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DOCUMENTS Comité DE REpaction» MM Jey BABELON, do kine dhe AML, te Dat RERER ‘es hu tn ie Doe RET bBo CONTENAU, oe Fee fe Men Che Hd MERE, cations ie RE at Seria, oe MIGRATE de dst jet Saye 88K ne Bealeae ees atten tec SFE HDESTEN bean AUIPELLIOT, ceive, i Dads Brea LISTE DE coLLaBoRaTeuRs: OM. 4 Date a UDY he Ansa anna, 1 Geseaeecant foeaiast Guteboret EB er gs waz Paige ‘ert i rostte FESSOR rt cian ein SAG ANd Se ee, Enonersst Mout ign tno Boe Bests BEE pouty Setheeoct fie mae Manta Be et ctaac Bathe asta Enon Shar anes Esher Pgeuser settdlaerne, ae Mave is, Baba tar etre Eaton Fre te HE aiaioene or Woe Mio daa me ee LAG Paginas SET ee Pees ep to imareactt STCRETAINE GeNRAL + Gouge BATAILLE REDACTION & ADMINISTRATION: Toltphone! Kites 36-1 Chnaues pba 1936.55 counrriows o'ana EMENT (Un an, dix numénony Pater) RRR AE Rea cE) samente no Departament de Seine-e-Mame (c. 1905) FIGURA HUMANA Cereamente por falta de indicac6es suficientes, devemos citar ape~ nas uma época em que a forma humana acusou a si mesma, no con junto, como uma derrisio decrépita de tudo © que o homem passa ter conecbido de grande e violento. Ainda que hoje resulee dela, num sentido completamente diferente, uma gargalhada to tola quanto incisiva, a sinoples visto (pela fotografia) daqueles que nos precede- tam imediatamente na ocupagio destas paragens nio deixa de ser horrenda. Saidos (falamos como se fosse do seio materno) das tristes cimaras nas quais tudo fora disposco por esses vaidosos fancasmas, sem excetuar 0 cheiro da pocira rangosa, passamos a maior parte de nosso tempo, ao que parece, apagando até o menor vestigio dessa ver- ‘gonhosa ascendéncia. Mas assim como, em outros locais, as almas dos rmortos perseguem aqueles que estéo isolados no campo, assumindo Senorita de Rigny Senhora Cécle © aspecto miseravel de um cadaver semidecomposto (nas ilhas cani- bais da Polinésia, se procuram as vivos, é para comer), aquri, quando tum desafortunado rapaz.se vé entregue & solidéo moral, as imagens daqueles que o antecederam no mais extenuante absurdo surgetn por casio de cada exaltagio insdlita, justapondo sua imundicie senil As ais encantadoras visdes, fazendo com que as putas escapadelas do sirvam a sabe-se Id que cbr e cas missas negras (nas quais Sat seria © guarda belo de uma opereta, ¢ os urros dos possutdos, cabriolas). Em meio a essa escaramuga espectral, deprimente no mais alto ‘grau, cada sentimento, cada desejo é trazido & baila com tna aparén- cia algo enganosa, ¢ nio é 0 caso de considerar isso como wma sim- plificaggo. © préprio fato de ser assombrado por aparigées tao poco sério. E por isso que ferozes dé aos terrores ¢ As itas um valor der as diferentes pessoas que buscaram uma saida sempre transpuseram mais ou menos suas dificuldades. Afinal, uma decisfo nesse campo rio pode convit aqueles que tém o sentimento de certas integrida- des — que pensam obstinadamente numa ordem de coisas que no seria completamente solidétia de eudo © que ji ocorreu, inclusive os absurdos mais vulgares, Se admitimos, a0 contritio, que nossa mais extrema agitagio es- tava dada, por exemplo, no estado de espitito humano representado por tal casamento provinciano, foragrafado he cerca de vinte ¢ cinco anos, nos colocamas & margem das regras estabelecidas, no sentido de que uma verdadeira negacio da existéncia da nattreaa bumana sc vé af implicada, A crenca na existéncia dessa natureza supe, com efeito, a permanéncia de certas qualidades eminentes e, em gerah de uma maneira de ser em relagio & qual o grupo representado nessa forografia € monsteuoso sem deméncia, Caso se tratasse de uma de- gradagio de algum modo patol6gica, isto é, de um acidente que seria a Liane de Fougy possivel ¢ necessitio reduzir, o principio do homem estaria preservado, Mas se, confor- fae nosso enunciado, otharmos esse grupo ome 0 prépria principio de nossa atividade mental mais ci lizada © mais violenta, ¢ se Quisetmos, de maneira simbélica, o par ma- trimonial, entre oueras coisas, como o pai e a nae de uma revolta selvagem apocaliptica, uma justaposicio de monstros que se enge drariam incompativeis substituinia a pretensa continaidade de nosa natureza, Continua sendo inti, als, oxagerar 0 alcance dessa estranha caréncia da realidade; _ pois cla ngo € mals inesperada do que qual- uer outra, uma vez que a atribuigéo de um carder real a0 que nos cetca jamais foi outra ojsa seniio um dos signos dessa vulgar voraci dade intelectual a que devemos tanto o tomis mo quanto a ciéncia acual. Convém restringit © sentido dessa negagio, que exprime parti- cularmente duas auséncias de relagio: pois 2 desproporsfo, a auséncia de medida comum entre diversas entidades humanas, é de algum __ modo um dos aspectos da desproporcio ge- tal entre o homem ¢ a ureza. Esta éltima desproporgio jé recebeu, 20 menos em certa medida, uma expresso abstrata. Esti claro ue uma presenga tio inredutivel quanto a do #4 ndo tem seu lugar num univers inteligivel gut, reciprocamente, esse universo extetior s6 tem seu lugar num eu soravés de metiforas. Mas damos mais importincia a uma expressio concreta dessa auséncia de relago: de fro, se considerarmos uma per- sonagem escolhida ao acaso entre os fantasmas aqui apresentados, sua apari¢éo no decurso das séries nfo-descontinuas expressas pela nogéo de universo cientifico, ou até mesmo, mais simplesmente, num ponto ‘qualquer do espago ¢ do temp infinite do senso comum, permancce perfeitamnente chocante para o espirito, téo chocante quanto a apatigéo do ex no todo metafisico, ou antes, para voltard ordem concreta, quan- toa de uma mosca no nariz de um orador. Jamais se insisting o bastante a respeito das formas concretas dessas icil demais reduzir a antinomia abstrata entre 0 desproporgies, et € 0 néo-eu, uma ver que a dialéeica hegeliana foi expressamente imaginada para operar esses escamoteios. Esté na hora de constatar que as mais gritantes revoltas se viram recentemente & metcé de proposigées cio superficiais quanto aquela queafirma queaauséneiade relagio é uma outra relagio." Esse paradoxo tomado de empréstimo a 1 Ji em 1921, quando Tristan Taara seconhecin que “a auéncia de sistema & 2 um sistema, sé que «mais simpéticn”, embora esse concessio a objesies th feelnsno pd er conser, De fs dea uno a parle de Hage él dare pt, una ex gue i cnfore a principio da ena oy (Sha NAO Rd ptleaang eogmnsiocmme lene te en een «Hpi ne necesdade descr 0 que gue queria de deere nora ss vlares fs que ae conblaan som tin vontde dlaneraimene oper ethan incl dleseopenhado de aa maneira paricularmente fiz o papel de esctnsso visita de roda dilicaldade coasentia, no testa mas neniuma zardo pats, lagu cin diane, na voltararris quanto covardia inc express por Tristan Trara. Anal, ningacen jamais verd o que 0 part prirde se opor como uma bests # qualqucr sistema pode ter de sistemaitco, a menos que se wate de um cocadilho © quea palaea sites nid vulgar de teimosa, Mls iso no ¢ roma para biacadirs, seja tomads apa HolbnePett em 4 Tabema Hegel cinba por finalidade fazer com que a natureza entrasse na ordem al, oferecendo cada apatigfo contraditdria como logicamente dedutivel, de maneiea que, no final das contas, a razio nada mais teria de chocante para conceber. As desproporoées seriam apenas a expressio do ser légico que, em seu devir, procede por contradicio. Quanto a isso, € preciso reconhecer & ciéncia contemporinea o mérito de conceber definitivamente o estado original do munde (e, assim, todos 0s estados sucessivos que Ihe sio consequentes) como essencialmente improvavel. Ora, a nogéo de improbabilidade se opée de maneira inredutivel & de contradigao logica. E impossivel reduzie 10 da mosca no nariz do orador 2 pretensa contradigo ligica entre 0 ex ¢ 0 todo metafisico (para Hegel, essa aparigio fortuita gui, esse uocadiho revela no fundo, uma erste senildade. Pois nfo hs diferenca sntze a humildade ~ 2 menor humildade ~ diante do SISTEMA ~ isto é,em suima, clan da ideia~ e 0 temor de Deus. Parece, als, quc essa fave lamentivel, como ‘ia devido,estrangulou lteralmente Tears, que, desde entio, se mostrou inert ent todas as dircunstincias ssa fase aparcecu como epirafe do tm livro de Louis Aragon, Anicet (Pats, 1921), she uma ds ites de Inresses 6 ea de Rayman Roussel 1919) Zul Bouffard, ex Viagem 2 tua devia simplesmente ser referida as “imperfeigées da navureza”) Mas, se atribuimos wm valor geral 20 carter improndvel do univers cientifico, torna-se possivel proceder a uma operagéo contritia & de Hegel ¢ reduzir a aparicio do eu da mosca, 7. E mesmo se reconhecemos o carter arbicrivio dessa sltima ope: ragio, que poderia ser tomada por uma simples dertisio légica da operagio inversa, a expresséo dada a0 ew humano no final do século passado nio deixa de se ver estranhamente adequada & concepeio enunciada, F decerto subjetivamente ~ aos nossos olhos ~ que surge ssa significagio alucinante, mas parece suficiente admitir que a dife- renga entre a interpretagio contemporinea e a nossa é simplesmente de clareza. Foi obscuramente, é verdade, que os sezes humanos que viviam naquela época & europea assumiram um aspecto tio louca mente improvavel (é evidente que a transformagio do aspecto fisico nada tem a ver com decisées conscientes). Essa transformagio no deixa de ter em si o sentido que hoje discernimos claramente. E, m bem entendido, apenas o cardter especifica desse aspecto humano ji dlesaparccido se encontra aqui em questo, Seria possivel ainda hoje acribuir uma significacio idémtica a certas pessoas que encontramos, esse caso, tratar-se-ia de fatos mais ou menos conuns a tadas 48 épocast 0 paradoxo senil e a exacerbags contraditéria involuntéria tiveram livre curso apenas até os primeitos anos do século XIX, ¢ rninguém ignora que, desde entéo, os mais obstinados esforgos fo- ram empreendidos pelo branco ¢ pela branca para reencontrar en- fim figura humana. Os corperes cle vespa espalhados pelos pores de provincia sio hoje o pasto das moscas © das tragas, 0 campo de caga das aranhas. Quanto as pequenas almofadas que por ranto tempo serviram, por tris das pernas, para dar alguna énfase &s