Você está na página 1de 49
Paradigmas e pesquisa educacional 2. Paradigmas e pesquisa educacional Neste capitulo realizamos uma aproximagao as principais controvérsias epistemoldgi- cas e metodolégicas relacionadas com a pesquisa educacional considerada a partir de um enfoque paradigmatico. Basicamente, trataremos das questdes mais discutidas no debate “pesquisa quantitativa” versus “pesquisa qualitativa”, e exporemos as diversas posturas de- fendidas a respeito da possivel integracao ou complementaridade paradigmatica. As premissas bsicas para as diversas perspectivas tedricas (positivismo, interpretativis mo, teoria critica etc.) que iluminam os enfoques e paradigmas aqui tratados serao ampla- mente abordadas e desenvolvidas no prdximo capitulo. 2.1. O conceito kuhniano de “paradigma” © conceito “paradigmna”, generalizado a partir da publicagio, em 1962, da obra de Kuhn,' The Structure of Scientific Revolutions, nao esteve isento de matizes ¢ criticas de diversos autores. Uma das acusacées que a nocao kuhniana de paradigma recebeu foi sua ambigua € vaga definigéo, que gerou até 21 sentidos diferentes da utilizagéo do termo (Mastermann, 1975), que podem agrupar-se em trés ambitos: 1. Aspecto filoséfico (ou metafisico) do paradigma. Imagem do mundo crencas basicas da comunidade cientifica a respeito da realidade (por exemplo, atomismo, mecanicismo, evolucionismo, fenomenalismo. 2. Aspecto sociolégico do paradigma. Estrutura e relagGes internas ¢ externas da comunidade de cientistas que seguem um mesmo paradigma. Institucionalizagéo do paradigma articulado ao redor das sociedades cientificas, apoio a determinadas linhas de pesquisa, publicagdes periédicas, manuais de ensino universitério, con- gressos etc., que permitem diferencid-lo de outros paradigmas. "© conceito “paradigma’ foi utilizado pela primeira vez.em teoria da ciéncia por Ch. Lichtenberg (1742-1799), ¢ jé no século XX por Wittgenstein em suas Pesquisas flosdfcas. 28 Pesquisa qualitativa em educagao Tabela2.1 Algumas definigdes do termo “paradigma” ‘Aproximagao conceitual a nogao de “paradigma” “Um ponto de vista ou modo de ver, analisar e interpretar os processos educacionais dos membros de uma comunidade cientifica, que se caracteriza pelo fato de que tanto cientistas quanto préticos compartilham um conjunto de valores, postulados, fins, normas, linguagens, crengas formas de perceber e compreender os processos educacionais” (De Miguel, 1988: 66). “Um paradigma é uma imagem basica do objetivo de uma ciéncia. Serve para definiro que se deve estudar, as perguntas que é necessério responder, como devem ser feitas e que regras é preciso seguir para interpretar as respostas obtidas. O paradigma a unidade mais geral de consenso dentro de uma ciéncia e serve para diferenciar uma comunidade cientifica (ou subcomunidade) de outra. Concebe, define e inter-relaciona os exemplares, as teorias © os métodos e instrumentos disponiveis” (Ritzer, 1993: 598), em Valles (1997: 4) “Uma viséo do mundo, uma perspectiva geral, um modo de esmiugar a complexidade do mundo real. Como tais, os paradigmas esto profundamente enraizados na socializagao tanto de dependentes quanto de profissionais; os paradigmas Ihes dizem o que é importante, legtimo e razoavel. Os paradigmas sao também normativos; indicam ao profissional o que deve fazer sem necessidade de prolongadas consideragdes existenciais ou epistemolégicas” (Patton, 1978: 203), em Cook e Reichardt (19860: 28). 3. Aspecto cientifico do paradigma. Ligado aos problemas ja resolvidos e aos prin- cipais exemplos que sao explicados gracas a utilizagio do paradigma. Apesar das ctiticas,? a nogéo de paradigma se impés, nao sem detratores, como vere- mos mais adiante, no ambito das ciéncias sociais e humanas, ¢ particularmente, € este € 0 aspecto que se aplica aqui, como fundamento na identificagao dos diversos enfoques ou das perspectivas de pesquisa social e educacional Essas séo algumas definigdes do conceito de paradigma que ilustram o sentido que fundamentalmente foi adotado no ambito educacional (Tabela 2.1). As caracteristicas essenciais do conceito “paradigma” derivadas das definigGes anterio- res, ¢ outras similares, so: * Um paradigma representa uma determinada maneira de conceber e interpretar a realidade ® Constitui uma visio do mundo compartilhada por um grupo de pessoas e, portanto, tem um cardter socializador. ‘A ambiguidade e polissemia do termo “paradigma” foram admitidas pelo proprio Kuhn em “Posdata: 1969°, incluida nna segunda edigdo em inglés publicada em 1970. Introduziu 0 conceito “matriz disciplinadora” para referir-se ao con~ junto de pressupostos de uma disciplina e relacionar © conceito “paradigma” com seu sentido gramatical: exemplo tipico gracas ao qual podemos entender outras muitas situagoes; caso tipico que sera imagem matriz da disciplina. Entreranto, essa dist {do ndo teve muito éxito € continuou imperando a concepggo kuhniana de “paradigma” como “constelagdo de crengas, valores, técnicas... compartilhados pelos membros de determinada comunidade™. Capitulo 2 Paradigmas e pesquisa educacional 29 Cada projeto ou estudo de pesquisa utiliza as estratégias empfricas que forem con- sideradas mais adequadas segundo o modelo conceitual (paradigma) em que se bascia. Isto é, 0 paradigma possui um cardter normativo com relagéo aos métodos € as técnicas de pesquisa a serem utilizados. Mesmo que as duas primeiras caracterfsticas sejam em maior ou menor grau especi- ficadas € aceitas nas diversas concepgées do termo, nao acontece 0 mesmo com a terceira afirmagao, que pressupde uma relacao univoca entre paradigma e abordagem metodolégica € que nos introduziria no debate em torno da complementaridade de métodos, que abor- daremos mais adiante. Uma vez realizada uma aproximagio a definigdo que 0 conceito “paradigma” adotou em nosso ambito, nos interessa agora apresentar como foram tradicionalmente caracteriza- dos os diversos “paradigmas” na pesquisa educacional. 2.2. Questdes paradigmaticas basicas Egon Guba, Norman K. Denzin ¢ Yvonna S. Lincoln foram basicamente os autores que nos tiltimos anos contribuiram, com numerosas publicagées de grande influéncia na comunidade de pesquisadores sociais ¢ da educagao, para difundir uma visdo dos enfoques de pesquisa social fundamentada no conceito kuhniano de “paradigma”. Na Espanha, a “preocupagao” com os paradigmas entrou com forga nos discursos edu- cacionais e sobre pesquisa na década de 1980. Podemos citar como representativa daquele momento a obra coordenada por Dendaluce (1988), Aspectos metodolégicos da pesquisa edu- cacional, e concretamente a contribuigao de De Miguel, Paradigmas da pesquisa educacional espanhola, trabalho que durante muitos anos foi uma referéncia obrigatoria para as pessoas interessadas nesse assunto. Foi assim que no Ambito da pesquisa educacional foi identificada uma série de “para- digmas de pesquisa” caracterizada pelas respostas que seus defensores oferecem a trés ques- tes basicas relacionadas com 0 propésito de conhecimento ou a realidade que se trata de estudar. Essas questoes podem vincular-se as seguintes dimensées (Lincoln, 1990): * Ontolégica. Qual é a natureza do conhecimento? Ou, qual é a natureza da reali- dade social! + Epistemolégica. Qual é a natureza da relagao entre o que se conhece e 0 conhe- ido? Como se conhece? ¢ Metodolégica. Como deveria agir 0 pesquisador para descobrir 0 cognoscivel? + Adimensao ontolégica se refere 4 natureza dos fenémenos sociais. E a realida- de social algo externo aos individuos, que € imposta de fora? E algo criado de um ponto de vista particular? £ a realidade social de natureza objetiva ou o resultado de um conhecimento individual? 30 Pesquisa qualitativa em educagao + A dimensao epistemolégica nos leva as seguintes questdes: como € possivel conhecer e comunicar 0 conhecimento? O conhecimento pode ser adquirido ou é algo que se deve experimentar pessoalmente? O pesquisador deve adotar uma posicao objetiva e externa e usar os métodos das ciéncias naturais ou considerar 0 conhecimento como algo subjetivo, pessoal ou tinico, 0 que significa uma re- jeigdo dos métodos fisico-naturais? + A dimensao metodolégica significa uma preocupagio com 0 modo pelo qual o individuo cria, modifica e interpreta o mundo em que se encontra. Na Tabela 2.2 mostramos os atributos dos paradigmas principais em relagio a essas dimensées. Guba e Lincoln (1994; 1990) sao possivelmente as figuras que mais alimentaram a questao a respeito da caracterizagao dos paradigmas de pesquisa de acordo com tais dimen- ses, principalmente a partir de sua postura mais préxima ao que eles denominam paradig- ma construtivista. Do mesmo modo, esses autores, entre outros, apesar de destacarem que “de nossa perspectiva, tanto os métodos quantitativos quanto os qualitativos podem ser usados de forma apropriada dentro de qualquer paradigma de pesquisa” (Guba e Lincoln, 1994: 105), defenderam uma inter-relagao hierarquica ¢ vertical entre as dimensées paradigmaticas, de maneira que a suposicao de determinados postulados ontoldgicos envolveria certa episte- mologia, que por sua vez condicionaria as opgdes metodolégicas. Voltaremos a essa questo mais adiante. 2.3. Paradigmas na pesquisa educacional Tradicionalmente, no Ambito da pesquisa educacional, o conceito de “paradigma” veio a identificar inicialmente duas grandes tendéncias ou perspectivas de pesquisa, que foram denominadas indistintamente como empirico-analitica, positivista, por um lado, e herme- néutica ¢ interpretativa, por outro. Essas duas tradigdes fazem parte de nosso legado filo- s6fico, que, como vimos no Capitulo 1, podem remontar a Grécia’ antiga; mas podemos citar também préximo do século XX a diferenca indicada por Dilthey entre compreensio (Verstehen) e explicacao causal (Erkldren), sugerindo que a compreensao constituia o objetivo da pesquisa humanistica, enquanto a explicagio era o tiltimo objetivo da pesquisa cientifica. Esta € a classificagao mais simples, e tradicionalmente foi apresentada como uma ver- sio de dois paradigmas contrapostos. Outras expressdes para referir-se a eles sao: a) Paradigma “prevalecente”, “classico”, “racionalista”, “quantitativo”; b) Paradigma “emergente”, “alternativo’, “naturalista’, “construtivista”, “interpretati- vo", “qualitativo”. > A tradigio aristorélica com seu enfoque teleol6gico e a galileana com seu enfoque causal e mecanicista 31 Capitulo 2 Paradigmas e pesquisa educacional “epeyluedwon erouguiadxe op ‘oyxaqu09 wn aigos epinsisuo waBenbi ep osn ‘eonesd ep erzewiig “ennei0qejo2 ogde-esinbsed wa med ssousoo 0 woo eanedionied opdesuen ewn 9 eonu0 epepianalans “opunw ojed 8 equaw ejed Jennalgns epepiees y ‘eanediomed apepieay onpadionueg “eongleip Jeoqnguewio}, “weonsuoa 2s sopeynsoy esinyolgns fennesyy, oayjoedse 290] o7xequ09 wn exed owisjapnqsuog (891 :0002 ‘eqng @ ujoou! -ennedionseg 'souoyen sod !paw sopeyinsey ‘eysinnalgns/enneseiu) “odiwer op sessed © woo opuenjersio as ‘we1oy anb oxaug6 ap 2 soa1u9 ‘sooquiguoaa jeamyna'soamyod ‘syeta0s seuoyen sod epejyied quawjennin exjuoaus os ape songeqjenb sopoigut jou apod ‘sasarodiy ‘ap ogSeausiey sopeindiuew repeayipou rewauuedsy ‘apepien squaujanenoud = sopaynsay /epeoyipow exsiieng 200 2 jonnoopad 9p e|-gpueeide sod 9 9s seul ‘eys00 ,opepiiees, ‘ycani9 owsie9y ‘Sonyeynuenb sopo.gus ‘awawyedioug ‘asaigdiy ap opSeayuien ‘e1opejndiuew jewel apepien = sopeynsey Bojowoysida ® sapuaeide janjssod 3 onug6ul owsye=y e1B0j01U owsjanisod-sog ‘opdeBepul ap sonneusaye sewbipesed sop seo} eqseduaiy ZZ ejaquy 32 Pesquisa qualitativa em educagao Entretanto, nas tiltimas décadas, sob a denominagao genérica de “paradigma critico ou sociocritico”, se desenvolveu uma familia de enfoques ¢ metodologias de pesquisa que ampliaram as perspectivas anteriormente indicadas.* Certamente, nos tiltimos anos, foi realizado um grande esforgo para sintetizar a diver- sidade metodolégica da pesquisa social em geral e a educacional em particular. A variedade de enfoques, a articulago de métodos e a emergéncia de novas realidades que demandam uma aproximacao multidisciplinar a realidade revelaram a dificuldade de sintetizar essa riqueza em poucas linhas paradigmaticas.° No Ambito educacional e social em geral, existe certo acordo para identificar trés “pa- radigmas” na pesquisa (Buendia et al., 1997; Colds e Buendia, 1992; De Miguel, 1988; Del Rincén et al., 1995; Denzin e Lincoln, 1998a; Husen, 1988; Latorre et al., 1996; Valles, 1997): + A perspectiva empirico-analitica, de base positivista-racionalista (paradigma positi- vista/pés-positivista); © A humanistico—interpretativa, de base naturalista-fenomenolégica (paradigma inter- pretativo); ¢ A critica, com base na tradigao filosdfica da teoria critica (paradigma sociocritico). Nas Tabelas 2.3 a 2.6 mostramos uma sintese de suas caracterfsticas mais relevantes. Além disso, é obrigatério mencionar 0 surgimento nos uiltimos anos de um quarto “paradigma’, que podemos denominar “desconstrutivista”, utilizando 0 termo de Lather (1992). Essa autora, cuja proposta foi acolhida posteriormente nos trabalhos de diversos au- tores (Bartolomé, 1992; Mertens, 1998; Rodriguez Gomez et al., 1996), introduziu as ques- tes que a pesquisa educacional passou a enfrentar a partir das propostas do pés-modernismo € do feminismo, que explicaremos no préximo capitulo. Recentemente, na segunda edigao do Handbook of Qualitative Research, editado por Den- zin € Lincoln (2000b), identificou-se um novo (?) paradigma alternativo de pesquisa social, © participativo (os autores utilizam o termo “participatério”), que veio incorporar-se aos tradicionalmente reconhecidos (positivismo, p6s-positivismo, enfoques baseados na teoria critica e construtivismo). Esse enfoque enfatiza os elementos de colaboragio e a participagao com as comunidades no desenvolvimento dos estudos, a responsabilidade social, pessoal e politica da comunidade cienttfica e dos prOprios pesquisadores, que devem refletir sobre a incidéncia ¢ as repercus- ses de seus trabalhos, resgata as vozes tradicionalmente omitidas nos processos de pesquisa (género, classe, raca etc.) e poe sobre a mesa os aspectos éticos e morais do ato de investigar. © Os supostos epistemolégicos e teéricos envolvidos em cada uma dessas abordagens sao tratados ¢ descritos de maneira ampla no préximo capitulo. > Um panorama geral das diversas classificagBes existentes abordado de uma perspectiva social pode ser consultado em. Valles (1997). 