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FREBERFR ERA SB SBBREA SB RERER SERRA BASS ale ole ole ole ale ole ake Ae oe te SP TSS OS eS iS RVARVINTARVERCA WAAR AANA ANTIGUIDADES INDIGENAS DO CEARA PELO OR. CARLOS STUDART FILHO Os primitivos povos americanos, na irrequies jude de seu viver nomade, expalharam através dos} ignotos sertées do Novo Mundo productos de sual industria—armas e utensilios—que se encontram hoje enterrados no solo ou perdidos nas mattas ec nos campos, Todas essas reliquias, documentos veneraveis e yaliosos, que denunciam a aeecidentada © poly- morpha existencia dos nossos aborigenes, o hiomem moderno recolhe e estuda e como auxilio della’ tenta adivinhar os habitos e as creneas, surpre-| hender o desenvolvimento intellectual, descobrir o grdo de culfura artistica, © tragar as migra tlos differentes povos que aqui viveram, Esse justo @ natural desejo de conhecer o pas- sado, de reconstituir a protohistoria do Novo Con- finente, que ora tanto preoceupa as nacdes civili- sadas da America e do Velho Mundo, niio empol- wou ainda os estudiosos do Ceara. Si bem que tenha a historia, entre nés, culto- res cruditos ¢ dedicados, a paleothnologia, nao obstante ser um dos seus fundamentos, nfo eneon- ira sympathias em nosso meio. Si exceptuarmos as petrographias (desenhos que os naturaes deixaram nos rochedos, nas lapas 16k REVISTA TRIMENSAL. eas grutas), alts insufficientemente estudadas, nenhum outro producto da arte indigena do Esta- do mereeea ainda a altencio dos especialisias no asstumpto, Em nosso territorio nunca foram effectuada pesguizas ordenadas ¢ methodicas para investig: 9 passado; uma missio scientitica jamais pizou nossas praias para reyolver ve escavar o solo cea- rense e arrancar delle o material necessario 4 elu cidacaéo da prehistoria do Nordeste. A Commissio Capanema, cuja seceao ethno- graphica era chefiada pelo conhecido Goncalves Dias e que yeie ao Ceara em 1859, pouco ou nada fez nesse particular. Limitou-se a arvancar de cere vruta da Uruburetama uma calota erancana © re- mettel-a para o Rio de Janeiro, onde ainda hoje existe no Museu Nacional. Que nos conste, pesquizas outras, no dominio tla paleothnologia, nao fizeram os membros da eelebre . . Nem mesmo diante de affirmativas téo peremptorias nos julgamos obrigados a acceitar como veridicas as sensacionacs descobertas dos dois exploradores bahiano: Cesar Ribeiro se contessa sbaldo de conhecimentos s entificos especiacs para formar 0 juizo de suas observagdes» e depois avanga que a materia prima usada no levantamento de t40 esquesitos monumentos precolombianos, «especie de cimento ou calcareo, saiho e argilla> era perfeitamente seme- recentes, bDO_INSTITUTO DO CE 178 effeito, o registo de antigas habitaedes e do velhas necropoles indigenas nas outros pontos do paiz v pouco numerosas ag referenejas a objeetas cera- micos e demais artefactos do gentio. Monographias como as de Jayme Reis (XTID, de Simoens da Silva (XV), de Mario Mello (XVI) e de Raymundo Lopes (XVID (4), contam-se pelos dedos da mio. Ihante 4 que fora empregada_na edificagao de uma grande vaverna, provida de vastas salas e extensos corredores. que elles ahi tambem Jograram encontrar. Os homens primitivos cxcavaram, € sabido, os acclives dos montes. abriram cavernas 4 imagem das grutas naturaes, nunca. porém, construiram galeri, ubterraneas com saibo gy argilla. O exemplo é unico e por i: mesmo jinacceitavel. “eMobilisando acaverna», separando-a dos flancos abruptos das serras, as tribus primeiras deram origem aos megalithos. ¢: ses «templos tumulos destacados da montanha® ¢ crearam os monumentos cyclopicos. A existencia de cidades precolombianas abandonadas no hinterland bahiano é uma ficcéo; provam-no de sobejo as pesquizas intructiferas do naturalista Kruger cas melogradas expedicdes do Conego Benigno da Cunha em as quaes, d elle, «tenho sacrificado meu descango, meus pequenos rendi- mentos, minha saude ¢ minha vida». (4) A opiniao enthusiastica do Dy. Arthur Neiva de que o achado de Raymundo Lopes nos veio revelar a primeira ci- dade lacustre do Continente Americano ¢ a nosso ver, desti- tuida de fundamento. Sem failarmos dos tejupares dos tapuias, que ainda hoje podem ser lobrigadas na Amazonia margeando seus rios co- lossaes, nem das chogas levantadas sobre as palafittas do rio Desaguedero, em que moraa tribu dos Andis, nem tampouco das habitacdes. dispostas sobre espeques de mirity, onde vi- yem os Waradas, Guaraunos ou Parahuanas, undo a gra- phia de Gustavo Bolinder (XXVI), que os visitou em 1920, todas cllas constituidas certamente a maneira dos tugurios de seus maiores, podemos asseverar com seguranga que as habitacées lacustres foram conhecidas no Brasil. ¢ em toda a America. desde os primeiros seculos da colonisagdo. Diz a tradigéo que po lago Maracaybo. antigo Coquebo- coa, encontrow Ojeda uma cidade Jacustre a que denominou Venezuela. nome que se estendeu depois a toda Regido (XXVID) As informagdes mais antigas que temos das palatittas iw PA TRIMEN Até agora ninguem esereveu um trabatho de conjuncto que, enfeixando os dados mais moder- hos © interessautes sobre o assumMpto, esse COM- pletar a obra proveitosa de Von Ihering. O grande ¢ atil commettimento de Catlos Eartt, iniciado com a publicacdo do bello artigo, que ap- parceeu, em 1878, uo Volume | dos Archivos do Museu Nacional, uaio teve continuadores, A -Aveheologia Brasilciras de Theodoro Sam- pug (XVI) nio satisfaz As pubti es de Nelsyu de senna (XEN), de Navier Paes Barreto (XX), de Simeh (XND), de Le Feruando Taddei (XNXNED, de Tristto de Alenear Avaripe (XXIID, do Pe Penmafort (XXIV) ¢ do Rev. Camillo Torrend (XXV), para nédio faku sino vo Brasii so dadas pelo Pe. vo d'Evreux (XXVIL p. 25), ao relatar a expedicao do senhor de Ravardiére ao Amazonas, em jutho de 1613. «Acceitou-se apenas, narra elle, um