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Anotações da aula 11.09.2020 – A peste negra e o medievo.

"A doença pertence à historia, em primeiro lugar pois não é mais que
uma ideia, um certo abstrato numa 'complexa realidade empírica', e
porque as doenças são mortais [...] a doença pertence não só a historia
superficial dos progressos científicos e tecnológicos como também a
história profunda dos saberes e das praticas ligadas as estruturas
sociais, as instituições, as representações, as mentalidades." (Le Goff,
1985, p.7-8)

A historiografia recente nos aponta que a produção da história pode trabalhar com as
doenças, epidemias e eventos científicos como fontes de trabalho, pois todos esses aspectos da
fisiologia humana contém uma natureza social, passível de captarem as sensibilidades de seu
período. O próprio tratamento e atenção dada pela sociedade a determinadas doenças, a forma
como ela reage à morte de grupos sociais, reflete os interesses políticos e organizações do
período. A doença conhecida como a peste negra, que assolou a Europa medieval pode ser um
interessante exemplo.

Importante distinção:

 Surto: aumento repentino do numero de casos em uma região especifica.


 Epidemia: surtos repentinos em diversas regiões diferentes.
 Endemia: quando acontece com muita frequência em determinada região.
 Pandemia: acontece quando a epidemia espalha por diversas regiões do planeta.

A peste negra

 Inicialmente era uma doença endêmica de algumas regiões da Ásia Central, mas se
torna uma pandemia em 1348.
 O termo peste negra data do século XVIII. Os contemporâneos da peste,
possivelmente chamavam a doença de "terrível morte", "terrível peste" ou apenas
"peste".

Luana de Almeida Santos


 Chegou na Europa pelos mercadores da Itália, principalmente pela rota da seda, saída
da Ásia Central e indo em direção a Constantinopla, que levaram a doença até a
Europa, pela Itália.

Higiene e Cotidiano:
É anacrônico julgar com os padrões do que hoje consideramos higiene, a população
dos centros urbanos medievais. Logo, sua forma de conceber e lidar com o corpo humano, e a
higiene cotidiana, foi condicionado ao seu período. Dito isso, com base em Martino (2017),
podemos entender como era a estrutura sanitária das cidades medievais. Dejetos de todos os
tipos, fezes, sangrias, animais mortos e etc., ficavam expostos a céu aberto em meios às ruas
principais, em frente às casas e mercados. Em relação às questões de higiene, existem
algumas polêmicas entre a historiografia sobre as praticas de banho ou não durante a idade
média. Mas ainda assim, considerando a pobreza das casas, e a condição de alimentação, lavar
as mãos era considerado uma forma de higiene, elemento importantíssimo na disseminação da
peste negra.

Religiosidade e interpretação das doenças:

"[...] quando ocorria alguma calamidade, como a peste negra,


acreditava-se que era Deus quem estava punindo os homens ou os
provando. Para aplacar a sua cólera, as pessoas deviam jejuar, fazer
penitencias, orar e realizar atos de caridade. Muitos cometiam
excessos e se flagelavam, imaginando que isso fosse agradar ao
Criador. As vezes, uma calamidade afligia certo povoado, provocando
enorme fome entre os camponeses. Neste casos, os grandes senhores
feudais repartiam com todos os grãos armazenados em seus celeiros.
Não porque fossem homens bons, mas por saber que tais gestos fariam
deles homens melhores aos olhos de Deus." (Martino, 2017, p. 27)

Como a medicina estava ainda sob a tutela da igreja católica, a relação que se
desenvolvia com o adoecer no medievo, estava tingido pela religiosidade. Para o sujeito
medievo, morrer não era pior do que ir para o Inferno. A doença era entendida como a
materialização do pecado na carne, logo, a martirização dessa

Luana de Almeida Santos


mesma carne era uma forma de expurgar o pecado, e consequentemente, expulsar a doença.
Assim, ela cita flagelos e procissões, como descritos na citação acima.

Medicina Medieval:

 Medicina escolástica (Séc. XII) Princípios: autonomia e racionalidade.


