e fazer com que ela venha ao nosso encontro. Tenho uma
certa simpatia por estes jovens rebeldes, já este simples gesto de rebeldia, para mim, é um aspecto
positivo, eles não se conformaram com isso que está aí, então se revoltaram, agora, o que lhes
está faltando é um ideal, uma orientação . Queremos despertar na juventude, outra vez, aquilo que
é sua verdadeira razão de ser: o idealismo, porque o jovem que não é um idealista demitiu-se da
sua própria juventude, traiu a si mesmo, negou-se, aniquilou-se, transformou-se apenas numa
coisa”.
Ressaltava que faltava no mundo moderno os idealistas e, como dizia, “a humanidade
nunca deu um passo à frente a não ser impulsionada por eles”.
Em 1965 retornou a Europa, em viagem de negócios. Aproveitou a estadia para
levantar, na Biblioteca Nacional de Lisboa, material relativo a produção dos filósofos
portugueses e espanhóis medievalistas. Passou um mês em Lisboa, fazendo contatos comerciais,
que não tiveram a continuidade esperada pois seu estado de saúde já era bastante precário.

A questão libertária

Desde jovem manifestara grande interesse pelos problemas sociais.


Em1951 publicou o Manifesto Cooperacionista Brasileiro onde sintetizou a situação
econômica do país, propondo soluções para os graves problemas existentes. Fundou, com um
grupo de interessados, a Cooperativa de Consumo Metropolitana. 58 .O movimento teve boa

58
A cooperativa estava sediada na Av. Ipiranga, 1125, conjunto 71.
O manifesto foi transcrito em “O Problema Social”. São Paulo, Livraria e Editora Logos Ltda., São Paulo, 1964.

21
repercussão, porém, interesses particulares de alguns membros desvirtuaram o projeto do qual ele
se desligou.
Sempre lutara por uma sociedade que respeitasse a liberdade individual,
proporcionando oportunidade a todos. Participara de vários movimentos, nas décadas de 20 e 30.
No livro “Análise Dialética do Marxismo”, apresenta uma análise do marxismo
dentro do seu método decadialético. O estudo das questões sociais levou-o a colocá-las em bases
filosóficas, evitando as meras opiniões que, inevitavelmente, trazem a confusão de idéias. A obra
foi boicotada por grupos radicais e extremistas.59 .Utilizou parte do texto com algumas
retificações em “Análise de Temas Sociais”.
Já na introdução colocou a problemática central: “Se o marxismo é simplesmente
considerado por muitos como um pesadelo de História, sem maior significação e que passará
como passaram tantos outros movimentos, aparentemente populares, ou se apresenta o resultado
de um longo processo, e com uma significação que ultrapassa a visão comum, ambas atitudes
tomadas sem um exame mais apurado dos fatos, podem ressentir-se ou de um primarismo
judicatório ou de uma excessiva valorização dos acontecimentos”.
“Examinar o marxismo, com a máxima isenção de ânimo, evitando a influência das
paixões que agitaram a nossa época, analisar-lhes os fundamentos, premissas, postulados, sem
deixar-se arrebatar pela paixão, reconhecemos é difícil e raia até o impossível”; porém, em
nenhum momento, deixou de ter pela frente uma tarefa árdua e delicada. Sua natureza não temia
as dificuldades e sim costumava enfrentá-las... “ao contrário gostamos de tê-las pela frente...”,
como afirma num trecho.
Nele utilizou o método da decadialética (usada em várias de suas obras) para analisar
os principais temas indo fundamentar-se, sempre que possível, nos textos dos mais conceituados
teóricos do marxismo para evitar distorções, assim como a má compreensão de suas afirmações.
Não queria absolutamente, direcionar-se para uma forma pessoal de abordar o problema social,
daí ter o máximo cuidado para não prender-se a um atitude partidária. Entretanto, observa, “que
nestes últimos cem anos de estruturação do marxismo, a principal polêmica se foi dar entre as
duas vertentes do socialismo: o autoritário e o libertário. Os primeiros são, substancialmente,
majoritários, e daí que... ‘em face das decepções, os socialistas mais idealistas, sentem a
necessidade de retornar as posições do socialismo libertário, onde permanecem a espera de novos
acontecimentos para que os fatos venham a ter novas significações’. Lenine já compreendera este
retorno e o considera como ‘um desvio pequeno-burguês’. Para outros o socialismo perdeu seu
genuíno sentido proletário, transformando-se num meio de vantagens sociais e políticas para
“pequenos burgueses desajustados”, que não deixam de atacar veementemente a pequeno-
burguesia numa auto-punição psicologicamente bem compreensível”.
Ao colocar os argumentos anti-marxistas, segue a diretriz que, “as obras apologéticas
do marxismo são numerosas, enquanto as libertárias são mais raras e pouco lidas, impunha-se,
por isso, acrescentar maior número de razões em oposição ao marxismo, pois, tais argumentos
não poderiam ser manejados no campo do capitalismo, mas apenas no campo do socialismo, pois,
os libertários não acusam os marxistas de serem socialistas (como o faria um capitalista
partidário, por exemplo) mas precisamente por não serem socialistas, ou por terem se desviado.
Portanto a crítica libertária não ataca muito, mas acusa o pouco, como é ela construtiva e não
destrutiva, merece atenção”.

59
Segundo Jayme Cuberos, companheiro das lutas políticas, a gráfica esteve ameaçada quando da impressão do livro
tendo Mário permanecido no local até o final da impressão.

22
Participou de inúmeros debates sobre questões sociais, discutindo principalmente
com socialistas. Era grande conhecedor de todas as correntes ideológicas, principalmente do
marxismo, e referindo-se a um contestador disse:: “...mesmo sendo marxista, dificilmente ele
conhecerá marxismo melhor do que eu...”
Contou que por ocasião de um encontro de comunistas, socialistas, anarquistas e
outros no Centro de Debates “Presidente Roosevelt” 60 , os comunistas, temerosos dos ataques que
ele faria acusaram o Centro de ser uma célula comunista. No dia aprazado para o debate, a
polícia fechou o local.
Outro fato ocorreu durante uma palestra: o conferencista defendia o marxismo, mas
de maneira bastante elementar, Ele levantou-se, pediu um aparte, e começou a defender o
marxismo em bases sólidas. O auditório admirou-se, pois era conhecido como defensor das idéia
libertárias. Seus amigos pensaram que tivesse mudado de opinião. Logo após, ele começou a
rebater, ponto por ponto, todos os itens defendidos, que antes defendera tão enfaticamente.
Apaixonado quando discursava e bastante polêmico na controvérsia, principalmente
nos debates sobre questões sociais, não foram poucos os adversários que adquiriu. Não tripudiava
sobre o opositor, mas também não contemporizava.
Desde meados da década de 40 freqüentava o Centro de Cultura Social 61 , .e o Centro
Republicano Espanhol 62 , onde participava de reuniões e debates. Ali fervilhavam as mais
diversas facções políticas e a polêmica era exaltada. Além de proferir inúmeras palestras,
participou de mesas-redondas que duravam mais de 5 horas.
Defensor das idéias libertárias, citamos suas palavras: “...eu tenho uma profunda
simpatia pela concepção libertária porque considero que a concepção libertária é fundamental do
homem, por uma razão muito simples: o ser humano é um ser racional, é um ser capaz de
escolher e captar possibilidades de possibilidades, de escolher entre possibilidades, ele é capaz de
distinguir contingentes futuros e escolher entre esses contingentes, o que revela presença de sua
liberdade apesar de muitos quererem negar e transformá-lo num autômato. O ser humano é
realmente um ansioso cada vez mais de dar à sua vontade a assistência da intelectualidade de
modo que toda a sua ação seja melhor orientada, para que ele possa alcançar os fins que lhe são
mais benéficos e tudo isto em suma, a meu ver, fundamenta no ser humano um espírito de
liberdade tão alto que o torna por natureza um libertário.”
“Os homens revelam-se pelos atos e não pelas palavras. Prefiro mil vezes o meu
idealismo consciente e de perspectiva de pássaro do que o ignorante praticismo caolho de
perspectiva de rã!...”
Com a finalidade de lutar pela liberdade humana publicou, em 1964, um caderno
intitulado “O Homem Livre”, no qual convidava a todos que quisessem lutar “contra a ignorância
denunciando a moeda falsa intelectual, a falsa cultura, contra a valorização da astúcia, da malícia,
do mórbido, da especulação sobre os baixos valores; contra a ignorância atrevida e auto-
suficiência; contra as falsas reivindicações sociais que não representam nenhuma elevação
humana.; contra as expressões untuosas de falsa piedade na exposição do que é digno para o
homem; contra o domínio dos meios de publicidade por grupos que representam interesses

60
O Centro ficava na rua Libero Badaró, 561, 2ºandar.
61
O Centro de Cultura Social situava-se na rua Libero Badaró, 386.
62
O Centro Republicano Espanhol situava-se na rua do Gasômetro.

23
inconfessáveis; contra o charlatanismo diplomado dos fariseus intelectuais; contra a desesperança
infundada, a confusão propositada e impelida pela má intenção.” 63
Trecho de uma carta: “Como estamos hoje, no mundo inteiro, ameaçados de regimes
cesariocratas, apoiados em tecnocratas abstratos de rigidez intelectual perigosíssima, o que nos
levará a viver em regimes de opressão e crueldade que tudo quanto houve até hoje de opressão
será um leve pesadelo, julgo que temos que examinar bem esta matéria” (referia-se
especificamente ao “O Homem Livre”, publicado em 1965), para reunir esforços numa luta de
humanização da filosofia de ciência e da técnica, para que cooperem em bem do homem e não
para regimes de violência organizada, que em nome de uma ciência fria, tornará os homens
escravos, numa escravidão como jamais surgiu na História.
“Estamos aqui organizando um grupo de estudos sobre temas sociais dedicando-nos,
sobretudo, a examinar essa ameaça, que se torna cada dia mais iminente, pois, os tecnocratas-
burocratas-cesariocratas vão cada dia ocupando os postos de mando. Na verdade a resolução que
se dá no mundo é esta, pelo menos no campo do que se chama essas classes desligadas da
concreção, acostumadas ao abstratismos dos especialismos, com visões deformadas da realidade,
sem consideração ao homem concreto, que não compreendem nem julgam que existe, mas sim, o
homem-coisa, o homem-peça, o homem-instrumento, atentam contra a dignidade humana e
ameaçam realizar a maior subversão de valores, deslocando a humanidade para o terreno das
coisas que são reguladas como coisas, manejadas como coisas. Temos de denunciar esse perigo,
essa deformação, essa inversão, essa inumanidade. É mister que aliemos os técnicos a uma visão
concreta, a uma visão humana, como expoentes mais qualificados do homem no sentido técnico,
não, porém, como usufrutuários do sacrifício humano, mas cooperadores mais experimentados ou
mais sábios que amem prestar serviços à humanidade, para sua elevação e glória, e não para usá-
la como um meio, ou servir a interesses inconfessáveis daquelas que desejam mais uma vez,
escravizar o homem.
Essa é a nossa luta agora. Como temos afinidade com muitas organizações, que
embora não expõem especificamente as nossas idéias, tem contudo, pontos de encontro conosco,
porque também não desejam a brutalidade organizada em nome da ciência, nós nos unimos a eles
e dentro desse âmbito estamos prontos a cooperar com eles 64 .”
Temas constantemente abordados em várias de suas obras. É do prefácio de li
“Métodos Lógicos e Dialéticos” este trecho: “O que temos de fazer hoje é construir. Na realidade,
o espírito destrutivo, o demoníaco, vence em quase todos os setores deste período histórico que
vivemos e, sobretudo, neste século, que talvez seja cognominado pelos vindouros “século da
técnica e da ignorância”, porque se há nele um aspecto positivo, que é o progresso da técnica, que
chega até as raias da destruição, a ignorância aumenta desesperadamente, alcançando limites que
a imaginação humana nem de leve poderia prever. Mas o que é mais assombroso é a auto-
suficiência do ignorante, o pedantismo da falsa cultura, a erudição sem profundidade, a
valorização da memória mecânica, do saber de requintes superficiais, a improvisação das
soluções já refutadas, a revivescência de velhos erros rebatidos e apresentados com novas
roupagens. Tudo isso é de espantar.”
Fez uma denúncia da falsa cultura que avassalava o mundo em “Invasão Vertical dos
Bárbaros”, onde analisou os aspectos bárbaros em nossa civilização.
63
Esperava dar continuidade aos “Cadernos do Homem Livre “, que publicaria ensaios e estudos. Os números 2 e 3
ficaram prontos, porém, não foram editados.
64
Correspondência enviada ao “Centro de Estudos José Oiticica”: Rio de Janeiro em 17/06/1965, após o envio de
vários exemplares de “O Homem Livre”.

24
Pensamento filosófico

A primeira obra filosófica publicada, “Se a Esfinge falasse...”, teve originalmente o


título de “Homem, animal que interroga”. “O homem é esse ser anelante de saber. As idéias e
teorias chocam-se dialeticamente, à procura de uma análise mais profunda”. Parte do princípio de
que o que diferencia o homem do animal é a interrogação, a pergunta. “Perguntar é bem uma
dimensão humana”. “Em face do cosmos, o homem procura explicá-lo, e então usa de recursos
para vencer sua insuficiência. Cria a ciência, busca as resposta pela própria ciência que lhe
confere um caráter sagrado. ‘De onde vem o homem?’ pergunta. A relatividade de nossas teorias,
o caminho para a sabedoria é a obrigação do homem. A ciência permite dominar o mundo, mas a
ciência para onde começam as perguntas transcendentais, que compete à metafísica responder.”
Seguiu-se “Realidade do Homem”, onde são expunha temas da filosofia
existencialista; ambos saíram com o pseudônimo de Dan Andersen.
Ele relatou um fato pitoresco: ao assistir a uma conferência, em determinado
momento, o conferencista, pôs-se a elogiar o obra “Se a Esfinge falasse...” e o seu autor, citando-
o como um grande pensador estrangeiro, radicado no Brasil. Alguém mandou um bilhete ao
conferencista informando-lhe que o autor encontrava-se no auditório. Feita as apresentações de
praxe, o conferencista arrefeceu seu entusiasmo, ao ver que tratava-se de um brasileiro.
Este incidente testemunhava a nossa atitude colonialista, subordinada ao pensamento
estrangeiro.
Em 1961 publicou a revista “Zaratustra” (Revista de Cultura). A maioria dos artigos
eram escritos por ele, com pseudônimos vários 65 . Alguns deles constam do livro “Páginas
Várias”.
Quando jovem dedicara-se a literatura escrevendo ensaios, aforismos, poesias,
pensamentos, artigos, onde já estava presente uma notável fecundidade de idéias.
“Respeitar o que realizamos quando jovem é não profanar a juventude e as esperanças
que foram nossas. Este livro não o escreveria hoje. O que há nele foi vivido numa época que se
me afigura distante, mas que ao mesmo tempo parece tão próxima, porque muito do que hoje
penso e do que hoje faço, tem sua gênese, naquela mesma juventude a quem desejo devotar a
fidelidade de não modificar o que sentiu e o que viveu.
Leitor amigo, ao leres este livro, considera este meu testemunho, e sê justo...” “Os
trabalhos que compõem estes livros foram publicados há mais de vinte anos em jornais e revistas
nacionais, e também em livros, com pseudônimos vários, que então eu os usava. Muita das idéias
expostas já pertenciam ao passado, mas, ao conservá-las aqui, presto a homenagem que devo a
mim mesmo, a fidelidade ao pensamento já vivido” 66 .

