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Introdução
No Brasil, nos dias atuais, esta padronização indica que afinação se dará a partir de
um a’=442 Hz. Esta é, por exemplo, a afinação adotada nas orquestras profissionais do
Estado do Rio de Janeiro: Orquestra Sinfônica Brasileira, Orquestra Sinfônica Nacional –
UFF, Orquestra Petrobrás Sinfônica e Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de
Janeiro. Portanto, para aquele profissional que pretenda atuar nestas organizações musicais,
deve-se, não só escolher um modelo de clarineta que permita afiná-la em a’=442 Hz, mas,
segundo Stein (1958), desenvolver o hábito e a responsabilidade de homogeneizar a afinação
de seu instrumento a partir deste paradigma, conhecendo das particularidades do seu
instrumento, desenvolvendo estratégias que permitam corrigir a afinação e o timbre por toda
sua extensão.
O Problema
No ano de 2008, quando das audições para uma grande orquestra profissional do Rio
de Janeiro, a primeira fase desta audição para músicos exigia que se tocasse com o
acompanhamento de piano. A organização de tal evento não previa ensaios na sala da prova
onde o piano que seria usado se encontrava. Portanto, os candidatos deveriam tocar sem
1
“The Official Pitch of the San Francisco Symphony is A=441”
nenhum tipo de contato prévio com a sala ou com o piano. Tal falta de previsão de ensaios,
por si só, apresenta-se prejudicial ao desempenho dos candidatos. Silveira (2007) relata que
“outro fator importante [para o desempenho do candidato] é o acesso, através de ensaio
prévio, à sala onde a audição será feita. Trata-se de um passo relevante para a climatização do
candidato à sala, sua acústica e à afinação do piano com o qual ele irá realizar a prova”. Esta
situação faz com que o candidato apenas tenha oportunidade de conferir a afinação do seu
instrumento, em relação ao piano, no momento da audição. No presente caso, como já dito, as
orquestras cariocas adotam o a’=442; porém, o piano estava afinado em a’=438. No mesmo
momento, o candidato avisou a organização da audição sobre este fato; como resposta, o
presidente da comissão avaliadora intercedeu e disse que ‘o bom músico deve tocar em
qualquer afinação’.
Objetivos
2. Caso negativo, quais seriam os fatores que contribuiriam para uma queda na
qualidade da performance a partir do distanciamento da afinação em que o
músico está acostumado?
Metodologia
Terminada esta etapa, o pesquisador pediria que o músico re-afinasse seu instrumento
para tocar 4 Hz abaixo da sua afinação usual. Repetido a experiência, seria pedido, em
seqüência, que ele afine seu instrumento para tocar 2 Hz abaixo e 2 Hz acima da sua afinação
usual.
Com tais dados aferidos, foi feito um gráfico dos desvios de afinação do colaborador
em relação à sua performance com sua afinação usual para poder serem usados na análise e
conclusões do presente trabalho.
Nesta ocasião foi pedido, também, que o músico tocasse um pequeno trecho musical
da mesma forma que acima e, ao final, descrevesse as diferenças sentidas com afinações
diferentes da usual.
Revisão de literatura
as notas de garganta (médios) da clarineta não reagem da mesma forma que outras regiões
quando você abre o barrilhete. As notas de garganta (médios) tendem a ter sua afinação
acentuadamente mais baixa que as outras regiões quando se abre excessivamente o
barrilhete.
Gibson (1994) indica o uso de ‘anéis de afinação’, para se preencher este espaço
deixado pelo afastar do barrilhete do resto do corpo do instrumento. Porém, isto apenas
minimiza o problema, não o eliminando por completo.