pequeno numero de setvagens, que efle mesmo acompa- nhou, ¢ os encaminhou ao lugar, onde residiam vs inimigos. o qual era nas /uras, que sao casas feitas a tmitacdo das «Ponts aux changes», de S Miguel de Paris, coilocadas no cume de grossas arvores plantadas n’‘agoa». UO Pe. Jodo Daniel (XXIN). allude igualmente 4 existen via de habitagdes lacustres na Amazonia. «Muitas nagées, narra aguelle jesuita. vive sobre Jagos. ouem meio delles. onde ten encima agua as suas casas feitas da mesma sorte, ¢ sd com o addito de serem de sobrado. que tevantae de varas © ramos de palina, ¢ nelles vivem conten- tes como peixes nagua. A razdo de fabricarem nos lagos as suas povoagoes e moradias & em uns pela grande fartura que elles tem de tartarugas. bois marinhos ev mais pescados: em outros para estarem mais segures dos assaltos de seus ini- migos>. Nas margens do lage Titicaca com diversos outros pon- tos do Perth foram igualmente descobertos. ha j4 muitos au- Nos, esicios ¢ tincadas Na vasa. vestigios certos de vonstruccdes lacustres antiquissimas (XXX}. 0 gue vem con- tradi ainda os assertos do Dy. Neiva. DO_INSTITUTO DO CKARA 175 nas mais importantes que se hiv eseripto entire nds, 86 tém valor pelo lado illustrativo, em nada eselarecendo os problemas da prehistoria brasileir Fechemos, porém, o parenthesis, que abrimos, para expor em synthese rapida a real situacdo dos estudos de archeologia indigena no Brasil, ¢ Passemos a tratar dos productos da arte do gentio coarens As aitiguidades indigenas do Ceara, que sey conseryaranl, sio constituidas por artefactos de pe-' dra polida ¢ lascada e por utensilios de bavro (5). A ceramica cearense ¢ simples, e ox objectos de pedva, rudes e primitivos, Destes trataremos em primeiro lugar, reservando a analyse da cera- mica para a segunda parte de nosso trabalho. Nilo pretendemos, porém, cabe notar, deserever com minucia todo o eabedal areheologico de nosso Fstado, desejando simplesmente auxiliar os inve: Gigadores, que se oecupam do estudo da paleoth- nologia sileira, apontaremos, apenas, alzuis objectos curiosos, cuja existencia cm nossa terra (3) As descobertas archeolugicas levadas a cticito pelo Prof. Ludovico Swennhagen no Ceara ede que nos dea cunta em varias conferencias publicas devem ser pustas a marge. Do assumpto ja tivemos vccasiao de nos vccupar detida- mente (XXX, mostrande nado serem fundamentadas as aifir- mativas do viajaute austriaco, nem merecerem credito suas de- claragdes, n todus us accidentes geographicos naturaes 0 Professor yé o trabalho de povos semi-civilisadus. A gruta de Ubajara tao minuciosamente estudada por Ga- baglia e por elle recunhecida como sendo a resultante da acyao de-ageales cusmicos, a gruta de Ubajara, diziamos, -cavada nos terrenos calcareos da serrada tbiapaba, ¢ para o Professor a triaco construida artificiusamente, obra «feita pelos povos Tt- pis, sob planos previamente Uclineados pelos seus sacerdotes-, As numerosas cavernas e cascatas que se encontram na Ibiapaba seriam tambem engendradas pela mau do homem, As primeiras serian, no pensar delle, templos subterrancus © as oulras sc destinavam a levar «a agua da serra para haixu para irrigar 0 sertao-. 176 _REVISTA TRIMENSAL parece ser pouco conhecida, como por exemplo as bolas (6), mostrando ao mesmo tempo, tanto quan- fo nos permittirem os dados colhidos, seu papel na vida dos selvicolas cearenses e¢ sua distribuigao, Julgando dever eliminar deste estudo tudo que nao tenha o cunho de absoluta autherticidade, hio estudaremos nelle os marcos de pedra nea as pedras em forma de disco, que Theodore Sam- puo, estribado no artigo — Cidades petrifieadas « inscripgées Japidares», de Tristio de Alenear Ara- ripe, assegura sorem cneontrvados, assignalaudo se- pulturas indigenas, em pontos varios do Ceara Nada nos autoriza a tazel-o. Ninguem, até hoje, eonseguiu demonstrar a exactiddo das noticias co- thidas pelo Padre Correa ‘Telles em stuas p nacdes através dos sertoes do Nordeste ¢ divulga das por Tristio de Alencar, trazencdo-nos iforme mais amplos accrea dessas famosas pedras tumu- lay O Pe Corréa Telles, & sabicde, obteve de pe: sdas ingenas, de matutos ignorantes e credule aomdér parte clas informacoes que consignou em seu irabalho. Assignala a existencia de tio curiosos momunentos indigchas, por ouvir dizer, niu tende feito, como elle proprio coufessa, averiguacdes e+ fidlas acerca do assumpto. Marcos e pedras discoides, semethantes aos apontados pelo Pe Corréa Telles cncontraram Bare tos Loureiro Brandao (XXXII) uo Riachio, Muni- dipio de Vieora, Alagoas, 6 o engenbeiroa Alyine (0) «As bolas, diz Ihering (XXNIM, 20 de grande impor- lancia para o estudo da prehisturia nacional visto como sdo en. contradas apenas iia sul do vasto territerio brasitetrer, Ertand Nordenskidid «XXXIVi, indubitaveimente dos mais profuidos conliccedores da Archeologia Americena, affirma tain- bem eaistirem «les bolas» wnicamente na parte meridional da Ametica do Sul, aa Auerica do Norte e ao longo dos Ande No entretante, como veremos, numerasas bolus foram descoher- tas ne Ceara, no) BARA _ 177 PIFUTO DOC Argollo perto de Cachoeira, Bahia (IV pag. 565), Essas descobertas tio certa verosimilhanga as informacdes do Pe Cor Telles, mas nao provam sua ficelidade no locante ao Ceara. Isto posto, tratemos agora dos 1 OBJECTOS DE PEDRA MACHADOS DE PEDRA. Férma e dimensdes. Os machados de pedra empregados pelos primitives indigenas do Ceara variavam consideravelmente de fdrma, de peso ¢ de dimensoes, QO maior machado de proeedencia cearense que conhecemos mede 316mm ~ 116 mm 70mm e pesa 5450 grammas; pertence & nossa colleceéo, tendo sido achado no Municipio de Itapipoca. Dos pertencentes ao Museu Rocha o menor fem ape- has 35 millimetros de comprimento e 20 grammas de peso, O comprimento do grande machado 1." 