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SÃO NICOLAU, BISPO E CONFESSOR: O MARAVILHOSO E A VIRTUDE

HERÓICA

Em 1993, uma equipe de arqueólogos descobriu na ilha de Gemile,


Turquia, um centro de peregrinações composto de quatro igrejas, um
caminho processional e uma quarentena de prédios em torno do
primeiro túmulo de São Nicolau (+ 326).

O conjunto foi arrasado pelo furor maometano, mas as relíquias do


santo foram salvas e levadas a Myra, e hoje se veneram em Bari
(Itália).
A história do santo bispo, que numa noite de Natal lançou pela janela
os dotes a três moças pobres, possibilitando assim seu casamento,
está na origem da tradição dos presentes natalinos.

A deturpação hodierna de São Nicolau deu no Papai Noel mas não


desqualifica em nada essa bela tradição.

Enquanto o Natal se aproxima é proveitoso conhecermos mais da


vida desse santo que marcou tão a fundo os costumes cristãos.

O Bem-aventurado Jacques de Voragine, arcebispo de Genova,


escreveu uma história do Santo cheia de unção poética. A festa é o 6
de dezembro.

O NOME Nicolau vem de nichos, que significa “vitória”, e leos, que quer dizer
“povo”; por isso, Nicholaus é como que “vitória do povo”, isto é, sobre os vícios
que são mais vulgares e mais vis; ou quer dizer vitória do povo porque, com a
sua vida e a sua doutrina, ensinou muitos povos a vencer os vícios e os
pecados. Ou Nuholaus vem de nichos, que é “vitó¬ria”, e laus, “louvor
vitorioso”. Ou ainda, de nitor (brancura) e leos (povo), como se significasse
“bran¬cura do povo”, pois teve em si tudo o que faz a bran¬cura e a limpeza.
De facto, segundo Santo Ambrósio, a palavra divina limpa, a verdadeira
confissão limpa, a santa meditação limpa e a boa obra limpa. A sua história foi
escrita pelos doutores Argólicos; segundo Santo Isidoro, Argos é uma cidade
da Grécia e, por isso, os Argólicos também se chamam gregos. Lê-se noutro
lugar que o patriarca Metódio a escreveu em grego e só depois, João, o
Diácono, a traduziu para latim, fazendo-lhe muitos acréscimos.

São Nicolau nasceu na cidade de Patras, de pais santos e ricos. O pai,


Epifânio, e a mãe, Joana, geraram-no na primeira flor da juventude e
viveram a partir de então em continência, levando uma vida de
celibatários.

DIZ-SE QUE no primeiro dia em que o lavavam se pôs de pé na


bacia; além disso, às quartas e sex¬tas-feiras só mamava uma vez.
Chegando à juventude, evitava as lascívias dos outros jovens,
preferindo entrar nas igrejas e decorar o que lá podia ouvir acerca da
Sagrada Escritura. Quando seus pais morreram, começou a pensar
em como haveria de gastar as suas enormes riquezas, não para os
louvores dos homens, mas para a glória de Deus.

Então, certo nobre seu vizinho pensou prostituir as suas três filhas
virgens por falta de recursos, para, com o infame comércio delas, se
poder sustentar. Quando o santo homem soube, ficou horrorizado
com o crime e atirou uma quantidade de ouro envolvida num pano
através de uma das janelas da casa onde ele morava e regressou à
sua às escondidas.

Sao Nicolau salva as moças numa noite de Natal, Lübeck, Annenmuseum


Quando chegou a manhã, o homem encontrou aquela quantidade de
ouro e, dando graças a Deus, celebrou o casamento da filha mais
velha. Não muito tempo depois, o servo de Deus voltou a realizar
obra semelhante. Voltando a encontrar o ouro e dando muitas graças,
aquele homem decidiu vigiar para saber quem socorria a sua miséria.
Passados alguns dias, Nicolau atirou o dobro do ouro para a casa do
vizinho, que acordou com o barulho e seguiu São Nicolau que fugia,
dizendo-lhe em alta voz:

‒ Pára, por favor, e não escondas o teu rosto do meu!

E, correndo mais depressa que Nicolau, reconhe¬ceu-o. Logo se


prostrou e queria beijar-lhe os pés, mas ele, evitando-o, exigiu que
nunca tornasse público aquele fato.
São Nicolau ressuscita um jovem, Ambrogio Lorenzetti.

DEPOIS DISTO, tendo morrido o bispo da cidade de Mira,


combinaram os bispos nomeá-lo para aquela igreja. Havia entre eles
um de grande autoridade de quem todos dependiam para aquela
eleição. Depois de ter aconselhado todos a fazerem jejum e orarem,
ouviu naquela noite uma voz a dizer-lhe que de manhã cedo
observasse as portas da igreja e quando visse chegar o primeiro
homem cujo nome fosse Nicolau, olhasse bem para ele, para
consagrá-lo bispo.

