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Copyright © Vera Lticia Jacob Chaves - 1997 ‘Titulo ¢ texto amparados pela lei n° 5988, de 14 de dezembro de 1973 Depésito legal na Biblioteca Nacional, conforme decreto n° 1825, de 20 de dezembro de 1907 Edigdo: Antonio Fernando Ramos Planejamento grifico ¢ editorial: Bernadete Figueiredo Reviséo do original: Eunice Santos Revisio final: Bernadete Figueiredo ‘Capa: Nancy Figueiredo da Silva/Elias Galva Tiragem: 1000 ex. Chaves, Vera Lticia Jacob C512p Poder do Estado e Poder dos Docentes — 1997 Um olhar sobre 0 movimenta docente na UFPA. ‘Vera Lticia Jacob Chaves. Belém-PA: SPEP/GRAPHITTE, 1997 194 p ISBN 85-86615-01-3 [Movimento Docente. 2. Universidade. 3. Greve. 4, Titulo. cDD 379 2 _O ESTADO E AS RELAGOES DE PODER Para analisar a atuago do movimento docente no jogo da poli- tica educacional para o ensino superior, este estudo teve como refe- réncia as categorias tericas gramscianas de Estado, intelectuais or- giinicos c hegemonia, categorias interrelacionadas no universo do pen- samento gramsciano. Aescolha por essas trés catégorias deu-se por questdes metodo- logicas. Isto nao significa que no decorrer do estudo outras categorias como a ideologia e 0 bloco hist6rico sejam esquecidas. O pensamento de Gramsci deve ser entendido no conjunto de tudo o que ele escreveu. Tsolar um de seus conceitos é tirar-Ihe o significado, a totalidade de suas idéias, Neste sentido, Christine Buci-Glucksmann afirma que, ‘A questio dos intelectuais, aparentemente prioritdria, estd na realidade vinculada a uma reflexéo muito mais ampla, que a condiciona, sobre os mecanismos de “racionalizagao capita- lista”, sobre a crise, sobre o Estado. A ampliacdo gramsciana do conceito de intelectual vincula-se 4 ampliagao do conceito de Estado, mesmo se aparentemente um parece predominar sobre o outro. Conseqiientemente, ndo existe teoria dos inte- lectuais sem teoria dos aparelhos de hegemonia, sem teoria do Estado, (BUCI-GLUCKSMANN, 1980, p. 150) Os conceitos de Estado, de intelectuais e de hegemonia foram escolhidos como categorias que irdo contribuir para a compreensio das contradigdes existentes no jogo da politica educacional para o en- sino superior, particularmente nas Universidades Federais. Compre- endemos, pois, que esta politica é definida através de um movimento de tensio e de conflito ideolégico entre o Estado, enquanto aparelho ideolégico burgués, que tenta manter a hegemonia, agindo através de cuuves, VERALOGIA JACOB 27 mecanismos legais de pressdo € 0 Movimento Docente que, através de seus intelectuais orgdnicos, resiste, utilizando suas préprias armas. 2.1 — Concepgiio de Estado em Gramsci Gramsci nao assume uma concepgio de Estado a partir do deter- minismo econémico. A dimensio econémica na concepgio de Estado encontra destaque nos textos de Marx e de Lénin, Para eles, 0 Estado capitalista é repressivo e formado pela sociedade politica influenciada pelo poder econémico, predominando os aparelhos de coergao (policia, exército). O Estado é visto como um aparelho de poder da burguesia, Nesse sentido, Marx afirma que o Estado € a forma na qual os individuos de uma classe dominante fazem valer seus interesses comuns e na qual se resume toda @ sociedade civil de uma época (...) este Estado Moderno nao é mais do que a forma de organizagiio que os burgueses necessariamente adotam, tanto no interior como no exterior, para a garantia reciproca de sua propriedade e de seus inte- rresses, (MARX, 1987, p. 98). Percebemos, assim, que, para Marx, 0 Estado ca aparelho coercitivo que € utilizado pela burguesia para impor seus in- teresses a toda a sociedade. Marx discute 0 Capital como a forma de poder econdmico do Estado moderno, O que existe em Marx é uma teoria capitalista para entender porque o Estado ¢ um Estado de classe e, em conseqiiéncia, um Estado burgués, porque a burguesia 6 quem detém o poder do Estado capitalista. ‘A nogdo de Estado em Marx foi fundamental, pois deu origem ao debate sobre a concepedo marxiana de Estado, j4 que ele introduz a idéia de Estado vinculada a divisdo da sociedade em classes. E Marx quem aponta o carter de classe de Estado. Na verdade, é importante ressaltar que Marx elaborou sua con- cepgao de Estado capitalista com base no momento histérico que vi- ‘enciou junto com Engels, perfodo pés-Revolugdio Francesa. Procu- 28 roompo st4N0EPoDER nos voces rou analisar as reduzidas possibilidades de participagao politica do proletariado nascente que, além de ser em ntimero pequeno, agia na clandestinidade. Gramsci viveu em um periodo histérico (1920) diverso de Marx, em que € feita a anilise critica acerca da crise do Estado Liberal e do fortalecimento do capitalismo, como sistema hegemOnico. Grams percebe que no capitalismo moderno houve conquistas decorrentes das organizagdes de massa como o sufrdgio universal, os sindicatos profissionais e de classe, as associagdes, os partidos de massa que possibilitaram a ampliagao da sociedade politica e da sociedade civil grande questionamento de Gramsci & ideologia liberal do Es- tado é que esta levava & ocultagao do poder do Estado como poder de classe, & medida que os liberais identificavam o Estado com governo, denificagdo essa que nto passa de uma representagdio da forma corporativo-econdmiea, iso é, da confusdo entre socie- dade civil e sociedade politica, pois deve-se notar que na no- (do geral de Estado entram elementos que também so comuns a nogao de sociedade civil (neste sentido poder-se-ia dizer que Extado = sociedade poltiica + sociedade civil, isto é hegemo: nia revestida de coergao). (GRAMSCI, 1988 b, p. 149), De acordo com as andlises de Gramsci, o Estado Liberal ainda no superou a sua fase econdmico-corporativa, pois, a0 separar a socie dade politica da sociedade civil, através da divisio de poderes, oculta 0 carter de classe do poder do Estado, o que contribui para que aparega acima de toda a sociedade e como representante do interesse de todos. E © Estado policialesco, guardiio, egitimado pela sociedade civil Para Marx, a idéia de Estado esté ligada a divisio da sociedade em classes. Gramsci acrescenta a esta idéia novas determinagdes, poi nao vé o Estado apenas como expresso dos interesses da classe