Você está na página 1de 54

ISSN 2175-3172

Música na
Educação
Básica

Volume 9
Número 10/11
na educação básica

Editora: Viviane Beineke



Editoração:
na Ricardo
educaçãoda Costabásica
Limas

Revisão de português: Priscilla Morandi do Nascimento
Revisão de inglês: Duo Translations
Revisão de originais: Viviane Beineke e autores(as)
Periodicidade: anual


ÚSICA
Música na educação básica. vol. 9, n. 10/11.
Londrina: na Educação
Associação BrasileiraBásica
de Educação
Musical, 2019

Início out. 2009.


Anual
ISSN Online: 2594-5181 | ISSN impresso 2175-3172
1. Educação musical 2. Educação 3. Música

CDU 37.015:78

Elaborada por Anna Claudia da Costa Flores – CRB 10/1464 – Biblioteca


Setorial do Centro de Educação/UFSM

Associação Brasileira de Educação Musical - ABEM


Rua Caraibas, 211 - Sala A
86026-560 - Vila Casoni - Londrina - PR

www.abemeducacaomusical.com.br
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica Música na Educação Básica

Índice | Contents
DIRETORIA DA ABEM (2018 - 2019)
Presidente: Prof. Dr. Marcus Vinícius Medeiros Pereira – UFJF
Vice-Presidente: Prof. Dr. Vanildo Marinho - UFPB

06
Tesoureira: Profa. Dra. Edineiram Maciel - UNEB
Segundo Tesoureiro: Profa. Dra. Rosângela Duarte - UFRR
Secretário: Prof. Dr. Mário André Wanderley – UFRN Editorial
Segunda Secretária: Profa. Dra. Carla Santos - UFPB



CONSELHO EDITORIAL
Presidente: Prof. Dr. Sérgio Figueiredo – UDESC
Editora Revista da ABEM: Profa. Dra. Regina Finck Schambeck – UDESC
08 Caixinha com sons na educação infantil
Small box with sounds in early childhood education
Sandra Mara da Cunha

Editora da MEB: Profa. Dra. Viviane Beineke - UDESC

18
Membros do Conselho: Profa. Dra. Nair Pires – UFOP Pedro e a festa na lagoa: estratégias de sonorização de
Prof. Dr. Manoel Câmara Rasslan - UFMS histórias no ensino de música
Profa. Dra. Delmary Abreu - UnB Pedro and the party by the lagoon: sound effect strategies for
stories in music teaching
DIRETORIA REGIONAL Valéria Lazaro de Carvalho e Carlos Antônio Freitas da Silva
Norte: Profa. Ma. Maíra Andriani Scarpellini - UFAC

30
Nordeste: Profa. Dra. Flávia Candusso - UFBA Hoje é dia de Pixinguinha!
Centro-oeste: Prof. Dr. Evandro Rodrigues Higa UFMS Today is Pixinguinha’s day!
Sudeste: Prof. Dr. Fernando Galizia - UFSCar Maria Cristiane Deltregia Reys
Sul: Profa. Dra. Luciane Wilke Garbosa - UFSM




CONSELHO FISCAL
Presidente: Prof. Dr. Jean Joubert - UFRN
Membros do Conselho: Profa. Dra. Francine Kemmer Cernev – UEM
Profa. Dra. Solange Maranho Gomes - UNESPAR
48 Música folclórica e percussão corporal na sala de aula
Folk music and body percussion in the classroom
Rodrigo da Silva Velozo

58
Prof. Me. Leonardo Morais – SESC/RJ A lagarta e a borboleta: cantando a duas vozes
Suplentes do Conselho: Profa. Dra. Adriana Mendes - UNICAMP The caterpillar and the butterfly: singing with two voices
Prof. Dr. Fábio Henrique Ribeiro - UFPB Débora Andrade
Profa. Dra. Cristiane Galdino – UFPE

70
No espírito do blues! Práticas musicais coletivas para o
CONSULTORES AD HOC (2018 E 2019)
ensino médio
Cecília Marcon Pinheiro Machado (Colégio Autonomia, Florianópolis - SC)
Melita Bona (Fundação Universidade Regional de Blumenau - FURB) In the spirit of blues: collective musical practices in high school
Antonio Cezar Ferreira
Camila Costa Zanetta (Prefeitura Municipal de Florianópolis - PMF)
Sandra Mara da Cunha (Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC)
Luciane Cuervo (Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS)
Delmary Vasconcelos de Abreu (Universidade de Brasília - UnB)
Maria Cecília de A. Rodrigues Torres (Centro Universitário Metodista-IPA)
Rafael Prim Meurer (Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC)
84 Captação de contato: tecnologia e corporalidade numa
educação musical de invenção e desfrute
Contact transducer pickup: technology and corporeality in a music
education based on invention and relish
Rafael Dias de Oliveira (Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC) Stênio Biazon
Helena Lopes da Silva (Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG)

94
Juciane Araldi Beltrame (Universidade Federal da Paraíba - UFPB)
Conceitos de psicomotricidade e o ensino de música
Vanilda L. Ferreira de Macedo (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense - IFSul)
Vania A. Malagutti Fialho (Universidade Estadual de Maringá – UEM) Concepts of psychomotricity and music teaching
Viviane Louro
Gabriela Flor Visnadi (Universidade Federal do Maranhão - UFMA)
Andreia Veber (Universidade Estadual de Maringá – UEM)
Maria Cristiane D. Reys (Colégio de Aplicação – Universidade Federal de Santa Catarina)
Regina Finck Schambeck (Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC)

4 5
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica Música na Educação Básica

Editorial A utilização de repertório a duas vozes em


aulas de música ou em ensaios de coro in-
fantil é abordada no artigo A lagarta e a
borboleta: cantando a duas vozes, de Dé-
bora Andrade.

C
om alegria apresentamos mais um No espírito do blues! Práticas musicais co-
volume da MEB, revista da Abem letivas para o ensino médio, de Antonio
dirigida especialmente a professoras Cezar Ferreira, apresenta propostas de ati-
e professores que atuam na educação básica, vidades que valorizam as práticas de impro-
estudantes, pesquisadores e profissionais visação musical em sala de aula.
interessados em propostas pedagógicas Música na Educação Básica
voltadas ao trabalho em sala de aula. A amplificação de instrumentos feitos de
sucata, a exploração de sons do espaço físi-
co e a descoberta de sons do próprio corpo
são algumas das atividades propostas por
Stênio Biazon em Captação de contato:
tecnologia e corporalidade em uma educa-
Iniciamos este número da MEB com o artigo
ção musical de invenção e desfrute.
Caixinha com sons na educação infantil, de
Sandra Mara da Cunha, em proposta peda-
gógica fundada na escuta e na exploração Música na Educação Básica Finalizando este volume, o texto Conceitos
sonora. de psicomotricidade e o ensino de músi-
ca, de Viviane Louro, aponta caminhos para
o uso da psicomotricidade funcional como
A educação infantil também é contemplada
importante ferramenta para a educação
no texto Pedro e a festa na lagoa: estraté-
musical.
gias de sonorização de histórias no ensino
de música, de Carlos Antônio Freitas da Sil-
va e Valéria Lazaro de Carvalho. Enquanto Associação, esperamos oferecer
um material que contribua com a ampliação
Hoje é dia de Pixinguinha!, de Maria Cris- Música na Educação Básica e fortalecimento de múltiplas possibilidades
tiane Deltregia Reys aborda o ensino de his- de educação musical nas escolas brasileiras.
tória da música brasileira no âmbito escolar,
Agradeço especialmente às autoras, autores
apresentando como exemplo um planeja-
e pareceristas que contribuíram com esta
mento com base na obra “Um a zero”, de
edição.
Pixinguinha e Benedito Lacerda.
Desejo uma ótima leitura a todas e todos!
Práticas vocais e de percussão corporal em
aplicações lúdicas configuram as estratégias Viviane Beineke
centrais da proposta de Rodrigo da Silva Ve- Editora da Revista Música na Educação Básica - MEB
lozo, apresentada no artigo Música folclóri-
ca e percussão corporal na sala de aula.

6 7
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Música na Educação Básica

Música na Educação Básica

Caixinha com
sons na educação
infantil
Sandra Mara da Cunha

Small box with sounds in early


childhood education

Resumo Abstract
A música, na educação infantil, se aproxima In early childhood education, music brings
das crianças e faz sentido para elas ao ser children closer together and makes sense
trabalhada de modo brincante e criativo, to them when it is approached in a playful
fundado na escuta e na exploração sonora. and creative manner, based on listening and
Uma pequena caixa é apresentada às sound exploration. A small box is presented
crianças e, a cada vez, revela pequenos to the children, and every time it reveals
instrumentos musicais coloridos, small and colorful musical instruments, some
alguns em formato de bichos. Mais do of them in the shape of animals. More than
que visualmente interessantes, esses being visually attractive, these instruments
instrumentos produzem sons e músicas produce sounds and music that refer to an
que remetem a um mundo imaginário imaginary world that is made up of stories.
que se desdobra em histórias inventadas. In meetings in which adults assume a key
Em encontros nos quais as professoras role in promoting artistic learning, music
assumem papel fundamental como education is developed in line with early
promotoras da aprendizagem artística, childhood and with the great interest of
a educação musical é desenvolvida em babies and small children in investigating
consonância com a pequena infância e sounds and making their music – the music
o grande interesse de bebês e crianças of children.
pequenas em investigar sons e fazer suas
músicas – as músicas das crianças. Keywords: Music education. Childhood
education. Childhood studies.
Palavras-chave: Educação musical.
Educação infantil. Estudos da infância.

CUNHA, Sandra Mara da. Caixinha com sons na educação infantil. Música na Educação Básica, v. 9, n. 10/11, 2019.

9
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

enquanto arte e linguagem expressiva das Abrir espaços e tempos para a participa-
Crianças pequenas e crianças. A cada encontro com um grupo ção das crianças nas propostas pedagógicas
A opção pelo uso do termo
aprendizagem musical de crianças pequenas, com idades entre
no feminino – professoras – é
requer mudanças na atitude adulta, que ten-
dois e quatro anos, a atividade proposta irá de a controlar ou dizer o que deve ser fei-
na educação infantil envolvê-las em um jogo de escuta e de ima-
adotada neste texto em conformi-
to a seguir. Quando as propostas se abrem
dade com as discussões que têm
Na educação infantil, de modo ainda do- ginação e, a partir desse ponto, poderá se para acolher as contribuições das crianças,
sido travadas no campo da Educa-
minante, a música exerce papel coadjuvante desdobrar em outras atividades, contando mudanças acontecem: as professoras co-
ção Infantil e que levam em conta
ao servir de apoio para aprendizagens em para isso com as contribuições das crianças. meçam a perceber o quanto as crianças se
a quase totalidade de profissionais
outras áreas e ao ser usada como diverti- Suas ideias e pontos de interesse são parte interessam pelas pesquisas sonoras e, com
do sexo feminino nessa etapa da
mento ou recreação. Muitas vezes, o traba- fundamental desta proposta e do seu desen- isso, também passam a reconhecer que as
educação básica no Brasil.
lho com a música é centrado em canções volvimento. instituições educativas da pequena infância
cujo foco é posto nas letras, e não na música já estão mergulhadas em um ambiente de
Muito se tem falado sobre o protagonis-
e nos seus elementos constitutivos. um tempo mais alongado, de fazerem tudo sons no qual as crianças fazem suas músi-
mo das crianças na educação infantil, tal
de novo, e uma vez mais. A reiteração pode cas, que Lino (2008) chama de o “barulhar”
Seguindo por outro caminho, a atividade como preconizam documentos reguladores
ser pensada como uma atitude de pesquisa das crianças.
que compõe esta proposta pedagógica con- e orientadores da educação infantil (Brasil,
cebe a música como área de conhecimento, 2010, 2017), mas as professoras, ao seguirem presente nas crianças pequenas, explorado- Holm (2007, p.71) afirmou que, quando
se dá em sintonia com as Diretrizes Curri- à risca os planejamentos, deixam escapar as ras de gestos e investigadoras de sons. Se as se trabalha com bebês e crianças pequenas,
culares Nacionais para a Educação Infantil ideias e os interesses das crianças quando se professoras logo abandonam uma ativida- é muito importante que os adultos estejam
(Brasil, 2010) e com a concepção de infân- dedicam a investigar os sons e a criar com de que lhes desperta o interesse para seguir verdadeiramente presentes, e que isso “tem
cia vinda dos Estudos da Infância (Barbosa; elas as suas músicas. Ao estudar as culturas em frente com planos de aulas sequenciais e a ver com não exigir um resultado específico,
Coll Delgado; Tomás, 2016). Em consonância de pares infantis, Sarmento (2002, 2003) que terminam a cada aula, perdem oportu- mas um contato de igual para igual”. Nesses
com os modos de bebês e crianças peque- afirmou que uma de suas características é a nidades de atuar em consonância com essa momentos de escuta atenta para o que as
nas aprenderem, ela parte da música como reiteração, essa capacidade das crianças de característica das crianças. crianças têm a dizer por meio das suas inves-
campo de experiências e lança mão do po- se dedicarem a uma mesma atividade por tigações sonoras, emergem suas músicas, a
der da imaginação e da brincadeira em um verdadeira música das crianças, a que é in-
trabalho baseado na exploração sonora e na ventada por elas em momentos livres
escuta. ou guiados pelas suas professoras.

Desse modo, a música entra


nas instituições educativas da
pequena infância pela porta
da frente, assumindo toda
a riqueza de possibilida-
des que lhe é inerente

Sons da caixinha
(arquivo da autora)

10 | Sandra Mara da Cunha Caixinha com sons na educação infantil | 11


V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Um efeito sonoro que é sempre busca- Além disso, você também precisará de
Caixinha com sons (arquivo
do ou um padrão rítmico ou melódico, por da autora). uma caixa para ser aberta e mostrar seu
exemplo, indica preferências musicais, como conteúdo a cada encontro com as crianças.
pequenos exercícios de ouvir, de tocar e de Uma caixa que também seja interessante de
fazer música. Mas será que já estamos no rei- algum modo, como esta a seguir.
no da música? De acordo com Brito (2007),
as crianças pequenas fazem músicas de so-
noridades, e não de notas. Ainda de acordo Desenvolvimento da
com a autora (Brito, 2007, p. 83), a diferença
entre o que fazem as crianças ao tocarem
proposta
seus instrumentos e os músicos profissionais Como vimos na primeira seção deste tex-
está no nível “de complexidade” envolvido to, as crianças são investigadoras de sons e
nessa ação. Assim, acolher suas músicas ba- dos gestos que os produzem. Elas são ex-
rulhentas é tarefa à qual as professoras não ploradoras da materialidade da qual são
podem se furtar, porque as crianças preci- feitos os instrumentos convencionais e não
sam de adultos para compartilhar com eles convencionais e também dos sons que são
suas criações musicais. resultantes dos gestos variados que empre-
Eis aqui, portanto, a proposição de uma gam frente às fontes sonoras colocadas à
atividade que é brincante, que acolhe a mú- sua disposição.
sica das crianças de modo orientado pelas Explorar os sons que vêm dos instrumen-
professoras e que pode se desdobrar em tos musicais e de materiais outros que pro-
outras atividades ao adotar uma atitude duzem sons, como embalagens de papel,
educativa que considera o ponto de vista metal, plástico, madeira, e também de ele-
das crianças. A atividade sugerida é aberta mentos da natureza como sementes e cas-
à participação infantil, trazendo um exem- cas de frutos, compõe uma das possibilida-
plo de como promover o protagonismo das des do trabalho com a música na educação
crianças. É uma atitude que nomeio como infantil. Uma instituição educativa rica de ins-
dupla escuta (Cunha, 2017), pois considera trumentos e materiais que produzem sons
as ideias vindas das crianças e se guia pelas na educação infantil, a embarcarem comigo Para começar também é rica para o trabalho com a música.
músicas que elas inventam com os sons que nesta singela e sensível aventura de uma cai-
Para desenvolver esta proposta, você pre-
exploram, deixando abertos os caminhos a xinha com sons.
cisará de pequenos instrumentos, propícios
serem seguidos no trabalho educativo com
para o trabalho com crianças pequenas e
a música.
bebês, tanto pelos sons que eles produzem
Aqui, as crianças são convidadas a pen- como pelos seus formatos e cores. São ins-
sar junto com suas professoras os próximos A música das trumentos que promovem uma gama de
passos, em um jogo de escuta, imaginação crianças pequenas sons que trazem um colorido especial de
e criação que faz com que a música se co- timbres que vêm se somar aos dos outros
necte à brincadeira e às histórias. São situa- “A arte dos pequenos surge muitas vezes instrumentos com os quais você já trabalha.
ções nas quais emergem modos de ser e de no momento em que se dá o contato entre São instrumentos para serem ouvidos e ma-
aprender música que desconhecem limites a criança e o adulto. Acontece agora, no nipulados por pequenas mãos, para estimu- Caixinha coberta com escrita musical (arquivo da autora).
entre os campos de experiências: os modos tempo presente. Entre o barulho e o silên- lar a pesquisa sonora e a escuta, para criar
de ser, de pensar e de se expressar de bebês cio. O que importa não é o que nós adultos pequenos solos musicais livres, com sons Leve para o encontro com seu grupo de
e crianças pequenas, essencialmente relacio- fazemos, mas sim como fazemos. Para a cri- que instigam a invenção de histórias, que crianças uma caixa que elas nunca tenham
nais, imaginativos, reiterativos e brincantes. estimulam e acolhem o rico imaginário das visto antes. Conte a elas alguma história so-
ança pequena isso é fácil. Mas nós, adultos,
Convido então a todas e todos, profes- crianças pequenas. Aqui, como exemplo, bre esta caixa. Essa que vemos no exem-
precisamos diariamente treinar para isso.
soras e professores que abraçaram esse proponho pequenos instrumentos coloridos, plo foi presente de alguém muito especial e
Precisamos nos habituar a experimentar o
imenso desafio e encantamento que é o de alguns no formato de bichos, como os que guarda chaves para afinação de instrumen-
inesperado nessa convivência” (Holm, 2007,
trabalhar com bebês e crianças pequenas tenho em meu acervo e que podem ser vis- tos de percussão. Que história a sua caixa vai
p. 90)
tos nas imagens. contar? Você pode fornecer pistas, tal como

12 | Sandra Mara da Cunha Caixinha com sons na educação infantil | 13


V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

as coisas que ela pode guardar, pequenos mostrando seu jeito de tocá-lo, e em segui- pação das crianças pequenas nas instituições
tesouros ou objetos com poder de encanta- da as outras crianças fazem o tutti, ou seja, da educação infantil pode se dar no exercí-
mento. todas juntas tocam outros instrumentos em cio das pequenas escolhas relacionadas às
um jogo de improvisação livre. Os outros ins- questões pedagógicas, com o envolvimento
Na primeira vez, coloque um chocalho e
trumentos podem ser de um mesmo tipo ou delas nas tomadas de decisão; é importan-
sugira às crianças que façam silêncio. Mostre
de tipos variados, e, a um sinal ou gesto seu te que aconteçam momentos democráticos
o seu interesse ao perguntar e mostrar a cai-
previamente combinado com as crianças, nas creches e pré-escolas, e a educação mu-
xinha: “O que será que tem dentro?”, “Quem
todos param de tocar, e o pequeno instru- sical voltada para a pequena infância deve
adivinha?”. Em seguida, balance a caixa para
mento da caixinha faz o seu solo. Todas as se atentar a essa questão para que a música
ouvirem o barulhinho que vem de dentro
crianças podem atuar como solistas, tocan- faça sentido não apenas para os adultos, mas
dela. Pronto: as crianças já saberão que o
do a seu próprio modo. fundamentalmente para as crianças.
que está dentro da caixa produz sons. Mas
como será o objeto que produziu os sons Siga com essa ideia, e, sempre que a cai-
ouvidos? Será um instrumento musical? Será xinha aparecer, ela deve trazer um novo ins-
que é colorido ou é de uma cor só? Será que trumento para as crianças.
Castanhola ratinho (arquivo
é bonito ou será que é horrível de se ver? da autora)
Vá, assim, criando expectativas nas crian-
ças até o momento em que você irá mostrar
os pequenos chocalhos. Deixe que todas as
Dica Crie um ritual, fazendo quase sempre
crianças coloquem neles suas mãos, que os do mesmo modo, instigando as crian-
Escolha instrumentos com formatos inusita-
sintam, que experimentem os sons que pro- ças, criando suspense, estimulando a
dos. Brinquedos de borracha que fazem sons
duzem. Diga que esses instrumentos são imaginação visual e auditiva. “Como
ao serem apertados, como patos, galinhas e
como pequenos tesouros dos quais todos porquinhos, por exemplo, são possibilidades
será o som do instrumento que está
deverão cuidar muito bem, porque assim interessantes e engraçadas. dentro da caixinha hoje?”, “Qual será a
eles poderão ficar com a turma por um bom Mas lembre-se sempre: no trabalho com a sua cor?”, “Que forma vocês acham que ele
tempo. música, a escuta é o aspecto mais importan- tem?”.
te e que não deve ficar em segundo plano.
Depois de as crianças terem experimen- Por isso, os materiais ou brinquedos sono- Flauta de êmbolo (arquivo da
tado os pequenos chocalhos coloridos, brin- ros devem possuir timbres que sejam ricos Esse jogo de mostrar os instrumentos e autora).
que de tocar um concerto para chocalho: e interessantes para compor o seu trabalho tocá-los pode se alongar de acordo com o
uma criança faz um solo livre de chocalho, musical com os sons e com a escuta. envolvimento das crianças. Dê tempo para
elas apreciarem o som de cada um deles, de Quando as atividades se abrem à parti-
conversarem sobre as semelhanças e dife- cipação das crianças pequenas, um mundo
renças. Após ter mostrado todos os instru- de possibilidades de continuidade do traba-
mentos, quando todas as crianças tiverem lho acontece, e às professoras cabe observar
tocado todos eles, retome a improvisação de como as crianças fazem quando exploram
alternância de solos e tuttis, dessa vez com a sons e inventam suas músicas com esses
presença de todos os instrumentos da caixi- sons. São músicas que se constituem de ba-
nha fazendo seus solos entre os momentos rulhos e efeitos sonoros, músicas de gestos
em que todos tocam os outros instrumentos. e de timbres em constante investigação e
Chocalhos (arquivo mutação.
Você pode ser a regente, mas as crian-
da autora).
ças também podem exercer esse papel. Elas Uma possibilidade de desdobramento
também podem decidir, por exemplo, se to- dessa proposta é pela criação de histórias a
dos tocarão o mesmo tipo de instrumento partir de personagens que o som de cada um
ou se serão instrumentos dos mais diver- dos instrumentos sugere, como esse passa-
sos tipos. Acolha as sugestões das crianças, rinho, que emite um som parecido com um
aprecie seu senso estético ao combinar os piado e se mostra um tanto tristonho: “Será
timbres dos instrumentos ou outros critérios que ele se perdeu de sua mamãe e veio pa-
pensados por elas, como cores, formatos, rar dentro da nossa caixinha?”, “Quem sabe
material da fonte sonora ou outros. A partici- o que foi que aconteceu com ele?”.

14 | Sandra Mara da Cunha Caixinha com sons na educação infantil | 15


V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Para saber mais Referências


1) Para refletir sobre os sentidos da música BARBOSA, Maria Carmem Silveira. COLL DELGADO,
na educação básica: Ana Cristina; TOMÁS, Catarina Almeida. Estudos da
infância, estudos da criança: quais campos? Quais te-
BRITO, Teca Alencar de. Ferramentas com
orias? Quais questões? Quais métodos? Inter-Ação,
brinquedos: a caixa da música. Revista da
Goiânia, v. 41, n. 1, p. 103-122, jan./abr. 2016. Dis-
Abem, n. 24, 2010. Disponível em: http://
abemeducacaomusical.com.br/revista_ ponível em: http://dx.doi.org/10.5216/ia.v40i3.35869.
abem/ed24/revista24_artigo10.pdf. Aces- Acesso em: 20 jun. 2018.
so em: 18 set. 2018.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Edu-
2) Ideias de outras caixas com sons: cação Básica. Base Nacional Comum Curricular. Bra-
SCHAFFER, Murray. A caixa de música. sília: MEC, SEB, 2017.
Passarinho (arquivo da In: ______. O ouvido pensante. São Paulo:
autora). Fundação Editora Unesp, 1991. p. 312-323. _____. Ministério da Educação. Secretaria de Educa-
ção Básica. Diretrizes curriculares nacionais para a
educação infantil. Brasília: MEC, SEB, 2010.

