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arquiteturismo ISSN 1982-9930


128.04 paisagem construídaano 11, nov. 2017

Art Nouveau, a arquitetura de Paris


Thiago Augusto Ferreira da Costa


Grand Palais, Paris, França
Foto Thiago Costa, 2015

Desde as obras provindas da Exposição Universal de 1900, o Grand Palais e a


Torre Eiffel, por exemplo, até a contemporânea Fundação Louis Vuitton,
exemplos clássicos da organicidade das formas mostram que o Art Nouveau nunca
deixou de ser “novo”, e nunca o deixará.
Um novo século chegou depois que a Europa viu dinastias de direito divino em
apogeu e queda. Passou-se a Revolução Francesa e a burguesia viu a tomada e a
perda do poder de Napoleão Bonaparte, além de uma série de consequentes
conflitos que culminaram na Primeira Guerra Mundial. Houve ainda a supremacia
inglesa nos sete mares e a sua consequente Revolução Industrial, trazendo à
Europa novas tecnologias e a mudança no "gosto" artístico e nas relações
sociais.
O cenário era paradoxal. Prosperidade versus exploração do trabalhador
industrial, progressos intelectuais versus briga por colônias na África,
Sudeste Asiático e Pacífico, dentre outras incoerências. Apesar disso, houve o
período da Belle Epoque, antes mesmo da Primeira Guerra, marcado pelo aumento
do poder de compra e que suplantou o Fin-de-siècle, justamente aquele período
antecessor conhecido pelo medo de uma “Nova Revolução Francesa” e surgimento
de novas teorias sociais, segundo Eugène Weber (1).
Os motivos decorativos começavam a alinhar-se com as novidades tecnológicas da
engenharia e novos clientes despontavam: as indústrias. Eles almejavam
fábricas funcionais, mas ao mesmo tempo, não abriam mão do pensamento
progressista. Assim surgiam novos ambientes mais adequados ao conforto e
segurança dos operários, como já havia sido feito na Chocolateria Menier
(1870) com sua estrutura em aço autoportante aparente, nos arredores de Paris.

Chocolateria Menier, Região de Paris, França


Foto Thiago Costa, 2015

Pesquisas sobre a resistência dos materiais desde o século 17 lavaram às


inovações do século 19. Em Paris, o metal foi utilizado na estrutura da
Biblioteca Nacional (1868) nos mais de 300m de altura da Torre Eiffel (1889) e
em Les Halles (demolido em 1971). No entanto o Art Nouveau não queria um
retorno ao passado lírico, mas uma "nova arte" que utilizava novas
possibilidades para o desafio da explosão populacional e do desenvolvimento
econômico. Refusava-se a simetria e explorava-se o efeito das curvas,
frequentemente com motivos fitomórficos, orientais e femininos, utilizando o
material como elemento ornamental. Ferro e vidro eram materiais excelentes
para a arquitetura, deliberadamente lançados na construção de edifícios.
Salão Oval da Biblioteca Nacional, Paris, França
Foto Thiago Costa, 2015

Torre Eiffel, Paris, França


Foto Thiago Costa, 2015

O Art Nouveau teve muitos nomes. Lançado pelo belga Victor Horta, em Bruxelas,
a partir da inauguração do Hôtel Tassel, em 1894, o movimento arquitetônico da
riqueza decorativa e renúncia ao passado ganhou seu nome a partir da loja do
alemão Samuel Bing. Aberta em Paris, em 1895, dedicava-se à venda de produtos
artísticos de vanguarda, criados por Toulouse-Lautrec, Lalique, Beardsley,
Will Bradley (ilustrador americano), Gallé, Tiffany, dentre outros. Era a
ideia de romper com o passado e com as academias dos séculos 18 e 19. Nesse
contexto, a chamada "arte pela arte" fez do Art Nouveau uma "doença
decorativa", como era conhecido à época. Suas formas sinuosas, explorando
motivos naturais e estamparia japonesa, foram imediatamente associados ao Art
Nouveau.
Em 1902, Auguste Perret (1874-1954) lançou moda na arquitetura da capital
francesa, pois saía do papel o primeiro edifício residencial cujo esqueleto
era feito inteiramente em concreto armado, na 25-bis Rue Franklin e a sua
decoração inteiramente ornamentada com motivos fitomorfos. Segundo Janine
Casevecchie (2), faltava aos jovens arquitetos do fim do século 19 a
autorização para modificar os gabaritos definidos pelo Barão de Haussmann
(1809-1891) aos edifícios de Paris. Assim, durante vinte anos, o Art
Nouveau abandonou essa função estética do imóvel, e a capital francesa foi o
centro desse movimento, muito mais por seu status de cidade mundial das artes
do que pela superioridade de seus artistas.

Edifícios com gabarito definido por Haussmann, Paris, França


Foto Thiago Costa, 2015
Edifício 25-bis Rue Franklin, Paris, França
Foto Thiago Costa, 2015

Em Paris, Hector Guimard foi quem melhor e mais impôs um estilo Art Nouveau na
arquitetura, mas não somente por ter desenhado suas 167 entradas para o metrô.
Influenciado por Viollet-le-Duc, admirador da arte japonesa, realizou o Castel
Béranger com apenas 27 anos. Ele assim concebeu mais de trezentos imóveis nos
arredores de Paris, nas cidades de Passy e Auteuil.
Outro arquiteto, mas de imaginação delirante, Jules Lavirotte, quase inventou
o imóvel ''vestido'', graças às cerâmicas de Alexandre Bigot, segundo Janine
Casevecchie (3). Lavirotte cobria fachadas inteiras de imensos painéis
cerâmicos e os decorava com figuras de animais fantásticos ou esculturas, nas
quais se podiam ver diversos símbolos sexuais, como por exemplo na 29 Avenue
Rapp.

