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Estilos de Ensino de Música


Malcolm J. Tait, U.S.A
Tradução: Lúcia Barrenechea

O ensino de música é um processo extraordinariamente complexo, envolvendo várias interações sutis


entre professor e aluno. Embora características individuais e de personalidade possam influenciar a eficiência
do ensino, o profissionalismo é determinado mais pelo que fazemos do que pelo que somos. Portanto, nosso
maior desafio está em entender esses comportamentos que determinam um estilo particular de ensinar. Esse
artigo considerará três categorias principais de comportamento do professor no processo educativo: eles são
o diagnóstico das necessidades musicais do aluno e os comportamentos verbais e não verbais selecionados
para atender a essas necessidades.

Comportamentos de diagnósticos
Quando diagnosticamos problemas musicais, normalmente focamos em aspectos técnicos, conceituais ou
expressivos. Algumas vezes os problemas são detectados antes da aula acontecer e dessa maneira permite
que algumas estratégias sejam selecionadas, mas outras vezes, problemas surgem espontaneamente durante
uma aula e eles devem ser abordados imediatamente. Há três tipos de problemas mais freqüentemente
diagnosticados no ensino da música. Primeiro, o diagnóstico de um problema técnico.
Este tipo de diagnóstico é, com freqüência, baseado na observação visual, pois ele é detectado por meio
da percepção de uma má postura, manuseio incorreto do instrumento musical, ou um movimento inadequado
de qualquer tipo.
Segundo, o diagnóstico de um problema conceitual. Este tipo de diagnóstico é baseado na observação
auditiva, e está ligado a aspectos tais como qualidade sonora, articulação rítmica, fraseado, uso de uso de
cantabile, dinâmica ou algum outro elemento musical com necessidade de modificação.
A terceira área de diagnóstico tem a ver com problemas de expressividade. Aqui, o diagnóstico enfoca
sutilezas estéticas e aquelas qualidades ímpares que cada aluno traz para uma performance. Quando
diagnosticamos problemas de expressividade, estamos lidando com sons que queremos projetar, ou dar
significado e sentido artístico.
Alguns professores diagnosticam problemas em cada uma das três categorias muitas vezes numa
mesma aula. Outros professores diagnosticam em uma categoria por períodos mais longos de tempo. Aulas
que são inteiramente dedicadas a problemas técnicos obviamente exigem muito de crianças cujas conquistas
técnicas são pouco desenvolvidas. Por outro lado, diagnósticos técnicos podem ser mais apropriados num
nível mais avançado. Da mesma maneira, uma forte ênfase em problemas conceituais por meio de audição
analítica pode conduzir a uma quebra de concentração e cansaço com alguns alunos, enquanto que outros
podem reagir de maneira entusiástica. Como professores, todos temos pontos fortes e áreas de interesse e se,
por exemplo, sentimos que expressividade é o nosso ponto forte, nossos alunos podem desenvolver uma
grande expressividade, mas, espera-se que não seja à custa de não saber por que e o quê estão fazendo ou
como estão fazendo aquilo. Se o equilíbrio pode ser mantido ao diagnosticar problemas nas categorias
técnica, conceitual e expressiva, então é provável que o aluno irá relacionar o que ele faz ao que ele ouve e
sente. Entretanto, diagnosticar é um processo complexo e é quase sempre difícil de determinar se um
professor de fato diagnosticou um problema específico. Por esta razão, devemos examinar os
comportamentos verbais e não verbais do professor com muito cuidado, pois são esses comportamentos que
fornecem insight para o processo de diagnóstico.