Como exemplo, sugiro que, depois de ter tre grupos de crianças para tocar e cantar, BRITO. Maria Teresa Alencar de. Por uma educação
apresentado todos os pequenos instrumen- para fazerem música juntos. Esses encontros musical do pensamento: novas estratégias de comu-
tos, invente com as crianças uma história na se colocam como oportunidades para mos- nicação. 2007. 288 f. Tese (Doutorado em Comunica-
qual cada instrumento é uma personagem. trar os processos de criação artística sem a ção e Semiótica) – PUC-SP, São Paulo, 2007.
preocupação de ensaiar para mostrar, por-
Essa história pode ser narrada por você ou
por alguma criança, ou pode ser uma histó- que se prender a isso buscando a perfeição
Autora CUNHA, Sandra Mara da. Eu canto Pra Você: saberes
musicais de professores da pequena infância. Curiti-
ria feita apenas de sons – uma trilha sonora. na hora de tocar pode ser bem exaustivo e ba: CRV, 2017.
Cada vez que aparece o som de algum dos sem sentido para as crianças.
instrumentos, é a personagem que tem algo LINO, Dulcimarta Lemos. Barulhar: a escuta sensível
Que tal então combinar encontros musi- da música nas culturas da infância. 2008. 415 f. Tese
a dizer ou mostrar. cais entre o seu grupo de crianças com ou- (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do
Embarque nessa história junto com as tro grupo, como por exemplo com os bebês Sandra Mara Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.
crianças, deixe-se conduzir pelas sugestões do berçário? Marque encontros nos quais as da Cunha
histórias inventadas a partir dos sons da cai- HOLM, Anna Marie. Baby-Art: os primeiros passos
delas e tenha em mente que, quando se tra- cunhasandramarada@gmail.com
com a arte. São Paulo: Museu de Arte Moderna de
balha com crianças pequenas, o processo de xinha possam ser compartilhadas. Tocar para
São Paulo-MAM, 2007.
exploração e escolha importa mais do que o os outros o que o grupo tem feito a partir da Professora adjunta do Departamento de Mú-
resultado final. ritualização desse tocar juntos abre oportu- sica do Centro de Artes da Universidade do SARMENTO, Manuel Jacinto. As culturas da infância
nidades para as crianças mostrarem o que já Estado de Santa Catarina (UDESC). Douto- nas encruzilhadas da 2ª Modernidade. Braga, Portu-
conseguem fazer com esses pequenos ins- ra em Educação com pós-doutorado pela gal: CEDIC – Centro de Documentação e Informação
Para finalizar, crianças trumentos no diálogo com os outros instru-
mentos em seus solos e tuttis.
Faculdade de Educação da Universidade sobre a criança, Centro de Estudos da Criança, Uni-
versidade do Minho, 2002. Disponível em: http://ce-
de São Paulo (FE/USP) e mestra em Artes
compartilham seus pela Escola de Comunicação e Artes da USP.
dic.iec.uminho.pt/Textos_de_Trabalho/menu_base_
text_trab.htm. Acesso em: 27 jun. 2018.
saberes musicais A atividade aqui proposta requer Possui especialização em Educação Musical,
adaptações e modificações que cada graduação em Piano e licenciatura em Músi- ______. Imaginários e Culturas da Infância. Braga,
Quem trabalha arte com crianças peque- Portugal: CEDIC – Centro de Documentação e Infor-
professora deverá fazer em função do ca pela UFG. Editora da Revista NUPEART
nas sabe que, para elas, os processos de in- seu grupo de crianças. Se elas forem mação sobre a criança, Centro de Estudos da Criança,
(UDESC), pesquisadora e líder do Grupo de
vestigação e descobertas importam mais do maiores, tudo pode ocorrer conforme Universidade do Minho, 2003. Disponível em: http://
Estudos e Pesquisas Inventa – música, infân-
que o resultado final. As impermanências aqui sugerido. Quanto menores forem cedic.iec.uminho.pt/Textos_de_Trabalho/textos/Ima-
as crianças, mais importante é o papel cia e educação, do CEART/UDESC e mem-
marcam o fazer musical das crianças, e as CultInfancia.pdf. Acesso em: 27 jun. 2018.
das professoras como motivadoras e bra do GEPSI (Grupo de Estudos e Pesquisa
professoras devem ficar atentas a essa ca-
instigadoras. Quando o trabalho for em Sociologia da Infância e Educação Infan-
racterística. desenvolvido com bebês, é necessário til), vinculado à FE/USP. Áreas de atuação e
Para compartilhar esses processos que ter o cuidado de apresentar instrumen- interesse: educação musical, estudos da in-
tos que eles possam tanto manusear
resultam na construção de conhecimento fância, formação de professores e educação
como levar à boca de modo seguro.
musical, proponho pequenos encontros en- infantil.

16 | Sandra Mara da Cunha Caixinha com sons na educação infantil | 17


V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Música na Educação Básica

Música na Educação Básica

Pedro e a festa na lagoa:


estratégias de sonorização de
histórias no ensino de música

Carlos Antônio Freitas da Silva


Valéria Lazaro de Carvalho

Pedro and the party by the lagoon:


sound effect strategies for stories in
music teaching

Resumo Abstract
Este trabalho apresenta estratégias de en- This work presents music teaching strate-
sino de música para a iniciação musical de gies for musical initiation of children in ba-
crianças na educação básica. As propos- sic education. The proposals were based
tas apresentadas foram fundamentadas a on the Active Methods in Music Education,
partir dos Métodos Ativos em Educação some guidelines of Pedagogical Practices
Musical, em algumas orientações de Prá- of the National Curriculum Guidelines for
ticas Pedagógicas das Diretrizes Curricu- Early Childhood Education (DCNEI), the
lares Nacionais para a Educação Infantil National Curriculum Framework for Early
(DCNEI), pelo Referencial Curricular Na- Childhood Education (RCNEI) and teach-
cional para a Educação Infantil (RCNEI) ing and learning proposals of Psychology
e pelas propostas de ensino e aprendi- of Education. They were based on authors
zagem da psicologia da educação. Foi such as Murray Schafer, Teca Alencar de
fundamentado em autores como Murray Brito and Violeta de Gainza. Music-making
Schafer, Teca Alencar de Brito e Viole- is supported by storytelling, which can be
ta de Gainza. O fazer musical é apoiado addressed by music teachers and also by
na contação e sonorização de histórias, teachers of other subjects.
que podem ser trabalhadas tanto pelo(a)
professor(a) especialista quanto não es-
pecialista em música. Keywords: Musicalization. Storytelling.
General education

Palavras-chave: Musicalização.
Sonorização de histórias. Educação
básica.

SILVA, Carlos Antônio Freitas da; CARVALHO, Valéria Lazaro. Pedro e a festa na lagoa: estratégias de sonorização
de histórias no ensino de música. Música na Educação Básica, v. 9, n. 10/11, 2019.

19
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Introdução Contação de histórias


O trabalho de musicalização que des-
Então, Entendemos que, ao contar uma história
creveremos aqui foi inspirado a partir das vamos trabalhar? para alguém, você entra em seu espaço ínti-
propostas pedagógicas de um projeto de mo, em sua subjetividade, entra em contato
contação e sonorização de histórias. Nele, É hora de organizar com a maneira que ela se relaciona com o
objetivamos promover um ambiente que fa- os materiais e o espaço mundo (emoções, sentimentos e pensamen-
tos). Sendo assim, não temos como deixar
voreça o desenvolvimento integral da crian-
ça. Um laboratório de atividades musicais para a realização aqui uma receita pronta de como contar
favoráveis às múltiplas aprendizagens, pois das atividades uma história, isso vai variar muito. Contudo,
não devemos fragmentar as experiências so- vamos dar algumas dicas que favorecem a
noras e musicais dos nossos alunos com a contação de uma boa história.
finalidade de desenvolvermos uma aprecia- Pedro na lagoa Alguns fatores devem ser levados em
ção ou aprendizagem disciplinar específica conta na hora de apresentar uma narrativa.
(Schafer, 1991). O primeiro passo é ter conhecimento do que
bro humano é mais maleável, e os efeitos da Espaços você irá contar. Em seguida, escolha um am-
Com base nesse entendimento, as ativi- aprendizagem são maiores que em qualquer
dades apresentadas foram inspiradas, em outra fase da vida” (Ilari, 2005 apud Flohr; Na hora de realizar as atividades, escolha biente agradável, onde as crianças se sintam
sua maioria, nas propostas pedagógicas Miller; Deebus, 2000). espaços diversos (salas de música e dança, à vontade e confortáveis; procure aguçar a
musicais para o ensino e aprendizagem de parquinhos, espaço para convivência, sala de curiosidade dos espectadores, crie um clima
Com isso, acreditamos que os estímu-
música (Métodos Ativos em Música), em aula ampla, quadra de esportes), um ambien- de expectativa, suspense; estimule a imagi-
los musicais através da musicalização, já na
confluência com a psicologia da educação te prazeroso, interativo, afetuoso e descon- nação, as habilidades cognitivas, intensifi-
educação infantil, podem ajudar a criança a
e com orientações de Práticas Pedagógicas traído, onde as crianças possam se expres- cando gestos, expressões, inflexão na voz;
desenvolver diversas habilidades musicais e
das Diretrizes Curriculares Nacionais para a sar, interagindo com o meio natural, artificial extrapole nas emoções e, principalmente,
não musicais, como o conhecimento e a per-
Educação Infantil (DCNEI), como promover e cultural, de forma livre e espontânea, sem permita que a criança participe ajudando a
cepção das características básicas do som, o
o relacionamento e a interação das crianças nenhum tipo de cobrança, regra ou conteú- construir a narrativa.
estímulo à aquisição da escrita, as linguagens
com diversificadas manifestações de música do, respeitando, assim, o seu fazer musical e
verbal e não verbal, o raciocínio lógico e a
e favorecer a imersão das crianças nas dife- a sua percepção de mundo.
memória, além da coordenação motora fina
rentes linguagens. E ainda, pelo Referencial Contando história
e grossa, consciência corporal, moral, ética, o
Curricular Nacional para a Educação Infantil
respeito, a cultura, a organização, interação,
(RCNEI), através da interpretação, improvi-
socialização, “integração entre os aspectos
sação e na apreciação musical, na percepção
sensíveis, afetivos, estéticos e cognitivos,
dos sons e do silêncio, entre outros.
assim como a promoção de interação e co-
municação social” (Brasil, 1998, p.49), entre
outros grandes estímulos que culminarão na
Música na infância contribuição para o seu desenvolvimento in-
Concordamos com Gainza (1988) que “O tegral.
objetivo da educação musical é musicalizar”
(Gainza, 1998, p.101) e, ainda, despertar o in-
teresse e desenvolver o gosto pela música,
Para saber mais, leia:
construir, ampliar e favorecer o conhecimen- EUGÊNIO, Mayra Lopes; ESCALDA, Júlia;
to musical, tornar a criança sensível e recep- Stela, EMOS; Maris Aguiar L. Desenvolvi-
tiva aos sons, entre outras coisas. mento cognitivo, auditivo e linguístico em
crianças expostas à música: produção de
Sabemos que é na infância que os seres conhecimento nacional e internacional.
humanos estão mais receptíveis às diver- CEFAC, v. 14, n. 5, p. 992-1003, set./out.
sas aprendizagens, pois seu cérebro ainda 2012. Disponível em: http://www.scielo.
br/pdf/rcefac/v14n5/124-11.pdf.
está em formação. É nessa fase que ocorre
grande parte do seu desenvolvimento neu-
rológico e motor. “Durante a infância, o cére-

20 | Carlos Antônio Freitas da Silva e Valéria Lazaro Carvalho Pedro e a festa na lagoa: estratégias de sonorização de histórias no ensino de música | 21
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

boca? Por que o(a) senhor(a) não quer falar?


Vamos Em seguida, promova reflexões sobre o que
é silêncio, qual sua aplicabilidade em sala de
para a aula, fora dela e na música.

prática? Fechem bem os olhos

Treinando o ouvido
(sons agradáveis e
desagradáveis)

Algumas figuras para a história

Outra estratégia que ajuda a contação instrumentos musicais convencionais, não Sabemos que o ouvido é um receptor es- Segundo momento – O som: Com as crian-
de uma boa história é a seleção de materiais convencionais e objetos sonoros e, em se- pecializado em detectar e interpretar diver- ças ainda sentadas na roda, organize um es-
que auxiliarão na construção da narrativa. O guida, disponibilize-os para que as crianças sos estímulos sonoros, sejam eles acústicos, paço na sala onde possa ser realizada uma
RCNEI nos orienta que devemos diversificar possam manuseá-los. internos ou externos. Sendo assim, antes de atividade de apreciação sonora. Em seguida,
nossa didática, a forma de contar, recontar e começarmos as práticas musicais, indicamos toque os objetos sonoros, instrumentos mu-
No segundo momento, use figuras de
apresentar uma nova história. Sendo assim, essa atividade para que as crianças possam sicais (variando a intensidade). Pergunte aos
animais, meios de transporte; para trabalhar
indicamos o uso de materiais com formas, se relacionar com a produção do som (na- seus alunos se o som que eles estão ouvin-
os sons do corpo e da boca (onomatopeias,
cores, tamanhos e texturas diversas, como: tural, artificial, agradável ou desagradável) e do é agradável ou desagradável. O que eles
balbucios), trabalhe a linguagem não verbal
quadro interativo (flanelógrafo), fantoches, do silêncio. acham do som? Que sensação ele provoca?
e expressões corporais dos personagens
brinquedos, figuras e personagens (meios Ao final, promova um amplo debate a respei-
(acordando, espreguiçando, escovando os
de transportes, pessoas, animais etc.) feitos to dos sons que foram produzidos. Este é um
dentes, tomando banho, feliz, ansioso e ou-
de papelão, EVA, madeira etc.
tros). Desenvolvendo a bom momento para fazer uma boa reflexão
Oportunize uma vivência baseada nas in- a respeito da poluição sonora.
terações do sujeito e objetos, na mediação
Mostre as figuras dos bichos (vaca, ca- atividade
chorro, gato, galinha etc.) para explorar os
com o mundo através de instrumentos e sig-
gestos. Utilize os instrumentos construídos
nos, na percepção das formas e dos elemen-
nas oficinas para reproduzir os sons dos ani-
tos da composição visual e em elementos
mais e fenômenos da natureza, como: trote
primordiais para as relações humanas, como
do cavalo (quengas de coco), sinos ou cho-
as emoções e a afetividade.
calhos de ferro (som da vaca, ovelha), reco-
-reco (som do sapo), pau de chuva (som da
chuva), trovão (filme radiográfico ou tambo-
Sonorização de história res), flauta de êmbolo (o sobe e desce).
Para realizar a sonorização das histórias, é
interessante que antes sejam feitas oficinas
de construção de instrumentos, pois, segun-
Para saber mais sobre
Treinando os ouvidos
do Brito (2003), as atividades de criação de construção de instrumentos Que som é esse?
musicais: Primeiro momento – O silêncio: Peça para
instrumentos musicais ou objetos sonoros
que as crianças se sentem no chão e formem
despertam na criança a curiosidade, o enten- BRITO, T. A. de. Música na educação infantil: uma roda. Em seguida, coloque uma fita
dimento de questões elementares referentes propostas para a formação integral da crian-
Para saber mais:
adesiva em sua própria boca. Enquanto isso,
à reprodução do som e às suas qualidades. ça. São Paulo: Peirópolis, 2003.
vá organizando o espaço para a realização Para mais detalhes dessa atividade, consul-
É interessante que, sempre antes das ati- da atividade. Após organizar a sala, retire a tar o exercício “Limpeza de ouvidos” do li-
vidades de sonorização, o professor apre- fita e aguarde os questionamentos que virão. vro O ouvido pensante, do educador musical
sente ou toque para seus alunos alguns Por que o(a) senhor(a) está com essa fita na Murray Schafer.

22 | Carlos Antônio Freitas da Silva e Valéria Lazaro Carvalho Pedro e a festa na lagoa: estratégias de sonorização de histórias no ensino de música | 23
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

– Sim, Pedro! É a primavera! – Respondeu Sugestão de atividade Realizando a atividade

Tudo o avô.
– A época do ano em que tudo fica mais
A viagem de trem Primeiro momento – Com as crianças em

pronto! bonito.
– Olhe como a lagoa está linda! Os ami-
roda, pergunte: O que é um trem? Quem já
viajou de trem? Qual o som que ele faz? Em
seguida, sopre a cabeça da flauta (ou objeto
Então vamos mais e bichos já voltaram a morar lá – disse com som semelhante) e chacoalhe dois
o vovô. chocalhos de garrafa pet (ou instrumento
à história e às Pedro decidiu dar uma volta e foi lá para semelhante), variando o ritmo e o som. Es-
atividades a lagoa. pere as reações das crianças e veja se elas
reconheceram os sons que foram produzi-
Quando se aproximou, Pedro ouviu uma
dos. Na sequência, distribua os chocalhos e,
linda e agradável melodia que vinha de uma
juntos, cantem e toquem uma canção que
enorme árvore.
fale sobre o tema trem.
Ao chegar à lagoa, o menino ouviu uma
enorme cantoria. O maestro Sapo Cururu es-
tava organizando um coral juntamente com Segundo momento – Coloque as crian-
Pedro e a festa na lagoa seus amigos para se apresentar na festa da ças sentadas em cadeiras enfileiradas para
lagoa. Pedro e a viagem de trem simbolizar uma viagem de trem (Figura 8).
Pedro é um menino que gosta muito de Depois, sugerimos que recite um trecho do
música e sonha ser um grande baterista. Por Quando o senhor Sapo Cururu viu Pedro Essa atividade retrata a viagem de trem poema “O trem de ferro”, de Manuel Bandei-
isso, ele fica batendo em tudo o que vê pela na beira da lagoa, disse: que Pedro fez da sua casa para o sítio de ra: “Café com pão! Café com pão! Café com
frente, só para ver que sons os objetos pro- – Bom dia, menino! Quem é você? seu avô. Nela, poderão ser abordados temas pão!” (a intenção é provocar uma sonorida-
duzem. como: estimulação tátil (formas, texturas), de que lembre um trem em movimento).
– Meu nome é Pedro – respondeu o garo- estimulação visual (cores, figuras), proprie-
Em um belo dia de sol, Pedro acordou to. – Eu não moro aqui, acabei de chegar lá Utilizando a flauta e os chocalhos, faça
dades do som (timbres, alturas, intensida-
bem cedo, pulou da cama, foi correndo to- da cidade! variações de ritmo e intensidade, produza
des), paisagem sonora, manipulação de ob-
mar banho e escovar os dentes. Ele estava sons longos, trabalhe expressões corporais,
O Sapo falou: jetos sonoros, composição, improvisação,
muito ansioso, porque o vovô Manel lhe fez noções de lateralidade, para cima e para
jogos simbólicos, socialização, imaginação,
um convite: ir passar as férias lá no seu sítio. – Nós estamos ensaiando uma música baixo.
canto coletivo, expressões corporais, coor-
Ao chegar, o vovô disse: com o coral da lagoa para cantar logo mais
denação motora, linguagens verbal e não
– Pedro, hoje nós vamos passear de trem! na festa que comemora a chegada da pri-
verbal, prática de conjunto etc.
mavera. Nesta época do ano, a Natureza se
Ao entrar no trem, o menino ouviu um transforma, tudo aqui fica mais belo, os rios Viajando no trem
som: Piuí! Piuí! Piuí! Pompoom! Ele ficou im- voltam a encher, as flores ficam mais cheiro-

Designed by Freepik
pressionado com o som que a máquina fazia. sas, e os animais se reúnem à beira da lagoa
Café com pão! para uma grande festa.
Café com pão! O Sapo, juntamente com os seus amigos,
começou a cantar uma linda canção chama-
Café com pão!
da “O ribeirão secou” (Cantigas Populares).
Piuiii!
Em seguida, o grilo se aproximou, pediu
Ao sair da cidade, Pedro notou uma enor- licença a Pedro e ao Sapo e disse que queria
me diferença na paisagem: o caminho ficou recitar um poema.
mais verde, cheio de árvores, flores, riachos,
– Eu serei breve – disse o senhor Grilo Fa-
animais e lindas montanhas.
lante.
Ao chegar ao sítio, Pedro viu que a paisa-
Após ouvir o poema, radiante e feliz, Pe-
gem havia mudado.
dro se despediu de todos e foi correndo para
– Nossa, vovô! Tudo está verde de novo! a casa do seu avô contar as novidades.

24 | Carlos Antônio Freitas da Silva e Valéria Lazaro Carvalho Pedro e a festa na lagoa: estratégias de sonorização de histórias no ensino de música | 25
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

O passeio de trem A lagoa

Terceiro momento – Agora é hora de pas- Segundo momento – Após a discussão dos sensibilizar com o complexo mundo sonoro Atividade – Pedro e o
sear de trem. Com as crianças em pé e com questionamentos, sugerimos que apresente e musical que nos rodeia.
seu chocalho na mão, organize uma fila in- e declame para as crianças o soneto “A pri- Senhor Sapo Cururu
Faça uma reflexão sobres as sucessivas
diana. Se possível, utilize uma corda ou elás- mavera”, de Antônio Vivaldi. Independente- Primeiro momento – Retome a história na
modificações sonoras ocorridas nesse tre-
tico para orientar a fila e para que as crianças mente da idade, submeta as crianças a essa parte em que Pedro chega à lagoa e encon-
cho da história, reflita sobre o som/ambiente
não se dispersem na hora do passeio. Faça atividade. tra o sapo. Promova novos questionamen-
da lagoa, peça dicas às crianças de palavras
um passeio de trem pela escola. tos: O que é um coral? O que é um maestro?
Depois, veja qual foi o entendimento das que rimem com a poesia. Recrie e sonorize
crianças e extraia do poema situações-pro- o poema utilizando os instrumentos confec- Qual a música que o coral estava cantando?
blema. Exemplos: O que é primavera? Como cionados na oficina de construção de instru- Peça às crianças sugestões de músicas que
Sugestão de atividade era linda e agradável a melodia que vinha da mentos. falem de lagoa ou de sapo.
Pedro na lagoa árvore? Como eram o som dos relâmpagos Segundo momento – Utilize as canções su-
e trovões que anunciavam a chegada da pri- geridas para fazer uma releitura da música e
Professor(a), utilize-se desta atividade mavera? Que melodia dançavam e festeja- acompanhe, junto com as crianças, peque-
para trabalhar temas transversais da educa- vam ninfas e pastores? nos trechos rítmicos e melódicos. Além de
ção, como: ecossistemas, ciclos da natureza,
Terceiro momento – Para reforçar a che- Para ler o soneto e ouvir a cantar, a criança tem interesse, também, em
estações do ano, preservação e conservação
gada da primavera e simbolizar o canto tocar pequenas linhas melódicas nos instru-
ambiental, tipo de moradias, relação de con- música “A primavera”,
dos pássaros, sugerimos que faça a escuta mentos musicais, buscando entender sua
vivência, entre outros.
do primeiro movimento (ou um trecho) da clique aqui: construção (RCNEI, 1998, p.53).
música “As Quatro Estações” (Primavera), http://euterpe.blog.br/analise-e-teoria/ Para isso, você pode dividir a turma em
de Antônio Vivaldi. Você pode executar no analise-de-obra/vivaldi-a-primavera
Desenvolvendo a atividade três grupos: grupo A (instrumentos de per-
instrumento que lhe for mais conveniente ou cutir); grupo B (instrumentos de chacoa-
Primeiro momento – Retome a história de colocar um vídeo para mostrá-la aos alunos. lhar); grupo C (coral). Na primeira execução,
Pedro na parte em que ele chega ao sítio e Quarto momento – Para fazer o término permita que as crianças se expressem livre-
fica encantado com tanto verde ao seu re- dessa atividade, indicamos que faça junto mente; em seguida, direcione-as até que elas
dor. Na sequência, coloque algumas ques- com as crianças a releitura e a sonorização estejam acompanhando as células rítmicas e
tões-problema, como: Qual foi a diferença do poema. Promova estratégias pedagógi- melódicas que foram sugeridas.
entre as paisagens sonoras e visuais (urbana cas variadas para o ensino de música, onde
para a rural) que Pedro viu? a criança possa interagir, se familiarizar e se

26 | Carlos Antônio Freitas da Silva e Valéria Lazaro Carvalho Pedro e a festa na lagoa: estratégias de sonorização de histórias no ensino de música | 27
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Conclusão Autores Referências


Podemos ver nesse trabalho que são inú-
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secreta-
meras as possibilidades de uma criança se ria de Educação Fundamental. Referencial curricular na-
relacionar com a música na educação bási- cional para a educação infantil. Ministério da Educação e
ca, seja a partir da exploração de materiais do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Bra-
diversos, objetos sonoros, no contato com sília: MEC/SEF, 1998. 3 v. p 45-78.
instrumentos musicais, na escuta de obras Carlos Antônio BRITO, T. A. de. Música na educação infantil: propostas
musicais, na produção do som e do silêncio, Freitas da Silva para a formação integral da criança. São Paulo: Peirópolis,
csilva310@hotmail.com 2003.
também expressando sensações, sentimen-
tos, ouvindo, percebendo e discriminando GAINZA, Violeta. Estudos de psicopedagogia musical. 3.
eventos sonoros diversos, na organização, Professor de Música na educação básica. No ed. São Paulo: Summus, 1988.
composição, execução musical, prática de YouTube, comanda o canal Musicalizando
com Tio Carlos. Aluno especial no Programa ILARI, Beatriz. A música e o desenvolvimento da mente no
conjunto, a partir dos gestos e movimentos início da: vida investigação, fatos e mitos. Revista Eletrôni-
corporais, entre tantos outros. de Pós-Graduação em Educação, pela Uni- ca de Musicologia, v. 9, out. 2005. Disponível em: http://
versidade Federal do Rio Grande do Norte www.rem.ufpr.br/_REM/REMv9-1/ilari.html. Acesso em:
Vimos também que não devemos nos (UFRN). Possui graduação em licenciatura 22 abr. 2018.
ater a esse ou àquele método ou proposta em Música pela UFRN, foi colaborador e bol-
SCHAFER, Raymond M. O Ouvido pensante. Tradução
de ensino, mas a um conjunto de possibilida- sista de iniciação à pesquisa no Grupo de Es- de Marisa Trench de O. Fonterrada, Magda R. Gomes da
des pedagógicas, onde a criança possa inte- tudos e Pesquisa em Música (GRUMUS) da Silva e Maria Lúcia Pascoal. São Paulo: UNESP, 1991.
ragir livre e ativamente com seu fazer musi- Escola de Música da UFRN (EMUFRN).
cal e com o mundo sonoro da forma que lhe
for mais conveniente, onde ela possa ressig-
nificar constantemente suas aprendizagens.
Esperamos que as atividades aqui des-
critas possam ajudar de forma significativa
a divulgar as práticas de educação musical,
como também incentivar e motivar profes-
sores especialistas ou não a trabalhar com a
música na educação infantil. Valéria Lazaro de
Carvalho
vcarvalhodeart@msn.com

Doutora em Educação pela Universidade Fe-


deral do Rio Grande do Norte (UFRN). Gra-
duada em licenciatura em Música pela Uni-
versidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ
(1977) e mestra em Música pelo Conservató-
rio Brasileiro de Música - CBM (2000). Atu-
almente é professora associada da UFRN,
atuando também no Programa de Pós-
-Graduação em Música. Coordena o curso
de especialização em Ensino de Música em
Múltiplos Contextos da Escola de Música da
UFRN (EMUFRN). Atua na pesquisa como
vice-coordenadora do GRUMUS (Grupo de
Estudos e Pesquisas em Música) da EMU-
FRN.