33 Capitulo 2 Paradigmas e pesquisa educacional “seyBojoap: ‘sopep sa,oje, ap sopoigu sop 2 108) ep ‘eweigosd op ogdajas eu wanyut sauojen so ‘sopep salo|eq ‘seu0jen ap aunry “ongerosdsenut oe seus ‘1018 ap opSesaqu} onnevandsequt o anb owsaw g “sebuasoyp igos sepenuaa “sennewjenb inp ‘seoyesB01p1 segdeaudxe ‘opep oder 8 orxe1U09 wwe oyjeqest 9p esexodiy “sedueyjawas we sepenueo— euewny ogdevaqy e eed ossiwosdwoo 240} 104 sepejouangut sogsejas ‘opeuoyaeje.-s0u) ‘sonnelgns sauo1ey sod sepelouanyut sagdejaa “opeuoioejai-saiuy ‘seanemuenb — ‘seannpap — seangiowou “seougynus sagdeaydxa ‘no saquapaoeid ‘s19) ‘oxxaqu09 @ ‘S@10|@A aquaujesoduier ‘ap any ‘jensowe ‘sivas sesne9, ‘sauepuadapuy Jesneo | ogdezijeioueg | oyelqo-oyolns opdeayidxg soysodorg opsejoy equa6s0nip “oat ‘opingsuoo ‘eqwebsonp ‘oonsyoy ‘oydninVN ‘aqus6s0nu09 jengquowBexy (eo1Bgjoqu0) ‘opepijeer ep ezameN veduepnuy ap jelousiod seoyuop! 9 seonua ‘e10q7] (eanedioned aemnw ogsueeiduioa) seyeids6.u! vapuaesdwog ‘yejonu0s ‘ea1dxq oonug (exsyeimeu) onperanday easinisog esinbsed op ewBipered (89 8861) 12n6iyy 2< ap opyesnxg (r861) 5umaoy opunbis esinbsed ap sewibipesed sop seonsuejoeeg Ez ejaqey 34 Pesquisa qualitativa em educagao Ao falar do paradigma participativo, utilizamos uma interrogacao diante da possibi- lidade de que seja um “novo paradigma”, porque suas caracteristicas, embora certamente perfiladas pelas atuais abordagens pés-modernas, nos fazem lembrar 0 chamado paradigma para a mudanga sobre 0 qual jé falava De Miguel (1988) na obra citada anteriormente: um paradigma fundamentado sobre uma visdo praxiolégica do mundo, caracterizada por uma constante interagao entre acao ¢ reflexdo, que centra seu objetivo na mudanca € na aplica- 40 dos conhecimentos como tinico modo de transformar a realidade. Tabela 2.4 _Sintese das caracteristicas dos paradigmas de pesquisa. (Latorre et al., 1996: 44) Paradigma Dimensao jE Positivista Interpretative Sociocritico Fundamentos Positivismo légico, Fenomenologia, Teoria Teoria critica. Natureza da realidade Finalidade da pesquisa Relagao sujeito/objeto Valores Teoria(prética Critérios de qualidade Empirismo. Objetiva, estatica, énica, dada, fragmentavel, convergente. Explicar, predizer, controlar os fenémenos, verficar teorias. Leis para regular os fendmenos. Independéncia, neutralidade, Nao se afetam. Pesquisador externo. Sujeito como “objeto” de pesquisa. Neutros. Pesquisador livre de valores. Método 6 garantia de objetividade. Dissociadas, constituem entidades distintas. Ateoria, norma para a pratica, Validade, confiabilidade, objetividade. interpretativa, Din&mica, miltipla, holistica, construida, divergente. Compreender e interpretar a realidade, 0s significados das pessoas, percepcdes, tengdes, agdes. Dependéncia, afetam- se. Envolvimento do pesquisador. Inter-relagao. Explicitos, Influem na pesquisa. Relacionadas. Feedback métuo. Credibilidade, confirmacéo, transteréncia. Compartithada, histérica, construida, dindmica, divergente. {dentificar potencial de mudanga, emancipar sujeitos, Analisar a realidade. Relagao influenciada pelo compromisso. 0 pesquisador é mais, | um suieito. Compartithados. Wdeologia compartiihada. Indissocidveis. Relagdo dialética. A pratica éa teoria em agao. Intersubjetividade, walidade consensual. Capitulo 2 Paradigmas e pesquisa educacional 35 Tabela 2.4 (Continuagao) Paradigma T Positivista Interpretativo Sociocritico Eee Técnicas: Instrumentos | Quantitativos. Medigéo | Qualitativos, desoritivos. | Estudo de casos. Estratégias de testes, questionérios, | Pesquisador é 0 Técnicas dialéticas. observagao sistemética. | principal instrument. Experimentagao. Perspectiva dos participantes. Andlise de dados Quentitativo. Estatistica | Qualitativo, Indugao Intersubjetivo, Dialético. descrtiva e inferencial. | analitica,triangulagao. Tabela 2.5 Paradigmas da indagagao pés-positvista. (Lather, 1992: 89) Predizer Compreender Emancipar Desconstruir Positivismo Interpretative Critico Pés-estrutural Naturalistico; Neomarxista; Pés-moderno. Construtvista; Feminista; Didspora pés- paradigmatica. Fenomenolégico; Especifico da raga; Hermenéutico; Orientado a pratica; Interacionismo Freitiano; simbélico; Microetnografia. Partcipativo. : Tabela 2.6 — Caracteristicas do paradigma participativo. (Lincoln e Guba, 2000: 171) Finalidade Compreensao; reconstrugéo. Natureza do conhecimento | Reconstrugdes individuais através do consenso. 36 Pesquisa qualitativa em educagao Tabela 2.6 (Continuarao) Paradigma participativo Acémulo de conhecimento | Em comunidades de indagagao inseridas em comunidades praticas. Critérios de qualidade ou | Congruéncia do conhecimento prético, experimental e proposicional; conduz & rigor cientfico ago para transformar o mundo a servigo do bem-estar humano. Valores Incluidos —formativos. btica Intrinseca — proceso tende a revelagao. Postura do pesquisador | Voz principal que se manifesta por intermédio da consciéncia da ago autor- reflexionada; vozes secundérias em teoria, narrativa, movimento, cangao, danga e outras formas de apresentagéo. Formacao Colaboradores na pesquisa se iniciam por um pesquisador/ facilitador por meio de uma participacao ativa no processo; 0 facilitador requer competéncia ‘emocional, personalidade democratica e habilidades. 2.4. 0 debate pesquisa quantitativa versus qualitativa 44 € conhecida, ¢ poderiamos dizer que em grande medida superada, a polémica entre 0s dois paradigmas de pesquisa predominantes (o representado pela tradicao positivista ¢ © enfoque interpretativo) gerada nas tiltimas décadas, que foi chamada debate quantitative qualitative, indicando a dicotomia entre a pesquisa quantitativa e a pesquisa qualitativa, duas sélidas tradigdes de pesquisa nas Ciéncias Sociais e Humanas (Bericat, 1998). Dendaluce destacava em 1995 os seguintes elementos para superar o debate quantita- tivo-qualitativo: . Distinguir as possiveis dimensdes ou os campos do debate (ideoldgico-axiolégico, paradigmitico, ontoldgico, epistemolégico, metodolégico-técnico, pragmiético, re- torico etc.). Nao existe uma correspondéncia linear univoca entre as dimensées. Nao confundir o debate paradigmatico com o debate quantitativo-qualitativo. Concentrar 0 debate no nivel metodolégico-técnico. Aprender uns com 0s outros Capitulo 2_Paradigmas e pesquisa educacional 37 Flexibilizar as diferencas entre métodos ¢ técni se tornarem compartimentos estanques. 5 quantitativas e qualitativas, sem @ Deve-se chegar a uma integracao de preocupagGes ¢ solugdes metodolégicas. As palavras do mesmo autor (Dendaluce, 1999: 364) sintetizam essa questo ao des- crever as mudangas que se produziram na Espanha sobre o assunto nos tiltimos 15 anos “ao comparar 0s retratos (situagao da pesquisa educacional) de 1987 ¢ de 2000, uma diferenca perceptivel € a situacio do debate quantitativo-qualitativo. Em alguns ambientes 0 debate ain- da esté af (..) mas é um debate que globalmente perdeu virulén Como veremos nos préximos capitulos, foram experimentadas diferentes férmulas para superar essa dicotomia, centrada fundamentalmente no nivel de integragao de méto- dos, mas também na possibilidade de complementaridade ou de integragio das perspectivas teGricas ou metatedricas que sustentam as tradigdes de pesquisa. Hoje em dia, a proposta de um pluralismo integrador (Dendaluce, 1995) é amplamente aceita na comunidade, e percebemos que as controvérsias giram em torno da possivel inco- mensurabilidade ¢ incompatibilidade das perspectivas epistemolégicas ¢ tedrica: “A discussio de fundo entre métodos quantitativos € qualitativos nao € metodol6gica. $6 faz sentido se for exposta epistemologicamente, e s6 a partir da epistemologia pode ser resolvida. E, a partir dela, percebe-se que a questao nao esta nem no aspecto qualitativo nem no quantitati- vo, mas em como se relacionam ambas as vertentes do real. Justamente essa relagio se encontra hoje em um proceso de mudanga” (Munné, 1995: V1) A existéncia de um amplo consenso quanto a integrago de métodos pode ser verifi- cada na estrutura, no contetido ¢ no enfoque adotados em numerosas publicacdes sobre pesquisa social que apareceram nos tiltimos anos, e algumas refletem essa postura jé no ti- tulo (Bericat, 1998; Brannen, 1992; Cook e Reichardt, 1986b; Guba, 1990b; Mertens, 1998; Punch, 1998; Ragin, 1994). Vejamos, como exemplo, a caracterizagéo que Cook ¢ Reichardt (1986b) (uma das primeiras obras traduzidas para 0 espanhol em que se defendia a complementaridade pa- radigmética) realizam desses dois paradigmas a partir dos trabalhos de Rist (1977), Patton (1978) e Guba (1978). © Os termos “quantitativo” e “qualitative” foram utilizados fundamentalmente em dois sentidos: um literal € outro derivativo. O primeiro faz referencia ao contraste (quantitativo/qualitativo) em relagio a coleta de dados, 0 projeto de pesquisa e a anélise (tGenicas e procedimentos), ¢ o segundo tem a ver com questdes epistemol6gicas mais amplas (enfoques paradigmiaticos). (Howe, 1992) 38 Pesquisa qualitativa em educagao Tabela 2.7 Atributos dos paradigmas qualitativo e quantitativo. (Cook’e Reichardt, 1986b: 29) Paradigma qualitative Paradigma quantitative = Advoga 0 uso dos métodos qualitativos. ‘= Fenomenclogismo ¢ compreensdo. Interessado ‘em compreender @ conduta humana do proprio pponto de referéncia de quem atua. = Observagao naturalista e sem controle. = Subjetivo. = Préximo dos dados; perspectiva “de dentro’. = Fundamentado na realidade, orientado para os descobrimentos, exploratério, _expansionista, descritiva e indutivo. = Orientado para o processo. = Vélido: dados “reais, "ricos" e “profundos’. = Nao generalizével: estudo de casos isolados. = Hosta. = Assume uma realidade dinémica, = Advoga o uso dos métodos quantitatives. = Positivismo légico, Busca os fatos ou as causas dos fendmenos sociais, dando pouca atengo aos estados subjetivos das pessoas. = Medico penetrante e controlada. = Objetivo. = Amargem dos dados; perspectiva “de fora’. = Nao fundamentado na realidade, orientado para a comprovacao, confirmatério, reducionista, inferenciado e hipotético-dedutivo. = Orientado para o resultado. + Confidvel: dados sélidos e repetiveis”. = Generalizével: estudos de casos miltiplos. = Particularista = Assume uma realidade estavel. © quadro apresentado por Cook e Reichardt em sua obra foi referenciado e, durante muitos anos, difundido e até revisado ou ampliado, na bibliografia sobre pesquisa educacio- nal, e utilizado nas caracterizacdes dos diversos paradigmas apresentados no item anterior, na formacio de professores (Tabela 2.7) Entretanto, a ideia de que existem dois paradigmas metodolégicos de pesquisa, 0 quan- titaiivo e 0 qualitativo, expressos em dicotomias conceituais, é fortemente criticada por alguns autores como Hammersley (1992), que sustenta que a utilizagéo desse tipo de dicotomia representa, em muitas ocasides, “destilagdes” do que é bom e mau entre a comunidade de pesquisadores: “qualitativo e quantitativo sao termos usados frequentemente para representar enfoques opostos no estudo do mundo social, um representando a forma correta de agit € 0 outro, 0 trabalho do diabo* (p. 159) Capitulo 2 Paradigmas e pesquisa educacional 39 Hammersley afirma que as dimensoes utilizadas para caracterizar a distingao conven- cional entre 0 enfoque quantitativo e 0 qualitativo nao devem supor um contraste entre dois polos, cada um identificando uma postura, pois + existe um nivel de posigdes dentro de cada dimensao, e nao existe uma relagio direta entre adotar uma posicao particular em uma dimen- sao e as assumidas no restante (Tabela 2.8). Por exemplo, em relacao ao positivismo como perspectiva tedrica, Bentz e Shapiro (1998) afirmam que a associacio entre o positivismo como forma de conhecimento e sua preferéncia por métodos de pesquisa quantitativos criou confusao sobre o temo. O posi- tivismo nao é uma forma particular de fazer pesquisa. Nao existe um meétodo de pesquisa positivista per se. Qualquer método de pesquisa, por exemplo, a etnografia, pode ser desen- volvido tanto de uma perspectiva positivista quanto nao positivista. “A recente filosofia ¢ sociologia da ciéncia enfatiza o grau em que o saber esta sempre inseri- do em uma hist6ria ¢ um contexto cultural e social. Desse ponto de vista, qualquer enfoque do conhecimento, cientifico-natural ou objetivista ou subjetivista, pode ser positivista se ndo levar em conta 0 contexto histérico amplo de onde se gera 0 conhecimento” (Bentz ¢ Shapiro, 1998: 28). Por exemplo, Roman (1990) nos lembra que, em determinadas ocasiées, a etnogra- fia constituiu uma extensao do positivismo mais do que uma fuga dele. Denzin ¢ Lincoln (1998a) afirmam que em princfpios do século XX a pesquisa qualitativa se desenvolvia de uma perspectiva positivista e apresentava seus resultados em termos quase estatisticos. ‘Muitos dos trabalhos dos socidlogos da Escola de Chicago foram realizados com metodologia qualitativa, mas sob consideragées racionalistas, positivistas (Hammersley, 1989, 1992). Por sua vez, Metz (2000) denuncia que alguns estudos propriamente qualitativos (feminismo, “pesquisa-agio etc.) € outros desenvolvidos dentro de projetos quantitativos mais amplos nao chegaram a conhecer em profundidade a perspectiva interna das pessoas. Tabela28 _Tracos gerais utilizados para caracterizar a pesquisa quantitativa versus a qualitativa. “— (Hammerstey, 1992) Pesquisa quantitativa / Pesquisa qualitativa 1, Dados qualitatives versus dados quantitativos. 