65
Relação dos artigos publicados na revista “Zaratustra” com os respectivos pseudônimos: “A tríada do idealismo de
Hegel ante a dialética antinomista” e “Temas de problemática” (Lázaro Brentano); “Apólogos, Fábulas e Aforismos”
(Madhi Fezzan); “A Monotonia da Existência” (Odilon Gomes); “A Tragédia da Excepção” (J. de Almeida Brito);
“O Homem e a Solidão” (Alcino Leal); “A Eternidade do Instante” (Lúcio da Silveira); “Escutai em silêncio”
(Aquilino de Freitas); “Poemas sem ismos...” (Jerônimo Ferreira); “Meditação sobre a Fantasia como compensação
da realidade” (Dan Andersen); “O Pequeno Burguês e a Cooperação Libertária” (Renato Lopes); “O efêmero das
condições adversas” (Eduardo Braga); “A significação do processo “Kravchenko” o homem que escolheu a
liberdade” (Dan Andersen).
66
A coleção Minimax era composta de : Luta dos Contrários, Vida não é Argumento, Casa das Paredes Geladas,
Assim Deus falou aos Homens e O Homem que Nasceu Póstumo.

25
No prefácio de “Filosofia e Cosmovisão” encontra-se uma explicação clara de seus
objetivos: “...Um professor alemão, o primeiro a iniciar-me nos estudos da Filosofia, conhecedor
do nosso povo, costumava manifestar sua admiração pela inteligência de nossa gente. Para ele,
que percorrera tantos países, que ministrava lições em tantas universidades e escolas do Ocidente
e do Oriente, era o brasileiro, o aluno mais vivo, mais inteligente, mais sagaz de raciocínio, e de
mais profundas intuições que conhecera. No entanto punha uma restrição. Julgava-nos
demasiadamente inquietos e desequilibrados quanto ao conhecimento. Afirmava-me ter
encontrado grandes valores, homens de capacidade extraordinária, mas, em muitos aspectos,
falhos de certos conhecimentos elementares, que eram como abismos entre cumes de montanhas.
Atribuía esse desequilíbrio a natural pressa dos povos americanos e da falta de disciplina mais
rígida no trabalho. Nessa época, considerava eu as suas palavras um tanto exageradas. Mas, com
o decorrer do tempo, e através de aulas e inúmeras conferências, palestras e debates que
empreendi, verifiquei assistir ao meu velho e venerando mestre uma grande soma de verdade.
Atribui-se esse novo defeito ao autodidatismo a que todos sem exceção, neste país,
estamos sujeitos. Sempre fui um admirador dos autodidatas, porque um estudo apurado da
história e da biografia dos grandes homens, revela-nos que entre os maiores criadores, o número
de autodidatas é sempre maior do que daqueles presos a uma escolaridade rígida, quase sempre
prejudicial a capacidade criadora.
Não seria, porém, esse apenas o fator decisivo, pois, outros poderiam ainda ser
propostos. Foi considerando tais aspectos reais de nosso povo que, ao empreender os meus
cursos, e depois decidir, a pedido de tantos alunos, transformá-los em livros, compreendi que não
se deveria ministrar filosofia no Brasil, seguindo os métodos de povos que tem uma disciplina de
estudo muito diferente da nossa. Por esta razão, sempre julguei que ao lado do tema mais
profundo era mister considerar aqueles abismos de que ele me falava. Foi essa a razão que me
levou, ao publicar este primeiro livro da série de meus cursos de Filosofia, a usar uma linguagem
dentro de certo rigor filosófico, mas considerando, a exposição, esses abismos, e nunca pressupor
o conhecimento, por parte do leitor, de certos aspectos elementares da filosofia, que devem e
precisam desde logo ser esclarecidos.
E foi pensando assim que executei essa obra desde uma explanação mais simples até
na Cosmovisão (segunda parte do livro), para tratar dos mais profundos temas de filosofia,
embora ainda de forma sintética, com uma linguagem mais rigorosa.
É possível que muitos dos leitores, que já manusearam livros de filosofia e já tiveram
contato com o pensamento filosófico, encontrem passagens demasiado simples. Mas esses
formarão apenas uma parte dos leitores, e não a maior, e deverão compreender que, se assim
procedo, é por considerar uma das características do nosso povo, o que me leva a usar um método
que correspondia a nossa índole, e possa por isso mesmo, ser de maior e mais geral proveito. Nos
livros sucessivos, que formam a série de minhas obras de filosofia, os temas passarão a ser
tratados, já considerando o conhecimento do que é exposto neste volume, para poder avançar
cada vez mais analiticamente no estudo de matérias, para encerrá-las em uma concreção global,
que é o terceiro estágio do método que escolhi para o estudo da filosofia, e que a experiência já
me mostrou ser o mais eficaz. Após o estudo sintético, segue-se a análise dos temas abordados
abstratamente, para devolvê-los a concreção de que fazem parte, evitando assim, que o estudo da
filosofia se torne, o que em geral tem sido, campo de lucubrações abstratas, para transformar-se
numa ampla visão do mundo e numa metodologia para a própria vida”
Em 1953 surgiu a possibilidade de editar a Enciclopédia de Ciências Filosóficas e
Sociais - seu grande projeto - pelo Instituto Brasileiro do Livro. Entusiasmado escreveu ao diretor
da entidade explicando seu propósito.. Não teve, porém uma resposta positiva. A explanação feita

26
na carta serve-nos de guia para entender como surgiu a idéia desta obra: 67 .”Quando moço,
iniciado nas alegrias e tristezas, nas angústias e felicidades do conhecimento, meu pai me
expunha as fábulas famosas e as explicava, para que lhes entendesse o sentido ético e humano,
comenta-me muitas vezes que era triste para ele verificar que, se o homem conhecia progressos
em certos campos, noutros estagnava desoladamente. E esses setores, dizia-me ele, era o da ética,
o das relações humanas, e sobretudo o da filosofia. Costumava-se chamar a atenção para a
verdadeira maneira de venerar o passado, a qual consistia em aceitá-lo, e levar avante o facho do
conhecimento. Mostrava-me quanta sabedoria há nas fábulas e apólogos, que vinham de
longínquas eras, perdidas origens da memória dos homens, mas ainda ali vivas a dar
ensinamentos. “Precisamos continuar”, dizia-me ele, “Nosso caminho não tem fim, enquanto
brilhe uma lágrima em olhos humanos...” E incitava-me sempre ao estudo, ao saber, a um ideal
de cultura que havia sido o de nossa família, que já dera um Gaspar Dias Ferreira, um José
Ferreira, um Santos Valente, um José Dias Ferreira, um Castelo Branco, e muitos outros. Havia
que continuar, avançar, prosseguir...
Estas palavras construíram em um desejo de ilustração que como uma sede
devoradora invadiu-me a alma e dominou-me totalmente.
Desde então procurei o que fazer nesse setor. E certo dia, ao ouvir uma aula de
filosofia, de um professor que nela me iniciou, afirmava-me ele com tanta clareza a crise que se
estabelecera no conhecimento, no saber epistêmico, que havia necessidade de mais uma vez
tentar-se fundi-lo num único saber, sem divórcio, sem desconfianças, como sempre sucedera nos
períodos mais altos da humanidade, e como depois reconheceria eu ao estudar o ciclo das
culturas.
.Como seria possível fazer-se alguma coisa sem um método?
O método, sim, era necessário achar o método. Desde então ficou para mim esta
interrogação exigente. O saber está estruturado em disciplinas particulares. Como torná-lo num
só corpo, capaz de unificar os esforços e terminar de vez, ou pelo menos tentar terminar, aquela
atitude absolutamente abissal dos séculos XVIII e XIX, e até do nosso, que levou cientistas a
olhar com desconfiança aos filósofos e a estes a olhar com desprezo aqueles?
Analisava as divergências, verificava os argumentos, que eram solidamente
apresentados. Mas o coração dizia-me sempre que não, que era preciso procurar e achar como
reunir o estudo do imanente (que cabe à ciência) ao do transcendente (que cabe à filosofia). E se a
ciência trabalha com juízos de existência e a filosofia com juízos de valor, haveria tal crise entre
a existência e o valor que justificasse um divórcio que tantos desejam acentuar?
Subitamente um dia me surgiu um caminho. Sempre preocupara responder às
perguntas que se formulavam. E se em vez de respondê-las, pensei, procurasse eu o porquê das
perguntas? Em cada pergunta há já um anelo de certo responder, observei. E para chegar à análise
das perguntas teria que penetrar na epistemologia. Teria que invadir o terreno das ciências da
biologia, porque precisava procurar no mais profundo da vida o perguntar.
E desse trabalho ingente muitas coisas foram surgindo, porque não podia deixar de
estudar a fisiologia e outras disciplinas afins à biologia, para alcançar o que me faltava para a
disciplina filosófica. E foi subitamente que percebi que entre a ciência e a filosofia, o divórcio
que se estabelecera, era meramente superficial e implicava apenas uma ignorância dos
representantes de cada lado do saber sobre o saber do outro lado.

67
Carta enviada ao Dr. Augusto Meyer, Diretor do Instituto Brasileiro do Livro, em 22/04/1953.

27
Resolvi, portanto, invadir o estudo dos textos filosóficos, ao mesmo tempo que me
preocupava com o conhecimento da ciência em todos os setores. Acompanhado por alunos
devotados (muitos são estudantes de engenharia, química, filosofia, etc.) pude coligir o material
necessário para a fundamentação das teses que iria apresentar. Mas a preocupação epistemológica
levou-me à construção da Noologia, disciplina, que logo estruturei, para estudar como funciona o
conhecer humano e daí a “Simbólica”. E ao estudar a teoria do conhecimento, em face de
funcionamento bio-psicológico, compreendi que uma teoria do conhecimento caberia uma teoria
do desconhecimento, pois ao conhecer, desconhecemos. E o que desconhecemos é importante.
E como ampliar os meios do conhecimento? Lembrei-me logo que a ciência amplia
os nossos meios com instrumentos que traduzem aos nossos esquemas constitutivos a realidade e
graças a eles escapa, se enfrentada imediatamente, mas que surge mediatamente graças aos
mesmos instrumentos.
Um órganun, portanto. O organum aristotélico não era falso, mas era incompleto.
Examinei então quanto podia neste setor descobrir. Finalmente me surgiu a estruturação da
decadialética e da pentadialética, a primeira trabalhando em dez campos com suas antinomias, e a
segunda em cinco planos concretos, que me permitiriam desta forma colocar qualquer objeto de
estudo, abstraído para a análise, dentro da sua concreção, permitindo que dele conhecesse o que é
cognoscível seguindo esquemas que dispomos, mas também redutível a um maior conhecimento,
desde que empregássemos outros esquemas, que a decadialética permitiria construir.
Ao chegar a este ponto, verifiquei que as diversas colocações filosóficas nada mais
eram que perspectivas laterais, tomadas de um ou outros dos campos ou de suas antinomias ou
dos planos, o que se verificará no decorrer da leitura da Enciclopédia.
Desta forma, verifiquei que, tomando concretamente o estudo dos diversos objetos
particulares tornados abstratos pela conveniência da análise, as tendências estruturalistas, que se
notam na filosofia e nas diversas ciências, encontravam um apoio importante, sem que em nada
viessem a prejudicar o que de valioso havia nas afirmativas concretas de todas as correntes
filosóficas do passado.
Não precisava, deste modo, desprezar mais o passado. E as palavras sábias de meu
pai cresceram de valor dentro de mim, e compreendi que não era imprescindível abandonar a
grande herança do conhecimento humano para citar algo de novo. Compreendi que a separação
entre a ciência e a filosofia, e que parecia estabelecer um divórcio, uma crisis (abismo) entre
ambas, não se fundamentava numa apreciação concreta, mas abstrata.
A ciência incorpora um saber ao saber do passado, cresce com, concresce, é concreta
por isso, enquanto a filosofia substitui, exclui uma idéia por outra. Ora, o método empregado pela
filosofia, por ser originalmente excludente, levaria à excludência, enquanto o da ciência, por ser
includente, levaria à includência.
O problema portanto era o do método. Ora, a decadialética incluía, unia,
concrecionava, e realizaria na filosofia o que sempre se desejou que ela fosse: um repositório do
progresso de conhecimentos e não um mero saber ocioso e inútil, num velho repetir de fórmulas e
de idéias, como já a proclamavam muitos, no intuito oculto de desprezá-la ou desmerecê-la.
As obras de Wertheimer, Kohler, Kruger, Ogden, Jaensch, Guillaume, etc.
apresentavam algo novo para a psicologia. Mas não se podia deixar de reconhecer que a
reflexologia, desde Bechterew, através de Pavlov, e Kostyleff, não se opunha àquela, desde que
a decadialeticamente estudadas? Nem a teoria da assimilação de Piaget, nem os estudos de
Wallon, nem as contribuições aparentemente mecanicistas do grupo dos psicólogos que
acompanhavam Dumas em sua obra.