28 | Carlos Antônio Freitas da Silva e Valéria Lazaro Carvalho Pedro e a festa na lagoa: estratégias de sonorização de histórias no ensino de música | 29
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Música na Educação Básica

Música na Educação Básica

Hoje é dia de
Pixinguinha!

Maria Cristiane Deltregia Reys

Today is Pixinguinha’s day!

Resumo Abstract
O texto apresenta ideias para abordar This paper presents some ideas to te-
o ensino de história da música ach Brazilian Music History in schools.
brasileira no âmbito escolar. A partir Based on activities for audience-liste-
de atividades de apreciação, análise e ning, analysis and creation, and musical
criação e análise musical, a proposta analysis, the proposal is related to the
relacionada à atividade de Literatura activity of Literature and emphasizes
enfatiza a reflexão sobre música como the reflection on music as an impor-
importante atividade no processo do tant activity in the process of “making
fazer musical. O contato com a obra de music”. Familiarization with the work
Pixinguinha e Benedito Lacerda, “Um of Pixinguinha and Benedito Lacerda,
a zero”, é apresentado como exemplo “Um a zero”, is presented as an exam-
para se abordar a história da música e ple to discuss Music History and the
a história de compositores brasileiros history of Brazilian composers from
de diferentes períodos. O texto propõe different periods. The text proposes
um planejamento aberto para a aula de an open plan for music classes, with a
música, numa abordagem rizomática rhizomatic approach to the curriculum.
do currículo.
Keywords: Musical education. Basic
school. History of Brazilian music.
Palavras-chave: Educação musical.
Escola básica. História da música
brasileira.

REYS, Maria Cristiane Deltregia. Hoje é dia de Pixinguinha!. Música na Educação Básica, v. 9, nº 10/11, 2019.

31
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

cumento, alguns se relacionam com o falar


Auto-retrato de e o pensar sobre música. Observe este
Eu também nasci chorando trecho dos PCNs (Brasil, 1997, p.51) que nor-
teiam o ensino de Arte/Música na primeira
Como todo mundo nasce fase do ensino fundamental:
Choro: E embora a chorar vivesse
gênero
Não chorei o que bastasse
musical A MÚSICA COMO PRODUTO CULTURAL E
HISTÓRICO: MÚSICA E SONS DO MUNDO
No choro a vida passei O grupo
• Movimentos musicais e obras de diferen-
Com prazer e na labuta Oito Batutas
tes épocas e culturas, associados a outras
Sustentei mulher e filho linguagens artísticas no contexto históri-
Chorando fiz-me um batuta co, social e geográfico, observados na sua
diversidade.
Chorei muito choro alheio • Fontes de registro e preservação (parti-
Toquei maxixe e marchinha turas, discos etc.) e recursos de acesso e
Alfredo sou por batismo divulgação da música disponíveis na clas-
O apelido se, na escola, na comunidade e nos meios
Entre as Mas no choro Pixinguinha de Alfredo Por que estudar história de comunicação (bibliotecas, midiatecas
obras do
compositor
da música na escola? etc.).
Fiz música, fui maestro • Músicos como agentes sociais: vidas,
O estudo de história na disciplina de músi-
Fui Ingênuo, Carinhoso ca tem por objetivo enfatizar períodos, com- épocas e produções.
Soprei meu triste Lamento positores e mudanças em relação às funções • Transformações de técnicas, instrumen-
E o meu riso mais gostoso da música nos diferentes períodos históricos. tos, equipamentos e tecnologia na histó-
O que ele Além disso, a partir da história é possível co- ria da música.
nos deixou? nhecer as raízes musicais de diferentes cul-
E assim o ciclo se fecha • A música e sua importância na sociedade
turas, de forma a ampliar os horizontes mu-
Pois cumpri o meu papel sicais do ouvinte.
e na vida dos indivíduos.
Pintei o choro na terra • Os sons ambientais, naturais e outros, de
Estudar história na aula de música signifi-
Pra colher risos no céu ca pensar sobre música e falar de música, ou
diferentes épocas e lugares e sua influên-
cia na música e na vida das pessoas.
seja, não significa propriamente fazer músi-
ca. Mas, para fazer música, é preciso falar de • Músicas e apresentações musicais e ar-
O poema do mestre pode ser o pontapé inicial ou pensar sobre: Como compreender a mú- tísticas das comunidades, regiões e País
para a aula de história da música brasileira. Ob- sica de compositores de diferentes períodos, consideradas na diversidade cultural, em
serve que as palavras em destaque sugerem ca- estilos e vertentes composicionais? Como outras épocas e na contemporaneidade.
racterísticas da vida e da obra de Pixinguinha. A partir compreender a linguagem utilizada em uma • Pesquisa e frequência junto dos músicos
dos objetivos do professor, elas podem se tornar pala- determinada obra sem conhecer seu con- e suas obras para reconhecimento e refle-
vras-chave e levar a uma série de possibilidades den- texto? Como fazer sua própria música sem xão sobre a música presente no entorno.
tro do tema. Assim sendo, escolher o foco do trabalho conhecer elementos e possibilidades de or-
pode ser uma decisão em conjunto com o grupo de ganização sonora? Enfim, qual a importância
alunos, e falar de Pixinguinha a partir de seu apelido ou das referências no processo de aprender? No modelo C(L)A(S)P, proposto por
a partir de sua obra é apenas um detalhe no desenrolar Nos Parâmetros Curriculares Nacionais Swanwick (1979) e amplamente divulgado
da “partida”. para o ensino de Arte, observa-se a reco- no Brasil, o estudo de história se insere em
mendação de se conhecer e valorizar as pro- “Literatura”, atividade de apoio ao processo
Mas deixemos esse papo de “partida” e “pontapés”
duções musicais brasileiras e internacionais de aprendizagem que acontece prioritaria-
para depois. Agora vamos refletir um pouco sobre os
de diferentes períodos históricos e geográfi- mente por meio de atividades de compo-
objetivos e as maneiras de estudar história da música
cos. Entre os objetivos delineados nesse do- sição, apreciação e execução. Conhecer o
em sala de aula.
contexto de obras musicais, intérpretes e

32 | Maria Cristiane Deltregia Reys Hoje é dia de Pixinguinha! | 33


V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

compositores, analisar peças, conhecer gê- pria música, ou seja, com a interpretação” alunos de ensino médio com o auxílio de re- peças, O Trenzinho Caipira, constitui-se em
nero e estilo não implica tomar um contato (Costa, 2010, p.41, grifos da autora). cursos audiovisuais, atividades práticas e re- uma “melodia condutora da ‘viagem’, uma
mais íntimo com a linguagem musical fazen- latórios. O diferencial do trabalho, entretanto, espécie de vinheta” (Reis, 2010, p.460).
do música, mas esta atividade apresenta-se é a correlação feita entre diferentes repertó-
Gohn e Lanzelotte (2010) propõem o
como apoiadora no aprendizado, para que Como estudar história da rios com músicas do cotidiano dos alunos,
contato com a música de Ernesto Nazareth
o fazer musical aconteça pleno de signifi- ou seja, a identificação de mimetismos em
cado. Assim, a literatura deve ser abordada música na escola? repertórios de diferentes períodos da história
a partir de jogos eletrônicos. Para os auto-
res, esses ambientes virtuais de aprendiza-
de modo integrado às atividades de com- Quando falamos em história, logo imagi- e em obras do repertório de grupos como o
gem informal podem ajudar a desenvolver a
posição, apreciação e execução, ou seja, ler namos compositores antigos e a dificuldade francês Era e o finlandês Eluveitie, que utili-
percepção auditiva e motivar os estudantes
sobre um determinado compositor, apreciar em apresentá-los em sala de aula. Os estu- zam o cantochão, harmonias modais e ins-
a conhecer conceitos e estilos musicais de
uma peça e, quem sabe, fazer uma releitura dantes estão sempre conectados às músi- trumentos renascentistas em suas composi-
forma interativa e lúdica. Outro site indicado
de sua obra fechariam o ciclo, dando consis- cas de seu cotidiano e de seus grupos, ten- ções.
pelos autores é o www.musicabrasilis.org.br,
tência ao aprendizado. Nessa perspectiva, as do acesso fácil e rápido ao imenso leque de Reis (2010) descreve a atuação de um que disponibiliza jogos e repertório brasilei-
atividades de literatura “só terão significado opções de músicas que circulam nas mídias, grupo de alunos do curso de licenciatura em ro para apreciação musical. O site também
para a Música e para a educação musical formando gosto musical por influência do um projeto de extensão cuja temática, “Mui- disponibiliza diversos vídeos, partituras e es-
quando se encontrarem relacionadas com a meio em que está inserido. Pode ser desa- to prazer, Villa-Lobos! Uma viagem sonora”,
própria composição, audição e com a pró- fiador para o professor apresentar um reper- tornou possível utilizar o espaço escolar para
tório distante do cotidiano de seus alunos. difundir a cultura erudita. O grupo apresen-
Você sabia? Assim, na maneira como o repertório é apre- tou a música de Villa-Lobos para piano a Você sabia que
sentado pelo professor pode estar a chave partir de um roteiro cênico, com base na his- o dia 23 de abril
Com base na obra de Piaget, Keith
Swanwick é um professor britânico que
do sucesso. Meurer (2016, p. 11) destaca o tória da vida do compositor e onde uma das é o dia Nacional
quão importante é a do Choro em
se dedica à pesquisa sobre o desenvol-
vimento musical das crianças. Ele siste- homenagem a
matizou a Teoria Espiral de Desenvolvi-
mento Musical, explicando que este se […] forma como o repertório é apresen- Fiz música, fui maestro... Pixinguinha?
dá em etapas durante o processo de tado, podendo encantar e assim instigar os
aprendizagem. Também sistematizou alunos a perceber, sentir, conhecer, compre- Nascido em 23 de abril de 1897 no Rio de
uma metodologia de ensino de música ender, manipular e apropriar-se das músicas. Janeiro, filho de Alfredo Vianna da Rocha e
que propõe ensinar (e aprender) “musi-
(Meurer, 2016, p.11). Raimunda Maria da Conceição, Alfredo Vian- artimanhas como mesclar repertório estran-
calmente” pelas experiências de ouvir, na da Rocha Filho era o 12º filho do casal que geiro ao de autoria própria para conquistar
criar, tocar e cantar. O modelo C(L)A(S)
vivia com a casa cheia de amigos, muitos espaços elitistas e sobreviver do trabalho
P é bastante divulgado no Brasil e nos
auxilia a tirar o foco da leitura, da téc- Neste sentido, alguns educadores musi- deles músicos que influenciariam a trajetó- com a música. Chegaram a fazer uma turnê
nica e da teoria, tradicionalmente tidas cais dedicam-se a criar estratégias para ensi- ria de Pixinguinha. Como o pai, aprendeu a pela França, tiveram contato com o jazz e
como ponto de partida para aprender nar história da música de maneira contextua- ler partitura e iniciou a carreira tocando ca- tornaram-se ao mesmo tempo “depositários
música. lizada e conectada ao cotidiano escolar. vaquinho. Em seguida, passou a tocar flauta de brasilidade e assimiladores das novida-
e somente aos 35 anos obteve um diploma des estrangeiras” (Bessa, 2010, p.93). Entre
O livro de Simone Cit e Iara Teixeira
Para saber mais sobre este (2003) delineia de maneira graciosa o tex-
no curso do Instituto Nacional de Música, outros músicos, como Donga e João Per-
autor: embora, segundo Bessa (2010), sua forma- nambuco, Pixinguinha participou do grupo
to e as ilustrações coloridas para apresentar
ção musical como instrumentista e compo- durante toda a sua existência.
às crianças um pouco da história da músi-
sitor tenha acontecido mesmo é nas rodas Muitas de suas composições tinham rela-
SWANWICK, Keith. Ensinando músi- ca popular brasileira. Entre os compositores
de choro da casa de seus pais e nas ruas da ção direta com algum tema popular, político
ca musicalmente. Trad. Alda Oliveira e apresentados no livro, está Pixinguinha, e o
Cristina Tourinho. São Paulo: Moderna, cidade do Rio de Janeiro. ou de sua vida cotidiana, como era comum
repertório proposto é o samba “Peixinhos do
2003. Liderou o grupo Oito Batutas, forma- na época. Um exemplo é o choro “Um a
mar”, melodia e letra bastante acessíveis às
FRANÇA, Cecília Cavalieri; SWANWICK, crianças pequenas. O livro vem com CD que do em 1919 com a finalidade de entreter os zero”, composto em conjunto com seu par-
Keith. Composição, apreciação e per- frequentadores do Cine Palais, oferecendo ceiro Benedito Lacerda após uma partida de
pode auxiliar no trabalho do professor, sendo
formance na educação musical: teoria,
um ótimo recurso caso não seja possível to- música na sala de espera do cinema. Em um futebol em que o jogador Friedenreich fez o
pesquisa e prática. Em Pauta, Porto
Alegre, UFRGS, v. 13, n. 21, 2002. car um instrumento. tempo em que os olhares eram preconcei- gol decisivo para a vitória do Brasil contra o
tuosos em relação aos músicos negros e à Uruguai na final do campeonato sul-ameri-
Amaral et al. (2010) apresentaram os di-
música popular brasileira, o grupo usava de cano, em 1919.
ferentes períodos de história da música aos

34 | Maria Cristiane Deltregia Reys Hoje é dia de Pixinguinha! | 35


V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

aproveitar oportunidades sem, entretanto,


se perder em um “mar de rizomas” (França, Compositores
2006, p.70). brasileiros do
século XIX
História
do Choro

Imagem de Sasin Tipchai por Pixabay


Composições Instrumentos/
sobre futebol sonoridades
típicos da música
História da popular brasileira
música brasileira

Ritmos brasileiros
cutas guiadas (com partituras) de obras de de prioridades para a atividade.
diversos períodos e compositores brasileiros. Paisagem sonora
É sempre importante considerar alguns
critérios, como as características da turma e
o gosto musical dos alunos, o nível de desen-
De volta aos “pontapés” volvimento musical do grupo e as experiên-
cias prévias no contato formal com a educa- Apreciando a partida ao
O futebol é um tema presente na vida da ção musical. Também é possível vislumbrar
escola. Assim, uma possibilidade de abor- vários e diferentes encaminhamentos para o som de Pixinguinha
dar a história de Pixinguinha a partir de sua processo de trabalho em uma abordagem ri- Olha o Pixinguinha aí!
Tem tanto “Um a zero” na internet! É pos-
obra e a partir de um tema do cotidiano dos zomática do currículo. Observe o que escre- Mostrar uma gravação antiga para as
sível ouvir grande diversidade de interpre-
alunos é o choro “Um a zero”. Escutar ati- ve França (2006) sobre esse tipo de abor- tações, texturas, timbres... e de brincadeiras crianças é uma ótima oportunidade
vamente a peça e a partir dela desenvolver dagem: para conversar sobre a evolução dos
também! Trago algumas sugestões: processos de gravação:
atividades que relacionem os conteúdos ao
fazer musical é o foco do trabalho a seguir. A metáfora do rizoma tem como Busque no YouTube: Pixinguinha
fundamento a multiplicidade. Sugere e seu conjunto - “1x0”, em grava-
Pode-se elencar objetivos, como conhe- uma rede de ideias com inúmeras E como pode ser divertido tocar um ção dos anos 50.
cer aspectos da vida de Pixinguinha a partir possibilidades que podem se conectar a instrumento! Acho que o Pixinguinha
do poema “Auto-Retrato”; estudar a história outras em direções múltiplas conforme ia adorar essas interpretações:
do choro; apreciar outras obras de Pixingui- oportunidades lhe apareçam. É antes um
processo que um produto, aberto, alterável, Busque no YouTube: Você conhece o João? Esse pianista
nha; ouvir diferentes interpretações de “Um modificável, sempre em construção. Acima Um A Zero Video and Audio by brasileiro não é incrível?
a zero” e identificar diferenças de textura, de tudo, comporta diferentes entradas e Nate Barsanti Busque no YouTube:
forma, expressão, entre outros; analisar a permite fazer conexões criativas, uma vez Um a Zero - Orquestra Jovem João Tavares Filho - Um a Zero
partitura e identificar elementos rítmicos e que um ponto pode conduzir a qualquer Tom Jobim (Pixinguinha)
melódicos e elaborar um arranjo a partir de outro, sem obedecer a uma direção fixa ou
“Um a zero”. previsível. (França, 2006, p.69).

É importante ter um planejamento com


objetivos e conteúdos preestabelecidos para Assim, poderíamos pensar em caminhos Agora ouça Pixinguinha na interpreta-
ção do grupo Quintaessentia. Que tal

Quinta Essentia ©Heloisa Bortz


as aulas, mas, preferencialmente, deve-se es- possíveis ou vislumbrar a metodologia como

www.quintaessentia.com.br
pesquisar e conhecer um pouco mais
tar aberto a possíveis mudanças que venham se fosse uma “teia”, seguindo com o plane- sobre o mundo da flauta doce?
a trazer benefícios ao processo de aprendi- jamento a partir do interesse das crianças Busque no YouTube:
zagem dos alunos. Assim, se o interesse da sobre um determinado aspecto do tema,
Quinta Essentia: Um a Zero - Pi-
turma levar você a repensar a proposta, é sendo flexível quanto ao planejamento ini-
xinguinha e Benedito Lacerda -
possível trilhar outros caminhos para chegar cial. Estar atento para aproveitar a “partida”, Arr. Helcio Müller
ao conteúdo e até mesmo reorganizar a lista mas sem perder de vista o conteúdo espe-
cífico da aula de música; estar aberto para

36 | Maria Cristiane Deltregia Reys Hoje é dia de Pixinguinha! | 37


V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Para guiar a apreciação: Um a Zero Pixinguinha & Benedito Lacerda

• Qual a versão que você mais gosta?


•
Quais as diferenças entre as versões
ouvidas (instrumentos, jeito de tocar,
arranjos)?
• Qual parece ser a mais antiga? E a mais
recente? Por quê? Gabrielly, de 8 anos,
• Qual a relação entre os instrumentos olhou a partitura e
solistas e a voz? disse: “Até que enfim
• Você se divertiu? alguém vai me
ensinar as ‘letras’

E a partitura?
Costumo mostrar às crianças as partituras
das peças que vamos estudar, mesmo sem
ter a intenção de lhes ensinar as “letras”, a
notação musical tradicional. Mas, pensando
sobre isso, quantas vezes aprender música
significa tocar um instrumento e entender
a partitura? Mesmo sem ter, naquele mo-
mento, a intenção de trabalhar com notação Você pode ainda tocar o trecho para que
musical, é importante que formas de regis- as crianças acompanhem na partitura o mo-
Compondo com
tro aconteçam nas aulas de Música. O breve vimento da melodia. Elas perceberão que, Pixinguinha
contato com a partitura do professor tam- nesse tipo de registro, a música se “desenha”
Dependendo de como essa “partida de
bém pode ser interessante para reconhecer da esquerda para a direita, da mesma forma
futebol” esteja acontecendo, o professor
conceitos já trabalhados nas aulas, como que escrevemos as palavras.
pode aproveitar o tema para desenvolver
sons ascendentes e descendentes, o efeito
outras atividades. Se você optar por pro-
do ornamento (a gaitinha de boca de “Um a
Para guiar a apreciação: por uma atividade de criação, poderá ter
zero”), a pausa, sons graves e agudos, entre
•Q
 uais os elementos utilizados pelos em mente a exploração dos elementos rít-
outros.
autores para enfatizar que a bola está micos e melódicos dos autores, ou ainda
se aproximando do gol? a criação de sons para outros eventos da
partida de futebol.
• Você sabe o que é uma bordadura?
Você sabia? Para a atividade de criação, você pode
escolher estratégias que já tenha experi-
“Conta-se que Pixinguinha, presente no es- Por falar em apreciação, a metodologia
mentado, podendo optar por improvisa-
tádio em que se realizou a histórica partida, proposta por Swanwick sugere que se vá
ções individuais ou dividir a turma e propor
teve sua atenção desviada por uma gaitinha além do ouvir e perceber quais são os ins-
algo mais elaborado. A atividade de com-
de boca que, no momento do gol, disparou a trumentos utilizados no arranjo ou do en-
posição é geralmente um momento que as
tocar um motivo descendente de duas notas tender a partitura. O ouvir precisa atingir
crianças adoram, mas também é um mo-
num intervalo de um tom […]. Para mimeti- uma dimensão de aprender sobre os aspec-
zar o caráter ruidoso do som emitido pelo mento no qual o professor precisa de mui-
tos materiais e expressivos, além de com-
torcedor, Pixinguinha introduz uma espécie to “jogo de cintura”, não é? Os desafios são
preender a estrutura das músicas. Neste
de bordadura na primeira nota, que quando muitos!
sentido, o ato de ouvir ampliará as possibi-
realizada em grande velocidade pelo flautis- lidades musicais dos estudantes, sendo de Na hora de dividir os grupos, é preciso
ta produz um efeito ‘ruidoso’” (Bessa, 2010,
grande importância também nos processos escolher as parcerias que dão certo. Sempre
p. 79).
de criação e performance. falo para os meus alunos que escolheremos

38 | Maria Cristiane Deltregia Reys Hoje é dia de Pixinguinha! | 39


V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

grupos de crianças que trabalhem bem jun- Há muitas composições, experimente al-
tas! Depois de formados os grupos, onde gumas que abordam o tema com diferentes Para saber mais
Referências
trabalhar? Todos os grupos dentro da sala ritmos e estilos (os links são minhas suges- AMARAL, M. L. F.; CORDEIRO, D.; GOULART, G. História
de aula... nem pensar! É preciso ter em vista tões): http://drzem.blogspot.com/2010/07/ da Música: conhecendo os períodos, elementos e gêne-
alguns cantinhos na escola onde as crianças historia-do-choro-um-zero-de.html ros musicais através da apreciação e prática musical. In:
possam se concentrar e ter um pouco de CONGRESSO NACIONAL DA ABEM, 2010, 19., Goiânia.
Ouça https://issuu.com/lucianomilani/docs/ Anais […]. Goiânia: ABEM, 2010.
silêncio para ouvir seus próprios sons. Ou- livro
tra decisão: Vamos usar instrumentos para Frevo do Bi, do Jackson do Pandeiro BESSA, Virgínia A. A escuta singular de Pixinguinha. His-
compor? Podemos experimentar o trabalho Busque no YouTube para ouvir. tória e música popular no Brasil dos anos 1920 e 1930.
com ou sem instrumentos; o professor pode São Paulo: Alameda, 2010.
observar em que condições seus alunos con- Geraldinos e Arquibaldos, do Gonzaquinha
BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: Arte/Secreta-
seguem atender melhor aos objetivos da ati- Busque no YouTube para ouvir. ria de Educação Fundamental. Brasília: MEC /SEF, 1997.
vidade. O dedão do craque, de Sílvio Mansani Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/

Para o tema “Um a zero”, tenho uma su- https://soundcloud.com/no-dorso-do- Autora livro06.pdf.

gestão. Escreva em cartões palavras que -rinoceronte CIT, Simone; TEIXEIRA, Iara. História da música popular
brasileira para crianças. Secretaria de Cultura do Estado
expressem as situações de uma partida, por do Paraná, 2003.
exemplo:
COSTA, Maria M. A. I. da. O valor da Música na Edu-
Foi um prazer te Maria Cristiane cação na perspectiva de Keith Swanwick. Dissertação

conhecer... Deltregia Reys (Mestrado em Educação) – Universidade de Lisboa, Lis-


boa, 2010. Disponível em: http://repositorio.ul.pt/bits-
cris_reys@hotmail.com
tream/10451/2563/1/ulfp035764_tm.pdf. Acesso em:
O mundo de Pixinguinha é vasto e é pos- 09/04/2012.
sível escolher outras peças para abordar a Mestra em Educação pela Universidade Fe-
história da música. É importante também FRANÇA, Cecília C. Do discurso utópico ao deliberativo:
deral de Santa Maria (UFSM), licenciada em fundamentos, currículo e formação docente para o ensino
JOGADORES que as crianças sejam motivadas a conhecer Música pela mesma universidade e bacha- de música na escola regular. Revista da ABEM, Porto Ale-
ENTRAM outras peças do mesmo autor e ter também
EM CAMPO rela em Música – Violoncelo, pela Universi- gre, v. 15, p. 67-79, 2006.
a oportunidade de se deparar com peças dade Estadual de Campinas (Unicamp). É GOHN, Daniel; LANZELOTTE, Rosana. Jogos musicais
que ouvem em seu cotidiano, das quais não professora de Arte – Música no Colégio de com repertórios brasileiros: o Quiz Musical do Projeto Na-
Distribua os cartões aos grupos e pro- conheciam a autoria. Aplicação da Universidade Federal de Santa zareth. In: CONGRESSO DA ANNPOM, 2010, 20., Floria-
ponha que as crianças criem sons para as nópolis. Anais[…]. Florianópolis: ANNPOM, 2010.
É incrível o mundo que se abre a partir do Catarina (UFSC), onde desenvolve trabalhos
situações estabelecidas. Depois esses sons
contato com os compositores e suas músi- voltados ao ensino de música na educação MEURER, Rafael Prim. Música medieval na escola: uma
podem ser mostrados à turma, que poderá
cas. Conhecer um pouco de suas histórias, básica, ensino instrumental e canto coral. É proposta de apropriação da música antiga. Música na
adivinhar qual foi a situação sonorizada e Educação Básica, Londrina, v. 7, n. 7/8, 2016.
seus amigos, seus lugares, entender suas integrante do grupo de pesquisa EBA – Edu-
avaliar se as escolhas sonoras foram capazes
motivações para fazer músicas e refletir so- cação Básica e Arte (CNPq) e coordenadora REIS, Carla S. Articulando prática instrumental e prática
de expressar o momento do jogo. Também é
bre o legado que deixam parecem nos apro- do projeto de extensão “Coral Infanto-juvenil pedagógica: uma experiência. In: CONGRESSO NACIO-
possível criar uma composição maior, orga-
ximar dessas pessoas. Entender um pouco do Colégio de Aplicação”. NAL DA ABEM, 2010, 19., Goiânia. Anais […]. Goiânia:
nizando os eventos sonoros numa sequên- ABEM, 2010. p. 456-462.
cia. Quem sabe alguém se anima em narrar sobre a raiz da música brasileira, conhecer e
essa partida? experimentar para aprender a gostar, saber SWANWICK, Keith. A basis for music education. London:
escolher e decidir o que se deseja ouvir. Routledge, 1979.
Se você entende de futebol melhor do que
eu, certamente terá ainda outras ideias de Ampliar o repertório das crianças. O pro-
como desenvolver uma atividade de compo- fessor oferece, traz para a sala de aula, plane-
sição com o tema. Além disso, você também ja, propõe uma atividade com amor, capricha
pode instigar as crianças a buscarem outras na metodologia. Pixinguinha e outros tantos
referências e conhecerem como outros mú- compositores maravilhosos se encarregam
sicos se expressaram acerca do tema. Esse do resto, são irresistíveis, não tem como não
é, na verdade, um caminho possível para o gostar!
próximo projeto na aula de música: começar
com Pixinguinha e parar num campo “sono-
ro” de futebol. Por que não?