2. Pesquisa natural versus pesquisa em contextos artificiais. 3. Preferéncia pelos significados versus as condutas. 4, Adogao ou rejeigdo das ciéncias naturais como modelo. 40 Pesquisa qualitativa em educagao Tabela 2.8 (Continuacao) Pesquisa quantitativa / Pesquisa qualitativa 5. 6 1 Enfoque indutivo versus enfoque dedutivo. Busca de padrées culturais versus identificagao de leis cientficas. dealismo versus realismo, 2.5. Posigées diante da diversidade paradigmatica Walkers ¢ Evers realizaram em 1988 uma interessante andlise da conceitualizacao his- térica do debate paradigmatico em educacao e identificaram trés posturas basicas: a) a de incompatibilidade entre paradigmas que competem de maneira irreconcilidvel na pesquisa; 1b) ada complementaridade entre paradigmas que, embora de base ontolégica e episte- mol6gica distinta, se baseiam e se complementam no processo de pesquisa; ) ada unidade epistemolégica da ciéncia na qual nao se aceita a existéncia de diversos paradigmas.’ * A primeira tese € defendida por aqueles autores que indicam a existéncia de para- digmas epistemologicamente diversos, incomensurdveis, de maneira que nem a pes- quisa educacional nem qualquer outra forma de indagacao pode proporcionar um método racional para julgar entre eles. Além disso, so mutuamente incompativeis, formas competitivas de pesquisar uma realidade. * A segunda perspectiva, a tese da diversidade complementar, compartilha com a an- terior a ideia de-que existem diversos paradigmas, mas sustenta que, longe de ser incomensurdveis, s0 complementares, ndo competitives: formas igualmente apro- priadas de abordar os problemas de pesquisa, * Aterceira alternativa, a tese da unidade, rejeita a ideia de que existem diversos méto- dos de pesquisa que podem se agrupar sob paradigmas incomensurdveis, ¢ inclusive sustenta que o proprio conceito de paradigma é erréneo ¢ até incoerente. Advoga pela existéncia de uma unidade epistemoldgica na pesquisa educacional derivada dos problemas praticos que tem em vista. Sendo essas as posturas principais mantidas neste debate, desenvolveremos a seguir algumas questées fundamentais. Na pesquisa educacional, o chamado debate “quantitativismo-qualitativismo” evoluiu para questdes relacionadas com a possivel acomodagao entre, basicamente, o paradigma pés- + Walker e Evers referem-se a essas trés posturas como a tese da diversidade incompativel, a tese da diversidade complementar ce tese da unidade, respectivamente (Walker ¢ Evers: 1988, 1997). Capitulo 2 Paradigmas e pesquisa educacional 41 positivista e o construtivista (Skrtic, 1990). Alguns autores, como Firestone (1990), desta- caram que a questao-chave é se os paradigmas podem ser legitimamente acomodados, pois © fato de que podem ser acomodados na pratica € comprovado por numerosas pesquisas. E acrescenta que a legitimidade da acomodacao depende da prépria postura a respeito da na- tureza dos paradigmas ¢ da relacao entre principios filos6ficos e pratica de pesquisa. Poderiamos sintetizar a questao essencial sobre a qual se centram os debates desta ma- neira: vimos antes que os paradigmas de pesquisa representam determinadas posturas em relacdo as dimens6es ontolégica, epistemoldgica ¢ metodoldgica. Se os diversos paradigmas mantém fundamentos ontolégicos diferentes (por exemplo, realismo versus idealismo), en- to, deriva-se especificamente um posicionamento epistemnolégico ¢ bases técnicas e proce- dimentais de pesquisa para cada um deles? (Figura 2.1). Dimensdo ontolégica 4 Dimensao epistemolégica 4 Dimenséo metodolégica 4 9s de coleta de informagao Figura 2.1. Inter-relacao hierérquica entre as dimensdes paradigméticas (Del Rincén et al,, 1995: 24). HA tempos que essa questéo vem suscitando o debate entre diversos autores, alguns defensores da complementaridade metodolégica, por exemplo, Cook e Reichardt (1986b), € outros da incompatibilidade paradigmatica, representada fundamentalmente nos trabalhos de Guba e Lincoln (Guba e Lincoln, 1994; Lincoln, 1990) ¢ também de Smith e Heshusius (1986). Na Espanha, De la Orden e Mafokozi e Dendaluce, entre outros, contribuiram para a reflexao sobre esse tema com diversas publicagdes (Dendaluce, 1995, 1998, 1999; Orden Hoz ¢ Mafokozi, 1997), situando-se em uma postura prudente que reconhece certa inco- mensurabilidade nos niveis epistemoldgicos ¢ uma aproximacao € integragao "paradigmé- tica” no nivel técnico. A recente obra de Bericat (1998) contribuiu para sintetizar e apresentar as diversas posturas existentes em torno da possivel convivéncia, integracao, complementaridade ou incompatibilidade dos enfoques qualitativos e quantitativos da pesquisa social. Esse autor utiliza a metéfora da "dupla piramide da pesquisa social” para referir-se existéncia de duas s6lidas tradicGes de pesquisa, a quantitativa ea qualitativa (p. 17): 42 Pesquisa qualitativa em educagao “0 topo equivale a0 componente metatedrico, enquanto as bases equivalem ao componente empitico. A parte alta da piramide, que no extremo ou topo fica reduzida a um tinico ponto, corresponde ao maximo de coeréncia discursiva (ontolégica, epistemolégica ¢ metatedrica) de ‘uma perspectiva de pesquisa social. Entretanto, também a essas partes corresponde uma grande altura, isto é, um maximo distanciamento em relagdo & realidade social e, portanto, um risco da projecdo do olhar do observador sobre 0 mundo empirico, um evidente risco do que pode- riamos denominar miragem ideacional. As partes baixas da piramide, a base que faz contato com a realidade, por serem mais amplas, s40 por si s6 mais plurais ¢ incoerentes, mas, ao mesmo tempo, e esta é sua grande virtude, mais recalcitrantes. A cada grao da base Ihe corresponde um grdo do deserto, ¢ j4 o olhar nao pode divagar livremente, pois esté submetido ao pesado vinculo de proximidade estabelecido” (p. 23-24). Segundo Bericat (1998), a legitimidade da integragao de métodos depende da resposta a duas diferentes ~ mas inter-relacionadas questdes - que j4 comentamos antes: * Aintensidade do vinculo entre paradigmas ou metateorias ¢ técnicas de pesquisa. A coeréncia vertical do método significa um vinculo entre topo ¢ piramide. # O grau em que os atributos de um paradigma estdo indissoluvelmente unidos. A coeréncia horizontal significa que os tragos definidores de um paradigma sao indis- soliiveis, e uns nao podem ser tomados independentemente de outros sem risco de desnaturalizar 0 paradigma. 0 debate da integragao se apresenta, assim, entre duas posigdes opostas que Bericat (1998), com base no trabalho de Bryman (1984), denomina epistemolégica e técnica, realizan- do uma sintese do pensamento de diversos autores, comecando por aqueles representativos da postura epistemolégica até os defensores da puramente técnica’ (Tabela 2.9). Na atualidade, 0 discurso da integragao metodolégica supera o da incompatibilidade paradigmitica, sendo recusada a translacao da tese kuhniana da incomensurabilidade para 0 Ambito da educacao (Howe, 1992). Eisner (1990; 1998), por exemplo, afirma que é pre- ferivel a existéncia de diversos paradigmas que permitam examinar questdes nao expostas € cuja presenca nos obriga a explicitar nossa posicao, defendé-la e portanto compreendé-la melhor; nesse sentido, a existéncia de paradigmas alternativos em educacao é saudavel para a comunidade de pesquisa. © Diante dos extremos representados pela postura epistemolégica ¢ a técnica, a prépria proposta de Bericat é a seguin- te: ‘aqui se mantém a tese de que, em sentido estrito, as possibilidades de integracio s6 podem ser resolvidas no plano metodol6gico, evitando assim tanto o risco de um fundamentalismo paradigmatico discursivo quanto 0 de um. relativismo téenico pragmético. De forma metaférica, a defesa metodol6gica da integracio aceita a possibilidade de consteule projetos utilizando elementos de ambas as piramides, mas desde que a nova construio seja coerente, isto € disponha de uma estrutura propria que dé ao editicio suficiente estabilidade e funcionalidade* (p. 41). “A posico metodolégica aceita a legitimidade cientifica da integragio das orientagdes qualitativa ¢ quantitativa em projetos multimétodo, mas sempre que for possivel integra, no projeto da pesquisa, as orientagdes metatedricas e os atributos das técnicas que serao utilizadas. Por esse motivo, afirmamos que é essencial uma atitude de'prudéncia metodol6gica na hora de integrar métodos, sem a qual nio teria sentido falar de verdadeiros projetos multimétodo, mas de simples jjustaposigdes desordenadas ou absurdos grupamentos técnicos” (p. 56). Capitulo 2 Paradigmas e pesquisa educacional 43 Tabela29 — Posturas diante do debate da integragao metodolégica. Com base em Bericat (1998) Epistemolégica Técnica Caracteriza-se pela coeréncia vertical e horizontal do | Os critérios de coeréncia vertical e horizontal so método. ‘mais flexiveis. Acredita-se que é possivel construir ‘novos projetos de pesquisa tomando como material, Cada pirémide de pesquisa deve ser utiizada como | com maiores ou menores graus de liberdade, blocos uma unidade nica e indivisvel. ou partes de ambas as pirdmides. | Autores representatives: . Guba; Y. Lincoln; Autores representativos: J. Web etal; D. Cook e J. Ibafiez; 6. Ritzer; F Alvera. Ch. S. Reichardt Na pesquisa educacional nao pode haver um paradigma ou uma “ciéncia normal” no sentido kuhniano do termo, devido a seu carater multifacetado, porque a educacao "nao é ‘uma disciplina unitaria, mas uma arte pratica" (Husen, 1997). As teses de Lakatos e Laudan surgem como alternativas a posicao de Kuhn e enfatizam a competicao entre aproximagbes divergentes que representam uma produtiva coexisténcia e um intercambio (Niaz, 1997). 2.6. A integragao de métodos: possibilidades e implicagdes metodolégicas Se for adotada uma postura equilibrada e flexivel, para livrar de uma excessiva rigidez 0 elo entre posicionamentos metatedricos ¢ técnicas de pesquisa, podemos abordar a possi- bilidade de projetos multimétodo na pesquisa educacional a partir de uma atitude integra- dora. Por exemplo, Dendaluce (1995) fala-nos de um pluralismo integrador, exemplificado na qualitativizagao de pesquisas quase-experimentais ¢ a quase-experimentalizagao de pes- quisas qualitativas; ¢ Bericat (1998) realiza uma interessante sintese das diversas estraté- gias de integracdo metodolégica a partir de sua visdo a respeito da integracdo de métodos (Figura 2.2). Conforme Bericat, a estratégia de complementagdo acontece quando, em uma mesma pesquisa, se obtém duas imagens, uma procedente de métodos de orientagao qualitativa € outra de métodos de orientagéo quantitativa. Cada perspectiva ilumina uma dimensio diferente da realidade, de maneira que nao existe ou nao se pretende o solapamento entre os métodos. O grau de integracao metodolégica é minimo. O produto final é normalmente um relatério com duas partes diferenciadas no qual se expdem os resultados obtidos na aplicagéo dos respectivos métodos. Em seu nivel maximo, se a estratégia foi desenvolvida com esse fim, pode dar lugar a sinteses interpretativas que integrem os resultados de cada método. 