134, da fig. 1, 6 de 270 millimetros, senda seu peso appro- ximadamente 4750: gramias. O volume e o peso extraordinarios destes ar- tefactos ndio devem causar surprosa, pois na Eu- ropa encontram-se cm antigos tumulos machados de dimensoes muito superiores. G. de Mortillet (XXXV) cita um cspecimen de pedra schistosa, achado no dolmen die Mané-Er-Loemariaker, cujo comprimento attinge a quasi meio metro Pouco menor do que este, mas de dimensdes tambem avan- tajadas, & o machado de jadeite, descoberto em um. dos dotmens de Morbihan, o qual tem 377 millime- tros em seu maior diametro. Nao sdo'somente os machados achados em tu. mulos gue attiugem Wo grandes proporgdes, REVISTA DOT 178 REVISTA TRIMENSAL Im Franga existem machados-ferramenta em silex com 314 millimetros de comprido, e ua Dini marea alguns chegam mesmo a aleangar 3-4 cent metros. A féryma dos machados varia ainda mais do que seus pesos e volumes. Uns sito oveides Jygouaes, cylindricos ou triangulares : outros chatos, de bordas laleraes ora cortantes, ora. arte dondadas, ora talhados a prumo. Machados ha que sio mal feitos, sem gume apreeiavel, parecer do yerdadeiros malhos, ao passo que outros sio capvichosamente trabalhados. Algumas achas se mostram irreguiares ¢ asy- metricas, outtas apresentam perfeita netria. Das formas mais geraes no Ceara damos o qaadro seguinte: Machados em forma de eseudo 224 » > > > crescente 1 : {pared 8 > com suleo civeuku }rotal 16 » » entatha 5 » eylindricos 43 x trapezoidacs 10 » de 2 gumes 1 » em forma de escopro AT » ds formas especiaes 62 Prepare dos machados, O processo usado polos selyicolas no apresto de seus machados nie del- feria do que elles geralmente empregavam, desde tempos tmmemoriacs, para c¢ preparagao de varios outros artefactos de pedra polida. Quando oO acaso thes aio proporcianava a des- coberta de calhaus gue facilmente desbastados ad- querissem a forma do objecto desejado, usavam elles despedacar por diferentes processos, entre os quacs se salieutava o processo da agua oe do DO_ANSTITETO Do CHARS 179 fogo (7), eertas rochas, que a pratica cnsinara me- lhor se prestar ‘i confecgdio do instrumento que tinham em mira, desengrossayam os fragmentos e depois, a poder dv esforgo @ de arte, 4 forca de friceional-os pacientemente de encentro a wna la- ge qualqucr e com auxilio de agua e ite areia mo- delavam scus ftoscos utensilios. Quando 6 gume dos machados, gasto pelo uso. e pelo tempo, perdia o fio v se tornava improprio ao fim a que se destinava, era ainda pelo attrito que conseguiam amollal-o. Nao ha objectar que taes factos: pio passam de conjecturas, pois elles escapam ao ambito de nossas investigacdes materiaes. A isso seria licito responder que as affirmativas cathegoricas do 2." Cumilla (8), que-entre indigenas americanos viveu Jargo tempo perserutando-lhe os hahitos @as eren- s, corroboradas pela deseoberta, em algumas es- tavdes prehistoricas brasileiras, de machados em via de aperfeigoamento, ¢ pela existencia de vin- eos deixados uas faces planas dos lagedos, no dor: so dos perhascos ¢ em eértos artefactos de pedra pelo desgaste de machados, demonstram exuberan- lemente seven yerdadeiros os factos apontado: Coiposiedo mineralogic ¥ considerayel ava tiedade de rochas cinpregadas polos gentios no fa- brico de seus artefaefos. Numerosos sfio, com ef. feito, os machados talhacdos em diabase e em pho- nolitho, recolhidos em territorio do nosso Estado, e que enteiiam os mostruarios dos museus ecaren- ses, onde apparecem tambem, em monor copia, 7 «Ainda hoje us poputagdes florestaes queimam Jenha sobre as ruchas eté ao ponto de as aguecer fortemente, e dei- tandu-thes agua fria as estalam> (XXVb. (8) »Permuntel ainda: Como ou com que preparam seus machadus de pedra Wo dura respouderam-me que com ou tras pedras quebravam a e¢ depuis @ forga de amolal-: cm pedra mais branda ¢ com ahaa da agua, Ihes davam a for- © fio aos gumes> (XXXVL, 180 exemplares feitos de diorita, syenito, gneiss, quarl4o, basallo, etc, Coisa singulat edigna de nota, & que as_achas de silex, de nephrite e de febrolitho, pe- dras que com a diabase melhor se prestam a con- fecedo desse genero de armas, nado foram ainda aqui descobertas (9). Kneabamento dos machades, Os atoehtoues do Brasi] usayam, de ordinario, seus machados presos a um cabo cujo comprimento variaya entre 0",28 6 0,77 e que era por vezes extremamente delgado, e se flectia com relativa faeilidade. Mesmo os Machados de dimensoes avantajadas que, no Velho Mundo, segundo diz Mortillef, deviam ser manejados dircctamente pela os possantes dos homens primevos, eram aqui eneabados, Ae) tencia de um sulco circular nos grandes macha- dos n°" 342 ¢ 184, da fig. 1, ea presenga de uma depressio abracando grande parte do corpo do collossal machado de nossa colfecgio denunciam isso claramente. Campre obseryar que as depressdes, sulcus e entalhas, que os indios cavavam nas faves lisus e polidas de certos machados, se destinavam a tor- nal-os menos escorregadios, ea facilitar seu en- cabamento. Tanto quanto nos foi possivel coneluir de nos- sas averiguagdes, que consistiram em compulsar as chronieas e as relagdes de viagens dos explo- radores witigos e modernos, estudiar os NUMCLOSsSOSs especimens de machados americanos providos de eabo, recolhidos aos museus nacionaes e extra geiros, 0, finalmente analysar ecrtas petrographias ificagau minaralogica dos diversos artelactos de pedia dos indigenas cearenses foi igita coma ajuda du Proi. Dias da Rocha, illustrado director do Museu Rocha. Muito gra- to Ihe somes pelo valiuse euxific que nos preston ¢ mais ainda por nos ter gentilmente franqueady, para estudy, sua riquissi- ma cullecgao archeologica. DO_INSTITUTO DO_CRARL ___181_ indigenas, que nos mestram tracados com precisia esimplicidade varios typos de machados eneas- toados, a adaptacdio do machado ao respectivo ca- bo se fazia por