do- minante. Considera que o Estado 6 composto por instituigées e regras, as quais possibilitam a classe dominante exercer 0 seu dominio, sendo que a classe politicamente dominante é sempre a classe que detém 0 poder econémico. Gramsci amplia a visio de Estado, afirmando que ele é produto de uma correlagdo de forgas, no atendendo apenas aos interesses da burguesia como também aos interesses da classe traba- ‘mavEs, YERALICtLsAcoR 29 Ihadora, ampliando, assim, o bloco hegeménico. O que garante a per- manéncia dos interesses do Estado &, portanto, uma situagao de equi Iibrio de forgas, mantidas pela coergao ou através de uma agao politi- co-ideolégica que garanta um consenso. Para manter 0 controle, a sociedade politica utiliza 0 aparelho de Estado. Por diversas vezes, Gramsci utiliza o termo Estado para qualificar a sociedade politica, porém ele explica que se refere &.con- cepgio classica de Estado. A sociedacle politica é, pois, o conjunto das atividades da superestrutura que tem por fungo a maitutengdo, pela forga, pela coergio, da ordem estabelecida, nio se restringindo apenas a0 dominio militar, estendendo-se também ao dominio juridico. No centanto, ao elaborar a sua concepgaio “ampliada” de Estado, Gramsci nao rompe com a teoria “restrita”” de Estado. Ao contratio, torna-a mais rica, 4 medida que Ihe introduz novos elementos, novas determi nagoes, a partir da reinterpretacdo do capitalismo nesse novo momen- tohist6rico que viveu. Em sua formulagao, 0 Estado é visto ndo somente em sua fun- lio coercitiva, mas como um mecanismo que estabelece o equilibrio entre os interesses da sociedade politica com a sociedade civil garan- lindo, dessa maneira, a hegemonia ou a dirego de um determinado ‘grupo social sobre a sociedade nacional inteira, Gramsci (1988 b, p. 87) define o Estado como “todo o conjunto de atividades teéricas e préticas com as quais a classe dirigente justi- fica e mantém nao somente a sua dominagao, mas também consegue obter 0 consenso ativo dos governados”. Isto significa que o Estado esté em toda parte nao delimitando um local especifico. As atividades piiblicas se desenvolvem a partir da cor- relagio de forcas determinada através das relagdes sociais. Estabelece diferenga entre dominagdo e diregdo, entre hegemonia ¢ dominagao. Hegemonia seria 0 consenso ativo © a dominagao seria a coergo. Na dominagdo, utiliza-se a forca, no apenas fisica como também a pressio psicol6gica. Na hegemonia, prevalece a diregdo, 0 convencimento, & quando se consegue fazer com que uma determinada concepgao de ‘mundo seja aceita pela sociedade. Daf ser, entio, a classe hegemdnica aquela que dirige a sociedade e faz passar os seus objetivos via con- 30 rook po #87400 erooeR nes ocENTES senso. E.a que consegue transformar sua concepgiio de mundo nos valo- res gerais da sociedade. Por sua vez, classe dominante & aque se utiliza sobretudo da coercdo, da imposigao. Hegemonia esté relacionada a ques- to de acordo politico. Dominagiio se refere & submissao politica O Estado €, poi g0es de Forga. As correlagdes de forga vae defit O Estado tem uma base terri- s); logo, tem que promover 0. - produto das relagdes sociais, é resultado das tituir, pla corel nejare programar as politicas public torial, cultural, hist6rica e popular (cidad politicas que atendam as necessidades dessa popula O Estado Nacional é marcadamente ideol6gico e substancial- mente econémico estabelecendo-se pela capacidade que tem de per- suadir, de seduzire nao apenas de coagir. Para isso, utiliza seus apare~ Ihos ideolégicos, dentre eles as Universidades, a fim de conquistar a hegemonia, Existem relagdes de poder em que alguns sao visiveis € ‘outros invisiveis. Existem instrumentos de dominagio que sio invisi- veis e que nio nos apercebemos deles. Esta conceituagio de aparelhos invisfveis é importante para se entender a questio do Estado e das politicas puiblicas. Segundo Gramsci, para a classe dominante perpetuar sua domi- ela utiliza, alternativamente, as sociedades civil ¢ politica, por so, torna-se necessério que elas sejam igualmente desenvolvidas e onganicamente vinculadas. Cita como exemplo 0 caso das sociedades ocidentais, onde existe uma penetrago da ideologia burguesa em todo © sistema social, 0 que torna a sociedade civil muito forte, ficando mais dificil a derrubada do bloco hist6rico. Gramsci foi o primeiro fildsofo a refletir sobre a possibilidade de uma revolugao numa sociedade capitalista ocidental. Partindo de sua propria experiencia, enquanto dirigente dos conselhos operdrios & lider do Partido Comunista Kaliano, afirma que “.. havia entre o Estado e a sociedade civil wma justa rela- gio ¢ em qualquer abalo do Estado imediatamente desco- bria-se uma poderosa estrutura da sociedade civil. O Es- tado era apenas uma trincheira avangada, por trds da qual se situava uma robusta cadeia de fortalezas e casamatas”. (GRAMSCI, 1988 b, p. 75). caves, vena eo sicon 3, Isto significa que, no Ocidente, a estratégia para a tomada do poder nao pode se dar apenas através de uma revolt politica, mas por um longo trabalho ideolégico na sociedade civil. A claboracao de uma estratégia revolucionéria para 0 Ocidente, em Gramsci, recebe o nome de “guerra de posigdo” e tem como idéia fundamental a questi da hegemonia ¢ das aliangas de classe. Se~ gundo Gramsci, nos paises desenvolvidos, como os paises Ocidentais, aqueles que possuem uma sociedade civil forte, a estratégia a ser ado- tada para alcancar o socialismo deve ser a de “guerra de posigées”, que consiste no desagregamento do bloco intelectual da classe diri- gente tradicional. A luta é ideolégica, ¢ as classes subordinadas de- vem conquistar a sociedade civil antes de apoderar-se da sociedade politica. [Nay sociedades Orientais, nas quais a suciedade civil nav € forte, a luta € politica e militar, devendo ser adotada a “guerra de movimen- to”, que € a luta armada, militar e estritamente violenta, Para Gramsci, 86 deve ser adotada a guerra de movimento quando for estritamente necesséria e se houver a certeza da vit6ria. De acordo com a formulagao de Gramsci, ndo se deveria aplicar ‘o mesmo modelo adotado na revolugdo russa para as sociedades oci- dentais, devido a grande autonomia que a sociedade civil alcangou em