A seguir, vamos conhecer melhor quatro ícones dessa época, além das duas
principais obras já citadas de Guimard – as entradas do metrô e o Castel
Béranger – e aquela de Lavirotte, ainda a suntuosa cúpula das Galeries
Lafayettes.

Hector Guimard fez uma casa para uma jovem viúva, Elisabeth Fournier. Um
imóvel de trinta e seis apartamentos, pequenos e confortáveis, conhecido como
Castel Béranger. Segundo Casevecchie (2014), a arquitetura é livre à
imaginação de Guimard, utilizando-se diferentes materiais e não hesitando à
mistura de cores, o que não era somente novo, mas impensável na época. Outra
inovação foi a utilização do ferro forjado, o que era exclusivo às estações de
trem e usinas. Na fachada, uma surpresa, a pedra esculpida e duas colunas que
ornam a porta de ferro fundido e placas de cobre. Esse projeto foi mantido em
segredo por bastante tempo, visto a concorrência da época que obrigava os
arquitetos a isso.

Para Guimard, a estrutura metálica de ferro fundido, que corresponde à escada


de serviço e aos balcões, é tão úteis quanto decorativas. Há figuras de diabos
e máscaras por todos os lugares, nas portas, nas janelas e nos balcões,
fazendo-a ser conhecida também como "casa dos diabos".

Castel Béranger, Paris, França


Foto Thiago Costa, 2015
Porta principal do Castel Béranger, Paris, França
Foto Thiago Costa, 2015

Apesar de um rígido concurso de arquitetura, o diretor da Companhia Geral de


Transportes Parisienses delegou à Guimard a responsabilidade de projetar
diversos tipos de entradas para o metrô de Paris, como relata Casevecchie
(2014). Aquela de Porte Dauphine, em formato de edícula, é a única que resta
nessa forma, com estrutura em ferro fundido, baldrame de pedra e vidro na
cobertura. Ela ainda conserva seus painéis de metal esmaltado de cor laranja.

Entrada da Estação Porte Dauphine, Paris, França


Foto Thiago Costa, 2015
Lavirotte teve mãos livres para realizar o imóvel na Avenue Rapp (Figura 10),
adornando-o com um simbolismo erótico também manifesto na sua exuberância e na
decoração. No entanto, Alexandre Bigot teve um papel crucial na realização
dessa fachada inteiramente coberta de cerâmica. Os lintéis cruzados, as
colunas e as janelas em bolha, as balaustradas, todas em cerâmica, de cores
variadas de acordo com cada pavimento. Os balcões em ferro fundido em "golpe
de chicote" fazem parte do processo. O talento de Alexandre Bigot e de Jean-
Baptiste Larrivé, escultor, contribuíram largamente para a atribuição, em
1901, de uma recompensa do concurso de fachadas de Paris.

Especialistas, segundo Casevecchie (2014), evocaram as características


eróticas da fachada, a começar pela porta de entrada, comparada a um membro
viril. A representação de uma Adão um pouco triste, ao lado de uma Eva
totalmente chateada, traz à tona os fantasmas da arquitetura. Mas o humor é
longe de ser ausente dessa exuberância.

Edifício na 29 Avenue Rapp, Paris, França


Foto Thiago Costa, 2015
Detalhe da porta principal do Edifício 29 Avenue Rapp, Paris, França
Foto Thiago Costa, 2015

Detalhe da fachada do Edifício 29 Avenue Rapp, Paris, França


Foto Thiago Costa, 2015
Inscrição do Arquiteto Lavirotte na fachada do Edifício 29 Avenue Rapp, Paris,
França
Foto Thiago Costa, 2015

Somente quatro lojas sobreviveram à época gloriosa descrita por Emile Zola em
"Alegria das Mulheres". Nos anos 1900, viu-se florir a Printemps, a
Samaritaine, o Bon Marché e as Galeries Lafayette, todas no estilo Art
Nouveau, segundo Janine Casevecchie (4). A Samaritaine desapareceu e o Bon
Marché foi luxuosamente modernizado. Somente a Printemps e as Galeries
Lafayette guardam as lembranças dos “anos loucos”.
Quando entramos nessa magnífica loja, não podemos deixar de admirar, no alto,
a vidraçaria à 33 m de altura, de inspiração Art Nouveau e bizantina. O
arquiteto Fernand Chanut, em 1908, imaginou essa obra constituída de dez faces
de vidraria pintada, encerrada em uma armadura metálica, ricamente esculpida
de motivos florais. Para as balaustradas, os pavimentos inferiores e a grande
escadaria, Chanut chamou Louis Majorelle, que o ajudou a pôr de pé essa
glória.
notas
1
WEBER, Eugène. France Fin-de-Siècle, Harvard University Press Cover. Boston, 1988.

2
CASEVECCHIE, Janine. Paris Art Nouveau, Hachette Livre, Éditions du Chêne. Paris,
2014.

3
Idem, ibidem.

4
Idem, ibidem.

sobre o autor
Thiago Augusto Ferreira da Costa é arquiteto e urbanista pela UTFPR (2017) e
Bacharel em Segurança Pública pela APMG (2009), trabalhou no IBGE (2010) e foi
Pesquisador no Observatório de Conflitos Urbanos de Curitiba (2012-2014). Além
disso, estagiou em Planejamento Urbano no IPPUC (2016) e, em 2014/2015, foi
bolsista Capes/CNPq em Paris, desenvolvendo como projeto final uma intervenção em
edifício do século 13.

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