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“O bom músico deve tocar em qualquer afinação”:

Reflexões acerca da afinação na clarineta.


Dr. Fernando José Silveira
Instituto Villa-Lobos da UNIRIO
fernandounirio@hotmail.com

Introdução

O conceito de qualidade para um bom músico de sopros passa, obrigatoriamente, pelo


conceito da boa afinação. Apesar de os instrumentos de madeira, família esta em que se
insere a clarineta, não serem categorizados como ‘temperados’, pode parecer que a afinação
não se apresenta como uma ‘preocupação’, já que as notas são produzidas a partir de orifícios
de posicionamento fixo. Sobre este aspecto, Mazzeo (1990, p. 59) diz, sobre os clarinetistas,
que “não importa quão bom é o músico, quão bonito é o seu som, quão rápido ele pode tocar
ou quão musical ele seja – ninguém quer tocar com alguém que não seja afinado.” Por isso,
Stein (1958, p. 35) assevera que “o instrumentista sério deve dedicar bastante tempo e energia
para aprender a tocar afinado”. Corroborando com esta idéia, por melhor que seja um
instrumento musical – no caso uma clarineta – ele apresentará pequenos desvios de afinação e
timbre - a partir dos fatores inerentes à acústica geral e específica do instrumento - que irá
impor que o músico proceda à sua correção. Cada instrumento é um caso; e o músico, para
utilizá-lo da melhor maneira deverá conhecer seu instrumento e seus desvios de afinação e
timbre, na intenção de, ao menos, minimizá-los. Apesar de a clarineta não ser incluída no rol
dos instrumentos temperados, ela necessita que o seu executante tenha consciência que a
correção das imperfeições do instrumento devem ser baseadas no conhecimento do
temperamento (STEIN, 1958).

Universalmente, a afinação de um instrumento é conferida pela nota lá (a’). Nas


orquestras esta é a nota utilizada para a afinação de toda a orquestra; o que normalmente irá
variar é a altura adotada para esta nota que, nos dias atuais, pode variar de a’=440 Hz ao
a’=444 Hz. Porém, esta normatização para a altura da afinação não foi sempre adotada.
Lindley & Wachsmann (1980, p. 779) dizem que até “o início do Séc. XIX, instrumentos de
madeira eram corriqueiramente equipados com juntas intercambiáveis, de diferentes
comprimentos, para acomodar as diferentes alturas de afinação”. Portanto, a partir do início
do Séc. XIX, com o desenvolvimento de um conceito de padronização da afinação, o músico
começa a adquirir um referencial mais preciso sobre sua afinação a partir do seu instrumento.
Para se adaptar a esta padronização, que poderá variar - em pequena monta -
regionalmente, as fabricas oferecem instrumentos capazes de se adaptar a diversas afinações.
Uma das mais famosas fábricas de clarinetas – a francesa Buffet Crampon & Cie. – oferece
aos seus clientes duas versões de afinação: a’=440 Hz e a’=442 Hz para cada modelo
disponibilizado (BUFFET CRAMPON, 2010). Este padrão é seguido pela maioria das
fábricas que oferecem instrumentos de padrão profissional. O instrumentista, dependendo da
normatização da afinação em seu país, irá escolher aquela versão de afinação que mais se
coadune ao uso do seu instrumento.

No âmbito da contratação internacional de músicos para orquestra, a questão da


afinação se mostra tão importante que as maiores e mais importantes orquestras tem
registrado, nos documentos sobre as audições para músicos, de forma clara qual é a afinação
adotada para a orquestra. Como exemplo, em recente propaganda para o preenchimento a
vaga de ‘3º trompete’ da Orquestra Sinfônica de São Francisco, há a frase: “A afinação
oficial da Orquestra Sinfônica de São Francisco é A=441”1 (SAN FRANCISCO
SYMPHONY, 2010)

No Brasil, nos dias atuais, esta padronização indica que afinação se dará a partir de
um a’=442 Hz. Esta é, por exemplo, a afinação adotada nas orquestras profissionais do
Estado do Rio de Janeiro: Orquestra Sinfônica Brasileira, Orquestra Sinfônica Nacional –
UFF, Orquestra Petrobrás Sinfônica e Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de
Janeiro. Portanto, para aquele profissional que pretenda atuar nestas organizações musicais,
deve-se, não só escolher um modelo de clarineta que permita afiná-la em a’=442 Hz, mas,
segundo Stein (1958), desenvolver o hábito e a responsabilidade de homogeneizar a afinação
de seu instrumento a partir deste paradigma, conhecendo das particularidades do seu
instrumento, desenvolvendo estratégias que permitam corrigir a afinação e o timbre por toda
sua extensão.