differentes processos. Em alguns casos era a ferramenta simples- mente embutida na parte mais grossa de uma has- le de madeira rija coma forma de maea. Assim agindo, visava o gentio ndo s6 augmentar o peso do movel, fizendo destarte mais efficientes seus golpes, como tambem impedir gue o eabo, uma avado, se tornasse demasiado fraco, 0 que a fatalmente de sueceder si elle apresentasse A mesma grossura em toda sta extensiio. Cone exemplo de mathados assim eneastoa- los poderiamos cifar os machados pertencentes aos Bacairys, do Xingti,e aos antigos Coroados, do Parana, que se acham depositados no Museu Nacional do Rio de Janeiro. Outras vezes constituia o cabo um ramo del- gacdo de arvore, vergado em derredor do corpo do machaco, junto a sua parte posterior ou testa. As duas poredes da vara, fortemente unidas com a ajuda de fibras vegetaes, seguravam o macha- do de maneira satisfactoria. Antes das expedicées brasileiras de 1907, che- fiador por Candido Rondon, haverem desbravado. o Norte de Matto Grosso, levando “quelle reean- 1o perdido do hinterland bra tro os beneficios da civilisagio, era esse o systema posto em prati- ea pelos selvicolas da terra do Norte para prove- rem de cabo seus toscos machados de pedra, De identico processo usavam tambem os sel- yagens que captivaram o allemio Hans Staden (10), Um terceiro modo de encabar, consistia em fender em dois a extremidade de um pau e intro- (10) «Tomam depois, diz Hans Staden, que dobram ao re- dor da pedra ¢ amarram com fibras de embira», 182 _ VISTA TRIMEN duzir o machado entre as falas, topejadas depois com solidas embiras de tueum (11). Neste caso nem sempre as pontas das talas ex- cediam dis faces lateraes do machado, © cabo podia ser tambem simplesmente appli- eado sobre odorso do machado ¢ a elle preso por meio de cipds entrelagados. © Museu Rocha possue um artistico machado tte jaspe (n° 148) admirayelmente polido, gue mos- tra sobre o dorso um sulco largo e profundo des- tinade a receber um corpo cylindrico, wn eaho evidentomente. Esse curioso objecto muito se assemelha aos machados aimariés, descriptos por E, Nordenskiéld, e tem, como elles, dois fortes prolongamentos la- teraes. O uso corrente entre habifantes prehistoricos da Europa de por entre o machado ¢ 0 cabo uma bainha de osso ou de chifre de yeado, bainha essa que servia, segundo opinam os irmiios De Mortil- let (XXNXVLD, a diminuir o abalo oceasionado pela percussio do machado de encontro a um plano re- sistente, niu existia no Brasil. Com igual designia e sobretudo para que os liames, que prendiam a ferramenta, podessem melhor resistir aos effeitos dos golpes com ella vibrados, usavam os primiti- vos brasis revestil-os de grande poreito de breu, de resina ou de céra. Use, Determinar com exactidaio o use de cada um dos rudes instrumentos de peda que nossos selvagens manejavam, ¢ arduae dificil empreza para o pesquizador, Um objecto, por mais fosco qac fosse, devis il) «porque elles om teem cousa, que de ferro seja ¢ cortam sua madeira ¢ pauos com pedras feitas come cunitas metidas em hum pado entre dias talas muy bem atada: pu tal maneira que andam fares, . .» escrevet Pero Vaz Caminha __DO_INSTITETO DO CE 183, ter, e tinha cerfamente, multiplas e variadas appli- es entre as cabildas primitivas. Consultar as chronicas ¢ documentos antivos, que tratam dos selvicolas, examinar as tradigdes e lendas, ohbservar os usos e costumes dos abori- genes actuaes, através das relagdes de viagem e _Memorias dos modernos exploradores, estudar as populacdes mestigas que ainda guardam velhag usancas e velhos habitos de seus antepassados americanos,—-meios realmente uteis que temos para elucidar 0 assumpto—nem sempre tras resultados cabaes, Recorrer a0 simples exame de um objecto, ana- lysar-Ihe os contornos ¢ dimensdes e dessa per- quirigio concluir gual seja scu papel ou destino, é methodo facil e muitas vezes o unico applieavel, mas eheio de perigos porque, fundando-se em sim- ples conjeeturas, pode originar opinides as mais desencontradas no toeante ao fim de certos uten- os dos indigenas. Assim A, C. Teixeira de Aragio (XXXVIID descreventio os productos da arte ¢ industria dos aborigenes do Novo Continente, ilkidido pela for- ma do objecto, chama de raseador ou raspador de pedra a um bellissimo machado semi-lunar, Exemplos semelhantes poderiam ser multipli- eados, mas julgamos este bastante instructivo. A natureza dos estuctos de que ora vimos tra- tando, forea-nos a apontar todos esses estorvas ec obstaculos, mas nto nos inhibe de enfrental-os, antes nos obriga a, valendo-nos das maneiras que julgamos mais proficuas, tentar esclarecer ¢ pre- cisar o emprego dos artefactos que se nos forem apresentando 4 analyse. TI’ o que yamos fazer. Dos utensilios de pedra das nagdes indigenas do Brasil foram seni duvida os machados ao lado dos tambetés, adornos faciaes e muyrakitas, os objectos que maior impressio causaram no anima A8t keV TRIMENS dos historiadores dos primeiros tempos da eoloni- sacdio, p a elles se reforem e os deserevem, sob 9 nome de eunhas, numerosas chronicas e varios escriptos epistolares. tt na eelebre carta de Pero Vaz Caminha, da- tada de 1 de Marco de 1500, ema qual elle narra a ELRei as peripecias da viagem e as maravilhas da terra reeem coscoberta, ha referencias aos mesmos : «Muitos d’elies, diz o escrivao da armada de Cabral, vynham aly estar com os carpenteiros ¢ creo que o faziam mais por veerem a faramenta de ferro com que a faziam que por veerem a cruz porque elles nom teem cousa que de ferro seja, € cortam sia madeira e piuos com pedras feitas come cunhas metidas em hum pduo entre duas talas muy bem atadas que andam tortess (XXXIXi. Frei Vicente do Salvador (XL) na famosa «Historia do Brasil+, escripta em 1627, affirma que os primitivos brasis maldiziam «no choro a pouca ventura, que seus avds, e o8 