relagdo ao Estado, Nas sociedades ocidentais, o Estado tornava-se cada ‘vez mais amplo devido as complexidades apresentadas pela sociedade civil E importante ressaltar que, 0 conceito de Gramsci sobre socie- dade civil diferencia-se de Marx e Engels, pela interpretacdo peculiar de Gramsci, que viveu a crise do Estado Liberal ao lado do advento do fascismo, Para Marx e Engels (1987, p. 53), a sociedade civil “é a verdadeira fonte, o verdadeiro cendrio de toda a historia (...) abrange todo o intercambio material dos indivfduos, no interior de uma fase determinada de desenvolvimento das forcas produtivas. Abrange toda a vida comercial ¢ industrial de uma dada fase.” A sociedade civil, para Marx, compreende a base material do Estado, ou seja, 0 conjunto das relagdes econdmicas e sociais de um determinado periodo hist6rico, 32 raven po sstino x Ponee pos pocesres Gramsci reelabora o conceito de sociedade civil dando-Ihe um novo significado. Para ele, € na sociedade civil que se confrontam os interesses divergentes, € onde aparecem os conflitos ¢ as contradi~ g0es. A sociedade civil &, um momento da superestrutura ideol6gica, ¢ dessa maneira afasta-se de Marx que compreende por sociedade civil a infra-estrutura econémica. A sociedade civil desempenha um papel fundamental no seio do bloco hist6rico. Constitui-se no momento primordial da superestru- tura, pois € quem dé a dirego “cultural e moral " e a hegemonia para a classe dominante, sendo, também, o elemento do bloco hist6rico mais dificil de transformer. ‘Sem desmerecer a importincia da estrutura, Gramsci afirma 0 valor da superestrutura, 1 medida que a anilise da evolugio dela per- tira o estudo indireto da propria cstrutura, estabelecendo um vinew lo organico entre as duas instancias. Para Gramsci, nas superestruturas encontram-se dois niveis es- senciais em relagdes reciprocas: a sociedade politica (o Estado) ¢ a sociedade civil ~ as organizages privadas: os sindicatos, a Igreja, a familia, os partidos politicos ¢ a escola, Por enquanto, pode-se fixar dois grandes “planos” superes truturais: 0 que pode ser chamado de “sociedade civil” (isto conjunto de organismos chamados comumente de “pri- vados") € 0 da “sociedade politica ou Estado”, que corres- ponde & fungdo de “hegemonia” que 0 grupo dominante exerce em toda a sociedade, aquela de “dominio direto” ou de “comando”, que se expressa no Estado e no governo “ju ridico". (GRAMSCI, 1988 a, p. 10-11), Desse modo, Gramsci estabelece a distingao fundamental entre sociedade politica (Estado), que tem como fungaio a dominagao atra- vés da coergiio, ¢ sociedade civil, que é o espaco privilegiado da hege- monia; da persuasio, da conquista. Sendo que sociedade civil e socie- dade politica relacionam-se permanentemente no seio da superestru- tura, formando uma unidade dialética onde consenso € coergio sio utilizados, alternativamente, Para Gramsci, existird sempre um pouco de coergiio na hegemonia e um pouco de hegemonia na coercao, sendo mares, vaea Lec sacon 33 que quando um for maior o outro sera menor. No jogo politico, deve- se perceber que prevalece: 0 consenso ou a coergao. portanto, na sociedade civil que se dé 0 dominio da ideologia. Para Gramsci, ideologia é “uma concepgao de mundo que se mani- festa implicitamente na arte, no direito, na atividade econémica, em todas ay stunifestaydes da vida individual ¢ coletiva”. (GRAMSCI, 1987, p. 16). Neste sentido, nao existe uma s6 ideologia, mas ideolo- gias (dominante e dominada). Assim, na sociedade capitalista ndo existe apenas uma luta econémica, mas também uma luta ideol6gica. Como a ideologia abrange todas as atividades da classe diri- gente, essa difunde sua ideologia através da organizagao da sociedade civil e que Gramsci denomina de “estrutura ideolégica”. Fazem parte dessa “estrutura ideolégica” todas as organizagdes que tém por fun- 40 difundir a ideotogia e formar a “opiniao publica” (a Igreja, a escola a imprensa). Utilizando-se de uma citagdo de Marx, no Prefécio &Critiea da Economia Politica, Gramsci afirma que para se realizar uma andlise das relagdes de forgas que atuam numa situagdo histérica, em deter- minado perfodo, é preciso movimentar-se no ambito de dois principios: 1) 0 de que nenhuma sociedade assume encargos para cuja solugdo ainda néo existam as condigdes necessdrias e sufi- cientes, ou que pelo menos néo estejam em vias de aparecer e se desenvolver; 2) ode que nenhuma sociedade se dissolve e pode ser substi- tuida antes de desenvolver e completar todas as formas de vida implicitas nas suas relagdes. (GRAMSCI, 1988 b, p. 45). Dessa forma, Gramsci define as condigdes estruturais para a evolugdo da superestrutura. Segundo seu raciocinio, é na reciproci dade entre estrutura e superestrutura que ocorre o processo dialético, A vinculagio organica entre estrutura sécio-econdmica e a superes- trutura ideol6gica e politica e, conseqiientemente, a sustentago das condigdes de hegemonia no interior do bloco histérico € assegurada pelos intelectuais. 34 Poe o xsrano eoneRoosnoceNTES Para a andlise que sera desenvolvida neste estudo, acreditamos ser necessario esclarecer 0 conceito de intelectual, pois esti ligado & organizagdo da sociedade e da politica. Gramsci ampliao conceito de intelectuais interligando-o ao conceito de Estado. 2.2 - A questo dos intelectuais ¢ a formagao da hegemonia Gramsci trata a fundo a questio dos intelectuais, destacando como relevante o papel destes na estratégia de luta pelo socialismo. A temiética dos intelectuais, discutida por Gramsci, tem como ponto de partida 0 momento hist6rico concreto das transformagdes ocorridas entre 1919 ¢ 1926, com a derrota do movimento operdrio na Europae areorganizagao do capitalismo na Itilia, Para Gramsci, 0 intelectual é 0 organizador da sociedade, em todas as esferas da vida social, Nesse sentido ele amplia 0 conceito de intelectual. Cada grupo social, nascendo no terreno origindrio de uma fungdo essencial no mundo da produgio econdmica, cria para si, ao mesmo tempo, de wm modo orgénico, uma ou mais ca- madas de intelectuais que the dao homogeneidade e conscién- cia da prépria funeao, nao apenas no campo econdmico, mas também no social e no politico. (GRAMSCI, 1988 a, p. 3). CO intelectual é 0 