 Ensinada nas universidades e inspirada nos textos traduzidos do grego e do árabe
(Hipócrates, Galeno e Avicena),
 Embora critique da magia, possuía uma estreita relação com a astrologia e esta foi
usada para explicar a peste negra; "A conjunção de três planetas superiores (Saturno,
Júpiter e Marte) no signo de Aquário em 1345 foi o responsável pela contaminação do
ar, criando a peste negra"
 Os hospitais eram parte integrante do edifício de igrejas, mosteiros e conventos.
 Para o tratamento das doenças recorriam-se as plantas e ervas; de preferencia raízes
devido ao poder subterrâneo do solo.
 Os hospitais eram também casas de acolhimento aos pobres, e geralmente atendidos
pelas "Irmãs de caridade"

Prescrições aos pacientes (magia para-religiosa):

Fazer inalação ou ingestão de pedras preciosas em pó, ou utiliza-las como amuleto.


Também se inalava ervas, queimavam fogueiras, e utilizava-se sanguessugas para limpar o
sangue. Lavar as mãos com vinagre, evitar contato com os doentes, e se possível, fugir para o
campo.

Interpretação da forma de contágio:

Alguns acreditavam que o castigo de Deus caia sobre aqueles que ficassem dentro de
suas cidades, como se Deus pretendesse atingir determinados locais. Logo, era comum as
pessoas infectadas largarem todos seus bens e familiares e se deslocarem para outras regiões,
assim, infectando outras pessoas. Outra explicação era a de os astros colidiam e interagiam de
maneira caótica, assim, não se via regras ou métodos que pudessem impedir alguns de morrer
e outros de sobreviver.

Luana de Almeida Santos


Culpando os Judeus e leprosos:

 Entre os grupos responsabilizados pela peste, os primeiros foram os Mongóis (uma


vez que se descobriu que a peste era oriunda dos navios genoveses)
 Estrangeiros, leprosos (doença símbolo do pecado no medievo), e, principalmente
judeus foram os principais culpados na mentalidade popular da época. Percebe-se que
é comum a culpabilização do outro, do diferente, quando não se consegue configurar
uma explicação para as suas calamidades.
 Questões religiosas: por considerarem que eles mataram Jesus e por pregações do
século XIV que diziam que o anticristo havia nascido e era judeu.
 Questões econômicas: judeus emprestavam dinheiro cobrando juros.
 Lendas e "fake news" acerca dos judeus, sobre falsos rituais, assassinato de pacientes -
no caso dos médicos judeus - e sobre o envenenamento das fontes de agua,
colaboraram para acentuar a perseguição a tal grupo. Podemos construir comparações
entre a disseminação de fake news xenofóbicas ao redor da covid-19, e a perseguição
dos judeus durante a pandemia da peste negra, afirmando que "doenças, síndromes e
transtornos foram ao longo da história utilizados como forma de estigmatizar grupos".
 O papa Clemente VI era contrário a perseguição dos judeus, e tentava protege-los, mas
a assistência de algumas ordenações católicas não era capaz de chegar a todos os
lugares onde a raiva e o medo cristão recaia sobre a população judia.

Boccaccio e a descrição das mudanças de costumes decorrente da peste:

 As mulheres eram obrigadas a abandonar o puritanismo e a vergonha de mostrar os


corpos imposta pela igreja, para serem tratadas e atendidas por homens.
 Mudanças nos enterros, já que eram muitas mortes, onde nem todos podiam ser
enterrados, e muitos corpos ficavam jogados pela cidade até serem recolhidos por uma
carroça.
 Boccacio diz que toda vez que alguém morria, o padre tocava o sino, mas como eram
mortes constantes o sino nunca parava, a ponto de pedirem ao padre que parasse.

Luana de Almeida Santos


 Nasce a ideia de "quarentena", onde se afastavam barcos, até mesmo os incendiando.
Pedia-se que as pessoas não saíssem de casa, além de tentarem limpar as ruas - física e
"moralmente", já que também se culpavam as prostitutas e "sodomitas"
(homossexuais).
 Florescimento de obras poéticas e imagéticas que representassem a fragilidade da
vida, brincando com os conceitos de vida, morte e doenças. Todos, eventualmente
morrem. A "dança macabra", mais tarde, no romantismo ressurge como um símbolo
do medo, do desconhecido e da morte.

Luana de Almeida Santos

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