40 | Maria Cristiane Deltregia Reys Hoje é dia de Pixinguinha! | 41


V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Música na Educação Básica

Música na Educação Básica

Música folclórica e
percussão corporal
na sala de aula
Rodrigo da Silva Velozo

Folk music and body percussion in


the classroom

O corpo sonoro. Ilustração de Rodrigo Velozo.


Resumo Abstract
O objetivo deste artigo é sugerir caminhos e The objective of this article is to suggest
adaptações metodológicas para o ensino da methodological procedures and
música na educação básica, empregando adaptations to music teaching in basic
como ferramenta canções folclóricas. Tem education using folk music as a tool. Its
como princípio teórico os método ativos de theoretical principle is grounded on the
educação musical de Jos Wuytack e Émile active methods of music education of Jos
Jacques Dalcroze, utilizando práticas vocais Wuytack and Émile Jacques Dalcroze. Vocal
e percussão corporal aplicados de maneira practices and body percussion are applied
lúdica, a fim de proporcionar um aprendizado in a playful manner to provide learning
por meio de diferentes práticas musicais. As through different musical practices. The
atividades propostas envolvem reprodução, activities developed encompass the
criação e reflexão acerca do fazer musical reproduction, creation and reflection about
envolvendo o folclore brasileiro. music-making relative to Brazilian folklore..

Palavras-chave: Métodos ativos. Folclore. Keywords: Active methods. Folklore.


Percussão corporal. Body percussion.

VELOZO, Rodrigo da Silva. Música folclórica e percussão corporal na sala de aula. Música na Educação Básica,
v. 9, n. 10/11, 2019.

43
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

F
azendo parte do contexto do ensino na escola. A alteração da base da Lei de
da música na educação escolar, o pre- Diretrizes e Bases da Educação, em 2008,
sente artigo se direciona a professo- modificou o cenário de ensino das Artes
res de música e apresenta adaptações me- no ambiente escolar, que, por muitas vezes,
todológicas baseadas nos métodos ativos tem como foco exclusivo o ensino das artes
de educação musical para desenvolvimento visuais (Penna, 2010, p.119-145). Figura 2: Orientação de
de atividades em sala de aula, na disciplina Analisando os documentos oficiais do
movimentos da atividade
de percussão corporal .
de arte do ensino fundamental – ciclo um. ensino da Arte (LDBEN/96), fica claro que Foto de Rodrigo Velozo.
A partir de uma breve recapitulação his- os mesmos se referem de maneira impre-
tórica, é possível analisar que desde o Brasil cisa ao desenvolvimento dos conteúdos de
Império houve várias ações e propostas re- música dentro da disciplina no ambiente es-
ferentes à implantação da educação musi- colar.
cal no meio escolar (Barbosa, 2012, p.15-20). A presença das dificuldades estruturais,
A chegada da Lei de Diretrizes e Bases da da falta de materiais e da imprecisão dos
Educação, em seu primeiro momento, teve documentos afetam o desenvolvimento
o intuito de regulamentar o ensino básico do ensino da música no ambiente escolar.
no país. Num segundo momento, no que se Esses motivos impulsionaram a pensar em
refere ao ensino da música, ocorreu a reti- propostas educacionais que se baseiem Os princípios dos métodos ativos de educação
rada do ensino de Canto Orfeônico, que foi na utilização de canções folclóricas, tendo musical de Émile Jacques Dalcroze e Jos Wuytack
substituído por um modelo de ensino geral como base alguns princípios dos métodos
das artes (Lemos, 2005, p.4). ativos de educação musical de Jos Wuyta- O método de ensino musical de Émile Ja- vem ser constituídas e adaptadas, pelo pro-
ck e Émile Jacques Dalcroze, onde o alu- cques Dalcroze propõe que os elementos da fessor, de acordo com a realidade cultural e
Perpassado mais de uma década da for-
no aprenderá música fazendo música, por música sejam aprendidos por meio de uma social de cada grupo do educandos, e ter
mulação da Lei nº 9.394/96, houve a imple-
meio da utilização de seu corpo e de sua escuta ativa, e o que se ouve é traduzido em como ferramentas de aprendizagem o solfe-
mentação da Lei nº 11.769/08, que determi-
voz (Figura 1). movimentos corporais, tendo como propósi- jo, a rítmica e a improvisação (Mariani, 2012,
nou a obrigatoriedade do ensino de música
Figura 1: Prática orientada de percussão corporal. to conectar teoria musical e psicologia afeti- p.27-50).
Foto de Rodrigo Velozo. va para harmonizar o desenvolvimento das
Jos Wuytack, em sua metodologia de
áreas sensório-motoras, cognitivas e afetivas
educação musical, propõe que o indivíduo
dos alunos no processo do fazer musical.
deve aprender música fazendo música, inde-
A proposta de utilizar a rítmica, criada pendentemente de seu estágio de desenvol-
por Émile Dalcroze, visa proporcionar uma vimento musical, e ter livre acesso a diferen-
educação musical diferenciada, onde há a tes experiências do universo musical.
interação entre corpo e mente. O pedagogo
Para isso, afirma que o ensino da música
afirma que o movimento corporal represen-
deve integrar expressões verbais, musicais e
ta, de maneira clara e objetiva, os elementos
corporais, partindo da estruturação meto-
musicais, emoções e pensamentos dos indi-
dológica, envolvendo os princípios de ativi-
víduos.
dade, criatividade, comunidade, totalidade e
Dalcroze, em sua teoria rítmica, busca es- adaptação.
tabelecer relações entre audição e movimen-
O conceito de atividade se refere ao fazer
to corporais, sons e suas durações, dinâmica
musical orientado, onde são primordialmen-
e espaço, música e gesto. Além disso, o de-
te desenvolvidas as capacidades de atenção
senvolvimento do processo educacional se
e observação. O conceito de criatividade diz
dá de maneira gradual, a partir de rítmicas
respeito ao processo de criação de elemen-
simples e melodias curtas, visando a evolu-
tos verbais, musicais e corporais pela criança,
ção constante do aluno.
tendo por finalidade estimular sua imagina-
No que se refere à organização metodo- ção. O conceito de comunidade, aplicado à
lógica, Émile ressalta que as atividades de- metodologia wuytackiana, está ligado à inte-

44 | Rodrigo da Silva Velozo Música folclórica e percussão corporal na sala de aula | 45


V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

ração social e participação ativa de todos os Para o desenvolvimento do processo de Partindo do princípio de que os conteú-
indivíduos nas atividades musicais propostas
Propostas de atividades aprendizagem dos alunos da Escola Lapa, foi dos musicais serão desenvolvidos no âmbito
em sala de aula. A totalidade está vinculada envolvendo rítmica necessário criar um padrão de escrita musi- escolar, em período máximo de um bimestre
ao processo de ensino realizado pelo profes- cal não convencional que se adaptasse a tal ou trimestre, ou seja, 8 ou 12 aulas, destaca-
sor, onde os elementos da canção (melodia,
corporal, canções realidade e para ser utilizado como base na -se a seguir duas atividades musicais que en-
rítmica, letra, harmonia etc.) são apresen- folclóricas, adaptações inserção dos elementos de escrita musical volvem a utilização do corpo e da voz, por
tados separadamente no decorrer da aula, de leitura musical e convencionais das canções propostas (Boal meio de exercícios rítmicos em canções fol-
mas sempre ocorrendo a junção entre as Palheiros, 1998, p.18-22). clóricas, não necessitando de instrumentos
partes do todo para que o aluno possa com- leitura convencional musicais específicos. Tais atividades podem
As adaptações de escrita musical abaixo
preender o resultado do estudo. O concei- Seguindo os ideais das metodologias ati- ser desenvolvidas com turmas de 4º e 5º
(Figuras 4 e 5) foram estipuladas em conjun-
to de adaptação está relacionado ao ato de vas de educação musical, buscou-se estrutu- anos do ensino fundamental.
to com os alunos, visando facilitar a assimila-
adequar as atividades musicais às circuns- rar e desenvolver atividades que proporcio- ção dos conteúdos musicais de um público
tâncias e à cultura de cada localidade de de- nassem o envolvimento do aluno de maneira não especializado na área de música.
senvolvimento. Além dos conceitos de ativi- direta, vislumbrando o aprimoramento de Figura 4: quadro de adaptação da escrita musical. Criação de Rodrigo
dade, criatividade, comunidade, totalidade e seu conhecimento musical a partir da utiliza-
Velozo e alunos 4° ano A da Escola Lapa.
adaptação, a metodologia de Jos Wuytack ção de seu corpo e sua voz como instrumen-
também leva em consideração fatores mo- tos musicais, tendo a rítmica como base para Percussão corporal Rodrigo Velozo e alunos
tores, afetivos e psicológicos da criança no a construção dos exercícios. Inicialmente,
processo de aprendizagem musical. para auxiliar os alunos no processo de apren-
Por fim, a proposta pedagógica de Jos dizagem, as propostas utilizaram registro
Wuytack possibilita à criança a aprendiza- musical escrito não convencional, visando
gem musical de maneira gradual, onde são proporcionar uma melhor compreensão das
utilizados como ferramentas de aprendiza- informações musicais, por meio de adapta-
gem: seu corpo, sua voz, sua cultura e, prin- ções metodológicas (Souza, 1998, p.211).
cipalmente, sua imaginação (Boal Palheiros,
1998, p.308-335). Para ver mais sobre
repertório folclórico Primeira Etapa
veja:sobre repertório
Para ver mais Inicialmente deve-se estabelecer uma
folclórico veja: 500 canções brasi-
PAZ. A. Ermelinda. conversa com os alunos buscando esclare-
leiras. São Paulo: Musimed. 2010. cer, apresentar e/ou ressignificar os concei-
BRITO. tos teórico-práticos dos elementos musicais
PAZ. A. Teca de Alencar
Ermelinda. de. De brasi-
500 canções Roda
em Roda. Editora Peirópolis. 2017. conhecidos por eles, bem como verificar seu
leiras. São Paulo: Musimed. 2010.
conhecimento sobre o assunto. A conver-
BRITO. Teca de Alencar de. De Roda
sa pode partir de perguntas básicas, como:
em Roda. Editora Peirópolis. 2017.
Quais canções folclóricas vocês conhecem?
ATIVIDADE 1 Já fizeram música com o corpo? Tais per-
guntas servirão para verificar se os alunos já
A primeira atividade tem como tema geral desenvolveram atividades de percussão cor-
a prática em conjunto, abordando os conte- poral e se conhecem um repertório de can-
údos de pulsação, dinâmica, duração e tim- ções folclóricas, bem como demonstrar uma
bre. O objetivo é desenvolver as percepções prévia das atividades a serem desenvolvidas
auditiva e musical dos alunos, assim como a nas aulas.
sua coordenação motora por meio da escu-
ta ativa/reflexiva, execução de movimentos
e percussão corporal em canções folclóricas. Segunda Etapa
Estruturada em cinco etapas, a atividade
visa introduzir, separada e gradualmente, os O professor deve apresentar e explorar
elementos musicais a fim de proporcionar sonoridades e movimento corporais para
Figura 3: Que som é esse? Ilustração de Rodrigo Velozo. melhor compreensão deles pelos alunos. estimular o processo de percepção musical.

46 | Rodrigo da Silva Velozo Música folclórica e percussão corporal na sala de aula | 47


V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Num primeiro momento, a execução dos mo- Eu sou marinheiro arrojado Quarta Etapa
Figura 8: Escrita rítmica adaptada para canção Eu Sou Marinheiro
Arrojado. Criação de Rodrigo Velozo.
vimentos e a exploração de timbres da per-
cussão corporal devem ser orientadas pelo Após o estudo das frases da canção, de-
professor. Num segundo momento, ele pode vemos selecionar sonoridades corporais e Eu sou marinheiro arrojado
propor momentos de improvisação, onde a signos de escrita musical adaptada para
escuta ativa/reflexiva permitirá ao aluno di- substituição de grafia convencional. Visando
ferentes vivências e praticar o processo de atender a esse objetivo, em primeiro lugar, o
criação musical, utilizando seu corpo. Duran- professor deve organizar os timbres e os ele-
te o processo, é de suma importância utilizar mentos gráficos adaptados para transcrever
formas escritas adaptadas ou convencionais a canção folclórica. Neste processo devem
para auxiliar os alunos no processo de regis- ser apresentadas aos alunos as figuras mu-
tro de suas práticas. Embora seja importan- sicais e seus agrupamentos, para que sejam
te, toda atividade musical deve possibilitar a feitas as substituições dos símbolos escritos,
improvisação/criação desde seus primeiros um a um (Figuras 7, 8 e 9).
momentos; o professor também deve ter Figura 5: Letra de Eu Sou Marinheiro Arrojado.
consciência de que o aluno pode não com- Adaptação de Rodrigo Velozo
preender tal processo, e, por este motivo, se Para ver e saber mais
torna relevante que o orientador demonstre sobre percussão
caminhos, movimentos e sonoridades ao corporal veja:
aluno para que o mesmo possa absorver de
maneira mais concisa os conteúdos musicais. Fernando Barba explica um pouco
da percussão corporal. Enviado em
09/06/2011. Disponível em: www.youtube.
com/watch?v=pFaWQhzaBJw.
Terceira Etapa Figura 7: Bula de sonoridades corporais criada pelos alunos da Escola
Lapa. Fernando Barba, Maurício Maia, João
Após explorar diferentes sonoridades aprendizado, após a interiorização da di- Simão, Flavia Maia, Mairah Rocha, Helô
corporais, a turma será dividida em dois gru- nâmica da canção. O estudo dos aspectos Ribeiro. Componentes do Barbatuques que
pos para o aprendizado da letra da canção melódicos das canções deve levar em consi- utilizam o corpo como instrumento.
(Figuras 5 e 6). Para isso, as frases devem ser deração as características vocais do grupo e
executadas separadamente, onde as ques- ser adaptado ao mesmo. Tais adaptações se
Eu sou marinheiro Arrojado Folclore
tões de entoação vocal devem ser deixadas referem a questões de tonalidade, arranjos
para um segundo ou terceiro momento do vocais e arranjos instrumentais.

Rítmica

Escrita convencional Eu sou Marinheiro Arrojado.


Figura 6: Rítmica da melodia cantada de Eu Sou Marinheiro Arrojado. Adaptação de Rodrigo Velozo Transcrição de Rodrigo Velozo.

48 | Rodrigo da Silva Velozo Música folclórica e percussão corporal na sala de aula | 49


V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Quinta etapa Eu sou marinheiro arrojado ATIVIDADE 2 Escrita musical adaptada utilizada nos
exercícios de solfejo e escuta ativa
Para finalizar a atividade, as diferentes Esta atividade tem como propósito traba-
partes da canção, até então estudadas sepa- lhar os elementos melódicos e rítmicos das
radamente, serão unificadas, proporcionan- canções folclóricas utilizando voz e percus-
do a compreensão da totalidade da obra. O são corporal. Serão introduzidos, gradativa-
aspecto melódico deve ser trabalhado por mente e de maneira lúdica, os elementos da
meio de atividades envolvendo repertório escrita musical convencional durante este
folclórico regional, onde se deve atentar para processo. Para o estudo rítmico, as figuras
as divisões rítmicas e para os intervalos me- musicais e seus agrupamentos devem ser
lódicos das canções. Aqui também podem transcritos utilizando as linguagens adapta-
ser introduzidos elementos de improvisa- da e convencional, tendo o intuito de auxiliar
ção/criação envolvendo percussão corporal os alunos no processo de transição/troca de
e movimentos (Figuras 10, 11 e 12), criados um formato de escrita para outro, como na
pelos alunos para substituir a escrita apre- Figura 12: Ritmica corporal com compassos em branco para inserção de Figura 13. O estudo dos elementos melódi-
sentada pelo professor. movimento de improvisação dos alunos do 4° ano A da Escola Lapa na canção cos ocorrerá a partir da aplicação do con-
Marinheiro Arrojado. Criação e adaptação de Rodrigo Velozo.
ceito da rítmica ao solfejo, ou seja, de ordem
Escrita musical adaptada para percussão motora. Assim, serão atrelados movimentos
e movimentos corporais Indicações de leitura sobre corporais, os movimentos ascendentes e os
folclore e brincadeiras descendentes da melodia, por meio da sim-
musicais para sala de aula: bologia convencional e adaptada, conforme
a Figura 14. Os conteúdos abordados serão:
HORTÉLIO, Lydia. Ô, Bela Alice. Salvador: leitura e escrita musical convencional, figuras
Casa das 5 Pedrinhas..., 2004. musicais, pulsação, timbre, ritmo, melodia,
TADEU, Eugênio. Pandalelê: brinquedos prática em conjunto, desenvolvimento sen- Figura 14: Escrita musical adaptada utilizada com alunos do 4° ano A
da Escola Lapa para representar movimentos ascendentes e descen-
cantados. Belo Horizonte: UFMG, 2000. sório-motor e escuta ativa. dentes em diferentes melodias e em exercícios de solfejo. Criação de
NEGRÃO, Silvia. Catibiribão: baú de histórias e Rodrigo Velozo.
brincadeiras 1 e 2. Sonhos e sons. 2004. Escrita musical adaptada: percussão
corporal e palavras
ZISKIND, Hélio. Cantigas de Roda. MCD. 2004. Primeira Etapa
BAINEKE, Viviane; FREITAS, Sérgio Paulo de.
Lenga La Lenga. Jandira, SP: Ciranda Cultural, Para iniciar, os alunos devem ser dispos-
Figura 10: Escrita musical adaptada para percussão e movimentos 2006 tos em roda para apresentação auditiva da
corporais criada pelos alunos da Escola Lapa do 4° ano A. melodia da canção. Neste momento, cada
um dos alunos deve registrar, usando escrita
Escrita musical adaptada para percussão
adaptada, as sonoridades ouvidas e estabe-
e movimentos corporais
lecer relações de curto e longo, agudo e gra-
ve, rápido e lento, entre os sons/notas mu-
sicais da melodia, (Figuras 15, 16 e 17). Após
MAS O QUE FOLCLORE?
este procedimento, o professor pode apre-
sentar a escrita convencional e estabelecer
Segundo Thomas (apud SCHMIDT,
um comparativo entre as diferentes grafias
2008, p. 6), o Folk-lore denomina
(convencional e adaptada) para demonstrar
o estudo sistematizado dos
os processos de registro musical aos alunos.
costumes, cerimônias, crenças, Conjuntamente a isto, é importante que se
romances, refrões, superstições, inicie o processo de orientação de contagem
contos, lendas, mitos e histórias do dos tempos e do compassos, de maneira
povo, ou seja, tudo aquilo que é Figura 13: Escrita adaptada envolvendo percussão corporal e palavras simples, como mostra a Figura 18, para dar
no processo de transcrição de figuras musicais e células rítmicas
criado ou recriado pelo povo. criada pelos aluno do 4° ano A da Escola Lapa. norte aos alunos quanto à questão da pulsa-
Figura 11: Escrita musical adaptada criada pelos alunos da Escola ção constante de execução das canções.
Lapa do 4° ano A.

50 | Rodrigo da Silva Velozo Música folclórica e percussão corporal na sala de aula | 51


V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Canto da Dança de São Gonçalo


Segunda Etapa
Nesta etapa, pretende-se vincular a fa- Para o processo de improvisação, o
miliarização do aluno com a escrita musi- professor deverá propor uma frase per-
cal convencional e com a marcação dos cussiva corporal, que servirá como base
tempos dos compassos (Figuras 19, 20 e para criação de novos fraseados percus-
21). Para o desenvolvimento deste proces- sivos por parte dos alunos (Figuras 22 e
so, é importante que o professor, em de- 23). A frase sugerida pelo orientador, além
Figura 15: Escrita adaptada do desenho melódico de Canto da Dança de
São Gonçalo. Criação aluna Beatriz Oliveira do 4° ano A. terminados momentos, organize a turma de servir como base para a composição
de maneira que os alunos executem leitura dos alunos, também auxiliará a manter o
individual e coletiva das linhas melódicas andamento constante da atividade, ponto
das canções, e que a execução dos ele- fundamental desta etapa.
mentos rítmicos também seja organizada
desta maneira, propiciando ao educando
uma análise de todos os elementos que
compõem a música. Concomitantemente
Figura 18: Letra com contagem de tempos e contratempos de Canto da a isto, também é fundamental que sejam
Dança de São Gonçalo. Adaptação criada por Rodrigo Velozo. proporcionados momentos de improvisa-
ção/criação.

Canto da Dança de São Gonçalo Folclore paranaense

Figura 16: Representação adaptada do registro de notas e desenho


melódico de Canto da Dança de São Gonçalo. Criação do aluno Henri-
que Gabriel do 4° ano A.

Figura 19: Escrita convencional com letra e contagem de tempos e contratempos de “Canto da Dança de São Gonçalo”.
Adaptação criada por Rodrigo Velozo.

Percussão

Figura 17: Representação de escrita adaptada do desenho melodico e


das alturas de notas de Canto da Dança de São Gonçalo. Criação do
aluno Enzo Faria do 4° ano A.

Figura 20: Bula para percussão corporal de “Canto da Dança de São Gonçalo”. Criação de Rodrigo Velozo

52 | Rodrigo da Silva Velozo Música folclórica e percussão corporal na sala de aula | 53


V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Canto da Dança de São Gonçalo Canto da Dança de São Gonçalo

Figura 21: Escrita melódica convencional de “Canto da Dança de São Gonçalo”, com adaptação escrita para Figura 22: Arranjo com improvisação nos compassos (2, 4,6,7,11, 13, 15 e 16) de “Canto da Dança de São
percussão corporal. Criação de Rodrigo Velozo. Gonçalo”, criado pelos alunos 4ª ano A da Escola Lapa.

54 | Rodrigo da Silva Velozo Música folclórica e percussão corporal na sala de aula | 55


V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

da Educação. Câmara Nacional de Educação Básica/


Terceira etapa Considerações finais Autor Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica.
Diretoria de Currículos e Educação Integral. Brasília: MEC,
Este momento da atividade se refere à De maneira geral, as atividades propos- SEB, DICEI, 2013.
integração entre corpo e voz. Aqui, os pro- tas são simples e podem ser aplicadas com
BRITO, Teca de Alencar de. De Roda em Roda. São Pau-
cessos de percussão corporal e canto, assim grandes e diferentes grupos de alunos, ten- lo: Peirópolis, 2017.
como os elementos da improvisação sobre a do como princípio a inserção gradual dos
canção, mostrados anteriormente, serão uni- elementos escritos convencionais ou não Rodrigo da Silva CISZEVSKI, S. Wati. Notação musical não tradicional:
ficados. convencionais, bem como da execução de Velozo possibilidades de criação e expressão musical na edu-
velozoviolao@gmail.com cação infantil. Musica na Educação Básica, v. 2, n. 2, p.
movimentos corporais, elementos da impro- 21-33, 2010.
A integração das partes ocorrerá pela si-
visação e do folclore.
multaneidade da execução das mesmas. HORTÉLIO, Lydia. Ô, Bela Alice. Salvador: Casa das 5
Formado em licenciatura em Música (2013)
Sendo assim, os conteúdos musicais (per- Pedrinhas..., 2004.
Para tornar o processo de aprendizagem pela Universidade Estadual do Paraná e em
cussão corporal, canto, improvisação, escuta
da atividade mais significativo, é de grande Pedagogia pelo Instituto Superior de Edu- LEMOS, Wilson Júnior. Canto Orfeônico: uma investiga-
ativa, leitura e escrita musical convencional
importância que os alunos executem as di- cação de Ibituruna (2018). É especialista em ção acerca do ensino da música na Escola Secundária
e não convencional), quando trabalhados, Pública de Curitiba (1931-1956). Dissertação (Mestrado)
ferentes partes de canto, leitura rítmica, per- Arte-Educação e Terapia pela Faculdade São
num primeiro momento de maneira indivi- – UFPR, Curitiba, 2005.
cussão corporal e improvisação de maneira Braz (2016); em Educação Inclusiva e Espe-
dual, para, posteriormente, serem desenvol-
individual e coletiva, assim podendo progre- cial pela Faculdade Educacional de Cornélio LOUREIRO, Maristela; TATIT, Ana. Brincadeiras cantadas
vidos de maneira conjunta, proporcionam de cá e de lá. São Paulo: Melhoramentos, 2013.
dir em seus estudos musicais por diferentes Procópio (2016) e em Ensino de Música para
aos educandos uma melhor compreensão
vieses. Professores do Ensino Fundamental Público MARIANI, Silvana. Émile Jacques Dalcroze: música e mo-
do fazer musical por possibilitar o estudo in-
Proporcionar diferentes vivências musi- (2016). Tem experiência na área das Artes, vimento. In: MATEIRO, Tereza; ILARI, Beatriz. Pedagogias
dividual de cada componente musical. em Educação Musical. Curitiba: IBPEX, 2012.
cais, por meio de atividades que envolvam com ênfase em educação musical, musica-
Mesmo diante dos desafios cotidianos lização infantil e prática instrumental. Atual- MOURA, Ieda; BOSCARDIN, M. Teresa; ZAGONEL, Ber-
o folclore regional, a utilização da voz e do
para o desenvolvimento de uma educação mente atua como professor colaborador da nadete. Musicalizando crianças: teoria e prática da edu-
corpo do educando são fundamentais para
musical na escola básica, o professor deve disciplina de Arte na rede de ensino público cação musical. Curitiba: IBPEX, 2011.
ampliar a gama de conhecimentos musicais,
procurar investigar diferentes estratégias de no estado do Paraná.
culturais e também de si próprios. O fazer NEGRÃO, Silvia. Catibiribão: baú de histórias e brincadei-
adaptação medotológica para proporcionar ras 1 e 2. Sonhos e sons. 2004.
musical, no ambiente escolar, é fundamental
um ensino da música para o aprendizado na
para a formação de um cidadão (PENNA, PAZ, Ermelinda A. 500 canções brasileiras. São Paulo:
escola pública básica brasileira.
1990, p.80). Musimed, 2010.