organizador da cultura que esté ligado & orga- nizagdo da sociedade e da politica. A sociedade constituida a partir da divisio social do trabalho, entre manual e intelectual, nao é uma con- cepgio assumida por Gramsci. Ele quebra este conceito divisionista, porque entende que todos os homens podem ser considerados intelec~ tuais, & medida que ni estio dispensados da reflexo, Mesmo para os que realizam um trabalho fisico qualquer é exigido um minimo de qualificagdo técnica, intelectual. Gramsci rompe com a visio de que 0 trabalho intelectual 6 superior ao trabalho manual, Nao existe atividade humana da qual se possa excluir toda intervengdo intelectual, nao se pode separar 0 homo faber do home sapiens. Em suma, todo homem. fora de sua profis- ‘aves, ¥ERALECLAACOB 35; sao, desenvolve wma atividade intelectual qualquer, ou sei, um “fildsofo”, um artista, um homem de gosto, participa de uma concepedo de mundo, possui una linha consciente dle conduta moral, contribui assim para manter ou para mo- dificar uma concepeao do mundo, isto é, para promover no- vas maneiras de pensar. (GRAMSCI., 1988 a, p. 7-8) Todo homem € filésofo, porque todo homem tem uma concep- do de mundo, uma maneira de pensar o mundo, por isso ele é capaz de organizar a revolucio. A sociedade sera transfortiiada se todos s assumirem como intelectuais. O intelectual organico, para Grams aquele comprometido com uma classe social, independente de sua origem social. Seu compromisso envolve reflexio, construgdo teérica e construgdo da praxis. © modo de ser do novo intelectual nao pode mais consistir nna elogiiéncia, motor exterior ¢ momentineo dos afetos € das paixoes, mas num imiscuir-se ativamente na vida préti- a, como construtor, organizador, “persuasor permanente”, id que ndo apenas orador puro ~ € superior. todavia, ao es pirito matematico abstrato; da técnica-trabalho, eleva-se a téenica-ciéncia e a concepgao humanista histérica, sem a ‘qual se permanece “especialista” endo se chega a “dirigente” especialista mais politico). (GRAMSCI, 1988 a, p. 8). (O que caracteriza o intelectual organico € sua adeso ao grupo social aque se vincula, em fungao do modo de produgao. Assim como a classe dominante conta com seus intelectuais burgueses, a classe dominada firma alianga com grupos de intelectuais organicos, que se colocam a seu servigo. A Universidades tém um papel relevante na formago da cons- cigncia critica, podendo emancipar os sujeitos do dominio ideolégico da classe dominante e, assim, contribuir para a construgao de uma nova concepgaio de mundo. Para Gramsci, existem diferentes categorias de intelectuais: 0 tradicional, que é reacionério, conservador, nao deseja mudangas & we esta vinculado a interesses do modo de produgio jé ultrapassado, Os eclesidsticos sao 0 tipo mais caracteristico desta categoria intelec- 36 roveRDoEsTAB0EPooEE bs Dce¥TES tual ¢ 0 intelectual revoluciondrio, que & 0 que luta pela revolugio, trabatha por ela, estd ligado a classe trabalhadora, ‘Segundo Portelli, 0 cariter dialético do vinculo organico entre estrutura e superestrutura refletese exatamente nas camadas de inteleetuais euja fungdo € exemer esse vinculo organico: os itelectuais formam uma ‘camada social diferenciada, ligada a estrutura — as classes fun- damentais no dominio econémico ~ e encarregada de elaborar « gerira superestrutura que dard a essa classe homogeneidade diregdo do bloco histérico. (PORTELLI, 1987, p. 84). Os intelectuais so os “funciondrios das superestruturas” (POR- TELLI, 1987 p. 10) e representam a classe & qual esto vinculados social ¢ economicamente. E.a atividade que exerce, no seio da supe- restrutura, para tornar uma classe hegeménica e homogénea, que 0 vincula a essa classe, Se uma classe deseja dirigir a sociedade, os seus intelectuais deverdo ter como fungao principal o exercicio da hegemo- niae da dominagao, De acordo com a interpretagao de Portelli sobre 0 cardter supe- restrutural da funcdo intelectual: Os intelectuais sao as células vivas da sociedade civil e da sociedade politica: sao eles que elaboram a ideologia da classe dominante, dando-the assim consciéncia de seu pa- pel, ea transformam em “concepgdo de mundo” que im- regna todo 0 corpo social. No nivel da difusdo da ideolo- ia, os intelectuais sdo encarregados de animar e gerir a strutura ideolégica” da classe dominante no seio das or- ganizagdes da sociedade civil (Igrejas, sistema escolar, sin- dicatos, partidos etc.) e de seu material de difusdo. Funcio- ndrios da sociedade civil, os intelectuais sao igualmente os agentes da sociedade politica, encarregados da gesido do aparetho de Estado e da fora armada (homens politicos, Sunciondrios, exército etc.). Cada uma dessas funcdes ~ he- sgemdnica, coerctiva, econdmica —contribui para a unidade da classe fundamental e sua hegemonia no seio do bloco histérico. (PORTELLI, 1987, p. 87). caves, ina tteu con 37 No processo hegemonico, agrupam-se os intelectuais em um “bloco ideolégico” que esti vinculado organicamente ao bloco histéri- co. Besse “bloco ideolégico” que sustenta 0 sistema hegembnico. Nesse sentido, o papel dos intelectuais é fundamental para a criagdo do novo bloco histérico. Para Gramsci, 0s intelectuais tém por fungao homogeneizar a classe que representam exercendo a diregio ideoligie e politica de ‘um sistema social. Isto nao significa que, necessariamente, os intelec- tuais originem-se diretamente da classe que representam, porque maioria deles é oriunda das classes auxiliares & classé dirigente. E essa “autonomia” dos intelectuais em relagdo & classe burguesa que contribui para romper com o vinculo orgéinico que a ligavaa ela, deno- minado, por Gramsci, de crise organica. ‘As observagées sobre: 0s intelectuais tradicionais ¢ orginicos; os ‘grupos tradicionais que se separam e tentam conquistar sua autonomia € as diferentes formas de assimilagio dos intelectuais tradicionais, por parte dos novos grupos dominantes, movem-se todas no interior do cri- tério da andlise hist6rico-polftica empreendido por Gramsci —o da iden- tificagao entre a diregio e a hegemonia politica na anilise do Estado. Para ser criado um novo sistema hegemnico € necessério que as classes subordinadas estejam organizadas no sentido de construf- rem