formas mais ‘arnudas, elas néo assombram mais do que os horrendos cérebros de belos velhos caduicos que sgonizando a cada dia, sob estranhos chapéus-coco — sonham obstinadamente em estrangular um busto ‘macio no jogo obsedante das barbatanas ¢ dos cadargos... Eh provar velmente um grito de galo sufocado, mas inebriante, na frase em que o globo terrestre aparece diante de nossos olhos sob os calcanhares de uma destumbrante star norre-americana em traje de banho. Afinal, por que deveriamos ter pudor em relagio a tio brusca fascinagao? Por que ocultar que as raras esperangas inebriantes que subsistem sio descritas pelos corpos répidos de algumas jovens nor- Feameticanas? Que se, de tudo 0 que tio recentemente desaparecet algo podia ainda arrancar solugos, nao é mais a beleza de alguma grande cantora, mas apenas uma alucinante e sérdida perversidade. ‘Aos nossos olhios, tantas estranhas personagens, monstrt apenas ela metade, aparecem ainda animadas pelos movimentos mais to- Jos, agitadas como um carrilhiao de caixa de miisica por tantos vicios inocentes, calores licencivsos, vapores liricos... De maneira que est absolutamente fora de questio, a despeito de toda obsessio contriria, _Privar-se dessa odiosa feiura. e que, um dia ainda, nos surpreendere. ‘mos correndo absurdamente — com os olhos repentinamente emba- sgados ¢ carregados de inconfessaveis Migrimas — na direcdo de casas rovinciais, mais vis do que moscas, mais viciosas, mais rangosas do que saldes de cabeleiteiros. Legendas da pigina anterior: 1. Johann Strauss. - 2, Samary e Got em A Viagem 4 Lua (Fotografia Nadar). - 3. Dartois, Novidades (Fotografia Nadac). - 4. Sr. Godemare (Fotografia Nadar). - 5. Sr. Kaiser (Fotografia Nadae). - 6, Capoul (Usando 0 penteado & Capoul), — 7. Sr. Mare (Fotografia Nadar). - 8. Sr. Loeb (Fotografia Nadar). - 9. Sx. Molin (Fotografia Nadar}. - 10. Cléo de Mérode (Fotografia Nadas). - 11, Sra. Grassor (Fotografia Nadar), - 12. George V, Rei de Hanover (Fotografia Nadar), - 13. Mouner-Sully, em Anfitrido (Powgrafia Nada) cess Black Birds em sua wa & Fenca, 8 bordo da embaracso “France” BLACK BIRDS! 1 imitil continuar procurando uma explicagio para as coloured people que rompem repentinamente, com tuma loucura incéngrua, tum absurdo silencio de gagos: estivamos apodrecendo com eurastenia, sob nossos tetos, cemitério ¢ vala comum, de tantas patéticas mixdedias; entiéo os negros que se civilizaram conosco (nit América ou albures) © que, hoje, dangam e gritam so pantanosss ‘emanagées da decomposigio que se inflamaram sobre este imenso cemitério: numa noite negra, vagamente lunar, assistimos entio a uma deméncia embriagante de fagos,fituas equivocos ¢ encantadores, bizarros ¢ uivantes como gargalhadas, Essa definigao evitaré qualquer discussio, ilies Blac Binds no Moulin Rouge (Junbo~ TA propisivo da revista neges Lew Leslie’ Bla Bink setembro de 1929) HOMEM “Um eminente quimico inglés, o Dr, Charles Henry Maye, em- penhou-se em estabclecer de maneira exata do que o homem é feito ¢ qual €0 seu valor quimico. Bis o resultado de suas doucas pesquisas: 4 gordura do cozpo ce um homem de constiuicgo normal hastaria para fabricar 7 sabonetes. Encontri-se no organismo fer suficien- Ce para fabricar um prego de grossura média ¢ aciicar para adosat tama xfcare de café, © Fisforo daria para 2.200 palitos de fistoro O magnésio forneceria 0 necessirio para tirar uma fotografia. Ainda uum pouco de potissio e de enxofte, mas em quantidade inutilizével. Essas diferentes matérias primas, avaliadas em valores cottentes, te- Presentam uma soma de ecica de 25 francos.” Journal de Débats, 13 de agosto de 1929." i “Amigo nio assinado, (N.T.) Os los de Joan Cranford Foto Meto.Golduyn OLHO Ieuaria canibal, Sabe-se que 0 homem civilizado se caracteriza pela acuidade de horrores frequentemente pouco exp insetos & certamente um dos mais singulares ¢ dos mais desenvolvidos eis. O temor aos esses horrores, entre os quais causa surpresa encontrar 0 temor 20 lho. Patece de fato impossivel, em relagéo ao olho, pronunciar outra palavra além de “sedugio”, j4 que nada é tao atraente nos corpos dos animais € dos homens, Mas a sedugio extrema esté provavelmente no limice do horror. Desse ponto de vista, 0 olho podria ser aproximado do gume, cujo aspecto também provoca reagées agudas e contraditérias: que devem ter sentido de maneira rerrivel e obscura os autores de O Céo andaluz’ quando, nas pritacitas imagens do filme, decidiram pe- 7 Devemos ce filme extaontindri a dois ovens catalies, pinta: Salvador Dal ¢ fo cineasta [us Buu, Remetcmes 3s excelentes Fotografias publicadas em Caen (1A (lho de 1929, p. 230) tn Bier agosto de 1929, p, 105) em Variets Gulbo {Je 1929, p. 209), Ese fine ye distingue das bunals produgées de vanguard, com as {gua estasfamos tetedoea confundio, pela predomindncia do rotcizo, Algus feos Bstanee expicitos se cede, sm sequdncia Logic, ¢ verdade, mas penetrando de tal mancita no horror que os espestadorcs sfo aztebarados tao direcamente quanto hos filmes de aventura, Arrcbatados © até mesma, para ser mais exato, pep pela 4 a Otho da Pode, 1908, N° 26 los amores sangrentos daqucles dois sees. O corte a sangue frio, com ‘uma navalha, do olho deslumbrante de uma mulher jovem e encanta: dora € 0 que teria admirado até a desrarso um jovem quc, observado or urn gatinko deitado e tendo por acaso nas miios uma colher de café, teve de repente yontade de tomar um olho com ¢ colher. Vontade singular, evidentemente, da parte de um homem brane » £02 a quem os olhos dos bois, dos cordeiros e dos porcos que come sempre foram ocultados. Pois 0 olho, segundo a deliciosa expressso de Stevenson, iguaria canibal, & de nossa parte objeto de tamanha inquietude que jamais © morderemos, O olho chega, aliés, a ocu- getganta, € sem nenhum anificio: seré que esses expectadores saber, de feo, até tds iri os autores dese fms, ou sus pares? Seo priprio Bufel, apis a eomada do olho cartado, ficou docare durante oitn dis (além disso, reve de filmer + conn ddoscadiveres de jumencos ama atmosfera horror se comms isc © quesufocs? tilenc), come nia vera que pono o cle € brutal o bastante para romper também, que Oto da obi, 1908, 426 par uma posigio extremamente clevada no ranking do horror, por set, entre outras coisas, 0 ofho dit consciéncia. Todos conhecem bem © poema de Victor Hugo, 0 olho obsedante ¢ ligubre, olho vivo € pavorosamente sonhado por Grandville no decorrer de um pesadelo que precedeu de pouco sua morte: 0 eriminose “sonha que acaba de atacar um homem num bosque sombrio [..]. O sangue humano foi erramado e, de acordo com uma expressio que apresenta a0 espitito luma imagem feroz, i ¢ fait suer wn ehéne’. De fato, néo é um homem sl inaudito de sseguigin de am ar que sé una obscura essen ol sono cin 185" pp, obstinade: sas quae inti hs dull, publieados Taha @ relat de oxo por ui aio nono por un allo relagio. Devemos’ cradigio © mbranya Fa, pode expla Pioered Espere a indica d svagantes composgbes de G: cle ea umn canvas suas, Ey niNE fo froneese que significa assasinar alvedor Dal 0 sangueé mais doce que ome), 1927 Barcelona, Colegio Privada ‘mas um troneo de dtvor - sangrando... que se agita © se debate. Sob a arma assassina, As mos da vitima se elevam suplicantes mas 6m vo, O sangue continua a corre” E entio que aparece 0 olho Srotme, que se abre num céu negro © persegue o criminoso através i espago, até o fundo dos mares, onde o devora apés ter assumido a a ce peie, Fnquanto isso, olhos incontéveis se multiplicam, oo eserevea esse respeito: “Seriam os mil olhos da multi- fo atrafda plo espeticulo do suplico que se prepara?” Mas por que ses olhos absurdos seriam atraidos, como uma nuvem de moscas, Por algo repugnante? Por que também, na capa de uma revista se. ‘manu ilustrada, perfeitamente sidica, publicada em Paris de 1907 #1924, um olho figuea regularmente sobre ndo vermelho, acima ; espetéculos sangrentos? Por que o Olho da policia’, semelhante a0 lho da justica humana no pesadelo de Grandville, nao passa, afinal, ene de uma cega sede de sanguc? Semelhante também a0 fc Crampon, que, vondenado & morte e, um instante antes do Bolpe de trinchete,solicitado pelo capelio, o repelius mas se enucleou lhe ofereceu como presente jovial 0 olho assim artancado, pois esse olbo era de vidro, “Lee Janata poe ce wome de rest 2 gue Batlle eee (ue, segundo isponiveeatuhmente i publicsda de 1908 a 1914). (N. E.) ARCHEOLOGIE BEAUX-ARTS ETHNOGRAPHIE VARIETES Magazine illustré paraissant dix fois par an ystire Abraham Jui, — Wilhelm KASTNER, Us atelier dorfeererie & Essen, vers Van 1000. ~ André SCHAEFFNER. Des dhatrumente de musique dans un Musée dethnogrephie, — Album do dessins de Delacroix. — Georges BATAILLE, Le Tour du monde en quatre-vingts jour Michel LEIRIS. Joan Mixé, — Marcel JOUHANDEAU, Bloge de Tim Robert DESNOS. Le ms prudence. Chronique, par Gaorges Batatile, Carl Einstein, 406, B¢ Saint-Germain (VI) Marcel Grisule, Mickel Laitin, DOCUMENTS sommaine, Gomes BATATL cae i MARIS, ea Desstne indite a Ingren ae oe gre ati Mave! GIRTAULEL Tatintane again er tbr te NeqyScenbgithoe Mla CARPENTHER, fe sigue enbadae enuaxione Michel LETRIS, £Me magéene i AS EICHHORN, Lar mort Pane oie . ren BABELON. Les Vases de Bowzansilte om hel LEINIS. eposition Mans yp, at Cart INST ‘Bs a Kepasitton Kalifaia Sidibe. ‘a REDACTION & ADMINISTRATION; rout and ahs” EARS StomErAIRE GtMERAL «cunoes parAtinn OONDITIONS WAROWMEMEN (Un on tt amined AAS Bana i BERRI: AB Sete 0 DEDAO DO PE © dedio do pé é a parte mais humana do corpo bumano, no sentido de que nenbum outro elemento desse corpo & to diferencia~ do do clemento correspondente do macaco antropoide (chimpanzé gorila, orangotango ou gibéo). Isso se deve a0 fato ce que 0 macaco € arboricola, 20 passo que o homem se desloca no cho sem se pen dutar em galhos, tendo-se tornado ele propria uma drvore, isto & evore, tanto mais belo na medida elevando-se reto no ar como uma cem que sua eregio € correta. Assim, a fangio do pé humano consiste ‘em dar um assento seguro a essa eregfo de que @ homem tanto se orgulha (0 dedao do pé, deixando de servir para a preenséo eventual dos galhos, aplica-se a0 