28
E Peter, na Economia, mostrava ainda, como Grelling e Oppenheim na Lógica e
Muller, na Biologia, e ainda Katz, Adrian e outros na Neurologia, que tal concreção se tornava
possível, e os esforços enviados pelos cientistas se completavam com o que de concreto havia na
filosofia. A estruturação da “Teoria Geral das Tensões”, onde os esquemas estruturais são
estudados em seu aspecto ontológico, aplicável a todo o suceder, vinha, para mim cercar o
trabalho analítico da Enciclopédia, que ora inicio a publicar.
É impossível, numa simples carta, expor o que virá no decorrer da obra. Mas creio ter
dado uma visão clara do que se realizou neste trabalho, bem como o esforço que tive de
dispender para alcançar esta concreção, que tenho absoluta certeza, só trará um benefício às
novas investigações filosóficas, bem como nos dará mais uma prova da possibilidade de
realização em nossa terra, liberta de certas imposições naturais do passado, de uma carga
ancestral de ser teatro de uma realização tão ambiciosa como esta, e que efetuada passará a falar
por sim mesma...”
Não teve uma resposta positiva e continuou a publicar sem contar com qualquer
auxílio institucional as demais obras da Enciclopédia: “Psicologia”, “Lógica e Dialética”, “Teoria
do Conhecimento”, “Ontologia e Cosmologia”, “Tratado de Simbólica”, Filosofia da Crise”, “O
Homem perante o Infinito”, “Noologia Geral”, “Sociologia Fundamental e Ética Fundamental”,
“Filosofia Concreta dos Valores”.
“Filosofia Concreta”, publicada em 1957, estabelece seu modo de filosofar: “Há duas
maneiras de filosofar: a) deixar o pensamento divagar através de meras opiniões; b) ou fundá-lo
em juízos demonstrados a semelhança da matemática. Esta segunda maneira é usada nesta obra,
pois nela a filosofia não é abstrata, mas, concreta, fundada em demonstrações rigorosas. Trata-se
de um novo modo de visualizar a filosofia. A Filosofia Concreta não é uma “síncrese” nem uma
“síncrise” do pensamento humano. Não é um acumulado de aspectos julgados mais seguros e
sistematizados numa totalidade. Ela tem sua existência autônoma, pois seus postulados são
congruentes e rigorosamente conexionados uns aos outros. O valor do pensamento exposto neste
livro não se funda no de autoridade várias da filosofia. A autoridade, e a única que é aceita, é a
dada pelo próprio pensamento, quando em si mesmo encontra sua validez, a sua justificação, pois
cada uma das teses expostas e apresentadas neste livro é demonstrada pelas diversas vias
pensamentais que nele propomos”
Em 1959 editou “Métodos Lógicos e Dialéticos”, onde expõe a nova metodologia
para guiar com segurança o estudioso pelo campo do saber com segurança. Certa vez explicou
como chegara a esta metodologia: “Foi graças aos conselhos de um grande mestre que fui
desenvolvendo e criando para mim uma metodologia que me permite partindo de uma pequena
idéia ir construindo uma série de idéias. É o método que chamamos dialético concreto, o qual
permite partindo de uma idéia fazer uma grande construção. Assim é natural que de um grupo de
idéias eu possa falar longamente sobre elas sem me perder, e sem fugir propriamente da matéria,
mas é um método que também ensino.
Isto foi me ensinado pelo meu mestre que foi aluno de um discípulo de Cuvier, e este
discípulo de Cuvier falava muito a ele sobre aquele caso famoso da rótula. Cuvier com a rótula de
um animal foi capaz de construir a fauna e a flora anti-diluviana. Na época todo mundo achou
uma loucura, uma ficção científica, e depois com o tempo veio se comprovar que Cuvier tinha
razão. Este discípulo inculcou a este meu mestre aplicar aquilo para a Filosofia, aquele método
das comparações, etc., este meu mestre fez uma parte e me transmitiu como uma espécie de
legado, que ele não podia levar avante. Era um filósofo alemão, muito meu amigo. Entregou-me e
disse: “Você que é moço pode fazer isto, continue, leve isto avante.” E eu levei e fui fazendo. Isto
me facilita até a memorização. Como eu tenho todas estas classificações já mentais é como um

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fichário na cabeça, de maneira que quando vou falar num assunto tenho onde buscar, mas é um
hábito que qualquer um pode adquirir e que não quero só para mim, ensino para quem quiser
aprender. Partindo de uma idéia nós podemos saber muito mais do que pensamentos, saber só
partindo de uma idéia, é questão de procurar subordinantes, subordinados, colaterais, é uma
metodologia toda especial. No início coloca-se num papel, depois que se acostuma, faz-se aquilo
mentalmente num segundo. Quando já se tem o hábito então pode-se falar sobre o assunto e com
propriedade. Não se pode, por exemplo, conhecer fatos contingentes, não é possível atingir por
exemplo uma classificação zoológica, para os fatos contingentes, não, mas o que está
subordinado, o que tem subordinação, partir por exemplo do conseqüente para o antecedente, aí
se pode, tudo que possa remontar agora do conseqüente para o sucessivo. Pode estabelecer
possibilidades, probabilidades, mas não pode estabelecer atualidade, a não ser que conheça as
possibilidades do fato que sucedem aqui”.
Numa palestra referindo-se a dialética disse:
“O método dialético é inegavelmente o método mais completo, é o melhor para
estudar, sobretudo na ciência, quando nos dedicamos a um estudo que pertence ao mundo da ação
do homem, ao mundo do pragma, porque trabalhamos aí com entidades que excluem e portanto
não podem ter aquele rigor da lógica clássica. Temos também o que chamo de decadialética. A
decadialética é também um método prático de dialética porque é aplicada sobretudo na vida
prática. Não precisamos trabalhar com a decadialética, por exemplo, nas questões especulativas,
mas sim nas questões práticas. Quando estudamos os temas que correspondem a dramaticidade
humana, a vida humana, estamos envoltos pelo axioantropológico, pelos valores humanos, e
esses valores perturbam muito na própria apreciação dos fatos, porque os fatos passam a ter um
determinado valor segundo a conveniência humana, nos seus aspectos estáticos, dinâmicos e
cinemáticos, consequentemente as valorações são muito distintas e como é difícil afastar da vida
prática, porque toda ela é um ato de vontade tendendo para um fim ou tendente para algo que é
benéfico ao homem, afastar o axioantropológico, afastar o axiológico, há necessidade de, pelo
menos, saber onde ele está presente, saber qual o grau de influência que ele exerce na apreciação
dos fatos. Desta maneira a decadialética oferece um roteiro para todo aquele que desejar estudar
um fato, por exemplo, social ou histórico, ou um fato, digamos econômico, não de economia
pura, mas na economia e no seu desenvolvimento em função da história, da sociologia, etc., ele
pode com este método evitar que as suas apreciações de caráter meramente axiológico possam
perturbar uma visão mais clara dos acontecimentos. Muitos não compreenderam o que
pretendíamos fazer com a decadialética, julgavam que estávamos querendo improvisar qualquer
coisa, não, a decadialética é o resultado, é uma espécie de esquema em dez providências de tudo
aquilo que é conveniente fazer quando se quer estudar um fato, ou algo que corresponda a vida
prática e à filosofia prática.”
Sobre dialética deixou um manuscrito inédito “A Sabedoria da Dialética Concreta”,
em dois volumes, um da parte teórica e o outro da parte prática.
No “Tratado de Simbólica”, trata o símbolo, tendo como ponto de partida o fato de
que o símbolo é a linguagem universal do acontecer cósmico. Justifica a Simbólica como
disciplina filosófica, pois, pode-se considerar todas as coisas no seu aparecer, na forma como se
apresentam, como um apontar para algo ao qual elas se referem. Daí a necessidade do seu estudo.
Nesse livro além de examinar as principais teorias sobre os símbolos, faz uma ampla análise do
mesmo nas religiões, na arte, etc., acompanhado de uma dialética simbólica para interpretação.
Partindo da polissignificabilidade do símbolo e de sua analogia com o simbolizado, favorece essa
dialética um método de interpretação simbólica que, naturalmente, não pode se processar
isoladamente, sem a cooperação de outros elementos, mas, apesar dessa complexidade, não

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impede que se torne mais fácil o papel da interpretação tão importante para os estudos de
filosofia.
Durante uma aula, disse a respeito do livro: “...não o considero uma obra completa no
assunto, é apenas uma sugestão de transformar a simbólica num capítulo da própria Ontologia e
de torná-la desse modo uma disciplina filosófica, capaz de facilitar o estudo das religiões e
também da estética, da mística, etc. Agora pretendo publicar trabalhos mais completos que irão
ampliar aquele, sem que precise modificar nenhuma vírgula daquela obra, apenas ampliar com os
estudos que ultimamente estou fazendo sobre simbólica onde atingi a solução de todos estes
problemas, inclusive de como se fazer uma hierarquia e de como se compreender a simbólica nos
diversos estágios.”
Na ocasião chamou a atenção dos alunos para a importância da simbólica na
interpretação dos livros sagrados. A dialética simbólica, dizia ele, é um instrumento para auxiliar
a hermenêutica. Baseando-se nela fez a interpretação do “Apocalipse de São João”
Pretendia organizar um curso de dialética simbólica e estender seus estudos, o que
não chegou a realizar, deixando, porém, em esboço, através de aulas gravadas. De uma delas é
este trecho: “De forma que a Simbólica, se a primeira vista e a impressão universal é de que ela
oferece tremendas dificuldades para ser construída como ciência, para nós, contudo, depois de
estudarmos a identificação e a analogia do símbolo, a ambivalência, a hierarquia, as referências
segundo as esferas e segundo os graus histórico-econômicos do homem, a divisão dos símbolos
em positivos e negativos, dos símbolos em aspectos superiores e inferiores, distinguindo
claramente o símbolo da alegoria, o símbolo da metáfora, da quimera, somos capazes então de
chegar até a uma construção, não só da semântica simbólica como também da sintaxe simbólica,
a ponto de podermos com ela fazermos então uma verdadeira linguagem nova, que será não a
linguagem do símbolo, mas a linguagem das interpretações simbólicas, isto é, dos conteúdos não
só eidéticos noemáticos como também outros conteúdos, inclusive arquetípico que o ser humano
contém e que estão na linguagem simbólica, que podem ser desse modo reduzido a uma espécie
de metalinguagem. Vamos verificar então, que esta mesma metalinguagem será a metalinguagem
a qual se reduz a ciência e a qual se reduz a própria filosofia que é a Matese. Veremos que a
Matese no fim é a metalinguagem da própria simbólica, da própria ciência, da própria filosofia,
inclusive até da religião.”
Publicou, em 1960, “Pitágoras e o Tema do Número”, visualizando o filósofo grego
sob novos ângulos. Pitágoras tem suscitado as maiores controvérsias e seu pensamento
caricaturizado por autores que não alcançaram sua genuína profundidade. Inconformado com
esta atitude examinou o pensamento pitagórico desde as suas origens e, para consegui-lo entrou
em contato com inúmeras organizações pitagóricas recolhendo todo o material possível.
No prefácio do livro “Pitágoras e o Tema do Número” explica o método usado:
“Seguindo e utilizando sempre os métodos da Filosofia Concreta, que criei para com ela construir
uma visão coerente e sólida do pensamento, cuja justificação ainda farei oportunamente, foi-me
possível realizar obra de doxógrafo, sem porém fundar-me apenas em critérios objetivos, capazes
de dar a solidez desejadas às premissas que minhas teses podem propor. Meu livro é mais obra de
exegese, mas fundada no método que criei para o exame do pensamento filosófico, método que,
para mim tem-se mostrado valioso e criador, e me tem permitido invadir com segurança os
caminhos mais difíceis e também mostrar soluções e nitidez onde outros tem encontrado
penumbra e confusões. Sobre o valor desse método, para os que me lêem, seu julgamento não
será difícil, depois de penetrarem no estudo de minhas obras. Quanto aos que não me lêem, nada
posso dizer-lhes nem tampouco eles sobre o que faço e o que me empreendo.”

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“Este livro, é, já, uma realização do emprego do meu método dialético-concreto, e as
conclusões obtidas estão fundadas em bases reais e históricas, suficientes para assegurar a justeza
das minhas afirmações, as quais sempre procuro demonstrar.”
Deixou uma obra inédita, os comentários aos “Versos Áureos” de Pitágoras. “Resolvi
fazer uma edição dos Versos Áureos de Pitágoras com a tradução integral dos comentários de
Hiérocles, porque, sem dúvida, não só por serem os primeiros comentários a chegarem até nós,
como também, por seu imenso valor abrem campo para que despertemos em muitos setores a
consciência de que a concepção que Pitágoras trouxe ao mundo, provinha de um pensamento
mais longínquo certamente do qual encontramos raízes também em Melquisedec, e no mais
profundo pensamento dos egípcios, que este pensamento vence as características do tempo e
torna-se eternamente atual, apresentando a sua completa validez hoje. Aproveito os comentários
realizados por outros autores, como Fabre d'Olivet, Paul Carton, etc., e faço uma espécie de
síntese que, junto aos comentários de Hiérocles, acrescentando as minhas contribuições”.
O interesse pelas idéias sociais, já manifestado desde a juventude, foi o motivo que o
levou a dedicar-se e aprofundar-se nas variadas correntes ideológicas, conquistando uma visão
ampla, que se concretizou na colocação das questões sociais em bases filosóficas, fugindo das
meras opiniões, que trazem como decorrência natural, a confusão de idéias. Publicou a coleção
“Problema Social”, em 9 vols. A importância desta obra está na colocação e na nova visualização
dos problemas histórico-sociais..
Do “Problema Social” retiramos esta exposição clara e objetiva na abordagem de
temas sociais: “A sociedade nos obriga a ver o estamento não só em seus fundamentos
sociológicos, mas também caracterológicos, éticos, econômicos, jurídicos e históricos. Permitem-
nos também compreender as razões que a levam determinadas respostas, com tal ou qual
intensidade, aos desafios, não só ecológicos como históricos e sociais, a predominância de certas
tendências, que levam alguns povos a seguirem determinado rumo e não outro etc. Os trabalhos
caracterológicos aplicados à história, que empreendemos em nossa obra, são ainda um bosquejo
do que poderá ser feito por outros, que se dediquem mais a fundo ao que nós iniciamos, e mesmo
mós, se nos sobrarem forças e tempo, pretendemos ainda desenvolver tais estudos que apenas
esboçamos.
Em 1965 publicou “Origem dos Grandes Erros Filosóficos”, onde denuncia os velhos
erros já refutados e que ressurgem em nossos dias, apresentando-se como novidades. Em
“Grandezas e Misérias da Logística”, publicado em 1966, coloca a logística no seu verdadeiro
lugar, denunciando aqueles que se dizem seus seguidores, mas que, na verdade, violentam as suas
intenções, a fim de transformá-la numa arma para destruir os aspectos positivos de nossa cultura.
Em “Erros na Filosofia da Natureza” esclarece os erros filosóficos surgidos no campo da
Cosmologia e que poderiam ser evitados, com uma melhor cuidado no emprego lógico e
dialético.
Uma de suas metas era organizar uma “Coleção de Textos Filosóficos”, com a
tradução de textos originais de filósofos gregos com reexposição da matéria e comentários.
Seriam obras utilíssimas, principalmente, para os estudantes de filosofia. Para manter-se fiel ao
autor, consultou os mais famosos comentaristas e estudou o genuíno pensamento na própria
fonte. Traduziu alguns diálogos de Platão dos quais somente foram publicados “Parmênides” com
notas explicativas e “Protágoras” também com interpretação. De Aristóteles, “Das Categorias” e
“Aristóteles e as Mutações” (Da Geração e da Corrupção das Coisas Físicas), com texto
reexposto, acompanhado de notas explicativas e analíticas. A numeração especial possibilita o
confronto com as edições latinas e aos textos gregos mais categorizados. Traduziu também
“Isagoge” de Porfírio com notas e comentários.

