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Educação Social
e Cidadãos com
Deficiência
PRAXIS EDUCARE 7 - DEZEMBRO 2020
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PRAXIS EDUCARE 7 - DEZEMBRO 2020
FICHA TÉCNICA
PRAXIS EDUCARE
Número 7 - 2020
Direção
Fátima Correia
Sílvia Azevedo
Conselho Editorial
Fátima Correia
Hugo Monteiro
Maria José Araújo
Rui Brito Fonseca
Sílvia Azevedo
Design gráfico
Renato Soeiro
Periodicidade
Semestral
Data da publicação
Dezembro 2020
ISNN 2183-4830
Edição/Propriedade
Associação dos Profissionais Técnicos Superiores de Educação Social
www.aptses.pt geral@aptses.pt
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PRAXIS EDUCARE 7 - DEZEMBRO 2020
ÍNDICE
5 Editorial
Educação Social e Cidadãos com Deficiência
Rui Brito Fonseca
55 Cidadania e Deficiência
Desafios de uma Cidadania Plena
Cheila de Carvalho
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EDITORIAL
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aceitaram de imediato o desafio. Por essa irá agitar as águas da Educação Social e da
disponibilidade e altruísmo, estou-lhes sociedade portuguesa. Aos autores deixar um
profundamente grato! abraço fraterno, por tudo aquilo que os seus
Depois, tinha como objetivo o ecletismo de artigos farão por todos nós, na senda da
abordagens, considerando que as questões mudança social.
relativas aos cidadãos com deficiência são O caminho para a leitura e para a reflexão está
tantas que me pareceu interessante uma lançado. É este o desafio!
multiplicidade de abordagens, capaz de fazer
questionar os leitores, para além do óbvio,
fazendo-os olhar para o outro lado do muro e
ver a floresta sem esquecer a árvore. Julgo que
essa invulgaridade de abordagens foi
conseguida, com todo o mérito para os autores
que trabalharam afincadamente e em
contrarrelógio, no sentido de produzir algo
inédito e com valor académico e social.
Para além de produzir conhecimento válido e
com interesse para o trabalho dos Educadores
Sociais e outros profissionais que trabalham em
áreas conexas, tive como preocupação que
este número fosse demonstrativo da
transversalidade de meios e espaços
profissionais, onde a necessidade do trabalho
dos educadores sociais é já uma realidade
premente e objetiva.
É com satisfação que vejo que esse ecletismo
de abordagens, visões múltiplas e invulgaridade
de temáticas foram conseguidos. Num só
número foi possível relacionar o tema central
com questões diversificadas como (sem
qualquer ordem de enumeração): a
acessibilidade audiovisual, o desporto
adaptado, a educação permanente e a
aprendizagem ao longo da vida, os desafios de
uma cidadania plena, a promoção pessoal e
social da qualidade de vida e bem-estar, a
indigência e a deficiência mental e, por fim, um
olhar sobre a demência.
Para finalizar, resta-me agradecer de novo à
Direção da APTSES pelo convite para
coordenar cientificamente e editorialmente este
número da PRAXIS EDUCARE, pois considero
que este número, pelas razões já apresentadas,
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Joana Duarte
Resumo
A tradução audiovisual (TAV) é uma área de pesquisa que tem sido bastante explorada no meio
académico português nos últimos dez anos, contudo, é no mercado audiovisual que as grandes
conquistas são mais percetíveis. Entre os recursos que possibilitam quebrar as barreiras que tornam
as informações inacessíveis estão a legendagem (LEG), a língua gestual portuguesa (LGP) e a
audiodescrição (AUD).
A pandemia de Covid 19 veio trazer-nos da sombra a realidade ainda desconhecida por muitos e
partilhada por alguns, a necessidade de tornar os serviços audiovisuais em multiplataforma cada vez
mais acessíveis ao cidadão com deficiência auditiva e visual.
Dos objetivos de regulamentação propostos pela União Europeia, através da Diretiva AVMS, até à
regulamentação interna, o caminho a fazer pelos meios de comunicação audiovisual em estreia
colaboração com o regulador serão passíveis de promover o nivelamento dos serviços audiovisuais,
bem como entre os media tradicionais e os “novos media”.
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Introdução
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de partida oral na língua partida é traduzido caminho a seguir para atender os espectadores
para uma língua de chegada no texto escrito e, com necessidades especiais.»
na segundam texto de partida e texto de De salientar que, até ao momento, apenas o
chegada partilham a mesma língua. A principal operador de serviço público utiliza a
diferença entre a legendagem comum e a legendagem em programas em direto o que
legendagem para surdos assenta na diminuição condiciona o espetro de espetadores para
do texto de chegada uma vez que a velocidade quem a língua gestual não é compreensível.
de leitura de um surdo é inferior. Regista-se
ainda a introdução de elementos
complementares à compreensão da mensagem A interpretação em língua gestual – tendo
oral, tais como sons da natureza, música, como público-alvo os surdos ou pessoas com
onomatopeias e outros elementos relevantes. dificuldades auditivas, a inclusão do intérprete
Em Portugal. A legendagem para surdos é uma de língua gestual no ecrã gera controvérsia.
ferramenta opcional que tanto pode surgir em Para Neves (2007), «na televisão, os intérpretes
DVD como no teletexto de uma telenovela ou de linguagem gestual assumem mais um papel
telejornal. Contudo, a legendagem usada nos – o dos atores/atrizes, utilizando uma linguagem
telejornais por se tratar de um programa em que é 'modulada' para se adaptar ao meio
direto, assume características diferentes, sendo específico. Tal como no caso da fala, que é
imediatista e não garantindo o desejável rigor ‘fabricada’ para parecer natural no ecrã, a
correspondente ao texto oral. linguagem gestual é adaptada pelos
constrangimentos que o meio lhe impõe. No
Em Neves (2005, 2007) apresenta-se as caso de os intérpretes serem 'encaixotados'
características que a legendagem para surdos num canto, ficam confinados ao espaço
deverá assumir como forma a aproximar-se das fornecido e assume um formato de ecrã,
necessidades do público, garantindo a eficácia retirando a amplitude ao movimento do braço e
da comunicação. da mão e colocando todas as assinaturas a um
Contudo, para Neves (2005) parece inevitável nível torácico não natural. Esta situação é
que, ao pretender fornecer um conjunto de menos percetível quando os intérpretes são
legendas igualmente adequadas para os surdos apresentados em média ou longas tomadas,
(minoria social com uma linguagem gestual mas nesse caso é a expressão facial que pode
como primeira língua), audição difícil ser perdida. Em ambas as situações, para
(telespectadores com audição residual) e os aqueles que conhecem e utilizam linguagem
ensurdecidos (pessoas com audição residual e/ gestual, a interpretação da linguagem gestual
ou memória auditiva), nenhum destes na televisão é um género próprio, onde a
destinatários seja suscetível de ser devidamente codificação e a descodificação são moldadas
atendido. pelo meio através do qual a língua é
Salienta ainda a investigadora que «todas as transmitida.»
categorias de espetadores, ainda que seja um Além do meio que condiciona a mensagem, ao
ideal que não possa ser cumprido, e embora a tradutor são exigidas competências semânticas,
tecnologia não permita que as legendas sejam mas também linguísticas e culturais.
‘construídas’ ou ‘adaptadas’ às necessidades O confinamento do intérprete de língua gestual
individuais de cada espectador, faz sentido no contexto da pandemia foi amplamente
aceitar a discriminação positiva como um discutido, importando refletir sobre a preferência
de um intérprete em presença em detrimento
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Resumo
O desporto apresenta um contributo fundamental na formação pessoal e social dos indivíduos e
quando se fala em Desporto Adaptado essa importância é ímpar. O presente artigo centra-se na
modalidade Judo, na sua vertente adaptada e referente à realidade portuguesa. Todavia, o Judo, na
sua essência e sem adaptações, face aos seus princípios e valores, alinhados com os valores do
desporto, assume-se como uma poderosa ferramenta para a promoção de uma sociedade mais
justa, mais equitativa. É essencial que todos os indivíduos tenham oportunidades de prática de um
desporto de todos e para todos.
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Introdução
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apontado por Saraiva et. al. (2013) como sendo O Desporto Adaptado
um dos fatores mais importantes ligados à e a sua história
promoção do sucesso educativo, inclusão,
desenvolvimento psicossocial, e por outro lado,
o combate ao abandono escolar e O Desporto, como hoje o conhecemos, tem a
discriminação das pessoas com deficiência. sua origem na história da atividade física e do
O Desporto Adaptado português não se movimento humano. Nos primórdios da nossa
desenvolveu ao ritmo do panorama existência, o processo de seleção natural
internacional, pelo que até meados da década baseava-se na força e na resistência física
de setenta, a participação das pessoas com necessárias às atividades básicas de
deficiência em atividades desportivas era muito sobrevivência, como a caça, a pesca, a defesa
fortuita (Carvalho, 1995). Contudo, à contra predadores e/ou território, determinando
semelhança do aparecimento do Desporto assim a lei do mais forte. Perante este cenário,
Adaptado a nível mundial, o seu início em os indivíduos com deficiência, para além de não
território lusitano também surge em contextos terem as mesmas oportunidades, eram alvo de
hospitalares. Foi a partir dos anos 50, com o práticas de exorcismo e purificação,
surgimento de médicos especializados em enfrentando um contexto ambiental hostil
medicina física e reabilitação, que se iniciou (Guttmann, 1976).
uma nova era na recuperação e treino de Os primeiros relatos na bibliografia, de acordo
incapacidades. Simultaneamente, afirmaram-se com Araújo (1997), sobre o Desporto Adaptado
profissões como a educação física, a terapia referem-se a desportos praticados por pessoas
ocupacional e a ortoprotesia (Rodrigues et al., com deficiência auditiva, bem como mencionam
2013). a introdução da modalidade de beisebol, em
Também a Guerra Colonial originou um grande 1870, nas escolas do Estado de Ohio, em
número de pessoas com deficiência, que 1885, no Estado de Illinois, também nos
ocupavam os seus tempos livres no Centro de Estados Unidos com o início da prática do
Medicina e Reabilitação de Alcoitão (Yazicioglu futebol americano. Na Alemanha, em Berlim,
et. al., 2012). Após estes momentos e até à em 1888, surgem os primeiros clubes
atualidade, o desporto nacional para pessoas destinados às pessoas com deficiência auditiva
com deficiência assume cada vez maior (IPC, 2012; Marques & Gutierrez, 2014). Diz-nos
expressão e importância, sendo o seu também Winnick (2017) que a terminar o século
desenvolvimento muito positivo com atletas de XIX, o futebol tornou-se o desporto rei em
elevado valor dentro e fora do mundo diversas escolas de surdos, assim como
desportivo. começam a aparecer os primeiros grupos de
surdos a dedicarem-se ao basquetebol. Por seu
Da grande panóplia de Desportos Adaptados, turno, Louro (2001) indica que foi em 1920 que
neste artigo, foi escolhido o Judo, não só como se iniciaram atividades como a natação e
modalidade adaptada mas sobretudo no que à atletismo a serem praticadas por deficientes
sua abordagem do ponto de vista inclusivo diz visuais.
