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Estomatologia

Introdução
Em aproximadamente 95% dos casos, o tipo de tumor maligno encontrado na boca é do
tipo carcinoma espinocelular. Em função disso, este tumor será o foco deste módulo. Ao longo dos
materiais de leitura utilizaremos câncer bucal e carcinoma espinocelular (CEC) como sinônimos,
visando facilitar a sua compreensão. Os demais 5% correspondem a neoplasias originadas em outros
tecidos da região de cabeça e pescoço e serão apenas comentados brevemente neste material.

Para compreender como o câncer de boca se comporta, é fundamental entender a fisiologia


dos tecidos que revestem essa região do corpo. Assim como em outras partes do trato digestivo, a
boca é revestida por tecido epitelial, cujas células mais profundas se multiplicam para substituir as
células que morrem e descamam na superfície. O câncer de boca, definido de forma simplificada,
consiste em um distúrbio do processo de renovação da mucosa bucal causado, na maior parte das
vezes, por hábitos relacionados ao estilo de vida. Em função destes hábitos, ocorrem mutações
em genes que controlam os eventos envolvidos na renovação da mucosa bucal, resultando na
multiplicação descontrolada de células que têm capacidade de se infiltrar nos tecidos vizinhos. Estas
células têm a capacidade de se disseminar e se instalar em tecidos/órgãos distantes (metástases),
levar à destruição de outros órgãos e, muitas vezes, levar o paciente a óbito.
EPIDEMIOLOGIA1
O Instituto Nacional do Câncer (INCA) é um órgão governamental que promove estudos e
divulga informação sobre os diferentes tipos de câncer. A cada dois anos, são publicadas estatísticas
a respeito da ocorrência de câncer no Brasil. Nos últimos anos, as estimativas de novos casos de
câncer no Brasil têm oscilado em torno de 15.000, com discreto aumento a cada novo levantamento.
Para o ano de 2016, o INCA estimou a ocorrência de 15.490 novos casos de câncer de boca, sendo
11.140 em homens e 4.350 em mulheres.
No Rio Grande do Sul, a previsão para 2016 foi de 1110 casos novos de câncer de boca,
sendo este estado o 5º em números de casos novos no Brasil. Para a capital, Porto Alegre, foram
estimados 170 casos novos, colocando a cidade como a 9ª capital em incidência de câncer no país
(Figura 1). Dessa forma, para os demais municípios do Estado, estariam previstos 940 novos casos.

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Figura 1. Estimativas do número de novos casos de câncer, por capital (INCA, 2016)

Números arredondados para múltiplos de 10.

O Brasil pode ser considerado um país com altas taxas de mortalidade por câncer de boca
quando comparado ao resto do mundo (Figura 2). Além de alta (50% dos pacientes vão a óbito
no período de 5 anos de acompanhamento após o diagnóstico), esta taxa vem se mantendo
inalterada nas últimas décadas, ainda que inúmeros estudos tenham sido realizados no sentido
se estabelecer novas formas de tratamento. Isso se deve, provavelmente, a uma combinação
de fatores que incluem atraso no diagnóstico, demora na busca por atendimento especializado
por parte dos pacientes e lentidão do sistema de saúde no momento em que o paciente está
diagnosticado e busca por tratamento.

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Estudo da frequência, da distribuição e dos determinantes dos problemas de saúde em populações humanas, bem como a aplicação desse conhecimento no
controle dos eventos relacionados com saúde.

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Figura 2. Classificação dos países segundo taxa de mortalidade para câncer de boca em homens.
Taxa para cada 100.000 pessoas.

Figura 3. Taxas brutas de mortalizada para o câncer de boca no Brasil (1979-1998). Fonte: INCA.

Um dos grandes problemas relacionados ao câncer bucal é o diagnóstico tardio, o que leva
a necessidade de tratamentos cirúrgicos mutiladores e a uma baixa taxa de sobrevida em 5 anos2.
Esse dado reforça o importante papel do cirurgião dentista na busca ativa de alterações na cavidade
bucal, na identificação e detecção precoce de qualquer lesão bucal.
Na figura 5, são apresentados os cânceres mais frequentes de acordo com o estágio
(estadiamento clínico)3 em que as lesões são identificadas. Segundo estes dados, o câncer de boca
é o 5º mais frequente. O fato de a boca ser uma região anatômica de fácil acesso ao exame poderia
favorecer a identificação precoce das lesões. Contudo, o que se observa é um grande número de
casos de câncer de boca identificados em estágios mais avançados do que cânceres de regiões que
exigem exames mais sofisticados para detecção como, colo de útero, mama e próstata. Esta situação
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é inadmissível e mudar este cenário depende, em parte, de maior conscientização e mobilização por
parte dos profissionais de saúde, principalmente dos dentistas.
Figura 4. Distribuição dos dez tumores mais frequentes conforme o estadiamento no momento do
diagnóstico. Fonte: INCA, 2006.