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Já doente passou a gravar em fitas magnéticas que, datilografadas foram em parte por
ele corrigidas . Gravou cerca de 50 fitas. Muitas de suas obras foram idealizadas enquanto
proferia as aulas, pois trabalhava melhor no mundo das idéias quando as transmitia oralmente.
Ele narra como lhe vinha a inspiração:
“...porque a idéia da Filosofia Concreta nasceu numa aula, foi assim espontânea. Eu
dava aulas diárias e disse aos alunos: “ Vou suspender as aulas por uma semana porque neste
momento tive uma idéia e vou escrever já.” Então escrevi naquele dia as duzentas e setenta teses
uma atrás da outra, depois foi que desenvolvi a demonstração, porque elas vieram decorrendo de
mim, assim espontaneamente, sem nenhuma busca, foi uma coisa espontânea. No ‘Tratado de
Esquematologia’ as teses de psicologia também foram espontâneas, depois é que fui procurar as
demonstrações que vinham a favor delas. Isto me surgiu numa véspera de carnaval, passei o
carnaval escrevendo. No carnaval, eu reajo. Todos tocam samba, então eu toco Bach, fico
ouvindo os cantos gregorianos, e aquilo me inspira, me cria um ambiente favorável e tudo me sai
espontâneo. Depois é que fui procurar as demonstrações e o que a experiência me apresentava de
favorável para justificar as minhas disposições. Não foi assim um trabalho, mas uma graça, uma
coisa misteriosa...e o subconsciente foi realizando, até hoje ainda não pude compreender
claramente... alguns pontos” Perguntaram-lhe se ficou num estado de abstração. Respondeu:
“Não, comigo se deu assim simultaneamente, eu senti assim simultaneamente as teses, eu vi as
teses que sucessivamente deveriam decorrer, eu as vi simultaneamente e passei para o papel sem
nenhuma esforço. Mozart também dizia que construía um quarteto assim, via os quatro
movimentos simultaneamente e depois o trabalho dele era mecânico, ele apenas passava para o
papel aquilo que tinha se dado para ele já feito. Possivelmente com Bach também acontece, mas
isso não se dá senão em determinados momentos. Eu tive três ou quatro momentos assim, que são
as chamadas intuições, que popularmente se chama intuição, são estas intuições criadores e daí
passei para o papel e depois o trabalho foi então de procurar elementos”.
Em 1967 iniciou a publicação das obras da “Matese da Filosofia Concreta”, que
completavam o trabalho iniciado em “Filosofia Concreta”.
“Atualmente estou terminando o trabalho maior da minha vida, que é a obra de
Matese Magiste, que é a tentativa de reconstruir a suprema instrução dos pitagóricos. “A
Sabedoria dos Princípios” é o título do primeiro volume, seguindo-se “A Sabedoria da Unidade”,
“A Sabedoria das Leis”, e assim sucessivamente, nos quais exponho o pensamento que julgo ser
genuinamente pitagórico que antecede a tudo quanto se fez, e dá o fundamento mais profundo do
saber, porque se desenvolve através de demonstrações rigorosas e apodícticas, suficientes para
permitir a formação de uma nova linguagem, que possa unir os homens dos diversos setores do
conhecimento, evitando os estragos que os especialismos está fazendo atualmente. Desta
maneira, homens provindos de todos os setores do conhecimento humano, podem reunir-se num
pensamento capaz de ligar, polimateicamente, tudo quanto o homem realizou, e oferecendo os
fundamentos que Pitágoras desejou expressar, cujos trabalhos não chegaram até nós senão através
de fragmentos e de obras esparsas e incompletas, que estamos lutando para reunir, graças à
dialética matética, como chamamos, que é uma dialética concreta, que permite ao partir de um
postulado válido de per se, ascender, pela subordinação, e descer também, pelo mesmo caminho,
e buscar os colaterais, e, deste modo reunir concretamente um conjunto de idéias e de verdades,
que estavam dispersas nos diversos setores”.
Certa vez perguntaram-lhe como chegara a esta sabedoria e ele respondeu:
“Estou trabalhando e tenho a convicção de que consegui, consegui alcançar a esta
Matese que vai servir então de ciência arquitetônica, que poderá facilitar a compreensão de todos
os setores terem uma linguagem comum, uma meta linguagem, uma sintaxe universal que pode

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dar a ligação de todas as ciências. Mas tem que ser tudo justificado, muito justificado, e talvez o
trabalho que estou fazendo seja muito longo por causa disso, da justificação, excesso de
justificação. Mas tem que ser, porque os homens são muito divididos pelas paixões, às vezes não
convence um argumento de S. Tomás, não convence um argumento de Leibniz, então tem que
buscar outros argumentos. Mas que é possível, não há dúvida, e é prometido na Bíblia, foi
prometido por todas as grandes religiões. Na Bíblia há centenas de passagens que São Boaventura
colecionou, onde há essa promessa, que é o que ele chama de “Ciência Christi”, a própria ciência
de Cristo que é dada, prometida ao homem, com a qual o homem poderá alcançar o
entendimento. E São Boaventura chega a dizer mais, que essa procura é piedosa e é anti-cristão
não crer nessa possibilidade porque então é como que marcar para todo o sempre a
impossibilidade dos homens se entenderem”.
Das obras da “Matese da Filosofia Concreta” foram editadas: “A Sabedoria dos
Princípios”, “A Sabedoria da Unidade”, “A Sabedoria do Ser e do Nada”. Serão publicadas
oportunamente: “A Sabedoria das Leis”, “A Sabedoria da Dialética Concreta”, “A Sabedoria dos
Esquemas” (Tratado de Esquematologia), “A Sabedoria das Tensões” (Teoria Geral das
Tensões).
Sobre o cristianismo deixou um manuscrito inédito: “Cristianismo, a religião do
homem”, onde demonstra que o cristianismo é a única religião que não depende de raça nem de
ciclo cultural, ela surge de uma revelação através do próprio homem. O cristianismo pede ao
homem que seja perfeito naquilo que lhe é próprio, quer dizer, é a superação do homem. É a
única religião que tem caráter ecumênico e poderá ser a religião do homem para todo o sempre,
pois não depende dos ciclos culturais e das civilizações
Nos últimos anos dedicava-se, sobretudo, ao estudo da religião, com a intenção de
publicar “Deus”(manuscrito inacabado), que culminaria todo seu pensamento numa síntese
global, pois “...consideraria tudo que estou fazendo na minha vida sem valor se não chegasse a
uma possibilidade de divulgar a idéia religiosa de uma maneira mais” sã e mais completa”. E
mais adiante confessou: “O meu desejo foi sempre ter a minha volta pessoas capazes de um dia
ajudar num trabalho de pregação religiosa, mas de pregação séria, independente das seitas,
independentes das diversas igrejas, nesse verdadeiro sentido do cristianismo. a religião do
homem, abrindo as portas, porque nós estamos hoje vivendo uma época de desenvolvimento
técnico e de desenvolvimento científico, de desenvolvimento cultural em muitos aspectos, mas
completamente esvaziada de espiritualidade e sem esta espiritualidade tudo isso é falho, tudo isso
é fraco. Só o cristianismo nos poderá dar uma base que está nos faltando, o homem não pode
viver sem religião”.
Já estava bastante doente quando teve o primeiro contato com a Faculdade Nossa
Senhora da Medianeira, por intermédio do Prof. Padre Stanislaus Ladusãns, S.J., em novembro de
1967, que lhe solicitou um auto-retrato filosófico para sua pesquisa sobre a situação da filosofia
no Brasil. Pretendia ampliar este auto-retrato posteriormente, porém, não chegou a realizá-lo 68 .
Nesta mesma faculdade conheceu o Professor Carlos Beraldo, S.J., que escreveu sua
biografia para a Enciclopédia Filosófica Gallarate. 69 .
Pretendia, em 1968, realizar um curso de extensão universitária, na Faculdade Nossa
Senhora da Medianeira, sobre “Dialética Concreta”, porém seu estado de saúde não o permitiu.
68
Este auto-retrato foi publicado em “Rumos da Filosofia Atual no Brasil”, Edições Loyola, 1975, S.P.
69
“Enciclopédia Filosófica” (seconda edizione interamente rielaborata” Centro di Studi Filosofici di Gallarate – G.C.
Sansoni Editora, Firenze, 1969.

34
Era sua intenção retornar a ter um contato mais assíduo com a Ordem, através da Faculdade,
como atestam estas palavras: “Graças a esta figura extraordinária que é o Pe. Stanislaus
Ladusãns, S.J., surgiu em mim uma nova esperança, e a possibilidade de poder cooperar com
homens bem intencionados para a realização desse vasto e árduo programa cultural e social em
benefício do Brasil e da América Latina, que é da vontade de Deus e que V. Ex.. tão bem
compreendeu 70 .”
Pe. Ladusãns, S.J., reconhecendo o valor de Mário Ferreira dos Santos procurou
difundir sua obra enviando-a para várias bibliotecas católicas da Europa. 71 .
Ele declarou: “Estou realizando uma pesquisa científica sobre a situação atual do
pensamento filosófico, a fim de constatar, com objetividade, em que ponto se encontra a Filosofia
hoje no Brasil, como ela se desenvolve, que metas está visando e que objetivos deve atingir.
Durante esta pesquisa científica, ainda em curso, descobri um Pensador de extraordinário valor –
Dr. Mário Ferreira dos Santos, nascido no dia 3 de janeiro de 1907 e falecido no dia 11 de abril
de 1968. A descoberta deste Filósofo solitário, dedicado a uma intensa atividade de pensamento e
produção literária, surpreendeu-me não pouco e proporcionou-me a grata oportunidade de entrar
em freqüentes contatos pessoais com ele, homem, que ainda não foi encontrado no Brasil 72 .”
Em 1974 saiu publicado o manuscrito “Brasil, um país sem esperança”, homenagem
póstuma da Sociedade de Filósofos Católicos 73 .
A doença, porém, seguia seu curso inexorável e, em abril de 1968 não resistiu a mais
um enfarte. Faleceu no dia 11, uma quinta-feira santa 74 .

PARTE II

Transcrevemos a seguir alguns tópicos do Auto-Retrato, publicado em Rumos da


Filosofia Atual no Brasil. 75 .

Sou natural do Estado de São Paulo, filho de pai português, de família de intelectuais e de mãe
amazonense, de ilustre família cearense. Iniciei meus estudos num ginásio de jesuítas, onde
cursei até os dezoito anos de idade, ingressando, depois, no curso superior, onde me formei em
Direito e Ciências Sociais. Casei-me aos 23 anos, com D. Yolanda Lhullier dos Santos, então
com 19anos, companheira fiel e sempre a estimuladora e inspiradora de meu trabalho. Tenho
duas filhas, Iolanda e Nadiejda, ambas hoje casadas, dedicadas ao estudo, autoras de inúmeras
obras que, com grande êxito, se expandem pelo país, algumas com mais de dez edições.

70
Carta enviada a Pe. Antonio Aquino, S.J., em 09/01/1968.
71
Citamos algumas instituições: Facolta de Filosofia “Aloisianum”, Gallarate, Itália; Facultad de Filosofia Alcalá de
Henares, Madrid, Espanha: Universidad Pontificia Comillas, Madrid, Espanha; Collegio S. Roberto Bellarmino,
Roma, Italia; Biblioteca do Teologado, Innsbruck, Áustria; Facultad de Teologia, Granada, Espanha; Facultades de
Filosofia y Teologia, Barcelona, Espanha; Berchmanskolleg, Pullach, Alemanha.
72
Declaração do Prof. Dr. Pe. Stanislaus Ladusãns, S.J., 18/12/1968.
73
“Humanismo Pluridimensional”, Ed. Loyola, 1974.
74
A missa de 7º dia foi rezada pelo Pe. Stanilaus Ladusãns, na Igreja Imaculada da Conceição, Av. Brig. Luiz
Antonio. Seu túmulo encontra-se no Cemitério Araxá.
75
Edições Loyola, São Paulo, 1976.