respeito, assumindo esta como sendo uma
modalidade nobre para o trabalho não só do Ainda no que diz respeito ao desporto para
corpo mas também da mente, estruturando as deficientes auditivos, em 1924, foi criada a
condições e oportunidades para uma formação Organização Mundial de Desportos para
plena da pessoa humana e do desenvolvimento Surdos, com a realização de uma competição
da sua sociedade envolvente. internacional, em Paris, nomeada “Jogos
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desde então, e o Judo português, a partir dessa apresentam uma qualidade de execução média
data, já conquistou medalhas de ouro, prata e a boa, e Divisão II, onde a qualidade de
bronze. Para serem elegíveis, os atletas devem execução por parte dos praticantes se situa
ter uma perda de, pelo menos, 55 db no seu entre média a fraca. Em ambas as vertentes, as
“melhor ouvido”, sendo que próteses auditivas, principais adaptações regulamentares do Judo
implantes e similares não podem ser utilizados são as proibições de projeções com os dois
na competição. A modalidade para a deficiência joelhos no tatami, técnicas de estrangulamento
auditiva é regulada pela International Judo e a luxação do cotovelo. Para além destas duas
Federation e não existe qualquer alteração às categorias, a Federação Portuguesa de Judo
regras e regulamentos implementados pela apresenta ainda uma terceira, onde a
referida federação que também regula o Judo competição tem um carácter puramente
enquanto modalidade desportiva sem recreativo, carecendo a luta de um elevado grau
adaptações. de adaptação.
Por seu turno, quando falamos em Judo para No que respeita ao Judo Paralímpico, esta
pessoas com deficiência intelectual estamos modalidade entrou pela primeira vez nos Jogos
perante duas vertentes: O Judo Adaptado e o Paralímpicos, em 1988, Seul, apenas como
Judown. Para o atleta ser elegível para a prática modalidade praticada por atletas masculinos e
no âmbito da deficiência intelectual, em só nos Jogos de Atenas, em 2004 foram
qualquer das suas áreas, deverá ter um incluídas provas femininas. Portugal teve a sua
quociente de inteligência igual ou inferior a 75, primeira representação na referida competição
diagnóstico em idade inferior a 18 anos bem nos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro, em
como limitações significativas nos 2016. A modalidade para a deficiência visual é
comportamentos adaptativos, expressos em regulada pela International Blind Sports
três das seguintes áreas: comunicação, Federation, tendo como principal diferença
independência e cuidados pessoais, vida relativamente ao Judo regular, o início do
doméstica, capacidades sociais, autonomia, combate (ou recomeço do combate após
segurança e saúde, escolaridade, lazer e paragem), com a pega feita9. As restantes
tempos livres, utilização dos meios comunitários regras de competição são idênticas às da
ou trabalho. (Federação Portuguesa de International Judo Federation, seguidas noutras
Desporto para Pessoas com Deficiencia, s.d.). provas de Judo destinadas a atletas sem
No Special Olympics, em português conhecido deficiência.
por Judo Adaptado, as regras são as mesmas No Judo para a deficiência visual competem
do Judo regular, embora os atletas sejam atletas com deficiência visual das classes B1
divididos por categorias de acordo com as suas (Acuidade visual é mais baixa do que LogMAR10
capacidades e performances, para que os 2.6), B2 (Acuidade visual entre LogMAR 1.5 a
combates sejam realizados entre atletas com 2.6, inclusive) e/ou campo visual restringido a
desempenhos semelhantes. um diâmetro inferior a 10 graus) e B3 (Acuidade
Relativamente ao Judo dedicado a atletas com visual entre LogMAR 1.4 a 1.0, inclusive, e/ou
Síndrome de Down, o JudoDown, são campo visual restringido a um diâmetro inferior
regulamentadas pela Sport Union for Athletes a 40 graus). Os judocas não têm de usar
with Down Syndrome e, nestas competições, tampões oculares nem viseiras, competindo
os judocas estão agrupados de acordo com o entre si sem vendas, apenas de acordo com a
nível de execução técnica, em apenas duas categoria de peso.
divisões: Divisão I, em que os atletas
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Todavia, o Judo não se encerra enquanto toda a vida. Por seu turno, Cachada (2013) diz-
modalidade para ser praticada apenas com o nos que no desporto não se ensinam apenas
objetivo da competição, seja ela ao mais alto técnicas e táticas, mas aprende-se a respeitar e
nível ou não. Mesmo não existindo competições confiar nos seus companheiros, assim como a
e regulamentos oficiais para judocas com respeitar os seus adversários.
outras deficiências que não as mencionadas O Judo tem uma identidade própria, com
anteriormente, existem estudos que valores, normas e símbolos que o distinguem
demonstram os benefícios da prática da no quadro da dinâmica cultural de outras
modalidade, revelando um desenvolvimento modalidades, sendo de facto uma atividade de
mais completo e harmonioso dos participantes elevado valor formativa. No tatami e fora dele,
em programas de Judo. na vida, os grandes vencedores são
Apesar dos estudos na área serem escassos, distinguidos pela prática dos valores
Garcia et. al. (2019) desenvolveram um estudo fundamentais do Judo que incorporam o código
com crianças e jovens com perturbações do moral desta modalidade: o respeito, a cortesia,
espectro do autismo que demonstraram ter um a honra, a sinceridade, a modéstia, o
grande interesse na modalidade e onde autocontrolo, a coragem e a amizade. A
concluíram que a prática do judo pode transmissão destes valores contribui para a
contribuir para a redução de comportamentos formação cívica dos seus praticantes, que é tão
sedentários, embora este resultado ainda importante como a preparação física e técnica,
careça de mais estudos para ser totalmente pois só com a interiorização dos mesmos, os
comprovado. Para além disso, os pais dos desportistas poderão ser bons cidadãos e,
participantes no estudo relatam uma redução consequentemente, bons atletas de
da tão característica dificuldade de competição seja ela integrada no desporto
comunicação e interação social, durante e após regular ou adaptado.
a aplicação do programa de Judo. Pensando no desenvolvimento físico e na busca
Muitos treinam para competir e, idealmente, da funcionalidade máxima do corpo humano, o
para conseguirem ser atletas olímpicos ou Judo também demonstra ser muito completo.
paralímpicos, enquanto que outros treinam para No treino de Judo, estão previstas inúmeras
se superarem não só a nível desportivo, mas solicitações motoras, potenciando a mobilidade
sobretudo a nível pessoal, na busca de se e estrutura muscular, um sistema metabólico e
tornarem pessoas humanas de excelência, neuromuscular eficiente e um sistema
sentindo-se, em simultâneo, fisicamente mais cardiorrespiratório com uma boa capacidade
funcionais. aeróbica e anaeróbica. Também é trabalhada a
força, resistência, agilidade, coordenação,
lateralidade, orientação espacial, velocidade,
flexibilidade e equilíbrio, contando com a
Judo de todos e para todos... oposição do parceiro, numa luta em constante
Muito mais do que um desporto movimento. Desta forma, e segundo Delgado
(2015), esta prática de combate é altamente
recomendada por poder ser praticada por
Deval & Sánchez (2000) referem que o desporto todos, pois quando estamos perante alguém
integra em si valores de descoberta, valores de com qualquer tipo de limitação física ou mental,
desenvolvimento pessoal e de educação social, a sua adaptação é muito fácil e apresenta
valores que devem ser mantidos ao longo de benefícios sobejamente reconhecidos. Porém,
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adaptações no seu material, ao seu movimento, lógica de desporto para todos, está em
ao seu treino, ao seu ritmo. Claro que sim. constante crescimento e progressão. Não
Então parece-me justo que se fale de desporto obstante, é importante que se combata o ainda
de todos e para todos. baixo envolvimento das pessoas com
Num estudo apresentado por Saraiva et. al deficiência em atividades desportivas, pelo que,
(2013) verificou-se que a prática do Desporto segundo Saraiva et. al (2013, p.633) “devem ser
Adaptado federado ainda está muito adotadas medidas de fomento e posterior
centralizado nas duas principais cidades manutenção de estilos de vida ativos, que vão
portuguesas: Lisboa e Porto, muito desde a eliminação de eventuais barreiras
provavelmente pela qualidade de vida e arquitetónicas que possam condicionar/
oportunidades que são proporcionadas aos impossibilitar a sua frequência até a formação
seus habitantes, embora haja oferta ao longo de cívica dos profissionais que nelas trabalham e
todo o território. Todavia, já foi demonstrado dos seus familiares e amigos, sensibilizando-os
que o desporto para a pessoa com deficiência para os benefícios da prática desportiva para as
pode acontecer muito para lá do que é a prática pessoas com deficiência assim como para a
federada e/ou competitiva pelo que se acredita importância do seu apoio emocional”.
que o desporto adaptado português, numa Através das oportunidades para testar limites e
potencialidades, quebrar barreiras e na busca
de uma vida mais saudável, justa e equitativa,
isto é, uma vida com mais qualidade, a prática
desportiva para pessoas com deficiência
apresenta uma extrema eficácia para este feito
(Melo & López, 2002). O Judo, pelas suas
características, pelos seus princípios e valores
praticados contribui com clareza para uma
integração da pessoa com deficiência na
sociedade, procurando-a tornar mais proficiente
a nível físico e social. Kano (2005) refere que
acredita ser possível desenvolver a paz e o
bem-estar da humanidade, através do espírito
do Judo. Desta forma, proponho que se diga
hajime14 ao desporto inclusivo e se faça um
ippon ao preconceito, proporcionando a todos
os intervenientes do desporto experiências
positivas e felizes.
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Notas
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Referências bibliográficas
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Resumo
Este artigo aborda a temática da formação de adultos de um ponto de vista humanista, holístico e
sistémico, centrando-se nas políticas públicas de educação de adultos e na sua evolução ao longo
do tempo, bem como nos conceitos de aprendizagem formal, não formal e informal, relacionando-a
com a questão relativa aos saberes e práticas associados aos adultos com deficiências e
incapacidade.
Neste sentido, foram abordadas diversas questões associadas a esta problemática, designadamente
as políticas adotadas ao nível da UNESCO, da UE e em Portugal, a perspetiva da educação
permanente e da aprendizagem ao longo da vida, recorrendo-se aos conceitos da lógica
emancipatória e da lógica da gestão de recursos humanos, articulando-se estas questões com a
área dos adultos com deficiências e incapacidade.