a sua propria diregio politica e ideol6gica, antes da explosio da crise. A conquista da direcdio politico-ideol6gica ¢ do consenso de grande parte da populagio, denominada por Gramsci de “guerra de posigo”, implica num consenso ativo, organizado e participativo, como também unidade na diversidade, isto é, um movimento dialético e de- mocratico. O desencadeamento da crise orginica pode ser produzida, ou porque a classe dirigente faliu em determinado grande empreendimento politico pelo qual pediu ow impés pela forga ‘0 consentimento das grandes massas (como @ guerra), ou ‘porque amplas massas (especialmente de camponeses ¢ de pequenos burgueses intelectuais) passurum de repente da passividade politica a certa atividade e apresentaram rei- vindicagées que, no seu complexo desorganizado, constituem uma revolucao. Fala-se de “crise de autoridade", mas, na realidade, 0 que se verifica é a crise de hegemonia, ou crise do Estado no seu conjunto. (GRAMSCI, 1988 b, p. 55) ‘38 room po sano rPooe pes pocromes A crise orgnica ocorre no plano econémico em ambito estrutu- ral, ou seja, como contradigdes estruturais do modo de produgao. A crise de hegemonia ocorre no plano politico, em Ambito superestrutu- ral e revela-se quando as forcas dominantes softem oposi¢ao das for- ‘gas dominadas, num processo de luta pelo encaminhamento de uma nova ordem social, provocando a perda do consenso devido ao enfra- quecimento da diregao politica da classe no poder. A caracterfstica essencial da crise orgdnica é a crise de hegemo- nia, quando a classe dominante niio consegue mais dirigir as classes subordinadas devido ao rompimento ideolégico de seus intelectuais, Ocorre, enti, a fratura do bloco histérico € 0 momento € outro. Uma classe é dominante, pois “dirigente” ¢ é “dominante”. E dirigente em relagao as classes aliadas, é dominante em relagdo as classes adversdrias. Nesse sentido (...) uma classe ‘antes mesmo de chegar ao poder pode (e deve) ser dirigente: quando esté no poder se torna dominante mas continua a ser também “dirigente”. (GRAMSCI, 1988 b, p. 19). De acordo com Gramsci, a hegemonia pode e deve existir antes da tomada do poder, além do que a capacidade expansiva de uma classe ‘no se limita s6 & ditegao politica (no sentido estrito, mas abarca igual- ‘mente 0s aparelhos ideoldgicos ¢ culturais da hegemonia. Na luta das classes subordinadas contra o sistema hegeménico dominante & neces- séria, além da diregdo ideolégica, a diregdo politica e militar. Somente através da aquisigfio da consciéncia de classe é que as classes subalter- nas rompem com a ideologia dominante. Isso implicard na criagdo de seus préprios intelectuais organicos, na absorgo dos intelectuais das camadas aliadas e no desenvolvimento de seu sistema hegeménico. Gramsci (1987) chama a atengdo para a necessidade de eleva- ‘¢4o do nivel intelectual das camadas populares, “o que significa traba- Ihar na eriagao de elites de intelectuais de novo tipo que surjam direta- ‘mente das massas € que permane¢am em contato com ela para torna- rem-se 0s seus sustentéculo.” O atendimento dessa necessidade é 0 que realmente modificard o panorama ideol6gico de uma época, com © surgimento de intelectuais orgdnicos oriundos do proletariado, ele- mentos-chave da nova relagdo hegem6nica, Os intelectuais orginicos maves, ERALicu.sAcaB 39 do proletariado, ou seus intelectuais aliados, so a base da constitui- 40 do novo senso comum. Gramsci considera que, nas sociedades ocidentais, se deve prio- rizar a conguista da hegemonia antes da tomada do poder politico, para a derrubada do antigo bloco hist6rico. Para tanto, é fundamental criar uma nova concepgo de mundo, possibilitando a tomada da cons- ciéncia ideolégica e politica a fim de romper com 0 antigo bloco ideo- ogico. Na luta pela hegemonia cultural e politica, a atuagio dos inte- lectuais é decisiva para a construgao do novo bloco ideol6gi ‘A conquista da hegemonia passa pelos diferentes momentos da relagio de forgas. Esta questo nio aponta apenas para a formagao de uma vontade coletiva, capaz de criar um novo aparelho estatal e de transformar a sociedade, mas, também, para a difusdo de uma nova concepgdo de mundo. E na luta pela hegemonia de uma classe sobre a ‘outra, que ganha importincia 0 reconhecimento das organizagoes di- tas privadas da sociedade civil: a Igreja, os sindicatos, as escolas, etc. ‘A expanso da hegemonia, no sentido de um centro coletivo so- bre 0s intelectuais, segue, segundo Gramsci, duas linhas estratégicas: 4a) wma concepgdo geral da vida, uma filosofia (..) que ofe- rega, dqueles que a ela aderem, uma “dignidade” que thes permita se opor as ideologias dominantes, thes servindo como principio de lua; ¢, b) “um programa escolar” que interesse Aquela parte dos intelectuais, a mais homogénea ¢ a mais umerosa: os professores (dos da escola priméria aos da Uni- versidade) e hes permita desenvolver uma atividade espe {fica no proprio dominio técnico. (GRAMSCI, 1988 a, p. 116). O projeto gramsciano visa elevar o nivel intelectual das massas, possibilitando a elas a participagao ativa e consciente na evolugo po- litica, a fim de que possam elaborar criticamente as suas formas de pensar, transformem a sua visio de mundo e contribuam para a cons- trugio de uma nova sociedade. Para isso, Gramsci propde a substitui- ‘go do “senso comum” por uma concepgio mais coerente cujo ponto de partida ni é a destruigdo do “senso comum”, mas a sua critica, a sua superagiio, transformando-o em “bom senso”, ou seja, em uma visio critica do real, em uma nova cultura. 40 ropmpoestavo x ropex sos pocexTts Os intelectuais orgdnicos do proletariado e seus intelectuais alia- dos sio a base da constituigao do novo senso comum. Segundo Vé- drine, para Gramsci, o proletariado deve em primeiro lugar tomar consciéncia de seu papel ao elaborar wma ideologia que the permita supe- rar as simples reivindicacaes econdmicas. Esse trabalho cri- tico e decisivo, na medida em que a luta contra o sistema passa pela colocagao em causa de toda essa ideologia oculta ‘que a burguesia impée, através de sua imprensa, dos seus meios de comunicagao de massa, de suas escolas, de seus valores considerados “universais”. (VEDRINE [8.l} p. 73). Isso significa que para uma classe tornar-se hegemOnica é ne- cessério superar 0 corporativismo ¢ se transformar em classe nacio- nal, tornando-se porta-voz. de todas as classes através da busca do Para Gramsci (1987, p. 11), © senso comum esté contido na “filosofia espontanea” ou no “folclore da filosofia” que é “peculiar a todo mundo”. 