cho no mesmo plano que os outros dedos). ‘Mas, qualquer que seja 0 papel desempenhado por seu pé na ere: o é, clevada na direcéo do go, 0 homem, que tem a cabeca leve, ‘céue das coisas do céu, olha para ele como um escarro sob o pretexto de que tem esse pé na lama 119 ee A Embora no interior do compo o sangue cotta em igual quantidade ‘cima para baixo ede baixo para cima, toma-se 0 partido do que se leva, ¢a vida humana é etroneamente vista como uma elevagio, A divisio do aniverso em infe.no subtertineo ¢ em eu perfeitamente Puro é uma concepcio indelével, uma ver que a lame ¢ as trevas sto esprineipios do mal, assim como a luz o espaco celeste soos princt- ‘ios do bem: com os pés na lama mas a cabega mais ou menos na luz, cs homens imaginam obstinadamente tim fluxo que os elevaria sem Tetorno a0 espaco puro, A vida humana comporta de fato a fiia de saber que se trata de um movimento de vai-e-vem da sujeira 0 ideal edo ideal a sujeira, fitria que & Ficil fazer passar para um Sérgio téo baixo quanto um pé © pé humano é comumente submetido a suplicios grotescos que © tomam disforme ¢ raquitico. E imbecilmente condenado aos ca- los aos espordes, aos joanetes se levarmos em conta costumes que ainda estfo em via de desaparecimento, i sujeita mais nojenta: a ex- Pressio camponesa “cla tem as maos sujas como se tn os ‘io é mais vilida hoje em dia para toda no século XVI. que a coletividade humana, era-o © pavor secreto causado ao homiem por seu pé é una das explica- 8668 para a tendéncia a dissimular tanto quanco possivel seu compri- ‘mento e sua forma, Os saltos mais ou menos altos, segundo o sexo, tetiram do pé uma parte de sew cariter baixo ¢ raso. Além disso, essa inquictude se confunde frequentemente com a nquictude sexual, o que salta aos olhios em particular entre os chine- 58,08 quai, apés atrofiar os pés das mulheres, situam-nos no ponto ‘mais excessivo de seus desvios. Nem mesmo o marido deve ver os pés zus de sua mulher, ¢, em geral, € incorreto ¢ imoral olhar os pés das mulheres. Os confessores catdlicos, adaptando-se a esa abereasio, perguntam a seus penitentes chineses “se eles nao olharam os pés das mulheres”. ‘A mesma aberragio se encontra entre os turcos (turcos do Volga turcos da Asia Central), que consideram imoral mostrat os pés nus ¢ chegam a dormir de meta. Nada de semelbante pode ser citado na antiguidade classica (salvo ‘© cutioso uso de solas muito altas nas tragédias). As mais pudicas matronas romanas deixavam constantemente & mostra os dedos nus de seus pés. Em contiapartida, 0 pudor do pé se desenvolveu ex cessivamente no curso dos tempos modernos ¢ desapareceu apenas no século XIX. Salomon Reinach expés longamente esse desenvol- indo no papel da Es- vimento no artigo intivulado Pés pudicos.' panha, onde os pés das mulheres foram objeco da inguietude mais angustiante e, assim, causa de crimes. © simples fato de se deixar ver 0 pé calgado ultrapassando a saia era visto como indecente, Em hipétese alguma cra possivel tocar o pé de uma mulher, ¢ essa fami- liatidade era, salvo uma nica excegio, mais grave do que qualquet outta, Bem entendido, o pé da rainha era objeto da proibigio mais tetrivel. Assim, segundo a Sra, €’Aulnoy, 0 conde de Villamediana, éndio estando apaixonado pela rainha Isabel, imaginou atear um i para ter 0 prazer de canegi-la nos bragos: “Quase toda a casa, que valia com mil escudos, foi queimada, mas ele se consolow quando, aproveitando uma ocasido favordvel, tomou a soberana nos bracos, a levou por uma escadinha. Ele roubow-the ali alguns favores, e, 0 que foi bassante observado neste pais, até tocow-lhe 0 pé. Um pequeno pajem viu, contou a coisa 20 rei, € este se vingou matando 0 conde com um tio de pistola” 1 "Pied pudiques” ln LAnrbrapolngie, 1903, pp. 733-736: ceimpresse em Cit mgehese religions, como}, 1905, pp. 105-130, fo 9 suelo msculina, 30 anos A Bolfare £ possivel ver nessas obsessbes, como o fez Salomon Reinach, um tefinamento progressive do pudor que se alastrou pouco & pouco pe essa explicagao nao é, entretanco, satisfaréria se quiserinus dhar conta barriga da perna, 0 tornorclo eo pé. Em parte bem fundada, da hilaridade comumente provocada pela simples mencio dos dedes do pé. jogo de caprichos e pavores, de necessidades ¢ desvios hu manos & de fato, tal, que os dedos da mio significam ages habeis ¢ caracteres sélidos, ¢ 0s dedos dos pés, 0 embotamento e a baixa idiotia, As vicissitudes dos Srgios, o pulular dos estomagos, das la ringes, dos miclos, que atravessam as espécies animais ¢ os intimeros individuos, arrastam a imaginagio em fluxos ¢ refluxos que ela no segue por vontade prépria, por édio a um frenesi ainda sensivel, mas a duras penas, nas palpitagses sangrentas dos corpos. © homem ado- tase imaginar semelhante ao deus Netuno, impondo silencio as suas proptias ondas, com majestade: enquanto isso as ondas barulhen- tas das visceras se incham € se transtornam quase incessancemente, pondo bruscamente fim 8 sua dignidade. Cego, com quilo, e desprezando escranhamente sua obscura baixeza, uma personagem 0 as grandezas da histéria qualquer, pronta para evocar em seu espi humana, por exemplo, quando sew olhar recai sobre wm nonumento ‘que testemunka a geandeza de seu pais, & interrompida em seu eld por ume dor atroz no dedo do pé, porque, embora seja.o mais nobre dos animais, tem calos no pés, ou seja, tem pés, e esses pés levam, independentemente dele, uma existéncia igndbil Os calos nos pés diferem das dores de cabega ¢ das dores de dente pela baixeza, e s6 sto visiveis por causa de uma ignominia explicével pela lama onde os pés se situam. Como, por sta atitude fisica, a expe cic humana se distancia santo quanto pode da lama terrestre, mas, por outro lado, um riso espasmédico leva a alegria ao set: cimulo cada Dedso do pé,sueto masculino, 30 anos Dedio do pé, sujet feminin, 24 anos FotaJ-A Boiflad Foto Botfiard vez que 0 sett eli mais puro 0 conduz a esparramae na lama sua propria artogincia, concebe-se que um dedo do pé, sempre mais ou menos cs tropiado ¢ humilhante seja anslogo, psicologicamente, & queda brutal de um bomem, quer dizer, & morce. O aspecto horrivelmente cada- vético e 20 mesmo tempo espalhafitaro e orgulhoso do dedio do pé conresponde a essa derrisio e di uma expressio sobreaguda a desordem do corpo humano, obra de uma discérdia violenca dos érgios, A forma do dedio do pé nao & contudo especificamente mons- truosa: nisso ele é diferente de outras partes do corpo, como o in- terior de uma boca escancarada, por exemplo. Apenas deformagdes secundérias (mas comuns) puderam dar & sua ignominia um valor butlesco excepcional. Ora, ¢frequentemente oportune dar conta dos valores burlescos por meio de uma extrema seduce. Mas somos le- vados aqui a distinguir categoricamente duas sedugées radicalmente * opostas (cuja confuséo habitual leva aos mais absurdos mal-entendi- dos de linguagem), Se hi no dedéo do pé um elemento sexlutor, € evidente que este rio visa a satisfuzer uma aspiragio elevada como, por exemplo, 0 gos- co perfeitamente indelével que, na maior parte dos casos, leva a pre- feriras formas elegantes e corretas. Ao contritio, se escolhemos como cexcmplo 0 caso do conde de Villemediana, podemos afirmar que © praver que teve em tocar o pé da rainha estava em razio direta com 2 feiura ca infecgio representadas pela baiveza do pé; na pritica, pelos pés mais disformes. Assim, suppondo que esse pé da rainha fosse per- feitamente bonito, era contudo aos pes disformes ¢ lamacentos que cle tomava emprestado seu charme sacrilego. Uma rainha sendo priori um ser tnais ideal, mais etéreo que qualquer outro, era humano até 0 dilaceramento tocar nela aquilo que nfo se diferenciava muito do pé fedido de um soldado mescenitio, Isso ¢ softer uma sedugio que se opée radicalmente & que é causada pela luz-¢ pela beleza ideal: as duas ordens de sedugio sio com frequéncia confundidas porque ros agitamos continuamente de uma a outra, € porque, dado esse movimento de vai-e-vem, quer termine em um sentido ou em outro, a sedugio é tanto mais viva quanto 0 movimento for mais brutal. No caso do dedio do pé, 0 fetichismo chissico do pé levando a lamber os dedos indica categoricamente que se trata de baixa sedu- gio, 0 que dé conta de um valor burlesco sempre mais ou menos ligado aos prazetes reprovados por aqueles homens cujo expirito & puro e superficial. sentido deste artigo seside numa insisténcia em expor direta e cxplicitamente aguilo que sedus;, sem levar em conta a cozinba poé- ica, que definitivamente niio passa de um desvio (8 maior parte dos seres humanos & naturalmente débil e s6 pode se abandonar a seus instincos na penumbra poética). Um retorno & realidade néo implica nenhuma accicagéo nova, mas quer dizer que somos seduzidos bai- xamente, sem transposisao € até gritarmos, esbugalhando os olhos: exbugalhando-os assim diante de um dedio do pé uma grande aglomeragio urbana, especéculo em certo sentido ina- creditével Contrastanda com essa grande palpitagio da plebe abroluzamente SI (os seres moralmente mais robustos ¢ mais bem adaptacos 8 vida sio talvez os acougueiros),e apesar da surdez selativa das multidées, © grito de sentide! proferido por todos os movimentos ptiblicos e pe- los uniformes ressoa como uma incessante imprecagio coagindo, no Final das contas, entra ano sai ano, a multidéo a se portar cortetamen- te na rua; sentido! repetido de eco em eco e que ress0a amplificada- ‘mente como um raio de trovio aos ouwvidos daqueles que procuram ‘cxpressar seu pensamento; sentida! deprimente e dlesconcertante que (0s engaja a se refugiarem longe de qualquer nuido em algum bersério reservado aos balbucios poéticos e aos folguedos dos cavalos de som- bra, Entretanco, de noite, quando nio se ouve mais nada, hd grandes baitros desertos nos quitis encontramos somente ratos, ratos reais que podemos atravessar de ponta a ponta e levar & agonia com alfinetes de chapeéu.. Um dicionério comesaria a partir do momento em que nao desse ais o sentido, mas as tarefas das palavras. Assim, informe néo & ape: nas um adjetivo que tem este ou aquele sentido, mas um terme que serve para desclassifient, exigindo geralmente que