35
Mantive sempre uma atitude de Independência e de liberdade, fugindo de toda participação, tanto
quanto possível da vida política e das rodas literárias, por considerar dissolvente o primeiro
ambiente e deletério o segundo. Em silêncio passei os anos estudando, dedicando-me aos
trabalhos de advocacia e ao magistério particular, bem como ao ramo editorial, até que tivesse
meios de poder editar minhas obras, que iniciei, primeiramente, lançando-as sob pseudônimos,
doas quais possuo um número de mais ou menos quinze. Só por volta de 1945 comecei a editar
alguns livros com o meu próprio nome. Procedia assim por saber que havia nascido num país
onde domina o preconceito de que obras de Filosofia não podem surgir e ainda provocam a
desaprovação de muitos, que não toleram a audácia de um brasileiro tentar fazer o que se julga
apenas possível a intelectuais europeus.
Na verdade, registrou-se que os meus livros editados com pseudônimos estrangeiros tiveram
realmente grande venda, sendo que alguns atingiram até dezenas de milhares de exemplares. Mas
quando em 1952 resolvi, definitivamente, enfrentar a realidade e editar os livros com meu próprio
nome, contra a opinião geral de todos, que prenunciavam o completo malogro dessa iniciativa, fiz
uma experiência impressionante. Não só obtive um êxito que foi muito além de minha
expectativa – porque a venda atingiu a números que eu jamais poderia calcular – como muitas de
minhas obras chegaram a ter, no decorrer dos anos, cinco, seis, nove, dez e até doze edições,
alcançando a milhões de exemplares vendidos, o que, à primeira vista, pareceria impossível. Este
fato impressionou-me vivamente, porque, durante todo esse período, não lancei mão de nenhuma
demagogia publicitária, não solicitei a quem quer que fosse neste país a escrever sobre os meus
livros, pois não enviei exemplares a ninguém, de modo a não constrangê-lo a escrever alguma
coisa a respeito de minha obra.
Meus livros foram, pois, entregues ao seu próprio destino, sendo que os leitores foram os únicos
propagandistas que eles tiveram. Foram aqueles que os aconselharam a outros leitores e assim as
obras foram tornando-se conhecidas e procuradas. Nunca foram vendidas, mas compradas; nunca
obtive a menor boa vontade de quem quer que fosse e poucos livreiros se interessaram pela
colocação de meus livros, pois a quase totalidade afirmava que não havia a menor procura de
obras de Filosofia.
Eram os leitores que as procuravam, eram eles que vinham à minha residência buscar os livros e
que me escreviam cartas solicitando as obras. Foi assim que as vendi, sendo que a “Livraria e
Editora Logos Ltda” e a “Editora Matese”, as editoras de minhas obras, estão hoje organizadas e
são, praticamente, as únicas que as vendem, pois poucas editoras ou livrarias no Brasil trabalham
com meus livros, mesmo porque não me interessa a distribuição dos mesmos, dadas as
dificuldades de reedição, que são muito grandes.
Dediquei-me, no decorrer de minha vida, ao estudo e durante grande parte dela, ao magistério
particular. Nunca ocupei nenhum cargo em nenhuma escola, por princípio. Deliberei, desde os
primeiros anos, tomar uma atitude que consiste em nunca disputar cargos que podem ser
ocupados por outros. É uma questão de princípio. Sempre decidi, criar o meu próprio cargo, a
minha própria posição e situação, sem ter de ocupar o lugar que possa caber a outro. O meu lugar
seria exclusivamente meu, criado por mim para mim mesmo. Eis por que não disputo, nunca
disputei, nem disputarei qualquer posição que possa ser ocupada por quem quer que seja.
A minha vida, em síntese, é simplesmente esta.
II. Qual a gênese e o desenvolvimento do seu pensamento filosófico e a sua atual estrutura?
Meu pai, português de nascimento, caracterizava-se por acentuado ateísmo e por uma marcante
tendência anti-clerical. Revelava, em todas as ocasiões, a sua oposição ao clero. Entretanto, tendo
eu, desde cedo, mal aprendera a ler, me interessado por temas filosóficos (e a consciência que
tenho de mim mesmo nasceu da colocação de um problema filosófico que tentei resolver), um dia

36
meu pai me chamou e disse: “Meu filho, para teu bem vou fazer uma coisa que vai escandalizar
os meus amigos: tu vais estudar com os jesuítas”. No dia seguinte, dirigiu-se ao ginásio dos
jesuítas e, segundo o que ele me relatou depois, disse-lhes: “Todos sabem que sou adversário da
Igreja Católica e que a tenho combatido desde moço, mas sei que, para educar, vós, jesuítas, sois
os mais capazes. Meu filho revela propensão para temas filosóficos; não quero exercer sobre ele a
minha ação. Julgo que sois mais competentes do que eu para guiá-lo no conhecimento. De minha
parte, prometo-vos que, em casa, respeitarei sempre as suas idéias”.
Declaradas estas condições, fui aceito. O resultado foi que meu pai passou a ser mal
compreendido pelos companheiros do grupo que ele dirigia, que julgaram a sua atitude uma
verdadeira defecção, o que o levou a afastar-se totalmente das atividades anti-clericais e ateístas.
Com os jesuítas, desde o início, recebi a orientação que me aproximou da Filosofia Positiva, dela
fazendo a espinha dorsal da estrutura filosófica que hoje tenho: a Filosofia Positiva e Concreta.
Positiva no sentido da Filosofia que parte e permanece na afirmação, no que constrói, que
pertence a todos os grandes ciclos culturais da humanidade, mas que encontrou o seu
desenvolvimento máximo no pensamento grego e a sua coroação no pensamento ocidental, sob as
linhas sem dúvida criadoras e analíticas da Escolástica.
Não sou escolástico nem neo-escolástico, porque sigo também outras idéias, aparentemente
afastadas, mas que conciliam, numa síntese, aquele pensamento com o que provém do pitagórico-
platônico, fato que exponho e demonstro em meus livros.
(A III parte trata da relação das publicações, que se encontra nesta monografia).

IV. Missão da Filosofia na vida cultural brasileira hodierna


Posso colocar-me na seguinte posição: nós, brasileiros, por vivermos materialmente o
universal humano, por não termos compromissos históricos que pesem demasiadamente sobre os
nossos ombros, nem tampouco compromissos filosóficos, somos um povo apto para uma
Filosofia de caráter ecumênico, uma Filosofia que corresponda ao verdadeiro sentido com que ela
foi criada desde o inicio.
Parto da posição pitagórica: Pitágoras, diz-se, afirmou que era um amante da
Sabedoria (sophia), da suprema Sabedoria, que cointuímos com a própria Divindade. Este afã de
alcançá-la, os esforços para atingi-la, os caminhos que percorremos para obter essa suprema
instrução (daí chamá-la de Mathesis Megiste, que é a suprema instrução), todo esse afanar é
propriamente a Filosofia.
Assim, posso admitir que há vários caminhos, embora só haja um caminho real.
Como fundamentava Pitágoras, repetido depois por Aristóteles, que a única autoridade na
Filosofia é a demonstração, sendo que esta deve ser apodítica, e, se possível, com juízos
necessários e até exclusivos, a Filosofia construída deste modo só pode ser uma: positiva e
necessariamente concreta, que é a posição que tomo aqui.
Podemos viver o universal, no sentido puramente quantitativo, os modos de ver e de
sentir dos diversos povos, mas não podemos permanecer na situação de ser um povo que recebe
todas as idéias vindas de todas as partes, que não possa encontrar um caminho para si mesmo;
temos de criar este caminho. A minha luta é esta, dar solução aos inúmeros problemas vitais
brasileiros da atualidade, porque a heterogeneidade de idéias e posições facilita a de soluções, das
quais muitas não são adequadas às necessidades do Brasil. O tema é vasto e exigiria um trabalho
especial.
V. Que fazer para que a Filosofia atinja as grandes massas populares e a
juventude brasileira?

37
Fazer a Filosofia atingir as grandes massas populares será em primeiro lugar, obra
que se cingirá a descê-la ao baixo grau de cultura de nossas massas populares. Precisamos estudar
o que devemos fazer para erguê-las até à Filosofia, o que só poderá ser feito através de um
desenvolvimento da cultura nacional – em linhas distintas das atuais, que tendam à Filosofia
Positiva e não à Filosofia negativista e niilista que penetra em nossas escolas.
Quanto à juventude brasileira, este é o mais grave de nossos problemas: somos um
país constituído de jovens, que formam a sua quase totalidade. Dado o baixo grau de cultura que
temos, nossos estudantes passam a formar uma elite intelectual, o que demonstra a inferioridade
em que nos encontramos. Na História, a juventude sempre é o que decorre da sua própria
natureza, apresentando aspectos positivos e negativos. Positivos, pela sua capacidade de ação e
de idealismo; mas negativos, pela sua irreflexão, pelo seu despreparo e apressamento, que a leva
a cair, facilmente, nas malhas dos grandes agitadores e a servir aos interesses de demagogos e
políticos. Em todas as épocas da humanidade, uma parte da juventude mais ativa tendeu à luta a
favor das más causas, facilitando-as. Foram jovens que destruíram o Instituto Pitagórico,
condenaram Sócrates, perseguiram Anaximandro, Aristóteles, assassinaram Hipátia de
Alexandria e perseguiram Santo Alberto, S. Tomás de Aquino, S. Boaventura, quando mestres na
Universidade de Paris; que uivavam pelas ruas pedindo a cabeça de Dante, de Savonarola, de
Giordano Bruno; que acusavam Pasteur de “charlatão” e atiravam pedras em Einstein. Esses
jovens são ativos, eficientes na sua parte destrutiva. Mas há também uma juventude construtiva.
Então, o que nos cabe fazer é orientar a juventude brasileira, dar-lhe suficiente sabedoria: clara,
positiva, concreta, de modo a imunizá-la contra as tendências niilistas, para que possa pôr a sua
capacidade de ação e de idealismo em algo concreto que beneficie o país. Fora disso, nada dará
resultado.
VI. Quais são as correntes filosóficas que a reflexão filosófica deve levar em
conta hoje?
Propriamente, julgamos que todas, porque encontramos hoje, na reflexão filosófica, a
restauração ou o ressurgimento de velhos erros já refutados há séculos e milênios, que passam
por inovações extraordinárias para aqueles que ignoram as aquisições do passado. É necessário,
assim, revisar tudo, para mostrar que muitas novidades atuais nada mais são que velhos erros já
refutados, travestidos de “verdades superantes”.
VII. Dados do progresso das ciências experimentais imprescindíveis para a
reflexão filosófica
Como a pergunta exigiria uma análise longa, sintetizar aqui o que penso, torna-se,
para mim, um trabalho mais difícil do que expor as grandes contribuições que a ciência traz para
as novas especulações filosóficas. Não que esta venha modificar as linhas mestras da Filosofia
Positiva e Concreta; veio, ao contrário, robustecê-las, mas trouxe contribuições que permitiram
abrir campo não só para novas análises, como também para melhor colocação de outros
problemas, além de uma revisão da Metodologia, sobretudo na parte da Dialética Concreta.
Trata-se da Dialética que possa de melhor modo aplicar-se à análise especulativa, para que ela
não se torne meramente abstrata e sem correspondência com a realidade concreta. Basta que
salientemos três pontos importantíssimos da ciência moderna. Primeiro, as pesquisas em torno da
estrutura da matéria sensível, que levaram a ciência a penetrar na constituição da matéria,
afastando-se o conceito de matéria do século dezenove. Temos, assim, uma visão muito mais
profunda e ampla do que aquela que os filósofos anteriores possuíam, também a Filosofia
Positiva de séculos anteriores, aproximando-se a passos gigantescos da concepção que os
pitagóricos haviam apresentado, e que fora considerada por muitos como extravagante, tornou-se
muito mais compreensível. Naturalmente, se alguém considera que o número é apenas o da

38
matemática vulgar, o da extensão, da quantidade, ou o esquema da participação quantitativa, é
lógico que a definição pitagórica de que as coisas são números passa a ter um sentido
demasiadamente brutal e inaceitável. Mas no momento que se compreender que número não é
apenas isso, mas todo o esquema de participação de qualquer espécie de unidade, porque é a
manifestação da unidade sob todos os seus aspectos e, portanto, sob todas as formas
manifestativas em que se exija o numeroso e, portanto, participado, participante e logos da
participação e que, segundo o logos, existem tantos números quantos logoi de participação, já
muda completamente o sentido e então poder-se-á compreender que, segundo todos os possíveis
aspectos em que se possa tomar a unidade, podemos construir matemáticas. A ciência moderna,
graças à penetração da Matemática, de início na parte quantitativa e depois no qualitativo – como
se viu nas graduações – e nos relacionais – como se vê nos funtores – caminha hoje,
inevitavelmente, para uma penetração cada vez maior no caminho que já fora percorrido pelos
antigos pitagóricos.
O progresso científico processou-se e firmou-se na medida em que a ciência se
matematizou; a ciência, por outro lado, separou-se da Filosofia, não devido a essa matematização,
mas em virtude dos filósofos, que não compreenderam bem essa matematização, que deveria ter
permanecido no campo da Filosofia Positiva, se realmente fosse concreta. Por isso, o aparente
abismo hodierno entre Filosofia e ciência pode perfeitamente ser ultrapassado, flanqueado pela
Filosofia Concreta; é o que estamos fazendo com as nossas obras, apesar de muitos julgarem ser
impossível a um brasileiro tentar fazê-lo.
Segundo, ainda no campo da pesquisa da estrutura da matéria, a descoberta das
tensões, sobre as quais os físicos modernos, estarrecidos ante a sua realidade, procuram
escamoteá-la, sem poder enfrentar, devidamente, a implicância que a aceitação desta realidade
exigiria, e que os levaria a uma especulação filosófica para a qual não estão preparados.
A terceira contribuição importante é a referente à genética, que dá novos subsídios
para a melhor compreensão do homem, para novos estudos antropológicos e uma nova reflexão
em torno da significação do ser humano.
Poderíamos citar inúmeros outros aspectos, que também são imprescindíveis para a
reflexão filosófica. Aliás, são tantos, que não caberiam, naturalmente, no espaço que temos para
responder. O que queremos apenas salientar é que devemos compreender que, das causas às leis e
aos princípios de cada ciência, podemos alcançar uma sabedoria que está acima de toda ciência,
uma sabedoria como a estudaram os grandes pensadores de todos os tempos, que é a “Décima
Ciência” dos antigos, de que nos falava São Boaventura.
Essa Ciência, cabe-nos construí-la; será a metalinguagem do homem, unindo todos os
especialistas numa visão global. Essa construção é a nossa grande tarefa atual, para que possamos
aproveitar as grandes contribuições da ciência na elaboração de uma visão filosófica mais
completa, mais perfeita e mais atuante apara um melhor futuro da humanidade. Assim abriremos
campo para novas análises, não mais as que colocavam mal as questões, de modo a torná-las, por
isso mesmo, insolúveis e estéreis suas disputas, mas lançando novas disputas num campo mais
fértil, mais criador, sob aspectos mais seguros, que poderão abrir ao homem novas perspectivas,
com dados extraordinários, em benefício da cultura do homem de amanhã. É diante deste
horizonte, ante esta aurora que se anuncia, que me anima o que tenho realizado, muito embora eu
não seja compreendido por muitos daqueles que se dizem amantes dessa sofia, a Matese, a
sabedoria, a intuição sapiencial.
Posso, agora, completar a minha resposta ao item IV, dando, assim, o sentido da
reflexão filosófica que se pode atribuir ao pensamento brasileiro, se ele quiser ser genuinamente
filosófico. Todos aqueles que, no Brasil, revelaram que possuíam mente filosófica – e não foram

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muito numerosos, porém brilhantes – tenderam sempre para um pensamento de caráter sintético,
isto é, não ficaram totalmente presos Às correntes filosóficas européias e dependentes delas.
Sempre houve, entre nós, o desejo de abarcar o universal e esta característica é naturalmente justa
e própria de um povo que vive em si mesmo este universal. Por isso, o Brasil é, dos países
atualmente existentes, mais capacitado para uma Filosofia universalizante ou, pelo menos, para
uma nova linguagem filosófica, capaz de unir o pensamento que divergiu tão profundamente no
campo já esgotado do pensamento europeu. Aqueles que não pensam assim, que não admitem
essa possibilidade para nós, que continuem vivendo o seu modo de pensar. Nós preferimos,
porém, divergir.
VIII. Colaboração da Filosofia para humanizar a civilização
Esse item pode-se dividir em três: 1º) a humanização da civilização atual; 2 ) a
evidenciação do valor da pessoa humana e 3º) a contribuição para a paz interior e felicidade do
homem.