mais antepassados tiveriio, yue niio aleangavao gente tam valerosn como siio os Portuguezes, que sito senho- res de todas as cousas boas, que ira- cem & terra o que elles dantes eare- cifo, e agora os tem com tanta abundan- cia, como sio machacdos, fouces, amzdes, faeas, ftesouras, espelhos, pentes, ¢ rou- pas*. e aecrescenta: «porque antigamente rocayvao os matos com caunhas de pedra, e yvastavao mui- tos dias em cortar huma arvore Dos «Principios @ origem cos Indios do Bra- sil’ (XLT), consta o seguinte: DO INSTITUTO DO CEARL 185 «Antes de terem conhecimento dos Portuguezes, usavam de ferramentas e instrumentos de pedea, osso, pio, ean- nas, dentes de animaes, ete, e com estes derrubayam grandes mattos com cunhas de peda, ajudanclo-se to fozo. Alludlindo aos machados de pedra escreve At dré Thevet (XLID: «ils donnérenf tont aun Francais, pour quatre haches et quelques petits couteaux, Ce quvils estiment beaucoup, et uon saus raison, car cela leur est propre pour cou- per leur bois, fequel auparavant (aient contraints de couper avee pierres*. No livro de Hans Staden (XLITI), lé-se 0 se- guinte treeho: «Elles tinham antigamente, antes de chegarem os navios, ¢ tem ainda em muitos lugares do paiz, onde nenhum navio chegou, wna especie de pedra pre- in azulada que elles preparam como wna cunha, euja parte mais larga ¢ mal cor. tante. Tem mais ou menos um palmo de courprimento, dous dedos de grossura @ largura de uma miios. Esereve o DP Ivo d’Ryreux (XXVID: «Nfio tendo ferramenta alguma para trahalhar, quer nos bosques quer nas rocas servem unicamente de machados de pedra para cortar arvores, fazer suas fanoas, agucar pares, cullivar a terra’. Do exame dos differentes documentos acima REVISTA TRIMENSAT. apontados, fontes fidedignas de nossa historia, se pode deduzir eom certeza que as achas eram yer- dadeivas ferramentas, de que se seryiam os indie genas para cortar arvores ¢ arhustos Com esta conelusdo eoncorlam mente os relatos dos viajantes ¢ m estudam aspectos interessantes do vi dos selvagens americanos. O Pe Gumilla (XXNVI), por exemplo, des vendo os costumes dos selvagens clo Orinoco, con- ta As paginas 234 de seu livro *El Orinoco [lus- trado. s wianime- jonarios que ver primitive «A primeira vex que ustive com os vontios, pensei que pela sua nudez, seria forte argumento para ageregal-os ame Thor sitio ponderar-lhes que alli niio ti- hham ferramentas com que rovar, impar a fervae devrabar as arvore mas nao se deo tal, porque tomando de seus ma- chados de pedra de dois gumiés @ empa- tando-o8 no meio de garrotes propor- Gionados, responderam-me que com as macdinas (que sfo duas espacas de ma- deira rija) quebravam os pequenos ar: bustos @ com aquell machados cortas vam os troucos verdes>. Esereve Francisco de Paula Ribeiro (NX LLY), tratando dos Timbiras do Maranhdo, gcitios que atte o comego do seculo XIN se utilizavam de fers ramentas de pedra: «Os seus machados siio de pedra. que preparam com outras pedras, @ que encastoam ouscguvam mui bem em qual- quer pau, que possa servir-lhes de enlo: com elles derrubam os seus rogados ¢ trabalham a madeira que careceme, Do FNSTITETO DO € 187. O Dr. Karl von den Steinen, alludindo aos Baenirys, tribu de filiagiio caraiba, por elle visita- da em 1884, refere que esses xelyagens esd com seus machados de pedra encia- yados em cabos de madeira conseguent derrubar arvores @ preparar postes» (XLV). Tambem na Colombia viu de Morgan os in- digenas excavarem e esculpirem fragmentos do madeira coma ajuda exclusiva de seus machados de pedra (XLVI). Aclaracdo esse ponto, surge desde logo wna pergunta: Como usayam os indigenas seus macha- dos na derrabada das mattas’ A pergunta que, 4 primeira vista, podera parecer f6ra de proposi- to, nao o é porém. Os chronistas, de um modo ge- ral, passam com silencio este importante ponto de ethnographia. Apenas um clos manuseriptos antigos couhe- cidos, publicado em 1534 (XL), refere que os gentios ¢derrubayam grandes mattos com cunha de pedra, ajudancdo-se do fogo> (12). Mais precisa, porém nao perfeitamente clara, é a informacio seguinte do Pe Daniel (X XTX): «Porém por mais dura que seja a pedra dos machados pouco servem para as suas manobras e factura de rogas, em que mais amassio do que cortio os pfos, mas assim amassados os fazen secear, e depois Ihos poe fogo e queimio, fazendo em seu logar as suas sementei- (12) Jean de Lery (XLIX), contradizendo grande numero de escriptores antigos, sustenta que os Tupinambas «néo nham antes da chegada dos Europeus no Brasil outro meio de abater uma arvore sindo deitando fogo aos pés. vnb‘el[y ZIp WasVsps oO BOLINN “oqo Bo ap 2 IPpPX) op SOOSNPOUOD SEP SOSAVATP Taq sopezpns -od B OPULSOYO ‘OPUNY OYfa, OU SBPENajo jut AoLiojuy Bf seloualtodxa ‘sou aajue ‘nijedey OOHOYSTYaId OpBdor uN vp UMM oqe Bo WEY Op Bados B Woaqod anb sonh -soq SOphut v sossedso sou ‘Raped op soprysEUt ap BAINN[yNO RpRle v Woo ‘o}asJa U NEA ‘vUapYoId oye HIOPUL 8 OANISGO ec OO DLUOUIBATHEYap TEU -OLMNOS op OSOfoSop ¥ IPPDzy vp davarvd O NowT OLU BoOLYIsRdd LLFOPOUIOIVd B arvp OFUR] Wonb v AOPLYFLGRAY o}PIOL o OAoisne o ‘Supa OA “H ‘Ndfo} 20d B-yEPlep UWessingastioo onh oye up Hott Bde ‘ojo LAB Toasadoe ‘oLdededa vsssy UPVZLTOGAB) ORdIOd B ABUTS Bard suu -oTE SOPRILIU SMOS Vp WRLLIaS vx slodop o alto © WEATHIWUD totOade RUM WadaEgy wled SBpOoLs -Jos SOoonb NOUWIE ‘SvISsBALEUY vp OssadzUg, > ALIX 0 v}taded opuBsinesip 494 UNS JOd Spparyy (IAIN) es OUTSNGUOd Lid aAlyLo su-fezey ywalud Musstaves oN yyy OdUOT, OW ABtvIeUT a AMay SV 8p OLY LAE op Opuusn sedor =A SUSSOLT SIBUL SE UEQMIP SOLPUL SO Wendsesuoy Ltpod op SOpRyoVuer wlovs, tanh sruade Ap OGMog LYVOY LOpRLo sly apuBss ossoy “Wate OB ap ‘uydup Ee y1Oo wavd WULAQos Os surap teumeuEduE “WIR OP SUVSLVUL SEP sousNUBUVY SO (LEAN) ‘Fundy opunupy UUOJUT “gOGT Wo vpULy ISU OP SUMTCATYS SHVORU ATWO SOULE