PENNA, Maura. Reavaliações e buscas em musicaliza-


ção. São Paulo: Loyola, 1990.

PENNA, Maura. Música(s) e seu Ensino. Porto Alegre: Su-


Referências lina, 2010.

RODERJAN, Roselys Velozo. Folclore brasileiro: Paraná.


BARBATUQUES. Tum pá. Rio de Janeiro: MCD, 2012. Rio de Janeiro: Funarte, 1981.
BARBOSA, Ana Mae. Arte Educação no Brasil. São Pau- SOUZA, Jusamara. Sobre as múltiplas formas de ler e
lo: Perspectiva, 2012. escrever música. In: NEVES, Iara et al. Ler e escrever:
compromisso de todas as áreas. Porto Alegre: Editora da
BEINEKE, Viviane; FREITAS, Sérgio Paulo de. Lenga La
UFRGS, 1998.
Lenga. Jandira, SP: Ciranda Cultural, 2006.
TADEU, Eugênio. Pandalelê: brinquedos cantados. Belo
BOAL PALHEIROS, Graça. Jos Wuytack, músico e peda-
Horizonte: UFMG, 2000.
gogo. Boletim da Associação Portuguesa de Educação Musical, Por-
to, Portugal, Associação Wuytack de Pedagogia Musical, THOMAS, William J. Folkcomunicação: estado do conhe-
1998. cimento sobre a disciplina. Sociedade, v. 1, n. 1, p. 3-17,
2008.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é folclore. São Pau-
lo: Brasiliense, 1982. WUYTACK, Jos. Actualizar as ideias educativas de Carl
Orff. Boletim da Associação Portuguesa de Educação
BRASIL. Educação Básica. Diretrizes Curriculares. Mi-
Musical, Lisboa, n. 76, 1993.
nistério da Educação, Secretaria de Educação Continu-
ada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Secretaria de ZISKIND, Hélio. Cantigas de roda. São Paulo: MCD, 2004.
Educação Profissional e Tecnologia. Conselho Nacional

56 | Rodrigo da Silva Velozo Música folclórica e percussão corporal na sala de aula | 57


V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica
Música na Educação Básica

Música na Educação Básica

Música na Educação Básica

Música na Educação Básica

Música na Educação Básica

A lagarta e a
borboleta: cantando
a duas vozes
Débora Andrade

The caterpillar and the butterfly:


singing with two voices

Resumo Abstract
A inserção de repertório a duas vozes em Including songs with different voices in
aulas de música ou em ensaios de coro the music classroom or in children´s choir
infantil pode significar um verdadeiro de- rehearsals can be a real challenge for the
safio para o professor, que, muitas vezes, teacher who often chooses songs with
escolhe canções de construções musicais complex musical structures. In this context,
complexas. Nesse contexto, esse trabalho this article suggests teaching songs
sugere o ensino da canção, composta para that were composed for that purpose;
esse fim, e a realização de uma sequência furthermore, it suggests a sequence
de atividades musicais, cujo objetivo é vi- of musical activities whose goal is to
venciar, compreender e fixar os diferentes experience, understand and memorize the
temas que se sobrepõem. Essa proposta overlapped melodic themes. This proposal
pode ser desenvolvida em grupos de ida- can be developed in groups of equal or
des iguais ou mistas, pertencentes a dife- mixed ages, belonging to different teaching
rentes contextos de ensino. contexts.

Palavras-chave: Coral infantil. Keywords: Children’s choir.


Musicalização. Divisão vocal. Musicalization. Vocal division.

ANDRADE, Débora. A lagarta e a borboleta: cantando a duas vozes. Música na Educação Básica, v. 9, n. 10 /11, 2019.

59
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

simples, como a utilização de notas suspen-


sas, até as mais complexas, como melodias
Sobre a canção “Carpe
que apresentam melodias diferentes, com o Diem”
mesmo ritmo.
A canção “Carpe Diem” (Figura 1) foi
No sentido de incentivar regentes e edu- criada por mim, exclusivamente para a pro-
cadores musicais a incluir canções a duas vo- posta deste artigo. Ela foi composta dentro
zes no repertório de ensaio/aula de crianças, de uma região vocal confortável para crian-
este trabalho propõe o ensino da canção di- ças a partir dos sete anos de idade, de acor-
dática “Carpe Diem” e a realização de uma do com a tabela de extensão vocal infantil
série de atividades musicais, cujo objetivo é proposta por Phillips (2014, p.100), com fins
permitir a vivência e a fixação dos dois dife- didáticos, apresentando seis diferentes mo-
rentes temas que a música apresenta. mentos de canto. Na “Parte A” da canção,
Rao (1993, p.40) considera a compreen- as duas vozes interagem por meio de uma
são do tempo e das alturas musicais, por estrutura semelhante a um jogo de “pergun-
parte das crianças, “como um importante ta e resposta”. A “Parte B” se assemelha à
componente da musicalidade”. Nesse senti- “Parte A”, mas apresenta o primeiro desafio,
do, a inclusão das atividades propostas aqui quando a voz mais aguda mantém uma nota
se justifica pela seguinte ideia de Schimiti suspensa sobre o início do tema da voz mais
(2003): grave. Mas ambas terminam essa seção em
uníssono.

O ensaio – eis a grande oportunidade Enquanto na “Parte C” o grupo da segun-


Introdução de se ativar processos globais do da voz apresenta, sozinho, o tema da “Lagar-
pensamento humano, tais como de ta”, na “Parte D”, a primeira voz apresenta o
Cantar a duas vozes não é um bicho até quatro vozes diferentes. Por outro lado, reflexão, de comparação, de reformulação, tema da “Borboleta”. Então, a “Parte E” traz
de sete cabeças! Quando as canções que quando elas não possuem suficiente expe- de aprimoramento, de conclusão. Abre-se, o segundo desafio da canção: a realização
são oferecidas às crianças apresentam riência musical, Schimiti (2003, p.18) afirma por ele, a possibilidade de se vivenciar o
dos dois temas, em conjunto. Por último, na
que, ao cantar terças paralelas, as crianças fruto do equilíbrio entre o sentimento e a
desafios possíveis de serem realizados, Coda, as crianças retomam a primeira frase
da voz mais grave passam a cantar a mais racionalidade, chave do sucesso de toda
elas demonstram muito prazer na reali- atividade artístico musical. É durante o da canção, e o terceiro e último desafio lhes
zação da atividade. Do contrário, a aula evidente, a aguda.
ensaio que se poderá (sic) impulsionar, nas é apresentado: terminar a canção em notas
ou o ensaio pode cansar tanto quem en- Mas existem várias formas de introduzir o crianças e nos jovens, faculdades latentes diferentes.
sina quanto quem aprende. Para Bourne canto a duas vozes em atividades musicais associadas à inteligência, à sensibilidade,
(2009), o repertório selecionado deveria à percepção auditiva, à criatividade e ao
com crianças. Embora existam cânones que
senso crítico. Se cada tipo de repertório
seduzir as crianças a utilizarem suas ha- apresentam vários níveis de dificuldade, co- propõe uma sequência de desafios ao
bilidades musicais em desenvolvimento. meçar por eles não costuma ser uma tare- regente, o ensaio apresenta-se como o
Ela afirma: “Eu não quero meus cantores fa simples, ao contrário da crença popular. momento de se exercitar (sic) todos os
estagnados. Introduzir uma peça que lhes Muitas vezes, o professor dá início à divisão parâmetros musicais; uma vez estimulado,
força é atraente para todos nós, mas eu vocal, por meio de um cânone, e se frustra, cada cantor será capaz de demonstrar
tenho que ter certeza de que o tempo de sua habilidade de expressar música com
abandonando a tentativa de uma vez por
compreensão, com técnica, usufruindo,
ensaio é suficiente para alcançar sucesso todas. Gainza (apud Mársico, 1979, p.43) desta forma, do grande prazer de realizá-
e satisfação […]” (Bourne, 2009, p.75). orienta o contrário: por exemplo, partir “do la artisticamente. (Schimiti, 2003, p.109).
Para Jaramillo (2004, p.99), cantar a mais simples, ou seja, daquilo que o ouvido
duas vozes depende mais do tempo de está habituado a ouvir”, para depois incluir
experiência com relação ao canto do que um baixo ostinato, ou seja, uma melodia mais
da idade da criança. Bartle (2003, p.52) grave, repetitiva.
garante que, se a criança canta desde os Além dessa opção, Dwyer (apud Leck;
seis anos de idade, entre doze e quinze Jordan, 2009, p.171) e Jaramillo (2004, p.100)
anos, ela terá experiência musical sufi- sugerem várias outras formas de divisão vo-
ciente para cantar em grupo, dividido em cal, partindo de estruturas harmônicas mais

60 | Débora Andrade A lagarta e a borboleta: cantando a duas vozes | 61


V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Carpen Diem Débora Andrade Onde escutar a canção


Contextualizando o
ensino da canção
A gravação dessa canção foi disponi-
bilizada em três versões no YouTube. Se É possível que, pelo menos uma vez na
você deseja ouvir a canção apenas com a vida, todos nós já tenhamos escutado ou lido
primeira voz, você deverá realizar a busca variações da história “A lagarta e a borbole-
por meio dos termos: “Carpe Diem 1ª voz”, ta”. Se você conhece seu grupo e acredita
como demonstrado na Figura 2. O mesmo que ele será receptivo, tente lhe contar essa
pode ser feito para encontrar a canção so- história. Caso você não a conheça, busque
mente com a segunda voz, substituindo o pelo título na internet e você poderá encon-
número 1 pelo 2. trar tanto versões escritas da história quanto
em forma de vídeo.
Informe também às crianças que Carpe
Diem significa “Viva o momento” e tenha
Figura 2: Pesquisa da canção na internet (elaboração própria). uma conversa breve sobre as possíveis men-
sagens que a história pode comunicar a cada
uma delas.
De forma semelhante, se você deseja es-
cutar a canção contendo as duas vozes si-
multâneas, você deverá buscar por “Carpe
Diem Tutti”. Contudo, é possível que, ao en-
contrar uma das versões procuradas, você
também encontre as demais, sem que haja
necessidade de realizar novas pesquisas.

Figura 1: Partitura da canção “Carpe Diem” (elaboração própria).

62 | Débora Andrade A lagarta e a borboleta: cantando a duas vozes | 63


V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Explorando A fim de aquecer e explorar diferentes timbres e


Dê a cada grupo tempo suficiente para Você sabia?
a sonorização vocal da história e, depois,
gestos vocais, organize a turma em pequenos grupos
sons vocais e distribua cópias do quadrinho (Figura 3) a seguir.
permita que cada um deles apresente sua No século XX existiu uma cantora e com-
versão para a turma. Assim, além de fazer positora que criava músicas semelhantes
um breve aquecimento vocal com todas as a quadrinhos, “utilizando onomatopeias e
crianças, você dará a elas uma oportunidade desenhos” (França, 2012, p.35). Seu nome
para vivenciar processos criativos, tão pouco era Cathy Berberian (Figura 4). “Ela via a
presentes na pedagogia coral infantil, desco- voz como um instrumento ilimitado e es-
brir e desenvolver a voz cantada por meio tava constantemente explorando suas
de gestos vocais representados da seguinte possibilidades” (Kim, s.d.). Para saber mais
maneira, no quadrinho: a respeito dela, busque informações na in-
ternet, digitando o texto “Cathy Berberian
•S
 ubida da “Lagarta” – As crianças po-
site oficial”.
dem emitir sons ascendentes, em glis-
sando ou em sequência de durações
curtas, dependendo de como as crian-
ças interpretam a forma de desloca-
mento da “Lagarta”.
• “ Hummmm” – O chamado humming ou
boca chiusa “é um som produzido com
as seguintes características: os lábios
ficam fechados, levemente e sem pres-
são […]. É semelhante a um bocejo sem
abrir a boca” (Goulart; Cooper, 2000,
p.10), mas não precisa orientar as crian-
ças, nesse sentido. Geralmente, elas fa-
zem assim naturalmente, por intuição.
Figura 4: Cathy Berberian e trecho da partitura “Stripsody” (França,
Essa técnica costumar ser utilizada com
2012, p.35; Kim, s.d.).
crianças para o aumento da extensão
vocal e “para trabalhar a noção de altu-
ra, entonação e atenção” (Boechat; So-
breira, 2017, p.114).
• “ Aaaaaaaaaaaaaaah” – Essa vocalização,
Ensine a canção
que lembra um bocejo, ajuda a criança As melodias da canção “Carpe Diem”
a descobrir sua voz chamada de “voz
são simples, repetitivas e de fácil memo-
de cabeça”, fundamental para o desen-
volvimento vocal (Vaillancourt, 2012, rização. Até a “Parte D”, a aprendizagem
p.130). costuma acontecer rapidamente. E, em-
• “ Zzzzzzzzzz” – Assim como o “vvvvvvv”, bora o desafio da “Parte E” não apresente
ele é um som “muito indicado para o grandes dificuldades musicais, sugiro a re-
trabalho de aquecimento” (Chan; Cruz, alização das próximas atividades, a fim de
2001, p. 51). que as melodias, tanto da “Parte C” quanto
da “Parte D” sejam fixadas por meio de di-
ferentes vivências musicais.

Figura 5: Parte do grupo


distraído durante o treino
do outro grupo (Criação da
autora a partir de imagens
Figura 3: Quadrinho “A lagarta e a borboleta” (Criação da autora a partir de imagens do site Freepick). do site Freepick)

64 | Débora Andrade A lagarta e a borboleta: cantando a duas vozes | 65


V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Embora cada grupo fique responsável por


Grau I – Mãos na cintura Grau IV – Mãos nas orelhas
seu respectivo tema, não mantenha um gru-
po descansando enquanto o outro aprende Grau II – Mãos nas costelas Grau V – Mãos na cabeça
um tema. Ao contrário, ensine os dois temas
aos dois grupos. Acredite, isso não os atra- Grau III – Mãos nos ombros Grau VI – Mãos acima da cabeça
palhará no momento da performance simul-
tânea dos temas, visto que ambos possuem
Considerando, então, que o tema da “Bor-
características composicionais muito dife-
boleta” tem início no terceiro grau da escala,
rentes.
o solfejo ficaria assim:

Conversando sobre a Consciência rítmica dos


canção temas
Que tal estabelecer relações entre os sons
Faça perguntas como: “Quantas partes
a música possui?”, “Como elas são?”, “Que
Vivenciando os temas curtos e longos de cada tema? Nesse sen-
tido, sugere-se a seguinte dinâmica para o
sentimento (caráter expressivo) a canção rítmica e melodicamente tema da “Lagarta” (figura 9):
transmite?”, “E os temas da ‘Lagarta’ e da
Dê às crianças a oportunidade de viven-
‘Borboleta’?”. Reflita sobre como cada tema
ciar a construção melódica dos temas da Figura 7: Solfejo corporal do tema da “Borboleta” (Montagem feita pela
é construído musicalmente. Considerando
“Lagarta” e da “Borboleta”. Duas boas ma- autora do Solfejo Corporal, disponível em Freire, 2008).
que sensações são culturalmente constru-
neiras, por exemplo, de tornar visual o con-
ídas, não desconsidere a possibilidade de Considerando que o tema da “Lagarta” é
torno melódico do tema da “Borboleta” é a
as crianças atribuírem diferentes caracteres construído sobre duas notas apenas, sendo
utilização da manossolfa, uma sequência de
expressivos. Para o tema da “Lagarta”, por que a primeira equivale ao grau I da escala, e
sinais de mãos utilizada na pedagogia Ko-
exemplo, podem surgir qualidades como a segunda ao grau VII, mais grave, o profes-
dály (Silva, 2011, p.73), ou, simplesmente, o Figura 9: Vivência rítmica do tema da “Lagarta” (elaboração própria).
“romântico”, “preguiçoso”, “esticado”, den- sor pode começar a vivência com a mão na
movimento ascendente e descendente das
tre outros. Aproveite as diferentes caracte- cintura e dar leves palmadas nas coxas toda
mãos, de acordo com as subidas e as desci-
rísticas, levantadas pelas crianças para fazer vez que a nota mais grave for cantada, con- As crianças batem palmas em todas as
das da melodia.
relação com a construção musical. Será que forme a Figura 8: sílabas, mas fazem movimentos circulares
elas relacionarão o movimento sonoro de Mas o que se propõe, nesse trabalho, é a expandidos entre uma palma e outra para os
cada tema ao desenho das respectivas me- utilização do “Solfejo Corporal” (Freire, 2008, sons de duração longa.
lodias? p.2), que atribui às diferentes partes do cor-
Como os sons longos do tema da “Borbo-
po os graus da escala tonal maior (Figura 6). Figura 8: Solfejo corporal do tema da “Lagarta” (elaboração própria).
leta” não duram o suficiente para a realização
de movimentos largos, sugere-se a seguinte
Carpe Diem (elaboração própria).
Assim que as crianças conseguirem reali- dinâmica: as crianças batem palma nos sons
zar os temas, com segurança, peça aos dois mais curtos e, frente a frente, tocam e man-
grupos para cantarem os temas, simultane- têm as mãos juntas às do companheiro nos
amente. Depois, permita que eles troquem sons mais longos, conforme a Figura 10:
de tema, caso desejem. Mas é importante,
contudo, que o professor esteja bem segu-
ro dessa dinâmica antes de apresentar às
Figura 6: Graus da escala musical da canção “Carpe Diem”
(elaboração própria). crianças. Se for da preferência do professor,
ao invés de reproduzir esse modelo, ele pode
À medida que as mãos sobem para partes
criar seu próprio solfejo corporal juntamente
superiores do corpo, os sons ficam mais agu-
com a turma, inclusive cantando os graus da
dos. Por outro lado, quanto mais baixa for a
escala ou os nomes das notas, dependendo
posição corporal, mais grave será o som.
da pedagogia musical à qual o professor es-
Freire (2008) sugere a seguinte configura-
tiver alinhado.
ção corporal, conforme descrição ao lado: Figura 10: Vivência rítmica do tema da “Borboleta” (elaboração própria).

66 | Débora Andrade A lagarta e a borboleta: cantando a duas vozes | 67


V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

FRANÇA, Cecília Cavalieri. Trilha da Música. Vol. 5. 1 ed.


Representando Autora Belo Horizonte: Fino Traço, 2012.
graficamente os temas FREIRE, Ricardo Dourado. Bodysolfege, a meaningful mu-
sical experience. In: International Society for Music Educa-
Peça às crianças para desenharem, em tion World Conference, 28., 2008, Bologna. Proceedings
uma folha de papel A3, “o voo melódico” da […]. Bologna, 2008.
“Borboleta” (Figura 11) e “o caminhar lento e GOULART, Diana; COOPER, Malú. Por todo Canto: co-
insistente” da “Lagarta” (Figura 12). Débora Andrade letânia de exercício de técnica vocal. Rio de Janeiro: D.
debora.andrade@ufsj.edu.br
Goulart, 2000.

JARAMILLO, Alejandro Zuleta. Programa Básico de Di-


Mestra em Música, especialista em Educa- rección de Coros Infantiles. 1. ed. Bogotá: Ministerio de
Cultura, 2004.
ção Musical e bacharela em Música, com
habilitação em Regência pela Universidade KIM, Rebecca Y. Cathy Berberian Biography. Disponível
Federal de Minas Gerais. Além de reger co- em: http://cathyberberian.com/biography/. Acesso: 25
maio 2018.
ros infantis, atuou durante sete anos como
Figura 11: O voo melódico
da Borboleta professora de Música na educação básica. MÁRSICO, Leda Osório. A voz infantil e o desenvolvimen-
(elaboração própria). Atualmente é professora da área Educação to músico-vocal. Porto Alegre: Escola Superior de Teolo-
gia São Lourenço de Brindes, 1979.
Musical/Regência de Coro Infantil no curso
de licenciatura em Música da Universidade PHILLIPS, Kenneth H. Teaching Kids to Sing. 2. ed. Bos-
Federal de São João del-Rei, onde coordena ton: Schirmer, 2014.
o Programa de Extensão Benke: corais in- RAO, Doreen. We Will Sing! Choral Music Experience for
Figura 12: O caminhar lento e fantojuvenis da UFSJ. Cursa doutorado em Classroom Choirs. New York: Boosey & Hawkes, 1993.
insistente da Lagarta Educação na Universidade Federal de Juiz
(elaboração própria). SCHIMITI, Lucy Mauricio. Regendo um coro infantil… re-
de Fora, onde pesquisa sobre pedagogia flexões, diretrizes e atividades. Revista Canto Coral, Bra-
vocal voltada para o auxílio de crianças con- sília, n. 1, 2003.
Você pode apresentar os gráficos para a varia entre diferentes faixas etárias, sugere
sideradas “desafinadas” em coros escolares
turma, mas seria mais interessante, do ponto que os tempos de ensaio com grupos de ______. O Ensaio. In: CRUZ, Gisele. Canto, canção, can-
de Minas Gerais.
de vista da compreensão musical, se, como sete a dez anos de idade e de onze a quinze toria: como montar um coral infantil. 2. ed. São Paulo:
resultado de toda essa vivência, elas mesmas Sesc, 2003.
tenham a duração de uma hora e quinze mi-
fizessem suas próprias representações gráfi- nutos e uma hora e meia, respectivamente, VAILLANCOURT, Josée. Le développement de la voix
cas. Depois que a turma compreendeu que mas propõe um planejamento de atividades chantée chez l´enfant et la formation des enseignants de
o tema da “Lagarta” se repete, você pode para uma aula de uma hora. Referências musique: un lien manifeste. In: LEROY, Jean-Luc et al. La
voix et l´education musicale: contribuition à la réflexion et
apresentar um novo conceito musical para a
Considerando que a canção em questão BARTLE, Jean Ashworth. Sound Advice: becoming a bet- à l´action pédagogique (II). Pascal Terrien e Jean-Luc Leroy
turma e informar que esse tema é um ostina- (Org). Paris: L´Harmattan, 2012.
possui partes bem-definidas, não há neces- ter children´s choir conductor. New York: Oxford University
to, por ser teimoso, repetitivo. Press, 2003.
sidade de que toda ela seja ensinada em um
único encontro. Sendo assim, dê aos grupos BOECHAT, Bruno; SOBREIRA, Silvia. Ajudando a criança
o tempo necessário para vivenciar, efetiva- a encontrar sua voz cantada. In: SOBREIRA, Silvia (Org.).
Considerações finais mente, cada atividade. Contudo, esteja aten- Se você disser que eu desafino... 1. ed. Rio de Janeiro:
Unirio, Instituto Villa-Lobos, 2017.
A quantidade de aulas para a realização to com relação ao nível de interesse da tur-
de toda essa dinâmica dependerá muito da ma e mude de atividade, quando necessário. BOURNE, Patricia. Inside the elementary school chorus:
instructional techniques for the non-select children´s cho-
quantidade de tempo semanal que cada Para as aulas de musicalização, o desa- rus. Dayton: Heritage Music Press, 2009.
professor possui com sua turma. Em espa- fio consiste em investir um pouco mais de
ço escolar, costuma-se atribuir uma carga CHAN, Thelma; CRUZ, Thelmo. Divertimento de Corpo e
tempo em atividades de canto a duas vozes.
Voz. São Paulo: T. Chan, 2001.
horária de cinquenta minutos para cada Para o canto coral, representa uma oportuni-
aula de música/artes. Já a carga horária de dade de dedicar parte do tempo do ensaio a CRUZ, Gisele. Canto, canção, cantoria: como montar um
ensaio de coros infantis varia entre diferen- modalidades do fazer musical, como a cria- coral infantil. 2. ed. São Paulo: Sesc, 2003.
tes contextos. ção e a representação gráfica de elementos DWYER, Ruth. Harmony in sequence. In: LECK, Henry;
Cruz (2003), por exemplo, considerando musicais, tão pouco presentes na pedagogia JORDAN, Flossie. Creating artistry through choral excel-
coral infantil brasileira. lence. Wisconsin: Hal Leonard, 2009.
que o tempo de atenção e de aprendizado

68 | Débora Andrade A lagarta e a borboleta: cantando a duas vozes | 69


V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Música na Educação Básica

Música na Educação Básica

No espírito do blues!
Práticas musicais coletivas
para o ensino médio
Antonio Cezar Ferreira

In the spirit of blues: collective


musical practices in high school

Resumo Abstract
Este artigo apresenta uma proposta para This article presents a proposal for
alunos do ensino médio terem um contato familiarization with blues and musical
com o blues e com a improvisação musical. improvisation. Ideas and suggestions are
As ideias e sugestões presentes têm como presented to promote a collective musical
objetivo promover uma experiência musical experience. The article proposes activities
em grupo. O artigo propõe atividades para to work with blues as the key element in
trabalhar com o blues como figura central the approach to the jazz genre. The article
na aproximação com o gênero jazz. O texto contributes to demystifying the idea that
contribui para desfazer a ideia de que a the practice of musical improvisation is
prática da improvisação musical é algo difficult and reserved only for the most
difícil e reservado somente aos músicos virtuous musicians.
mais virtuosos.