O Problema

No ano de 2008, quando das audições para uma grande orquestra profissional do Rio
de Janeiro, a primeira fase desta audição para músicos exigia que se tocasse com o
acompanhamento de piano. A organização de tal evento não previa ensaios na sala da prova
onde o piano que seria usado se encontrava. Portanto, os candidatos deveriam tocar sem

1
“The Official Pitch of the San Francisco Symphony is A=441”
nenhum tipo de contato prévio com a sala ou com o piano. Tal falta de previsão de ensaios,
por si só, apresenta-se prejudicial ao desempenho dos candidatos. Silveira (2007) relata que
“outro fator importante [para o desempenho do candidato] é o acesso, através de ensaio
prévio, à sala onde a audição será feita. Trata-se de um passo relevante para a climatização do
candidato à sala, sua acústica e à afinação do piano com o qual ele irá realizar a prova”. Esta
situação faz com que o candidato apenas tenha oportunidade de conferir a afinação do seu
instrumento, em relação ao piano, no momento da audição. No presente caso, como já dito, as
orquestras cariocas adotam o a’=442; porém, o piano estava afinado em a’=438. No mesmo
momento, o candidato avisou a organização da audição sobre este fato; como resposta, o
presidente da comissão avaliadora intercedeu e disse que ‘o bom músico deve tocar em
qualquer afinação’.

Objetivos

A partir das informações supracitadas, os objetivos da presente pesquisa são


responder às seguintes perguntas:

1. O bom músico pode/deve tocar em qualquer afinação?

2. Caso negativo, quais seriam os fatores que contribuiriam para uma queda na
qualidade da performance a partir do distanciamento da afinação em que o
músico está acostumado?

Metodologia

Para tal empreitada, primeiramente lançou-se mão da bibliografia pertinente à teoria


da performance e sobre os aspectos acústicos do instrumento. Como segundo passo, foi
utilizada uma experiência com clarinetistas profissionais. Tal experiência contou com quatro
clarinetistas profissionais. Um deles atou na pré-experiência, quando o pesquisador
necessitava avaliar se os procedimentos adotados poderiam ser utilizados da forma planejada
e se haveriam dúvidas quanto aos procedimentos da pesquisa. Os pré-requisitos dos
colaboradores é que eles possuíssem o curso superior em música e fossem membros efetivos
de algum corpo orquestral profissional.

A experiência começa com o clarinetista afinando seu instrumento de acordo com o


nível que está acostumado: por exemplo, a’=442 Hz. Feito isso, e anotado o nível da afinação
pelo pesquisador, o colaborador iria tocar uma série de intervalos e o pesquisador, a partir do
uso de um afinador digital, iria anotar os padrões de desvio das notas.

Terminada esta etapa, o pesquisador pediria que o músico re-afinasse seu instrumento
para tocar 4 Hz abaixo da sua afinação usual. Repetido a experiência, seria pedido, em
seqüência, que ele afine seu instrumento para tocar 2 Hz abaixo e 2 Hz acima da sua afinação
usual.

Com tais dados aferidos, foi feito um gráfico dos desvios de afinação do colaborador
em relação à sua performance com sua afinação usual para poder serem usados na análise e
conclusões do presente trabalho.

Nesta ocasião foi pedido, também, que o músico tocasse um pequeno trecho musical
da mesma forma que acima e, ao final, descrevesse as diferenças sentidas com afinações
diferentes da usual.