0 folclore compreende todo 0 “sistema de crengas, su- perstigdes, opinides, modos de vere agir tradicionais”. O niicleo po: tivo do senso comum € 0 bom senso, que deve ser desenvolvido e transformado num nivel filoséfico unitério e coerente, refletindo um modo cientifico de pensar criticamente, politicamente. A critica e superagio do senso comum se dé através da filosofia dda praxis, Essa filosofia seria 0 marxismo, que para Gramsci nao & apenas um método, mas uma concepgao de mundo, pois tanto o mé- todo quanto a filosofia marxiana esto intrinsecamente relacionados®, ® Vazguezcompreende, também, que “a pass € a categoria cent da ilosfa que se concebe ‘lise nl Sco bepress. a tbe come a dees raormera. ‘efi sno mre coc oe pr in deter antecedents no pasado em anpoco ses formt achat como flsea titre Scent que depolede peta ote sting pce ean alemdar ‘epmstntn = como eremos~ a oniincla mal eed bem como a co ma ‘oft com apres rel Kee sen, din pans conten eis «aid at neon demo aan donc congm Ae, Gir "em iacnder a mies ocala Coma af pase! ta verte \onsclnia lnfe de pats como também uma pas que cle aum nel perion = ito escnador= ars eipotnca ou heat do dia ta, (WKEQUEE. 1986.5 cmaras, venatcu sacon 4, ‘A compreensao critica de si proprio ocorre através do combate a subalternidade mediante a superagdo das concepgdes mecanicistas particularistas que encobrem o ser social. Isto significa, também, bus- car uma nova articulagdo entre teoria e pratica. ‘Somente a consciéncia critica permite a participagdo na elabo- ragiio de uma proposta de mundo onde “cada um € 0 guia de si mesmo ‘endo recebe, através de influéncias externas, ‘passiva e servilmente’, 08 tragos de sua personalidade”. (GRAMSCI, 1987, p. 12). Para o movimento cultural substituir o senso comym e as ve~ Ihas concepgdes de mundo € necessério: 1) ndo se cansar jamais de repetir os préprios argumentos ..) 2) trabalhar incessantemente para elevar intelectualmente camadas populares cada vez mais vastas, isto é, para dar personalidade ao amorfo elemento de massa, 0 que signifi- a trabathar na criagao de elites intetectuais de novo tipo, que surjam diretamente da massa e que permanegam em contato com ela para tornarem-se os seus sustentéculos. (GRAMSCI, 1987, p. 27). Gramsci destaca a importincia das instituig6es educativas, & medida que a escola pode se constituir num instrumento auxiliar de elaboragiio da hegemonia das classes subordinadas, antes da conquis- tado Estado, Defende em seu programa pedag6gico o ensino politéc- nico e gratuito para todos. Quanto a instituigdo universitaria, Gramsci (1987, p. 29) acritica ao afirmar que é um organismo classista, espon- taneista, dominada por catedréticos e que, & excegtio de alguns paises, “niio exerce nenhuma fungao unificadora; um pensador livre, freqiien- temente, tem mais influéncia do que toda a instituigdo universitaria”, Sobre as academias, considera-as como “o simbolo, ridicularizado fre- qiientemente com raz, da separagdo existente entre a alta cultura ea vida, entre os intelectuais e 0 povo”. (GRAMSCI, 1988 a, p. 125). ‘As universidades e academias sao, para ele, produtoras de umn tipo de conhecimento muito mais destinado & elite que a ser sociali- zado € comprometido em um ato politico mais responsavel. Nao se pode esquecer que analisava as condigdes especificas do bloco | rico italiano. 42 room oestin0 roDER Bos nocerTES Gramsci ndo se limita apenas a criticar essas instituig&es, avanga na elaboragdo de uma proposta pedagdgica para todos os niveis de ensino do novo bloco hist6rico. Na sua proposta de ensino, defende a reorganizagdo completa das academias e assinala que, em um novo contexto de relagdes entre vida e cultura, entre (rabalh intelectual ¢ trabatho industrial, as academias de~ verdo se tomar a organiza¢do cultural (de sistematizagao, expansdo e criagdo intelectual) dos elementos que, apés a escola unitéria, passardo para o trabalho profissional, bem como um terreno de encontro entrewesses € 0s universitérios. (GRAMSCT, 1988 a, p. 125). Todos 0s individuos que, mesmo no setor produtivo, desejam continuar seu desenvolvimento intelectual receberdo educagao perma- nente nas academias. Para tanto, elas vontardv com organismos espe cializados de investigagao e trabalho cientifico que, além de prestarem informagdes & populagao, oferecem contribuigo no processo de des- coberta, Com relagdo as universidades, € dada uma responsabilidade ica por exceléncia, devendo esta articular-se intimamente com a produc. Nesse sentido, tem como tarefa humana: ‘educar os cérebros para pensar de modo claro, seguro e pes- soal, libertando-os das névoas e do caos nos quais uma cul- tura inorgénica, pretensiosa e confusionista ameagava sub- mergi-lo, gracas a leituras mal absorvidas, conferéncias mais brilhantes do que sdlidas, conversagdes e discussdes sem conteiido. (GRASMCI, 1988 a, p. 145). Observa-se a importancia dada, por ele, ao papel das universi- dades na formagao da consciéncia critica, contribuindo para libertar a humanidade do dor iv ideulbgicu da classe dominant ¢ para a cons- truco de uma nova concepgo de mundo. Essa proposta de Gramsci para o novo bloco histérico ja comega a acontecer, mediante um pro- cesso de ocupagio de espagos, de uma guerra de posigdes e que, para ele, aparecia configurada, principalmente, pela experiéncia soviética, cujos resultados considerava positivos. mares, vena dca con 43 Gramsci entende o socialismo ndo apenas como advento de uma nova ordem econdmica, mas também como uma revolugdo cultural. Representa um novo padrao de cultura internacional para a sociedade mundial, respeitando-se as especificidades de cada nagio. A educagao € um ato politico que tanto pode levar & acomoda- do mecdnica ou & criagio de uma consciéncia critica. O mesmo se pode dizer em relayv ao papel da universidade, instituigdo educativa, que representa um todo contradit6rio e complexo, onde convivem as posigdes