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Universidade de Brasília

Departamento de Matemática
Prof. Celius A. Magalhães

Cálculo II
Notas da Aula 10 ∗

Existência e Unicidade
Os exemplos anteriores ilustram a importância das equações lineares de 2a ordem, que agora serão es-
tudadas em mais detalhes. Em particular, será introduzido o determinante wronskiano que, juntamente
com o princípio da superposição, são as chaves para se entender essas equações.

Introdução
Em geral, uma equação diferencial linear de 2a ordem é uma equação da forma

R(t)y′′ (t) + P(t)y′ (t) + Q(t)y(t) = G(t) (1)

onde R(t), P(t), Q(t) e G(t) são funções contínuas definidas em algum intervalo aberto I ⊂ R, e a
incógnita é a função y(t). Um caso particular importante é quando R(t) 6= 0 para todo t ∈ I. Nesse caso,
dividindo por R(t) e indicando por p(t) = P(t)/R(t), q(t) = Q(t)/R(t) e g(t) = G(t)/R(t), obtém-se a
forma normalizada de (1), que é dada por

y′′ (t) + p(t)y′ (t) + q(t)y(t) = g(t) (2)

Essa equação será o foco de estudos nas próximas seções. Comparando com as equações lineares de
1a ordem, é natural perguntar pelas condições que garantem a existência de soluções para (2).
No entanto, existe uma grande diferença entre os dois casos. Para as equações lineares de 1a ordem,
a existência e unicidade de um PVI foi demonstrada construindo-se explicitamente a solução. Esse é o
conteúdo do Teorem 1 da Aula 03. Isso já não é verdade para equações lineares de 2a ordem, em que, em
geral, a construção explicita da solução não é possível. Deve-se então recorrer a métodos indiretos, e por
isso a demonstração do próximo teorema é bem elaborada, e foge ao escopo dessas notas. No entanto,
ele será usado ao longo de todo o texto.

Teorema 1 — Existência e Unicidade. Suponha I ⊂ R um intervalo aberto, p, q, g : I → R funções


contínuas, t0 ∈ I e y0 e y′0 quaisquer números reais. Então o PVI
( ′′
y (t) + p(t)y′ (t) + q(t)y(t) = g(t)
y(t0 ) = y0 ; y′ (t0 ) = y′0

possuir uma única solução y : I → R.

Como a equação é de 2a ordem, devem ser feitas duas integrações para resolve-la, o que acarreta
duas constantes arbitrárias. É natural, então, que agora sejam necessárias duas condições iniciais para se
determinar inteiramente a solução.
A equação (2) pode ser escrita em uma forma mais concisa usando a notação de operadores. Com
efeito, dada uma função y(t), constrói-se uma nova função L [y](t) dada por

L [y](t) = y′′ (t) + p(t)y′ (t) + q(t)y(t)

A associação y(t) 7→ L [y](t) é dita um operador, por associar uma função à outra função. Com
essa notação, a equação (2) escreve-se na forma L [y](t) = g(t), o que torna a notação de operadores
∗ Texto digitado e diagramado por Kelly Nunes a partir de anotações de sala de Olaia Diniz
bem conveniente. Por exemplo, com essa notação é fácil justificar porque (2) é dita linear. É porque o
operador L [y](t) é linear, no sentido de que

L [ay1 + by2 ](t) = [ay1 + by2 ]′′ (t) + p(t)[ay1 + by2 ]′ (t) + q(t)[ay1 + by2 ](t)
= [ay′′1 (t) + by′′2 (t)] + p(t)[ay′1 (t) + by′2 (t)] + q(t)[ay1 (t) + by2 (t)]
= a[y′′1 (t) + p(t)y′1 (t) + q(t)y1 (t)] + b[y′′2 (t) + p(t)y′2 (t) + q(t)y2 (t)]
= aL [y1 ](t) + bL [y2 ](t) (3)

Em palavras, e de forma abreviada, essa propriedade diz que L aplicado a uma combinação linear é
igual à combinação linear dos L s.