Primeiro: hoje, sobretudo no mundo livre, graças ao surgimento de um desejo


ecumênico de aproximação dos homens, a humanização da civilização pode ser obtida – em
parte, naturalmente – pela colaboração da Filosofia, pela revisão honesta de todos os grandes
autores do passado, que foram caricaturizados, falsificados e apresentados num sentido que não é
realmente o da sua Filosofia. Poderíamos citar aqui, desde os pitagóricos até o século passado,
autores que precisam ser revisados e reestruturados, para evitar-se aquelas “fables convenues”,
aquelas mentiras históricas, os mitos e as interpretações falsas que se fazem da sua obra, com o
simples intuito de denegri-los ou de favorecer outras posições. Devemos tomar a seguinte
posição: procurando primeiro tudo o que nos une, depois pensemos em estudar o que nos separa,
para ver se, o que nos separa, pode sofrer modificações ou acomodações, que permitam que
aquilo que nos une, fomente a humanização da própria civilização. Daí decorreria, pois,
inevitavelmente, a segunda parte, sobre o valor da pessoa humana que, sem dúvida, sofreu, neste
século, devido ao desenvolvimento dos totalitarismos, uma afronta à sua dignidade. De todos os
lados surge este tema, que pode e deve ser reestruturado em termos positivos e concretos.
Finalmente, resultaria, então, a terceira parte, porque a paz, a tranqüilidade interior, a serenidade
do espírito só podem ser alcançadas quando a mente assenta plenamente na Sabedoria,
alcançando aquelas verdades, que estão ao nosso alcance e que são o fundamento de nossa
verdadeira felicidade.
Seguimos em suma, o preceito de Pitágoras: “Ama a verdade até o martírio; não
ames, porém, a verdade até à intolerância”! Procurando o que nos une realmente com todas as
outras correntes e posições filosóficas, podemos abrir caminho para uma compreensão nos
aspectos em que encontramos diferenças, que, muitas vezes, são apenas acidentais e não aptas a
justificar uma separação profunda. Esse já seria um caminho de maior aproximação entre os
homens, porque, na medida em que nos dedicamos à leitura dos textos, vamos compreendendo a
ação nefasta dos intermediários. Sabemos que, na Filosofia e temos milhares de exemplos para
citar, os intermediários, os discípulos, em regra geral, falsificam a obra dos mestres segundo
determinados interesses. Os adversários caricaturizam segundo outros interesses, e o resultado é a
deformação total do verdadeiro pensamento do autor. A obra apresentada de segunda, terceira ou
quarta mão está completamente desfigurada, o que permite ao autor um ataque fácil, pois não é
difícil destruir caricaturas. Há casos, na Filosofia, em que autores tiveram suas obras refutadas
antes de as terem publicado, eram, pois, obras conhecidas só pelo autor. Muitos livros meus
foram “refutados” antes de serem publicado, pelo simples fato de eu pretender tratar de tal ou
qual matéria. Sem nem ao menos saberem qual a minha verdadeira posição num assunto, já

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haviam adversários para refutá-los. Não em público, porque isso eles não têm coragem de fazer,
mas nos “corredores”.
IX. A filosofia nacional e o pensamento filosófico estrangeiro
Quando hoje se visita Portugal e se vê qual a atitude predominante neste país em
relação ao seu patrimônio filosófico, espanta verificar a completa ignorância sobre o que de
grande já se realizou na Filosofia Portuguesa. Atualmente, nada se estuda, nas escolas, da
Filosofia Portuguesa dos séculos XV, XVI e XVII. Parece que Portugal nada realizou;
desconhece-se que, por quase dois séculos, a Filosofia Portuguesa imperou no mundo.
Desconhecem-se autores como: Petrus Hispano; Antonio a Santo Domínico,.O.P.: Francisco
Suárez, S.J., que embora espanhol, viveu grande parte da sua vida intelectual em Portugal, onde
adquiriu o seu saber, além dos outros dois Francisco Soares, lusitanos; Martim de Ledesma,
espanhol de origem, cuja formação intelectual realizou-se igualmente em Portugal; Francisco a
Cristo, O.S.A., e Egídio da Apresentação, .O.S.A, Andréias de Almada, S.J. ; Ludovico de Sotto
Mairo, O.P.; Gabriel da Costa; Hector Pinto, O S.; Hieron; Francisco da Fonseca, O.E.S.A;
Manoel Tavares, da Ordem carmelitana e Francisco Carreiro, da Ordem cisterciense; Jorge O
Serrão, S.J.; Ferdnando Peres, embora nascido em Córdova, foi outro que adquiriu a sua cultura
em Portugal; Ludovico de Molina, S.J., nascido na Espanha, viveu, contudo, a maior parte do seu
tempo em Portugal, onde estudou e foi discípulo de Pedro da Fonseca, S.J., o Aristóteles
português; Petrus Luís, S.J.; Antônio Carvalho, S.J.; Baltazar Álvares, S.J.; Hieronimus
Fernandes, S.J.; Gaspar Gonçalves, S.J.; Ludovicus de Cerqueira, S.J.; Gaspar Vaz, S.J.; Diogo
Alves, S.J.; Francisco de Gouvêa, S.J.; Ferdinando Rebelo, S.J.; Gaspar Gomes, S.J.; Benedictus
Pereira, S.J.; Sebastião de Couto, S.J.; Blásio Viegas, S.J.; Emanuel de Góis, S.J.; Cosmas de
Magalhães, S.J.; Pedro da Orta, S.J.; João de São Tomás, O.P., para citar apenas alguns, Portugal
nos deu esta floração de filósofos, afora os mais conhecidos, como Sanches e outros, porque
correspondem à atual maneira de filosofar no mundo moderno.
Pergunta-se: Pode-se falar numa Filosofia de Portugal ou apenas numa Filosofia em
Portugal?
Respondo: Pode-se falar, sim, numa Filosofia de Portugal e também numa Filosofia
em Portugal.
Nós, brasileiros, contudo, por um espírito de colonialismo passivo, que nos domina
até hoje, não cremos em nós mesmos. Só damos valor àquilo que tem origem estrangeira, e não
seja de Portugal, porque também esta procedência não goza de nossa admiração. É natural, pois,
que falar numa Filosofia Nacional cause manifestações de completa descrença. Não acreditar que
ela existe, nem tampouco que possa surgir, é atitude geral. Ainda hoje, “famosos professores de
Filosofia” em Portugal dizem que é impossível criar-se uma Filosofia autóctone naquele país.
Para o português, o que vale é: “Penso, logo não existo” ou “Existo, logo não penso”. Podemos
dizer que existe uma Filosofia no Brasil, mas se quiséssemos realmente falar numa Filosofia do
Brasil, tal afirmação exigiria exame. Não conhecemos obra de criação propriamente peculiar. Se
estamos tentando realizar algo nesse sentido, não podemos afirmar, por motivos óbvios, que o
seja. Podemos dizer que, pela nossa completa libertação de um passado metafísico, filosófico,
histórico, que pese sobre nós e entrave as nossas possibilidades de ação, estamos em condições de
criar uma Filosofia Ecumênica, uma Filosofia que seja realmente a Filosofia, por entre os muitos
modos de filosofar.
A heterogeneidade nas modalidades de filosofar surge nos períodos de predominância
do empresário utilitário no contexto de uma cultura. Quando este predomina, prevalece a moda
que penetra em todos os setores: na Filosofia, na Arte etc., como acontece no mundo atual. Esta
variação tremenda de idéias, as quais surgem de todos os lados, não revela nenhuma pujança; é

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ao contrário, um índice de fraqueza, como a do período final da cultura grega e alexandrina. A
Filosofia Positiva (fundada na positividade do ser, que alcança a perenidade, porque atinge as leis
eternas) e Concreta, precisamente, porque, captando estas leis, relaciona todos os matizes de
todos os aspectos formais – para dar-lhes uma unidade superior- é necessariamente Concreta,
embora não no sentido vulgar do termo. A Ciência, felizmente, conseguiu libertar-se da moda,
como o fez a Matemática; por isso, como se construiu uma Matemática, uma Ciência, também se
pode construir uma Filosofia.
Em que o pensamento brasileiro pode beneficiar-se do pensamento filosófico
estrangeiro; reunindo o que há de positivo em todas as grandes realizações, provenham de onde
provierem, construindo, depois, uma nova concreção e oferecendo-a ao mundo. Esta é a única
possibilidade que nos cabe e que estamos em condições de realizar, muito embora a maioria de
nossos intelectuais não creia nisto e negue, terminantemente, que tal seja alcançável por nós,
açulando-se com sanha contra quem tentar fazê-lo.
X. Deve abrir-se a reflexão filosófica para uma visão transcendental da
realidade, na perspectiva das razões metafísicas?
Sem uma visão transcendental da realidade não pode haver Filosofia, porque se esta
se distingue da Ciência por dedicar-se esta ao estudo das causas próximas e a Filosofia às causas
primeiras e últimas, fatalmente esta deverá ter uma visão transcendental da realidade ou, pelo
menos, tocá-la, abordá-la. Ora, além das causas primeiras e últimas, temos de estudar os
princípios, objeto fundamental da Mathesis Megiste – dos pitagóricos que chamamos Matese em
português – cuja elaboração estou realizando em obra especial, que é a Axiomática baseada em
Boécio. É a Décima ciência dos pitagóricos, a Contemplação sapiencial de São Boaventura, a
Sapiência de Santo Tomás etc.
Esses princípios são matéria que constitui, propriamente, o que em todos os ciclos
culturais, em todas as altas religiões se chama de Sabedoria: Sabedoria infusa ou Sabedoria em
que o homem participa da Divindade, ou ainda a própria Sabedoria divina que o homem pode
abordar, tocar e na qual consegue penetrar. São temas que, naturalmente, exigem discussões
sobre os seus principais aspectos. Mas o que é inegável, e não poderá deixar de abranger
nenhuma visão filosófica em profundidade, é que há princípios eternos, leis eternas, que
dominam todas as coisas, as quais não devem ser confundidas com as leis naturais nem com as da
ciência. Este estudo levará, inevitavelmente, a uma visão transcendental da realidade, e sem ele
não se faz Filosofia em profundidade, mas apenas de superfície. Esta tendência, a de uma
Filosofia que não ultrapassa a imanência da esquemática – que o homem pode construir apenas
dentro de sua experiência mais vulgar – predomina no mundo moderno.
XI. Qual é a íntima conexão entre a posição gnosiológica, metafísica e ética;
entre a teoria e a prática?
Parece-nos que aqui há duas perguntas: lª) a que interroga sobre íntima conexão entre
a posição gnosiológica, metafísica e ética e 2ª) a íntima conexão entre a teoria e a prática.
Responderei à primeira, depois à outra. As dificuldades no campo da Gnosiologia, da
Metafísica, inclusive no da Ética, surgem naquele filosofar que coloca o homem quase como um
ser estranho ante o universo, o qual é impermeável para ele. Coloca, assim o homem numa
situação de ser completamente ilhado, bloqueado, sem a menor possibilidade de penetração mais
profunda. As conseqüências deste pensamento pessimista, negativista, são as seguintes: não é
possível, com os nossos meios cognoscitivos, alcançar o que nos transcende e dar, também à
própria Ética, uma visão transcendental. Desta forma existe a tendência a considerar todo o
filosofar do homem apenas como uma obra humana -–restringida, portanto, aos limites de nossa
experiência – fundamentada nos dados de nossos sentidos e meios limitados de conhecimento.