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Na prática, de acordo com Canário (2008), a não é aqui entendida como um espaço de
educação permanente viu-se limitada por três liberdade para as pessoas.
efeitos perversos: A educação e a formação comportam aspetos
1. A educação permanente foi reduzida ao centrais diferentes. Em contexto educativo,
período da educação pós-escolar, sendo este cada um de nós, enquanto formador, é um
conceito utilizado muitas vezes com o mesmo agente das políticas públicas, sendo também a
sentido que “educação de adultos”; pessoa que acompanha outros em termos do
2. A educação permanente confundiu-se com a seu trajeto e das suas dificuldades. Quanto à
forma escolar, perpetuando-a; formação, estando esta centrada na pessoa,
tem muito mais em conta o percurso pessoal e
3. Os saberes adquiridos por outras formas que familiar do adulto, bem como o seu contexto
não a forma escolar – os saberes experienciais social e cultural e as suas características
adquiridos por vias não formalizadas - foram psicológicas, estando mais direcionada para
sendo desvalorizados, o que não se enquadra trabalhar com as pessoas e para o seu
no conceito da educação permanente de acompanhamento e orientação em termos de
“aprender a ser”. percurso educativo.
Estes efeitos levaram ao alargamento e à Se é verdade que todo o nosso património em
difusão da forma escolar da educação a termos de acumulado experiencial é
diversos sectores sociais. determinante para o desenvolvimento dos
processos de aprendizagem, também há que
ter em linha de conta a necessidade de
1. Formação de adultos – estarmos despertos e disponíveis para a
aquisição de novos saberes. Ou seja, num
Uma definição e uma perspetiva
mundo em constante mudança,
designadamente a nível das TIC – Tecnologias
da Informação e Comunicação -, por exemplo,
Na ótica de Josso (2005), a formação decorre
é importante pormos em prática a nossa
ao longo de toda a vida, desde que nascemos
capacidade de adaptação, gerando uma
até à morte, sendo que a educação é específica
dinâmica e um processo contínuo entre o
de determinados períodos da vida,
esquecer e o (re)aprender. É a isto que Josso
designadamente aquando da frequência do
(2005) se refere quando diz que pode ser muito
ensino escolar, de ações de formação
perigoso não saber desaprender e não saber
profissional ou de ações de formação contínua.
esquecer para voltar a aprender.
A educação é a ação de uma sociedade, tendo
“Uma aprendizagem crítica, não mimética,
em conta a forma como ela é pensada pelas
implica não só conhecer e seguir as regras
instâncias políticas e pelos governos,
heterónomas, mas também ser capaz de
dependendo assim dessas instâncias e das
quebrá-las para assim, desaprendendo, poder
suas políticas, quer sejam políticas nacionais,
voltar a aprender; pressupõe consentir e
europeias ou internacionais.
aquiescer, mas também dissentir e resistir a
Neste sentido, a educação tem como objetivo certos valores e objetivos; exige intimidade com
assegurar a continuidade da vida da sociedade, os conteúdos e as técnicas, mas também
bem como facilitar a adaptação das pessoas à distância crítica que fomente a sua
sua evolução e aos novos contextos políticos, reinvenção” (Lima, 2003, cit in Lima, 2005, p.
sociais e económicos. Como tal, a educação 52).
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De acordo com Cavaco (2002), os adultos elemento do ecossistema…” (Lima et al., 1988,
aprendem sobretudo na medida em que cit in Cavaco, 2002, p. 19).
necessitam de solucionar situações que se lhe A educação de adultos pode, pois, ser definida
colocam no seu dia-a-dia, quer seja em como a totalidade de modalidades que
contexto familiar, profissional ou social. Essa propiciam a aquisição de saberes ao longo da
aquisição de saberes é realizada, mais ou trajetória de vida de cada indivíduo. Como tal,
menos conscientemente, ao longo do seu quer-se com isto referir a alfabetização, o
percurso de vida, fruto das suas vivências e ensino recorrente, a formação profissional, a
experiências como forma de integração nos educação extraescolar, i.e., todos os processos
diversos contextos de vida. De acordo com educativos a nível formal, informal ou não-
Gronemeyer, “a necessidade de aprender não formal.
se encontra dentro de
um código mas no A aprendizagem informal é
direito inalienável que uma modalidade educativa
cada um tem para não organizada, a qual pode
sobreviver” (Gronemeyer, ou não ser intencional.
1989, cit in Cavaco, Designa-se como educativa,
2002, p. 13). na medida em que provoca
alterações de
A história de vida de conhecimentos,
cada indivíduo é única, comportamentos e atitudes
no sentido em que não dos indivíduos.
há duas pessoas iguais,
sendo que a forma como À educação informal estão
percecionam e se associadas a aprendizagem
apropriam das e a formação experiencial.
experiências e dos Estas últimas são processos
saberes adquiridos por de aquisição de saberes e
via do seu percurso de de competências, sendo que
vida é única também. Daí estão relacionadas com a
que o processo trajetória de vida dos
formativo de cada indivíduos. Uma
indivíduo seja competência traduz-se na
indissociável da sua forma eficaz de utilizar
história de vida e se confunda com ela. A saberes, capacidades,
educação permanente – entendida enquanto informações e estratégias para solucionar
educação ao longo da vida – deve, assim, problemas concretos do dia-a-dia. A
alargar o seu âmbito de intervenção no que diz competência é passível de ser transferida e
respeito à educação de adultos a outros níveis utilizada em situações diversas daquela em que
que não apenas o formal ou escolar, focando a foi apreendida e desenvolvida.
sua atuação também a nível social, A formação experiencial integra-se no
designadamente proporcionando a movimento da educação permanente, sendo o
aprendizagem através dos papéis sociais que adulto o principal responsável pela sua
cada indivíduo desempenha, tais como formação. A formação experiencial promove o
“produtor, consumidor, progenitor, cidadão, desenvolvimento integrado do sujeito, por forma
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Fonte: Adaptado a partir de Aprender fora da escola. Percursos de formação experiencial (p. 29) Cavaco, Carmen (2002) Lisboa: Educa.
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O processo permanente que caracteriza a havendo por norma intenção de aprender por
aprendizagem informal assenta na experiência, parte do indivíduo, sendo que estas
sendo que a formação experiencial pressupõe aprendizagens se efetuam por repetição.
um papel ativo do indivíduo, bem como a sua Neste contexto, todas as pessoas são
capacidade de experimentar e refletir sobre as educadores e aprendizes, passando a
situações e acontecimentos que ocorrem no educação permanente a estar nos locais onde
seu dia-a-dia. as pessoas se movimentam. Ou seja, o meio
A abrangência da formação experiencial está (familiar, profissional, social, político e
diretamente relacionada com a diversidade de económico) onde as pessoas estão inseridas
vivências e experiências dos indivíduos nos possui um carácter formativo contínuo, sendo
seus diversos contextos, sendo que cada que as situações e acontecimentos de vida aí
percurso define e limita as aprendizagens daí desenvolvidos potenciam as aprendizagens
decorrentes. Para este processo concorre ainda mais significativas e estruturantes.
a capacidade individual de cada pessoa em Em síntese, pode dizer-se que as pessoas
termos de integração das experiências vividas, aprendem sobretudo através do tipo de
a qual depende da forma como cada um experiências de vida e da forma com as vivem,
perceciona e se apropria dessas experiências a bem como através do contacto com os que
nível intelectual, afetivo, emocional, bem como fazem parte da sua rede de relações ou de
da motivação e da consciência. outros que se cruzam com elas ao longo do seu
Mas a formação experiencial, para ser percurso de vida.
entendida enquanto efetiva aprendizagem,
implica uma compreensão do sentido das
experiências, i.e., uma reflexão e uma tomada 2. A UNESCO e a formação de
de consciência sobre as experiências de vida. adultos
A formação experiencial implica um processo
Os processos educativos assumem um papel
de transformação de saberes previamente
relevante a partir da segunda metade do século
adquiridos em novos saberes através da
XX, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial,
problematização e do questionamento de
através de práticas educativas direcionadas
experiências já vividas, i.e., “os conhecimentos
para adultos, afirmando-se assim o campo da
resultam da transformação da experiência
formação de adultos no qual a UNESCO
acumulada” (Cavaco, 2002, p. 35), pelo que as
desempenhou um papel decisivo.
diversas experiências de vida de uma pessoa
funcionam como um todo. Como tal, existe A definição de educação de adultos saída da
uma dinâmica entre o presente e o passado em Conferência de Nairobi, promovida pela
termos das vivências das pessoas, sendo a UNESCO em 1976, é ainda hoje uma
formação experiencial um processo permanente referência: “(…) O conjunto de processos
e contínuo. organizados de educação qualquer que seja o
conteúdo, o nível e o método, quer sejam
De acordo com Cavaco (2002), há dois tipos de
formais ou não formais, quer prolonguem ou
aprendizagem informal: as adquiridas através
substituam a educação inicial dispensada nos
das estruturas em que o indivíduo se insere
estabelecimentos escolares e universitários e
(família e grupo de pares) e as adquiridas
sob a forma de aprendizagem profissional,
através do contacto com a sociedade em geral
graças aos quais pessoas consideradas como
(produção, comunicação, distribuição), não
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adultas pela sociedade de que fazem parte responsabilidade das pessoas, da sociedade
desenvolvem as suas aptidões, enriquecem os civil e do Estado.
seus conhecimentos, melhoram as suas Nesta Conferência e educação é vista como um
qualificações técnicas ou profissionais ou lhes direito e como um dever, responsabilizando-se
dão uma nova orientação, e fazem evoluir as o indivíduo pela procura de educação e pela
suas atitudes ou o seu comportamento na resolução dos seus problemas, sendo cada
dupla perspetiva de um desenvolvimento pessoa responsável pelo seu sucesso ou
integral do homem e de uma participação no fracasso, o que leva ao agravar das
desenvolvimento socioeconómico e cultural desigualdades sociais, designadamente no que
equilibrado e independente” (Canário, 2006, p. se refere aos adultos pouco escolarizados,
161). penalizando quem não teve acesso a uma boa
Foram cinco as conferências da UNESCO que formação de base.
influenciaram a perspetiva e o caminho da Esta Conferência destaca a importância das
educação de adultos ao longo do tempo. parcerias, bem como das capacidades e da
Neste contexto, a V Conferência da UNESCO, experiência das entidades da sociedade civil e
realizada em Hamburgo, em 1997, caracteriza- das empresas, delegando nelas competências
se por denotar uma situação de ruptura com o do Estado. A responsabilização da sociedade
cenário de continuidade vindo das quatro civil e o estabelecimento de parcerias conduz à
conferências anteriores, passando-se de uma demissão do Estado e à privatização da
perspetiva social e humanista de educação educação assente numa lógica de económica
permanente para uma orientação “económica e de mercado.
