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"TURCO NACIB"( "GABRIELA")

PORQUE OS SÍRIOS E LIBANESES ERAM CHAMADOS DE TURCOS

Turco como sinônimo de árabe, especialmente sírio e libanês, é um brasileirismo informal,


descuidado com as particularidades da cultura alheia, mas não é gratuito. Para sondar sua
motivação temos que embarcar numa viagem que começa na Idade Média e vai até a segunda
década do século 20, marcos de nascimento e morte do Império Otomano.

Sob a liderança da dinastia otomana, os turcos radicados na região da Anatólia chegaram a


exercer sobre diversos povos vizinhos um domínio que incluía, em seu auge, não apenas o
Oriente Médio, mas o norte da África e o sudeste da Europa. Quando, em 1453, tomaram
Constantinopla (hoje Istambul, maior cidade da Turquia), decretaram o fim do Império
Romano do Oriente, também conhecido como Bizantino, e para muitos historiadores o fim da
Idade Média.

A decadência do Império Otomano começou no século 19 e se agravou rapidamente até sua


extinção, em 1922. No núcleo do ex-império foi criada então a República da Turquia. No
entanto, quando começaram a chegar ao Brasil grandes levas de imigrantes árabes, sobretudo
libaneses e sírios, entre o fim do século 19 e o início do 20, suas terras ainda eram dominadas
pelos otomanos. Fugir da opressão era um dos motivos que os empurravam para o Novo
Mundo, o que torna o fato de ficarem conhecidos aqui como turcos uma ironia – e uma
crueldade – da história.

Mas por que isso aconteceu? A explicação mais óbvia está nos documentos de viagem turcos
que os recém-chegados traziam. Em sua novela “A descoberta da América pelos turcos”, Jorge
Amado expõe o caso assim: “Os primeiros a chegar do Oriente Médio traziam papéis do
Império Otomano, motivo por que até os dias atuais são rotulados de turcos, a boa nação
turca, uma das muitas que amalgamadas compuseram e compõem a nação brasileira”.

É interessante reparar como, ao modo festivo típico da segunda fase de sua obra, o escritor
baiano, na mesma frase em que registra a inadequação – não muito diferente, como processo
linguístico, daquela que transformou paraíba em sinônimo pejorativo de nordestino em geral –
a assimila e celebra. A “boa nação turca” não é propriamente turca, mas isso deixa de ter
importância no momento em que ela se funde à “nação brasileira”, vista como capaz de
dissolver esses e outros conflitos.

(recebida do Nasser em 07.10.2019)

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