44 Pesquisa qualitativa em educagao Método A Método B Complementagao + Combinagao: © =. Triangulagao Figura 22 _ Estratégias basicas de integragao metodolégica (Bericat, 1998: 38). * Na estratégia de triangulagdo se pretende obter uma visio mais completa da reali- dade, nao através de dois olhares, mas utilizando ambas as orientacdes no estudo de uma tinica dimens4o da realidade. A integragao metodol6gica aumenta ao preten- der enfocar a partir de métodos distintos uma mesma parcela, métodos com reco- nhecida legitimidade para poder captar em parte ou totalmente o objeto de estudo. Pretende-se um solapamento ou convergéncia dos resultados e reforcar, assim, sua validade. + Naestratégia da combinagao, o resultado obtido em uma pesquisa que aplica o méto- do A pode aperfeicoar a implementacao de algum componente ou uma fase da pes- quisa realizada com o método B, incrementando, assim, a qualidade dos resultados desse tiltimo. Integra-se de maneira subsididria um método, qualitativo ou quantita- tivo, no outro, com 0 objetivo de fortalecer a validade do segundo, ao compensar suas debilidades por intermédio da informacao obtida com o primeiro. Nao se procura a convergéncia de resultados, mas uma combinagao metodol6gica adequada 2.7. Algumas consideragées finais Em resumo, vimos que hoje em dia é amplamente aceita a utilizacao de projetos mul- timétodo, embora atendendo a um critério de prudéncia metodol6gica, como afirma Bericat (1998) Entretanto, também é certo que em muitas ocasides os pesquisadores integram orien- tages metodolégicas muito antes de surgir um discurso explicito sobre a integragao me- tatedrica. Em nossa opinido, essa é uma questao-chave, embora eyité-la nao tenha apa- rentemente muitas repercussdes sobre 0 processo de pesquisa. Para ilustrar essa ideia, consideremos algumas recentes palavras de De Miguel em relacao a pesquisa avaliativ. Capitulo 2_Paradigmas e pesquisa educacional 45 “Na pratica, € comum especificar as abordagens metodolégicas da avaliagao de um programa, mas raramente so mencionadas as concepgées sobre a natureza da realidade que é objeto de anélise (bases ontol6gicas) ou sobre os fundamentos para a construgao do conhecimento cienti- fico (bases epistemolégicas). Os avaliadores normalmente consideram que abordar tais questdes € algo & margem de seu trabalho e costumam evité-las. Essa postura, embora compreensivel, € realmente enganosa, jé que (...) a oped metodolégica escolhida por um avaliador envolve implicta ‘mente uma tomada de posigao ontolégica e epistemolégica” (De Miguel, 2000: 296). Nesse sentido, queremos destacar que a formagao em pesquisa educacional, e em pes- quisa qualitativa em particular, requer uma visio profunda em relagao nao s6 aos métodos em si mesmos, mas também ligada a sua inter-relagao com questdes mais amplas de funda- mentagio epistemol6gica e de enfoque te6rico. Quanto a nossa posicao sobre a relagao en- tre as diversas dimensées paradigmaticas, jé afirmamos que, com as matizagées necessdrias, as excegdes e com uma postura flexivel e sensivel diante das diversas posturas, entendemos que, sim, existe certa relagio entre elas. De outro lado, estamos de acordo com Miller (1991) quando diz que as questdes que a nova filosofia da ciéncia fez surgir nao devem ser consideradas problemas isolados exclu- sivos da epistemologia, que s6 devem ser tratados pela filosofia, mas que sdo questées que fazem parte de um discurso mais amplo, que inclui todas as disciplinas e que tem implica- Ges também para a pratica da indagacao educacional. Sao aspectos, portanto, que devem fazer parte da capacitacao dos alunos.’ Por isso, pensamos que nosso trabalho como pesquisadores em educagao (ou docentes que formam em pesquisa educacional) nao consiste em um dominio exaustivo dos ques- tionamentos epistemolégicos. Mas, se nao houver uma reflexdo nesse nivel, serd realizada uma pesquisa de certo modo sem ponderago, como afirmam Alvesson e Skéldberg (2000) ° Consideramos esse assunto muito importante, pois 0 contetdo que aborda pode gerar condutas € respostas dos estu- dantes em relagio & pesquisa, por isso, pensamos que & um compromisso do docente assumi-lo de forma responsével ereflexiva, Certamente, na sala de aula existem muitas diividas e incertezas que o aluno manifesta a respeito de ques: ‘es tipicamente abordadas nos debates gerados em tomo da possibilidade, ou ndo, de complementaridade paradigms- tica: “o que vamos fazer aqui é subjetivo?”; “a quem vai interessar um estudo t2o ‘pequeno’ € conereto?"; “mas, 150 € cientifico?". Em determinadas ocasides se oferecem ao aluno respostas simples a uma questo que ndo é simples ("6 Sbvio, os métodos so complementares; a integragio € possivel ¢ desejavel, a dicotomia ‘quantitativo-qualitativo’ foi superada’). Essas mensagens nao refletem acertadamente a complexidade da questéo. Por exemplo, € um paradoxo estarmos assistindo nos tiltimos anos a uma superagio da dicotomia quantitativo-quatitative, que pode comprovar-se nos discursos académicos ei todos os niveis (compatibilidade, integragio, combinagdo, triangulagao, complementa- ridade) € nas publicagbes metodol6gicas. E & um paradoxo, porque as “barreiras paradigméticas” se diluem em um nivel discursivo e, entretanto, continuam sendo uma das questées que mais interesse levanta. Por exemplo, as tltimas “Jornadas sobre Metodologia de Pesquisa”, realizadas na Divisio de Ciéncias da Educacao, em novembro de 2000 (Universidade de Barcelona), tinham como titulo “Complementaridade entre metodologias”. Na conferéncia inaugural, 0 professor J. Mateo citou uma lista inesgotavel de possiveis conirovérsias metodalégicas sobre as quais ainda debate- mos e € possivel se aprofundar, e os participantes das mesas redondas ofereceram visies nem sempre coincidentes @ respeito dessas questdes. 46 Pesquisa qualitativa em educagao Por exemplo, em muitas ocasides se defendeu o uso de uma ou outra metodologia con- forme sua pertinéncia ou adequacao a natureza do objeto/sujeito de estudo. A légica dessa argumentacao considera que, identificado um problema de pesquisa, devemos adotar uma metodologia coerente com a natureza do objeto de conhecimento ¢ finalidade do estudo. ‘Ao estudante € recomendado que reflita sobre o contexto epistemol6gico ¢ a natureza do “problema” de pesquisa; o que deseja pesquisar; por que e para que; e que escolha o método adequado. Mas esse proceso nao é algo tao neutro e linear. Realmente, em fungao de que se escolhem ou identificam uns ou outros objetos/sujeitos de pesquisa? Consideramos que © termo kuhniano de paradigma, entendido como artefato cultural que nos socializa em determinadas maneiras de conceber a pesquisa educacional (sua natureza, fungées, objeto de conhecimento, finalidade...) e suas maneiras de indagagao, serve aqui para ilustrar como uma determinada formagao ~ socializacao metodoldgica ~ nos permite ou conduz a cons- truir determinados objetos/sujeitos de pesquisa, e nao outros. Nesse sentido, o panorama da formagéo metodolégica atual nos planos de estudo é muito mais amplo do que era ha uma década; entretanto, o peso da tradicéo de pesquisa ¢, portanto, da formagao de pesquisa nos pressupostos, digamos, convencionais, dificulta que o estudante/o pesquisador/a equipe de pesquisa, a pessoa construam ou identifiquem outros objetos de pesquisa diferentes ou alternativos simplesmente porque nao teve a opor- tunidade de conhecer, desenvolver outros processos, construir, dialogar a respeito de enfo- ques complementares. O “olhar” do pesquisador constréi determinada realidade. Por isso, entre outros motivos, a importancia da formagao em pesquisa qualitativa. Perspectivas tedrico- -epistemoldgicas na pesquisa educacional 3. Perspectivas tedrico-epistemoldgicas na pesquisa educacional 3.1. Introdugado E necessario esclarecer e fundamentar a terminologia que na atualidade impregna os discursos tedricos, conceituais e metodolégicos a respeito da pesquisa social ¢ educacional, entre outros motivos, porque é frequente encontrar o uso de determinados termos de forma diferente e inclusive, as vezes, contraditéria, para referir-se em algumas ocasides a enfo- ques epistemolégicos, a perspectivas teéricas € inclusive a métodos concretos de pesquisa. Por exemplo, como afirma Crotty (1998), € comum identificar “interacionismo simbdlico”, “etnografia” € “construcionismo”, em um mesmo nivel, como “metodologias”, “enfoque” ou “perspectivas”. “A etnografia € um método (‘methodology’, no original). £ um dos muitos projetos de pesquisa que guiam o pesquisador na selego de estratégias e procedimentos (‘methods’ no original) ¢ perfilam seu uso. O interacionismo simbélico € uma perspectiva teérica, que informa uma ampla série de métodos, incluindo algumas formas de etnografia. Como perspectiva teérica, constitui uma aproximagio compreensao ¢ explicagao da sociedade ¢ do mundo e fundamenta uma série de premissas que os pesquisadores assumem ¢ incorporam ao método selecionado. O construcionismo & uma epistemolagia inserida em muitas perspectivas te6ricas, incluindo o intera- ico. Uma epistemologia é uma forma de compreender e explicar como conhe- cionismo simb ‘cemos o que sabemos* (Crotty, 1998: 3) Nao voltamos a insistir aqui no que jé foi dito no capitulo anterior a respeito da im- portancia da fundamentacao epistemolégico-tedrica da pesquisa social e educacional e, por- tanto, de que os pesquisadores e também os alunos possuam certo nivel de conhecimento sobre essas dimensées. Bastam as palavras de Dendaluce e de De Miguel: 48 Pesquisa qualitativa em educacao “a dimensio epistemol6gica € uma dimensio que muitos pesquisadores nem mesmo abordam_ ou que desatendem, quando na realidade esta na base de muitos comportamentos e decisdes metodolégico-técnicas posteriores” (Dendaluce, 1999: 365) ‘precisamos familiarizar-nos com 0s novos caminhos na busca de conhecimento e ser coerentes com ela. Mais do que nunca, nés pesquisadores necessitamos de uma reflexdo maior sobre 0 sentido do que fazemos, os procedimentos que utilizamos € a utilidade que nos oferecem” (De Miguel, 1988: 76). Daqui para frente, e baseando-nos fundamentalmente no trabalho de M. Crotty (1998), The Foundations of Social Research, apresentamos as diversas teorias do conhecimento, isto é, epistemologias e perspectivas tedricas que informam e subjazem aos processos de pesquisa (Tabela 3.1) Poderiamos nos perguntar se as perspectivas epistemolégicas incluem as tedricas, e, seguindo com essa argumentacao, se as tedricas levam a certos métodos e procedimentos instrumentais ¢ analiticos. Isso nos conduz a uma das questées mais debatidas entre 6s iife- rentes autores: se existe uma relagio direta e univoca entre os niveis indicados (epistemo- logia> perspectiva tedrica> método> estratégias) ou se, pelo contrario, s4o independentes. Tabela 3.1 Principais perspectivas, tedricas e metodoldgicas, na pesquisa social. Adaptado de Crotty (1998: 5) Perspectivas case oi ps wlogicas | Perspectivas tedricas | Metodos procedimentos de coleta andlise de dados = Objetivismo. = Positivismo (e pos- = Pesquisa = = Amostragem. = Construcionismo. positivismo). experimental. = Questionério. ‘© Subjetvismo(e | * Interpretativismo: = Estudode campo. | » Observagéo. seus variantes). * Interacionismo = Etnografia Entrevista simbélico. = Pesquisa * Fenomenologia fenomencé ica. = Escales. r a = Grupos de discusséo. = Teoria . 2 tic (Crt . vid Teoria critica (Critical fundamentada. Historias de vida. inquir, a | m Narrative, 1 Pesquise-aeao. = Feminismo, ee ss Estratégias etnograficas. = Pos-Modernismo ete arase ee ss Redugdo de dados. = Identificagao de temas. = Anélise comparativa = Anélise documental = Anélise de conteddo. = Andlise estatistica, Capitulo 3_ Perspectivas teérico-epistemolégicas na pesquisa educacional «49 Essa questdo, tipicamente relacionada com os aspectos de “incomensurabilidade” € “complementaridade” paradigmética, foi abordada no capitulo anterior. Nele apresentamos quais sao as diversas posturas defendidas ¢ nossa opiniao. Basicamente, reconhecemos que também os métodos mais puramente qualitativos, como, por exemplo, a “etnografia edu- cacional”, podem desenvolver-se a partir de enfoques positivistas fundamentados em uma ontologia objetivista (j4 foram vistos outros exemplos no final do item 2.4), e que, como mais um exemplo, a “quantificagao” nao leva exclusivamente a uma abordagem positivista. Entretanto, admitidas essas e outras casuisticas, cabe reconhecer que 0 positivismo, tal como € hoje entendido, nao seria positivismo sem referéncia a uma epistemologia objetivis- ta, € 0 mesmo acontece com as perspectivas epistemol6gicas que sobrevivem as abordagens interpretativas e criticas, como veremos ao longo deste capitulo. Com relagao a possibilidade de englobar determinadas posturas epistemolégicas ¢ te6- ricas sob a denominagao de “paradigma”, queremos fazer alguns comentarios. Atualmente, © termo *paradigma’, tradicionalmente utilizado para aludir a articulagéo entre determi- nadas perspectivas epistemologicas ¢ tedricas, tem caido em certo desuso, porque, com fre- quéncia, significa certa intolerancia, visdo estética ¢ reducionista da diversidade de tipos de pesquisa existentes (Atkinson et al., 1988). “nao se trata de prescindir totalmente da ideia de paradigmas, mas de salvar as preocupagées ue se refletem nos distintos paradigmas” (Dendaluce, 1998: 13) Atualmente, encontramos um maior uso dos termos perspectivas ou tradigdes em relacao a “paradigma” para referir-se a sistemas nao to fechados em si mesmos e mais facilmen- te utilizdveis pelos pesquisadores, qualquer que seja seu “paradigma’” de adesio (Cerque, 1997). Como afirma esse autor, as diversas orientacdes tedricas levaram os pesquisadores ao longo desses anos a se questionarem ¢ emoldurarem seus trabalhos dentro de tradices teGricas que trouxeram uma grande variedade de perspectivas te6rico-metodolégicas (ver Capitulo 7). E como afirmam Taylor e Bogdan (1987) com relacao pesquisa qualitativa: “da perspectiva te6rica depende o que a metodologia qualitativa estuda, como estuda, e em que € interpretado aquilo que é estudado” (p. 23). 3.2. Perspectivas epistemolégicas na pesquisa socioeducacional Do ponto de vista etimolégico, o termo grego epistemologia ¢ formado pelos vocabulos episteme (conhecimento, saber...) e logos (teoria). £ 0 estudo do conhecimento cientifico. A epistemologia, ou teoria do conhecimento, é aquele conjunto de saberes que é objeto de estudo da ciéncia (sua natureza, sua estrutura, seus métodos). As questdes centrais dessa disciplina filos6fica fazem referéncia a quais s4o a natureza, a estrutura e os limites do co- nhecimento humano, o que é a ciéncia € quais sdo 0 critérios de demarcagio para alcanar um conhecimento cientificamente aceitavel. 50 Pesquisa qualitativa em educagao Uma perspectiva epistemoldgica é uma forma de compreender e explicar como conhece- mos 0 que sabemos: Que tipo de conhecimento obteremos em uma pesquisa? Que caracte- risticas ter esse conhecimento? Que valor podemos dar aos resultados obtidos? Bssas, entre outras, so questdes epistemol6gicas. Cada postura epistemolégica é uma tentativa de explicar como obtemos um determi- nado conhecimento da realidade ¢ de determinar o status que se deve atribuir as interpreta- ‘Ges que realizamos e as compreensdes que alcangamos. Crotty (1998) identifica trés pers- pectivas epistemol6gicas fundamentais: 0 objetivismo, 0 construcionismo e o subjetivismo. 