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Trabalho final do curso de GHGB

Leonardo Vinicius Brisola Barbosa, Nº USP 9372180


Noturno – 17 de agosto de 2016

DAVID HARVEY, ANA FANI E MILTON SANTOS: VISÕES SOBRE


A INFLUÊNCIA DO ESTADO NA PRODUÇÃO DO ESPAÇO
GEOGRÁFICO E NO CAPITAL

O Estado, um dos elementos mais importantes no estudo da geografia, sempre se mostrou


como um dos principais atores internacionais, e também agente de produção e
transformação do espaço geográfico, por isso, sempre esteve em constante estudo e
reformulação durante o desenvolvimento da disciplina geográfica no mundo. Trabalhando
especificamente com algumas das obras de David Harvey1, Ana Fani2 e Milton Santos3, é
possível observar certas semelhanças e discordâncias quanto a aspectos complexos como a
soberania, a importância e a malícia do aparelho estatal como produtor de espaço e capital,
que serão explicadas mais detalhadamente através desse trabalho.

Em sua obra O Novo Imperialismo, David Harvey pretende compreender a dinâmica


espacial do sistema capitalista, analisando dialeticamente a lógica territorial do poder e a
lógica capitalista do lucro, defendendo que, embora sejam diferentes e contraditórias, se
entrelaçam em formas complexas e produzem efeitos diversos em cada lugar. Segundo
Harvey, a lógica territorial do poder seria definida no campo da política (Estado) e visaria o
acúmulo de poder, enquanto a lógica capitalista do lucro seria definida no campo
econômico e visaria o acúmulo de lucro; essas duas lógicas poderiam ou não se contradizer.
A contradição poderia ser exemplificada por um período em que uma guerra trouxesse
prejuízos econômicos, prejudicando a lógica capitalista, mas ao mesmo tempo trouxesse
mais poder, favorecendo assim a lógica territorial. A harmonia entre as lógicas poderia ser

1
David Harvey é um geógrafo britânico formado na Universidade de Cambridge. É professor da City
University of New York e trabalha com diversas questões ligadas à geografia urbana.
2
Ana Fani Alessandri Carlos é uma geógrafa brasileira. É professora titular do Departamento de Geografia
da Universidade de São Paulo.
3
Milton Almeida dos Santos foi um geógrafo brasileiro. Foi um dos grandes nomes da renovação da
geografia no Brasil ocorrida na década de 1970. Também se destacou por seus trabalhos sobre a
globalização nos anos 1990.
encontrada nas mudanças de arranjos territoriais que resultassem ao mesmo tempo em lucro
e poder. É nesse ponto que se torna mais claro o que Harvey compreendia por Estado.

Para Harvey, o Estado desempenha um papel central e decisivo como mediador e principal
responsável por uma possível crise ou manutenção do capital. A crise, em suas teorias, se
dá a partir de um acúmulo natural de excedentes de uma produção que não consegue mais
voltar ao ciclo capitalista, gerando assim uma auto desvalorização causada por sua
ociosidade, assim sendo, a contradição do capital se encontraria na própria essência do
mesmo, levando-o eminentemente ao colapso. É neste momento que entra o Estado. A fim
de proteger as camadas burguesas ou sua soberania, o Estado pode optar por duas saídas:
destruir a produção excedente (que vai contra os capitalistas) ou aumentar as oportunidades
de investimentos ao rearranjar-se territorialmente e espacialmente a fim de deslocar esse
excedente. A última saída pode se refletir de maneiras drásticas como na criação de guerras,
mudança de leis ambientais e investimentos pesados em pesquisa e tecnologia, ou de
maneiras mais leves como a construção de estradas, ferrovias ou portos. Assim, é possível
afirmar que Harvey defende que o capital é a fonte dos arranjos territoriais, mas o Estado é
a ferramenta necessária para que isso possa ocorrer: o capitalismo reaviva o imperialismo
com suas próprias regras.

Apesar de não se aprofundar muito ao explicar a relação do Estado com o espaço e capital
em sua obra A Condição Espacial, Ana Fani o faz de maneira mais detalhada em sua outra
obra, O Espaço Urbano: Novos Escritos Sobre a Cidade, que será utilizada aqui como
principal ponto de partida. Para Fani, o espaço se apresenta como a condição, o meio e o
produto da reprodução social, e em consequência de sua aversão à apropriação privada, o
espaço acaba sendo alienado do sujeito que o produz (tornando as lutas por espaço também
uma parte das lutas de classe).