Revisão de literatura

Para que se proceda à correção da afinação geral da clarineta usa-se, normalmente, o


barrilhete, afastando-o ou aproximando-o do restante do corpo do instrumento. Esta correção
da afinação geral será regida por algumas variantes, tais como a temperatura da sala e do
corpo do instrumento (HUMMELGEN, 1995). Como já dito na introdução, os fabricantes de
instrumento oferecem instrumentos em duas afinações: a’=440 e a’=442. Portanto, o
procedimento da correção da afinação geral deverá ser feito através de pequenos ajustes no
barrilhete; de outra forma, haverá um desequilíbrio geral na afinação do instrumento. O Ideal
é que não se abra mais que 2 mm. Mazzeo (1990. P. 60) nos lembra que “o tamanho do
barrilhete foi escolhido através de precisa análise acústica do instrumento, que deve ser
entendida como a medida correta”. Deve-se lembrar que o fato de se abrir demais o
barrilhete, afastando-o do corpo da clarineta ou da boquilha, fará com que se crie uma
‘câmara’ entre os dois, prejudicando as notas emitidas através de buracos próximos ao
barrilhete. Esta câmara, segundo Hummelgen (1995, p. 187), causa uma perturbação no
centro do tubo da clarineta e, como conseqüência, a modificação na ressonância das
freqüências. Ridenour (2010) lembra que

as notas de garganta (médios) da clarineta não reagem da mesma forma que outras regiões
quando você abre o barrilhete. As notas de garganta (médios) tendem a ter sua afinação
acentuadamente mais baixa que as outras regiões quando se abre excessivamente o
barrilhete.
Gibson (1994) indica o uso de ‘anéis de afinação’, para se preencher este espaço
deixado pelo afastar do barrilhete do resto do corpo do instrumento. Porém, isto apenas
minimiza o problema, não o eliminando por completo.

Mazzeo (1990) nos lembra, também, que o LÁ de afinação – que corresponde à nota
Sí da clarineta em Si bemol – não é a melhor para se avaliar corretamente a afinação geral da
clarineta, obrigando ao músico corrigi-la, também, a partir de notas de outras regiões, já que
cada região tem uma tendência de desafinação. Sobre esta tendência Bloch (1992, p. 438)
indica o mapa abaixo:

Para se corrigir tais imperfeições na clarineta, vários autores sugerem dedilhados


alternativos - e outros subterfúgios - para a tentativa da correção, ou minimização, de tais
fatores. Tosé (1962) textualiza as tendências gerais de desafinação em relação às dinâmicas
na clarineta:

f – a afinação da nota tende a baixar;


p – a afinação da nota tende a subir;

Estas tendências, segundo este autor, podem ser minimizadas das seguintes maneiras:
quando se toca f, para se prevenir que a afinação abaixe, gentilmente aumente a tensão na
embocadura; para o p, faz-se o inverso. Tosé ainda nos diz que, conhecendo o seu
instrumento, o clarinetista pode utilizar-se de dedilhados alternativos, visando corrigir os
problemas de timbre impostos pela acústica específica da clarineta. Tais indicações, mais que
mera ‘teoria’ tem, obrigatoriamente, de ser aplicadas na prática, sob pena de haver
discrepâncias enormes em afinação e timbre. Fleisher (1992, p. 103) nos demonstra, abaixo,
alguns destes dedilhados alternativos:
Com relação ao timbre na clarineta, Loureiro & Paula (2006) dizem que o timbre de
cada nota na clarineta está associado à sua região e à dinâmica com que é produzida. As notas
mais graves da clarineta possuem maior variação timbrística, enquanto as mais agudas menor
variação. Isto induz à conclusão que o clarinetista precisa de uma maior atenção na
homogeneização entre notas de diferentes regiões do instrumento e tocadas em diferentes
dinâmicas. Para tal, será exigido o desenvolvimento da conceituação de ‘tocar equalizando’,
para que o esperado objetivo de homogeneidade tímbrica seja alcançado. A experiência de
Hummelgen (1995) chegou à conclusão que o uso inadequado do barrilhete – abrindo-o em
proporção exagerada – não traz conseqüências apenas na afinação, mas impões que o tubo da
clarineta “fuja significativamente da forma cilíndrica tendo como conseqüência o desvio da
proporção de suas freqüências características [...]” (Hummelgen, 1995, p. 189), influenciando
o timbre do instrumento.