cada coisa tenhe sua forma, O que ele designa nfo cem seus direitos em sentido algum ese fr esmagar emt toda parte como uma aranha ov wma minho- ca, Seria preciso, de fat, para quc os homens acadéamices assem contentes, que o universo romasse forma. A filosofa inteira nao tem ‘outsa meta; trata-se de dar um cedingore a0 que é um redingote ma- temitico. Em contrapartida, afirmar que o universo nao se assemelha nada e éapenas informe equivale a dizer que 0 universo € algo como uma aranha ou um escarto, DOCUMENTS Deuritme année, 1930, SOMMAIRE: sag Vrs ba matratiane oa on Mora Cats Signe re fe vende Sab Barges Paso ages Lip Iajiew Nana. Pigurlaes née a Jaren Atlee Deans. Pyne Spine cnn 0B istonnadre (Pail, A, Dandi, Ne. Lei Faille de {a evap defor (ead Gri). scien? (Hohe Dest ise roan (. Lait). Payne de Lorenz tne Cenfrnce de Georges Hert Rite av use Cao Moye Raping (. Bose. uses de Fania (Ceorges Hew Riviere ei aston Cézanne Galerie Pe (i REDACTION & ADMINISTRATION : PARIS — 106, Soul. Saint-Germain (VIN) ‘Teliphone : Danton 48-58 - Chéues postaux : 1994-85 SECRETAIRE GENERAL + Groncus BATAILLE. aang 1 Fe dle den TGRARGin, Denise =) GRANGER, tie Hil a 4 facotes cm eabece do pao. Gravura de entalhe ands. tue eel 27mm -Gabinete das Medals 0 BAIXO MATERIALISMO E A GNOSE Se consideramos um objeto particular, & fic distinguir a maréria dda forma, e uma distingio andloga pode set feita no que diz respeito aos seres orginicos, com a forma assumindo, dessa ver, 0 valor da uunidade do ser ¢ de sua existencia individual, Mas se consideramos 0 conjunto das coisas, as distingées dessa ordem, uma vez transpostas, se tornam arbitrdtias © até mesmo ininteligivcis. Formam-se assim duas entidades verbais que se explicam unicamente por seu valor ‘construtivo na ordem social, Deus abstraro (ou simptesmente idcia) ¢ matéria abserata, o carcerciro-chefe e 0s muros da prisio, As variantes dessa edificacéo metafisica nio tam mais interesse do que os diferen- tes estilos de arquitetura. Muito se discutiu pata saber se era a prisio que procedia do carcerero ou 0 carcereito da priséo: embora esse dis- cussio tonha tido historicamente uma importincia primordial, hoje cla corre 0 risco de provocar um espanto tardio, quando mais néo seja em razio da desproporsio entre as consequéncias do debate ¢ sua radical insignificancia. #, contudo, bastante notvel que a tinica forma de macerialismo consequente que até hoje escapou ena sew desenvolvxmento da abstra- fo sistemstica, a saber, 0 materialismo dialético, tenha tido como ponto de partida, ao menos tanto quanto o materialismo ontoldgico, 6 idealismo absoluto sob sua forma hegeliana. (Nao sera provavel- mente 0 caso de voltar a esse procedimento: necessariamente, © ma- terialismo, qualquer que seja seu alcance na ordem positiva, € antes. de tudo a negagio obstinada do idealismo, 0 que equivale a dizer, em lileima inscéncia, da prépria base de todd Filosofia.) Ora, o hegelianis- ‘mo, nio menos que da filosofia clissica da época de Hegel, procede, 40 que parece, de concepgées metafisicas muito antigas, de concep- goes desenvolvidas, entre outros, pelos gnésticos, ma época em {que a metafisica péde ser associada as mais monstruosas cosmogonias ualistas ¢, por isso mesmo, estranhamente rebaixada.! Confesso que, em relagio &s filosofias mistices, tenho apenas um intetesse pritico, anilogo aquele que um psiquiatra que no fosse net uum pouco presungoso teria por seus pacientes: parece-me inti confiar-se a instintos que, sem encontrar a menor resisténcia, tém por 1 Como a dowisina hegeliana & antes de tudo am exttaordinéri © pesfelisimo sistema de redugdo,é evidente que € apenas ao estado reduzido e emusculado que 2. Tedavia, em Hey reencontramos os elementos baisos, que so essencais na g . sss elementos no psnsamentn continua sendo um papel de desiruigso, © papel finds que a destrigio sje dada coma neceséea 4 consiuigo do pensamento E por iso que, quando o iclivno hegeian foi subseuldo pelo marerialiso {atic (por melo de ums ceiravota completa dos valores, dan 3 matéao pape do pensamento) a matérn no exa uma abstragio, mas ume fonts de contraisso, por outro lad, no eta mas em questo o carter providencial da contra, ‘que se rornava simplesmente ums das proptiedades do desenvalvimento dos fates Finalidade os desvias eas caréncias mais lastiméveis. E, porém, dificil, hoje, permanecer indiference As solucbes, ainda que em parte falsas, teazidas no inicio da era crist a problemas que néo parecem sensi- selmente diferentes dos nossos (que sio os de uma saciedacle cujos principios originais se tornaram, num sentido muito preciso, letra morta, de uma socicdade que deve contestar ¢ derrubar a si mesma para reencontrar motives de forca ¢ de agitagio). E assim que a ado- ragio de um Deus com cabesa de jumento (uma ver. que o jumento € animal mais horrendamente cbmico mas por isso mesmo mais hhumanamente viril) me parece susceptivel ainda hoje de adquirir um valor capital, e que a cabega de jumento corrada, personificagio aeé- fala do sol, provavelmente representa, por mais imperfeita que seja, ‘ama das mais virulencas manifestagoes do matetialismo. Deixarei aqui a Henry-Charles Puech a tarefa de apresentar, em artigos vindouros, o desenvolvimento de tais mitos, tio suspeitos em nossa época, hediondos como eancros ¢ que tazem em si os germes de ua subversio bizarra, mas mortal, da orcem e do ideal expressos hoje pelas palavras antiguidade clissica, Todavia, nao creio que sefa indi ou impossivel simplificar exttemamente as c , para come. «ar; € indicat o sentido que é preciso dar as desordens filoséficas ¢ mitolégicas que afetavam entio a figurayéo do mundo. A gnose, tan- fo antes quanto depois da predicagéo cristé, e de uma maneira quase bestial, quaisquer que tenham sido seus desenvolvimentos metaf cos, introduzia na ideologia greco-romana os fermentos mais impu- 0s, tomando de empréstimo, a torto ¢a direito, A tradigdo egipcia, 20 “dualismo persa, & heterodoxia judaico-oriental, os elementos menos conformes & ordem intcleceual estabelecida; acrescentava a tulo isso seus sonhos préprios, expressando scm a menor deferéneia algumas obsessées monstruosas; nao Ihe repugnavam, na pritica teligiosa, as 2.120 panmorfo(}. Gravura deentale géstc. Altura real 20mm Gabinete des Medathas formas mais batxas (e j4 entao inquietantes) da magia e da astrolo- aia gregas ou caldeu-assirias; e ao mesmo tempo utilizava, ou, talvez, mais exatamente, comprometia, a reologia ctisté nascente ¢ a meta- fisica helenistica Nao sutpreende que 0 cariter proteico dessa agitaséo tenha dado ensejo a incerpretagdes contraditsrias, Chegou a ser posstvel repre sentar a gnose como uma forma intelectual, fortemente helenizads, do cristianismo primitivo, demasiado popular e pouco inclinado aos desenvolvimentos metafisicos: uma espécie de cristianismo superior claborado por fildsofos experimencados nas especulagses helenisticas e ejeitado pelas massas cristas incultas.* Assim, os principais protago- fiistas da gnose ~ Basitides, Valentim, Bardesanes, Marciéo ~ fatiam figura de grandes humanistas teligiosos e, do ponto de vista protes- tance tradicional, de grandes cristdos. A ma reputagio ¢ 0 carver mais ‘ou menos suspeito de suas teorias se explicariam pelo fito de elas s6 serem conhecidas pela polémica dos Pais da Igreja, seus inimigos vio- lentos ¢ inevitdveis caluniadores Os esctitos dos redlogos gnésticos forarn sistematicamente destru- fddos pelos cristios ortodoxos (salvo raras excagses, nada resta hoje de uma literatura considerivel). Somente as pedeas sobre as quais grava- aim em baixo relevo as figuras de um Pantedo provocante ¢ particu- Jarmente imundo permitem discorrer sobre algo além das diatribes; mas elas confirmam precisamente a mé opiniao dos heresiélogos. A exegese moderna mais consistente adimite, aliés, que as formas abstra~ «as das entidades gnésticas evoluiram a partir de mitos grosseiros, que 2 Fsa interpre fo desenvovida na rang por Bughne de Paye (cf Jrodtion a Faude de guoicione, Dass, 1903, in-8, Reve de Ubi des religions, XLV’ © XLVI. © Grasigues et gosticime. Ee itu det document di gota crn ‘a0 I ea IP sl, aris, 113, i 8%, mn Bibberhgue de Ecole des Hants Baud Sciences stig, 0. 27). 3. Deus acéfalo encimado de duas de animais. Altura real 25mm ~ Gabine Medals correspondem 4 grosseria das imagens figuradas nas pedras.> Bla estabelece principalmence que 0 neoplatonisme oa 0 ctistianismo nao devem ser buscados na origem da gnose, cujo verdadciro fandamento € © dualismo zoroastriano.* Du- alismo por vezes desfigurado, & verdade, em seguimento is influéncias cristé ou filoséfi- a, mas dualismo profundo ©, a0 menos em seu desen- volyimento especifico, ndo i emasculado por uma adap- tagio as necessidades sociais, como no caso da religido alla ‘esse respeito, 6 essencial ressaltar que a ce np nose ©, tanto quanto ela, 0 aniqueismo ~ que, de alguma forma, deriva dela ~ jamais serviram 40s artanjs soci, jamais assumntram 0 papel de teligito de Estado). Na pritica, € possivel apresentar como um ieifmotiv da gnose a concepsio da matéria enquanto um prinefpio rive dotado de exis- Kéncia eterna autdnoma, existéncia que é a das trevas (que nao se- ram a auséncia de luz, mas os arcontes monsttuosos revelados por ‘ssa auséncia), a do mal (que nao seria a auséncia do bem, mas uma asio ctiadora). Essa concepgio era perfeitamente incompativel com SW Beas Hpbi der Gs Cine 197-8 4 ld, cay : ule I, Der Duan der © proprio principio do espitito helénico, profundamente monista ceja tendéncia dominante apresentava a matéria eo mal como degra dacées de principios superiores. Atribuir a criagéo da terra onde tem lugar nossa agitacdo repugnante e derriséria a um princfpio horrivel perfeitamenteilegitimo invplicava evidentemente, do ponto de vista da construgio intelectual grega, um pessimismao repulsive, inadmis- sivel, exatamente 0 contritio do que era necessério, a qualquer prego, estabelecer e tornar universalmente manifesto. Pouco imporea, afinal, acxistencia oposta de uma divindade excelente e digna da confianga absoluta do espitito humano se a divindade nefasta ¢ odiosa desse vel a ela em hipétese