Equações Homogêneas
Outra situação em que a notação de operadores é conveniente é na verificação de que, no caso homogêneo,
vale o princípio da superposição. O caso homogênio é aquele em que g(t) = 0 para todo t ∈ I, e a equação
(2) escreve-se como
y′′ (t) + p(t)y′ (t) + q(t)y(t) = 0 (4)

Então, se y1 (t) e y2 (t) são soluções desta equação, segue-se L [y1 ](t) = 0 e L [y2 ](t) = 0. Daí tem-
se que qualquer combinação linear y(t) = ay1 (t) + by2 (t) é também solução. Com efeito, usando (3),
segue-se que
L [y](t) = L [ay1 + by2 ](t) = aL [y1 ](t) + bL [y2 ](t) = 0

O curioso é que o princípio da superposição, bem como a a próxima definição, são importates tanto
para o caso homogêneo como para o não homogêneo, casos que serão estudados logo adiante.
Definição 1 Se y1 (t) e y2 (t) são soluções de (4), o determinante
 
y1 (t) y2 (t)
w(t) = det ′ = y1 (t)y′2 (t) − y′1 (t)y2 (t)
y1 (t) y′2 (t)

é dito o wronskiano associado às soluções.

O nome de wronskiano é dado em homenagem ao matemático polonês Josef Wronski (1776-1853),


e uma das propriedades desse determinante está enunciada no

Lema 1 — Fórmula
R
de Abel. Se y1 (t) e y2 (t) são soluções de (4) e w(t) é o wronskiano associado,
então w(t) = C e− p(t) dt para alguma constante C ∈ R 

Demonstração. O primeiro passo é calcular a derivada

w′ (t) = [y′1 (t)y′2 (t) + y1 (t)y′′2 (t)] − [y′′1 (t)y2 (t) + y′1 (t)y′2 (t)] = y1 (t)y′′2 (t) − y′′1 (t)y2 (t)

Em seguida, como y1 (t) é solução de (4), tem-se que y′′1 (t) + p(t)y′1 (t) = −g(t)y1 (t), e analogamente
para y2 (t). Destas observações e da derivada w′ (t) segue-se que

w′ (t) + p(t)w(t) = y1 (t)y′′2 (t) − y′′1 (t)y2 (t) + p(t)[y1 (t)y′2 (t) − y′1 (t)y2 (t)]
= y1 (t)[y′′2 (t) + p(t)y′2 (t)] − y2 (t)[y′′1 (t) + p(t)y′1 (t)]
= y1 (t)[−g(t)y2 (t)] − y2 (y)[−g(t)y1 (t)]
= g(t)[y2 (t)y1 (t) − y1 (t)y2 (t)] = 0

Surpresa! O wronskiano é solução de uma


R
equação diferencial de 1a ordem, e uma equação homogê-
nea. Resolvendo, obtém-se que w(t) = C e− p(t) dt para alguma constante C. 

Do lema segue-se que, se C = 0, então o wronskiano é identicamente nulo. No entanto, se C 6= 0,


então w(t) 6= 0 para todo t, pois a exponencial nunca se anula.

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Sistema Fundamental de Soluções
Outra propriedade importante do wronskiano é que ele trabalha muito bem com o princípio da superpo-
sição. Com efeito, suponha y1 (t) e y2 (t) soluções de (4) com w(t0 ) 6= 0 para algum t0 . Suponha ainda
φ (t) uma qualquer solução de (4). Como w(t0 ) 6= 0, pode-se escolher a e b soluções do sistema
(
ay1 (t0 ) + by2 (t0 ) = φ (t0 )
ay′1 (t0 ) + by′2 (t0 ) = φ ′ (t0 )