Outro aspecto relativo à performance são as imagens mentais relativas ao ato de tocar
o instrumento, a qualidade de afinação, som e timbre. Allen (2007) informa que as
representações mentais da construção da performance partem do universo do músico: seu
instrumento, sala de estudo, intimidade com a obra e compositor etc. Tais representações
mentais tem como feedback ações mecânicas do corpo para que esta representação mental
possa tornar-se som. Portanto, as ações do corpo – que resultam em som – são os objetivos da
construção mental da performance. Os aspectos da partitura, como notas específicas e ritmos,
correspondem a uma ação muscular específica e, depois de intenso estudo, pré-concebida
para se tornar natural.

No caso da clarineta, o instrumentista monta suas imagens mentais a partir de


informações, por exemplo, sobre a relação intervalar entre as notas no seu instrumento e,
sobretudo, da tentativa de correção dos aspectos como afinação e timbre a partir do
paradigma da afinação eleita por ele como ‘standard’ – ou usual. Se, por uma mudança
brusca de afinação, estas informações são mudadas, toda sua performance poderá ser
prejudicada, já que ele não reconhecerá mais naquele instrumento as mesmas características
até então apreendidas. “Na performance musical, deve-se saber, primeiramente, o som que se
quer produzir. Esta qualidade de som pretendia é a primeira representação que se deve
desenvolver. Depois se procede à representação da produção do som” (ALLEN, 2007, p. 23).

Para uma produção de som com qualidade, há a necessidade de se saber, de antemão,


a afinação em que se quer tocar para, a partir da representação mental contemplando as
informações do seu instrumento, fazer com que seu corpo transforme seus pensamentos em
som de qualidade, i.e., com qualidade de afinação, timbre etc. A imagem ‘aural’ deve ser
concebida no estágio de estudo.

O uso da imagem auditiva para afinação é mencionada em apenas poucos textos sobre
como tocar clarineta. Tosé (1962), na sua argumentação sobre afinação, informa que para
se assegurar da boa afinação o instrumentista deve ‘tocar’ a nota como se fosse ouvida
mentalmente. (ALLEN, 2007, p. 24)

Como poderia, então, o músico ‘tocar’ a nota mentalmente em uma afinação e o


resultado sonoro ser em outra?
Tais reações musculares ‘estudadas’ passam, com o tempo, a serem procedidas de
forma natural e inconsciente pelo músico. As mãos e os dedos, assim como os músculos
relativos à respiração e embocadura perfazem pequenos ajustes para ‘equalizar’,
‘homogeneizar’ e corrigir as imperfeições acústicas de seu instrumento com o objetivo maior
de proporcionar uma performance de qualidade a partir do paradigma da sua afinação usual.

O método mais comum, nos dias de hoje, para que o músico verifique a afinação de
seu instrumento e suas tendências de desafinação é o uso de um afinador eletrônico. Tal
equipamento permite que, a partir calibragem para o uso de um A (LÁ) entre 410 Hz e 480
Hz, seja verificado, em ‘cent’s’ os desvios da afinação comparados com a altura
predeterminada tendo como paradigma a afinação da nota a’.

Cent é a unidade logorítmica usada para medir os intervalos musicais. Cada intervalo
entre os 12 semitons dos quais uma oitava é formada possui 100 cent’s. Ao que parece o
ouvido humano, em uma melodia tocada por qualquer instrumento, não é capaz de, com
segurança, identificar pequenos desvios deste padrão. Loeffler (2006) nos indica que,
normalmente, o ouvido humano só irá perceber um desvio de afinação quando este for
superior a 6 cent’s. Porém, aparelhos como os afinadores eletrônicos o utilizam como
parâmetro para que, visualmente, o músico possa aferir os desvios com maior precisão.

Gibson (2010), nos apresenta tabela, abaixo, com os desvios de afinação padrão em
uma oitava da clarineta.

Tabela 1 – (Gibson, 2010, p. 2)


Note-se, na tabela, que em oito notas – das doze apresentadas - o desvio de afinação
supera os 10 cent’s, denotando possibilidade de que aquele que ouve o som caracterize-as
como ‘desafinadas’.