3.2.1. Objetivismo 0 objetivismo epistemolégico sustenta que todo o apreendido é independente do sujei- to que apreende. Essa perspectiva epistemolégica defende que a realidade e o significado da realidade existem independentemente da operacao de qualquer consciéncia sobre elas. Assim, a verdade € 0 significado estéo nos objetos independentemente de qualquer cons- ciéncia. Essa ideia teve suas origens na antiga filosofia grega ¢ foi incorporada ao realismo escoldstico ao longo da Idade Média, alcangando seu auge na época do Iluminismo. A ideia de que existe uma verdade objetiva que podemos conhecer através do uso adequado de métodos de pesquisa e obter determinado conhecimento dessa verdade foi o fundamento epistemol6gico predominante da ciéncia ocidental. Algumas vezes houve a tendéncia de identificar essa perspectiva epistemolégica exclu- sivamente com as premissas que subjazem ao positivismo ¢, por extensao, aquilo que de forma geral podemos denominar metodologias de pesquisa quantitativas ou empfrico-ana- liticas. Entretanto, embora sendo certo que determinadas perspectivas tedricas estiveram tradicionalmente vinculadas a certas epistemologias, qualquer método de pesquisa pode ser desenvolvido de um enfoque positivista ou nao positivista (tomamos de novo aqui as palavras de Bentz e Shapiro (1998: 28): “a recente filosofia e sociologia da ciéncia enfatizam o grau em que 0 conhecer esté sempre inserido em uma histéria ¢ em um contexto cultural e social. Desse ponio de vista, qualquer enfoque do conhecimento, seja objetivista ou subjetivista, pode ser positivista se nao levar em consideragao 0 contexto hist6rico amplo em que o conhecimento é gerado” Por exemplo, Hammersley (1992) nos lembra de que a maioria dos primeiros estudos etnograficos se desenvolveu sob este espitito, de uma visao objetiva, que, considerava que agindo de maneira adequada, seria possivel objetivar os valores e as concep¢bes das pessoas; ‘assim, no inicio do século XX, 0s pesquisadores que realizavam estudos de casos assegura- vam que construiam leis 3.2.2. Construcio: A origem do termo construcionismo e particularmente construcionismo social deriva em grande parte dos trabalhos de Karl Manheim (1893-1947) ¢ da obra de Berger e Luckmann Capitulo 3_ Perspectivas tedrico-epistemolégicas na pesquisa educacional «51 The Social Construction of Reality (Berger e Luckmann, 1967), embora suas bases possam ser encontradas jé em Hegel e Marx. A epistemologia construcionista rejeita a ideia de que existe uma verdade objetiva esperando ser descoberta. A verdade, o significado, emerge a partir de nossa interagio com a realidade Nao existe o significado sem uma mente. O significado nao se descobre, mas se cons- tri. Dessa perspectiva, assume-se que diferentes pessoas podem construir diversos signifi- cados em relago a um mesmo fenémeno. contextos essencial- mente sociais. 0 conhecimento se constréi por seres humanos quando interagem com 0 mundo que interpretam. Nessa perspectiva, o conceito de intencionalidade que sustentava a filosofia escolastica é fundamental: 0 ser humano é um ser-no-mundo. Nao cabe a famosa GSES TD eSeAES EARLE IH HO| HEHE) ERE|CORPO|E MUN. A intencionalidade re- mete a uma ativa relagdo entre a consciéncia do sujeito e o objeto da consciéncia do sujeito (Wright, 1993). A consciéncia se dirige a um objeto; o objeto se perfila pela consciéncia. Nessa forma de pensamento que nos introduz a intencionalidade, a dicotomia subjetivo/ objetivo nao pode se manter. Sujeito e objeto, embora possam ser distinguidos, estéo sem- pre unidos. Desde o construcionismo, o significado, a verdade, nao pode ser descrito sim- plesmente como “objetivo”, mas tampouco como simplesmente “subjetivo”. Objetividade e subjetividade sdo mutuamente constitutivas. Tanto Crotty (1998) como Schwandt (1994) distinguem entre os termos “construcio- nismo” e “construtivista”, este tiltimo bastante difundido na literatura sobre pesquisa quali- se ao “paradigma construtivista” de Guba ¢ Lincoln (1990a; 1990): tativa para referi “seria itil reservar o termo construtivismo para aquelas consideragbes epistemol6gicas centradas exclusivamente na ‘atividade da mente individual para gerar significado’ e utilizar construcio- nnismo quando queremos enfatizar a ‘geracao coletiva {e transmissdo) de significado” (Crotty, 1998: 58) construcionismo dirige sua atencao para o mundo da intersubjetividade compar- tilhada, € a construgao social do significado ¢ o conhecimento, para a geracao coletiva do significado, tal como se perfila pelas convengGes da linguagem e outros processos sociais. 3.2.3. Subjetivismo A epistemologia subjetivista aparece nas formas de pensamento estruturalistas, pés-estru- turalistas ¢ pés-modernas. O subjetivismo sustenta que 0 significado nao emerge de uma interagio entre o sujeito e 0 objeto, mas imposta por aquele sobre este. Nessa perspectiva, 0 objeto nao realiza nenhuma contribuicao a geragao de significado. 52 Pesquisa qualitativa em educagao 3.3. Perspectivas tedricas na pesquisa socioeducacional ‘A complexidade das relagdes que se estabelecem entre principios filos6ficos e onto- légicos e suas derivagoes epistemol6gicas se reflete nas diversas tradigdes ou perspectivas tedricas existentes no ambito das Ciéncias Humanas e Sociais. Crotty utiliza 0 conceito de perspectiva tedrica para representar a postura filosdfica subjacente a uma metodologia e que proporciona um contexto e uma fundamentagao para o desenvolvimento do processo de pesquisa e uma base para sua légica e seus critérios de validagao. Tradicionalmente, foram identificadas trés perspectivas te6ricas ou tradigdes (positi- vista, interpretativa € sociocritica) que constituem parte de nosso legado filoséfico e que adotam posturas divergentes ao responder as seguintes questées essenciais, entre outras, em relacdo & construgao do conhecimento cientifico: Qual é a natureza do conhecimento? O que se entende por um conhecimento racional? Que critérios de racionalidade se usam para elaboré-lo € legitimé-lo? Que enfoque e procedimentos so os mais adequados para indagar sobre os fendmenos socioeducacionais? Qual deve ser a finalidade desses processos? Essas respostas variarao em fungao do enfoque epistemoldgico adotado, da nogao de ciéncia que se defenda e da concepcao de conhecimento que se tenha. £ necessdrio, por- tanto, observar os aspectos mais relevantes das diversas perspectivas te6ricas utilizadas para fundamentar a cientificidade da pesquisa socioeducativa: positivismo, interpretativismo (in- teracionismo simbélico, fenomenologia, hermenéutica) teoria critica. Também nos apro- ximaremos de alguns enfoques mais recentes, como 0 feminismo ¢ 0 pés-modernismo. 3.3.1. Positivismo e pés-positivismo A filosofia positivista e sua tentativa de unificacao cientifica influenciou de maneira absoluta a epistemologia contemporanea, propiciando formas de indagacao que prevalece- ram no 4mbito das ciéncias sociais e humanas até poucas décadas atrés e orientando formas particulares de construgao e validacao do conhecimento cientifico. 0 positivismo defende trés teses: uma tese de Jegalismo, segundo a qual o conhecimen- to que merece chamar-se ciéncia deve descobrir as normas ou leis do funcionamento dos objetos reais; uma tese de empirismo, segundo a qual 0 conhecimento objetivo € cientifico encontra sua garantia de verdade na observacao empirica dos objetos particulares, € final- mente uma tese de pragmatismo ou tecnologismo, segundo a qual a ciéncia deve fazer possivel a precisio e o controle racionais dos eventos da realidade natural e social. Dessas teses se derivam algumas atitudes relevantes no positivismo: uma atitude favo- ravel diante da ciéncia (@@sfavoravelldianteldalmetalisica; uma atitude em extremo favo- rdvel ao denominado método cientifico ¢ 4 suposta unidade das ciéncias em virtude desse método; uma atitude favoravel 8 tecnologia e alguma(@onsequente techOeraciayessim como grande confianca no progresso. Vejamos a seguir uma breve exposicao da evolugio histérica dessa tradicéo, ¢ depois uma apresentacao de suas caracteristicas mais importantes. Capitulo 3_ Perspectivas tedrico-epistemolbgicas na pesquisa educacional 58 33.1.1. Origens do positivismo: breve histéria O que hoje conhecemos como “positivismo”, também denominado racionalidade téc- nica ou razdo instrumental, é herdeiro de toda uma tradigao intelectual que remonta a Hume e & filosofia do Iuminismo. Os trabalhos de David Hume no século XvIn tiveram grande influéncia na configuracao do positivismo, ao estabelecer uma distingao entre o conhecimento que pode ser extraido sobre a relagao entre proposigdes légicas ¢ o conheci- mento sobre as relagdes entre fatos empiricos, estabelecendo as bases doflimites da indugao. O termo “positivismo” foi cunhado por Auguste Comte (1798-1857) no século XIX para designar 0 conhecimento cientifico, ponto culminante do saber humano, terceira e Uiltima etapa do desenvolvimento do conhecimento humano alcangado depois do perio- do “teolégico” e “metafisico”. O termo se popularizou através dalSSGBEIPSIEMBe, que cle fundou em@B48pe logo substituiu a utilizagdo de outros termos como “ciéncia positiva” “filosofia positiva”. . Nas primeiras décadas do século XX, os continuadores do(@iipitismo|de|Humejcon- figuraram 0 denominado@GieuloldeMieha®. Em seus primérdios, encontramos 0 filésofo social Otto Neurath, 0 matemético Hans Hahn € o fisico Philip Frank. A segunda década foi uma época de auge para os pensadores do grupo, liderado desde 1920 pelo fisico Moritz Sclick. Embora no inicio dos anos 1930 0 Circulo de Viena tenha sido afetado pela chegada do nazismo e se dissolvido definitivamente em 1938, a dispersao de seus membros ajudou a disseminar o impacto de suas ideias. Autores como Rudolf Carnap, Carl G. Hempel, Hans Reichenbach e o pri stein conformam um novo movimento denominado in- 1 CHAPIASMONSRIEOD O atributo de “égico” foi acrescentado para indicar 0 apoio que 0 renovado positivismo obteve dos novos desenvolvimentos em l6gica formal. 0 foco de interesse do Circulo de Viena foi introdu- zit os métodos ¢ a(@Ratidad|lda|imiatemiatica ao estudo klalilOSOfiajjassentando as bases que “ uniam verdade e significado, de maneira que nao podia existir outro genuino conhecimen- to além do que o da ciéncia. Foram excluidas a metafisica, a teoria ¢ 4{@fi€ajo dominio de um verdadeiro conhecimento humano. 0 positivismo, a ad@tao de uma nocdo limitada do método cientifico nao s6 como uma prescrigao para desenvolver pesquisa e produzir conhecimento, mas também como uma vi- sdo compreensiva, uma ideologia social e uma definicao do significado da vida, é uma forsa importante (ahistonia da eulturalmodemiale, em particular, na hist6ria da vida intelectual ¢ da pesquisa. Por isso, o positivismo foi ndo apenas uma filosofia da ciéncia, mas também Uniu determinadas ideias da natureza da ciéncia e do conhecimento com uma nogao da modernidade como progresso cientifico (Bentz e Shapiro, 1998). Concluimos esse percurso histérico com uma sintese das premissas essenciais que so- brevivem ao positivism (Tabela 3.2), que serdo desenvolvidas mais amplamente na pr6xi- ma secao. 54 __Pesquise qualitativa em educacao 3.3.1.2. Caracteristicas do positivismo Como se deduz da breve cronologia apresentada, esta teoria esté fundamentada em dois principios basicos que estruturam ¢ limitam o discurso positivista, e que poderiamos caracterizar como verdadeiras concepgGes ontolégicas a respeito da natureza do mundo. Trata-se do principio empirista-fenomenista e do formalista-nominalista (Angulo Rasco, 1993). © principio empirista-fenomenista. Este principio defende que sé é possivel co- nhecer aqueles fenémenos que percebemos através dos sentidos e se manifestam na expe- riéncia. A realidade existente pode ser conhecida como é, sempre que formos capazes de capté-la de maneira adequada. O conhecimento esté contido nos fatos e, portanto, o pesqui- sador deve limitar-se a comprové-los, reuni-los e sintetizé-los por um processo de abstragao que os faca suscetiveis de um manuseio eficaz. Tabela3.2 — Premissas do positivismo. Com base em Usher (1996: 12-13) Premissas do positivismo =O mundo é objetivo e independente das pessoas que o conhecer jue podem ser descobertos por meio da observagao sistematica e da utlizagao dos métodos cientificos adequados e assim explicar, predizer e controlar os eventos. = Existe uma separagao clara entre sujeitos e objetos. Também entre fatos e valores. 