realista da produção de competências” (Carré e No que se refere à alfabetização e à educação
Caspar, 1999, cit in Cavaco, 2009, p. 93), de base de adultos, o Estado passa a
suportada pela abordagem da aprendizagem ao assegurar apenas a “(…) definição de políticas,
longo da vida. Esta perspetiva tem por base o financiamento das práticas, os referenciais de
uma visão pragmática no que se refere à competências, a acreditação das entidades
resolução de problemas relacionados formadoras, a formação de formadores e a
fundamentalmente com a competitividade disseminação de boas práticas” (Cavaco, 2009,
económica e com o desemprego. Ao contrário, p. 127).
o movimento da educação permanente
Uma outra preocupação desta Conferência
assentava numa visão humanista.
reside na qualidade e na eficácia, uma vez que
Tal ruptura é suportada pela ideia de que é estes são indicadores utilizados pela lógica de
necessário adotar-se uma educação de adultos mercado como garante da competitividade e do
mais ajustada às sociedades modernas, desenvolvimento económico.
passando a utilizar-se expressões e termos É ainda nesta Conferência que são elaboradas
como aprendizagem ao longo da vida, propostas, ainda que vagas, de metodologias
educação e formação de adultos e de reconhecimento dos adquiridos
competências. experienciais, sendo este processo no entanto
Aqui as ações de alfabetização são orientadas associado à progressão de estudos no ensino
sobretudo para o desenvolvimento de formal e ao acesso ao emprego e à formação
competências básicas direcionadas para a profissionalizante.
empregabilidade, sendo que as ações de pós- Ao longo das suas cinco conferências, na
alfabetização são simultaneamente da perspetiva de Cavaco (2009), a UNESCO vai
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com as empresas, como sejam a “eficácia” e a De acordo com Cavaco (2009), no que se refere
“qualidade”. A formação é vista sob a dupla ao Memorando sobre a Aprendizagem ao
perspetiva de instrumentalidade e de eficácia. Longo da Vida, o qual foi publicado pela
Comissão Europeia em 2000, existe a
As pessoas são vistas como “consumidores” ou
pretensão de facilitar a postura em prática do
“clientes”, optando pela acumulação individual
que foi preconizado pelo Livro Branco da
de certificados e diplomas, tornando-se
Educação e Formação.
gestoras da sua formação, de acordo com o
mercado. A lógica do “aprender a ter” A aprendizagem ao longo da vida pressupõe a
sobrepõe-se, pois, à lógica do “aprender a ser”. necessidade de aprender desde o nascimento
até à morte, como garante de empregabilidade,
O Livro Branco faz referência à educação e inclusão social, competitividade e
formação ao longo da vida numa perspetiva desenvolvimento económico. A aprendizagem é
utilitária e instrumental, ao serviço da vista como um direito e um dever das pessoas,
racionalidade económica de mercado, centrando-se a responsabilidade nos indivíduos
valorizando a relação da educação com o e referindo-se a cidadania ativa como estratégia
mundo do trabalho (“ligar a escola à empresa”) de responsabilização individual por forma a não
como forma de resolução dos problemas de passarem por situações de exclusão social.
emprego e das empresas.
Quando se fala em cidadania ativa, quer-se com
Neste documento é citado por diversas vezes o isso significar a participação no mundo do
Livro Branco “Crescimento, competitividade, trabalho, destacando-se as questões
emprego” (Comissão Europeia, 1993), o qual económicas e a gestão de recursos humanos.
apresenta uma perspetiva da educação e da
formação em termos de instrumentos a utilizar O documento apela às parcerias e à
para o desenvolvimento de competências por responsabilidade dos parceiros sociais, às ONG
forma a facilitar a inserção profissional. e à sociedade civil, privilegiando o nível de
intervenção local, o que pressupõe um enfoque
O Livro Branco apresenta, pois, a educação na descentralização. Mas este documento
segundo uma lógica economicista, refere muito pouco o papel do Estado,
subordinando a educação à economia de denotando uma demissão do Estado e
mercado. salientando antes uma perspetiva de mercado
Este documento menciona o reconhecimento, relativamente à educação e formação.
validação e certificação de competências, bem
O documento faz ainda referência à totalidade
como a carteira pessoal de competências, no
da população, não identificando prioridades em
sentido de solucionar a situação dos jovens que
termos de públicos, como é o caso das
saem do sistema educativo sem certificação
pessoas desfavorecidas socialmente ou
escolar ou qualificação profissional, colocando
daquelas que menos beneficiam da formação,
o enfoque nas questões do emprego. Há, pois,
nem foca os adultos analfabetos ou pouco
uma aposta no reconhecimento e validação de
escolarizados.
adquiridos experienciais, mas apenas de acordo
com uma lógica de gestão de recursos A educação e a formação ao serviço da
humanos e de desenvolvimento económico. produtividade, da competitividade e do
Está-se perante uma lógica instrumental crescimento não são a solução para os
direcionada para a obtenção de certificações problemas sociais existentes atualmente.
escolares e/ou profissionais como forma de Apesar de ser uma vantagem competitiva
promoção da mobilidade e da empregabilidade. individual a nível da obtenção de emprego,
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4.1. Os adultos com deficiências Em 2006, o então Governo PS, na esteira dos
e incapacidade instrumentos normativos aprovados no plano
internacional e comunitário, pretendeu
A ordem jurídica portuguesa estabelece um implementar políticas de promoção da
conjunto de normativos em que se procura integração social das pessoas com deficiências
garantir a democratização do acesso à ou incapacidade, de que são exemplo a
educação. Com efeito, a Constituição da aprovação do I Plano de Ação para a
República Portuguesa (CRP) no art.º 73. n.º 1 e Integração das Pessoas com Deficiências ou
n.º 2, estabelece que todos têm direito à Incapacidade (PAIPDI) ou do Plano Nacional de
educação e que ao Estado deve competir a Ação para a Inclusão (PNAI).
promoção da igualdade de oportunidades. Por Neste contexto, o I Plano de Ação para a
outro lado, de modo a garantir que os Integração de Pessoas com Deficiências ou
deficientes tenham uma resposta educativa Incapacidade (PAIPDI) tinha como um dos
adequadas às suas especificidades, a CRP objetivos a qualificação, formação e emprego
dispõe no art.º 74.º n.º 2 alínea g) que na das pessoas com deficiência ou incapacidade.
realização da política de ensino incumbe ao Este plano insere-se num conjunto de políticas
Estado “Promover e apoiar o acesso dos implementadas pelo XVII Governo
cidadãos portadores de deficiência ao ensino Constitucional em que se promove a inclusão
(...)”. social das pessoas com deficiência ou
Para além de se ter consagrado na lei incapacidade (Resolução n.º 120/2006).
fundamental o direito à educação dos O conceito de inclusão está muito ligado à
deficientes, existe também um mecanismo educação, em particular ao ensino de crianças
jurídico, o Decreto. Lei n.º 34/2007, de 15 de com necessidades educativas especiais e à
Fevereiro, em que se previne e proíbe a escola, embora também se possa estender aos
discriminação, direta ou indireta, em razão da adultos. Com efeito, as situações de
deficiência, sob todas as suas formas, e se aprendizagem podem acontecer em todas as
sanciona a prática de atos que se traduzam na fases da vida, pelo que não é uma filosofia
violação de quaisquer direitos fundamentais. educativa apenas dirigidas às crianças. Esta
Ou seja, assegura-se que pelo menos no plano conceção está também expressa na Declaração
normativo as pessoas com deficiências e de Salamanca (1994) onde há diversas
incapacidade tenham os mesmos direitos que referências aos adultos, nomeadamente no
os outros cidadãos, prevendo-se ainda um ponto 5.5:
conjunto de medidas sancionatórias para as “5.5. Pessoas portadoras de deficiências
entidades que de alguma forma desrespeitem deveriam receber atenção especial quanto ao
os direitos das pessoas com deficiência. desenvolvimento e implementação de
O Estado português, ao assumir a igualdade de programas de educação de adultos e de
direitos para os deficientes, compromete-se a estudos posteriores. Pessoas portadoras de
adotar as medidas necessárias para garantir às deficiências deveriam receber prioridade de
pessoas com deficiências e incapacidade o acesso a tais programas. Cursos especiais
pleno reconhecimento e o exercício dos seus também poderiam ser desenvolvidos no sentido
direitos num quadro de igualdade de de atenderem às necessidades e condições de
oportunidades. diferentes grupos de adultos portadores de
deficiência”.
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Embora a perspetiva aqui enunciada seja Todavia, o PAIPDI não se limita a referir que se
meramente educacional, ela tem em conta que aplica a pessoas com deficiências ou
aos adultos devem ser proporcionadas incapacidades, assumindo uma nova conceção
condições que lhes facilitem o acesso a de deficiência e incapacidade, baseada na
programas de educação que tenham em conta Classificação Internacional de Funcionalidade
as diversidades de cada um e que permita a Incapacidade e Saúde (CIF) que foi publicada
aprendizagem de todos. pela Organização Mundial da Saúde em 2001
O conceito de inclusão que fundamenta o (Organização Mundial da Saúde, 2003).
conjunto de medidas tomadas pelo governo em De acordo com o disposto no 1.2 da Resolução
relação aos adultos deficientes relaciona-se do Conselho de Ministros n.º120/2006, a CIF
com a ideia de que ao adulto com deficiência protagoniza um novo sistema de Classificação
deve ser proporcionado todo um conjunto de multidimensional e interativo que não classifica
condições e de apoios que combatam a a pessoa nem estabelece categorias
exclusão, promovam a integração social, bem diagnósticas, passando antes a interpretar as
como uma cidadania plena. Ou seja, falar-se em suas características, nomeadamente as
educação inclusiva é redutor, pois limita-se à estruturas e funções do corpo, incluindo as
vertente educativa, daí que se utilize o termo funções psicológicas e a interação pessoa-meio
inclusão social, referido na Resolução n.º ambiente (atividades e participação).
120/2006. Trata-se de um conceito de inclusão A definição do conceito de deficiência e
próximo do enunciado por Florian, a incapacidade adotado veio clarificar a sua
oportunidade de indivíduos com uma utilização e conduziu à sua generalização na
deficiência participarem cabalmente em todas sociedade portuguesa levando à reformulação
as atividades educativas, laborais, de consumo, de políticas sectoriais, de sistemas de
de diversão, comunitárias e domésticas que informação e estatística, de quadros
caracterizam a sociedade quotidiana (2003, legislativos, de procedimentos e de
p. 37). instrumentos de avaliação e de critérios de
elegibilidade (PAIPDI Parte I 1.3).