alguma, sem qualquer dualismo nao é redut possibilidade de esperanga. E verdade que dentro da prépria gnose as coisas nem sempre eram tio bem definidas. A doutrina bastan~ te disseminada da emanagdo, segundo a qual o igndbil deus criador, ‘6 deus maldito (is veres identificado 20 Jeova biblico), emanaria do deus supremo, respondia & necessidade de um paliativo. Mas se nos ‘aternos 2 significagao especifica da gnose, expressa ao mesmo tempo pelas controvétsias dos heresidlogos e pelas figuragdes das pedras, 2 obsessio despética ¢ bestial das forcas més ¢ Fora da let se nos aigura inmecusivel, tanto na especulacéo merafisica quanto no pesadelo ni- ‘oldgico. dificil crer que, ao final das contas, a gnose no revele acima de tudo tum sinistro amor pelas crevas, um gosto monstruoso pelos arcontes obscenos e fora da lei, pela cabega de jumento solar (cujo ‘arto comico e desesperado seria o sinal de uma revolta descatada contra o idealismo no poder). A existéncia de uma seita de gnéiticos licenciosos e de certos titos sexuais corresponde a esse obscuro parti fdas as ‘pris por uma baixeza que nfo seria redutivel, qual seriam deferéncias mais impudicas: a magia negra continuou essa tradigio até os dias de hoje. E verdade que o objeto supremo da atividade espiritual tanto dos maniqueistas quanto dos gnésticos era constantemente o bem ea perfeigdo: € por iso que as concepcées deles témn em si sua significa ‘40 pessimista. Mas é praticamente I levar em conta essas apa- réncias, ¢ somente a turva concesséo ao mal pode, afinal, determinar 1 sentida dessas aspiragées. Se abandonarmos hoje abertamente © ponto de vista idealista, assim como os gnésticos ¢ os maniqueiscas 0 tinham implicitamente abandonado, a aticude daqueles que viam em sua prépria vida um efeito da acéo eriadora do mal pareceri até mes- mo radicalmente otimista. E poss(vel ser com toda a liberdade um. joguete do mal se o préprio mal nao tiver que responder diante de Deus. O fato de se ter recorrido a arcontes nio permite concluir que se tena profundamente descjado a subsnis io das coisas que existem uma auroridade superior, a ums autoridade que os arcontes confun: dem por meio de uma ecerna bestialidade. E assim que se conclui ~ ao final das contas — que a gnose, em seu processo psicolégico, nao é cio diferente do materialismo acial, isto & umn «crialismo que nao implica ontologia, que néo implica que a matéria seja @ coisa em si. Pois trata-se antes de tudo de nfo se submeter, ¢ tampouco a sua revo, a0 que quer que seja de mais levado, 20 que quer que possa dar ao ser que sou, & razio que arma esse ser, uma aucoridade de empréstimo, De fato, esse ser e sua reno s6 podem se submeter ao que é mais baivo, ao que néo pode servir em hipétese alguma a macaquear uma auroridade qualauer. Assim, Aquilo que é preciso realmente chamar de matéria, uma ver que sito existe fora de mim e da ideia, submeto-me inceiramente e, nesse sen- tido, nfo admico que minha ra74o se torne o limite do que eu disse, toes om pense homen, coo deepen e be daa, ra er ple gsn vi 3 rn-Canee ds Med pois se eu assim procedesse, a matéria limitada por minha razio logo adquirira o valor de ura principio superior (que essa razao serl fea ria encantada de estabelecer acima de si prépria, a fim de falar como ‘um funciondrio autorizado). A matéria baixa é exterior ¢ estranha 4s aspiragdes ideais humanas e ge recusa a se deixar reduzir as grandes , piragSes. Ora, 0 proceso méquinas onvoldgicas que resultam dessa jesmo alcance: ja se psicoldgico a que a gnose esté associada tinka om tratava de confundir o expirito humano ¢ o idealismo diante de algo 161 baixo, uma vez que se reconhecia que os principios superiores nada podiam fazer quanto a iss. (© interesse dessa aproximagio se tornou maior pelo fato de que as veaghes espectficas da giuoxe culminavam na figuracao de formas em contradi¢go radical com 0 academismo antigo: na figurasio de formas nas quais é possivel ver a imagem dessa matéria baixa, que, s6 ela, por meio de sua incongruidade e de uma falta de deferéneia perturbadors, permite que a inteligéncia escape da pressio do ide- alismo, Ora, hoje, no mesmo sentido, as figuragées plésticas so a expressio de um materialismo intransigente, de um recurso a tudo o que compromete os poderes estabelecidos em matéria de forma, ridi- cularizando as entidades tradicionais, rivalizando ingenuamente com expantalhos que provocam estupor. © que nao é menos importante do que a interpretagio analitica geral, no sentido de que apenas as formas especificas¢ téo significativas quanco a linguagem podem dar uuma expresséo concreta, imediatamente sensfvel, das desenvolvimen- 0s psicolégicos determinados pela andlise. EXPLICACAO DAS FIGURAS: As pedras que ilusteam este ar- tigo sio conhecidas pelo nome tradicional de pedtas gndsticas, ou pedras basilidianas ou Abraxas: sua identificagio e sua nomenclatura tém por origem o nome de Abraxas, que se encontra nas lendas e na mitologia do filésofo gndstico Bastlides. E necessério, contudo, indi= car que 0 conjunto das pedras que caracterfsticas comuns permitem agrupar sob o nome de gnésticas néo procede forcosamente de scitas gnésticas. Sua otigem também poderia ser encontrada nas priticas da magia grega ou egipcia, A maioria delas & gnéstica sem que se possa ainda dar precisdes sobre cada uma. As maiotes dificuldades de interpretagio se apresentam, em todo caso, em tazio do sincret «las figuras divinas, de um lado, e da ininceligibilidade das lendas, de ‘A data & impossivel de precisa, mas a maioria delas pertence 20s séculos III TV. A origem € geralmente oriental. © Fgito, em particular, parece ter sido um centro de fabricacio imporante Divindades egipcias ou figuras de estilo egipcizante se encontram fiequentemente nessas pedras. Como o deus acéfalo © Anibis representados na figura 3. 1, Arcontes com cabesa de pato. Gabinete das medals, 21808. Caleedénia, — Essa pedta traz no verso a inscrigio ABAATANAABA, (vatiante da conhecida expressio abracadabra). 2. Tao panmorfo (2). Gabinete das medalhas. Agata. Essa figura- lo composta de um grupo fantéstico de animais cercado das sete planetas representa verossimilmente 0 primeico dos sete arcontes pla- netitios, Lao, 0 dens maldito, geralmente identificado com 0 deus da Génese. 3. Deus acéfalo encimado de duas cabegas de animais. Gabine- te das medalhas, 2170. Lipislaaili. ~ Ao pé do deus, num cfrculo formado por uma serpente mordendo a prépria cauda, Antbis, uma mulher e um cachorro; acima, uma miimia, O deus acéfalo pode ser identificado com o deus egipcio Bes. 4, Deus com pernas de homem, corpo de setpente ¢ cabega de galo. Gabinete das medalhas, M. 8003. Jaspe vermelho, DOCUMENTS Douxidme ante, 1930. ~ Ne S Masacine est pus deft ar a AVEC LA COLLABORATION DE F. ADAMA VAN SCHELTEMA, Dr ALLENDY, Geormes AURIC, lacques BARON, lie BELL, Dr A. BOREL, Gzcrgtte CAMILLE, Ako CARPENTIER, CLARKE, Marcel COHEN, Amie DANDIEU, Rebs DESNOS, A, EICHHORN, Pie D'ESPEZEL, Hedvie FECHHEIMER, Jucqus FRAY, Leo FROBENIUS, Jan FROIS-WITTMANN, Reger GILBERT-LECOMTE, Kurt GLASER, Mecel GRIAULE, Uernard GRORTHUYSEN, René GROUSSET, J, HA HEINE, Roser HERVE, Paul JACOBSTHAL, Paul JAMOT, NM. JANSE, Eugtne JOLAS, Marcel {OUHANDEAU, T. A. JOYCE, Wilhelm KAESTNER, Reyenend LANTIER, Michel LEIRS, Sylvain LEVI, de Tost, George LIMBOUR, Ande MALRAUX, De Henri MARTIN, Marcel MAUSS, Dr A. METRAUX, MONNET, Alwendre MORBT, de [Tmt Valin MULLER, Jujto NAKAYA, Frlnd NORDENSKIOLD, Pol PELLIOT, de tit, Zon PIERRE-QUINT, Jean PORCHER, Fridérie POULSEN, Jbeques PREVERT, Hendi Charles PUECH, Reyttond QUENEAU, De REBER, Georges RIBEMONT-DESSAIGNES, Dr P. RIVET, Georges Hens RIVIERE, Frite SAXL, André SCHAEFFER, W. B, SEABROOK, C. T, SELTMAN, Sackevell SITWELL, Jose! STRZYCOWSK, UNGER, Riger VCIRAG, Enil WALDMANS, Arthur WALEY, ‘Mice REDACTION & ADMINISTRATION + PARIS ~ 106, Bcul. Saint-Germain (VI) THlephone Danton 48-80 - Chdgues postaux : 1334 55 SEORETAIRE GENERAL : Groncrs BATAILLE CONDITIONS D/ABONNEMENT (Un an, dix numévos) RAN £20, Ge Sento #39 Fe) —- BHLALQUL +290 edo Nami: 18 SBERANDLR, ae pm site 2 Copunton de Stuststa 10 Be (a an 3) BOCA ‘A boca é0 comeco, ou, se quiserem, a proa dos animais: nes casos mais caracteristicos, é a parte mais viva, isto é, a mais aterrorizante para os animais que estiverem préximos, Maso homem nao tem uma arquitetura simples como os bichos, ¢ nem sequer & possivel dizer ima andlise, pelo alto do crénio, ‘onde ele comega. Comega, em itl ‘mas 0 alto do cranio é uma parte insignificante, incapaz de atcait a arengio, ¢ so os olhos ou a testa que desempenham © papel signifi- carivo da mandibula dos animais. volta de repente a estar por cima com ume expressto literalmente ca- nibal como baca-de-fogo, aplicada aos canhes com a ajuda dos quais ‘os homens se entrematam. E, nas grandes ocasiées, a vida humana ainda se concentra bestialmente na boca, a ira faz ranger os dentes, 0 error 20 sohimento avo fazem ds bace ‘atgan dos grins eiacerantes Foto JA Boia © terror eo softimento atroz farem da boca o érgio dos gritos dila- cerantes. E facil observar, nesse sentido, que o individuo transtorna- do levanta a cabega esticando o pescogo freneticamente, de maneira ‘que a boca vem se colocar, tanto quanto possivel, no prolongamento da coluna vertebral, isto d, na posigto que ela ocupa normalnente ma -rumence do eos pla boca sb forma de vosage. Fn coloca em relevo de uma s6 ver a importncia da boca na fisiologia ou até na psicologia animal ea importincia geral da extremidade supe- mos, a0 mesmo tempo, qu: , mas Co logo esses impulsos se tornam violentos, ele é obrigado a recorrer AGREIDSEMGTIEAA. Dai o cardter de constipagio estreita de uma aticude estritamente humana, © aspecco magistral do rosto de pelo como um cofre-forte. MUSEU Segundo a Grande Enciclopédia, 0 primeico museu no sentido moderno da palavra (isto é a primeira colegio piiblica) teria sido fandado em 27 de julho de 1793, na Franga, pela Convengio. A origem do museu modemno estat, assim, ligada a0 clesenvolvimento da guilhotina, Contudo, 0 Ashmolean Museum de Oxford, fundado no fim do século XVI, jé era uma colegio piblica pertencente & Universidade, (© desenvolvimento dos museus excedeu evidentemente até mes- Js esperancas mais otimistas dos fundadores. Nao apenas 0 con junto dos museas do mundo representa hoje um amontoada colossal de siqueeas, mas, sobretudo, 0 conjunto de visitantes dos museus do mundo representa sem duivida alguma mais grandioso espericulo de uma humanidade liberada dos cuidados materiais ¢ votada 4 con: templacio. E. preciso levar em conto fico de que as sas ¢ os abjetos de arte formado pelos visitantes: so apenas um continente cujo concetido Granduile, O Louse das maronetes €0 conretido que distingue um museu de uma colegio privada, Um muscu é como o pulmo de uma grande cidade: a multidéo affui todo domingo ao museu como o sangue e sai dali purificada e fres- ca. Os quadros nfo passam de superficies mortas ¢ é na multidéo que se produzem os jogos, as fulguragées, os derramamentos de luz tecnicamente descritos pelos crit idos. Nos domingos, as cinco horas, na porta de saida do Louvre, é interessante admirar 0 fluxo de vi tantes visivelinente animados pelo desejo de ser em tudo semelhantes as celestes aparigées pelas quais seus olhos ainda estio anrebatados, Grandville esquematizou as relagdes entre 0 continente e 6 con- tetido nos museus exagerando (aparenternente, ao menos) as ligasées que se extabelecem provisoriamente entre os visitados e os visitantes, ‘Da mesma forma, quando um natural da Costa do Marfim poe um machado de pedra polida da época neolitica num recipiente cheio de gua, banha-se no recipiente e oferece galinhas ao que cle cré serem pedras de tro i (caidas do céu com uma trovoada), nao faz mais do que prefigurar a aticude de entusiasmo e de comunhao profunda com 08 objetos que caracteriza o visitance do museu moderno. (© musen é 0 espelho colossal em que 0 homem finalmente se contempla sob todas as faces, se acha literalmente admirdvel © se abandona ao éxtase expresso em todas as revistas de arte. EMMANUEL BERL - CONFORMISMOS FREUDIANOS, revista Formes, n.5, abril de 1930 ‘A confusio introduzida nas diversas disciplinas da arte pela pst- candlise provavelmente ainda esté longe de ter alcangado seus li tes, Berl comega metendo a boca no trombone contra os pintores ¢ escritores vendedores de complexos; no entanto, sio pouguissimos os pincores € esctitores que até hoje obriveram umn conbecimento qualquer sobre os complexos de que sua pintura ow sua literatura ¢ 2 inconsciente expressio. Por que nfo afrmar no sentido diametrale mente oposto que élamenrabilssimo que essa gente ainda nao tenhr adquitido o habito de se deicar pesoalmiente no diva do psicanaliseae dle associa ao sabor da penumbra? Als, aposto que Berl concordaria que nas condigdes atuais hi demasiada ou demasiado pouca psi lise, Mas como esté fora de questio pir de lado a psicanilise, € hora de dar a palavra aos analisados. ; ‘Afinal, por que nio exigir daqueles que se destacam que deixem de set fedelhos ocupados em fugit ou gritar diante da sombra pa- rerna, que parem de pimtar como sublimes reagbes que tiveram na iddade em que os problemas se colocarn da maneiza mais materialist Quando Berl denuncia o abuso do freudismo feito por gente que por Gaalerie de France 2M, Rue do FAnbaye. Parix (6°) OROTTI, DERAIN, DUFY, FRIESZ, KANDINSKY, MODIGLIANI, PICASSO, RENOIR, ROUAULT . MAX BAND, BIETRY, COSSIO Pst de Cain SCULPTURES DE HENRI LAURENS, GONZALEZ OVRES DART Ni ee JOAO CAMILLO PENNA E MARCELO JACQUES DE MORAES POSFACIO# Em abril de 1929, sai o primeiro mimero da revista Documents, Dois anos, ¢ quinze ntimeros depois, em janeiro de 1931, a revista ctra os seus trabalhos. Feuto de um mal-entendido, a proposta dos bibliotecirios, numismatas, Jean Babelon ¢ Piette d'Espével, ambos colegas de Georges Bataille (1897-1962) no Gabinere de Medalhas da Biblioteca Nacional, a Georges Wildenstein, marchand de quadros antigos ¢ editor da Gazette des beaus-arts, que financiaré a revista, era ccriar uma revista cientifica, e portanto “séria”, de arte e arqueologia, nos moldes de Aréthuse, que Documents deveria substituir. E, em Aré: shuse (1924-1931), que se encerra na mesma época que Documents, que Bataille publican os seus primeiros artigos como numismata. Documents estaria destinada 2 seriedade do estudo da numismdtica, nfo fosse o desvio de curso infiingido por seu “secretério geral”, de fato dirctor dishatgado, Georges Bataille. Os outros dois principais sta, Georges Henri-Rivigre (1897-1985) © Carl stein (1885-1940) deveriam Ihe emprestar um. at de respeitabi- animadores da lidade institucional, Rividee, subdiretor do Museu de Etnologia do "Trocadéro; Carl Einstein, o jé conhecido poeta e critica de arte ale- nfo, introdutor da arte afticana, do cubismo ¢ da obra de Picasso na Alemanha, que acabara de chegar a Pacis. Bataille, entdo com 31 anos, permanece dividido, em uma existéncia “bastarda”, escreve seu 1 Paree dose ensio que aga aparece em forma bastane modificada esti em Mocaes, le". Sobre 38, 2017. ‘Mateelo Jacques. “As formagics do informe edo abjezo era Georges sa forona o paca ea tsdapao (A Incerteza das formas). Riv de Jani: bidgtafo Michel Surya: como escritor escandaloso, mantémn-se reset- vado, publica textos anonimamente, ou sob pseudénimo, quando 0 publica ~ cuidado quem sabe para manter a fachada respeitével de bibliotecitio e conservador—, e 0s textos que publica em préprio ome, pertencente & “sociedade de stbios”, sio essencialmente de numismévica,? Assim, “O anus solar” é de 1927, mas ser publicado apenas em 1931; 0s pr weiros esbogos de “Olho pineal” datam dessa Epoca € se estendem até mais ou menos 1931, mas permanecerio inéditos aré depois de sua morte. Histdria do olbo, de 1928, publicado sob 0 pseudénimo de Lord Auch (Deus, Senhor, “Lord” ; na latrina, “au chistes"), < CATT TITERER’, serio para a primeira grande exposisio de arte pré-colombiana que ocorrcu em Paris, no Museu de Artes Decorativas, é também de 1928. Kin 1926 ele faré sua dinica participacio na revista La Révolution surréaiste, mas apenas como fildlogo: um artigo nao assinado com transcrigbes de pequentos poemas do séeulo XII, “Facrasias”, Entendamos a importincia da circulacéo da escrita neste momen- to em revistas, codas elas tendo por modelo La Revolution surréalise Baualle participard de outras, depoi Critique Sociale, Minotaure, Acéphale, cada uma delas mobilizando mn programa de intervencio. social ou de comunidade. Em Documents, algo de diferente se passa A timida entrada no terrivério surrealista vai se mostrar determinan- te, para Bataille ¢ para Documents, Documents é uma espécie de outto ou duplo dissidente de La Revolution surréaliste, duplo evidentemen- te sem o sucesso de sua contraparte surtealista. Duplo a que faltam (ou que excede) a coesio, 0 espirito de scita e o ariete vanguardista do manifesto daqucla formagio de grupo submetida com pulso foree 2 Surya, Michel. Goorges ats a mort & Feuwre, Pats; Gallimard 1992, p. 1. 20 longo dos anos a André Breton, ¢ por meio de diversos expurgos. A condugio de Bataille ndo se fara no mesmo estilo: Documents per- ss maneiras uma revista heterdclita, o que atestam manecerd de vi as miltiplas chamadas disciplinares de seu subtitulo: Doutrinas, Ar- queologia, Belas-artes, Eenografia, elas proprias cambiantes a0 longo dos anos, assim como os nomes, especialidades ¢ participagdes de seus colaboradores. Revista que, além disso, eraz em sua estrucura am, P de comentirio ou de ilustragio, mas de alteragio, dle intervengao ou mento singular sobre a composigio entre texto e imagem, no de invasdo reciprocas, didlogo intersemistico em que um é sistemati- camente deslocado pelo oucro. Desde o inicio, Documents abrigard entre seus colaboradores uma série de “desertores” ou excomungados clo movimento surtealisca polo “papa” André Brecon: Michel Leiris, André Masson, Georges Limbour, Jacques-André Boiffard, Roger Vitrac, Robert Desnos. O festo Surrealista”, que aparece no tiltimo nimero de “Segundo Mani La Révolution surréalste (0 décimo-segundo, de dezembro de 1929), faz a lista insultuosa ¢ meticulosamente justificada dessas excomu- nnhées: Antonin Astaud, ‘Lristan Tzara, Robert Desnos encabegando a lista dos “craidores”. © tileimo excomungado, embora nunca tenba sido propriamente surrealista, reccbe um tratamento de destaque, com direito a quase duas piginas da revista. Trata-se do préprio Ba- taille: “O senor Bataille faz profissio de apenas querer considerar no mundo 0 que ha de mais vil, de mais desencorajador, de mais corrompio” 2 Breion se sente interpelado por Bataille, ¢ pela revista Documents, embora o seu nome nunca tenha comparecide em qual- quer das contribuigGes de Baraille, Ble cita ¢ comenta violentamence J Brcton, André “Second Manifest Suréalise”, La Réelation suréale, 12, ple, Le varios trcchos escritos por Bataille, Como, por exemplo, o verbere do Diciondrio Critico, do néimero 3 da revista, “Materialismo”. Breton faz uma colagem do inicio & do fim do verbete, invertendo-lhes a ordem, ¢ trocando uma palavra: J4 € rempo, quando a palavea materialismo & empregada, de designar a incorprotacio deta, extluinds todo e qual. quer ideatiomo, dos Fendmenos brutes, maceralismo que, para néo ser visto como um idealismo decrépit, devers ser fuundado imediatamence sobre os fendmenos econdmicos ["psicoligicos” no texto de Bataille) e sociais* Breton explica que no se trata evidentemente aqui de “materi lismo histérico” — o momento surrealista ¢ o da conversio marxista, raréo de muitos dos expurgos, quem sabe explicacéo do lapso que 0 faz trocar “fenémenos psicoldgicos” (Bataille menciona Freud) por “Fenomenos econbmicos”, ¢ de Fito, apés este tltimo niimero, a re- vista sexd substiruida por Le Surréalisme au service de la révolution — mas de um “retorno ofensivo ao velho materialismo antidialético”. Referindo-se sarcasticamente & aparicio absessiva de moscas no arti- g0 “Figura humana”, Breton conclui: Falemos aqui tio longamente de moscas apenas porque 0 senhor Bataille ama as moscas. Nés, nao: nés amamos 2 mitra dos antigos evocadores, a micea de linho puro sobre cuja parte anterior era fsada uma limnina de ouro e sobre a dual as moscas no pousavam, porque se havia feito ablue Ges para espanci-l.