soonod woq vy giv nosudold as taped ep opuy “UHEOpP Osh O OJUBsALD OU FE COIdUSSE Op oad WE SOALEPLoONO SOPEP oy VOTOU Op ULNA U for AVUOLUL] WeQUIB) 9 SOWTepotl sosoune aug “evooIpURT ap ogssed OBu oPMOMLBLIBTpto OND sed MNANTLL VESLAG RB DO_INSTITUTO DO CEARS 189 quizesse agir com rapidez teria empregado alter- uativamente o fogo e o machado para prostar uma arvore, pois o fogo cedo secearia a madeira, tor- nando assim mais arduo o servico. Trabalhando num bosque cerrado mas perfei- tamente verde, conseguiram dois dedicados auxi- liares do professor abrir em tres dias apenas uma clareira de 105 metros quadrados. Tentaram depois fazer cahir uma arvore qua- si resequida e gastaram approximadamente o tri- plo do tempo que teria sido necessario para der- rubar um tronco verde de igual espessura, 1” a falta de sciva torna o labor muiti penoso Verificou ainda o esforcado naturalista que o melhor typo de machado para cése genero de tre balho era o de tamartho medio (0",10<0",07X0",035) yiesando mais ou menos 500 grammas. Os macha- dos de dimensdes maioves eram de manejo diffi e fatigante, principalmente quando os golpes de- viam ser dados em sentido horizontal. Quanto aos machados de typo pequeno (0”,08>.0",05), de 240 grammas de peso niio serviam porque nfio pro- duziam trabalho compensadar. Tambem a cnergia a empregur, diz elle, foi preciso tentear; vibrando-se golpes com. muita forea o effeito era negative pois assim facilmen- te se quebrava o cabo e mesmo a propria pedra. Uma vez, porém, obtida a neecessaria pratica a cada pancada do instrumento os cayacos sal- tam longee a entalha cayada na madeira rapida- mente se alarga. Mas os machados ndo eram utilisados somen- fe para cortar madeira grossa, ocar (ores e abrir rocados Na espessa mattaria; serviam, como ve- remos no transcorrer deste capitulo, para multipli- ces misteres. Uns tinham uso nos combates e nas pelejas singulares, eram authenticas armas de guerra ‘ae am entre ferramentas “domesticas Yor das a0 prepara de arcos e flexas, ao corte de eabello, ete : «Perguntei-lhe, narra Hans Staden (XLID, como cortavam os cabelfos au- fos dos pavios Ihes trazerem tezoura: «Respondiam que tomavam uma cu- nha de peda, ¢ pondo outta pedra por Daixo dos cabellos, batiam até cortal-os, Esta informaao ¢ ratificada por Frei Vicente do Salvador (NL) quando esereve : *peseavam com huts espinhos ¢ faziam o cabello,e as unhas com pedras ayudas’. Muitos rejeitariio per certo que meninos pos. suissem machados de pedta, objectos que exigiam enorme somma de pacienecia.e aeurado trabalho sua confeceio. Tal repa nao tem razdo de ser pois 6 sabi- do que os indios, premidos pelas condigses am- bientes, espicacados pelo receio das viladas ¢ ata- ques sempre fmiminente de seus contrarios, crea- yam os filhos dando-lhes de pequeninos. arias para que em seu manejo desde Jogo se adextrassem, O Rev, Pe Bauck, tratande dos costumes de certos gentios brasileiros, conta : até as ereaneas excreitavanm-se a usa das bolas e que era para elas ume di- yerfimento o pegar as gallinhas dos al- iteiamentos por meio tas bolas» (1). Ha mais ainda, D. Alvare Nunes Cabega de Vaca (1.1), desereyendo— «Como os indigenas ma- tam ¢ comem os inimigoss, iliz: DO_INSTITUTO DO CEARA _ 191 «Quando o prizioneiro apresentaya bea gordura, redobram os prazeres, as dangas © os cantos*. +Entdo xegam os omens ; arranjam cornam 8 rapazes de 6 a 7 annos de idade e entrvegamthes uma machadinha de eobre...+ Que nossos aborigenes se exercitavam desde pequenos no manejo ce suas armas, fambem-o as- segura Fernfo Cardim em seus: escriptos : cexercitam-se muito pequenos nestas ar- mas (arco e flecha) e sio grandes fre- xeiros ¢ tio certeiros que Ihes nao esca- pa passariniio>. Havia, além dos typos ja citados, machados de ceremonia, simples ornatos a serem exhibidos pe- los maioraes da tribu nas oceasides solemnes ; machados votivos, destinados estes a figurarem obrigatoriamente e por forea de qualquer pratica religiosa, gue regulava as inhumacdes, nos tumu- los americanos. Alguns machados votiyos de jadeite foram, com effeito, retiradog das necropoles indigenas de Ni- earagua e Costa Rica (LIL, p. 251). Jorge Kunz, no Congresso Tnternacional de Anthropologia ede Archeologia, gue se reuniu-em Paris, em 1889, apresentou o modelo de um gran- de machado votivo, achado em Oaxaca, no Mexi- co (XXVIE, p. 226) e Barbosa Rodrigues (XXVII, p. 229) ‘ ,em seu erudito eseripto sobre © idolos symbolicos, que na Valle do zonas os mmachados votivos de diorito e de syenito perfeitamente polidos e bem acabados se eneontram froquentemente nas Jikaed tas, Nos eamucés, oxhumados em solo caarense, jamais foram, gue vos conste, achados, junto aos 192 REVISTA TRIM SAT. ossos dos valentes guerreiros indigenas, laes ins- trumentos rituacs. QO exemplo de machados-amuletos, communis na Furopa, nio sio rares na America. Alguus iens de achas feiticos, apresen- tando perfuragdes dispostas evidentemente para a passagem de um fio suspensor, foram descober- tos tias Antilhas, no Sul do Brasil (V1), no Cear e-em Pernambuco (Museu do Inst. Archeologico). Superslicoes. Os habitantes do Velho Mundo achando fortuitamente no solo certos urtefactos de cuja procedencia © utilidade deseonheciam, earam uma ficedo artificiosa para explicar s igem e deram-thes virtudes as mais éxtraordin rhado de silex, entre outros, era alé hem pouco-tempo para os europeus em geral, ¢O 6 ainda Classes menos cultas das sociedades de Além-mar, dim producto emanado «do raio ¢ (dota: do de propriedades singulares, Esse nytho trangpoz os mares com os immi- grantes eyropeus e chegou & America, ¢, nao obs tante terem os conquistadores eucoutrade ainda en nso, entre indigenas do Novo Continente, ob- jectos de pedra, diffundiu-se o perpetuou-se atra- yes das geragdes, Para o povo iguorante do Ceara, a acha de pedra ¢, do