Há o assumir de que se deve adotar o conceito
de incapacidade enquanto termo genérico que
engloba os diferentes níveis de limitações
funcionais relacionados com a pessoa e o seu
meio ambiente em substituição do termo
«deficiência» (que apenas corresponde às
alterações ou anomalias ao nível das estruturas
e funções do corpo, incluindo as funções
mentais) e por isso mais restritivo e menos
convergente com o modelo social que
perfilhamos.
No entanto, como o termo deficiência ainda é
aquele que é mais utilizado decidiu-se manter
em simultâneo os termos incapacidade e
deficiência de forma a estabelecer uma
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transição e indiciar um caminho para a adoção 3/2008), sendo por essa via definidos os apoios
da nova terminologia (PAIPDI Parte I 1.3). especializados a prestar na Educação Pré-
escolar e nos ensinos Básico e Secundário, dos
No que se refere à criação de condições de
sectores Público, Particular e Cooperativo,
igualdade de direitos, oportunidades e acesso
surgindo em 2009 o Sistema de Atribuição de
por parte das pessoas com deficiências ou
Produtos de Apoio – SAPA (D.L. nº 93/2009),
incapacidade às áreas da Educação e da
referente às necessidades de acesso e
Formação, é possível afirmar que as medidas
frequência por parte das pessoas com
implementadas (em especial na primeira década
deficiências e incapacidade ao Sistema
do século XXI) dão conta de uma política
Educativo, no âmbito da Educação Pré-escolar
estratégica de reconhecimento e inclusão da
e dos Ensinos Básico e Secundário (INR,
diversidade funcional. Nesse sentido, importa
2009:42-44).
realizar uma breve alusão a duas medidas
estratégicas: a Reforma do Ensino Especial e a Ainda no âmbito da Reforma do Sistema da
inclusão das deficiências ou incapacidade no Educação Especial, assistiu-se à ”reorientação
Sistema Nacional de Qualificações. das instituições de ensino especial privadas em
centros de recursos”, à criação nas Escolas de
No âmbito da Reforma do Ensino Especial, foi
Unidades de Ensino Especializado, de Ensino
possível assistir à criação e ao estabelecimento
Estruturado e Centros de Recursos TIC, à
de um conjunto de medidas que visam o
criação de Redes de Referência e ainda ao
respeito, a proteção e o reconhecimento das
alargamento do número de beneficiários
pessoas com deficiências ou incapacidade,
contemplados pelo novo regime de apoio aos
sendo por essa via reconhecidos e reafirmados
alunos com NEE de carácter permanente (INR,
os seus direitos básicos à Educação e
2009:43).
Formação, bem como a igualdade de
oportunidades nas áreas referidas. Na sequência de uma otimização e
reestruturação da Formação Profissional
Nesse sentido, estando consignado na Lei de (R.C.M. nº 173/2007), que passou a estar
Bases do Sistema Educativo (Lei nº 46/86, de duplamente inserida no sistema Educativo e no
14 de Outubro) o direito à integração de alunos mercado de trabalho, a Formação passou a
com necessidades educativas especiais (NEE) estar contemplada num “único sistema com
devido a deficiências físicas ou mentais, o Plano instrumentos e objetivos comuns”,
de Ação para a Integração das Pessoas com designadamente o Sistema Nacional de
Deficiências ou Incapacidade 2006/2009 Qualificações - SNQ (INR, 2009:45).
(resultante da R.M. nº 120/2006 e revogado
segundo a R.C.M. nº 88/2008) definiu um Valorizando a Educação e Formação e, por
conjunto de medidas aplicáveis ao sector da conseguinte, a dupla certificação, o SNQ
educação especial, das quais se destacavam a promove e potencia um carácter inclusivo no
prioridade nas matriculas, o apoio pedagógico que se refere ao direito de acesso e frequência
especializado, adequações curriculares das pessoas com deficiências e incapacidades
individuais, adequações nos processo de à qualificação, sendo um dos seus fatores
avaliação e tecnologias de apoio ao ensino ilustrativos o facto dos então Centros Novas
(INR, 2009:42-43). Oportunidades (responsáveis pela
administração da oferta formativa Processo de
Posteriormente, em 2008, assistiu-se à criação RVCC – Reconhecimento, Validação e
do Regime de Apoio aos Alunos com Certificação de Competências) serem regidos
Necessidades Educativas Especiais (D.L. nº por este sistema.
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Com vista a uma constante e progressiva em processo de RVCC. Assim, os então CNO e
garantia dos direitos das pessoas com as entidades formadoras de ofertas de
deficiências e incapacidade, em particular nas educação e formação de adultos deveriam
áreas da educação, formação e emprego, integrar pessoas com deficiências ou
foram incluídos no Catálogo Nacional de incapacidade nas atividades que vinham
Qualificações (CNQ) percursos de qualificação exercendo para a demais população.
ajustados à diversidade funcional dos indivíduos O processo de RVCC e as ofertas de educação
e ainda identificadas e definidas as condições e formação de adultos sustentam-se nos
“ótimas” de acessibilidade e frequência das Referenciais de Competências-Chave em vigor,
pessoas com deficiências e incapacidade aos orientando-se, quando direcionados para
cursos e ações de formação inicial ou contínua, pessoas com deficiências ou incapacidade, por
destinados à população em geral (INR, Instrumentos de Referência de âmbito nacional
2009:45). e considerando o tipo ou natureza da
Não obstante a existência de um conjunto de deficiência ou incapacidade, validados pelo
diplomas normativos com o objetivo de organismo competente. A singularidade dos
promoção da inclusão social dos adultos públicos em presença reflete-se ainda na
deficientes, havia uma lacuna relativamente à constituição das equipas técnico-pedagógicas
possibilidade destes acederem aos processos dos CNO e das entidades formadoras de
de reconhecimento, validação e certificação de ofertas de educação e formação de adultos.
competências, pois não havia qualquer No sentido de permitir que as pessoas com
regulamentação que tivesse em conta a deficiências e incapacidades tivessem uma
especificidade deste público. resposta mais flexível e adequada às suas
Neste sentido, não deixando de dar-se circunstâncias específicas, foram criados,
seguimento ao contexto e tendência no que se desde 2007, cinco CNO Inclusivos
refere à educação de adultos em Portugal, em vocacionados para diferentes tipos de
Outubro de 2007 foi publicado o Despacho deficiência.
29176/2007, o qual define orientações relativas
à qualificação de adultos com deficiências ou
incapacidade. No quadro da promoção de
oportunidades de educação, formação e
trabalho ao longo da vida, o despacho contém
os princípios orientadores do acesso das
pessoas com deficiências ou incapacidade ao
processo de reconhecimento, validação e
certificação de competências (RVCC) adquiridas
por via formal, não formal e informal conducente
a uma habilitação escolar, bem como a outras
ofertas de educação e formação de adultos
organizadas de acordo com os Referenciais de
Competências-Chave para a Educação e
Formação de Adultos em vigor,
designadamente cursos de educação e
formação de adultos (Cursos EFA) e ações de
formação de curta duração dirigidas a adultos
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Cidadania e Deficiência
Desafios de uma Cidadania Plena
Cheila de Carvalho
Mestre em Educação e Sociedade
Monitora de Centro de Atividades Ocupacionais em IPSS
(Amadora)
Cheilaccarvalho@outlook.pt
Resumo
O tema da deficiência não é unânime e é, ainda hoje, para muitos, um assunto pouco claro desde a
sua definição à forma como deve ser encarada, trabalhada e integrada nas políticas públicas. O tema
da deficiência aparece frequentemente associado a conceitos como inclusão, direitos e cidadania no
entanto quais os reais desafios das pessoas com deficiência enquanto cidadãos?
Com este artigo pretende-se uma reflexão sobre as questões da inclusão das pessoas com
deficiência nos diversos setores (educação, mercado de trabalho, sociedade, entre outros) e quais as
verdadeiras barreiras no exercício da sua cidadania.
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A deficiência
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cidadania. A centralidade da escola na vida dos frequentemente vivam na pobreza, leva a que
cidadãos fá-la ser um local privilegiado para o sejam considerados apenas como pessoas que
desenvolvimento de competências de cidadania necessitam de assistência e leva ao início
(Carvalho, 2018, p.6). “A escola é o espaço precoce de segregação” (Dias, 2011, p.29).
público por excelência para a implementação
do princípio da igualdade e para a promoção da
participação na vida pública e política dos Políticas Públicas
cidadãos” (Bettencourt, Campos e Fragateiro,
1999:24, citados por Carvalho, 2018, p.6). Nos últimos anos, temos assistido a um esforço
por parte dos vários governos na
Após a Declaração de Salamanca (Organização
implementação de ações e leis que tenham
das Nações Unidas, 1994, citado por Dias,
como tónica a diminuição da segregação das
2011, p. 22) as escolas defensoras da inclusão
pessoas com deficiência bem como a inclusão
escolar têm vindo a reafirmar-se como
destas na sociedade. Ainda assim, é importante
verdadeiras comunidades educativas inclusivas,
referir que a efetivação destas leis e o seu
capazes de acolher no seu seio crianças e
cumprimento dependem em larga escala da
jovens tradicionalmente excluídos dos sistemas
aceitação da sociedade e do conhecimento da
de ensino, visando agora, a equidade
mesma, ou seja, apesar dos esforços para
educativa. Porém, pretende-se não apenas a
tornar a deficiência uma realidade mais visível,
inclusão escolar como também a preparação
esta continua a ser encarada como uma
para a inclusão social.
realidade paralela e de quem poucos
Em concordância com Dias (2011) pode-se conhecem. De seguida analisaremos quais os
afirmar que “é às escolas, com a participação progressos em Portugal, no domínio das
dos pais e encarregados de educação, que políticas de deficiência.
cabe um papel importante na preparação dos
Segundo Silva (2009) as transformações do
alunos para a vida pós-escolar, quer a nível
pós-guerra, a Declaração dos Direitos da
pessoal, relacional ou profissional” (Dias, 2011,
Criança e dos Direitos do Homem, as
p.22). Assim, cabe às escolas desenvolver um
associações de pais criadas e a mudança de
Plano Individual de Transição preparando os
filosofia relativamente à educação especial
alunos para a inclusão social que inclua toda a
contribuíram para perspetivar a diferença com
informação do passado, presente e perspetivas
um outro “olhar” (p.137). Também “a guerra
futuras do aluno que contemplem os interesses
colonial e o regresso a Portugal de um grande
e desejos do mesmo, que promovam a sua
número de jovens com incapacidades
autonomia e que criem uma situação de
decorrentes do conflito, abriram caminho para
sucesso para o jovem e para os empregadores
um novo entendimento da deficiência” no nosso
(Dias, 2011, p.23).