Comportamentos não verbais


Consideremos, portanto, uma segunda categoria de comportamentos do professor, os
comportamentos não verbais. Antes de tudo, a imitação física. A imitação física pode ser uma conseqüência
de um problema diagnosticado que é claramente de ordem técnica, ou pode estar ligada a problemas
conceituais ou de expressividade. Por exemplo, um professor pode fazer um gesto de uma qualidade de som
imaginada, como um legato ou staccato ou sons densos, ou sons que se tornam intensos, ou flutuantes ou que
explodem. Reger é obviamente a forma mais desenvolvida de imitação física e requer habilidade para
imaginar, antecipar e modificar uma gama enorme de qualidades musicais, inclusive qualidades expressivas.
Uma segunda forma de imitação ou comportamento não verbal tem a ver com imitação auditiva.
Neste caso o professor ou regente emprega um repertório de sílabas que são cantadas de tal maneira que
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propicia um modelo aural de qualquer coisa que se deseje. Isso não seria cantarolar nem cantar, mas sim um
tipo de híbrido, retirado de ambos, e que pode ser mais bem definido por silabação. Algumas vezes a
silabação pode enfatizar uma articulação rítmica, em outras vezes uma frase, uma gradação dinâmica ou uma
qualidade de entonação. De qualquer maneira, uma imitação auditiva possivelmente acompanhada de palmas
ou outro tipo de gesto físico pode substituir muitas palavras. O ato de gesticular ou fazer a silabação clarifica
e ajuda explicitar aquelas coisas que são percebidas implicitamente na música. Devemos explorar nosso
repertório de sílabas em termos de variedade e expressividade para poder utilizar o potencial completo da
imitação auditiva.
Uma terceira área de comportamentos não verbais envolve imitação musical, na qual o professor
apresenta uma imagem musical completar daquilo que é desejado. Neste caso, o professor dá forma à música
ao cantar ou tocar no instrumento. Alguns professores empregam esse tipo de imitação com bastante
freqüência, enquanto que outros professores nunca se utilizam dessa estratégia com seus alunos. O perigo
mais óbvio com esse comportamento é que o aluno pode acabar imitando do professor sem estar consciente
do porquê a música está sendo interpretada daquela determinada maneira, ou até mesmo se dar conta de
como está sendo interpretado.
Há, é claro, uma variedade de combinações de comportamentos não verbais. Imitação física e aural
freqüentemente acompanham uma à outra, assim como a imitação física e a musical.
Para muitos de nós, a imitação é uma reação espontânea e intuitiva para problemas diagnosticados, e
não uma série de escolhas cuidadosamente e conscientemente planejadas. Temos a tendência de nos apoiar
em comportamentos não verbais para reforçar comportamentos verbais, ou como substitutos quando nossos
vocabulários verbais se esgotam. Um repertório não verbal de estratégias de ensino representa um recurso
valiosíssimo e deveria ser objeto de estudo intensivo.