politicas mais diversas. Se muitos de seus dirigentes postu- Jam uma universidade mais voltada a uma perspectiva empresarial’, certamente existe no interior dessas instituigdes muitos docentes ¢ dis- centes que defendem propostas politicas diferentes, inclusive a eman- cipagao das classes subalternas. Estas concepgdes diferenciadas contribuiram para a existéncia de uma situago de conflito ideol6gico, ou luta ideoldgica, no interior das universidades que hoje, tém, como fungdo, a formagao no apenas, da elite intelectual burguesa, com quem est4 vinculada desde a sua criagdo, mas também a de uma nova elite intelectual comprometida com a formagao de um novo bloco histérico. Neste sentido, Lourdes Févero afirma: ‘a universidade, brasileira hoje, mais do que nunca, vive numa situagdo de ambighidade: por um lado, ela reproduz a estraif- ‘cago social, a ideologia vigente, procuranda implantar dentro da prépria instiuigdo “uma modernizagao tecnoburocritica, pela submissao aos ditames do poder central, que serve para reforgar uma estrutura de poder mais conservadora e com ‘maiores condigdes de reproducir suas préprias estruturas auto- ritdrias” (..): por outro lado, a universidade sobretudo através de alguns grupos mais conscientizados tenta exercer um papel critico frente & sociedade, (FAVERO, 1980, p. 21) Dessa forma, perguntamos: os intelectuais que atuam nas uni- versidades piblicas brasileiras esto comprometidos com que classe? Com que projeto politico de sociedade e de universidade? Em que —_—_ Esa perspec cpresavalcaracieriz-e pela defesa de alguns iigents de IFES em lagSo ‘A itrodugso do ensino pago nos estabelecimentos publics, bem como fazer da educag0 Um, ‘rmprendimentorentivel no plano econtimic, Sobre esse assunto ver: FONSECA, 1993. 44 ramavo remo r room ses ocermis medida se pode afirmar que os intelectuais atuantes na universidade incorporam esta ago, enquanto classe dirigente formadora de opiniao ‘ou se situam melhor nas classes e fragdes de classe de onde sio oriun- dos? Por que no pensar as divergéncias ideol6gicas internas da uni- versidade, enquanto divergéncias de classe, buscando legitimagio de interesses dos lugares sociais, onde se situam? Essa situago torna-se explicita ao analisarmos as diferentes € contradit6rias concepgdes ideoldgicas de universidade existentes nas propostas do Ministério da Educagdo — MEC (fala do poder) e da ‘Associagio dos Docentes do Ensino Superior— ANDES (fala do con- tra-poden. De acordo com Gramsci, ndo existe um saber, mas saberes pro- duzidos nas varias instncias que estiio em luta para se tornarem do- minantes. Dessa forma nao existe uma luta s6 social, mas também de saberes. A classe que domina impée seu saber impedindo as massas de fazerem uma leitura efetiva do real. Esse dominio se efetua através, da imposigdo da ideologia da classe dominante, a qual detém a posse do Estado e dos principais instrumentos hegem6nicos (organizagio escolar, religiosa, imprensa, etc), cristalizando a passividade popular € impedindo 0 acesso a uma filosofia superior. Gramsci confere aos intelectuais a tarefa de encaminhar pro- postas que possibilitem as massas se organizarem e pensarem de forma Coerente, tornando-se auténomas ¢ independentes, superando a passi- vidade. O intelectual orginico revolucionério deve construir um saber que supere o saber dominante. Para isto, deve atuar de diferentes for- ‘mas: ideol6gica, politica, econdmica e cultural, pois estio num mes- ‘mo nivel e todas tém a mesma importin Existe uma forte relagio entre o saber e 0 poder. O saber é de- terminado por quem exerce o poder. Sendo 0 saber ligado ao poder, ‘0 Estado Brasileiro € um Estado burgus, Sendo o Estado um produto das corlagdes de Forgas ‘envolvenio 66 burguesie como também a clase rabalhadora. Ea brguesiapracontinuar n0 [Poverotemque fazer suas ling, ecuae,adminisas, fae suas concesses. peso ideiicar (sallados eo dversdrosdaburgucsia. Quem €a burgscsa Brasileira e como Sedo as aliangas?! E preciso identifica como so definidas as politicasparass Univeridades” Ess politicas sto ‘planjads para lender aos nteresses de qu clase” Qual apatipagdo do Movimento Docente ‘xpanizado, através da ANDES, na definigdo desaspoticas? ceuuves,vinaLicu ices 45; no existe conhecimento neutro, pois todo saber esti ligado a alguma coisa, é comprometido. Neste sentido, questiona-se: Que saber é pro- duzido na universidade? Com que classe ele esté comprometido? Pensamos o saber na dimensio do institufdo ¢ do instituinte. 0 instituido € 0 saber que o Estado reconhece, legitima ¢ ampara. O instituinte € o saber que provém de contradig6es internas na propria universidade, oriundo de perspectivas diferentes acerea da ciéncia e do conhecimento. Acreditamos que, para 0 desenvolvimento do estudo sobre a definigo das politicas para as universidades, torna-se necessario apro- fundar teoricamente a questo do poder que, na concepcao de Gramsci, esté relacionado a questio da hegemonia. 2.3 — As relacdes de poder e sua efetividade dentro do Estado Gramsci pensa 0 poder como uma relagio social. Essa relagdoé dialética porque pressupde dois pélos: 0 dominante ¢ 0 dominado. A ‘mesma nao se dé apenas pela coerciio mas, também, pela persuasio. Para ele, nio existe poder absoluto, total, porque em todo poder existe ‘o espago da resisténcia que gera um contra-poder. Qualquer grupo que aspira a0 poder precisa atrairintelectuais a fim de fortalecer a sua hegemonia. Para compreender a questao do poder em Gramsci, é necessério discutir a posigdo dos intelectu: esfera da politica ¢ a importancia de sua atuago para a conquista da hegemonia. Os intelectuais tém a fungdo de dar a diregao politica e ideolégica a0 bloco hist6rico, pois sao eles que elaboram a ideologia da classe dominante, transformando-a numa concepgdo de mundo que impregna todo o corpo social. ‘As classes dominantes possuem uma imensa capacidade de atrair intelectuais, & medida que tém forga politica econdmica. Quanto mais a classe dominante conseguir atrair intelectuais das classes domina- das, mais forte e s6lida serd a sua dominagio. 