42
Chega-se, ademais, à conclusão de que todo e qualquer esquema que construamos jamais
corresponde à realidade que nos ultrapassa. Estamos em pleno agnosticismo, ceticismo,
pessimismo, ficcionismo, pragmatismo, materialismo, niilismo, “desesperismo”; são
conseqüências que surgiram do filosofar moderno. Portanto, inegavelmente, a reflexão filosófica
deve abrir-se para uma visão transcendental da realidade, sob pena de nos perdermos em
armadilhas feitas por nós mesmos, afirmando uma deficiência que, na verdade, não temos.
A segunda parte da pergunta é importantíssima. Surgem nos gregos as discussões em
torno da teoria e da prática, da Filosofia e da Ciência Especulativa, da Filosofia e da Ciência
prática. Avassalaram a atenção dos filósofos de maior responsabilidade intelectual e, apesar dos
grandes trabalhos realizados – que fazem a nítida distinção entre a teoria e prática – que
chegaram até nós, a maior parte deles é completamente desconhecida para aqueles que não tem
nenhuma ligação com a Filosofia Positiva e Concreta, a qual pertence aos grandes ciclos culturais
da humanidade. Resultado: estamos hoje vivendo uma completa confusão entre teoria e prática.
Estabelece-se determinadas proposições teóricas, julgando-se que elas são perfeitamente práticas
e vice-versa. Algumas proposições, extraídas exclusivamente da prática, passam a constituir
verdadeiros axiomas teóricos. O resultado é que vivemos hoje num mundo de utopias e quimeras;
como conseqüência, há desilusões, cujo resultado final é desespero.
XII. A Filosofia é uma ciência objetiva ou uma produção pessoal, puramente
subjetiva, do pensamento?
Aqui está um ponto de partida, verdadeiro divisor de águas. Desde o momento em
que nos coloquemos na posição de quem pensa que a Filosofia é mera produção pessoal,
puramente subjetiva do pensador, pomos aquela no campo da Estética. Mas se admitimos que a
Filosofia é uma ciência objetiva, isto é, uma busca humana da sophia suprema, que nos ultrapassa
e transcende, ela adquire uma feição completamente distinta. Em todos os ciclos culturais, a
Filosofia Positiva e Concreta é uma ciência objetiva. Em todos os momentos de decadência ou
refluxo, que são vários, ela se torna puramente subjetiva.
A Filosofia Moderna está caindo no subjetivismo. Vimos até a tendência de um
Heisenberg querendo colocar a própria Ciência no subjetivismo, pela sua teoria da
indeterminação. Há necessidade de esclarecer-se, sobretudo para aqueles que querem fazer
Filosofia, o seguinte: se desejam fazer obra puramente subjetiva, dediquem-se à Estética e
deixem em paz a Filosofia, assim como se pede aos positivistas que façam Ciência e não
Filosofia, porque são coisas que devem ser distinguidas, cuja confusão só atrasa o progresso
intelectual da humanidade. Filosofia exige demonstração e não meras asserções. Ademais, não
devemos confundir filósofo com pensador que também trata de Filosofia – e muito menos ainda
com professor de Filosofia. Em nossa época, o professor já se julga “dono” da Filosofia e, neste
caso, há o perigo de se pensar que o fim é uma Filosofia de professores para professores de
Filosofia.
XIII. Que pensar sobre o problema do ateísmo contemporâneo?
Este tema é de uma vastidão tremenda, já que o ateísmo contemporâneo não surge a
rigor de uma especulação filosófica, mas sim, de certas decepções de caráter mais ético do que
filosófico. A meu ver, o ateísmo não surge, propriamente, em torno do Deus Uno e de seus
atributos, mas, em torno dos atributos do Deus Treino, ou Deus pessoal ou dos atributos morais
de Deus. Não conheço nenhum trabalho, de nenhum ateísta, que se limite a atacar,
especificamente, o Deus Uno. Conheço agnósticos e cépticos, mas não ateístas que tomem uma
posição definitiva, negadora da possibilidade de um Ser Supremo. O ateísmo é sempre o produto
de uma má colocação do problema de Deus. Como “na Filosofia não há questões insolúveis, mas
apenas mal colocadas”, o ateísmo moderno parece uma questão insolúvel, porque é mal colocada.

43
Todas as ocasiões em que tive a oportunidade de me encontrar com ateístas, bastou-me pedir-lhes
que descrevessem o que entendiam por Deus, para, nessa descrição, verificar quais as razões de
seu ateísmo. Foi-me fácil afastá-los de sua posição e colocá-los na aceitação de um Ser Supremo,
o que é, para nós cristãos, o ponto de partida para uma total recuperação.
XIV. Em que sentido a reflexão filosófica pode ter tonalidade cristã? Pode o
cristianismo prestar benefícios ao filósofo?
Eis também outra questão que, bem colocada, é de solução fácil. O ponto de partida
está em saber o que se entende por tonalidade cristã. Se considerarmos Cristo sob um aspecto, no
qual podemos encontrar-nos quase todos, isto é, representando Ele o que o homem tem de mais
alto na sua forma perfectiva, caminhando para a Divindade – ou mesmo, neste sentido,
reaproximando-se do Ser Supremo – podemos afirmar que a reflexão filosófica não pode deixar
de ter uma tonalidade cristã. Não pode haver uma reflexão verdadeiramente filosófica que não
erga o homem do menos para o mais. Portanto, o Cristianismo presta e sempre prestou benefícios
ao filósofo, razão pela qual a Filosofia teve o seu maior desenvolvimento sob a égide do
Cristianismo. Será também apenas através da concepção cristã, que se poderá realizar uma
Filosofia superior capaz de unir os homens e fazê-los se compreenderem, pois Cristo representa,
no homem, tudo quanto ele tem de mais elevado. Já dizia Pitágoras que a verdadeira piedade –
aliás, a eusébeia – era a justa e nobre veneração da Divindade, consistindo aquela na prática de
nossos atos perfectivos superiores. Aproximando-nos, pois, de Deus na medida em que
praticamos, de modo mais perfeito, os nossos atos. Em suma: a eusébeia (a verdadeira piedade),
para os pitagóricos, é a assemelhação a Deus. Este conceito não é exclusivo dos pitagóricos, mas
de revelação universal, de todos os ciclos culturais. A verdadeira Filosofia caminha paralela à
Religião, porque, se esta é o caminho para elevar o homem a Deus pelas ações, aquela é o
caminho para elevar o homem – pela meditação, pelo pensamento, pela pesquisa, pela
especulação – também, a Deus. Por isso, a Religião pertence à vida prática e a Filosofia
sobretudo à vida especulativa – o que não impede que a Filosofia especule também sobre a vida
prática e nela atue dentro das normas desta. Isto corresponde à vontade, ao entendimento humano
na sua ação em busca do bem; mas a Filosofia é a vontade e a especulação em busca da verdade.
Consequentemente, o homem, à medida que especula pela verdade, aproxima-se do Ser Supremo
e à proporção que busca o seu justo bem aproxima-se de Deus. Esta é a razão por que o divórcio
entre Filosofia e Religião – que se procurou fazer no mundo ocidental como também já se fez em
outros ciclos culturais, em situações correspondentes a esta – é apenas uma covardia, a ser
substituída por uma atitude heróica, enfrentando, mostrando os defeitos dessa posição e propondo
os verdadeiros caminhos de ascensão.
Visto sob este aspecto, o Cristianismo é universal, porque pertence a todos os ciclos
culturais. Ele foi o pensamento verdadeiro mais profundo de todos os ciclos culturais, sendo, por
isso, inseparável da religião do homem nos seus aspectos perfectivos. É o homem enquanto
Vontade, Entendimento e Amor, correspondendo, na concepção católica, às Três Pessoas da
Trindade. Caminhando neste sentido, retiraremos o homem do pântano em que está afundado, do
estado de desespero no qual imergiu, podendo tornar a oferecer-lhe uma nova perspectiva e
esperança, que poderá solidificar uma fé verdadeira e robusta.

Verbete da “Enciclopedia Filosofica”- Centro di Studi Filosofici di Gallarate.


Firenze, G.C. Sansoni Editorem 1969.

SANTOS, Mário Ferreira dos – Filosofo brasiliano, n.a Tietê (San Paulo) da
famiglia portoghese il 3 genn.1907, m. ivi l'11 apr. 1968.

44
Fece gli studi secondari nel collegio Gonzaga di Pelotas (Rio Grande do Sul) e si
lecenziò in diritto e scienze sociali nell'Università di Porto Alegre. Dopo breve periodo di
avvocatura e insegnamento, si ritirò a vida privata, dedicandosi esclusivamente allo studio della
filosofia e scienze connesse. Fondò a San Paolo due case editrici per la divulgzione delle proprie
opere (Ed. Logos ed Ed. Matese).
Scrittore e pensatore straordinariamente fecondo, in appena tre lustri publicò una
collezione dal titolo “Enciclopédia de Ciências Filosóficas e Sociais” che consta di 45 voll., in
parte di carattere teoretico in parte storico-critico. I più importanti sono: Tratado de Simbólica (5
edd.), Filosofia da Crise (4 edd.), Filosofia Concreta, 3 voll. (5 edd.), Filosofia Concreta dos
Valores (3 edd.), Sociologia Fundamental e Ética Fundamental (3 edd.), Pitágoras e o Tema do
Número (3 edd.), Aristóteles e as Mutações (3 edd.), O Um e o Múltiplo em Platão (3 edd.),
Métodos Lógicos e Dialéticos, 3 voll. (5 edd.), Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais, 4
voll. (5 edd.), ecc.
La sintesi filosofica del F. dos S. è ad un tempo tradizionale e personale. Utilizzando
le più recenti scoperte intorno a Pitagora, fatte specialmente dall'Associazione internazionale dei
Pitagorici sotto la direzione del dott. Sakellariou, dell'Università di Atene, tenta una conciliazione
fra la pitagorica Mathesis Megiste e la sapienza infusa di s. Tommaso, como è presentata
specialmente nel commentario del De hebdomadibus di Boezio. Essa si otterrebbe, secondo lo
stesso Aquinate, per mezzo di una “cointuizione sapienziale” e di un certo “istinto divino”. In
questo M. F. dos S. fa consistere la filosofia come scienza, o meglio super-scienza e sapienza dei
principi in quanto principi. Essa è concreta, cioè ci fa conoscere la realtà stessa delle cose nelle
loro intime radici e non solo problematica e probabile. Essa potrà gettare un ponte tra la
metafisica e la religione cristiana rivelata, e potrebbe costituire un nuovo metodo di apologetica e
catechesi specialmente adatto algi ambienti colti di oggi. Raccogliendo in un sintesi più profonda
gli elementi di convergenza dei maggiori filosofi, da Plitagora, Platone, Aristotele e s. Tommaso,
Scoto e Suárez, e interpretando com maggior oggettività, alla luce delle contingenze storiche del
pensiero, i punti di divergenza, F. dos S. elabora un sstema al quale, in omaggio a Pitagora e per
il metodo dialettico adottato, há dato il nome di Matese .Ad esso há dedicato una serie di opere,
già pronte e in corso di pubblicazione. Comprenderà 15 voll., fra i quali: Sabedoria dos
Princípios, Sabedoria da Unidade, Sabedoria do Ser e do Nada, Sabedoria das Tensões,
Sabedoria das Leis Eternas, ecc.
Alla filosofia moderna e contemporanea F. dos S. rimprovera atteggiamenti negativi,
come: soggettivismo e astrattismo, scetticismo, finzionismo, nichilismo, disperazionismo..., e ne
denuncia i frutti nefasti nel libro dal titolo significativo Invasào Vertical dos Bárbaro (1967).
Tuttavia nei grandi maestri della filosofia moderna scopre e mette a profitto verità parziali di non
poco valore. Esemplo di ció è la sua interpetazione di Nietzsche, al quale, oltre la traduzione
portoghese delle opere principali, ha dedicato varie monografie. Meritano di essere citati anche
alcuni lavori letterari, como Curso de Oratória e Retórica (1953 12 edd.), Técnica do Discurso
Moderno (5edd.), Práticas de Oratória (5 edd.), e vari volumi di divulgazione, como Convite à
Filosofia, Convite à Psicologia Prática, Convite à Estética, tutti alla 6ª ed.
Apostolo indefeso e solitario della “sapienza” nel senso tradizionale antico, M. F. dos
S. si è sforzato di formulare una filosofia che, rimanendo sempre aperta a nuovi problemi, fosse
alto stesso tempo, di nome e di fatto, “perenne “ ed “ecumenica”.
C.Beraldo

Tradução

45
SANTOS, Mário Ferreira dos – Filósofo brasileiro, n. em Tietê (São Paulo), de
família portuguesa, aos 3 de janeiro de 1907, fal. Aos 11 de abril de 1968. Fez seus estudos
secundários no colégio Gonzaga de Pelotas (Rio Grande do Sul) e licenciou-se em direito e
ciências sociais na Universidade de Porto Alegre. Após ter exercido, por breve período advocacia
e o ensino, retirou-se a vida privada, dedicando-se exclusivamente ao estudo da filosofia e das
ciências conexas com a mesma. Fundou em São Paulo duas casas editoras, para a divulgação das
suas obras (Ed. Logos e Ed. Matese). Escritor e pensador extraordinariamente fecundo publicou
em menos de quinze anos, uma coleção com o título de “Enciclopédia de Ciências Filosóficas e
Sociais” que abrange 45 volumes, em parte com caráter teorético, em parte histórico-críticos. Os
mais importantes são: Tratado de Simbólica (5 ed.), Filosofia da Crise (4 ed.), Filosofia
Concreta, 3 vols. (5 ed.), Filosofia Concreta dos Valores (3 ed.). Sociologia Fundamental e Ética
Fundamental (3 ed.), Pitágoras e o Tema do Número (3 d.), Aristóteles e as Mutações (3 ed.), O
Um e o Múltiplo em Platão (3 ed.). Métodos Lógicos e Dialéticos, 3 vols. (5 ed.), Dicionário de
Filosofia e Ciências Culturais,4 vols. (5 ed.) etc.
A síntese filosófica de F. dos S. e, ao mesmo tempo, tradicional e pessoal.
Aproveitando as descobertas mais recentes sobre Pitágoras, realizadas especialmente pela
Associação Internacional do Pitagóricos, sob a direção do Dr. Sakellariou, da Universidade de
Atenas, ele procura uma conciliação entre a pitagórica Mathesis Megiste e a sabedoria infusa de
..S. Tomás, especialmente como é apresentada no comentário De Hebdomadibus de Boécio. Ela
conseguir-se-ia, segundo o próprio Aquinate, por meio de uma co-intuição sapiencial e de certo
instinto divino. Nisto, segundo M. F. dos S., consiste a filosofia como ciência ou melhor como
super-ciência e sabedoria dos princípios. Ela é concreta porque nos faz conhecer a própria
realidade das coisas em suas íntimas raízes, e não tem por objeto idéias a priori; deve ser
positiva, quer dizer construtiva e não puramente crítica e negativa; ela é apodítica e não só
problemática e provável. Ela poderá lançar uma ponte entre a metafísica e a religião cristã
revelada e poderia constituir um novo método de apologética e de catequese especialmente dado
aos ambientes culturais de hoje. Juntando numa síntese mais profunda os elementos de
convergência dos maiores filósofos, desde Pitágoras, Platão, Aristóteles até Sto. Tomás, Scot,
Suarez e integrando com maior objetividade, à luz das contingências históricas de cada
pensamento, os pontos de divergência, F. dos S. elabora um sistema ao qual, em homenagem a
Pitágoras, e por causa do método dialético empregado, deu o nome de Matese. Ao mesmo
consagrou uma série de trabalhos já prontos e em via de publicação. Ela constará de uns 15
volumes, entre os quais salientamos os títulos seguintes: Sabedoria dos Princípios, Sabedoria da
Unidade, Sabedoria do Ser e do Nada, Sabedoria das Tensões, Sabedoria das Leis Eternas, etc.
F. dos S. acusa a filosofia moderna e contemporânea de atitudes negativas, como
subjetivismo, abstratismo, cepticismo, ficcionismo, nihilismo, desesperacionismo... Ele aponta os
frutos deletérios de tudo isto num livro recente ao qual deu o título significativo de Invasão
Vertical dos Bárbaros (1967). Entretanto nos grandes mestres da filosofia moderna descobre a
aproveita verdades parciais de relevante valor. Ele nos deixou um exemplo disto na sua
interpretação de Nietzsche, ao qual, além da tradução em português das obras principais, dedicou
várias monografias. Merecem ser citados também alguns trabalhos literários, como : Curso de
Oratória e Retórica (1953- 12 ed.), Técnica do Discurso Moderno (5 ed.), Práticas de Oratória
(5 ed.), e vários volumes de divulgação, como Convite à Filosofia, Convite à Psicologia Prática,
Convite à Estética, todos já n 6ª edição.
Apóstolo incansável e solitário da sabedoria no sentido tradicional e antigo, M. F.
dos S. se esforçou por formular uma filosofia que, embora ficando sempre aberta a novos
problemas, fosse ao mesmo tempo, de nome e de fato, “perene” e “ecumênica”