Com essas soluções, pelo princípio da superposição, a função y(t) = ay1 (t) + by2 (t) é solução de (4).
Além disso, y(t) e φ (t) satisfazem as mesmas condições iniciais, uma vez que

y(t0 ) = ay1 (t0 ) + by2 (t0 ) = φ (t0 ) e y′ (t0 ) = ay′1 (t0 ) + by′2 (t0 ) = φ ′ (t0 )

Ora! Pelo teorema de existência e unicidade, tem-se y(t) = ay1 (t) + by2 (t) = φ (t) para todo t. Assim,
qualquer solução escreve-se como combinação linear de y1 (t) e y2 (t). Isso justifica tanto a definição
quanto o lema a seguir.
Definição 2 Se y1 (t) e y2 (t) são soluções de (4) com w(t0 ) 6= 0 para algum t0 , o conjunto {y1 (t), y2 (t)}
é dito um sistema fundamental de soluções.

Lema 2 Se {y1 (t), y2 (t)} é um sistema fundamental de soluções, então todas as solução de (4) são
da forma y(t) = ay1 (t) + by1 (t), com a e b em R 

Esses resultados reduzem o problema de resolver (4) ao problema, mais simples, de encontrar um
sistema fundamental de soluções. Basta encontrar duas soluções com o wronskiano não nulo.
No caso em que os coeficientes de (4) são constantes é fácil encontrar um sistema fundamental. Com
efeito, como já indicado nos exemplos anteriores, para a equação

my′′ (t) + cy′ (t) + ky(t) = 0 (5)

tenta-se solução na forma Y (t) = ert , em que r = σ + iω é um número complexo. Substituindo essa
expressão em (5), e usando as derivadas Y ′ (r) = r ert e Y ′′ (t) = r2 ert , obtém-se que

(mr2 + cr + k) ert = 0

igualdade que deve ser satisfeita para todo t. Daí segue-se que r deve ser raíz do polinômio característico
p(r) = mr2 + cr + k, e devem ser considerados três casos.
1o Caso: ∆ = c2 − 4mk < 0. Nesse caso as raízes são complexas conjugadas

|c2 − 4mk| |c2 − 4mk|


p p
−c −c
r1 = σ + iω = +i e r2 = σ − iω = −i
2m 2m 2m 2m
e obtém-se as soluções complexas Y1 (t) = er1t e Y2 (t) = er2t . Lembrando da fórmula de Euler e±iω t =
cos(ω t) ± i sen(ω t), e fazendo as combinações lineares
1 1
y1 (t) = (Y1 (t) +Y2 (t)) = eσ t cos(ω t) e y2 (t) = (Y1 (t) −Y2 (t)) = eσ t sen(ω t)
2 2i
obtém-se duas soluções reais. Além disso, calculando, obtém-se

w(t) = y1 (t)y′2 (t) − y′1 (t)y2 (t) = ω e2σ t = ω e(−c/m)t

o que está de acordo com a fórmula de Abel. Como w(t) 6= 0 para todo t, concluí-se que, no caso de
raízes complexas σ ± iω do polinômio característico, {y1 (t), y2 (t)} = {eσ t cos(ω t), eσ t sen(ω t)} é um
sistema fundamental de soluções para (5). 
Interpretando o resultado no caso do sistema massa-mola, com massa m, constante de resistência do
ar c e constante da mola k, o caso de raízes complexas corresponde ao do subamortecimento, em que o
sitema oscila com período 2π /ω e a amplitude é amorteciada pelo fator eσ t = e(−c/m)t .