EXPERIÊNCIA

Como complementação de toda a teoria acima apresentada, foi procedida a


experiência descrita na metodologia. Para tal foi composto uma seqüência intervalar de vinte
compassos com 37 notas, contemplando toda a extensão da clarineta.

Abaixo, encontra-se gráfico com os resultados de desvio de afinação dos


participantes na experiência.
Participante A

30
25
20
15
10
cents

5
0
-5 0 5 10 15 20 25 30 35 40
-10
-15
notas

Padrão (442Hz) + 2Hz - 2Hz - 4hZ

Participante B

30
25
20
15
10
cents

5
0
-5 0 5 10 15 20 25 30 35 40

-10
-15
-20
notas

Padrão (442Hz) + 2Hz - 2Hz - 4hZ


Participante C

25
20
15
10
5
0
cents

-5 0 5 10 15 20 25 30 35 40
-10
-15
-20
-25
-30
notas

Padrão (442Hz) + 2Hz - 2Hz - 4hZ

Os gráficos acima demonstram, nitidamente, que as tendências de desafinação em


diferentes alturas não são correspondentes em nenhum dos participantes. Isto corrobora com
o pensamento que, o fato de o músico redimensionar seu instrumento e tentar compensar tais
distorções, a partir de mudanças de embocadura e/ou dedilhados alternativos, não resulta em
desvio de afinação similares. A tendência à desafinação de certas notas - em afinações
diferentes da que o músico está habituado, na verdade se comportam de forma oposta: notas
que tendiam a ficar baixas em afinação tornaram-se altas – ou vice-versa. Em certas ocasiões,
afinar seu instrumento com um referencial de afinação mais baixo fazia com que notas com
tendência de desafinação para baixo tornassem altas – e vice-versa. Claramente pode-se
afirmar que, a partir de paradigmas de afinação diferentes daquele que o músico está
acostumado, ele comporta-se como se tivesse perdido o referencial de afinação – talvez a
partir da perda dos referenciais do seu instrumento e embocadura.

A segunda parte da experiência propôs aos colaboradores que tocassem um trecho


musical bastante conhecido da 8ª Sinfonia de L. van Beethoven:
Durante a performance, em cada afinação, foi procedida a verificação da amplitude da
tendência de desafinação. Ao final, foi pedido ao músico que comentasse algum ponto
importante sobre sua performance.

Participante Afinação usual -4Hz +2Hz -2Hz


Oscilação da afinação, Oscilação da afinação, para Oscilação da afinação, Oscilação da afinação, para
para mais ou para mais ou para menos, da ordem para mais da ordem de mais da ordem de 30 cents e
menos, da ordem de 5 de 20 cents 20 cents e para menos para menos da ordem de 20
cents da ordem de 30 cents cents
A Sente sua afinação alta Uso intenso da embocadura Sentiu-se mais Sentiu o som ‘espremido’
para tentar afinar; sentiu que confortável com um timbre diferente.
perdeu o foco das notas; tocou
mais forte para tentar baixar a
afinação das notas.

Oscilação da afinação, Oscilação da afinação, para Oscilação da afinação, Oscilação da afinação, para
para mais ou para mais ou para menos, da ordem para mais da ordem de mais da ordem de 30 cents
menos, da ordem de 10 de 20 cents. 30 cents e, para menos e, para menos da ordem de
cents. da ordem de 20 cents 20 cents
B Sentiu problemas com a Timbre bom; sente melhora na Afinação e timbre Desconfortável; problemas
emissão; sente-se, ainda, afinação; sente-se sem bons. de afinação; tentou mudar o
confuso pela etapa segurança para tocar. dedilhado para afinar
anterior; timbre bom. melhor; timbre bom.