mesivo modo que para os velhos ro- manos do tempo de Plinio, a efraioria, a pedra de relampago, o corisco descido do céo em dias de tempestade. Mas nosso. sertanejo, ipaginoso como ¢ nao se salisfex apenas com essa nigella explicagde, juntou a denda novos detalthes e, a ma- neira dos camponios europeus 13), adduziuelhe (13) Furmeés par la foudre, au milieu des nuages les lupides Julminis tombent, toutes fagonices, sur fa terve, ob elles s'en foncent plus ot moins dans leur chute (de 6 picds. disent te: paysans de V' Aveyron; de 1 cannes, selon lee paysans calabrais be To BOC interpreta vaganite, Tendo aida encontrade mettido no solo, em profundidade variavel, instrumentos de pedra, clte conclu desde logo que o eovises a0 eahir se ene terra 7 bracas ou 7 palmos, vindo a apparecer a superticie do solo findos 7 xmnos, depois de ter caminhato uma lraca oa um palme por anno, Quando por aeaso fopam uma des armas primevas, recolhem © guardam-nas com carinho e veneragio, porque a pedra de relumpago 6, para elles, uma cladiva celeste, precioso talisman, eapaz ‘le protege-os contra os effeitos damnosos do raio. Esai erendice popular existe sem alti teracoes: sensivels em iolos os Lstados do Brasil © é talvez pot isso Ke AA, Correa de Araujo (LIID, affir- ma (pag. 24) que dos francezes. Sua configuracio lembra vagamente os escudos inglezes da Idade Media. QO corpo do instrumento é commummente cha- to ¢ se adelyaca para a extremidade opposta 4 , onde vac constituiro gume; as duas faces do, portaito, ligeiramente convexas e os lados tém a forma de um & muito aberto, A parte posterior do maechado, que vimos eha- miar-se testa, 6a mais espessa de suas bordas; ella se prolonga lateralmente em forma de pequeno appendice rombo que 6 para nds, a caracteristica deste genero de maehado. Fazendo-se wm corte transversal em sta par- te media, fem-se uma ellipse muito achatada, A Jargura tomada ao nivel da testa se mostra nos especimens de pequeno porte igual ao comprimen- to: nos maiores, esta exeede aquella de 3 ou 4 vezes, Os machados em forma de eseudo, cujo peso no Ceari varia entre 34 grammas e 11/2 kilogram- ma, nto apresentam de ordinario um gume tao ni- tido quanto o dogs machados de que ja nos oceu- pamos. Em nossa colleccio se vé, porém, um exem- plar deste typo bastante gasto e com indicios cer- (17) Ladislau Netto, em seu artigo sobre Archeologia Brasileira, da-nos a gravura de varios desses machados, um dos quaes chama de cavador—designacado que, al: julgamos inadequada—mas nada diz sobre a procedencia dos mesmos nem a elle allude no texto em questa. REVISTA TRIMENSAL tos de jer sido amotio repetidas vez prova sero artefacto em qtes ramenta (18), Mivhados eo entathos leterdes, Os macha- dlos com entalhios Internes sitio earacterisados ape- nax pela chanfradura ou entalho que apresentant janto Atesta cada umade suas duas bordas late- raes. As formas, que aflectam, em nada nos fite- ressam pois sfio as mesmas ja estudadas quando tratamos dos machados em geral. No Brasil os machados com entalhos lateraes ilo encontrados nos antigos terrilorios clas s variadas tribus. Communs tanto ne Rio Gean- de do Sul quanto no Amazonas (hhering), existem ainda em S Catharina, onde C. Wiener (LVID descobriu) um exemplar em certo sambaquis, ua Parahyba (19) ¢ no Cearé. A collecgfio Baltar tem, com effeite. varios ar tefactos desse typo e no Museu Rocha vimos dois interessantissimos machados entalhados: um de tacto que Ro verdadeira fer- ferro oligisto, adimiravelmente trabalhado, pesa 85 grammags e foiachado em Acarahti,o ontte & de diabase ¢ veio da Urabarctama. Os machados com wn ¢ mesmo com dois chan: fros foram usados pelos Munduraetis (V1), Os machados semi-lumaures, os machados ore: Ihados © os machados com entulbios lateraes, que existem largamente disseninados tambem no Bqua- dor, Per ¢ Argentina, caraecterizariam, segundo Rivet, pelo seu apparecimento naqucllas reg a quatla migracio dos Uirvis. Rivet, @ sabide. julgou poder coneluir de seus reventes estudos de linguistica c de archeologia que todas as civilisagdes abrothadas ao longo da Ges, 18} Desse typo de machado possue 0 Museu Rocha uot aspecimen perfeitamente triangular, sem gume e tendo uma das faces quasi plana ¢ a outta ligeiramente convesxa. (19) No Museu Simvens da Silva existem. affirmaram nos machados cam entathos, procedentes da Paraby ba: DO ENSTUTOTO costa cecidental da America, desde os Ande gentinos até o Mexico, repousam sobre wm tracto racial uniforme, formado por tribus vindas da bacia do Amazonas e do Orenoco, em grandes lavas successivas, Machades com suteo MLaches A gorge), No es- tudo deste genero tie machados deve sobretado altrahir nossa attencio o suleo yue elles paten- telam ¢ que ora circumda completamente 0 corpo to instrumento, ora abraga apenas tres de suas faces, creanido os sub-typos a que chamaremos de machados com sulco circular completo e machados com sulco cireular incompleto. Tal depressao ve ria consideravelmente de profundidade e de lar- gura, Num machado colleecionado pelo Dr. Dias da Rocha o suleo, que corre parallelamente 4 ex- tremidarde opposta ao gume, é tio estreito que ape- nas nelle caberia um arame fino. O mesmo eollec- cionador posste tambem cxemplares, eujo suleo cireular tem dois e até tres centimetros de largura. Do primeiro sub-typo, isto ¢é, dos maehados com sulco cireular completo, que hao side tambem assignalados no Rio Grande do Sul por Patdaoft, Thering e@ Vou Koseritz, em 8 Paulo, onde sio niuito raros, em Pernambueo, cm S. Catharina, no Parand, no Partie no Amazonas, conta s6 0 BMu- seu Rocha 10 exemplares. Do segundo sub-typo figuramos, na estampa 1, varios expecimens pertencentes tambem ao Museu Roeha. Tém eles geralmente a forma tra- pezoidal @ muito se parecem com certos machados diaginsles figurados por Benchat en: seu «Manual de Arecheologias (LVHD. Os machados com sulco, proeedentes do Cea r4, correspondent ao typo elassivo de machados amerieanos abundantes nas habitagoes das penc- dias, nos pueblos, nos mounds e | kjékkenmoéddin- ger da Ameriea Septentrivnal, na Argentina ¢ na parte septentrional do Equador, Figura i Ci fs Ge xan Merehuidos vont site No 184 Grande niachada pollo, de ene 110 Machado polido, de quarizo~-Aquirax. 