país, como acrescenta Fontes (2008, citado por
A deficiência é o segundo motivo mais Fontes, 2010, p.92). Por conseguinte, o final da
apontado para a discriminação em Portugal ditadura “permitiu efetivamente a transformação
(65%) (ISCSP, 2017, p.7). Isto pode ser da deficiência numa questão política e a
justificado pela forma como a sociedade está emergência de novas vozes
estruturada, para “premiar os melhores e mais reivindicativas” (Fontes, 2010, p.92). Neste
capacitados”, como refere Dias (2011, p.27). A sentido podemos realçar o papel importante
“não-eliminação das barreiras com que os dos movimentos sociais para o avanço e
cidadãos portadores de deficiência(s) se desenvolvimento da cidadania das pessoas
confrontam, leva a que estes cidadãos com deficiência, destacando o movimento das
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Prestações sociais Destinatários
Bonificação do abono de Para crianças e jovens com deficiência com idade inferior a 24
família anos e crianças com idade até 10 anos
Subsídio de Educação
Estudantes com idade inferior a 24 anos
Especial
Subsídio por assistência de Pessoas (crianças ou adultos) com deficiência que necessitem
3.ª pessoa de acompanhamento de uma 3.ª pessoa
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desenvolveu vários projetos europeus no âmbito cidadãos com deficiência, na sua maioria, está
da autorrepresentação. Estes projetos ainda longe de ser uma realidade até porque o
pretendem dar a conhecer à sociedade os acesso à informação é ainda bastante restrito.
direitos das pessoas com deficiência intelectual, Para que a informação seja acessível a todos,
dar-lhes voz e visibilidade e capacitá-los para as esta tem de estar disponível em vários formatos
suas tomadas de decisão assim como o como Braille, Língua Gestual Portuguesa e
conhecimento dos seus direitos e deveres leitura fácil (FENACERCI, 2014, p. 40).
enquanto cidadãos. No caso das eleições, por exemplo, é
necessário também que os locais de voto sejam
De acordo com FENACERCI (2014) é “muito
acessíveis a todos, que o voto seja secreto que
importante que a sociedade olhe para estas
as pessoas com deficiência se possam
pessoas como alguém que é útil e importante
candidatar, ser eleitas e que possam participar
para a sociedade” (p.36) contudo muitas destas
nas organizações, associações não-
pessoas não são visíveis porque, na maioria dos
governamentais e em partidos políticos
casos, não utilizam os espaços públicos de
(FENACERCI, 2014, p.44). A realidade é que
forma independente ou com os seus grupos de
apesar de ser um direito seu, a maioria das
amigos, e por isso a sociedade considera que
pessoas com deficiência, integradas em
“não são capazes de usar estes espaços da
instituições, ainda não pode participar na
mesma forma como todas as outras
gestão das mesmas (FENACERCI, 2014, p. 27).
pessoas” (p.37). Tomando como exemplo a
deficiência intelectual, a mesma fonte refere que Como principais barreiras à participaçaõ social
muitos dos indivíduos com esta deficiência não podemos destacar: a mobilidade (48%), o
conseguem participar ativamente na sociedade acesso ao meio edificado (36%), o acesso ao
porque esta considera que não têm nada de emprego (38%) e a serviços de transporte
importante para dizer ou acrescentar, que não (34%) (ISCSP, 2017, pp.16-17).
conseguem viver de forma independente, que Congruentemente, podemos referir também,
as trata como crianças mesmo quando já são que no que diz respeito às queixas por práticas
adultos e que continuam a olhar para estas discriminatórias contra as pessoas com
pessoas como um fardo e não como cidadãos deficiência a acessibilidade é o domínio com
capazes de construir uma sociedade melhor maior número de queixas, seguido da educação
(FENACERCI, 2007, pp.6-7). FENACERCI e da saúde (ISCSP, 2017, p.14).
(2014) acrescenta que muitas vezes a
comunicação não é fácil, contudo pode ser feita Ao nível das respostas sociais prestadas aos
de diversas formas, se tivermos atenção àquilo cidadãos com deficiência é ainda possível
que nos é dito, estas pessoas conseguem-nos constatar que as respostas sociais com maior
transmitir escolhas tão simples como: o que incidência para esta população são os centros
querem comer ou quando o querem fazer, se de atividades ocupacionais e os lares
querem estar deitadas ou sentadas, se querem residenciais. Uma análise mais profunda às
ouvir música ou não, entre outros (pp. 12-13). respostas dadas, ao nível dos estabelecimentos
residenciais, é possível conferir que em todos
Para uma efetiva participação das pessoas com os distritos, o número de vagas para as
deficiência na sociedade é necessário que esta pessoas com deficiência em lares residenciais é
se adapte a todo o tipo de realidade e muito superior ao número de vagas em
necessidade. No caso de Portugal, a residências autónomas (ISCSP, 2017, p.7) e que
participação na vida pública e política dos mesmo nos centros urbanos, as residências
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autónomas são ainda uma resposta muito o objetivo de fazer da nossa sociedade uma
residual, mesmo sendo o mais congruente com sociedade mais inclusiva, mais justa e mais
um paradigma de direitos humanos. igual, contudo verificamos que essa realidade
Hazard, Filho e Resende (2007, citados por ainda não é transversal a todos os cidadãos.
Dias, 2011, p. 34) são da opinião que é preciso Ainda assim importa referir que todos estes
muito mais do que leis e boa vontade, são acontecimentos contribuíram para o
precisas ações que façam essas leis vingarem, desenvolvimento de respostas e prestações
sendo fundamental que o cidadão portador de sociais direcionadas para a deficiência.
deficiência seja visto como um cidadão com Não só em Portugal como um pouco por todo
vontade própria e com participação de forma o Mundo, os cidadãos com deficiência ainda
ativa na vida social e política, estes cidadãos são encarados como seres inativos,
têm de construir e lutar pela cidadania. Os dependentes e sem opinião. São vistos como
mesmos autores acrescentam que crianças mesmo quando já se encontram numa
“Os preconceitos, que ainda são fase adulta e a sua participação cívica é limitada
muitos, acerca da deficiência e a visão dado o número de barreiras que têm de
de um ser imperfeito, totalmente ultrapassar. Parece então pertinente que em vez
dependente e incapaz, tem de ser de focarmos a intervenção na compensação
desconstruída, pois um deficiente é nos foquemos em criar condições para que
uma pessoa igual a todas as outras e todos possamos participar ativamente na
ao mesmo tempo diferente, com sociedade, independentemente das limitações
características e limitações próprias que cada um tem, como tornar a informação
como todosnós temos em grau e mais acessível e diminuir as barreiras
natureza variado” (Hazard, Filho e arquitetónicas, entre outros.
Resende, 2007, citados por Dias, Ao longo deste artigo a autora, através de
2011, p. 34). outros autores, foi dando conta de que a
Por forma a desconstruir a discriminação dos sociedade ainda não aceita as pessoas com
cidadãos com deficiência, Hazard, Filho e deficiência como cidadãos iguais e, por isso,
Resende (2011, citados por Dias, p.34) muitas vezes, os esforços efetuados pelas
defendem que “são necessárias mais ações organizações, que trabalham e lutam pela sua
quer individuais, quer de grupos organizados inclusão e pelos seus direitos, não têm o
que pressionem a sociedade e impulsionem a resultado expectável, uma vez que o
mudança, essa é a essência da nova cidadania, entendimento de ambas as partes não é o
reivindicada, vivenciada, exercida e praticada mesmo. Para a maioria das pessoas que não
por pessoas e movimentos sociais em todo o contactam nem nunca contactaram com a
mundo”. deficiência pode parecer impossível que estes
indivíduos consigam ter uma vida autónoma e
dentro dos parâmetros que a sociedade dita
Considerações Finais como normais, ainda assim numa grande parte
dos casos esta “normalidade” não é possível
A partir deste artigo é possível constatar que a apenas pelo estigma e preconceito da
luta pelos cidadãos com deficiência e por uma sociedade que considera que as incapacidades
sociedade melhor é constante e ainda não tem destes indivíduos não lhes permitem viver como
fim à vista. Ao longo dos anos, foram criadas os outros. A realidade de deficiências mais
leis e medidas, declarações e convenções com profundas que impedem uma total autonomia
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existe, mas, tal como vimos, é possível, até qualidade, que a institucionalização não é a
para estes indivíduos, algumas tomadas de resposta que se adequa a todos os casos e
decisão mesmo que extremamente simples. que a integração social de indivíduos com
Este simples gesto de satisfazer as vontades e deficiência é mais possível do que aparenta ser.
desejos das pessoas com deficiência, de as Na opinião da autora, a desmistificação pode
ouvirmos ou de tomarmos atenção aos seus ser promovida pela escola que é um meio
interesses e também às suas dificuldades já propício à aquisição de novas competências e
contribui em grande escala para uma ao saber pensar. A integração de alunos/
valorização da pessoa, que ultrapassa as suas crianças com deficiência nas mais variadas
incapacidades, e para uma sensibilização no atividades escolares, dentro e fora da escola, e
que aos direitos humanos diz respeito. o desenvolvimento de projetos que coloquem
os alunos, considerados “normais”, em
A contribuição da autora para a desmistificação situações de incapacidade/ deficiência para que
da deficiência passa por tornar estes indivíduos compreendam o lugar do outro, podem ser
e as suas dificuldades mais visíveis para que alguns dos contributos. Se as crianças são o
todos percebamos que é possível contribuirmos nosso futuro, podemos fazer com que elas nos
para uma vida mais autónoma e de maior deêm um futuro mais risonho e inclusivo.
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Filipa Coelhoso
Professora Coordenadora
ISCE - Instituto Superior de Lisboa e Vale do Tejo
Filipa.coelhoso@isce.pt
Resumo
O presente artigo parte dos princípios da educação para o desenvolvimento para a reflexão sobre o
impacto do eu, do nós e dos outros no processo (socio)educativo de (des)envolvimento pessoal e
social. Aprender ao longo da vida implica reconhecermos que somos seres únicos, pela nossa
diferença, e que habitamos um mundo que é interdependente e social.
Um mundo que é de todos e onde todos devemos ser chamados a assumir a responsabilidade de o
construir como saudável, sustentável e pleno. A promoção da qualidade de vida e bem-estar exige
um olhar salutogénico de promoção de competências pessoais e sociais em prol de um bem-estar
biopsicossocial individual e coletivo. O desafio é complexo, o caminho é o da educação.
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Resumo
A deficiência mental apresenta muitos indigentes que são, normalmente, catalogados de marginais e
vagabundos, tendo uma má imagem social. A partir da metodologia qualitativa, na modalidade de
história de vida – em estudo de caso o ‘João’, recorremos ao método biográfico-narrativo. Foram
objetivos: construir a história de vida do João – deficiente mental indigente; analisar como o João é
visto pela família e comunidade; compreender a relação João-família-comunidade e que apoios tem.
