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Lê, com atenção, o excerto da entrevista com Alberto Manguel, ao Jornal Expresso, do escritor e

um dos bibliófilos mais conhecidos do mundo, que decidiu recentemente doar a sua fabulosa
biblioteca de 40 mil obras à cidade de Lisboa e aos seus cidadãos.

Que papel é que os livros ainda podem desempenhar para impedir o crescimento dos
populismos, a crise das democracias (…); ou seja, aquilo que classificou há pouco como
caminhada para o abismo?
Nas sociedades da escrita, o livro é um instrumento fundamental, mas não é um instrumento que
seja ativo por si mesmo. O livro propriamente dito é apenas um objeto: papel, tinta; ou
eventualmente palavras num ecrã. É só quando o leitor pega no livro e o lê que surge a
possibilidade de que algo aconteça. Ainda assim, é só uma possibilidade. Mas há sempre a
possibilidade de que o leitor reconheça, naquilo que lê, a sua própria experiência, posta por
palavras. Há a possibilidade de que o leitor descubra no livro uma lição, uma aprendizagem da
experiência alheia. Se passámos por isto e fizermos isto, vai acontecer aquilo. Há muitos ‘ses’. É
preciso fazer com que os cidadãos acreditem na sua inteligência e compreendam os seus deveres
para com a sociedade. Tudo coisas que se aprendem nos livros: seja em “Os Três Mosqueteiros”,
para ver como se trabalha em grupo; seja no “Robinson Crusoe”, para entender que não é possível
viver sozinho; seja no “Capuchinho Vermelho”, para mostrar o que é a desobediência civil. Em
França, sempre que jovens vinham visitar a biblioteca, eu dizia-lhes: “Posso prometer-vos uma
coisa: se procurarem durante tempo suficiente, garanto que há pelo menos um livro, uma página,
um parágrafo ou uma palavra que foram escritos para vocês, só para vocês, e isso vai iluminar-vos
o caminho. Procurem e acabarão por encontrá-lo.”

In, Revista Expresso, 12 de setembro de 2020.

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