* 4 Tider, Nese volume, p. 81 5 Breton, Ande. "Second Manifeste Surralst, tidera ao A oposigéo no poderia ser mais claramente expressa: de um lado, ‘a mitra persa, atualizada no ornamento papal, que Breton nfo deixa de vestir, as ablugées purificatérias, o antidloto contra as moscas, 0 maravithoso, ¢ 6 espiticual; e de outro, a “exclusio de qualquer idea- lismo”, o materialismo de Bataille, sua posigao contriria 3 estetizacio da poesia surrealista. Do outro lado, portanto, 0 “fildsofo excreme: 10”, segundo a expresséo de Breton, e... as moscas. E entre os dois uma leicura oposta de Hegel. Para Hegel, segundo Bataille, a materia~ lidade do mundo seria algo como a “aparigao [...] de uma mosca no natiz do orador” ~ frase que Breton cica em sua diatribe ~ uma mera imperfeigio da natureza”. Seria preciso, a0 contritio, inverté-la “reduzir a aparigfo do ew 3 da mosca”® © que nio deixa de lembrar a anotagio feita por Mautice Heine, bidgrafo do Marqués de Sade, em seu didrio quando conhece Ba- taille, Este the tesia dito © seguinte na primeira ver em que se viram: “Voce esti enganado em se colocar do ponto de vista da moral. Eu me coloco do ponco de vista do animal, Néo sou um homem entre 05, homens, Sou um animal. As concessbes de forma que sso exigidas de mim, estou disposto a concedé-las. Sou um mosquito, podem me es- ‘magar, mas nao farei um ruido indtil para assinalar a minha presenga eno me comporrarei como se Fosse uum elefante”.” (O trecho final de “O dedio do pé”, texto emblematico do projeto de reversio materialsta bacalliana, que estampa em sua pagina inicial uma bolissima foro em close de um dedéo de pé, 20 contrapor a verticalida- de solar, “ereta”, da estagio em pé do humano A sua origer na st da lama e do cho ~ “O dedao do pé ¢ a parte mais humana do compo bumano” — parece visar ditetamente a Breton ¢ 20 “poético” surrealista: 6 Neste volume, p. 91 > Cieado por Surya, Michel, Georges Boil, lx mort Year, op.ci ps 232. Bix sentido deste artigo repousa numa insisténcia em por ‘em causa direra © expliciamence aguile que sedis, sem ee vvar em conta a covinha poética, que definitivamente no passa de um desvio (a maior parte dos seres humanos é naturalmente débil e sé pode se abandonar a seus instintos ‘na penumbra postica). Um retorno 2 realidade nao im: plica nenhuma aceitacio nova, mas quer dizer que somos seduzides baixamente, scm wansposigio © até gritarmos, esbugalhando os elhos: esbugalhando-os assim diante de tum dedio do pé* A “cozinha poética [...] no passa de um desvio” que retoca, se- uz, transpée a realidade suja e concreta contida no dedio do pé. Em “Os desvios da natureza” (Documents, ano II, n. 2), a monsteuosidade anatémica, 0 jogo de anomalias fisioldgicas que os bidlogos fazem ‘entrar nas categorias morfolégicas, constitui na verdade o residuo gular que caracteriza cada indi luo. “Na pritica, essa impressio de incongruéncia é elementar ¢ constante: é possivel afirmar que ela se manifesta em algum grau na presenga de qualquer individuo hu- mano”, Ou um pouco adiante: “Mas cada forma individual escapa a ssa medida comum e, em algum grau, é um monstro”.” © iiltimo artigo de Documents assinado por Bataille, “O espirito moderno e 0 jogo das transposigdes”,ilustrado com foros de moscas 20 mictosedpio ¢ uma de moscas mortas sobre um papel colante, retoma o motivo do “desvio" e da “transposicio”, para falar da arte moderna, que funcionaria um pouco, csczeve Bataille, como essas “tapecarias que ocultam o que seria preciso a qualquer progo nao ver’. A arte moderna, ou como diz Bataille, 0 “espirito moderno”, 8 Neste volume, p 9 Neste volume, p. 73 10 Neste volume, p. 252, al € uma “transposigio”, uma “detivagio”, “uma fuga extremamente covarde, extremamente comum, diante dos horrores miltiplos que compéem 0 quadro da existéncia”, que fiz de todos nés “déceis ser- vvidores dessas pequenas fabricagdes”. Mas o que ocorreria se supri- missemos toda ¢ qualquer transposi¢go? Embora Bataille reconhega que é impossivel representar esse “residuio”, nao é menos verdade que a avaliagio das obras devers entéio passar a clasifict-las “conforme contenha{m] mais ou menos o que esse residuo tem de horrfvel"!" Aqui Bataille se aproxima perigosamente da nogio lacaniana de real, ‘ou seria quem sabe © contratio, jf que sabemos que Bataille ¢ uma las origens jamais confessadas por Lacan desse conceito que ocuparé ‘lugar que conhecemos na triade simbélico/ imagindrio/ real em seu censino a partir de 1953. A interlocusio desde muito cedo com a exnografia, sobretudo a partir de “O ensaio sobre a dédiva” de Marcel Mauss, que fanda a antropologia moderna, ¢ da monografia de Mauss ¢ Hubert sobre o sacrifici, sugere a Bataille © modelo da perda ou do sacrificio para pensar a arte. A soberania do sacrificio como modelo artistic talizante que imantaria toda a sociedade (a tragédia dtica, em sua origem, mas a poesia, em geral, ele diré em “A nocio de dispé dio”), o sacrificio como engendramento da comunidade, na linha de Durkheim, corresponde situagio da morte catastuéfica do monarea, ou de Deus, pensados como a mesma coisa Jem “A América desaparecida” aparece o fascinio pela religiio asteca, em cujo culto sangrento ¢ jubiloso ao deus Quetzalasatl, a “serpence emplumada”, Bataille encontra uma verdadeira religifo da Tr Mb, ps 252, 12 CE Rondinesco, Elizabeth « Plon, Michel. Diciondrs de peanalve. Trad. Vera Ribsiro © Lacy Magolhies, Rio de Janeiro: Zshar, 1998, p. 645, 1 262 morte, com o sactificio anual de milhares de vitimas apenas na ci- dade do Mési hilariance de Documents sobre a historia em quadrinhos Les pied’s ni- 18 o mesmo deus asteca que aparecerd no artigo chelés, em que as diabruras dos personagens sto “sobrevivencias” dos ritos astecas: “Um deus mexicano como Quetzaledatl, que se diverte escorregando do alto das montanhas sentado sobre uma tabuinha (ud, sempre me pareceu ser um Pé niguelado [.. “B evidentemente imposstvel arualmente, sob )". E mais adiante: talquer forma inte- lectual, dar uma liberdade suficiente 4s figuras que ao mesmo tempo se cobrem de sangue ¢ morrem de rir do Walhalla mexicano”.'* © mesmo culto sacrificial sangrento aparece no artigo sobre a deusa in- na Kali: “Os sncrificios A deusa atingem, s6 nesse templo, de cento € cinquenea a daz ntos cabritos por dia. Os animais so decapitados 5 Ou nas touradas na Espanha, onde Bataille presenciars in loco a morte do tourciro ‘com apenas um golpe de facto pelos sacerdotes Manuel Granero, em Madri, em 7 de maio de 1922, transposta em tum cpisédio de A histdria do obbo.'® Hi som diivida algo do exorismo hispinico no jbilo do sacrificio sangrento contido nessas primeiras descobertas da diferenga emogrd- fica, mas estas devem ser inseridas no grande projeto de descoloniza- gio e descentramento europeu que comparece em Bataille ~ ou em Anronin Arcaud, que, em 1936, far sua viagem ao México em busca 1A Baulle, Georges. “L’Amérique disparue”, Eres complies, volume I. Pais Gallimard, 1970, p. 156. 14 Neste volume, p. 185. 15 Neste volume, p. 199. 16 Bataille, Gcorges,"O obho de Geanero”. A hleiria do ol, rad. Eliane Robere de Moraes, Sdo Paulo: Cosac Nalfy, 2003, p. 65-69. 2a de uma nova definigio do humano ¢ descobriri o povo dos Tarahu- ‘maras, com os quais teri suas primei experiéncias com peiote. 'A introdugéo ao material etnogrifico ver do amigo Alfred Mé- straws “o meu mais velho amigo”, etndgrafo sul-americanista que cescreve em 1928 — ano também da publicagéo de Macunaima, de Mirio de Andrade, ¢ da primeira dentigio da Reviste de antropofi- ‘gia (1928-1929) — uma importante monograia sobre A religiéo dos iupinambés:” Mézraux assste aos seminsrios de Marcel Mauss na Sorbonne e reporta certas nogSes a Bataille. Curiosa essa presenga por pessoa interposta da etmografia, ee Mauss em especial, na obra de Bataille, que, ainda em A parte maldita (1949), obra de sistema tizaggo de sua teoria social, explica que 0 “Ensaio sobre a dadiva” de Mauss “encontra-se na origem dos estudos eujo resultado hoje publico”.!* ‘As nogbes de potlach, de didiva e de sactficio, vio, de fato, ocu- par um lugar central na obra de Bataille, porém submetidas a um essencial deslocamento, Na dédiva interessa a Mauss identificar a obrigacio de restitui-la a0 doador, sob pena de sofier de maldigéos o potlach, resume Mauss, & um sistema de “prestagbes totais de tipo agonistico",” em que se sublinham @ reciprocidade c a equivaléncia tendencial das dédivas entre rival produzindo a longo prazo um certo equilfbrio entre as partes, A obrigagéo de restituir a dédiva as- Ty Means Aled, A religio dos tupinarbs suas velades com as demais trios up-guenanis. Trad. Etevao Pinto, Sao Bao; Ul, Naclonal/d Universdede de io Paulo, 1979. 18 Banal, Georges. A parte malta. ‘Trad. Jilio Cestafon Guimaries. Belo Horizonte: Autéstica, 2013, 2. edigio, Edigaoelerbnica 19 Mauss, Marcel “Ensaio sobre a didivs, Forma ¢ raz da troca nas socicdades rcaicas", Saiolagia e entrypolagia, Trad. Paulo Neves. Sao Paulo: Cosse 2003, p. 192 fy Bas sinala um liame peculiar entre religito e economia em todo os sen- tidos oposto ao contratualismo da mercadoria capitalista, O que a caracteriza é, paradoxalmente, nfo 0 céleulo do tetomo imediato da dadiva, como no etcamho, matrix do numeririo civilizado, mas a perda tempordtia, ¢ scu retome diferido ¢ aumentado na linha do tempo. Desse esquema, Bataille retém, no entanro, apenas um dos. lados:ineeressa-lhe exclusivamente a perda, o desperdicio luxuoso, 0 dispéndio, todos termos que véo aparecer com a frequéncia conhecida cm sua obra, ¢ que ele acabard cristalizando no sol, centro de seu modelo energético, que “di sem nunca receber”. E este essencialmence © principio sacrificial, “heterolégico”, dir ele eventualmente, do “dispéndio improdurivo” que pautaré a arte, Por oposigio ao sistema da homogencidade iil, mercantil, extatal ‘A primeira exposigio dos aportes da etnografia de Mauss encon- tase no peniiltimo ensaio que Bataille publica em Documents, “A mutilacéo sacrific ial ¢ a orelha cortada de Vincent Van Gogh”, que remete explicicamente a nogéo central de sacrificio 8 monografia de Mauss ¢ Hubert. Nesse prodigioso estudo, que junta um caso con- temporineo retisado dos anais da psiquiacria sobre uim jovem pincor ‘que ampuca 0 seu préprio dedo, em obediéncia as ordens vindas do sol, is floragics de girassdis e & “aparigao do sol em toda a sta gléria” na obra de Vincent van Gogh, surge para Bataille 0 modelo de uma arte de pura perda, liberada de “todo céleulo egoista”, que altera ra- dicalmente a estrutura agonistica da dédiva.”” Ao contrétio, contudo, do que ocorre normalmente no sactficio, quando se interpée, entre «0 sactificante e 0 deus, a presenga de um intermedidcio — a vitima, que substitu e protege o sacrificante que do conitécio sucurbiria nas 20 Neste volume, p. 243, 25 ios do deus — no caso exclusive do sactificio de um deus 2 diva se di sem retomo, sem intermedisrio e sem vitima, O desprendi- mento info se mistura, assim, com o interesse, como é sempre 0 caso estruturalmente ambivalente com a dadiva.