Comportamentos verbais
A terceira categoria de comportamentos de um professor de música enfoca o uso verbal. Os
comportamentos verbais de um professor podem ser derivados de três áreas básicas. Eles são vocabulários
profissional, comportamental e experimental.
Um vocabulário profissional está ligado ao fenômeno sonoro; isto é, como o som é produzido, quais
componentes estão presentes e de que maneiras esses componentes interagem entre si. Há uma precisão e um
grau de objetividade neste vocabulário que foi desenvolvido ao longo dos anos e para aqueles iniciados na
área, ele oferece o meio mais efetivo para descrever o fenômeno sonoro. Se estamos preocupados com a
questão de como o som é produzido, empregaríamos palavras como postura, entonação, articulação, ataque,
dedilhado, embocadura, etc. Estas são palavras com uma conotação física, no sentido de como o instrumento
pode ser manuseado ou como os sons são produzidos no instrumento. São palavras que constituem o
primeiro subgrupo dentro de um vocabulário profissional.
Um segundo subgrupo tem a ver com a natureza dos sons que estão presentes, os componentes do
som, ou seja, elementos musicais e formas. Palavras como melodia, ritmo, harmonia, textura, tom,
crescendo, acento, dinâmica, rubato, frase, binário, coda, sonata, etc poderiam ser empregadas. Este
subgrupo abrange muitas palavras e algumas delas podem ser bem sofisticadas.
Um terceiro subgrupo se refere às maneiras como os componentes ou elementos do som interagem
entre si. Normalmente caracterizamos este subgrupo em termos de propriedades estéticas numa composição:
propriedades que inclui formato, design, espaço, padrão, linha, cor, densidade, direção, unidade, variedade,
estilo, variação, equilíbrio, clareza e perspectiva.
O segundo grande vocabulário disponível para um professor de música é o vocabulário
comportamental. Se queremos que o aluno analise, defina, localize, compare, relacione, classifique, liste, ou
compile, estamos encorajando processos mentais que são basicamente lógicos, dedutivos e lineares por
natureza. Por contraste, se pedimos para que o aluno imagine, explore, sinta, improvise, procure,
experimente, modifique, ou reaja, estamos encorajando processos que são mais ligados a comportamentos de
sensações que de pensamentos; eles são processos não lineares; são processos imaginativos, criativos, e
divergentes que constituem uma parte significativa da maneira como nossas mentes funcionam em várias
situações.
Um terceiro subgrupo no vocabulário comportamental está ligado ao compartilhamento de
comportamentos; comportamentos que representam uma projeção de comportamentos de sensações e
pensamentos, e, portanto, mais acessíveis e observáveis. Se queremos os alunos compartilhando ações na
aula de música, então temos que estimulá-los a contar, interpretar, mostrar, reger, mover, acompanhar,
perguntar, interagir, e expressar, entre outras coisas. Compartilhar comportamentos em música é altamente
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educativo e intensamente compensador. Eles implicam num ambiente de aprendizagem que encoraja
confiança e cooperação, além de alegria em descobrir coisas.
Aqui estão alguns exemplos de vocabulário comportamental, colocados em termos de questões e
afirmações. Primeiro, comportamentos de pensamento: Compare esses padrões rítmicos...Identifique o plano
de dinâmica...Compile uma lista de fontes sonoras...Agora, alguns comportamentos de sensação: Imagine
que você foi capturado por um monstro; qual desses trechos descreve melhor o que você está sentindo?...Por
quê?...Finalmente, alguns comportamentos de compartilhamento: Expresse o caráter dessa frase com um
gesto ou expressão facial.
O terceiro grande vocabulário é chamado de experimental. O vocabulário experimental usa palavras
que ajudam a descrever como vivenciamos música: palavras que nos ajudam a integrar autoconhecimento
com conhecimento musical. Aqui, novamente, podemos identificar três subcategorias dentro do vocabulário
experimental. O primeiro subgrupo está ligado à imagem. Podemos, por exemplo, imaginar eventos bem
específicos, tais como cenas pastorais, eventos religiosos, paisagens, ou podemos imaginar uma séries de
cores ou formas. Podemos imaginar pessoas, animais, ou eventos sobrenaturais. Muitos compositores nos
encorajam a vivenciar música dessa maneira ao fornecer títulos literários ou narrativas que acompanham suas
obras.
Numa segunda subcategoria, o vocabulário se torna mais metafórico e empregamos palavras
relacionadas a sentimentos ou movimento; palavras tais como irado, calmo solitário, agitado, inspirado,
orgulhoso, renovado, assustado, etc.
O terceiro subgrupo no vocabulário experimental abrange qualidades mais abstratas que são
intrínsecas ao ato de viver e seu processo. Chamamos esse vocabulário de análogo. È mais abstrato que a
imagem ou a metáfora, mas é também mais profundamente significativo pelo fato de que caracteriza
provavelmente a maneira mais fundamental de vivenciar a música. Neste caso empregaríamos palavras tais
como estabilidade, crescimento, gravitação, desvio, complexidade, expectativa, relaxamento, consistência,
queda, distorção, extensão, novidade, inibição, modificação, etc.
Alguns exemplos do uso do vocabulário experimental na sala de aula poderiam ser: Você pode fazer
a música fluir?...Esta seção soa fragmentada...Você tem que zunir através dessa seção como um
foguete...Aos meus ouvidos, sua interpretação soa um pouco árida...Vamos ver se você consegue flutuar
através da barra de compasso em vez de pular no tempo forte...Você consegue criar uma sensação de
relaxamento quando projetar essa frase?...Temos que manter o momentum neste trecho para que a vitalidade
não seja inibida.
Assim como temos uma tendência natural para diagnosticar problemas com mais freqüência em uma
área que em outra, vamos perceber nosso uso de vocabulário com mais peso em uma área que em outra.
Podemos também detectar que nossos alunos são encorajados a analisar ou identificar mais freqüentemente
do que a imaginar ou sentir. Se nos limitamos a usar não mais que meia dúzia de palavras experimentais, tais
como vivo, feliz, devagar, triste, entediante e suave, então temos trabalho a fazer!
Talvez não tenhamos ainda percebido a força potencial da linguagem como uma ferramenta para
auxiliar no crescimento musical. Há, sem dúvida, certa pobreza verbal em alguns estilos de ensino musical
que é difícil de justificar. Entretanto, devemos ser cuidadosos no sentido de não procurar os tipos de
vocabulários de precisão que são comuns em algumas profissões, pois eles com certeza iriam limitar os
significados e insights que tentamos promover.