FATORES DE RISCO
Consumo de fumo e de álcool
Consumo de tabaco e de bebidas alcoólicas são os principais fatores de risco para o
desenvolvimento de câncer de boca. A maior parte das pessoas acometidas pela doença se expõe
ao fumo, ao álcool ou a ambos. Quando combinados, estão associados a um efeito multiplicativo.
Na Figura 6, encontramos a demonstração dessa relação de forma mais clara. Nota-se que
existe uma relação dose resposta em relação ao fumo, ou seja, quanto mais cigarros o indivíduo fuma
ao longo da vida, maior o risco de desenvolver câncer de boca. Nesta tabela, o indicador maços/anos
cumulativos é obtido a partir do seguinte cálculo: número de cigarros consumidos por dia x número
de anos ÷ 20 (número de cigarros contidos em uma carteira). Dessa forma, segundo esses dados,
uma pessoa que consome 10 cigarros por 20 anos (=10 maços/anos cumulativos) teria 15,2 mais
chances de desenvolver um CEC na língua do que uma pessoa que nunca fumou.
Figura 6. Consumo cumulativo de tabaco e risco de câncer de boca no Brasil.

Fonte: Falando sobre o câncer de boca. MS/INCA,2002.


Se trata de um indicador, que refere o percentual de pacientes que permanecem vivos pelo menos 5 anos após ter diagnosticado o câncer, estando tratado
2.

ou não. Quanto maior este percentual, mais eficaz foi o tratamento utilizado.

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Estádio, estágio ou estadiamento clínico é uma avaliação que indica o quanto o câncer está avançado. O ideal seria detectarmos os tumores malignos no seu
estágio inicial (Estágio ou estádio 1), o que representa uma lesão mais localizada, que exige um tratamento menos agressivo/mutilador e, consequentemente
que tem melhor prognóstico.

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Recentemente, tem se observado uma redução na frequência de fumantes regulares, de


28% em 2002 para 21% em 2010, no Rio Grande do Sul, o que ainda é considerado alto. Outros
estudos mostram uma prevalência de 38% de fumantes em Porto Alegre, a qual se coloca como a
capital brasileira onde mais se consome tabaco.
Um dado interessante e que pode ser utilizado no encorajamento dos fumantes ao
abandono do hábito é que o risco ao desenvolvimento de câncer reduz gradualmente frente à
cessação da exposição ao tabaco. Na Figura 7, podemos observar que os indivíduos que fumam
apresentam 23 vezes mais chances de desenvolver câncer do que aqueles que nunca fumaram,
e os que pararam de fumar há mais de 10 anos têm um risco relativo de 1,2, se aproximando dos
indivíduos que nunca fumaram.
Figura 7. Efeitos da suspensão do tabagismo sobre o risco de câncer de boca, no Brasil. Fonte:
Falando sobre o câncer de boca. MS/INCA,2002).

O consumo de álcool (etanol) tem aumentado em várias populações e a faixa etária dos
indivíduos consumidores tem sido cada vez mais baixa. Diversos estudos epidemiológicos têm
mostrado que o consumo de álcool é um fator de risco independente para o desenvolvimento de
carcinoma espinocelular. Embora existam evidências de que o álcool tenha ação direta e indireta,
os mecanismos que explicam a relação entre consumo de álcool e risco para o câncer de boca são
parcialmente compreendidos. Aparentemente, ele aumenta a permeabilidade da mucosa bucal
a carcinógenos presentes no tabaco, mas também atua sistemicamente prejudicando o sistema
imunológico. Os estudos mais recentes afirmam que o acetaldeído, um dos produtos da sua
degradação, seria o principal responsável pelas alterações relacionadas ao câncer bucal. Segundo
a Organização Mundial de Saúde (OMS), o consumo médio anual de álcool no Brasil é 8,7 litros por
pessoa, sendo este valor superior à media de consumo mundial. A Secretaria Nacional de Políticas
sobre Drogas (SENAD) mostra que houve aumento no consumo de bebidas alcoólicas no Brasil,
sendo este mais acentuado na região sul do país (Figura 8).

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Figura 8. Mudança no consumo de bebidas alcoólicas no Brasil e no Rio Grande do Sul. Fonte: Se-
cretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD).