Oscilação da afinação, Oscilação da afinação, para Oscilação da afinação, Oscilação da afinação, para
para mais ou para mais da ordem de 30 cents e, para mais da ordem de mais da ordem de 25 cents
menos, da ordem de 10 para menos da ordem de 20 25 cents e, para menos e, para menos da ordem de
cents. cents da ordem de 20 cents 20 cents
C Sente-se confortável. Sentiu-se preocupado com os Afinação mais estável; Timbre sem brilho; mais
intervalos; sentiu-se mais timbre mais claro e difícil para tocar; sente-se
desafinado; mudança de brilhante; menor muito desafinado em notas
timbre. esforço para tocar. agudas.
Estatisticamente, a variação média de desafinação dos três participantes, na sua
afinação habitual, foi de 8,3 cents – para cima ou para baixo. A média da desafinação em
todas as outras afinações foi para cima da ordem de 25,5 cents e para baixo da ordem de
21,11 cents. Portanto, nota-se uma diferença considerável entre as tendências de desafinação
na altura usual e não-usual.

Além disso, todos os participantes relataram desconforto na utilização de afinação não


usual. A maioria relatou desconforto com a afinação, timbre e maior dificuldade de tocar.

CONCLUSÕES

O presente texto esclareceu que uma das maiores qualidades do músico é tocar afinado.
Para tal, ele deve dedicar bastante tempo e esforço para, a partir de seus paradigmas –
instrumento, conformação física e nível de afinação – conseguir estabilizar ou minimizar seus
problemas de afinação.

Foram estudado a teoria da afinação, aspectos acústicos da clarineta e aspectos aurais


relativos ao ato de tocar e suas implicações musculares. Procedeu-se a uma experiência com
músicos profissionais, trazendo informações relevantes para o deslinde do presente assunto.
Agora, trazemos as perguntas norteadoras da presente pesquisa:

1 - O bom músico pode/deve tocar em qualquer afinação?

A bibliografia consultada indica que aquele clarinetista que pretenda desenvolver suas
habilidades para tocar em qualquer afinação irá enfrentar grandes dificuldades. Além da
dificuldade com os aspectos acústicos e físicos do instrumento – que é produzido para uma
determinada afinação – o clarinetista enfrentará o aspecto aural, encarando entraves para a
formação e consolidação de referenciais sobre afinação, timbre, articulação e qualidade de
som que proporcione segurança para desenvolver as qualidades necessárias para um bom
clarinetista.

A experiência conduzida demonstra que a qualidade da afinação, quando do uso de


níveis de afinação não-usuais, cai drasticamente, entrando em níveis qualificados como
inaceitáveis e que, facilmente, são identificáveis ao ouvido humano. Portanto, esta pesquisa
demonstra que não, não é possível que o clarinetista possa tocar em todas as afinações com o
mesmo nível de qualidade obtido em sua afinação usual.
2 - Caso negativo, quais seriam os fatores que contribuiriam para uma queda na
qualidade da performance a partir do distanciamento da afinação em que o músico está
acostumado?

O primeiro fator é a diferença acústica que seu instrumento é obrigado a suportar para
tocar em outra afinação que não a usual. Abrir o barrilhete em grande monta impõe que as
características cilíndricas da clarineta sejam ‘pertubadas’, prejudicando a relação intervalar
entre as notas e timbre. Este estado leva a outro, que é a mudança de embocadura: para tentar
compensar a afinação o clarinetista muda a embocadura e, com esta mudança, perde ainda
mais qualidade de timbre, de som, de articulação e toda a referência auro-muscular da
correção específica das notas de seu instrumento.

Todas estas mudanças apresentam-se como motivos de extrema importância para uma
performance de qualidade. Por este motivo, quando é requerido que o clarinetista toque em
afinação não-usual, ele precisa dedicar muito mais atenção a este aspecto, deixando de lado,
por vezes, qualidades fraseológicas, de dinâmica etc, que corroboram para a qualidade de sua
performance, não obtendo o mesmo nível quando do uso de sua afinação usual.

O músico desenvolve uma afinação interna. Esta pode ser mudada; porém faz-se
necessário tempo e esforço para que isto aconteça. Segundo a presente pesquisa, o clarinetista
não pode, sem ter prévia informação, tocar em outra afinação que não a sua usual. Trata-se,
também, de uma questão ética de, sabendo das informações aqui descritas, o clarinetista não
ser obrigado a mudar sua afinação usual sob pena de uma performance muito aquém das suas
reais possibilidades.

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