Keywords: Blues. Jazz. Music


Palavras-chave: Blues. Jazz. Improvisa- improvisation.
ção musical.

FERREIRA, Antonio Cezar. No espírito do blues! Práticas musicais coletivas para o ensino médio. Música na
Educação Básica, v. 9, n. 10/11, 2019.

71
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Para Berendt (1975):

Os principais eventos do jazz já não podem


ser mais considerados como simples
“modismos”, e sim como verdadeiros
“estilos”, mesmo porque, dentro dessa
evolução, eles tiveram funções e
características análogas aos diversos
estilos e épocas da música de concerto.
(Berendt, 1975, p.17).

Pode-se afirmar que o jazz é um grande


guarda-chuva sob o qual estão abrigados
vários outros estilos musicais, entre eles o
blues, que se origina no final do século XIX e
segue vivo até hoje (ver Quadro 1). Louis Armstrong (1901-1971) tocando seu trompete, em 1953.
Fonte: Pixabay
Na obra clássica História social do jazz,
Hobsbawm (2008) afirma:

Ilustração: Pixabay
[…] o jazz não é um gênero autocontido Para escutar o jazz
ou imutável. Não é uma linha divisória, mas Incentive os alunos a pesquisarem na
uma vasta zona fronteiriça que o separa internet diferentes estilos de jazz, como
da música popular comum, em grande ragtime, dixieland, swing, bebop, cool,
parte marcada pelo jazz e a ele misturada free jazz, etc. O site All About Jazz (ht-
em vários níveis. Não há um limite fixo que tps://www.allaboutjazz.com) publica
o separe de tipos anteriores de música artigos, vídeos e listas de concertos e
folclórica, das quais emergiu. (Hobsbawm, eventos do jazz clássico ao moderno.
2008, p.47).
INTRODUÇÃO Afinal, o que é o jazz?
O presente texto traz sugestões para a O jazz nasceu nos Estados Unidos da Quadro 1. A história do jazz
sala de aula, proporcionando aos alunos América a partir da conexão complexa de
do ensino médio uma melhor compreen- tradições musicais da Europa com as da
são dos elementos do gênero blues. O ob- África. Foram justamente as diferenças entre
jetivo é compartilhar atividades de apre- essas duas tradições musicais que promove-
ciação e criação musical, incentivando ram o surgimento de uma nova abordagem
alunos e professores a improvisarem com da música. Quando os afro-americanos co-
melodias e ritmos. Outro objetivo é des- nheceram a harmonia da música clássica eu-
mistificar a improvisação musical, mos- ropeia, os arranjos das bandas militares, os
trando que todos podem improvisar, se instrumentos, como o cornetim, o clarinete e
providos das ferramentas adequadas. o trombone, eles passaram a usar, em tonali-
dades maiores, conduções melódicas meno-
Antes de iniciar com as práticas coleti-
res, o que resultava em um colorido harmô-
vas de improvisação, o texto tece algumas
nico todo especial (Berendt, 1975).
considerações sobre o jazz e suas relações
com o blues. Os primeiros músicos do jazz eram auto-
didatas e fugiram às concepções há muito
Como podem os professores de música
tempo sedimentadas pela música erudita
trabalhar um assunto tão específico com
europeia no que se refere a produzir um tom
alunos que não estão familiarizados com
puro, claro e preciso. No jazz, os instrumen-
o tema?
tos são tocados – até onde isso é possível –
como se fossem vozes humanas.

72 | Antonio Cezar Ferreira No espírito do blues! Práticas musicais coletivas para o ensino médio | 73
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

A principal característica do blues é a Hobsbawn (2008, p. 49) explica que uma


atmosfera triste, 2 oprimida, que é evocada, das peculiaridades do jazz é a combinação
sobretudo, com as blue notes. Essas notas da escala blue 3 (a escala maior comum, com
produzem uma tensão harmônica em rela- a terceira e a sétima abemoladas), usada na
ção à tônica, como a tensão entre um acorde melodia (Figura 1), com a escala maior co-
maior (na harmonia) e uma terça menor (na mum usada na harmonia (Figura 2). 4
melodia). Fundamental para o blues é a sua forma
Quando ouvimos cantoras como Sarah predominante – do mais antigo ao mais mo-
Vaughan e Billie Holiday entoando melodias
que não deixam claro se a tonalidade em 1. O documentário está disponível no YouTube.
questão é maior ou menor (canções tristes,
2. Há exceções de blues alegres ou cômicos, como
mas cheias de energia), a técnica empregada “Slim Gaillard”, de Louis Jordan (Berendt, 1975,
pode estar associada à prática dos cantores p.124).
Figura 4 de jazz que têm origem na interpretação de
3. 
Na literatura traduzida no Brasil, existem pelo
canções tradicionais africanas (rural blues),
menos duas denominações correntes para essa
de resvalar nas notas da escala, evitando escala: escala blue (Hobsbawm, 2008) e escala
atingi-las realmente. blues (Berendt, 1975).
A palavra blues, em inglês, também signi- 4. Alguns músicos do jazz abemolizam também a
fica tristeza ou melancolia. Esse significado quinta nota da escala (Berendt, 1975, p.125).
remete às canções lentas e chorosas canta-
das pelos negros escravizados nas fazendas
de algodão às margens do rio Mississipi, no
sul dos Estados Unidos, por volta de 1870.
Além de marcar o ritmo do trabalho escra-
Como forma de linguagem, o blues tem E o que é o blues? vo na construção das linhas férreas, as can-
a propriedade de moldar-se a outros idio- ções ajudavam a amenizar o sofrimento de
mas e sotaques, como ocorreu no Brasil, O blues forma uma base importante para um povo discriminado e oprimido. O blues
onde palavras como dor e amor expressam a música popular do século XX, do jazz ao é a essência da música dos negros levados
as emoções da vida cotidiana. O blues brasi- rock, do soul ao hip-hop. O blues também da África para os Estados Unidos. É o grito
leiro traduz de maneira coloquial, mundana, pode ser uma boa porta de entrada para a africano.
os sentimentos dos seus compositores. São compreensão do gênero jazz.
representantes desse estilo musical: Celso
Blues Boy, Renato Fernandes, Bebeco Gar-
cia, entre outros (ver Quadros 3 e 5). Para saber mais
CASTRO, Ruy. Tempestade de ritmos:
Para escutar o blues jazz e música popular no século XX.
São Paulo: Companhia das Letras,
Para que os alunos possam conhecer 2007.
melhor o blues brasileiro, apresente PIEDADE, Acácio. Jazz, música brasi-
um vídeo de um dos artistas abaixo. leira e fricção de musicalidades. Opus,
Acesse o YouTube e digite: v. 11, p. 197-207, dez. 2005.
- “Celso Blues Boy” Fonte: Pixabay
- “Renato Fernandes”
Uma boa introdução sobre o blues pode
- “Bebeco Garcia” ser o documentário de Martin Scorsese Li-
ghtning in a bottle: a one night history of Sarah Vaughan (1924-1990) Billie Holiday (1915-1959)
the blues (“Relâmpago em uma garrafa: a
história do blues em uma noite”). 1 O docu-
mentário pode ser apresentado em trechos
selecionados a critério dos professores.

74 | Antonio Cezar Ferreira No espírito do blues! Práticas musicais coletivas para o ensino médio | 75
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Nesse caso, as duas primeiras frases são


Figura 1 idênticas. Distinguem-se apenas na melodia.
Essa forma vocal (chamada [call] – repetição
[call] – resposta [response]) se espelha na
forma melódica. Nos primeiros quatro com-
passos, é feita uma proposição; nos quatro
compassos seguintes, essa proposição é re-
petida com outra harmonia; nos quatro com-
passos finais do texto e da melodia, apresen-
Figura 2 tam uma conclusão.

FASE 1. Peça para os alunos se colocarem


em círculo.
Caindo no improviso
Todos devem dar quatro passos para frente
Quem tentar improvisar com seu instru- (para o centro do círculo) e quatro para trás,
mento musical ou com a voz pela primeira marcando o mesmo ritmo em um compasso
derno –, um esquema harmônico-melódico de 12 vez terá a sensação de como se estivesse de quatro tempos. Repita o processo até que
compassos: aprendendo a andar de bicicleta. Onde aca- um ritmo comum se estabeleça.
ba a experiência de tentar manter o equilí-
/ Bb 7 / Eb 7 / Bb 7 / Bb 7 / FASE 2. Enquanto todos andam para fren-
brio? Será em um doloroso tombo? No exato
/ Eb 7 / Eb 7 / Bb 7 / Bb 7 / momento em que o aprendiz consegue se te, o professor marca com palmas uma frase
equilibrar, dobra-se o guidão... rítmica de um compasso. Enquanto todos an-
/ F 7 / Eb 7 / Bb 7 / F 7 / dam para trás, os alunos devem repetir com
Numa estrofe de blues, formada por 12 compas- A primeira tentativa de improvisar uma palmas (eco) a frase rítmica apresentada pelo
sos, estão presentes as três funções básicas de uma melodia leva, frequentemente, a nervosismos professor no compasso anterior (Figura 3).
tonalidade: tônica, subdominante e dominante. parecidos com esse, com a diferença de que
não ocasiona dores externas. A insegurança FASE 3. Cada aluno apresenta uma frase
/T/S/T/T/ é provocada pela falta de instrução quanto rítmica de um compasso, enquanto todos
T = tônica
aos elementos básicos para a prática da im- movimentam-se para frente, que deve ser
/S/S/T/T/ D = dominante
provisação musical. repetida pelos outros (eco), enquanto movi-
/D/S/T/D/ S = subdominante
mentam-se para trás.
A falta de clareza na instrução tem ori-
Esse esquema harmônico, que se divide em três FASE 4. Experimente variar o exercício com
gem na mistificação de alguns fenômenos
frases de quatro compassos cada uma, está na base percussão corporal ou com vocal.
do jazz. Segundo o pianista de ragtime Wally
da maioria das peças de blues. A melodia da segun-
Rose, o que permite aos músicos de uma Dica: Mantenha o andamento constan-
da frase (compassos 5 a 8) tem semelhança com a
banda de jazz executar uma nota curtíssima te. O exercício deve ser feito em anda-
melodia da primeira frase (compassos 1 a 4). Essa
numa fração de segundo que não pode ser mento moderado, evitando ficar mais
forma é conhecida como A – A’ – B: rápido ou mais lento. Na medida em
escrita é “o sentido de ritmo ou swingue no
jazz. Ou você sente esse momento ou você que todos dominam o exercício, é pos-
sível passar para a próxima fase.
está fora do jazz” (Berendt, 1975, p.146). Tais
Pode enterrar meu corpo à margem da autoestrada (chamada) comentários geram medo no aluno. Trata-se
Pode enterrar meu corpo à margem da autoestrada (repetição) do velho preconceito: ou a pessoa tem talen- FASE 5. O professor combina com os alu-
Para que meu velho espírito possa pegar um ônibus to, ou não tem. Ao aluno não resta mais nada nos (marcar com palmas) uma frase rítmica
Greyhound e se mandar (resposta) em que ele possa se orientar. No entanto, de um compasso (pergunta), que deverá ser
todos podem aprender a improvisar, desde idêntica sempre que todos caminharem para
MUGGIATI, Roberto. O que é o jazz? São Paulo: que providos das ferramentas certas. o centro do círculo. Cada aluno, enquanto
Brasiliense, 1999. p.22. todos andam para trás, deve responder com
Atividades com percussão corporal ou vo-
uma frase rítmica de um compasso (com
cal podem ser um excelente meio de trazer
palmas). A frase rítmica de cada aluno deve-
a improvisação para a sala de aula. Convide
rá ser uma resposta para a frase rítmica do
os alunos para um exercício de improvisação
grupo (Figura 4).
com palmas:

76 | Antonio Cezar Ferreira No espírito do blues! Práticas musicais coletivas para o ensino médio | 77
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

FASE 6. Experimente variar o exercício com


percussão corporal ou com vocal. Figura 5

Figura 3

Figura 4

[…] o blues é tanto um estado de


Para escutar espírito quanto um sentimento – não
necessariamente de tristeza e depressão,
Antes de prosseguir para a atividade embora na maioria das vezes seja assim –
de apreciação, sugere-se ouvir com e uma forma musical ou linguagem – não
os alunos a versão em estilo blues da necessariamente o clássico blues de doze
música “Asa Branca”, de Luiz Gonzaga compassos. O blues, porém, também existe
e Humberto Teixeira, cantada por Zé como música folclórica, fora do jazz e além
podendo esta atividade ser registrada com dele, com sua evolução própria, que segue
Vamos compor um (quem elaborou).
um celular ou com um gravador. Aos poucos,
Pretim (José Geraldo Rodrigues), do
Mato Grosso do Sul. paralela ao jazz, porém não independente
blues? vão-se somando as diversas composições Essa versão mostra como o blues,
dele. (Hobsbawm, 2008, p.125).
dos alunos. É importante não ter pressa para como estilo de música, pode estender
Convide seus alunos para compor um Segundo o músico Leonard Faether, “[…]
que as ideias surjam com espontaneidade. A as fronteiras, ganhando novos idiomas
blues! Para começar o trabalho, sugiro que e sotaques.
o blues é a essência do jazz. Possuir um
prática coletiva de criar textos já na forma do
você toque os acordes do blues em Bb (Fi- blues-feeling é possuir um jazz-feeling” (Be-
blues, como em uma banda, pode ser uma
gura 5) algumas vezes, no teclado ou no vio- rendt, 1975, p.124). Com certeza o jazz-feeling
experiência rica e divertida.
lão. A seguir, pode-se experimentar cantar Entrando no espírito do não é algo para ser explicado, mas pode ser
Incentive os alunos a apresentarem os sentido, ouvido, apreciado e explorado.
versos simples sobre o acompanhamento
versos compostos para os colegas. Eles po- blues
do blues em Bb. Você deve salientar que, na Convide os alunos para ler e ouvir a intro-
forma A – A’ – B, a frase [melódica] dos com- dem convidar os colegas para tocar o “seu” Mas será que o blues se restringe ao can- dução de Leadbelly, cantor do século XIX que
passos 1 a 4 é semelhante à frase [melódi- blues. Momentos de prática musical coletiva tar ou tocar uma terça ou uma sétima mais cantava um blues ainda arcaico e folclórico-
ca] dos compassos 5 a 8, e que, nos últimos instigam os alunos para que troquem expe- baixa que o comum? Obviamente o senti- -rural, para a canção “Good mornin’ blues”
compassos (9 a 12), a melodia serve como riências e criem novos arranjos de forma co- do do blues é algo bem mais amplo do que (“Bom-dia blues”)5, de Count Basie, Eddie
resposta para o tema proposto. laborativa. No blues e no jazz não há notas se nota na entoação, no fraseado, algo que Durham e James Rushing, considerando o
erradas, todas são válidas. O desafio de criar só se percebe ouvindo. Na concepção de
Peça para os alunos anotarem os versos que foi dito anteriormente sobre o blues.
deve levar os alunos a se arriscar na impro- Hobsbawm,
compostos em um caderno. Esses versos po- visação, motivando-os a desenvolver sua au- 5. 
Coloque “Good mornin’ blues – Leadbelly” no
dem ser lidos em voz alta, individualmente, tonomia. YouTube e ouça a canção em estilo blues rural
(work song).

78 | Antonio Cezar Ferreira No espírito do blues! Práticas musicais coletivas para o ensino médio | 79
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Nenhum homem branco jamais teve o Após a leitura do texto, converse com os
blues, pois o homem branco não tem alunos sobre os diferentes sentimentos asso-
CONSIDERAÇÕES Autor
preocupações. ciados ao blues. Pergunte a eles: A intenção deste artigo foi propor ativi-
Se você estiver deitado na cama, rola dades musicais que instigassem os alunos
de um lado para outro e não consegue - O que chama a atenção na letra do poema?
do ensino médio a criar melodias e a im-
dormir. - Quais sentimentos são possíveis identificar? provisar, desfazendo a ideia de que a im-
O que há com você?
- O que você entende por “estado de espírito”? provisação é algo difícil e relegada apenas
Você está envolvido pelo blues. aos músicos virtuosos. Antonio Cezar
- Quais outros gêneros musicais podem ser as- Ferreira
sociados a esse sentimento de protesto e insa- Embora esse material tenha sido ela- prof.cezar.ferreira@gmail.com
Se você levantar de manhã e ficar borado pensando no uso de um violão
tisfação?
sentado na beira da cama. Seu pai e
ou de um teclado, é possível adaptá-lo à Mestre em Educação Musical pela Universi-
sua mãe estão lá, seus irmãos e suas Também é possível desenvolver uma ativi-
irmãs, seu namorado ou sua namora- prática com outros instrumentos, como dade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
dade escrita. Solicite aos alunos que escrevam
da, e você não quer falar com nenhum flauta doce, xilofones ou metalofones, por bacharel em Piano pela Staatliche Hochschu-
no caderno o que pensam sobre o poema que
deles, mesmo que nenhum deles tenha exemplo. le für Musik Rheinland Robert Schumann Ins-
lhe feito algo.
leram.
Mesmo que você não tenha experiên- titut (Düsseldorf/Alemanha); licenciado em
O que há com você?
cia como professor, com o blues e com a Letras – Português e Alemão pela Universi-
Você está possuído pelo blues. improvisação, arrisque-se com as notas dade do Vale do Rio dos Sinos. Estudou jazz
que não pertencem à escala maior tra- com Hans Lüdemann na Musikhochschule
Você está frente a uma mesa coberta. dicional. Você não vai cair da bicicleta. O Köln (Alemanha). Membro do grupo de pes-
No prato, frango frito e arroz. tombo com as notas do blues não acon- quisa Educação Musical e Cotidiano (CNPq/
Você sai e, tremendo, você diz: “Oh, tece, justamente porque todas as notas UFRGS), desenvolvendo investigações sobre
meu Deus, tenha piedade comigo, eu podem fazer sentido se tocadas no mo- formação de professores de música. Atua
não consigo comer, eu não consigo mento certo. E o momento certo você vai como professor particular de música e língua
dormir. O que há comigo?”.
descobrir praticando, andando de bicicle- alemã.
Você está envolvido pelo blues. (Be- ta. Não é para soar como os mestres do
rendt, 1975, p.124). blues na primeira tentativa de improviso,
mas para se aproximar aos poucos e com
liberdade da composição.
O jazz faz um jogo entre o compositor
e o solista, dando grande importância à in- Referências
terpretação. Com a abordagem do jazz, o
BERENDT, Joachim E. O Jazz do rag ao rock. São Paulo:
professor valoriza a improvisação coletiva. Perspectiva, 1975.
A forma musical “chamada versus respos-
ta” permite que na prática coletiva o aluno HOBSBAWM, Eric J. História Social do Jazz. São Paulo:
Paz e Terra, 2008.
possa desenvolver o espírito de ter aten-
ção ao solista e aos momentos coletivos. GRANDE ENCICLOPÉDIA LAROUSSE CULTURAL. São
E o jazz é um dos gêneros que favorece Paulo: Nova Cultural, 1998.
isso. MESQUITA, Vinícius. Jazz. São Paulo: Abril, 2005.
Entre no espírito do blues! O importan- MUGGIATI, Roberto. O que é o Jazz? São Paulo: Brasi-
te é aprender como se trabalha esse estilo liense, 1999.
musical e, acima de tudo, desenvolver o
prazer da prática musical coletiva na sala
de aula.

Fonte: divulgação Trio de Janeiro

80 | Antonio Cezar Ferreira No espírito do blues! Práticas musicais coletivas para o ensino médio | 81
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Música na Educação Básica

Música na Educação Básica

Captação de contato:
tecnologia e corporalidade
numa educação musical de
invenção e desfrute
Stênio Biazon

Contact transducer pickup:


technology and corporeality in a
music education based on invention
and relish

Resumo Abstract
Neste artigo proponho práticas musicais In the article, I propose musical practices
que fazem uso da captação de contato, that make use of a contact transducer

Foto: Designed by Freepik


associando-as a uma educação musical pickup and I relate them to a type of
que contesta a definição prévia de mé- musical education that challenges the
todos propriamente ditos. As atividades previous definition of music teaching
possíveis com captador de contato (pie- methods. The activities that can be
zoelétrico) e aqui mencionadas incluem: developed with a contact transducer
amplificação de instrumentos feitos de pickup are: amplification of instruments
sucata, exploração de sons do espaço made of scrap material, exploration of
físico e descoberta de sons do próprio the physical space and discovery sound
corpo. Ao fim, trago esta ferramenta para in one’s own body. At the end, I propose
alguns problemas próprios das relações a discussion about this tool , relating
entre tecnologia e práticas musicais. musical practices and technology.

Palavras-chave: Captação de contato. Keywords: Contact captation. Musical


Educação musical. Invenção musical. education. Musical invention.

BIAZON, Stênio. Captação de contato: tecnologia e corporalidade numa educação musical de invenção e desfrute.
Música na Educação Básica, v. 9, n. 10/11, 2019.

83
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Tal atenção às singularidades, no en- da sacralização e da fetichização da obra de


tanto, não se confunde com os assisten- arte: o fazer musical tem de estar vinculado
cialismos de uma inclusão genérica que se ao cotidiano e às suas conversações, enfim,
Atividade El Gran contenta em legar ao estudante e à crian- tem de estar associado à vida e, de preferên-

Fonte: https://sonidocinico.files.wordpress.com/2014/10/dsc01231.jpg
ça apenas O QUE JÁ LHE É FAMILIAR. cia, a vidas que se reinventem (Costa, 2007,
Aula (A Grande Aula), Digo isto porque, da perspectiva aqui pro- p.1, 9-10; 2016, p. 97-8, 104).
realizada com captação de posta, não basta que se conteste o ensino
contato pelos arte-educadores submetido à MÚSICA DE CONCERTO ou
à pretensa GRANDE MÚSICA POPULAR De forma sucinta, pode-se dizer que se
Sebastian Rey e Leonello dá o nome de improvisação musical livre
BRASILEIRA repondo-o com um ensino
Zambon, do coletivo Sonido condicionado pela cultura do ESPETÁCU- às inúmeras práticas que inventam música
propriamente no momento de sua perfor-
Cínico (Buenos Aires, LO ou com qualquer outra prática que se mance, evitando combinados prévios e sen-
Argentina). alegue ser próxima da realidade das crian- do minimamente predefinida, embora seja
ças e dos estudantes. Tal reposição opera contraditória, a intenção de não remeter
somente renovações do pastorado, isto é, diretamente a estilos previamente consoli-
substitui o pastor e segue assossegando o dados e nomeados.
conformado rebanho; e, conforme depre-
endo da educadora musical Ethel Batres
(2016, p.62, 64, 73), não interessa à edu- Improvisação livre para ouvir e
cação musical a posição de obediência assistir
da ovelha, tampouco a do bom condutor
– posturas estas que na verdade são com-
plementares e pelas quais apenas transita Procure no YouTube por:
quando não se contesta os Sistemas de “Improvisação Chefa Alonso CCSP”;
ensino enquanto tais.
Introdução: por uma “Ensaio da Orquestra Errante - agosto
Para me opor ao esperado pelas tan- de 2019” – Grupo de improvisação livre
educação musical de “Meu método é não ter método”, “o mé-
tas formas pastorais de educação musical, da Universidade de São Paulo (USP),
todo fecha, limita, impõe... e é preciso abrir
contestação e voltada […], transgredir”, dizia o compositor e pro- permito-me aqui me inspirar na improvisa-
Orquestra Errante, coordenado pelo
professor Rogério Costa;
ao desfrute fessor Hans-Joachin Koellreutter (apud Bri- dora Chefa Alonso (2008). Apropriando-
“Circuito de Improvisação Livre Duos
to, 2011, p.31). Disso pode-se tomar que pou- -nos de seus conceitos, poderíamos falar de
#2 - Luís Galvão convida nahnati” –
“[I]mporta, prioritariamente, a criança, co importam os protocolos e manuais: nos uma educação musical que preza, antes de Apresentação solo da guitarrista Natá-
o sujeito da experiência, e não a música, contextos de educação, alimentemos toda mais nada, por um desfrutar da música e lia Francischini.
como muitas situações de ensino musical e qualquer prática musical com as singulari- das relações implicadas nela, apartando-se
insistem em considerar. A educação assim das pretensas utilidades e finalidades
dades dos envolvidos e estejamos à espreita Algumas leituras sobre
musical não deve visar à formação de
do que entre estes seja emergente, confor- atribuídas a ela – uma questão problema-
possíveis músicos do amanhã, mas sim à
tizada também por Brito (2006, 2007). Tal
improvisação livre
formação das crianças de hoje.” me nos convida a educadora musical Teca
Alencar de Brito (2007, p.257-262). Importa perspectiva pode ainda ter em vista que os ALONSO, Chefa. Improvisación libre: la
Teca Alencar de Brito então a realização de algo que seja de fato elementos provenientes de toda e qualquer composición en movimiento. Barcelo-
tradição ou cultura musical são como meros na, ES: Editoral Dos Acordes, 2008.
do interesse destes envolvidos, despojando
suas práticas da busca de reconhecimento “objetos” disponíveis à constante dissolução BIAZON, Stênio. Improvisações livres
Concentro esforços numa educação mu- de uma perspectiva anarquista: inven-
por parte de terceiros – sendo necessário e que servem ao deleite pessoal e coletivo,
sical que se faça aberta à experimentação – ção de heterotopias do fazer musical.
afirmar isto sobretudo por conta de que, no conforme proponho inspirado no filósofo
de novas ferramentas, de novas práticas, de Dissertação (Mestrado em Música) –
caso de práticas mais contemporâneas, mui- Max Stirner (2004 [1845]).
músicas das mais diversas culturas etc. – e Programa de Pós-Graduação em Músi-
indisposta a se submeter a qualquer méto- tos ainda teimam em dizer que estas não são Tomo ainda de Rogério Costa, pesquisa- ca, ECA, USP, São Paulo, 2017.
do. Trata-se de recusar fazer coro com todo música; bem como frequentemente ignoram dor da improvisação musical livre, a perspec- COSTA, Rogério. Música errante: o
aquele ensino musical que, aspirando à infa- as concepções próprias das crianças acerca tiva segundo a qual interessa também que jogo da improvisação livre. São Paulo:
libilidade e à estabilidade, define de antemão do fazer musical, deixando de lado suas sur- esta realização da música voltada ao prazer Fapesp; Perspectiva, 2016.
qual música deve ser feita e de que maneira preendentes ideias de música (Brito, 2007, procure contestar as instituições majoritá-
ela deve ser estudada. p.257-262). rias, potencializando-se pelo enfrentamento