Utilizámos as técnicas de recolha de dados: observação participante em notas de campo e
entrevistas (semiestruturadas à família, em profundidade ao João e inquérito por entrevista a 29
pessoas da comunidade), de modo a construir a sua biografia.
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Introdução
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Já lá vai o tempo em que esses sujeitos eram psicológicas) na deteção dos atrasos mentais
designados nas categorias de idiotas, imbecis, (severo, leve e profundo) com reabilitação para
oligofrenos, atrasados ou retardados no algumas dessas anomalias (programas
desenvolvimento, subnormal, débil mental, socioeducativos). A deficiência mental constitui
loucos ou simplesmente ‘anormais mentais’ ou uma síndrome caraterístico em certas doenças,
‘patológicos’, muitos destas categorias mas não se pode dizer que a deficiência mental
mereceram assistência social e educativa seja uma doença, já que esta associa-se a
(asilos-escolas, institutos, colégios), uma vida transtornos de conduta, afetivos, comunicação
sob vigilância e tutela (serviços de proteção), ou linguagem, cognitivas, enquanto a
institucionalização em estabelecimentos deficiência mental carateriza-se por
especializados com aprendizagem de um ofício incapacidade, limitação, carência de algo que
e vida em proteção (institutos médico- afetou o seu desenvolvimento (Barnes, 2004).
pedagógicos e médico-psicológicos: Instituto Podemos depreender três caraterísticas
Aurélio da Costa Ferreira, Instituto Condessa fundamentais sobre o deficiente: o nível
Rilvas, Instituto Reeducação Mental e intelectual inferior à média em dois ou mais
Pedagógico, Instituto Adolfo Coelho da Casa desvios típicos nos testes; conduta adaptativa
Pia, Instituto Navarro de Paiva, etc.), incluindo anómala ao nível social e pessoal, não
hospitais de psiquiatria (Miguel Bombarda, Júlio permitindo autonomia, independência e
de matos) ou escolas e/ou aulas especiais. Ora responsabilidade; manifestação de sintomas
bem a deficiência mental é uma terminologia durante o desenvolvimento (até aos 18 anos).
que varou ao longo dos últimos séculos, Distingue-se, pois o atrasado mental de outros
segundo a conceção de cada autor, corrente ou transtornos provocados por circunstâncias
enfoque teórico e da época (Fontes, 2008 e traumáticas (Barnes & Mercer, 2010). Além
2009). A referência ao défice nos processos disso há, como dissemos fatores causais e a
cognitivos constitui a caraterística geral dos classificação de incurável e a manifestação dos
deficientes e daí a quantidade de definições comportamentos indevidos. Perante estes
havidas ao longo dos anos (Barnes, 2004; diferentes critérios originou-se diversos modelos
Fontes, 2012). explicativos da deficiência mental e formas de
Na verdade, o termo deficiente refere-se à intervenção para estes sujeitos (Fontes, 2012).
pessoa que se manifesta de forma diferente à Normalmente, os deficientes mentais têm
maioria, por ter alterações ou transtornos tendência à indigência, mendicidade e
mentais, incapacidades psíquicas, físico- vagabundagem. A indigência tem como causas
motoras e sensoriais, síndromes ou patologias as pessoais e as sociais ou ambas. Assim, as
mentais (Costa, 1995). Constituem um pessoais apresentam determinantes
problema e uma grande preocupação social, neurobiológicos, a propensão a psicopatologias
com repercussões na família, em aspetos associadas à ansiedade e níveis elevados de
socioeconómicos, culturais e educativos stress, principalmente em indivíduos sem redes
(inclusão), em que a OMS (2004), desde 1968 de apoio, para além de experiências
tem analisado as crianças com atrasos mentais traumáticas que viveram na infância/juventude,
e com necessidades especiais. As ciências de maus tratos, de abusos (físicos, sexuais e
ligadas à saúde, as ciências sociais e da consumo de substâncias), conflitos ou violência
educação conseguiram fazer surgir formas de na família, etc. Todos estes aspetos pessoais
intervenção precoce, com exames/diagnósticos são de risco para o estado de indigência. Nas
e prescrições (médico–psiquiátricas e causas sociais colocamos a exclusão destes
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foi igual à da minha estadia no Camp Nou pequeno, e um Porsche quando estive em
em Barcelona. Três anos. Só que Barcelona.
completamente opostas, em termos de Dou-me bem como a minha mãe. É a
amor e dedicação. A estadia, ainda hoje me melhor coisa que eu tenho. Estou sempre
proporciona momentos de verdadeiro preocupado com ela. Quando passa uma
orgulho e excelentes recordações. A ambulância fico logo preocupado, porque
relação, levou-me à miséria a ao abandono ela não pára quieta. Anda sempre a passear.
dos meus filhos. Tive de pagar, naquela Há dois anos, ela ia sempre passear para
altura, mais de 1500 contos, para não ir junto da discoteca e até caiu lá. Ficou com a
preso… era muito dinheiro. Era uma multa cara toda esmurrada. Depois telefonaram-
de renda de casa, por ela ter utilizado o me e eu fui lá ter com a minha irmã, que é
apartamento, sem eu saber. Como tinha professora. Com o meu pai também me
problemas de saúde (epilepsia), tive de vir- dava bem. Ele morreu novo, tinha 61 anos,
me embora, para Portugal. E não pude foi o momento mais triste da minha vida.
trabalhar mais por causa desse problema.
Agora ando medicado. Estou a receber Os meus irmãos vejo-os poucas vezes. A
reforma por invalidez. de Lisboa só cá vem de mês a mês, os
outros dois só quando lhes apetece e a
Eu gostava de ser alguém na vida. Se eu professora tem meses que não a vejo. A
não me tivesse reformado, podia ter tirado minha irmã de Lisboa mora num bairro que
um grande curso ou tirar um curso menor mete medo que é a Cova da Moura, mas eu
ou trabalhar, mas não posso por causa da nem quero lá passar. Dos quatro irmãos,
reforma. Sealguém vem a saber que eu esta é a irmã que eu gosto mais. Mas agora
ando a trabalhar cortam-me a reforma. ela anda também chateada comigo. Porque
Porque eu gostava de seralguém, porque eu pensa que eu me porto mal.
gosto de trabalhar e gosto de ajudar as
pessoas. Gostava de ser alguma coisa na Tenho muitos amigos. Tenho grandes
vida, para passar o tempo. Às vezes amigos que andaram comigo na escola. E
aborreço-me. Gostava de aprender uma muitas amigas. Gosto de falar com eles e
arte em que não tivesse de descontar, para quando vão à vida deles, eu fico na
a segurança social. escadaria da zona dos bares. Ainda ontem
um rapaz meu amigo que é doutor, deu-me
De manhã levanto-me, vou até ao bar um euro e eu comprei um pãozinho, que
desportivo beber um café. Depois vou dar comi logo. Também digo uma coisa: tenho
uma volta, falo com os amigos e com as mais consideração por amigos do que por
amigas. Por volta do meio-dia, vou a casa certas pessoas da minha família. Porque as
dar comida à minha mãe. Há noite, janto em minhas irmãs já não me ajudam, porque se
casa, e volto a sair para me distrair um eu lhes pedir um euro, não me dão. Há
bocado indo até à zona dos bares. Mas não muita gente que também não gosta de mim.
tenho vícios. Bebo de vez em quando uma E muita gente que tem inveja de mim por eu
mini ou duas. Antes de ontem é que estar reformado”.
“mamei” dois copos de jeropiga. Ando
sempre a pé, às vezes até me perguntam Em termos reais e cruzando dados
quantos quilómetros é que eu faço. Nunca provenientes de fontes de informação pudemos
os contei. Os únicos meios de transporte construir a realidade e percurso de vida do
que tive foram, uma bicicleta, quando era João. De facto, ele nasceu em maio de 1960,
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no Sporting Clube de Portugal. O João fantasia, muito mentiroso e pouco trabalhador” (cunhada
transportando esse gosto e perícia para a sua C) e daí que a família perdesse a confiança nele.
vida, aquela que talvez gostasse de ter tido. Levado por alguns vícios como o álcool (citado
Sempre superprotegido pela mãe, quase não na ficha clínica do serviço de psiquiatria) “andou
trabalhou na vida, “…nunca fez nada, a nossa a gastar o dinheiro todo da nossa mãe” (IT),
mãe não deixou” (IT) e “Ainda andou com o “andou a roubar a mãe e acusa os
irmão nas obras, mas como a mãe o irmãos” (cunhada -C) e “andou aí com umas
superprotegia, deixou de andar…” (cunhada - fulanas… elas sentem quando ele tem
C). Aos 16 anos de idade, a mãe conseguiu que dinheiro.” (IT), “andou aí metido com uma
lhe fosse atribuída uma pensão por invalidez, senhora da vida, levava tudo pra lá…” (cunhada
baseando-se na deficiência que lhe foi -C), tudo isso gerou conflitos que não soube
diagnosticada. Subsiste e “vive da resolver, sendo um irresponsável. O João na
reforma…” (IT), juntamente com a da mãe comunidade local é “muito conhecido…muito
“…das reformas dele, da mãe e mais o que cerimonioso, atencioso” (IT) considera-se “muito
esta ainda recebe do marido” (cunhada -C). Por importante, acha ele” (cunhada -C), pois tem
vezes encontramo-lo na rua, pedindo dinheiro uma autoestima elevada “dá-se bem com toda
para um café às pessoas conhecidas, as quais a gente” (cunhada -C), mas devido às fantasias
anuem ao pedido. A família sente-se indignada que relata às pessoas é visto como “um
porque “Tem o vício de pedir dinheiro” (cunhada coitado, vítima do irmão, é o que as pessoas
-C) e “anda aí a pedir, mas ele não precisa” (IT). pensam” (IT).
Na verdade João vive na miséria com défice de Estabelecemos as seguintes 9 categorias e
necessidades básicas (comida, vestuário, respetivas subcategorias relativas aos
abrigo) e daí ser um indigente. Não tem depoimentos ou relatos do sujeito em estudo:
capacidade para gerir a situação financeira pelo
que “É o ex-cunhado, o V… que trata de tudo.