Mazzeo (1990) nos lembra, também, que o LÁ de afinação – que corresponde à nota
Sí da clarineta em Si bemol – não é a melhor para se avaliar corretamente a afinação geral da
clarineta, obrigando ao músico corrigi-la, também, a partir de notas de outras regiões, já que
cada região tem uma tendência de desafinação. Sobre esta tendência Bloch (1992, p. 438)
indica o mapa abaixo:
Estas tendências, segundo este autor, podem ser minimizadas das seguintes maneiras:
quando se toca f, para se prevenir que a afinação abaixe, gentilmente aumente a tensão na
embocadura; para o p, faz-se o inverso. Tosé ainda nos diz que, conhecendo o seu
instrumento, o clarinetista pode utilizar-se de dedilhados alternativos, visando corrigir os
problemas de timbre impostos pela acústica específica da clarineta. Tais indicações, mais que
mera ‘teoria’ tem, obrigatoriamente, de ser aplicadas na prática, sob pena de haver
discrepâncias enormes em afinação e timbre. Fleisher (1992, p. 103) nos demonstra, abaixo,
alguns destes dedilhados alternativos:
Com relação ao timbre na clarineta, Loureiro & Paula (2006) dizem que o timbre de
cada nota na clarineta está associado à sua região e à dinâmica com que é produzida. As notas
mais graves da clarineta possuem maior variação timbrística, enquanto as mais agudas menor
variação. Isto induz à conclusão que o clarinetista precisa de uma maior atenção na
homogeneização entre notas de diferentes regiões do instrumento e tocadas em diferentes
dinâmicas. Para tal, será exigido o desenvolvimento da conceituação de ‘tocar equalizando’,
para que o esperado objetivo de homogeneidade tímbrica seja alcançado. A experiência de
Hummelgen (1995) chegou à conclusão que o uso inadequado do barrilhete – abrindo-o em
proporção exagerada – não traz conseqüências apenas na afinação, mas impões que o tubo da
clarineta “fuja significativamente da forma cilíndrica tendo como conseqüência o desvio da
proporção de suas freqüências características [...]” (Hummelgen, 1995, p. 189), influenciando
o timbre do instrumento.
Outro aspecto relativo à performance são as imagens mentais relativas ao ato de tocar
o instrumento, a qualidade de afinação, som e timbre. Allen (2007) informa que as
representações mentais da construção da performance partem do universo do músico: seu
instrumento, sala de estudo, intimidade com a obra e compositor etc. Tais representações
mentais tem como feedback ações mecânicas do corpo para que esta representação mental
possa tornar-se som. Portanto, as ações do corpo – que resultam em som – são os objetivos da
construção mental da performance. Os aspectos da partitura, como notas específicas e ritmos,
correspondem a uma ação muscular específica e, depois de intenso estudo, pré-concebida
para se tornar natural.
O uso da imagem auditiva para afinação é mencionada em apenas poucos textos sobre
como tocar clarineta. Tosé (1962), na sua argumentação sobre afinação, informa que para
se assegurar da boa afinação o instrumentista deve ‘tocar’ a nota como se fosse ouvida
mentalmente. (ALLEN, 2007, p. 24)
O método mais comum, nos dias de hoje, para que o músico verifique a afinação de
seu instrumento e suas tendências de desafinação é o uso de um afinador eletrônico. Tal
equipamento permite que, a partir calibragem para o uso de um A (LÁ) entre 410 Hz e 480
Hz, seja verificado, em ‘cent’s’ os desvios da afinação comparados com a altura
predeterminada tendo como paradigma a afinação da nota a’.
Cent é a unidade logorítmica usada para medir os intervalos musicais. Cada intervalo
entre os 12 semitons dos quais uma oitava é formada possui 100 cent’s. Ao que parece o
ouvido humano, em uma melodia tocada por qualquer instrumento, não é capaz de, com
segurança, identificar pequenos desvios deste padrão. Loeffler (2006) nos indica que,
normalmente, o ouvido humano só irá perceber um desvio de afinação quando este for
superior a 6 cent’s. Porém, aparelhos como os afinadores eletrônicos o utilizam como
parâmetro para que, visualmente, o músico possa aferir os desvios com maior precisão.
Gibson (2010), nos apresenta tabela, abaixo, com os desvios de afinação padrão em
uma oitava da clarineta.
EXPERIÊNCIA
30
25
20
15
10
cents
5
0
-5 0 5 10 15 20 25 30 35 40
-10
-15
notas
Participante B
30
25
20
15
10
cents
5
0
-5 0 5 10 15 20 25 30 35 40
-10
-15
-20
notas
25
20
15
10
5
0
cents
-5 0 5 10 15 20 25 30 35 40
-10
-15
-20
-25
-30
notas
Oscilação da afinação, Oscilação da afinação, para Oscilação da afinação, Oscilação da afinação, para
para mais ou para mais ou para menos, da ordem para mais da ordem de mais da ordem de 30 cents
menos, da ordem de 10 de 20 cents. 30 cents e, para menos e, para menos da ordem de
cents. da ordem de 20 cents 20 cents
B Sentiu problemas com a Timbre bom; sente melhora na Afinação e timbre Desconfortável; problemas
emissão; sente-se, ainda, afinação; sente-se sem bons. de afinação; tentou mudar o
confuso pela etapa segurança para tocar. dedilhado para afinar
anterior; timbre bom. melhor; timbre bom.