84 | Stênio Biazon Captação de contato: tecnologia e corporalidade numa educação musical de invenção e desfrute | 85
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Tendo em vista o desfrute, podemos fa- tações estéticas que no Ocidente se espa-
lar ainda de um eros pedagogikos em que a lharam pelo século XX, as concepções de
relação entre o professor e a criança/o estu- música das crianças não têm como base a
dante é de sedução mútua – já que o profes- reprodução musical estrita e suas mensura-
sor só seduzirá se também estiver seduzido bilidades. Para elas – e quanto menores elas
pelos saberes e práticas com as quais lida: são, mais isto é um fato –, fazer música se as-
socia à corporalidade (noutras palavras, aos
Seduzir é descortinar um mundo frente aos gestos enquanto tais, sem se prender a sis-
olhos do outro, […] é oferecer nosso mundo
[…], fazer com que o outro se interesse por
temas musicais); à experimentação de sono-
esse nosso mundo […], deseje penetrá-lo, ridades (ou timbres); à execução dos instru-
passear por ele e desvendá-lo. Mas o outro mentos de maneiras não predefinidas e, em
também tem (e é) o seu mundo, diverso múltiplos sentidos, à invenção – de instru-
do nosso, e sua entrada no mundo que lhe mentos, de brincadeiras sonoras, de canções
é ofertado é mais propriamente a junção que, em alguns casos, jamais se repetirão, de
de dois mundos, uma interpenetração, o
nascer de um novo mundo. (Gallo, 1998,
percursos inusitados para improvisar etc.
p.53).
Figura 3: Uma página da partitura de Treatise.
Fonte: https://blogthehum.files.wordpress.com/2016/02/cornelius_
É também dessa perspectiva que não cardew_-_treatise-30.jpeg?w=764&h=476
bastaria uma educação restrita ao mundo Leituras relacionadas à realiza-
musical do professor, o que tradicionalmente Para ouvir: algumas composições Se na música “de concerto” do século XX, ção com crianças da chamada
é legitimado por este supostamente conhe- que mantêm muitos elementos sobretudo a partir da segunda metade, nos música eletroacústica
cer a (pretensa) cultura superior; tampouco indeterminados... FL AT SOUND
deparamos com experimentações estéticas BIAZON, Stênio. Oãrev: peça eletroacús-
uma educação voltada apenas ao mundo do que muito se aproximam da propensão das

COLLECTION
tica composta pelas crianças e seus des-
estudante/da criança, o que tende a ser jus- Procure no YouTube por: crianças a inventar, os usos da tecnologia dobramentos em improvisações vocais. In:
tificado pelo ponto de vista assistencialista já gestados neste período são de interesse se- SEMANA DE EDUCAÇÃO MUSICAL DA
aludido. Interessa então o convite à experi- “Acronon (1978 1979) - H. J. Koell- melhante. Um bom exemplo, e que marcou o UNESP, 6., 2016, São Paulo. Anais […]. São
reutter” – Peça para piano solo em que Paulo: Unesp, 2016, p. 205-207.
mentação e ao desfrute deste novo mundo, fim dos anos 1940, é o uso da fonografia li-
a “partitura” consiste em um globo
proveniente do tal encontro do qual nos fala gado à produção da música, acarretando na
transparente que pode ser virado pelo SIMÃO, Ana Paula M.; SPOSITO, Tauan G.;
Silvio Gallo, que é necessariamente imprevi- pianista, gerando, por sobreposição, invenção de uma música que exploraria as MORAES, Renato de S. Música eletroacús-
sível e não abre mão de riscos. Trazendo as novas imagens. características e possibilidades específicas tica na sala de aula. Música na Educação
palavras de Rogério Costa, em uso de um “Cornelius Cardew: Treatise” – A primei- desta tecnologia – já que, até então, a grava- Básica, Londrina, v. 8, n. 9, 2017.
conceito tomado de Brito, sugiro ainda que ra versão da partitura, de 1967, consiste ção do som se associava sobretudo à repro-
o encontro teria de implicar na ampliação em 170 páginas de ilustrações gráficas, dução de músicas preexistentes. Neste con-
das ideias de música dos envolvidos – isto não ordenadas, e que foi publicada sem texto é que se terá a emergência dos mais
é, está em questão que se expanda as pos- nenhuma instrução ou bula.
significativos procedimentos associados ao
Captação de contato
sibilidades do fazer musical, nunca dirigindo que hoje se convencionou chamar de músi- e suas inúmeras
nem fixando-as. Figura 2: Globo-partitura de Acronon. Fonte: https://c1.staticflickr.com/ ca eletroacústica (Iazzetta, 2009), também possibilidades
2/1568/25776767404_46bdb5eb90_b.jpg uma possibilidade para a educação musical
Atentar-se ao que é próprio da relação
e para práticas com crianças e jovens. A captação de contato que aqui me refi-
das crianças com a música requererá ainda
ro é realizada pelos captadores piezoelétri-
uma atenção particular ao fazer musical atra-
co. Eles podem ser comprados em lojas de
vessado pela imprecisão e pela indetermina-
instrumentos musicais, mas também con-
ção, conforme já indicava François Delalande
feccionados artesanalmente. Tecnicamente
(1995 [1976]) e minuciará Brito (2006; 2007;
falando, o piezo, como costuma ser chama-
2011). Ambos nos mostram que, avessamen-
do, é um transdutor capaz de gerar tensão
te ao que pretendem as tradicionais insti-
elétrica por resposta a pressões mecânicas.
tuições de ensino musical, não há nenhuma
O que nos interessará aqui é que este obje-
razão para precipitar a relação das crianças
to capta vibrações daquilo com o que este-
com pulso e altura definidos. Isto porque,
ja em contato ou em atrito, transmitindo-as
aproximando-se das múltiplas experimen-
para um amplificador no qual esteja ligado.

86 | Stênio Biazon Captação de contato: tecnologia e corporalidade numa educação musical de invenção e desfrute | 87
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Os principais usos do piezo aqui menciona- Artistas que usam piezo de raspam outras partes. Neste caso, procure
dos consistem em transformar objetos em formas diversas
Com o piezo disponível coisas que ressoem por inteiro, ocas ou que
instrumentos, bem como amplificar sons para ser movido... vibrem bastante. Com crianças menores,
que geralmente têm baixa projeção/amplitu- Procure no YouTube por: isto evita frustrações, já que uma parede de
No primeiro contato com o piezo, entendo
de. Indico aqui, inclusive, alguns artistas que concreto geralmente não transmite o som
“CASo Abierto #1. Mariana Carvalho que é necessário dar às crianças todo tem-
vêm fazendo uso desta ferramenta. (BR)” – Captação de sons do piano e
de uma parte à outra, como acontece com
po e espaço necessários, deixando que elas
de linhas de náilon esticadas pelo es- uma porta de madeira, por exemplo. Com as
mesmas inventem como explorá-lo. Uma das
paço; crianças maiores, atentá-las a isto possibili-
Captadores piezo de contato coisas que primeiro se deve ter em vista é
“Cristais [apt.lab]” – Performance da ta um notável aprendizado empírico sobre
que o piezo pode ele mesmo ser percutido,
Os captadores piezo geralmente são dançarina Talita Florêncio em colabo- acústica. Tendo um miniamplificador portátil
bem como faz sons conforme o raspamos
vendidos como captadores de violão ração com o luthier experimental Thia- – ou um comum, tomadas bem localizadas,
e violino, na maioria das vezes acom- go Salas, com muitos piezos pendura- no corpo. Outra possibilidade interessante é
extensões e cuidado com cabos –, pode-se
panhados da designação “captador de dos pelo corpo; segurá-lo na região do coração e, com aten-
enfim fazer uma jornada pelo espaço físico,
contato”, mas também podem ser con- ção, ouvir os batimentos de cada um – po-
“HOLOMOVIMENTO (Bruno Hiss e amplificando tudo que houver pela frente!
feccionados artesanalmente. Alexandre Marino) @ XV Semana de deria ser dito que, temos um estetoscópio
Musicoterapia FMU” – Sons vocais cap- amplificado. O mesmo pode ser feito na gar-
tados por piezos externamente na gar- ganta enquanto se faz os mais variados sons
ganta/pescoço; vocais. Fixando o piezo em
“The Wind at my Heels / O Vento nos
meus Calcanhares, for performer and Quando disponível para ser movido, o alguma superfície
live electronics” – Composição da pro- piezo pode também ser raspado nas mais São muitas as maneiras de fixar tempora-
fessora Heather Dee Jennings (UFRN, diversas superfícies (paredes, chão, obje- riamente o piezo em algo: é possível grudá-lo
Natal), que explora sopros e assobios tos etc.), produzindo sons conforme as va- com variados tipos de fita adesiva, prendê-lo
no captador piezo. riações de textura. O professor pode ainda com um prendedor de roupas ou até mesmo
Procure no Vimeo por: segurá-lo firmemente numa parte de um mantê-lo firme em um vão estreito entre dois
objeto enquanto as crianças percutem ou objetos. O mais importante é que ele de fato
“Abalo sísmico - Bella & Anastácio” –
Performance com uso da retroalimenta- esteja em contato contínuo com algo, para
ção entre alto-falante e captador piezo. Figura 6: A performer da dança Talita Florêncio com piezos suspensos que toda vibração deste objeto seja captada
Figura 4: Captador de piezo em formato de pastilha (mais recomen- no corpo. Fonte: https://i.imgur.com/OiLnJyQ.jpg
dado para as presentes propostas). Fonte: https://alexnld.com/wp-
por ele. É possível experimentar fixá-lo em
-content/uploads/2015/03/SKU1588543.jpg
qualquer coisa, desde objetos, paredes, ins-
Apenas para efeito de organização da lei- trumentos de todo tipo, e até no corpo.
tura, separei as sugestões aqui apresentadas Pode-se dizer que, num certo sentido, os
em duas situações: aquelas em que o capta- captadores de contato assumem o papel de
dor permanece disponível para ser movido e lupa sonora, produzindo “realidades (sono-
aquelas em que ele se encontra fixado tem- ramente) aumentadas”. Isto pode interessar,
porariamente em alguma superfície (fixa ou por exemplo, para amplificarmos instrumen-
móvel). No entanto, na verdade, realizo um tos construídos pelas próprias crianças. Isto
convite aberto para uma exploração sem li- porque, apesar de a baixa amplitude (o bai-
mites deste objeto, e isto também pelo fato xo volume) destes não impedir que façamos
de que boa parte destas propostas são me- música com eles, amplificá-los possibilita
Figura 5: Captador de piezo em formato de rastilho, específico lhor aproveitadas conforme se atente às es- que toquem junto a instrumentos de maior
para violão (muito delicado para algumas das presentes propostas,
mas também pode ser usado). Fonte: https://http2.mlstatic.com/ pecificidades do espaço físico em questão. projeção sonora. Basicamente, com um pie-
captador-piezo-de-rastilho-violo-aco-nylon-D_NQ_NP_115611-
-MLB20591290333_022016-F.jpg
A maior parte das práticas com piezo aqui zo podemos ouvir em grupo o que antes so-
apresentadas pode ser adaptada para crian- mente seria possível “ao pé do ouvido”.
Neste link, um tutorial sobre “Como fabri- ças de quase todas as idades. Todavia, cabe Enfatizo ainda que a fixação do piezo em
car um captador piezo elétrico”, redigido em denotar que a maior parte delas foi realizada superfícies grandes e bastante ressoantes
espanhol pelos arte-educadores do coletivo com crianças entre 7 e 13 anos; e, com pe- permite que um único objeto seja tocado,
Sonido Cínico: https://sonidocinico.word- quenas variações, cheguei também a realizar com amplificação, por mais de uma criança,
press.com/como-fabricar-un-microfono-pie- algumas atividades mais simples com crian- favorecendo práticas coletivas, mesmo se
zoelectrico/ ças a partir de 2 anos. houver poucos captadores disponíveis.

88 | Stênio Biazon Captação de contato: tecnologia e corporalidade numa educação musical de invenção e desfrute | 89
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Alguns objetos amplificados ralidade –, estará, entretanto, presente na


com piezo (todas fotos são de ativi-
Considerações finais: educação musical apenas se procurarmos
dades realizadas pelo Sonido Cínico) educação musical, condições favoráveis a isto. Trata-se de uma
questão que vai muito além dos piezos.
tecnologias e outras
Neste sentido, é necessário que pesquise-
questões mos, por exemplo, aparelhos diversos, bem
Não gostaria aqui de restringir ou definir como aplicativos de celular e tablets que
as possibilidades de uso do piezo. Isto é, aqui não suprimam tanto a fisicalidade atrelada à
apresentei uma ferramenta que servirá, na produção sonora. Podem interessar os glis-
verdade, para a realização de qualquer mú- sandos sensíveis ao toque, como aqueles
sica ou atividade musical. Entretanto, seriam presentes em theremins que operam via tou-
importantes algumas reflexões que desdo- chscreen; pode também entrar na roda qual-
bram também a perspectiva delineada na quer aparelho eletrônico que possua uma
introdução. mínima resposta em dinâmica, ainda que pa-
rametrizada numa tocabilidade pouco analó-
Situo então os piezos diante de duas das
FL AT SOUND várias problematizações que envolvem subs-
gica; pode-se incluir nisto também qualquer
aplicativo que produza sons não domestica-
COLLECTION tancialmente práticas musicais e tecnologias.
Uma primeira problematização diz respeito à
dos em parâmetros explicitamente mensurá-
veis (como um pulso regular ou uma escala
Figura 7: Pelota elétrica (bola de basquete). Fonte: https://sonidocinico. maneira com a qual lidamos corporalmente
files.wordpress.com/2014/10/10155816_234491283406410_9108 temperada etc.); pode ser ainda qualquer
464899662627929_n.jpg
com a música realizada com as novas tec-
objeto tecnológico que possua alguma res-
nologias, já que em alguns casos o altíssimo
posta aos eventuais gestos descomedidos
grau de mediação destas nos afasta de uma
de uma criança que o explora; enfim, as ten-
associação direta entre os gestos de quem
tativas são válidas, desde que contestemos a
toca e o som obtido. A este fenômeno, em
robotização da produção sonora. Entretanto,
relação ao qual me alinho aos autores que
na verdade, seria ainda necessário entender
dele são críticos, se chamará descorporiza-
que a pesquisa por este tipo de ferramenta é
Figura 9: Roda de bicicleta amplificada com piezo e percutida com ção da música (sobre este assunto, cf. Iazzet-
baquetas. Fonte: https://sonidocinico.files.wordpress.com/2014/10/ apenas um desdobramento de uma educa-
p1220971.jpg ta, 2009, p.75-84).
ção já disposta a favorecer que as crianças
Diante desta questão, me parece então tenham espaços (inclusive em todos os sen-
urgente que nos atentemos ao uso que fa- tidos, literais, de espaço físico) de liberdade e
zemos das tecnologias. Isto porque, se res- experimentação, lembrando que isto sempre
tringirmos as práticas das crianças a certos se associa ao corpo e à sua relação com o
sintetizadores ou aplicativos musicais de ta- mundo.
Figura 8: Zapatófono (Sapato com salto de madeira. Observe que se blets e afins (falo, por exemplo, daqueles que
evita grudar o piezo numa parte que entrará em atrito direto com o A segunda problematização que envolve
não possuem controle nenhum de dinâmi-
chão, uma vez que isto resultaria num som muito agressivo, além de tecnologia e educação musical concerne a
talvez danificar o captador). Fonte: https://sonidocinico.files.wordpress. ca, ou que desfavorecem de alguma forma
indagar: usar as novas tecnologias para fa-
com/2014/10/zapatc3b3fonos-01-1.jpg a gestualidade de quem toca), acabaremos
zer qual música? Oponho aqui, de modo um
por realizar uma música muito apartada das
tanto genérico, duas maneiras distintas de se
experiências que fazem um uso mais direto
relacionar com as tecnologias que me pare-
do corpo. Esta é uma das razões pelas quais
cem presentes na educação musical. Uma
me interesso pelos piezos, pois, por serem
maneira se ocupa destas novas ferramentas
transdutores, mesmo se acoplados a tec-
para aprimorar a realização de desgastadas
nologias das mais processadas, como por
práticas musicais e que inclusive sequer re-
exemplo os pedais de efeito de guitarra digi-
quereriam tais tecnologias. A esta tendência
tais, preservam considerável grau de relação
geralmente se associa uma educação musi-
entre o som produzido e o gesto realizado.
Imagem 9: Uma das atividades do projeto El Gran Aula [A Grande cal reprodutiva e indisposta a questionar as
Aula], com as carteiras da sala de aula reviradas para nelas amarrar Esta coexistência entre, digamos, dois
linhas de náilon amplificadas por piezos. Fonte: https://sonidocinico.
consolidadas tradições. Um exemplo disto
files.wordpress.com/2014/10/dsc01226.jpg universos – as novas tecnologias e a corpo- são as aulas e o estudo de instrumento pau-

90 | Stênio Biazon Captação de contato: tecnologia e corporalidade numa educação musical de invenção e desfrute | 91
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

tados em aplicativos capazes de identificar


se a execução de uma partitura está ou não
uma música não baseada sobretudo nas al-
tura e durações, mas que valoriza a experi-
filósofos como um lugar que reproduz, tanto
pela disposição do espaço físico quanto pe-
Referências
correta; ou, ainda, o uso de aplicativos de al- mentação gestual e corporal, bem como da las consequências disso nas relações pesso-
ALONSO, Chefa. Improvisación libre: la composición en
tíssima tecnologia, que, por exemplo, apesar exploração das nuances timbrísticas – o que ais, muito daquilo que tende a deixar tudo do movimiento. Barcelona, ES: Dos Acordes, 2008.
de possuírem uma infinidade de timbres, im- também pode ser notado nas práticas dos jeito que está (como a distinção entre os que
põem indissoluvelmente a uma composição artistas aqui indicados. mandam e os que obedecem, bem como en- BATRES, Ethel. La oveja negra fue fuzilada. Cuadernos de
refléxion, Fladem, Argentina, p. 62-71, 2016.
musical que ela seja baseada no pulso regu- tre os que falam e os que apenas escutam),
Aproveito ainda para situar as reflexões
lar e no temperamento por igual. a sala de aula não pode seguir intacta. O que BRITO, Teca Alencar de. Música na educação infantil:
aqui propostas diante dos problemas pró- propostas para a formação integral da criança. São Paulo:
El Gran Aula – prática proposta pelos educa-
Outra maneira de usar as tecnologias, prios de uma sociedade que, quase inces- Peiropólis, 2006.
dores do Sonido Cínico, mostrada neste arti-
avessa dessa primeira e que interessa à pers- santemente, escolariza e disciplinariza a vida.
go, em que as carteiras estão todas reviradas BRITO, Teca Alencar de. Por uma educação musical do
pectiva de educação musical que vim deli- Um fato importante sobre a vida das crian- pensamento: novas estratégias de comunicação. Tese
e ganharam outros usos – nos diz sobre o
neando até aqui, está mais aberta ao desco- ças, atualmente, é que a escola é o principal, (Doutorado) – Programa de Pós-Graduação em Semióti-
que é possível fazer com este espaço?
nhecido e procura fisgar das particularidades e não raramente o único, lugar de relação ca, PUC-SP, São Paulo, 2007.
destas ferramentas aquilo que tenha notável entre crianças e destas com adultos que não
BRITO, Teca Alencar de. Koellreutter Educador: o huma-
potência de invenção. Trata-se de tentar ex- sejam seus consanguíneos. De um lado, é no como objetivo da educação musical. São Paulo: Peiro-
plorar o que elas nos possibilitam de novo, necessário notar que a onipresente escolari- pólis, 2011 [2001].
aquilo que não seria talvez sequer imaginá- zação da vida – característica da sociedade
COSTA, Rogério. Livre improvisação e pensamento musi-
vel através de outras ferramentas, evitando atual de fazer cada prática cotidiana caber cal em ação (ou na improvisação livre ninguém deve nada
lhes impor as características de práticas mu- num curso escolarizado – é pouco apreciável a ninguém). In: FERRAZ, Silvio. Notas.atos.gestos: relatos
sicais que não possuem uma relação emer- do ponto de vista da diversificação das ma- composicionais. Rio de Janeiro: Sete Letras, 2007.
gente com o que é mais próprio destas tec- neiras de aprender e de viver. De outro lado, COSTA, Rogério. Música Errante: o jogo da improvisação
nologias. Não que nunca devamos usar uma deve-se então ter em vista que estas tantas livre. São Paulo: Fapesp; Perspectiva, 2016.
tecnologia como facilitadora de uma prática escolas são, quer se queira ou não, uns dos
DELALANDE, François. La música és juego de niños. Bue-
preexistente a ela, mas a questão que fica é: principais meios através dos quais podemos nos Aires: Libros Editorial Buenos Aires, 1995.
como tomar de cada tecnologia suas espe-
cificidades sonoras, gestuais, relacionais etc.
nos associar com crianças e afetar suas rela-
ções com o mundo.
Autor GALLO, Silvio. Eros Pedagogikos: em torno de uma Eró-
tica Didática. Revista Libertárias, Dossiê Sexo e Anarquia,
e tirar proveitos improváveis e inusitados dis-
Tendo em vista então que há uma apa- n. 3, p. 53-56, set. 1998,
so? Como ter nestas tecnologias um aliado
rente, embora talvez interessante, contradi-
das diversas maneiras de se inventar, ao invés IAZZETTA, Fernando. Música e Mediação Tecnológica.
ção nesta minha proposição, indago: como Fapesp/Perspectiva, São Paulo.
de se aprimorar os modos de reproduzir?
fazer das próprias relações e práticas que se
Tendo em vista o que Delalande (1995) e dão na escola um pretexto para a crítica dela STIRNER, Max. O único e sua propriedade. Lisboa: An-
tígona, 2004 [1845].
Brito (2006; 2007; 2011) nos indicam inces- enquanto tal? Como fazer uso desta institui- Stênio Biazon
steniobag@msn.com
santemente – que práticas musicais como ção que se funda nas seriações e fragmen-
aquelas ligadas à imprecisão e à indeter- tações do conhecimento para dissolver isto
Doutorando (CAPES, 001) e mestre em Pro-
minação são muito próximas da perspecti- em busca de algo que se aproxime da vida e,
cessos de Criação Musical – Sonologia (USP).
va musical das crianças –, sugiro então que de preferência, de vidas não predetermina-
Licenciado em Educação Musical (USP). Sob
façamos proveito dos piezos para práticas das por estas características? Como deixar
orientação de Rogério Costa, pesquisa a im-
contemporâneas e de experimentação das de ver a escola e a escolarização como fins
provisação musical livre, propondo discuti-la
mais diversas: improvisações, composições em si mesmos, mas ao mesmo tempo não
enquanto prática anarquizante. Contribuiu Dedico este texto à minha professora
abertas, instalações sonoras (que podem até fazer delas meios para finalidades resumi-
com o livro Um jogo chamado música: escu- Teca Alencar de Brito, que disparou
mesmo se desdobrar em “exposições” que das à conformação das crianças ao mundo
ta, experiência, criação, educação (Peirópolis, um dos desvios de percurso mais
permitem participação bem direta do públi- como ele está/é?
2019), de Teca Alencar de Brito. Foi professor relevantes, radicais e anarquizantes
co) ou simplesmente momentos de escuta
Certamente estas são questões mais am- na Teca Oficina de Música, participando dos
concentrada nos detalhes do som, confor- em minha formação como professor e
plas do que este artigo comporta. No en- CDs Ondas (2015) e Passarinhada e outros
me este captador unicamente nos permite. que no ano de 2018 suspendeu suas
tanto, arrisco dizer, oportunamente, que um voos (2018). Foi assistente do professor Car-
Se olharmos (e ouvirmos) atentamente, no- atividades no curso de Educação
dos espaços que, com urgência, tem de ser los Kater no projeto A Música da Gente e na
taremos que um dos convites quase intrín- Musical da Universidade de São Paulo,
alvo de contestações como estas é a própria revisão de pesquisa da área de música do li-
secos à maneira como funcionam os piezos, no qual estudei.
sala de aula. Evidenciada por educadores e vro Por Toda Parte (FTD, 2019).
dito de modo sucinto, é para a realização de

92 | Stênio Biazon Captação de contato: tecnologia e corporalidade numa educação musical de invenção e desfrute | 93
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Música na Educação Básica

Música na Educação Básica

Conceitos de
psicomotricidade e
o ensino de música
Viviane Louro

Concepts of psychomotricity and


music teaching

Resumo Abstract
A psicomotricidade é a ciência que estuda o Psychomotricity is the science that studies
ser humano de forma global, considerando- human beings as a whole, by considering
-o como um indivíduo triádico: emocional, them as having three componentes: emo-
cognitivo e motor. Na escola básica, a psi- tional, cognitive and motor. In basic educa-
comotricidade pode ser uma ferramenta tion, psychomotricity can be an effective
eficaz na aula de música, que por si só já tool in music classes, as it promotes inte-
dialoga com todas as esferas do ser huma- raction with all spheres of human beings.
no. Portanto, esse artigo tem por objetivo Therefore, the aim of this article is to point
apontar caminhos para o uso da psicomotri- out ways to use psychomotricity in music
cidade dentro da escola básica no contexto classes in basic education. As a theoretical
da educação musical. Como embasamento basis, we will draw on the work of authors
teórico, usaremos autores que fundamen- that support the use of functional psycho-
tam o uso da psicomotricidade de forma motricity, such as Fonseca, Alves, Gomes,
funcional, tais como Fonseca, Alves, Lourei- Louro, among others.
ro, Louro, dentre outros.
Keywords: Psychomotricity. Music educa-
Palavras-chave: Psicomotricidade. Educa- tion. Basic education.
ção musical. Escola básica.