0 pesquisador se interessa por fatos, e o subjetivo (as préprias premissas e valores) nao deve interferir no descobrimento da verdade. = Omundo social é similar ao mundo natural. Portanto, existem ordem e razdo no mundo social, explicitados em relagdes de tipo causa-efeito; 0s acontecimentos ndo vém de forma aleatéria e arbitréria = Dobjetivo da pesquisa, comum as ciéncias naturais e sociais, ¢ desenvolver leis universais e gerais que expliquem o mundo. = Todas as ciéncias estdo fundamentadas no mesmo método de conhecer o mundo. As ciéncies naturais ¢ sociais compartilham uma légica comum e uma metodologia de pesquisa. A linguagem cientifica ou tedrica nao contribui em nada para os dados empiricos, isto €, os fatos nao estéo determinados pelos conceitos que utilizamos para descrevé-los € explicé-los. Nesta colocacio, os fatos estao infradeterminados pela teoria e é dada mais importancia ao objeto do que ao sujeito como determinante do conhecimento (Sokal e Bricmont, 1999). + 0 principio formalista-nominalista. Dado jé 0 passo de reduzir todo enunciado cientifico a linguagem fisicalista, 0 elo seguinte consiste na construcao de uma{lin® jue expresse adequadamente a estrutura da realidade. Esta formalizagao se desenvolve mediante uma série de enunciados que envolvem deri- vagdes légicas e contrastagdes empiricas que devem possuir coeréncia interna e ser concordantes com os fatos. Capitulo 3 Perspectivas tedrico-ef As ciéncias empiricas devem satisfazer a determinados requisitos légicos e, em par- ticular devem adapts is formals derivadas lia maleate. Aa 6 valor sintatico da linguagem € assegurado pela constituicao légica, e o valor seman- tico, por sua ancoragem com os dados empiricos. “Ao aceitar que as ciéncias sao reduziveis a clculos légicos axiomatizados, o critério de significatividade empirica completado com a ldgica matematica passa a ser o fundamento principal da teoria da ciéncia” (Echeverria, 1999: 26). A metafisica € considerada, portanto, estéril do ponto de vista cientifico, porque esta construfda sobre enunciados sem correlato empirico do ponto de vista légico. remologicas na pesquisa educacional__55 Desses dois principios se deduzem uma série de premissas epistemoldgicas sobre os cri- térios de demarcagao e as caracteristicas do conhecimento cientifico que fundamentam as modalidades distintas de sua produgao, leia-se métodos de pesquisa, que vinham sendo predominantemente utilizados na educacio até poucos anos atrés (Tabela 3.3). Essas pre- miss so independéacia suet distingdo entre contexto de descobrimento ie justificativa, Tabela 33 _Principios e premissas do positivismo Positivismo Princfpios basicos = Principio empirista-fenomenista. = Principio formalista-nominalista. Moniismo metodolégico. Explicagéo causal Objetividade e independéncia sujeito-objeto Neutralidade axiolégica Universalidade da teoria Contexto de descobrimento versus contexto de justificagao. Premissas fundamentais Monismo metodolégico. Defende-se que 0 método das ciéncias naturais (0 cien- tifico) é 0 ideal para a compreensao racional da realidade e por isso deve ser es- tendido as ciéncias sociais ¢ da educacao (Wright, 1980) QNCERENSCORTENTETTS, -proporciona uma atitude neutra, © método a ser usado pela pesqui- era et SRSGMDGEUNIERE. ce proposes peat hpi, que devem ser contrastadas por meio da observacao e do experimento. Essa mo- dalidade de validar hipéteses (que assume o falsificacionismo Popperiano) seré 0 56 _ Pesquisa qualitativa em educagao ctitério de demarcagao entre o conhecimento cientifico ¢ o resto de conhecimentos que se consideram nao cientificos. Essa tentativa de unificacio metodolégica esté fundamentada, além do mais, em uma ideia amplamente defendida pelo positivis: mo e que seré objeto de sérias criticas da concepcdo interpretativag{ajumidademetoe) + Explicacao causal. O modelo de explicagao usado nas teorias cientificas deve ser 0 da explicagao causal, que sustenta as construgGes tedricas produzidas pelo método cientifico. A explicagio causal entende todo fenémeno como “um estado sucessivo de coisas” coberto (explicado) por uma lei cientifica, isto €, todo evento deve ser deduzido logicamente a partir de uma conexdo invaridvel entre eventos empiricos (lei) (Wright, 1980). Essa explicagdo causal pode adotar dois submodelos: 0 nomo- l6gico-dedutivo e o indutivo probabilistico (Hempel, 1969). + Objetividade e independéncia sujeito-objeto. Defende que o mundo natural tem uma existéncia propria, que é independente da pessoa que o estuda. O mundo social, 0 do ensino, existe como um sistema de varidveis. O conhecimento cienti- fico é uma “cépia” do funcionamento do mundo. As proposigées que nao podem ser confirmadas por dados empiricos, além de nao serem cientificas, carecem de falta de sentido (Carnap ef al., 1938). O conhecimento cientifico é objetivo porque descreve a realidade tal como €. Essa descrigéo nao implica inferéncia alguma nem pressupostos filosGficos de nenhum tipo. Essa neutralidade ontoldgica defende que 08 fatos so independentes de interpretagbes € teorias (Schlick, 1936). + Auséncia de valores. Além da neutralidade ontolégica, o positivismo exige uma neutralidade axiolégica’ A Ciéncia esta livre de valores e se dedica exclusivamente a des- cobrir relagdes entre os fatos (Echeverria, 1999). A ciéncia é uma atividade que nao tem outro interesse além do “conhecer” em si. mesmo. Os pressupostos cientificos sao alheios aos fins lores dos individuos Universalidade da teoria. A teoria é universal. Na vinculada a nenhum contexto especifico nem as circunstdncias em que se formulam as generalizagies. + Distingdo entre contexto de descobrimento, contexto de validagao e con- texto de aplicagao. 0 contexto de descobrimento (ou seja, 0 modo como os cien- tistas realizam conjeturas ¢ hip6teses) € negado ou negligenciado pelo positivismo. Argumenta-se que, por ser um contexto em que cabe a “opiniao subjetiva”, con- dicionada por fatores psicoldgicos ¢ sociolégicos, nao deve centrar a atengéo da Ciéncia. Esta deve preocupar-se sobretudo com a reconstrugao racional do conhe- cimento, centrando-se nos pressupostos l6gicos ¢ metodolégicos da pesquisa, isto é, aqueles que pOSaniSeravalladostintesUbjetivaMeRte mediante procedimentos l6gicos reconhecidos (Reichenbach, 1953). Capitulo 3_Perspectivas tedrico-epistemolégicas na pesquisa educacional 57. Todas essas abordagens ontoldgicas e epistemolégicas foram qualificadas, respondidas, reformuladas e, em certas ocasiGes, rejeitadas, tanto no 4mbito da epistemologia das cién- cias naturais quanto no de outras tradigdes. Dedicamos a segao seguinte a exposicio dos aspectos mais importantes dessas criticas. 33.1.3. Principais objecdes aos postulados positivistas + Critica a0 monismo metodolégico. Habermas (1982) critica convincentemen- te o monismo metodolégico positivista, negando a unidade metodolégica entre as Ciéncias Naturais ¢ as Sociais. Para Habermas, a ciéncia positivista realizou um in- vestimento na relacéo Epistemologia—Ciéncia. Defender, como faz 0 positivismo, que s6 existe um tinico método cientifico que deve ser o juiz para legitimar os de- mais conhecimentos é 0 mesmo que justificar toda Epistemologia a partir dos para- metros positivistas, quando, na realidade, deveria ser 0 contrario. A Ciéncia é uma a mais entre as diversas formas de conhecimento. Nao pode ser ela quem estipula as regras com as quais qualquer outro tipo de saber sera julgado: “se queremos seguir 0 processo de dissolugio da teoria do conhecimento, cujo lugar foi ocu- ado pela teoria da Ciéncia, temos de remontar-nos a fases abandonadas da reflexio. Voltar a percorrer esse caminho a partir de um horizonte que aponta para seu ponto de partida pode ajudar-nos a recuperar a experiéncia perdida da reflexao. Porque o positivismo é isto: 0 renegar da reflexdo” (Habermas, 1982: 9) Por sua vez, Martinez (1982) afirma que a idolatria do método vem dos grandes re- sultados que seu uso proporcionou no campo das Ciéncias Naturais; mas esses bene- ficios nao podem ser atribuidos ao método em si, mas a seu alto nivel de adequagao a0 objeto de estudo das Ciéncias Naturais, que é, na verdade, estatico e passivo. Essa adequacio seria infima em relacao ao objeto de estudo das Ciéncias Humanas, entre elas a Educagao. Certamente, o positivismo se mostra incapaz de captar a totalidade e globalidade da patureza dos fendrmenos educactonats, por. a) + Critica 4 explicagao causal. Frente ao postulado positivista, que defende que a -tealidade social (a da educagio) é unicamente objetivavel por referéncia aos fatos empiricamente estabelecidos, por sua vez, a tradigao interpretativa afirma que 0 ctitério basico de validade sao os significados imediatos ¢ locais das aces, conforme se definem a partir do ponto de vista dos atores sociais (Erickson, 1989). Defende- se que toda acdo esta determinada em tltima instancia pelos significados do ator, as aces humanas s6 podem ser interpretadas (compreendidas) por referéncia aos motivos do ator. Essa é a diferenga que Von Wright (1993) estabelece entre explica- fio © compreensao. + Critica a objetividade. A partir das posigdes da epistemologia contemporanea néo se aceita que 0 conhecimento cientifico reflita e descreva a realidade do objeto tal qual € € que isso se deva ao fato de que este seja livre de valores (Chalmers, 1982) 58 Pesquisa qualitativa em educagao ‘Atualmente, se aceita que é um erro defender que os enunciados observacionais so em sua origem totalmente independentes das interpretacGes tedricas aplicadas. ‘A observagio, como qualquer outra forma de ago social, s6 pode ser entendida se a relacionarmos ao contexto em que corre! nos traz, de modo impli Ges € 0s conceitos disponiveis e compartilhados socialmente por meio dos quais elas tém sentido (Codd, 1989). Atualmente, é amplamente aceito que nao conhecemos “fatos puros”, mas que es- ses fatos, ao fazerem parte de nosso conhecimento, passam a ser vistos de outro modo. O que um observador vé depende 1 jeto de observagao, mas também do que ianson,1958). Quando tenta captar um sistema implicito nos fatos da natureza, todo observador est influenciado pelos instrumentos que utiliza, as teorias que conhece ou seus ntre outros fatores que 0 “obrigam” a ver as coisas de uma determinada maneira, sendo-lhe impossivel livrar-se desses esquemas de percepgao. * Critica & auséncia de valores. Em seu trabalho Ciéncia ¢ téonica como ideologia, Habermas (1984) demonstra a impossibilidade de a Ciéncia ser uma atividade livre de valores. A Ciéncia como atividade social esta impregnada dos valores de quem a desenvolve; valores € interesses frequentemente confrontados. Em seu intento por separar 0s fatos dos valores que se percebern como desvios para 0 conhecimento, que na realidade o ponto de vista positivista faz e seus valores sociais e educativos. Portanto, em lugar de resultar neutro ¢ assépti- co, como pretende, 0 que consegue é uma espécie de{@OUtFinagao UE SEUSPFOPHOSD “0 enfoque cientifico da educagio nao elimina os contetidos normativos € filos6ficos. Simples- mente os evita, mediante sua adesdo nao critica aos pressupostos filos6ficos entrincheirados em sua propria perspectiva, cuja aceitacao € principiante para ser admitida na comunidade cienti- fica” (Carr e Kemmis, 1988: 91). 3.3.2. Interpretativismo 33.2.1. Pressupostos basicos e objecées ao interpretativismo A perspectiva interpretativa surgiu como reacao a tentativa de desenvolver uma Ciéncia Natural dos fenémenos sociais. J4 dissemos que a partir dessa postura rejeitou-se a ideia de que os métodos das Ciéncias Sociais devem ser idénticos aos das Ciéncias Naturais. Defende-se que as ciéncias mentais (Geisteswissenschaften) ou culturais (Kulturwissenschafien) diferem das naturais em um objetivo fundamental: as primeiras procuram a compreensdo (Verstehen) do significado dos fendmenos sociais, enquanto as segundas pretendem sua ex- plicagao cientifica (Erkldren) (Schwandt, 1994). \oldgicas na pesquisa educacional 59 Alguns autores identificam essa diferenca apelando para as linhas nomotética e idiogré- fica da ciéncia, respectivamente. No ambito fisico-natural, a ciéncia procura consisténcias, regularidades, vai em busca de leis (‘nomos"), focalizando fenémenos mais abstratos, que exibem regularidades mensurdveis e empiticas. Quando nos referimos a questées humanas, por exemplo, estudos histéricos ou de interagao social, preocupamo-nos com o individuo (“idios”), nos concentrando em aspectos tinicos, individuais e qualitativos. O enfoque inter- pretativo desenvolve interpretagées da vida social e do mundo sob uma perspectiva cultural € historica. Weber é considerado 0 precursor dos que vieram a defender a compreensdo versus a ex- plicagao, mas a discussao a respeito de os métodos das Ciéncias Humanas e Sociais diferirem daqueles das Ciéncias Naturais jé se encontra em outros autores, como Dilthey. 