O Estado, uma vez que é o único aparato capaz de agir em grandes parcelas do espaço para
atenuar essas e outras contradições, interfere a favor da reprodução do espaço do capital,
desse modo, proporcionando uma “renovação urbana”. A renovação urbana, consequência
da ação estatal favorável ao ciclo do capital em legislações, desapropriações e criações de
novas infraestruturas, estabelece, a partir das classes dominantes e através do poder estatal,
uma estratégia de dominação espacial, empregada especialmente pela imposição do setor

2
imobiliário. A partir dessas ideias retiradas de suas obras, é possível concluir que, para
Fani, o Estado aparece como uma importante ferramenta controlada pela burguesia para a
manutenção do ciclo do capital, redefinindo os sentidos do espaço e utilizando-os como um
método de dominação espacial e garantia de seus interesses.

Milton Santos, por sua vez, em seu livro Por Uma Outra Globalização, apresenta uma
visão um pouco mais otimista sobre o Estado. Ao escrever sobre os efeitos negativos da
globalização perversa, ele projeta a possibilidade de um futuro diferente, com uma
globalização ideal. A globalização perversa, segundo Milton Santos, aparece no momento
em que as políticas estatais começam a passar para as mãos das empresas globais, que
devido à extrema competitividade, não podem possuir qualquer tipo de preocupações
morais ou éticas. Apesar de não haver uma real diminuição no poder do Estado, essas
empresas o tomam como refém, obrigando o encolhimento de suas funções sociais e
tomando para si o papel político do Estado de regulador da vida social. Desse modo, tendo
o Estado como sua marionete, as empresas podem praticar seus diferentes tipos de violência
(da informação, do dinheiro, estrutural) e promover um despotismo do consumo, blindadas
sempre pelos confusos conceitos de “democracia” e “cidadania” aplicados ao Brasil.

No entanto, diferentemente de Harvey, que não encontra em fontes externas alguma


solução viável para o fim da opressão do capital e de Fani, que vê o Estado como a mais
importante e necessária ferramenta para impedir o colapso do capital, Santos entende que é
um equívoco pensar que a informação e a finança exercem sempre sua força sem nunca
encontrar uma contrapartida interna. Para ele, a cessão da soberania nacional não é natural,
pois está na mão de cada Estado a regulação de seu mercado financeiro e suas
infraestruturas; assim, cabe aos próprios Estados a decisão de como gerenciar sua
internacionalização, o que pode abrir possíveis brechas para um uso diferente do Estado,
visando romper com a perversidade da globalização, ao mesmo tempo em que não se aliena
do resto dela, afirmando assim uma solução externa.

3
BIBLIOGRAFIA

CARLOS, Ana Fani A. A condição espacial. 1. ed. São Paulo-SP: Contexto, 2011. v. 1.

CARLOS, Ana Fani A. O Espaço Urbano. Novos escritos sobre a cidade. 1. ed. São
Paulo: Editora Contexto, 2004. v. 1.

CARLOS, Ana Fani A. São Paulo hoje: as contradições no processo de reprodução do


espaço. In: Menezes, Ana Virgínia Costa de et al.. (Org.). Organização e Dinâmica do
Espaço Agrário e Regional. Aracaju: São Cristóvão: NPGEO, UFS, 2003, v. , p. 11-29.

HARVEY, David. O Novo Imperialismo. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2005.

OLIVEIRA, Ricardo Costa de. David Harvey, pensador marxista do século XXI. In: 36º
Encontro Anual da ANPOCS, 2012, Águas de Lindóia. 36º Encontro Anual da ANPOCS,
2012.

RIBEIRO, Wagner Costa. Globalização e geografia em Milton Santos. In: Maria de


Azevedo Brandão. (Org.). Milton Santos e o Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu
Abramo, 2004, v. , p. 165-178.

SANTOS, Milton. Por Uma Outra Globalização: Do Pensamento Único À Consciência

Universal. 10. ed. Rio de Janeiro: Record, 2003.

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