5s intelectuais sio, para Gramsci, os organizadores da fungio econémica mantenedores da hegemonia que a classe dominante 46 Poon posstapo rene nes pocerres exerce na sociedade civil. Ou seja, o consenso das classes dominadas é assegurado de acordo com os valores estabelecidos pela burguesi {que sio difundidos pelos intelectuais através das diferentes organiza- es culturais da sociedade civil como a escola, a Igreja, o cinema, a imprensa de maneira geral e 0 partido politico. Os “proletérios” podem construir a sua prépria hegernonia ¢ aspirar 4 dirego da sociedade, produzindo seus proprios intelectuais. Esta construgio da hegemonia se dard pela ago do “intelectual cole~ tivo” - 0 partido politico - 0 qual, para Gramsci, é uma instituigao 6tico-polftica que tem a tarefa de organizar politicamente a classe do- minada e ajudé-la na construgdo da hegemonia. A tarefa principal do partido politico € a de elaborar os seus préprios dirigentes politicos, 0s proprios organizadores da classe subalterna, os seus proprios intelec- tuais e assim desenvolver uma concepgao superior de mundo a qual contribua para a construgio de um novo Estado. Um dos momentos marcantes do pensamento gramsciano re- fere-se & crise da hegemonia e & criago de um novo bloco histérico. ‘Nos momentos de crise de hegemonia da classe dominante, quando ela comega a perder o poder sobre a sociedade, a tendéncia da burgue- sia € dominar através da coergdo. Assim, 0 bloco hist6rico no poder vai se desintegrando e perde 0 consenso espontdneo das massas. A estratégia de Gramsci consiste em estabelecer organizagdes da classe trabalhadora que, através de seus intelectuais orgiinicos e seus aliados, possam criar e difundir uma nova concepgio de mundo, desenvolvendo seu proprio sistema hegeménico para romper com 0 bloco ideolégico das classes dominantes. Poulantzas € um te6rico do marxismo que oferece importantes re- flexes para a compreensio da questo do poder nas sociedades de capi- talismo monopolista. Entende por poder “a capacidade, aplicada as clas- ses sociais, de uma, ou de determinadas classes sociais em conquistar seus interesses especificos”. Afirma, ainda, que esse poder de classe so- cial “designa o campo de sua luta, 0 das relagdes de forcas das relagdes de uma classe com uma outra”. (POULANTZAS, 1985, p. 168). Para Poulantzas, 0 campo do poder é relacional porque os inte- resses de uma classe definem a agdo de cada classe em relagao a outra caves, vena ttcu sheen 47 classe. Afirma ainda que, “o poder de uma classe é definide de acordo ‘com o lugar objetivo que ela ocupa nas relagdes eoondmicas, politicas ¢ ideolbgicas"(1985, p. 168). Neste sentido, o lugar de cada classe € delimitado pelo lugar de outra, de acordo com a divisdo social do tra- balhoe as relagdes desiguais de dominagdo/subordinacao. Refere-se, também, 2 “estratégia do adversario” que seria a capacidade que uma classe deve ter para ver atendidos seus interesses politicos ¢ estabele~ cer estratégias que levem em consideraco a posigo ou o lugar que a classe adverséria ocupa na divisdo social do trabalho. Em relagio ao poder do Estado, afirma que este s6 pode ser centendido a partir do poder de algumas classes (dominantes), ou seja, do lugar dessas classes diante das outras (dominadas). Como o Estado 6 0 lugar de organizagao estratégica da classe dominante em sua rela- ‘go comas classes dominadas, ele é umlugar ¢ umeentro de exerc- io do poder, mas que nao possui poder préiprio” (POULANTZAS, 1985, p. 169). O Estado € 0 centro do exercicio de poder das classes dominantes em relagao as classes dominadas, porém ndo possui poder préprio porque ele ndo é uma coisa ou uma entidade com esséncia instrumental que detém um poder-grandeza quamtificdvel (poder soma- zero) uma vez que ele reflete apenas as relagoes de classe e as forgas sociai {A divistio de classes, da qual decorrem as Tatas de classes e as populares, existe porque “o campo relacional do poder referente as classes esté ligado por wim sistema material de distribuigdo de lugares no conjunto da divisio social do trabalho, ¢ é determinado fundamen- talmente (ainda que nao exclusivamente) pela exploragao”. (POU- LANTZAS, 1985, p. 170). No capitalismo, essa exploragao se efotiva através da extragdo da mais-valiae € ela que determina 0 lugar das classes nos “diversos aparelhos e dispositivos de poder”. Sendo o Estado a “condensagio de ‘uma relagao de forgas entre classes ¢ fragdes de classe”, o poder é uma relagio de lutas entre exploradores ¢ explorados e, por isso, mar- cado pelas contradigbes de classe. (0 Estado possui o poder institucionalizado, porém no o detém totalmente. Na andlise de Poulantzas, a luta de classes tem um papel {4° renmm po rsviz0 x Poor nos cree fundamental, ultrapassando o poder do Estado, a medida que seu campo de atuagdo € o das relagdes de poder. Estas estiio presentes tanto na exploragdo econémica quanto nas relagées politico-ideol6gicas de dominio. Afirma que a compreensio do Estado, enquanto “condensagao material de umarelacio de forcas. significa entendé-lo como um campo € um processo estratégicos, onde se entrecruzam nticleos e redes de poder que ao mesmo tempo se articulam ¢ apresentam contradigées € decalagens uns em relagdes aos outros”. (POULANTZAS, 1985, p. 157). A politica do Estado é definida a partir dessas contradigdes de classes e fragdes hegemdnicas do bloco no poder que, divididos em redes e trincheiras diferentes, representam interesses divergentes. Essa andlise de Poulantzas é fundamental para compreender 0 papel que 0 MEC, enquanto aparetho de Estado, desempenha para a organizagio das classes e fragdes de classe no poder. Marcado pelas ccontradigées de classes, sua atuagdo é definida de acordo com os inte- resses politicos do bloco no poder. Assim, as politicas educacionais para o ensino superior so marcadas pela luta de interesses e definidas a partir do jogo das contradigies de classe. Neste sentido, perguntamos novamente: O Movimento Docente organizado nas Universidades tem conseguido ocupar 0 espaco de re-~ sistencia e assim tornar-se um contra-poder? De que forma consegue contrapor-se ao dominio da classe burguesa e, assim, criar ¢ difundir uma nova concepedo de mundo, desenvolvendo seu préprio sistema hegeménico e rompendo com o bloco ideol6gico das elites no poder? cuuves, vmuxteu sicos 49

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