Revelou isto aos outros, aconselhando-os a insistirem na oração


enquanto ia observar as portas da igreja. Admirou-se muito ao ver
que, àquela hora matinal, o homem enviado por Deus antes de todos
os outros era Nicolau; chamando-o a si, o bispo disse-lhe:

‒ Como te chamas?

Ele, com uma simplicidade de pomba, respon¬deu de cabeça


inclinada:

‒ Nicolau, servo de vossa santidade.

Levaram-no para a igreja e, embora ele a isso muito se opusesse,


colocaram-no na cátedra episcopal.
MAS ELE em tudo continuava a observar a humildade e a seriedade
da sua conduta anterior: passava as noites em oração, mortificava o
corpo, fugia do convívio com mulheres; era humilde com quantos
recebia, eficaz no falar, entusiasta no exortar e severo no corrigir.
Também se conta como se lê numa crônica que São Nicolau
participou no Concílio de Nicéia.

COMO O SENHOR queria chamá-lo a Si, ele pediu-Lhe que lhe


mandasse os seus anjos. Então, inclinou a cabeça, viu os anjos que
se dirigiram a ele, e logo se deitou no chão, munindo-se com o
crucifixo e, dizendo o Salmo “Em Ti, Senhor, esperei ...” até “nas tuas
mãos”, e entregou o espírito, no ano do Senhor de 343, enquanto se
ouvia a melodia dos coros celestes.

Foi sepultado num sepulcro de mármore; da cabeceira brotava uma


fonte de azeite e dos pés uma fonte de água; e, até hoje, tem
emanado dos seus membros um óleo sagrado que restituiu a saúde a
muitos.

Sucedeu-lhe um homem bom que, por invejas, foi deposto da sua


cátedra; desde que foi deposto, o azeite deixou de correr, voltando a
fluir logo que para ela voltou a ser chamado.

Passado muito tempo, os turcos destruíram Mira, mas quarenta e


dois soldados de Bari foram lá com quatro monges que lhes
mostraram o túmulo de São Nicolau; abriram-no e levaram com toda
a reverência os seus ossos, que nadavam em azeite, para a cidade de
Bari, no ano do Senhor de 1087.

Um homem pediu emprestado a um judeu certa soma de dinheiro,


Jurando sobre o altar de São Nicolau, por não poder ter fiador, que
lha devolveria tão depressa pudesse. Como já tinha o dinheiro havia
muito tempo, o judeu pediu-lho; mas apenas prometia que lhe havia
de devolver. Citou-o por isso perante o juiz que obrigou o devedor a
jurar.
São Nicolau o bispo inflexível, modelo de Justiça e Caridade.
Levara ele um bastão oco que enchera com o ouro miúdo, pois
precisava dele para se apoiar. Querendo prestar o juramento
entregou o bastão ao judeu para que o segurasse; e jurou que já lhe
tinha dado mais do que lhe devia.

Feito o juramento, pediu o bastão e o judeu deu-lho, porque não


sabia da astúcia, Mas, quando o que fizera a fraude regressava, ao
passar numa encruzilhada adormeceu, perturbado; um carro que
passava velozmente matou-o e partiu o bastão cheio de ouro e o ouro
espalhou-se.

Quando o judeu ouviu isto, foi ao local para verificar o dolo e muitos
lhe sugeriram que recolhesse o dinheiro; porém, ele recusou em
absoluto, a não ser que o defunto voltasse à vida, por intercessão de
São Nicolau, afirmando que receberia o batismo e se faria cristão,
Como, de imediato, o defunto ressuscitou, o judeu foi batizado em
nome de Cristo,

UM JUDEU que via o poder virtuoso de São Nicolau nos milagres que
fazia, mandou esculpir uma imagem dele, colocou-a na sua casa, e
quando saía para mais longe, confiava-lhe os seus haveres, dizendo-
lhe, com ameaças, estas e outras palavras:

‒ Olha, Nicolau! Entrego-te todos os meus bens para que mos


guardes; e, se o não fizeres castigar-te-ei com pancadas e
chicotadas.

Ora, uma vez, enquanto estava ausente, os ladrões chegaram,


roubaram tudo deixando apenas a imagem. Quando o judeu
regressou, vendo-se espoliado, falou à imagem com estas ou
semelhantes palavras:

‒ Senhor Nicolau, não te pus na minha casa para que guardasses os


meus bens dos ladrões? Porque o não quiseste fazer e não os
defendeste dos ladrões? Por isso, receberás tormentos horríveis e
pagarás pelos ladrões; assim, compensar-te-ei com os teus
tormentos e arrefecerei o meu furor com pancadas e chicotadas.

Agarrou na imagem, bateu-lhe e chicoteou-a terrivelmente. Foi uma


coisa espantosa.