0 que hoje conhecemos como verstehen, ou enfoque interpretativo, foi aparecendo ao longo da Histéria sob diversos aspectos. Crotty (1998) considera trés perspectivas fundamentais que deram lugar a seu nasci- mento: a htermenéutica, a fenomenologia ¢ 0 interacionismo simbélico. A grande diversidade de correntes € escolas que se englobam na tradicdo interpretativa nao impede que todas elas compartilhem uma série de aspectos comuns a respeito da natureza da realidade a que se aproximam. Vamos expor os pressupostos basicos do interpretativismo para mais a frente nos aproximarmos de forma particular as correntes diferenciadas (Tabela 3.4). Tabela 3.4 Consideragdes basicas do interpretativismo Natureza interpretative pesquisa (Giddens, 1979). =O contexto como um fator constitutive dos significados sociais (Erikson, 1989). = Oobjeto da pesquisa é a agao humana (por oposi¢ao a conduta humana), e as causas dessas agées residem no seu significado, interpretado pelas pessoas que as realizam, em vez de residirem na semelhanga de condutas observadas (Van Maanen, 1983). O objeto da construgao teérica é a compreensao teleolégica, em vez da explicagao causal (Wright, 1980) ‘mica e simbélica de todos os processos sociais, incluindo os de (Glaser e Strauss, 1967). Todas essas caracteristicas comuns podem integrar-se em dois conjuntos de conside- rages que Wilson (1977) define como dimensao qualitativo-fenomenol6gica e ecolégico- naturalista + Na primeira delas, se afirma que as praticas humanas sé podem fazer-se inteligiveis se for acessado 0 ponto simbélico em que as pessoas interpretam seus pensamentos € suas aces. Compreender as ages humanas é 0 mesmo que colocar nossa atencao \8 Pesquisa qualitativa em educagao na vida interior € subjetiva dos atores sociais. Vida subjetiva que € dindmica, e nao estética, € mutuamente constitutiva da estrutura social na qual se insere (Apple, 1986). Os seres humanos sao construtores de sua realidade social objetiva, que, por sua vez, os determina. Sob essa perspectiva, as aces educativas sao significativas ¢ no podem ser conside- radas como traqos objetivos de populacées suscetiveis de serem generalizadas nem trol, i |. O conhecimento derivado da pesquisa é utilizado sempre com cardter hipotético € contextual, em virtude das caracteristicas peculiares atuais e hist6ricas do grupo (sala de aula, esco- la etc.) e das experiéncias dos docentes que nele desenvolvem seu trabalho. * Asegunda dimensio que Wilson propée é a naturalista—ecol6gica, que afirma que as agées humanas esto parcialmente determinadas pelo contexto ¢ ambiente em que acontecem. A premissa que emerge dessa hipdtese € que os fendmenos edu- cacionais s6 podem ser estudados na vida real onde se produzem. A partir dessa perspectiva, afirma-se que a natureza dos processos de ensino-aprendizagem s6 pode ser entendida mediante seu exame direto, de maneira que o ambiente em que esses processos se materializam é a fonte de onde devem ser obtidos dados para seu estudo (Geertz, 1987). $6 0 contato direto com essa realidade nos poderé garantir dos das 0s tracos epistemolégicos mais destacados dessa teoria, claramente diferen teses positivistas, podem sintetizar-se nos pontos seguintes. Em primeiro lugar, a partir dessa perspectiva, defende-se que existem notaveis diferen- as ontoldgicas entre processos naturais e préticas humanas.' Essas diferengas se encontram expli- citadas nos trabalhos do segundo Wittgenstein (1988) que representam a virada linguistica da filosofia moderna. Esses trabalhos tém revelado que uma das distingdes essenciais entre processos naturais e praticas humanas esta no fato de que os primeiros sdo relativamente independentes da linguagem usada para descrevé-los, diferentemente das prdticas humanas, que nao sdo. Em outras palavras, os seres humanos diferem dos objetos inanimados em sua capacidade de construir e compartilhar significados por meio da linguagem. Por exemplo, embora os seres humanos descrevam processos como 0 comportamento dos gases ou 0 movimento orbital dos planetas, essas descrigdes nao tem nenhum efeito sobre esses fend- menos. 0 fato de que ao movimento dos planetas seja atribuida uma causa gravitacional ou se afirme que é devido ao flogisto nao tem nenhuma influéncia no movimento deles, que se mantém inalteravel. Entretanto, nao ocorre assim com as praticas humanas. Pelo contrario, elas so parcial- mente constituidas pela linguagem usada para descrevé-las. © O desenvolvimento dessa tese supe uma séria negacio da pretensdo positivista de unidade estrutural entre Ciéncias Naturais e Humanas ~ ’ Capitulo 3 Perspectivas tedrico-epistemolégicas na pesquisa educacional 61 Assim, a caracteristica definidora da “ago humana” seu significado subjetivo, e nem tanto sua consequéncia comportamental ou de conduta. Para Carr e Kemmis (1988), a no- cdo de significado subjetivo esta intimamente vinculada a diferenga entre “aco humana” € “conduta humana”. 0 comportamento humano é principalmente constitufdo por aces, sendo caracteristica definidora destas possuir um sentido para quem as realiza e em torna- se inteligiveis s6 na medida em que se conhece o sentido que Ihe atribui o ator individual. E por esse motivo que as ages sociais néo podem ser observadas do mesmo modo que os processos naturais. As agGes sociais s6 podem tornar-se compreensiveis de acordo com as. intengdes das pessoas que as executam e com o contexto em que acontecem (Erickson, 1989). Os significados sao criados, questionados e modificados durante o desenvolvimento das praticas sociais realizadas pelas pessoas. Se aceitarmos como validas essas argumentaces, estaremos em condigdes de afirmar que sendo préticas humanas a [pOGeH SeFa areas) POF EXPIICAGSES) somo as utilizadas para interpretar os fendmenos naturais, mas apenas podem ser entendidas & luz dos fins e das raz6es que as impulsionam, que, neste caso, é 0 bem-estar das pessoas. As praticas humanas sao entendidas por referéncia aos significados que Ihes outorgam as pessoas que as realizam € nao por explicagdes causais, adequadas, no entanto, para interpretar fendmenos estaveis, regulares € permanentes, como os biol6gicos. Como vimos, em relacao ao interesse positivista pela descrigao e explicagéo do mun- do, a tradicao interpretativa defende a necessidade de compreendé-lo interpretativamente. De fato, Gadamer (1975) ensinou-nos que a hermenéutica, mais do que um método para acessar a realidade, é essencialmente o meio para compreendé-la e a maneira pela qual nos conhecemos existencialmente como seres humanos. Compreensao ¢ interpretagado nao sao caracteristicas especiais de um trabalho disciplinar, nem uma metodologia especifica que possa st licada para desenvolver o conhecimento. Em um sentido nitidamente existen- st Ge SaaS oma nln srr ‘ser e existir. Essas abordagens epistemolégicas, no entanto, tampouco estiveram isentas de criticas € matizacoes. De um lado, partindo de posices empirico-analiticas, assegurou-se que essa aborda- gem Outra linha de criticas € a formulada pela tradicao sociocritica. Carr e Kemmis (1988) afirmam que a Ciéncia social interpretativa se preocupa, de maneira reducionista, exclusi- vamente em esclarecer as intengbes € os significados dos atos sociais. De outro lado, afir- mam que 0 enfoque interpretativo, ao separar os ambitos das Ciéncias Naturais (explicagao) € as Sociais (compreensao), exclui a possibilidade de pesquisar sobre certos aspectos da re- alidade social que o enfoque sociocritico considera de maxima importancia; aspectos como, por exemplo, a origem da interpretagao que os individuos fazem da vida social, 0 conflito, a mudanga social. 62 Pesquisa qualitativa em educacdo Esse aspecto € considerado o principal defeito da tradicao interpretativa (Habermas, 1984). Isto é, se o enfoque interpretativo admitir que a realidade social se constr6i a partir dos significados subjetivos das pessoas, nao pode eliminar as questes que determinam em certo grau tais significados — por exemplo, a estrutura social. Para Carr e Kemmis (1988), a realidade social nao nasce a partir das interpretacdes das pessoas, mas ela mesma determina quais devem ser essas interpretagées. A estrutura social, além de ser 0 produto dos significados e atos individuais, produz, por sua vez, significados particulares, garante sua continuidade e, portanto, limita a gama de atos que os individuos podem realizar. Outta critica a essa abordagem concentra-se na sua insisténcia de que a tinica valida- ao as explicagdes da vida social deve ser a de compatibilidade com o autoentendimento dos sujeitos. A objecdo afirma que muitos dos significados do individuo estao distorcidos ideologicamente devido a certos mé cS SRS Assim, a partir de um enfoque interpretativo, € impossivel analis ndimentos distorcidos e os propésitos a que estes servem. O enfoque sociocritico nao aceita que a explicagao interpretativa finalize com a descrigao dos significados dos atores sociais, pois nao € capaz de explicar a relagio entre as interpretacdes que as pessoas fazem da realidade e as condigées sociais sob as quais so produzidas (Carr e Kemmis, 1988). Sob outro ponto de vista, acusa-se a teoria interpretativa de conservadora em relagéo 4 ordem social, incorporando premissas conser ito e a mudanga, pois se conclui que essa teoria percebs das pessoas sobre a realidade, e nao como contradigoes dessa realidade (Popkewitz, 1988). A critica do status quo social nao € uma prioridade na teoria interpretativa. Em resumo, podemos afirmar que as objecdes 4 abordagem interpretativa insistem nos seguintes aspecto: dependén- cia das observacdes € os dados da interpretacao € a teoria, das ciéncias sociais. 3.3.2.2. Correntes fundamentais do i terpretativismo © que hoje conhecemos como Verstehen, ou enfoque interpretativo, foi aparecendo ao longo da Histéria sob diversos modos. Crotty (1998) considera trés correntes, entendidas como perspectivas teéricas que deram lugar a seu nascimento: a hermenéutica, a fenome- nologia € 0 interacionismo simbélico. 3.3.22.1. Hermenéutica Etmologicamente, hermenéutica vem da palavra grega hermeneuein, que significa inter- pretar ou compreender. A origem do conceito atual desse termo pode ser encontrada no século XVII, em relacdo a interpretacao biblica (exegese) e a necessidade de estabelecer um conjunto de regras apropriadas para essa interpretago (hermenéutica). Esse enfoque da Capitulo 3_Perspectivas tebrico-epistemolégicas na pesquisa educacional __ 63 interpretacio biblica inclufa nao s6 uma andlise gramatical, mas também uma anélise do contexto histérico de qualquer acontecimento biblico. Dessa forma, foi necessario apenas um pequeno passo para elevar o conceito de hermenéutica a um nivel de metodologia geral para a interpretagao de todos os textos escritos (Smith, 1993). No século XIX, a hermenéutica evoluiu do status de metodologia filoséfica para uma filosofia do significado de todas as expressGes humanas. Podemos citar autores como Frie- drich Ast (1778-1841) e Friedrich Schleiermacher (1768-1834). Este tiltimo exerceu grande influéncia em Dilthey, que tentou estabelecer a hermenéutica como a metodologia das Cién- cias Culturais ou Morais, desafiando a assercao positivista de que 0 método e a metodologia das Ciéncias Naturais deveriam fundamentar o estudo dos fenémenos humanos. Foi assim que diversos autores comecaram a refletir sobre a prépria natureza do ato de compreender, de maneira que a hermenéutica se reconceitualizou nao sé como uma ferramenta para resolver os problemas da interpretacao textual (hermenéutica filolégica), mas como uma fonte de reflexao sobre a natureza e o problema da compreensao interpretativa em si mes- mo (hermenéutica geral). A hermenéutica, como foi tratada por Dilthey ao tentar estabelecé-la como a meto- dologia das ciéncias culturais, caracteriza-se por dois aspectos fundamentais: 0 referente, para julgar se uma interpretacao correta ou incorreta reside finalmente no outro; € possivel conseguir 0 mesmo grau de certeza no conhecimento do estudo das expressées humanas assim como nas Ciéncias Naturais, pois aquelas sao dadas e podem ser capturadas e compre- endidas por meio da andlise hermenéutica. Para realizar esse desejo de objetividade, Dilthey afirma que o pesquisador € capaz de manter-se fora de sua prépria histéria para interpretar 0 significados dos outros. Entretanto, essa postura se contradiz com a premissa sobre a natureza contextualmente histérica da interpretagao. Existe assim uma contradigéo interna que Dilthey nao foi capaz de resolver, um desafio a hermenéutica que se mantém como pre- ocupagao central dos pensadores hermenéuticos atuais (Smith, 1993). E o que conhecemos ‘como o “circulo hermenéutico”: “a interpretagao do significado s6 pode ser acompanhada com um constante movimento para frente e para trds entre a expresso particular € a rede de significados em que essa expresso esteja inserida. Esse proceso nao tem ponto inicial e final nao arbitrério. Além disso, esse pro- ‘cesso circular nos leva a um desafio importante para a hermenéutica, 0 grat em que a pessoa que realiza a interpretagio € parte do circulo ou contexto em que se realiza” (Smith, 193, 186-187) Diferentemente da fenomenologia, a hermenéutica nao se preocupa tanto com a in- tengo do ator, mas toma a acdo como uma via para interpreta o contexto social de signi- ficado mais amplo em que esta inserida. No Ambito da pesquisa educacional, o te sofia hermenéutica veio sendo usado cada vez. com maior profusao a partir dos an nntes dessa data, seu uso e sua discus- sdo estavam relegados ao Ambito das humanidades, aparecendo primordialmente na filoso- 64 —_ Pesquisa qualitativa em educagao fia continental, na teologia e na critica literaria. Mas, a partir da década de 1970, houve um enorme incremento das referéncias a respeito da hermenéutica na literatura metodolégica sobre a pesquisa educacional. Nesses trabalhos, a hermenéutica se apresenta como uma filosofia que perthite Fedehnine PecONCeHUAlZan Objet) o método ¢ a natureza da pes- quisa nas Ciéncias Sociais em geral e sobre fenémenos educacionais em particular. Autores como Polkhingorne (1983) ou Ricoeur (1981) defenderam que o empirismo positivista nao € a filosofia mais adequada para fundamentar a pesquisa sobre os fendmenos sociais, entre eles a educacao. A sociologia interpretativa ou a antropologia social foram dois dos campos disciplinares que viram na hermenéutica uma filosofia alternativa que fornecia um enfoque alternativo e mais adequado ao positivismo reinante, com relago & natureza ¢ & estrutura dos fendmenos sociais. Comegou-se a reconhecer a hermenéutica como uma filosofia que permitia funda- mentar € legitimar aproximagoes interpretativas por meio de métodos de pesquisa que se centravam na compreensio ¢ no significado em contextos especificos. Esse reconhecimento foi consequéncia da polémica suscitada na segunda metade do século XX a respeito dos limi- tes do programa proposto pelo positivismo ldgico e da consequente necessidade de funda- mentos filoséficos € epistemoldgicos alternativos para a pesquisa educacional. Desse modo, a tendéncia que profissionais ¢ pesquisadores do campo da educacao protagonizaram para a hermenéutica pode ser entendida como parte da longa crise que tem questionado seria- mente a autoridade do positivismo como fundamento filoséfico e metodolégico para a acao ¢ a pesquisa educacional. 