LOURO, Viviane. Conceitos de psicomotricidade e o ensino de música. Música na Educação Básica, V. 9, n. 10/11,
2019.

95
V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Apesar de esta revista ter proposições


A psicomotricidade práticas para a sala de aula, devido ao fato da
A psicomotricidade é uma fermenta efi- psicomotricidade ser um assunto complexo
caz no contexto educacional, pois visa tra- e que poucos conhecem, faz-se necessário
balhar o ser humano em sua totalidade. O um embasamento teórico amplo para que o
cerne da psicomotricidade é o diálogo entre assunto não seja visto de forma leviana.
a mente e o corpo. A mente é dada pelos
aspectos emocional e cognitivo, entendendo
cognição como o conjunto de habilidades Para tanto, parte-se do pressuposto de
neurológicas que viabilizam a operaciona- que somos seres “neuropsicobiossociais”,
lização do pensamento e ações, tais como: ou seja, somos formados por aspectos bio-
atenção, memória, raciocínio abstrato e ló- lógicos/neurológicos (genéticos e evolucio-

Foto: VIviane Beineke


gico, teoria da mente, linguagem, tomada nários), psicológicos (nossas emoções) e so-
de decisão, dentre outras (Lent, 2010). Já ciais (cultura, meio ambiente). Isto é, temos
o corpo é compreendido como percepção uma estrutura fisiológica de base, que nasce
sensorial e ação motora que está ligado aos conosco, mas também temos a cultura, e am-
comandos centrais do cérebro. Em suma, o bas sãos responsáveis pelo desenvolvimento
corpo dá suporte ao desenvolvimento da de nosso ser integral: cérebro, funções psí-
mente (cognição e emoção), e a mente é quicas, cognição e corpo atuante (Infograma
responsável pela atuação funcional de todo 2) (Martins; Vieira, 2010).
o corpo no meio em que o envolve, portanto
é uma via de mão dupla (Infograma 1) (Fon-
seca, 2007, 2008, 2010; Gomes, 2005). Infograma 2: Representação dos aspectos que
compõem a formação psicomotora das pessoas: o
que estrutura as questões emocionais, cognitivas e
motoras ao longo da vida (elaboração própria).
Estrutura
Infograma 1: Representação dos conceitos básicos da nerológica
psicomotricidade (elaboração própria). Genética
PSICOMOTRICIDADE
Criação
familiar
Condição
biológica

EMOCIONAL
MENTE Motivação
COGNITIVO pessoal
Vivências e
estímulos
sensoriais
CORPO
AS VIVÊNCIAS COM O
Religião/
CORPO ESTRUTURAM A Espiritualidade
MENTE, QUE, POR SUA VEZ, Formação
COORDENA O CORPO escolar
Experiências
SENSORIAL MOVIMENTO emocionais/
(VIA DE MÃO DUPLA) sociais

96 | Viviane Louro Conceitos de psicomotricidade e o ensino de música | 97


V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Existem muitas definições de psicomotri- Em suma, se os itens colocados no Qua- cimento. Sendo assim, quando falamos da
cidade, mas todas giram em torno da rela- dro 1 estiverem bem desenvolvidos, dizemos utilização da psicomotricidade como ferra-
ção mente-corpo-ambiente. A Associação que a pessoa é um ser equilibrado em sua menta pedagógica, estamos nos referindo a
Brasileira de Psicomotricidade (ABP, 2018) a totalidade (emocional, cognitivo e movimen- maneiras de nos munir desses conhecimen-
define como a “ciência que tem como obje- to). Portanto, essa pessoa, em princípio, é tos e conceitos e transformá-los em ativida-
to de estudo o homem através do seu corpo alguém que tem domínio de seu corpo, pla- des práticas direcionadas para o ensino mu-
em movimento e em relação ao seu mundo neja suas ações com destreza e qualidade, sical, levando sempre em consideração o uso
interno e externo”. De acordo com Loureiro mantém o equilíbrio emocional quando ne- funcional do corpo, o movimento como base
(2001, p.14), cessário, toma decisões de forma consciente e a organização do corpo pela mente, ten-
e gerencia bem os aspectos de sua cogni- do como diálogo constante o ambiente ou
A psicomotricidade é a otimização corporal ção (Santos, 2002). Mas, para que isso seja a cultura. Nesse sentido, os educadores mu-
dos potenciais neuro, psico-afetivo amplamente desenvolvido, a pessoa precisa sicais mais conceituados, tais como Kodally,
funcionais, sujeitos a leis de desenvolvimento passar pelas vivências. Por isso, o fator cul- Dalcroze, Willems, Orff, Koellreutter, Payter,
e maturação, manifestadas pela dimensão tura (família, escola, costumes, experiências Gainza, dentre outros, mesmo que não sou-
simbólica própria, original e especial do ser sensoriais e motoras na primeira infância) é bessem, propuseram suas metodologias
humano.
fundamental, e o valor afetivo dado às expe- tendo a psicomotricidade como aliada, por
riências é que será responsável pela criação compreenderem que as vivências práticas
A psicomotricidade tem alguns princípios dissociando o eu do outro e nos tornando de mais ou menos conexões neurais que es- exercem grande influência no processo de
básicos, dentre eles, o de que nosso cérebro seres autônomos nos aspectos emocionais, truturarão todo o suporte (cognição e men- aprendizagem e no desenvolvimento. Con-
está em constante evolução (filogênese) e cognitivos e motores (Fonseca, 2010). Para te) para o indivíduo reger seu corpo de for- forme coloca Storolli (2011, p.132):
que nosso desenvolvimento se dá de uma que tudo isso ocorra, faz-se necessário que ma consciente (Lent, 2010; Santos, 2002).
motricidade, emoção e cognição mais “pri- as pessoas passem pelas fases do desenvol- A relação do corpo com a música remete-
mitiva” em direção ao refinamento. Isto é, vimento que darão suporte a todo esse me- se porém à própria gênese desta, sendo
anterior a treinamentos, códigos e sistemas.
ao nascer, saímos de um tônus indissociado canismo: rolar, engatinhar, levantar tronco,
(simbiótico com a mãe) e, com o passar do sentar, andar com apoio, andar livremente
Psicomotricidade e Podemos imaginar a manifestação musical no
âmbito das primeiras performances e rituais
tempo (nossas experiências no mundo), va- (Trevisan; Macena, 2018). Tais fases ajudam a educação musical na humanos, envolvendo sons e movimentos,
mos estruturando esse tônus de forma cada definir aspectos fundamentais para um de- escola básica tendo o corpo como o principal condutor da
ação e do processo de criação. Longe de ser
vez mais consciente (praxias). Como con- senvolvimento global saudável, conforme o
sequência, vamos alicerçando a cognição e Quadro 1. Na escola básica, a música não tem o apenas um instrumento a ser treinado para
papel de formar grandes artistas, mas de se obter certos resultados, o corpo pode ser
considerado como o principal responsável
Elementos introduzir os alunos ao universo sonoro/mu-
Descrição pela realização musical.
psicomotores sical em muitos âmbitos. Como afirma Mo-
Base organizadora de todo ser (o corpo em si). Suporte físico lina (2012, p.10), a prática musical na escola No universo da musicalização, é comum
Tônus e e emocional do corpo e cognição. Postura, equilíbrio estático básica “apresenta-se como laboratório pri- o emprego de danças circulares, movimen-
equilibração (parado) e dinâmico (corpo em movimento). Energia psíquica vilegiado para o exercício de determinadas tação corporal, bandinhas rítmicas e ativida-
empregada no corpo, qualidade do movimento. qualidades transversais a toda educação, des com bolas, bambolês, panos, objetos em
Percepção e uso funcional do corpo nele mesmo e em relação como a cooperação, a paciência, a gentileza, geral e brinquedos. Sendo assim, o uso des-
Esquema corporal
ao meio externo. a relativização da competição, a escuta de ses materiais em aulas de música, de forma
Dominância hemisférica (destro ou canhoto). O que torna o ser si e do outro”. Além disso, conforme Muskat organizada e objetiva, é o uso dos conceitos
Lateralização (2012, p.73), “sabemos que a música aumen- da psicomotricidade como ferramenta pe-
humano motoramente especializado frente a outros seres.
ta a competência de várias áreas do cérebro dagógica (Mateiro; Ilari, 2011; Jordão, 2012;
Conceito cognitivo e percepção corporal de direita, esquerda e
Lateralidade
de direcionamento em geral.
emocional, do cérebro motor e do cérebro Louro, 2012). Também é comum em aulas de
sensorial”. Falar de cooperação, gentileza, música em grupos escolares, utilizar diversos
Atuação funcional do corpo em diversas velocidades e no escuta, bem como de áreas cerebrais é falar instrumentos de percussão, o que fortalece
Noção
espaço físico em geral (desde escrever entre duas linhas,
espaço-tempo de psicomotricidade (Fonseca, 2008, 2010). postura e tônus de mãos, braços e tronco
acertar o pé dentro do sapato ou dançar num palco imenso).
e trabalha equilíbrio, esquema corporal e
A psicomotricidade em si é um arcabouço
Uso funcional e consciente do corpo, principalmente dos pés e destreza das mãos para movimentos mais
Praxias mãos com subsídio dos demais sentidos (coordenação óculo- de conhecimentos sobre o desenvolvimento
específicos a posteriori (praxias e lateraliza-
manual, óculo-pedal etc.). do ser humano que dialoga com a neuroci-
ção). Jogos coletivos no espaço contribuem
ência, a psicologia e outras áreas do conhe-
Quadro 1: Elementos que alicerçam o desenvolvimento psicomotor de todo ser humano (baseado em Fonseca, 2008, 2010 e Alves, 2003). com o esquema corporal, noção de tempo-

98 | Viviane Louro Conceitos de psicomotricidade e o ensino de música | 99


V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

-espaço, lateralidade, tonicidade e equilibra-


ção, pois a pessoa precisa planejar sua ação
A psicomotricidade Atividade 1
e utilizar seu corpo por completo e de forma como base para
funcional em um determinado espaço físico,
além de toda questão emocional de ativida-
a construção
des em grupo, que leva as crianças a terem metodológica: duas
que lidar com espera, frustração, perdas, ga- atividades
nhos e relações humanas em geral (Louro,
2012). Aplicar música com psicomotricidade é
empregar atividades que trabalhem conco-
Como coloca Storolli (2011, p.139): “Essas
mitantemente tanto os aspectos e conteú-
estratégias têm ainda como vantagem o fato
dos musicais quanto os itens do desenvolvi-
de poderem eventualmente se realizar como
mento psicomotor retratado antes (Quadro
um processo coletivo, o que é enriquecedor
1). Lembrando sempre que o emocional é
por permitir uma constante interação entre
importante nesse processo, sendo assim, as
os participantes”.
atividades precisam dialogar com os interes-
Em suma, o conceito da psicomotricida- ses dos alunos no que se refere ao repertório Lençol Vazado
de transformada em atividades práticas está musical empregado, propostas lúdicas apre- Descrição: O professor faz vários orifícios conteúdo musical e adaptar tal atividade
em conformidade com o ensino de música, sentadas e vínculos interpessoais (profes- num lençol, de forma que seja possível a pas- para qualquer idade. Essas sugestões aci-
na ludicidade dos jogos musicais (emocio- sor/aluno; alunos/alunos). Portanto, seguem sagem de uma bolinha de tênis (no orifício). ma foram pensadas para alunos que já pos-
nal); em todo aspecto lógico estrutural da sugestões de duas atividades que unem a Os buracos não devem ser próximos uns dos suem conhecimentos musicais, mas pode-se
compreensão do discurso musical (cogniti- psicomotricidade ao fazer musical. São ati- outros e devem ser espalhados pelo lençol, adaptar para conteúdo mais simples para o
vo) e no uso consciente do corpo como veí- vidades que utilizam poucos recursos e têm sem obedecer a um padrão. Em volta dos ensino fundamental ou para a educação in-
culo do aprendizado (motor). Enfim, música propostas grupais, adequadas ao contexto buracos pode-se fazer contorno com cores fantil.
e psicomotricidade são literalmente cami- da educação básica. diferentes. O objetivo do jogo é fazer com
nhos entrelaçados, e podemos desenvolver Objetivos musicais: A critério do professor,
que os alunos direcionem coletivamente a desde que esteja de acordo com sua realida-
a psicomotricidade e a musicalidade juntas bolinha para o buraco escolhido pelo pro-
na sala de aula. de de ensino musical .
fessor, sem deixar a bolinha cair em outro
buraco no percurso. Para tanto, cada aluno Objetivos psicomotores: Tônus e equilibra-
segura em um pedaço da borda do lençol na ção (manter pressão palmar no lençol, dire-
horizontal (na posição em que é colocado cionar a bolinha sem deixá-la cair no buraco
na cama) e, sem que encostem na bolinha, errado); planejamento motor, esquema cor-
fazem com que ela deslize pelo lençol entre poral, lateralidade, tempo-espaço (direcionar
os buracos, até chegar no buraco correto. O a bolinha em espaço limitado entre os bu-
professor, então, associa uma cor (do con- racos, numa velocidade adequada – tempo,
torno do buraco) com uma ação musical, planejar que tipo de movimento deve-se
por exemplo: (o professor faz uma legenda fazer no lençol para que a bolinha se movi-
na lousa): azul – acorde maior; vermelho – mente adequadamente, planejar como usar
acorde menor; bege – acorde diminuto etc., a musculatura do corpo para fazer o exercí-
e depois o professor toca um desses acor- cio de forma adequada); praxias (coordena-
des, que a turma precisa reconhecer auditi- ção motora grossa com o manejo do lençol).
vamente e depois encaminhar a bolinha para Espaço e mobiliário: Espaço amplo para
o buraco correspondente à cor, conforme a movimentação sem obstáculos que possam
legenda. Outras possibilidades são: associar ser perigosos. De preferência, um chão que
a cor a gêneros ou formações instrumentais não escorregue.
específicas (azul: jazz, vermelho: baião etc.)
Materiais: Um lençol de casal ou um pano
ou a compositores (aí colocam-se trechos
grande, conforme o desejo do professor.
de obras dos compositores e, reconhecendo
Uma bolinha de tênis ou uma borracha pe-
quais são, direciona a bolinha para o buraco
quena.
correto). Enfim, pode-se associar a qualquer

100 | Viviane Louro Conceitos de psicomotricidade e o ensino de música | 101


V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

Atividade 2
Gincana musical com percurso pode ser estipulada pelo professor). Depois,
motor ele precisa rolar pelos colchonetes sem pa-
rar o movimento e tocar os instrumentos ao
O professor cria na sala de aula um per-
lado, sem que esses saiam do lugar. Por últi-
curso direcionado com bambolês, bastões,
mo, passar pela cama de gato sem encostar
cordas, colchonetes ou tapetes e associa o
nos barbantes e, ao final, pegar uma ficha do
cumprimento de atividades musicais com
saco e responder à pergunta musical (Exem-
o cumprimento do percurso motor. Como
plo: “Qual é o nome do compositor que criou
exemplo, temos o seguinte percurso:
a música ‘O trenzinho do caipira’?”, “Qual ins-
8 bambolês enfileirados com cores dife- trumento musical possui 88 teclas?” etc.
rentes e, em seguida, vários colchonetes que
Objetivos musicais: A critério do professor,
culminam numa cama de gatos (barbantes
dependendo do conteúdo musical que a tur-
espalhados pela sala, de forma a produzir um
ma possui.
obstáculo para a passagem). Então o profes-
sor coloca no chão, ao lado dos bambolês, Objetivos psicomotores: Considerando o
figuras rítmicas diversas (conforme o que a percurso acima proposto: tônus, equilibra-
turma sabe fazer), por exemplo: verde: semí- ção, esquema corporal, noção de espaço/
nima, vermelho: duas colcheias, azul: quatro tempo, planejamento motor e praxia global
semicolcheias, branco: pausa etc. Ao lado do ao pular nos bambolês, rolar nos colcho-
tapete, pode-se colocar vários instrumen- netes e passar pela cama de gato, tocar os
tos musicais espalhados e, ao fim da cama instrumentos rolando. Praxia fina: olho-pés
de gato, um saco com fichas com perguntas ao pular nos bambolês ao mesmo tempo
sobre conteúdos musicais. Os alunos preci- em que lê os ritmos; organização emocional
sarão cumprir as comandas motoras e mu- para cumprir a ordem das atividades sem
sicais ao mesmo tempo, e “vencerá” o alu- ansiedade.
no ou o grupo que cumprir tudo em menor Espaço e mobiliário: Espaço amplo para
tempo. Ficaria assim: enquanto pula com os movimentação sem obstáculos que possam
dois pés juntos nos bambolês, o aluno lê as ser perigosos. De preferência, um chão que
figuras rítmicas ao lado, considerando cada não escorregue.
bambolê um pulso (a velocidade do pulso
Materiais: Materiais esportivos diversos.

102 | Viviane Louro Conceitos de psicomotricidade e o ensino de música | 103


V. 9 Nº 10/11 2019
Música na Educação Básica

LENT, Robert. Cem bilhões de neurônios?: conceitos


Autora fundamentais de neurociências. 2. ed. São Paulo: Athe-
neu, 2010.

GOMES, Anangélica. A criança em desenvolvimento: cé-


rebro, cognição e comportamento. Rio de Janeiro: Re-
vinter, 2005.

FONSECA, Vitor da. Desenvolvimento psicomotor e


aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2008.

Viviane Louro FONSECA, Vitor da. Psicomotricidade e neuropsicolo-


viviane_louro@uol.com.br gia: uma abordagem evolucionista. Rio de Janeiro: Wak,
2010.

JORDÃO et al. (Org.). A música na escola. São Paulo:


Docente efetiva do Departamento de Músi- Alucci & Associados Comunicações, 2012.
ca da Universidade Federal de Pernambuco.
Doutora em Neurociências pela Universidade LOUREIRO. Maria Beatriz. Apostila Base de Psicomotri-
cidade. São Paulo: ISPE-GAE, 2001.
Federal de São Paulo (Unifesp). Mestra em
Música pela Universidade Estadual de São LOURO, Viviane. Psicomotricidade e aprendizagem mu-
Paulo (Unesp) e bacharela em Piano pela sical: caminhos paralelos. In: SIMPÓSIO DE EDUCAÇÃO
Considerações finais Sendo assim, uma atividade motora em FMU-FIAM-FAAM. Pesquisadora da área de MUSICAL ESPECIAL, 4., 2007, São Paulo. Revista digi-
que o aluno imita, por exemplo, uma sequ- tal. São Paulo: Fefisa, 2007. p. 12-22. CD-ROM.
As sugestões acima são somente ideias educação musical inclusiva e música e neu-
ência de gestos corporais, mas não reflete rociências. Autora de seis livros na temática LOURO, Viviane. Fundamentos da aprendizagem musi-
voltadas para a educação básica que podem
sobre eles e não compreende o sentido de música e inclusão. Coordenadora do site Mú- cal da pessoa com deficiência. São Paulo: SOM, 2012.
ser facilmente adaptadas para qualquer ida-
realizar aquilo, não pode ser considerada sica e Inclusão (www.musicaeinclusao.word-
de. A partir delas, bem como da compreen- LOURO, Viviane. Música e Inclusão: múltiplos olhares.
uma atividade psicomotora. Usar somente press.com) e coordenadora da Liga Acadê- São Paulo: SOM, 2016.
são dos conceitos relatados na parte inicial
o corpo como uma imitação ou sem função mica de Neurociências Aplicadas da UFPE.
deste texto, o professor poderá criar ou adap- MARTINS, Gabriela; VIEIRA, Mauro. Desenvolvimento
específica não pode ser considerada ativi- Membro da comissão de Neurocriminologia
tar novas atividades tendo a psicomotricida- humano e cultura: integração entre filogênese, ontogê-
dade que dialogue com a psicomotricidade. de Pernambuco e Diretora musical do grupo nese e contexto sociocultural. Estudos de Psicologia, v.
de como base. Para tanto, é necessário, an-
Quando falamos do uso da psicomotricidade cênico musical Catatreko (www.catatreko. 15, n. 1, p. 63-70, jan./abr. 2010.
tes de mais nada, conhecer a turma de forma
como ferramenta de aprendizado, estamos wordpress.com). Coordenadora do curso
aprofundada para que se possa pensar quais MATEIRO, Teresa; ILARI, Beatriz (Orgs.). Pedagogias em
falando do uso de atividades que usem o de especialização em Neurociências, Música
objetivos musicais e psicomotores está se educação musical. Curitiba: Ibepex, 2011.
corpo consciente (em diálogo com a mente), e Inclusão da Universidade Federal de Per-
buscando alcançar. É fundamental também MOLINA, Sergio. Vozes e ouvidos para a música na es-
com um objetivo específico a ser atingido e nambuco e do Congresso de Neurociências
que o professor saiba se na turma há alunos cola. In: JORDÃO et al. (Orgs.). A música na escola. São
de forma afetiva. Os principais pontos da e Música: pesquisa, ensino e saúde..
com algum tipo de problema específico, pois Paulo: Alucci & Associados Comunicações, 2012.
psicomotricidade são: o sentido emocional
certamente isso mudará o rumo das ativida- MUSKAT, Mauro. Música, neurociência e desenvolvi-
do que se está fazendo; a consciência e a re-
des e poderá exigir estratégias diferenciadas mento humano. In: JORDÃO et al. (Orgs.). A música na
flexão cognitiva sobre o que se está fazendo
de atuação, ou mesmo atividades específi- escola. São Paulo: Alucci & Associados Comunicações,
e o planejamento motor, visando qualidade, 2012.
cas para tais alunos (Louro, 2012).
funcionalidade e otimização do movimento.
Cabe ressaltar que não existe uma ativida- TREVISAN, Rita; MACENA, Thaís. Engatinhar prepara a
de correta a ser empregada para uma situa-
Dorneles e Beneti (2012, p.1783) explica- Referências criança para desafios futuros, como ler e escrever. Re-
am: “A psicomotricidade tem-se mostrado portagem científica Uol. Disponível em: http://mulher.uol.
ção específica, nem para uma idade determi- com.br/gravidez-e-filhos/noticias/redacao/2013/10/18/
aliada, criando oportunidades de multiplicar ABP – Associação Brasileira de Psicomotricidade. A psi-
nada. O mais importante é o professor saber comotricidade. Disponível em: www.psicomotricidade. engatinhar-prepara-a-crianca-para-desafios-futuros-co-
sua ação em conjunto com outras ciências e
identificar as necessidades e potencialidades com.br. Acesso em: Abr. 2018. mo-ler-e-escrever.htm. Acesso em: Maio 2018.
teorias de maneira funcional para a melhoria
da turma e usar a criatividade para unir ele- SANTOS, Roseli. A psicomotricidade otimizando a edu-
do ensino”. Por isso, é importante incentivar- ALVES, Fátima. Como aplicar a psicomotricidade: uma
mentos musicais com os elementos psico- atividade multidisciplinar com amor e união. Rio de Ja- cação infantil. Monografia (Especialização em Psicomo-
mos nos círculos escolares não só o exercício
motores. Igualmente significativo mencionar neiro: Wak, 2007. tricidade) – ISPE-GAE, São Paulo, 2002.
da psicomotricidade, mas também da inter-
é que toda atividade psicomotora precisa STOROLLI, Wânia. O corpo em ação: a experiência in-
disciplinaridade com a música, através da DORNELES, Lidiane; BENETTI, Luciana. A psicomotrici-
ser elaborada a partir do diálogo: emocional, corporada na prática musical. Revista da Abem, Londri-
manifestação da criatividade nos seus mais dade como ferramenta de aprendizagem. Revista Educa-
cognitivo e motor, em diálogo com o contex- ção, interdisciplinaridade e transversalidade, v. 8, n. 8, p. na, v. 19, n. 25, p. 131-140, jan./jun. 2011.
diversos domínios e nas dimensões das múl-
to (cultura, gostos, estrutura física etc). 1775-1786, ago. 2012.
tiplas inteligências.

104 | Viviane Louro Conceitos de psicomotricidade e o ensino de música | 105


Entre no site e baixe gratuitamente
todas as edições da revista
Música na Educação Basica.
www.abemeducacaomusical.com.br/revistas_meb

MÚSICA
ISSN 2175-3172

na educação básica

Volume 7
Número
7/8
abem
Associação Brasileira
de Educação Musical

Você também pode gostar