46
Quem foi este filósofo?

"Estou realizando uma pesquisa científica sobre a situação atual do pensamento


filosófico brasileiro, a fim de constatar, com objetividade, em que ponto se encontra a Filosofia
hoje no Brasil, como ela se desenvolve, que metas está visando e que objetivos deve atingir.
Durante esta pesquisa científica, ainda em curso, descobri um Pensador de extraordinário valor -
Dr. Mário Ferreira dos Santos, nascido no dia 3 de janeiro de 1907 e falecido no dia 11 de abril
de 1968. A descoberta deste filósofo solitário, dedicado a uma intensa atividade de pensamento e
produção literária, surpreendeu-me não pouco e proporcionou-me a grata oportunidade de entrar
em freqüentes contatos pessoais com ele, homem que ainda não foi descoberto no Brasil". 76
A ele se referiu o Dr. Carlos Aurélio Motta de Souza, seu ex-aluno:
"Fue un pensador completo, que há buscado sin rechazar nadie en sus estudios y
pesquisas, pero tan sólo ha refutado lo que no fuera positivo, y no llevara al hombre a conocerse
en su totalidad.
Por eso, y en esse sentido, fue un gnoseólogo humanizante, de pensamiento total, que
nada excluye del hombre ni de este desvalorice.
La extrema fecundidad del trabajo de Mário Ferreira dos Santos nos ha legado una obra
filosófica grandiosa que, como tal, permanece a la disposición de los estudiosos.
Restan, todavía, decenas de trabajos inéditos, que merecen ser conocidos, no sólo para
memoria del extraordinario pensador, sino para coronamiento de una obra producida en los
momentos de su mayor intuición filosófica.
Relegada progresivamente a planos inferiores de la cultura, urge rescatar la filosofía
humanizante, centrada en la realidad del ser supremo, esta filósofo há buscado incesantemente la
integración humanística, abordando el ecumenismo, buscando la unidad, procurando "un método
capaz de reunir los aspectos positivos de diversas posiciones filosóficas", "método includente y
no excludente, que concilia positividades", combatiendo al mismo tiempo las filosofias nihilistas,
negativistas y pesimistas, que alienan, desesperan y dividen el hombre y el mundo, sin darles la
debida concreción, y la certeza del bien supremo.
Bien por eso ha concluido su auto-biografía apuntando hacia la reconciliación de la
filosofía com la religión cristiana, como filosofía superior capaz de unir los hombes y hacer que

76
Declaração Prof.Dr.Pe.Stanislavs Ladusãns S.I. (18-12-1968)

47
se compreendan, pues para él, Cristo representa todo cuanto hay de más elevado, es el hombre en
cuanto voluntad, entendimiento y amor, correspondiente a la concepción de las tres personas de
la Santísima Trinidad". 77
O filósofo Olavo de Carvalho, apesar de não tê-lo conhecido pessoalmente, dedica-se ao
estudo de sua obra, trabalhando na organização dos escritos inéditos:
"Cultuado e respeitado, temido e odiado em vida, Mário tornou-se, uma vez morto,
objeto de uma conspiração de silêncios destinada a abafar o mais paradoxal dos escândalos: este
país sem cultura filosófica deu ao mundo um dos maiores filósofos do século, talvez de muitos
séculos.
A obra de Mário não tem similar, nem por sua extensão oceânica, mais de cem volumes
publicados e trinta inéditos, nem pela orientação muito peculiar de seu pensamento, onde as
influências mais díspares, de Sto. Tomás a Nietzsche, de Pitágoras a Leibniz, de Platão a
Proudhon, se harmonizam numa síntese radicalmente original.
Um dos segredos dessa originalidade é justamente a absorção e superação de um imenso
legado filosófico. Dono de uma cultura prodigiosamente vasta, Mário se ocupou de buscar, na
filosofia universal, as constantes ocultas, os pressupostos latentes que, por trás da variedade e dos
antagonismo aparentes entre os sistemas, configurassem o quod semper, quod ubique, quod ab
omnia credita est (aquilo que todos, em toda parte, sempre acreditaram). E não somente
encontrou um núcleo de princípios que estruturam algo como uma unidade transcendente das
filosofias, mas ainda o formulou em expressão sistemática e lhe deu variadas aplicações na
solução de alguns dos mais difíceis problemas da metafísica, da teoria do conhecimento, da ética
e da filosofia da história.
Para sondar esse sistema de princípios, que ele denominava, usando uma expressão
pitagórica, mathesis megiste ( ensinamento supremo ), Mário criou um método próprio, a
dialética concreta, que sintetiza a lógica analítica tradicional com a lógica matemática e com as
dialéticas de Aristóteles, Hegel e Nietzsche (um método de espantosa flexibilidade) que lhe
permite levar suas demonstrações até requintes de evidência que superam tudo o que a mente
mais rigorosa poderia exigir". 78

77
"Mário Ferreira dos Santos y su filosofia concreta". Madrid, Revista Verbo, série XXX. Núm. 29-296, mayo-junio-
julio 1991.
78
"Futuro do Pensamento Brasileiro". Rio de Janeiro, Faculdade da Cidade Editora, 1997.

48
Bibliografia de Mário Ferreira dos Santos

Seção I – Enciclopédia das Ciências Filosóficas


Primeira Série
I Filosofia e Cosmovisão. São Paulo: Edanee, 1952 (6.ed., São Paulo: Logos, 1961).
II Lógica e Dialéctica. São Paulo: Logos, 1953 (5.ed., São Paulo: Logos, 1964).
III Psicologia. São Paulo: Logos, 1953 (5.ec., São Paulo: Logos, 1963).
IV Teoria do Conhecimento (Gnosiologia e Criteriologia). São Paulo: Logos, 1954 (4.ed.,
São Paulo: Logos, 1964)
V Ontologia e Cosmologia. São Paulo: Logos, 1954 (4.ed., São Paulo: Logos, 1964).
VI Tratado de Simbólica. São Paulo: Logos, 1956 (5.ed., São Paulo: Logos, 1964).
VII Filosofia da Crise. São Paulo: Logos, 1956 (5.ed., São Paulo: Logos, 1964).
VIII O Homem perante o Infinito: Teologia. São Paulo: Logos, 1956 (5.ed., São Paulo: Logos,
1963).
IX Noologia geral: A Ciência do Espírito. São Paulo: Logos, 1956 (3.e., São Paulo: Logos,
1961).
X Filosofia Concreta. São Paulo: Logos, 1957 (4.ed., revista e ampliada, São Paulo: Logos,
1961, 3v.).
Segunda Série
(A) Publicados
XI Filosofia Concreta dos Valores. São Paulo: Logos, 1960 (3.ed., São Paulo: Logos, 1964).
XII Sociologia Fundamental e Ética Fundamental São Paulo: Logos, 1957 (3.ed., São Paulo:
Logos, 1957 (3.e., São Paulo: Logos, 1964).
XIII Pitágoras e o Tema do Número. São Paulo: Logos, 1956 (2.ed., São Paulo: Matese, 1965),
Ibrasa, 2000.
XIV Aristóteles e as Mutações (tradução e comentário de Da Geração e da Corrupção das
Coisas Físicas, de Aristóteles). São Paulo: Logos, 1955 (2.ed., São Paulo: Logos, 1958).
XV O Um e o Múltiplo em Platão (tradução e comentário do Parmênides, de Platão). São Paulo:
Logos, 1958.
XVI Métodos Lógicos e Dialécticos. São Paulo: Logos. 1959 (4.ed., revista e ampliada, São
Paulo: Logos, 1965, 3v.)

49
XVII Filosofias da Afirmação e da Negação. São Paulo: Logos, 1959.
XVIII Tratado de Economia.. São Paulo: Logos, 1962, 2v.
XIX Filosofia e História da Cultura. São Paulo: Logos, 1962, 3v.
XX Análise de Temas Sociais. São Paulo: Logos, 1962, 3v. (2.ed., São Paulo: Logos, 1964).
XXI O Problema Social. São Paulo: Logos, 1964 (2.ed., São Paulo: Logos, 1064).
XXII Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. São Paulo: Matese, 1963, 4v. (4.ed., São
Paulo: Matese, 1966).
XXIII Origem dos Grandes Erros Filosóficos. São Paulo: Matese, 1964.
XXIV Grandezas e Misérias da Logística. São Paulo: Matese, 1967.
XXV Erros na Filosofia da Natureza. São Paulo: Matese, 1967.
XXVI Das Categorias, de Aristóteles (tradução, notas e comentários). São Paulo: Matese, 1960
(2.ed., São Paulo, Matese, 1965).
XXVII Isagoge, de Porfírio (tradução, notas e comentários). São Paulo: Matese, 1965.
XXVIII Protágoras, de Platão (tradução, notas e introdução). São Paulo: Matese, 1965.
XXIX O Apocalipse de S. João: A Revelação dos Livros Sagrados. São Paulo: Cone Sul, 1998.
(B)Inéditos
XXX Comentários a S. Boaventura. Original datilografado, 100p.
XXXI As três críticas de Kant. Original datilografado, 226p.
XXXII Comentários aos “Versos Áureos” de Pitágoras. Original datilografado, 88p.: mais
tradução dos Comentários de Hiérocles, 57p.
XXXIII Cristianismo, a Religião do Homem. Original datilografado, 69p.
XXXIV Tao-Te-Ching,de Lao-Tsê (tradução e comentários). Original datilografado, 85p.
(B) Dispersos e Fragmentos
XXXV Filosofia e Romantismo. Inacabado. Original datilografado, 42p.
XXXVI Brasil, País de Excepção. Inacabado. Original datilografado, 50p.
XXXVII Santo Tomás e a Sabedoria – e outras palestras inéditas. Transcrição datilografada,
159p.
XXXVIII Enéadas, de Plotino. Tradução. Original datilografado, 179p.
XXXIX De Primo Principio, de John Duns Scot. Tradução. Original datilografado, 68p.
XL Da Interpretação, de Aristóteles. Tradução. Original datilografado, 36p.
Terceira Série

50
(A) Publicados
XLI A Sabedoria dos Princípios. São Paulo: Matese, 1967.
XLII A Sabedoria da Unidade. São Paulo: Matese, 1968.
XLIII A Sabedoria do Ser e do Nada. São Paulo: Matese, 1968 (póstumo), 2v.
XLIV A Sabedoria das Leis Eternas. Introdução, edição e notas por Olavo de Carvalho. São
Paulo: É Realizações, 2001.
(B) Inéditos
XLV Dialéctica Concreta. Original datilografado,196p.
XLVII Tratado de Esquematologia. Original datilografado, 215p.
XLVII Teoria Geral das Tensões. Inacabado. Original datilografado, 131p.
XLVIII Deus. Original datilografado, 228p.
Seção II – Livros Avulsos
I O Problema Social. São Paulo: Logos, 1962 (2.ed., São Paulo, Logos).
II. Curso de Oratória e Retórica. São Paulo: Logos, 1953 (12.ed., São Paulo: Logos)
III O Homem que Nasceu Póstumo: Temas nietzscheanos. São Paulo: Logos, 1954 (3.ed., São
Paulo: Logos).
IV. Assim Falava Zaratustra. São Paulo: Logos, 1954 (3.ed., São Paulo: Logos).
V Técnica do Discurso Moderno. São Paulo, Logos, 1953 (5.ed., São Paulo: Logos).
VI Práticas de Oratória. São Paulo: Logos, 1957 (5.ed., São Paulo: Logos).
VII Curso de Integração Pessoal. São Paulo: Logos, 1954 (6.ed., São Paulo: Logos).
VIII Análise Dialética do Marxismo. São Paulo: Logos, 1954.
IX Páginas Várias. São Paulo: Logos, 1960 (10.ed., São Paulo: Logos).
X Assim Deus Falou aos Homens. São Paulo: Logos, 1958 (2.ed., São Paulo: Logos).
XI Vida não é Argumento. São Paulo: Logos, 1958 (2.ed., São Paulo: Logos).
XII A Casa das Paredes Geladas. São Paulo: Logos, 1958 (2.ed., São Paulo: Logos).
XIII Escutai em Silêncio. São Paulo: Logos, 1958 (2.ed., São Paulo: Logos).
XIV A Verdade e o Símbolo. São Paulo: Logos, 1958 (2.ed., São Paulo: Logos).
XV A Arte e a Vida. São Paulo: Logos, 1958 (2.ed., São Paulo: Logos).
XVI A luta dos Contrários. São Paulo: Logos, 1958 (2.ed., São Paulo: Logos).
XVII Certas Sutilezas Humanas. São Paulo: Logos, 1958 (2.ed., São Paulo: Logos).
XVIII Convite à Estética. São Paulo: Logos, 1961 (6.ed.., São Paulo: Logos).

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XIX Convite à Psicologia prática. São Paulo: Logos, 1961 (6.ed.,São Paulo: Logos).
XX Convite à Filosofia. São Paulo: Logos, 1961 (6.ed., São Paulo: Logos).
XXI Dicionário de Pedagogia e Puericultura. São Paulo: Matese, 1965. 3v.
XXII Invasão Vertical dos Bárbaros. São Paulo: Matese, 1967

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