Entretanto, o Santo de Deus, como se estivesse realmente a apanhar


as chicotadas, apareceu aos ladrões que estavam a dividir o roubo e
disse-lhes estas ou semelhantes palavras:

São Nicolau amou os inocentes porque foi modelo de inocência


‒ Porque sou tão terrivelmente chicoteado em vez de vós? E por que
razão, tão cruelmente espancado? Eis como o meu corpo está lívido e
como fica vermelho do sangue derramado! Ponde-vos já a caminho e
devolvei tudo o que tirastes, senão a ira de Deus onipotente
enfurecer-se-á tanto contra vós que o vosso crime será conhecido por
todos e cada um de vós será enforcado.

‒ Quem és tu que dizes tais coisas? ‒ perguntaram eles?


‒ Sou Nicolau, servo de Jesus Cristo, que aquele judeu, a quem
roubastes esses bens, flagelou tão cruelmente.

Aterrados, os ladrões foram ter com o judeu, contaram-lhe o milagre


e ouviram dele o que tinha feito à imagem, devolveram tudo quanto
haviam roubado e voltaram ao caminho da retidão enquanto o judeu
abraçava a fé do Salvador.

São Nicolau, catedral de Burgos (Espanha)

UM HOMEM, por amor de um filho que andava a aprender a ler,


celebrava a festa de São Nicolau solenemente todos os anos, Uma
vez, o pai preparou um festim para o rapaz e convidou muitos
clérigos. O diabo chegou à porta vestido de peregrino, pedindo
esmola; imediatamente, o pai disse ao filho que desse uma esmola
ao peregrino.

O rapaz apressou-se; mas, como não o encontrou, foi atrás dele.


Quando chegou a uma encruzilhada, o diabo apanhou o rapaz e
estrangulou-o. Quando o pai soube, chorou copiosamente, tomou o
corpo, colocou-o na cama e, no auge da sua dor, começou a clamar
dizendo:

‒ Filho muito querido, que te aconteceu? São Nicolau é esta a paga


da veneração que durante tanto tempo vos dediquei?
Dizendo estas e outras palavras, logo o rapaz, como se acordasse de
um sono, abriu os olhos e ressuscitou.

UM HOMEM nobre pediu a São Nicolau que rogasse ao Senhor para


lhe dar um filho, prometendo-lhe que o levaria à sua igreja e
ofereceria uma taça de ouro, O filho nasceu, chegou à idade de ir à
igreja e o pai mandou fazer uma taça, mas, como ela lhe agradou
muito, destinou-a ao seu uso pessoal e mandou fazer outra igual.

Depois, indo a navegar para a igreja de São Nicolau, o pai mandou ao


filho que lhe levasse água na taça que mandara fazer primeiro; mas,
quando o rapaz queria tomar água na taça, caiu ao mar e logo
desapareceu. Apesar disso, o pai foi cumprir o seu voto, mesmo
chorando amargamente.

São Nicolau, alegria das crianças.


Depois, chegou junto do altar de São Nicolau e quando estava a
oferecer a segunda taça, ela caiu do altar como que projetada.

Ergueu-a e pô-la de novo sobre o altar; mas foi de novo projetada


para longe do altar; ergueu-a novamente sobre o altar e, pela
terceira vez, a pousou, mas também, pela terceira vez, foi projetada
ainda para mais longe.
Estando todos admirados com tão grande acontecimento, eis que
chegou o rapaz, são e salvo, levando a primeira taça nas mãos e
contou diante de todos que, quando caiu ao mar, logo São Nicolau
chegou e o conservara ileso. E, assim, o pai cheio de contentamento
ofereceu ambas as taças a São Nicolau.

UM HOMEM RICO teve um filho por intercessão de São Nicolau e deu-


lhe o nome de Adeodato. Depois, construiu em sua casa uma capela
dedicada ao Santo de Deus e todos os anos celebrava solenemente a
sua festa. Aquele lugar estava situado junto da terra dos agarenos.

Uma vez, Adeodato foi capturado por agarenos e levado como


escravo do seu rei.

No ano seguinte, quando o pai celebrava devotamente a festa de São


Nicolau e o rapaz servia o rei segurando uma taça, lembrou-se da sua
captura, das dores dos pais e da alegria que naquele dia havia na sua
casa, e começou a soluçar mais alto.

Quando o rei, com ameaças, lhe arrancou a causa dos soluços, disse-
lhe:

‒ Faça o que fizer o teu Nicolau, aqui ficarás conosco para sempre.

Túmulo de São Nicolau em Bari, Itália.


De repente, um fortíssimo vento abanou a casa e o rapaz foi
arrebatado com a taça e colocado à porta da igreja onde seus pais
celebravam a solenidade, tendo-se gerado em todos uma grande
alegria.

Com todo, lê-se noutro lugar que o referido jovem saiu a pé da


Normandia, e foi até ao outro lado do mar, sendo capturado por um
sultão perante o qual era muitas vezes espancado.
No dia de São Nicolau, tendo sido espancado e atirado para um
calabouço, chorava; mas, entretanto adormecera, cansado das
pancadas, sonhando com a alegria que naquele dia costumava sentir.
Quando acordou, estava na capela do pai.

(Fonte: Bem-aventurado Jacques de Voragine, “Légende


Dorée”)

FIM

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