® Estd dado pata Bataille co modelo da experincia, que ele denominard adiante “experiéncia in- terior”, © que na verdade nada tem de interior: uma experigucia sem objeto, sem sujeito, sem projeto, sem vitima a nio ser ela propria, ¢ Sem as garantias do suporte da arte ou da teligiso.”* ‘Van Gogh corta a orelha e a oferece a uina prostituta, levando-a “ao lugar que mais repugna & boa sociedad”. © ato de pura didiva, sem retorno, “testemunhando um amor que néo levava em conta nada, ou scja, que nio calcula, nao recebe nada em troca, equ todos aqueles que conservam da vida que reccberam a ideia elevada, oficial, le, literalmente, conclui Baraille, a uma cusparada na cara de “ que conhecemos".* Como vimos em “Pigura humana”, cercada por “moseas” que a tiram do sézio, a “forma ideal”, o idealismo oficial, parece set invadida por uma monstruosidade residual que a penetra por todos 0s kids, submetendo-a a0 cuspe € impureza. Besa pertur- bacio, necessariamente presente na nost0 de fortna, seri explicitada ‘Maus, Marcel e Hubest, Henri, Sobre a sacrcio. Trad. Panlo Neves. S40 Paulo: Say, 2005, p, 106-107. Cosxe 220 queseinia come ear nog umaexperiaca porque nde seremeteancauma pes de massomenceno tps {Bis por mn se remetera nade de outro, 4 nenhurn fos, eno po modo da sre canes, co edo da ruptures € rb inveamente expe 20 SSR” DERRIDA Js. Lote el diene, Pats Sey 196, peso onhuuma pen 23 Neste wot p46. I. por Bataille desde 0 primeiro verbete do Diciondrio erttico, “Axquite- ‘ura’, Citemos alguns ttechos: © Acarquitecura é a expressio do proprio set das sociedades, a mesma mancira que a fisionomia humana & a expres- sio do ser dos individuos, Entreranto, é sobretudo 2 f- jonomics de personagens oficais (preladas, magistrados, almirantes} que essa comparavio se refere. De faro, apenat + 0 sor ideal da sociedade, aquele que ordena ¢ prosbe com aucoridade, se exprime nas composiges arquitcturais pro- priamente diras. Assim, os grandes monumentos se elevamn como diques, opondo a logica da majestadee da autorida- dea todos os elementos perturbadores: & sob a forma das catedrais ¢ dos palécios que a Tgreja ou o Estado se dirigem cc impocm siléncio as multidoes. [.] E evidence, aliés, que @ ordenagéo matematica imposta 4 pedra no é outra coisa sendo 0 acabamento de uma evolugio das formas tesrestres, cujo sentido & dado, ma ordem biolégica, pela passagem da forma simiesca & forma humana, esta jé apresentando todos os elementos da arquitetura. Os homens represcatam aparentemente, no processo morfolégico, apenas uma etapa intermedi entre os macicos 0s grandes edificios. As formas se tornaram cada vez mais estiticas, cada yee mais dominantes, Do mesmo modo, a ordem humana é desde 2 otigem solidéria da ordem arquitetural qu desenvolvimento (..)Toda uma atividade terrestre aeual- mente, ¢ decerto a mais brilhante na ordem intelectual, cende, als, nessa direcio, denunciando a insuficiéncia da predominancia humana: assim, por mais estranbo que io possa parecer quando se tata de uma riatuta tao elegante {quanto o ser humano, um caminho se abre ~ indicado pe- Ios pincores ~ rurmo 3 monstruosidade bestia como se nae hhourvesse outra chance de eseapar & churma arquitetural. 24 Neste volume, p. 65-66. as Bataille ope, portanto, de saida, a esta “churma arquiterural” que “exprime” ~ e, portanto, induz, impoe—o “ser das sociedades”, uma “abertura” concreta pelo caminho da “monstruosidade bescial”, Ou scjas ele reivindica uma forma que funcione como abertura para 0 “elemento perturbador”, para a “insubordinagao dos Fatos mate a que cle se referieé em “A nogio de dispendio”, de 193% uma forma que seja abcruura para sua pr6pria “perturbagio". Trata-se, em izagho do trabalho do suma, de conceber a forma como a mat informe que a “dilacera”"® O final do verbete “Escarro”, de Miche! Leiris, ¢ 0 curto verbete “Informe”, de Bataille, que aparecem numa mesma pigina do nime- 107 de Documents, de 1929, recomam 0 motivo de uma materialida- de nao-hierarquizada, ¢ desclassificada. Escreve Leiris, encerrando 0 seu verbete: © cxcarro ¢ enim, por sua inconsisténcia, seus contomos indefinidos, a imprecisto relativa de sua cor, sua umidade, 0 préprio simbolo do informe, do invcrifictvel, do nio-hie- rarquizado, escolho mole ¢ viscoso que fiz fracassarem, mais do que qualquer pedra no caminho, todos os proce dimencos daquele que imagina 0 ser hummano como sendo alguma coisa, ~ outra coi que nao tm animal careca ¢ sem imiisculos, o escarro de um demiargo em deliri, rindo as ges. Cures completes, volume. Pais: Gallimard 1970, p. 318. Tradugio em pornguts: A parte maldia, op. cit 26 Aludios agai a uma expressio que Georges Didi- Huberman explora 20 longo ide seu trabalho sobre Batalle Csemelhanca dilcerante”). Cf. Didi-Hluberman, ‘Gonrges. A semelbuna informe: on o gto saber vical segundo Georges Batalt, Urad, de Caio Mei, Femando Schelbe e Maccelo Jacques de Moraes. Rio de Janciro: Coneeaponto, 2015. 1 268 sargalhades por tr expectorado essa larva vaidoss,girino cOmico que se infla cm carne insuflada de seridens..” E escreve Bataille, por s dimento na realizagio de u ver, defininde assim seu priprio proce- diciondrio em Documents: INFORME ~ Um diciondrio comegaria a partir do mo- mento em que no desse mais o sentido, mas as tarefas das palavras. Assim, informe néo & apenss um adjetivo que cem sate ou aquele sentido, mas um termo que serve para des- classficar, exigindo geralmente que cada coisa tenha sue forma. O que cle designa néo tem seus diteivos em sentido algum e se faz esmagar em toda parte eorno uma aranha ou tama minhoca, Seria preciso, de fato, para que os homens académicos ficassem contentes, que 0 universo romasse forma. A filosofia inccira nfo tem outra meta: trauise de dae um redingote ao que é um redingote matemstico. Em ccontrapartida, afrmar que o tniverso nfo se assemelha a nada ¢ é apenas forme equivale a dizer que 0 universo é algo como uma aranha ou uum escarro.!* (© que quer dizer esse distingdo essencial entre a “tarefa” ¢ 0 “sen- tido” das palavras, posta no informe? Se a suposigio do sentido das palavras remete em geral A possbilidade de sua permutabilidade, de sua transmissio, de sua fixagdo a “coisas” e de sua consequente ere- ‘so em figura, Baraille, ao privilegiar aqui a dimensio da sareft das palaveas, em oposigio ao sentido, considers-as em sua relagio com ‘© que ainda nao esté dado, com sua poténcia performativa sobre as formas informes que elas postulam ~ “aranha”, “verme” e até mesmo “universo” para a palavra “informe” — e que as contamina, mas que 27 Bataille, Georges, Lees, Michelet alii, Document, Pais ed, Jean-Michel Place 1991, p. 382 28 Neste volume, p. 147. 209 I se poem no limite como intransmissivels, incomparcilhaveis, i rveis; na medida mesmo em que ndo perseveram, justamente, como formas, ¢ em que se fazem “esmagar por toda parte”, © que importa aqui € a dimensio performativa da lingua implica da por essa ideia de “tarefa". Quanto ao informe de Bataille, a tatefa, ‘trabalho que cle realiza é de “desclassificat” uma forma identifica ‘da como tal ~ pois apenas uma forma apreendida enquanto tal pode ser também apreendida enquanco informe: se digo informe, jé 0 digo de uma forma. Mas essa desclassificagio exprime 20 mesmo tempo uma “exigencia’: a de que “cada coisa tenha sua forma”, justamente, Assim, todo trabalho sobre uma forma, mesmo que se trate de uma forma informe, implica a producto de uma relagio de semelhangal dessemelhanga ~ entre “escarro” e “forma”, por exemplo, como fe Leiris, ao descrever as caracteristicas fisicas do primeiro a partir da recusa de toda continéncia, de toda estabilidade implicada pela se- gunda —, a mesmo tempo que a exigéncia imposta por sua desclas- sificagéo implica a pressuposigéo de que cade rermo da semelhanga/ dessemelhanga se assemelharia por prinefpio a si mesmo, raurologi- camente: escarro é escatto, forma é forma, Portanto, escarro néo é forma... Mas tal exigéncia, para cada forma informe, é assombrada por aquilo mesmo que ela recusa, a forma semelhante/ dessemelhance quea acusa de informe, A forma “escarro” € assombrada (poderiamos dizer: informada e deformada) pela forma “forma”, assim como a forma “forma” o é pela forma “escars0”. Ou seja, 0 informe realiza 0 trabalho da forma de dar a ver a dessemelhanga que a constitui como tal. gE desclas mesmo enquanto reference, enquanto palavra “que tem este ou aque- sim, portanto, que o informe leva sua tarefa 2 cabo: 20 icar “o que [4] designa”, ele acaba por desclassificar a si le sentido”, pois, leiamos a frase até o fim direitos em nenhum sentido”, E por isso, aliés, que um “dicior se mostra como uma idealidade irrealizvel, como indica o fucuro pretérivo da bs getais sobre Bi livre pelas editoras. © liveo, em sua forma atual, sé foi poss talver aa palavta, e a0 trabalho incansé nando Scheibe, junto & Cultura ¢ Barbarie mas quem sabe foi por uma boa razio: agora saitr me Jhor do que teria safdo antes. | eel ce OO ema < Spe eas) = En) Peer ics poo oI Rd ad Bra cies 2 Canam) ane) Me cad ya ed Ce Pot Parte yuu) Ca od PEC ut ut a ae Tete) Dee) 115| Locais de peregrinacéo: Hollywood f tad Toes tcrs Pea) Dey Tc) Dea cd a Smt ce eos

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