Exposição à radiação ultravioleta


A exposição desprotegida à radiação ultravioleta é o principal fator associado ao câncer de
lábio. Pessoas com atividade relacionada a ambientes externos (agricultores, pescadores, pedreiros,
esportistas...) usualmente se expõem de forma crônica à ação da radiação solar e inicialmente
apresentam queilite actínica, a qual apresenta potencial de malignização. De modo geral, não se
observa um cuidado com medidas de proteção como o uso de protetores labiais e de chapéus de
aba larga, sendo estes recomendáveis para os indivíduos que se expõem habitualmente à radiação
solar devido a sua ocupação ou de forma recreativa.
Vírus do Papiloma Humano (HPV)
Em recente metanálise realizada a respeito da relação entre o vírus do papiloma humano
(HPV) e câncer de boca, foi demonstrada associação entre presença deste vírus, em particular o
HPV 16, e câncer de boca. Entretanto, ainda não existem evidências suficientes para afirmar que
o HPV causa câncer de boca ou se ele apenas se sobrepõe em lesões já estabelecidas. Portanto, o
papel deste vírus no mecanismo de formação do tumor não está claro, e mais estudos devem ser
realizados para aprofundar o tema. Há indicações, em estudo, do uso da vacina contra o HPV como
forma de prevenção às diferentes formas de câncer associadas ao vírus.
Dieta
Estudos mostraram que o consumo de frutas e saladas atenua o risco aumentado para o
desenvolvimento de câncer bucal em fumantes, sendo este efeito protetor maior em fumantes leves.
Não está claro se isso se deve a presença das vitaminas A, B, C e E ou se está relacionado a outros
componentes destes alimentos. O consumo de café, outras bebidas quentes, carnes grelhadas ou
conservantes presentes em enlatados não parece estar relacionado ao aumento de risco para o
câncer de boca. Por outro lado, diferentes autores concordam que fatores que interferem de
forma negativa no estado imunológico, como deficiências nutricionais, provavelmente favoreçam
a ocorrência de câncer bucal. Esta relação não é completamente compreendida e aparentemente
está envolvida na ocorrência de outras neoplasias.]
Consumo de chimarrão
Embora seja um tema controverso, estudos recentes apontam para a associação entre
o consumo de chimarrão e a ocorrência de câncer de boca. É provável que tanto a temperatura
elevada quanto componentes da própria erva-mate estejam envolvidos. Alguns autores afirmam
que, até o presente momento, as evidências não são suficientemente consistentes para afirmar que
o chimarrão é um fator de risco para o câncer de boca.

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Equipe Responsável:
A Equipe de coordenação, suporte e acompanhamento do Curso é formada por integrantes do
Núcleo de TelessaúdeRS do Rio Grande do Sul (TelessaúdeRS/UFRGS) e do Programa Nacional de
Telessaúde Brasil Redes.

TelessaúdeRS-UFRGS Diagramação e Ilustração


Carolyne Vasquez Cabral
Coordenação Geral Angélica Dias Pinheiro
Roberto Nunes Umpierre Iasmine Paim Nique da Silva
Marcelo Rodrigues Gonçalves Lorenzo Costa Kupstaitis

Gerência de Projetos Projeto Gráfico


Ana Célia da Silva Siqueira Iasmine Paim Nique da Silva
Lorenzo Costa Kupstaitis
Coordenação Executiva Luiz Felipe Telles
Rodolfo Souza da Silva
Design do Objeto Virtual
Coordenação do curso de Aprendizagem
Vinicius Coelho Carrard Lorenzo Costa Kupstaitis
Matheus Lima dos Santos Garay
Coordenação da Teleducação
Ana Paula Borngräber Corrêa Edição/Filmagem/Animação
Diego Santos Madia
Conteudistas do Curso Rafael Martins Alves
Manoela Domingues Martins Bruno Tavares Rocha
Marco Antonio Trevizani Martins Luís Gustavo Ruwer da Silva
Vinicius Coelho Carrard
Vivian Petersen Wagner Divulgação
Camila Hofstetter Camini
Conteudistas do Objeto Virtual de Jovana Dullius
Aprendizagem
Renata de Almeida Zieger Design Instrucional
Fernando Neves Hugo Ana Paula Borngräber Corrêa
Stefanie Thieme Perotto
Karla Frichembruder Equipe de Teleducação
Vinicius Coelho Carrard Angélica Dias Pinheiro
Manoela Domingues Martins Ylana Elias Rodrigues
Marco Antônio Trevizani Martins

Revisores Dúvidas e informações sobre o curso


Bianca Dutra Guzenski Site: www.telessauders.ufrgs.br
Michelle Roxo Gonçalves E-mail: ead@telessauders.ufrgs.br
Otávio Pereira D’Avila Telefone: 51 33082098
Thiago Tomazetti Casotti

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