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2o Caso: ∆ = c2 − 4mk > 0. Esse é fácil! As raízes do polonômio característico são reais, iguais a
√ √
−c c2 − 4mk −c c2 − 4mk
r1 = σ + ω = + e r2 = σ − ω = −
2m 2m 2m 2m
e obtém-se as soluções reais y1 (t) = er1t e y2 (t) = er2t . Calculando, obtém-se

w(t) = y1 (t)y′2 (t) − y′1 (t)y2 (t) = (r2 − r1 ) e(r1 +r2 )t = −2ω e2σ t = −2ω e(−c/m)t

o que de novo está de acordo com a fórmula de Abel. Como w(t) 6= 0 para todo t, concluí-se que, no caso
de raízes reais r1 e r2 do polinômio característico, {y1 (t), y2 (t)} = {er1t , er2t } é um sistema fundamental
de soluções para (5). 
Interpretando o resultado no caso do sistema massa-mola, o caso de raízes reais corresponde ao do
superamortecimento, em que o sitema não oscila e, como as raízes r1 e r2 são ambas negativas, o sistema
tende rapidamente ao equilibrio.
3o Caso: ∆ = c2 − 4mk = 0. Nesse caso o polonômio característico possui apenas uma raiz r1 = −c/2m
e, de início, obtém-se apenas uma solução y1 (t) = er1t .
Uma segunda solução pode ser obtida pelo método de redução de ordem, já ilustrado anteriormente.
O método consiste em, conhecendo-se a solução y1 (t), tentar uma outra na forma y(t) = y1 (t)v(t). Então,
calculando, obtém-se

y′ (t) = y′1 (t)v(t) + y1 (t)v′ (t) e y′′ (t) = y′′1 (t)v(t) + 2y′1 (t)v′ (t) + y1 (t)v′′ (t)

Substituindo-se essas igualdades em (5), deve-se ter que

0 = my′′ (t) + cy′ (t) + ky(t) = m[y′′1 (t)v(t) + 2y′1 (t)v′ (t) + y1 (t)v′′ (t)]
+ c[y′1 (t)v(t) + y1 (t)v′ (t)]
+ k[y1 (t)v(t)]

Colocando v(t) em evidência obtém-se que o termo [my′′1 (t) + cy′1 (t) + ky1 (t)]v(t) se anula, pois y1 (t)
é solução. Fica-se então com a igualdade

0 = [2my′1 (t) + cy1 (t)]v′ (t) + my1 (t)v′′ (t) (6)

que é uma equação de 1a ordem na variável v′ (t). Essa é a justificativa para o nome de redução de ordem,
pois o problema fica reduzido a uma equação de 1a ordem.
Outra simplificação é que o coeficiente de v′ (t) em (6) também se anula! Com efeito, como y′1 (t) =
r1 y1 (t) e r1 = −c/2m, tem-se que
 
′ −c
2my1 (t) + cy1 (t) = [2m + c]y1 (t) = 0
2m
Daí que (6) fica reduzida a my1 (t)v′′ (t) = 0, e, portanto, deve-se ter v′′ (t) = 0. Integrando duas vezes
obtém-se que v(t) = ct + d, onde c e d são constantes arbitrárias. Em particular, escolhendo v(t) = t,
obtém-se que y2 (t) = ty1 (t) é também solução da equação.
O importante é que o wronskiando de {y1 (t), y2 (t)} é não nulo. De fato, usando as igualdades
y′1 (t) = r1 y1 (t) e y′2 (t) = y1 (t) + tr1 y1 (t) para calcular o wronskiano, obtém-se

w(t) = y1 (t)y′2 (t) − y′1 (t)y2 (t) = y21 (t) = e(−c/m)t

o que mais uma vez está de acordo com a fórmula de Abel. Como w(t) 6= 0 para todo t, concluí-se que,
no caso de apenas uma raíz r1 do polinômio característico, {y1 (t), y2 (t)} = {er1t ,t er1t } é um sistema
fundamental de soluções para (5). 
Interpretando o resultado no caso do sistema massa-mola, o caso de uma única raíz corresponde ao
do amortecimento crítico, em que o sitema não oscila e, como a raíz r1 é negativas, o sistema tende ao
equilibrio, e isso um pouco mais lento do que o caso do superamortecimento.
Essas discussões resolvem inteiramente a equação linear homogênea de 2a ordem com coeficientes
constantes. O caso não-homogêneo é o assunto da próxima aula.

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