341 Crande tutehade de peiss, perfer amen polish -Mecojana. 45 Bello machado polida, de quartzite. Sowre, 42 Machado polido,de quattza Meeojnma. 284 Machado polido. cde eranite ~Beberibe, 111 Machado polide, de diahase Moecejai. 985 Pequeno machado polido, de granites Aracaty Aricaty, Matias 2 Arisas 6 alensilios jidiqgenis de Centred (Colleeein Baltar) REVISTA TRIMENS AL Boras, O Museu Rocha possue apenas yuatre sendo tres mais ou menos esphericas e ume em forma de eylindvo, A vollpegio Haltar conta igualmente quatro exemplares de bolas, um doe quaes & diplo. Armas tle arvemes de preferencia nos de de ainda hoje o, destinadss & seren Usacas campados e¢ nos pampas, one adas pelos gauchos, 6 na- tural que no Cearé, territorio outrora quasi todo coberto de extensas caatingas, 1a0 apparecam ellag com a mesme frequeneia com que foram assigra- ladas por Ihering no Rie Grande doe sul e nem apresentem aqui amultiplicidade verdadeiramente notavel ite formas das bolas recolhidas por Ame- ghinona Banda Oriental ena provinciade Bueno: Aires, As bolas ovoides, com suleo simples ou cupto, as bolas octaedricas ou as de faeetas pelidas, de ye nos fala este sabio archeoalogo platina, nae sic representadas em nosso Estado. Ayui se nao eneon- tram tampouco as bolas clipsoidaes, e as que tom wfeitio de rolha ou de jimfo, de pera ou de eubo, tho abundantes no Craguay ena Atgentin Faltam tambem, entre 16s, as espheris com sul co, Communissimas no Bul, ¢ as ecuriosas bolas de pontas, de nos dio noticia o reyerendo Ps Sehupp (LIN) e Von Thering (VI). Das bolas pertencentes ae Museu e cothidas em pontios varios do Estado, ha ama feita de jas- pee procedente de Maracanahti, com 290 gram- mas de pezo e 58 mun, de diametro, A outra é de diabase, mede tambem 55 mim. ade diametro ¢ posa approximiadamente 810 evan imas. Esta bola apresenta em pontos dinmetralmen- te oppostos de sua superficie duas pequenas de- presses, ora apenas visiveis devido dt natural de- vomposigio da rocha de que é foita. bola d egide, mostra ella aeceentuada analogia com uma pedra existente no Museu Naeioual, a que TLadis- silo mane O CHARA 203 Jau Netto, em seu traballio sobre archeologia bra- sileira, chamou disxeo nuertello. Bola disxeoide ou disco martello poueo inipor- ta; tratuesse de um fragmento de rocha hasica, apresentindo aforma de wm pequeno cylindro de faves rudes. Foi achado no Curt. Seu peso é de £25 graummas, medindo o diametro das bases 60 min.ea altura 48 mm. Dos especimens aqui reeothidos os mais curiv- sos @ interessantes ysom duvida alguma a gran- de esphera de quartz de 937 granimas de peso ¢ adupla bola pertencente ao Dr, Baltar. Esta se coinpoe de duas pequenas espheras intimamente ligadas e talhadas em um sé bioeo de rocha. O Rey, Pe Sehupp da-nos a conhecer, em seu traba- tho sobre aborigenes do Brasil, varios objectos de pedea que apresentam grande analogia com a du- pla bola, que ora ¢studamos. Estes objectos, pro- veniontes do Rio Grande do Sul, eran destina- dos, segundo aquelle ilustre jesuita, a servir de pesos para as rédes de pesear, Quanto 4 bola de quartze, gue de modo nen- hum pode, dado sev peso, ser assemelliada ds f mosas bolas de matar anta, de que nos falla Val- daof, @ uma esphera perfeitamente regular de 9 cent, de diametro e admiravelmente polids Ee’ ampla a area de distribui das bolas. Buseas archeologicas recentes ttm mostrado que essas armas, abundantes eomo vimos em todo o territorio do Rio Grande do Sul, existem tambeni em alguns sambaguis de S. Catharina, em S. lau. Jo, na Bahia (3. de Souza) e nos confins do Ama- zonas, onde varios exemplares de bolas 3 tle entalhe cireular foram colhidas por Rodrigues, o grande botanico Brasileiro. Seu emprego nao ficou, porém, adstricto ao Brasil e Paizes Platinos, nem ellas siio tampouco creagio exclusiva da arte autochtone, Por todo e muudlo encontranese pequenas espheras de pedra REVISTA PREMES je differentes feitios e hanniuhos,o que demonstra ter sidie seu uso universal e datar da mais atra ane nenidade, de aso genera en al fear @ en ef espera, tome ig Atlegttine Descobortas nos kjikkonsmoddinyer dia Dina- maren nas fabitacdes licushes da Austria, ells apparecem hunben: tos conehaes da Chile, as flo restas da America Comal uo Mexico, em dava, as Coyanaes, na Nove Caledonia e nas ostie prehistovieas dos Estudos Unidos. juaresiinvel @ a tradieho, que admifte teren sila as bolus introduzédas na America pelos prie Nieiros explordores biricos. Dias de Solis, o des- eobridor iio Bio da Prata, fei imorto, rezam ar chronicas, por tt desses projectis que dhe fendeu eerunee 2 ee) Pero Coctho, quitndoe ent 1608) yeio jentur a vonguista da Ubiapaba, fot recehide hos- filmenie a pedradss pelos indies que ahi demora- vane (20), C) eine SUerrA, CHite ta st o das bolas come arma de eaca e ¢ aborigenes mmericanos, varia mut Unido se peso, forma © dimtensoes, Na guerra 6s posses selyagers se serviaan dts eliamiaclis fof perdidas, an helas com suleo de regular damantio (60 mm. de dinmetra nits on menos, redondss ou ovoides oe pres pela depressio que as contornaya, a tum core de comprimeito variavel No momento da peleja os guerreiras seourayany a ponta do fio © impr: mindo dzoarma rapidissinio movimente de tansla- eho em forne cle suas cahocas, depois langavam- nas cm direefio ao alve, que era quasi sempre at- jingide, outras vezes amarrivam elles a extven 420) 1 do

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