Perfis de estilo de ensino


Agora que já consideramos os três comportamentos fundamentais de professores de música –
diagnóstico, imitação e uso de vocabulário - , estamos numa posição melhor para entender estilos
particulares de ensino. Considere alguns exemplos. Professor A, que trabalha com alunos em nível avançado,
pode ter o seguinte perfil estilístico de ensino: predominantemente diagnóstico técnico apoiado por um
vocabulário profissional e imitação física. Professor B, em situação semelhante, pode demonstrar um estilo
predominante de diagnóstico expressivos combinado com vocabulário experimental e imitação musical.
Professor C, novamente em situação semelhante, pode demonstrar comportamentos observados nos
professores A e B, mas, além disso, Professor C pode freqüentemente fazer diagnósticos conceituais apoiado
pela imitação auditiva e um vocabulário comportamental. Esses exemplos são claramente especulativos e
lidam com categorias amplas de comportamento, mas eles servem para indicar os tipos de perfil que podem
emergir.
Pode-se dizer que essa flexibilidade de estilo de ensino é um fator importante que contribui para
determinar a eficiência de determinado professor, e precisa estar relacionado ao tamanho do grupo, o
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material humano, idade do aluno, localização da aula, necessidades de motivação e outros fatores. Seria
valioso saber se determinados estilos de ensino emergem por ser característicos de certos grupos. Por
exemplo, até que ponto um local urbano ou suburbano influencia a utilização de meios verbais e não verbais?
Sabemos que ensaios geralmente envolvem mais comportamento verbal que não verbal, mas e se essa
relação fosse revertida? Há muitas coisas desconhecidas aqui e em vez de listar os estilos de ensino num tipo
de ordem hierárquica, precisamos desenvolver melhor a capacidade em descrever o que, de fato, estamos
fazendo em determinados momentos.
Devemos também ser capazes de perceber mudanças de comportamento em nossa atividade de
diagnosticar, com suas respectivas características. Algumas vezes diagnosticamos muitos problemas numa
seqüência rápida e bombardeamos nossos alunos com vocabulários vívidos, para depois professor e aluno
saírem da sala exaustos. Algumas vezes fazemos o oposto e daí nossas habilidades em diagnosticar ficam
paralisadas e recorremos a ensaios repetitivos na esperança de que determinados trechos musicais melhorem.
Podemos também, às vezes, ficar entediados ou frustrados em algumas dessas aulas. Obviamente, temos que
desenvolver sensibilidade considerável ao nosso próprio estilo de ensino para que o aluno se envolva
também e possa absorver os eventos à medida que eles acontecem durante a aula.
Um professor pode utilizar diferentes comportamentos verbais e não verbais baseado no diagnóstico
de um problema conceitual, Numa situação em sala, a escolha parece ser entre as necessidades da música e
as necessidades do aluno ou um pequeno grupo de alunos. Espera-se do grupo maior que ele ceda para
atender as necessidades do naipe de sopranos, ou da dificuldade que uma aluna tem para afinar um trecho, ou
da necessidade de um aluno que não consegue entender a duração de um ponto de aumento numa partitura.
Nessas circunstâncias, um professor deve ter um largo repertório de comportamentos apropriados.

Estabelecimento de relações
Uma área final deve ser considerada em relação a estilos de ensino de música, e essa é o
estabelecimento de relações, ou a habilidade de desenvolver relações entre fenômenos dessemelhantes.
Alguns professores têm uma habilidade especial em ensinar a detectar relações; eles fazem esforços
consistentes para construir pontes entre diferentes tipos de conhecimento e experiência, para que o aluno
desenvolva relações significativas e construa saberes mais inteiros.
Numa aula de música, o estabelecimento de relações tem a ver com problemas de diagnóstico como
uma modificação técnica e uma mudança de qualidade sonora, ou uma questão conceitual sobre frase, ligada
com uma forma estética em particular. Em termos mais gerais, devemos relacionar o que é ouvido com o que
está sendo considerado, e com o que se está sentindo. Devemos relacionar o que4 percebemos com a maneira
que reagimos, e com o que lembramos ou imaginamos. Num plano maior, devemos relacionar processo
musical e experiência musical com o processo de vida e a experiência de vida. Se temos sucesso nestes
termos, então talvez a vida em si possa se transposta para um novo tom. À medida que as ligações
desenvolvem e relações mais complexas são vivenciadas, o significado e o valor aumentam. Portanto,
devemos estudar este aspecto de estilo de ensino com o maior vigor possível.
Concluindo, gostaria de dizer que às vezes tenho a impressão que os professores se sentem de certa
maneira supérfluos no processo educativo; obscurecidos talvez pelos currículos grandiosos, exigências
administrativas e etc. O professor pode fazer diferença, mas devemos responder pelo nosso comportamento
se queremos que o aluno responda pelo dele. Tenho a sensação que estamos começando a afiar nossos
sentidos dessa área e o processo promete ser interessante.

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