Oscilação da afinação, Oscilação da afinação, para Oscilação da afinação, Oscilação da afinação, para
para mais ou para mais da ordem de 30 cents e, para mais da ordem de mais da ordem de 25 cents
menos, da ordem de 10 para menos da ordem de 20 25 cents e, para menos e, para menos da ordem de
cents. cents da ordem de 20 cents 20 cents
C Sente-se confortável. Sentiu-se preocupado com os Afinação mais estável; Timbre sem brilho; mais
intervalos; sentiu-se mais timbre mais claro e difícil para tocar; sente-se
desafinado; mudança de brilhante; menor muito desafinado em notas
timbre. esforço para tocar. agudas.
Estatisticamente, a variação média de desafinação dos três participantes, na sua
afinação habitual, foi de 8,3 cents – para cima ou para baixo. A média da desafinação em
todas as outras afinações foi para cima da ordem de 25,5 cents e para baixo da ordem de
21,11 cents. Portanto, nota-se uma diferença considerável entre as tendências de desafinação
na altura usual e não-usual.
CONCLUSÕES
O presente texto esclareceu que uma das maiores qualidades do músico é tocar afinado.
Para tal, ele deve dedicar bastante tempo e esforço para, a partir de seus paradigmas –
instrumento, conformação física e nível de afinação – conseguir estabilizar ou minimizar seus
problemas de afinação.
A bibliografia consultada indica que aquele clarinetista que pretenda desenvolver suas
habilidades para tocar em qualquer afinação irá enfrentar grandes dificuldades. Além da
dificuldade com os aspectos acústicos e físicos do instrumento – que é produzido para uma
determinada afinação – o clarinetista enfrentará o aspecto aural, encarando entraves para a
formação e consolidação de referenciais sobre afinação, timbre, articulação e qualidade de
som que proporcione segurança para desenvolver as qualidades necessárias para um bom
clarinetista.
O primeiro fator é a diferença acústica que seu instrumento é obrigado a suportar para
tocar em outra afinação que não a usual. Abrir o barrilhete em grande monta impõe que as
características cilíndricas da clarineta sejam ‘pertubadas’, prejudicando a relação intervalar
entre as notas e timbre. Este estado leva a outro, que é a mudança de embocadura: para tentar
compensar a afinação o clarinetista muda a embocadura e, com esta mudança, perde ainda
mais qualidade de timbre, de som, de articulação e toda a referência auro-muscular da
correção específica das notas de seu instrumento.
Todas estas mudanças apresentam-se como motivos de extrema importância para uma
performance de qualidade. Por este motivo, quando é requerido que o clarinetista toque em
afinação não-usual, ele precisa dedicar muito mais atenção a este aspecto, deixando de lado,
por vezes, qualidades fraseológicas, de dinâmica etc, que corroboram para a qualidade de sua
performance, não obtendo o mesmo nível quando do uso de sua afinação usual.
O músico desenvolve uma afinação interna. Esta pode ser mudada; porém faz-se
necessário tempo e esforço para que isto aconteça. Segundo a presente pesquisa, o clarinetista
não pode, sem ter prévia informação, tocar em outra afinação que não a sua usual. Trata-se,
também, de uma questão ética de, sabendo das informações aqui descritas, o clarinetista não
ser obrigado a mudar sua afinação usual sob pena de uma performance muito aquém das suas
reais possibilidades.
BIBLIOGRAFIA
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HUMMELGEN, Ivo Alexandre. “Barrel Displacement and Tone Quality” in: European
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LINDLEY, Mark; WACHSMANN, Klaus. Pitch in: SADIE, Stanley (Ed.). The New Grove
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MAZZEO, Rosario. The Clarinet: Excellence and Artistry. Medfield (EUA): Dorn
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SILVEIRA, Fernando José. “Avaliação musical: audição para grupos profissionais” in: Anais
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TOSÉ, Gabriel. Artistic Clarinet: Technique and Study. Hollywood (EUA): Higland
Music Company, 1962.