0 discurso contemporaneo da hermenéutica é um campo complexo ¢ plural que aco- Ihe em seu seio diversas concepcGes, frequentemente opostas, da interpretagio. A maioria dessas teorias pode ser agrupada em trés grandes enfoques ou campos da teoria hermenéu- tica. Observe que cada posicao tedrica possui implicages metodolégicas determinadas. + Hermenéutica de validagao (ou objetivista). E possivel capturar por meio da indagacao 0s significados dos textos (observagées, entrevistas, jornais, cartas...) € © significado que uma pessoa atribui a suas expressdes. Existem significados imu- taveis ou inalteraveis que so o objetivo de toda interpretacao. Essa posicao inter- pretativa defende a validade ou a objetividade da interpretacao acima e contra os interesses, preconceitos, marcos de interpretacdo ou desejos do pesquisador. ¢ Hermenéutica critica. Para os hermenéuticos criticos, a representacao do signifi- cado de uma expressao € relativamente nao problematica: ‘A pesquisa se ‘ocupa de esclare jais uma compre! ter ocorrido, e daquelas pessoas cujas compreensdes foram distorcidas. Podemos citar os trabalhos de J. Habermas como representantes dessa postura * Hermenéutica filoséfica. 0 encontro com um texto hist6rico ou as expresses de outros e o interpretador € um encontro dialégico, uma fusao de horizontes em ter- mos de Gadamer (1975). Assim, a hermenéutica tem uma importancia ontolégica Capitulo 3 Perspectivas tedrico-epistemolégicas na pesquisa educacional 65 profunds, porque tata a compreenso con STS iN WS do” (Gadamer, 1975, citado em Smith, 1993: 130).O. pesquisador se envolve, assim, em um didlogo com o outro na tentativa de chegar a uma mtitua compreensao do significado e das intengSes que esto por trds das expresses de cada um, 332.2.2. Fenomenolos ‘Mesmo sendo um movimento que se espalhou em miltiplas orientagdes, a fenomeno- logia constitui possivelmente a corrente filos6fica que mais influenciou 0 pensamento do século XX. A fenomenologia € acima de tudo uma filosofia, ou também, diversos enfoques filos6ficos, embora relacionados. Mas também se preocupa com questdes relacionadas com © método. Phenomenology deriva do termo grego phenomenon, que significa “to show itself” (Ray, 1994). “A fenomenolo; € uma corrente de pensamento propria da pesquisa interpretativa que con- tribui, como base do conhecimento, com a experiéncia subjetiva imediata dos fatos tal como sao percebidos” (Forner e Latorre, 1996: 73). E uma tentativa de| “nossa cultura nos proporciona uma compreensio elaborada destes. Portanto, precisamos dei- xar de lado esta compreensdo na medida do possivel. Ou, nos termos de Heidegger, devemos nos liberar de nossa tendéncia a interpretar imediatamente” (Crotty, 1998: 96) Voltar as coisas mesmas (“to the things themselves”) € o lema que representa a essén- cia do movimento fenomenolégico; voltar a experiéncia pré-racional, experiéncia vivida; ise cee scutes sens ee 7 interpretagao 4 qual Husserl denominou “intencionalidade", © movimento fenomenolégico emergiu no final do século XIX e inicio do século XX. 0 precursor foi Franz Brentano, Edmund Husserl, o fundador, e Martin Heiddeger, um de seus mais eminentes expoentes. Husserl (1859-1938), grande figura da filosofia alema, toma de Brentano (1838-1916), 0 filésofo que pretendeu voltar a Aristételes e que sempre foi para Husserl 0 venerado professor, a ideia de “intencionalidade” ou referéncia a um objeto como carater dos atos psiquicos (Yepes, 1989). Husserl considerava a fenomenologia uma filosofia, um enfoque e um método (Ray, 1994). F 0 estudo das estruturas da consciéncia que possibilitam sua relagdo com os objetos. Esse estudo requer a reflexao sobre o contetido da.mente, excluindo todo o resto. Husserl se referiu a esse tipo de reflexdo como “reducao fenomenolégica”; 0 que descobriu ao contem- plar 0 contetido de sua mente foram atos como recordar, desejar e perceber, € 0 contetido 66 Pesquisa qualitativa em educagao abstrato de tais atos que chamou de significados. Essés significados possibilitam uma ago sobre objetos sob um determinado aspecto; essa direcionalidade, 8 qual chamou inten- cionalidade, é a esséncia da consciéncia. A fenomenologia transcendental, segundo Husserl, é 0 estudo dos componentes basicos dos significados que fazem possivel a intencionalidade: “um aspecto-chave da fenomenologia de Husserl € a intencionalidade da consciéncia. Uma vez que a consciéncia atua no mundo e é sempre intencional (é sempre ‘consciéncia de’ algo), o estudo da experiéncia revela consciéncia” (Cohen e Omery, 1994: 139). Podemos distinguir duas correntes ou enfoques fundamentais na fenomenologia (Ray, 1994), representados fundamentalmente nos trabalhos de Husserl e Heidegger, respectiva- mente:* * Atradigéo husserliana ou fenomenologia eidética é epistemolégica e enfatiza o retorno a intuicdo reflexiva para descrever e esclarecer a experiéncia vivida ¢ constituida na consciéncia. * A tradigéo fenomenolégica-hermenéutica ou enfoque interpretativo é ontolégica, uma forma de existir/ser/estar no mundo, onde a dimensao fundamental da consciéncia humana € hist6rica ¢ sociocultural ¢ se expressa por meio da linguagem. Encontra- mos a fenomenologia hermenéutica em Heidegger, Gadamer e Ricoeur. Segundo Latorre, del Rincén e Arnal (1996, 221), entre as caracteristicas mais destaca- das da pesquisa fenomenolégica, cabe mencionar: + a primazia, que outorga & RPAH SULIETIVA RIERA como base do conheci- mento; ‘+ oestudo dos fenémenos da perspectiva dos sujeitos, considerando seu marco refe- rendial; social que constroem em interacao. 3.3.2.23. Interacionismo simbélico Vimos que a fenomenologia se aproxima da cultura com muita cautela, uma vez que considera que é fonte de significados, mas ao mesmo tempo limita ou impede a elaboracao de outros novos, De modo contrério, 0 interacionismo simbélico, que se sustenta funda- mentalmente em uma filosofia pragmatica, explora as compreensées dé{@uilitifa) como a matriz significativa que orienta nossas vidas (Crotty, 1998). E uma corrente de pensamento que > Heidegger foi discipulo de Husserl, mas logo se distanciou dele, pois diferiam em sua concepgao da prépria fenomeno- logia: o mestre a centrou na epistemologia; para Heidegger, a fenomenologia era ontologia. 0 interesse fundamental de Husserl se centrava na questio epistemol6gica “o que sabernos como pessoas?”, e Heidegger se interessava pela {questo ontol6gica “0 que é ser (Being)?”. Desde muito cedo, Heidegger desenvolveu sua propria versdo do enfoque fenomenoldgico, enfatizando a compreensio frente & descrigéo que sustentava 0 enfoque husserliano. Essa € uma das diferenciagdes centrais entre ambos os enfoques. Heidegger afirma que nao é possivel suspender ou eliminar as pré- concepgdes, uma vez que sao justamente as que constituem a possibilidade de inteligibilidade ou significado. Capitulo 3_Perspectivas terico-epistemolégicas na pesquisa educacional ‘67 “defende que a experiéncia humana esta influenciada pela interpretacao que as pessoas fazem em interagéo com o mundo social” (Forner e Latorre, 1996: 87). 0 interacionismo simbélico foi desenvolvido a partir da filosofia do pragmatismo ame- ricano, representada por figuras como William James e John Dewey. Surgiu como enfoque alternativo aos estudos sociolégicos dos anos 1940 e 1950, de perfil condutista e positivis- ta, € obteve grande proeminéncia nos Estados Unidos e na Gra-Bretanha nos anos 1960 € 1970. Esse enfoque particular da teoria socioldgica direcionou sua critica mais forte contra a tradigao tedrica dominante, A figura mais representativa desse periodo é Herbert Blumer, embora suas origens pos- sam situar-se no pensamento pragmatic de G. H. Mead e Ch. H. Cooley, que destacaram a necessidade de considerar as situagGes a partir do ponto de vista do ator, ¢ 0 pensamento € métodos desenvolvidos pela denominada Escola de Chicago. O interacionismo simbélico teve grande influéncia em autores atuais, como Anselm Strauss, Barney Glaser, Norman K. Denzin, Howard Becker. © pragmatismo é uma combinagio de duas tendéncias fundamentais (Hammersley, 1989): de um ado, existe a crenca de qe PERRNGATED POOLE ATONE UECEGACAES /Além disso, considera-se a experiéncia nao uma sequéncia de sensagoes isoladas, mas um mundo de fenémenos inter-relacionados que tomamos como certos, que aceitamos em nossa vida didria. Um mundo compartilhado, nao algo interno e subjetivo. Em segundo lugar, a humanidade deve ser compreendida como parte do mundo natural, ¢ isso inclui o pensamento racional, o fenémeno humano mais diferenciado. Os pragmatistas acreditam que os problemas filos6ficos sé podem ser resolvidos se for examinada a funcéo do pensamento no ajuste da humanidade a seu ambiente; em outras palavras, estudando sua fungdo na natureza. As pessoas assumem formas diferentes de aproximar-se dos obje- tos, dos fatos, das experiéncias. A reconstrugio desses pontos de vista subjetivos constitui um instrumento para analisar 0 mundo social. No interacionismo simbélico, como perspectiva teérica que informa metodologias de pesquisa social, a premissa de Blumer de que pesquisador deve situar-se dentro do pro- cesso de a do ator para nai 1a ago é central. Assim((@)pesquisadondeve) “devemos ser capazes de tomar o lugar de outros. Esta tomada de papel é uma interagto. & uma interagio simbélica porque 6 € possivel para os ‘simbolos significativos’, isto é, a linguagem e outras ferramentas simbélicas, que os seres humanos compartilham e por meio dos quais nos connie 6 através do diag petos ser concen das pesepe os emess € das atitudes de outros e interpretar seus significados. Vem dai o termo interacionismo simbé- lico” (Crotty, 1998: 75). » Ofuncionalismo estrutural rerata a sociedade humana como uri objeto natural independente e fora do controle da con- duta humana. A corrente do interacionismo simbélico afirma que isso contradiz a natureza das ages humanas socials € {que contribui para manter o status quo, ao afirmar que as pessoas no podem mudar a sociedade (Hammersley, 1989) 68 —_ Pesquisa qualitativa em educacao 3.3.3. Teoria critica Se as correntes interpretativas que vimos até agora podem caracterizar-se de forma geral por uma consciéncia hermenéutica que captura as experiéncias vividas pelos participantes, a teoria critica pode caracterizar-se por sua consciéncia critica, que denuncia que tais experién- cias podem estar distorcidas por uma falsa consciéncia e ideologia (Schwandt, 1990). Sob esse ponto de vista, trata-se, portanto, de detectar e desmascarar as crencas e pré- ticas que limitam a liberdade humana, a justica e a democracia (Usher, 1996). “A indagacao critica contrasta com o interpretativismo. ED em termos de interagao e uma pesquisa que o faz em termos di ), entre uma. pesquisa que aceita o status quo € uma que tenta produzir mudanga” (Crotty, 1998: 113) Como ja dissemos anteriormente (Medina ¢ Sandin, 1995), a visdo que veio a denomi- nar-se sociocritica, embora tenha diversas origens, iniciou-se de modo institucional coma criacdo do Instituto de Pesquisas Sociais, na década de 1920. Em tomo dele se agrupou uma série de pensadores alemes caracterizados por um pensa- mento critico de base marxista, complementado e modificado com contribuigbes da psicandlise ¢ da fenomenologia. Seu propésito comum foi teorizar a crise de valores (individual ¢ coletiva) nas sociedades liberais pés-industriais (Wellmer, 1990). O tema central de seu trabalho foi a aati do papel da nda ed tecnologia nas socedades merase seu vacuo como poder Trataram de reconsiderar a relacao teoria-pratica a partir de posigdes contrérias ao po- sitivismo, entendido como a base ideolégica da cultura do século XX. O Instituto foi fundado por Felix Weil em 1922 e inaugurado em 1924 por seu diretor Carl Grunberg, que seria sucedido mais tarde por Max Horkheimer, que influenciou notavelmente 0 grupo da Escola de Frankfurt (Jay, 1974) devido a sua personalidade e as suas ideias, e pode-se reconhecer nessa primeira geragao do movimento autores como Adorno, Marcuse e Fromm. A etapa mais ativa e proeminente do movimento se situa entre os anos 1950 até os anos 1970 € 1980. A figura de J. Habermas constitui uma figura-chave da segunda geracio da escola A postura filoséfica da Escola de Frankfurt nao foi denominada “Teoria Critica” até 0s anos 1950, embora os mesmos termos tenham sido utilizados anteriormente em alguns tica toma como ponto central de sua anslise a critica da raza -ntal é, segundo Wellmer (1990: 23), a incapa cidade das tradicionais categorias marxistas para analisar af sumidas na atualidade pela técnica € pela ciéncia no proces ivo das sociedades industriais. Marx pensava que toda teoria critica da sociedade deeveria ser uma teor suindo os cinones das Ciéncias Naturais. A escola de Frankfurt parte yostas. Para cles, a premissa mais importante para a reconstrugao “Escola de Frankfurt, a critica da cigncia como ideologia substitu a critica da ideologia burguesa: “A critica da economia politica passa a ser entendida a partir daf como uma critica da tazao instrumental” (Wellmer, 1990, 24).

Você também pode gostar