Faz compras e gere o dinheiro.” (cunhada -C), *-Categoria 1 - Família (subcategorias:
“Eu tenho um coração grande nem posso ver responsabilidade familiar no quotidiano;
estas coisas que fico logo… sei lá” (IT) mas as responsabilidade do tutor na qualidade de vida;
opiniões na família divergem, tendo em conta a mulher e filhos) procurámos saber qual o nível
opinião da cunhada (C) “ela (tutora) não se de responsabilidade da família, mas devido aos
preocupa, também está lá na…”, cuida da sua conflitos existentes não há uma relação
higiene, mas da roupa e da comida do João é o próxima. A tutora delegou as suas funções no
serviço de apoio domiciliário da Santa Casa ex-marido, é ele quem mais acompanha o
Misericórdia “o lar trata da roupa, agora até vão João. Tanto a cunhada como o João referem
lá duas vezes ao dia.” (IT) e “O almoço é do lar e que a tutora não se preocupa com ele. O sujeito
o jantar ele come as coisas que o cunhado em estudo fantasia com uma família que na
leva” (cunhada -C). O relacionamento com a realidade não tem, quando fala dos seus filhos –
família tem-se degradado uma vez é depoimentos do João: “tenho irmãos, não
“conflituoso, queima o espaço familiar” (IT), querem saber da velha...” “...sou o único filho a
evitando estar com a família “ele não quer saber tomar conta dela” “...tenho meses que não a
da família porque nós damos-lhe na vejo (tutora).” “é o meu cunhado que cá vem”,
cabeça” (cunhada C), pois o facto de ser “nada “conheci aquela que veio a ser a mãe dos meus
responsável… mentiroso compulsivo, filhos. Sim, tenho dois, um rapaz e uma
conflituoso, manipulador…” (IT), ou seja, “é rapariga, que vivem agora em França”.
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irmãs não me ajudam” de facto “sou amigo de numa das personagens do seu imaginário,
doutores, engenheiros”, “sou muito importante, inventa que viajou (sozinho) por lugares
tenho muito valor para toda a gente”. longínquos (nunca visitados), como França,
Itália e Norte de Espanha, em meios de
*Categoria 7 - Personalidade / Perfil transporte nunca utilizados (avião, carro de alta
(subcategorias: responsabilidade; autoestima; cilindrada). Depoimentos do João: “ando
sensibilidade). O João refere que gosta de sempre a pé”; “em Barcelona tive um
trabalhar, porém a família considera-o pouco Porsche” (fantasia); “vou de comboio, ver a
trabalhador e caraterizam-no de forma aviltante. minha família que está em Lisboa”, “desen-
Apresenta uma elevada autoestima, para uma rasco-me bem sozinho”, “Fui a Itália, agora há
pessoa na sua condição e de indigente, perante dias. Fui a um casamento, mas só tive lá de
a vida e a sociedade, mas isso é produto da manhã. Fui e vim de avião”, “Não tenho medo
sua relação com os outros. Mostra ter também de andar de avião” é que “Tenho família em
alguma sensibilidade ao referir que gosta de França, mas há muito tempo que não vou lá”.
crianças e animais. Depoimentos do João:
“gosto de trabalhar”, “sou muito popular na Com o objetivo de sabermos o conhecimento e
cidade”, “gostava de ser alguém na vida”, relacionamento das pessoas com o João
“gosto muito de crianças e de animais…, mas a fizemos entrevistas a N= 29 pessoas,
minha mãe não”. escolhidas de forma aleatória na rua e em locais
que ele frequenta a diário, numa faixa etária dos
*-Categoria 8 - Vícios, manias, 15-29 anos (2), 30-44 anos (2), 45-59 anos (11
comportamentos desviantes (subcategorias: sujeitos 38%), 60-74 anos (7 sujeitos 24%) e
alcoolismo; mendicidade; roubo). É talvez a 75-89 anos (7 sujeitos 24%), sendo 79,31% do
categoria que traduz a base dos conflitos sexo masculino. As pessoas entrevistadas da
familiares existentes, apesar do João referir comunidade 72% conhece o João, sendo que
pouco esta questão. A família é clara ao indicar 28,57% não sabem nada sobre ele, 19,05%
que essas situações de conflito fazem parte do sabem muito e 14,29% sabem algumas coisas
seu quotidiano, do álcool, da mendicidade e o dele. A maioria conhece-o pela alcunha e nome
recurso a prostitutas. Quanto a roubar (33%), pelo nome e alcunha (17%), pelo nome
aconteceu numa situação familiar específica, (14%), pelo estilo de roupa que leva (5%) e pelo
tendo sido travada a tempo pelos seus irmãos. nome e roupa.
Em noutras situações comunitárias nunca
aconteceu, nem visou outras pessoas com essa Dessa amostra, havia 15 pessoas que
intenção, mas recorre ao lixo para procurar diariamente mais lidavam com ele, que
coisas. Depoimentos do João: “às vezes bebo”, afirmaram o seguinte: ‘anda sempre de um lado
“às vezes peço dinheiro”, “ando às vezes para o outro’ e “vagueia muito” (12 registos); é
rebuscar no lixo…coisas”. “deficiente” (6 registos); é um pedinte mendigo
“pede dinheiro” (5 registos); “não faz nada” e
*-Categoria 9 - Mobilidade (subcategorias: no “simpático/sociável” (4 registos cada); “joga e
concelho; no país; mundo). Podemos afirmar gosta de futebol”, “conhece a família” e “sabe
que o João é uma pessoa ativa desloca-se onde reside” (3 registos cada um); “recorre a
sempre a pé na cidade onde vive, em trajetos prostitutas” e “não faz mal a ninguém” (2
muito repetidos e solitários. Não possui registos cada um). Os restantes itens têm
qualquer meio de transporte. Porém é nesta apenas 1 registo, por exemplo: ‘é um
categoria que mais uma vez o seu poder fabulador’, ‘recebe reforma’, ‘esquisito’, ‘não
fabulador se revela, parecendo transformar-se sabe pensar’, etc. Há, pois uma coincidência
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Reflexões inconclusivas
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Sabemos que à família, pilar essencial de todos recuperação destas pessoas com deficiência
os seres humanos e em especial nos mental, sendo que a saúde mental é indivisível
deficientes mentais indigentes, cabe-lhe o papel da saúde geral; cumprimento dos direitos
de tentar encontrar conforto e tranquilidade, humanos (proteção da discriminação e
ajudando-os a construir um futuro melhor e estigmatização) e direito a cuidados adequados
adequado às suas necessidades de inclusão. e a residência; apoios da comunidade (o
Quando tal não acontece, estes sujeitos vêm o internamento deve ser pensado após esgotar-
futuro mais comprometido e refugiam-se na se outras hipóteses); coordenação e integração
mendicidade, indigência e vagabundagem. A de cuidados e serviços com o apoio das
tutora nem sempre cumpre as suas obrigações famílias.
de proteção e zelo, chegando a haver pouca Em síntese deve-se educar, informando, a
comunicação. As pessoas da comunidade família para estas situações da deficiência,
aceitam e ajudam o João, sendo tolerante com apoio mais efetivo dos serviços sociais às
ele por ser ‘deficiente mental’, mas despreza-o famílias, de modo a minorar as suas
se tem comportamentos indevidos. As dificuldades (Fontes, 2008). A comunidade local
instituições sociais têm um papel importante da deve ser mais aberta e recetiva nas ajudas a
ajuda e apoio social, perante o estado de estas pessoas, valorizando os poucos
indigência do João. Através dos testemunhos contributos que podem dar e evitando que
percebemos que o sujeito de estudo sempre caiem em situações de indigência,
preferiu o ócio em detrimento de trabalho marginalização, exploração e vícios.
efetivo, acomodando-se a esta situação deste
muito jovem.
É sabido da literatura especializada que as
doenças mentais e/ou deficiência mental é uma
preocupação atual e emergente, tendo evoluído
a visão social, mas estas síndromes continuam
envolto de desconfianças e superstições,
consequências do desconhecimento que existe
destas doenças ou alterações (Assis, 2005). É
esse desconhecido que nutre situações de
afastamento, processos de construção de
medo, reproduzindo uma constante e visível
(por vezes silencioso) estigma, que atravessa
todos aquelas pessoas da comunidade que,
direta ou indiretamente, vivem esta realidade,
produzindo-se desigualdades e limitações ao
direito de uma cidadania efetiva e a um bem-
estar pessoal e social, concedidos pelos
cuidados hospitalares especializados, lares
residenciais, serviços assistenciais e sociais e
comunitários (Fontes, 2012). Todos estes
serviços e apoios devem promover (MS, 2012):
a saúde mental destes sujeitos; prestar
cuidados e facilitar a integração e a
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Da Demência à Pessoa:
A Atenção que Faz Ver
Rita Estrada
Docente, Psicóloga
Instituto Superior de Ciências Educativas do Douro
rita.estrada@iscedouro.pt
Resumo
O número de adultos com demência alarga-se progressivamente, tornando indispensável saber mais
sobre como são essas pessoas e como cuidar delas. Enriquecer a investigação e a prática relativas a
essas questões constitui o objetivo deste artigo. Partindo da experiência de terreno num lar de
terceira idade e com base no discurso de pessoas com demência, na abordagem centrada na
pessoa para adultos com demência e na teoria da autodeterminação, evidencia-se que: ter demência
não significa deixar de ser Pessoa; é pela atenção que se descobre a Pessoa; os adultos com
demência continuam a experienciar necessidades de relação, competência e autonomia.
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Introdução
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dar atenção ao outro e vê-lo como Pessoa. apercebia de que estava a demorar a responder
Comentários dos utentes mostravam que se aos exercícios: “não me diga”; o mesmo apelo
apercebiam que eu tinha tempo para eles, não ouvia da D. Maria José: “estou a pensar, não
era todo o tempo, mas era tempo: “obrigada diga”.
por este bocadinho, estes bocadinhos”, remata
a D. Manuela; “já foi bom para o dia”, comenta
2. Competência Comunicativa
a D. Fernanda depois de um passeio pelo
jardim. Ao mesmo tempo, também se Relativamente à competência comunicativa,
apercebiam, que, por vezes, não tinha tempo: conceito que abrange um conjunto diversificado
estava eu com as pastas de um portátil e de subcompetências, desde as linguísticas,
projetor nos ombros (material usado nas como, por exemplo, saber o significado das
sessões de reabilitação neuropsicológica) palavras, àquelas que ultrapassam o
quando vejo a D. Maria José na sua cadeira de conhecimento linguístico, como, por exemplo, a
rodas e vou ter com ela; D. Maria José devolve: pragmática, que consiste em saber usar a
“vá à sua vida, vá ter com as suas alunas” (as linguagem em diferentes contextos, há aspetos
sessões eram designadas por alguns utentes que é necessário que os cuidadores
como aulas e os participantes das sessões desenvolvam para interagir de forma bem-
como alunos). Infelizmente, a falta de tempo é sucedida com adultos mais velhos com
comum nos lares; é uma realidade que demência.
atravessa diferentes países (e.g., Kirtley &
Um deles é treinar a atenção aos estímulos
Williamson, 2016). Os profissionais que
verbais de modo a conseguir reconhecer o
trabalham em lares referem que frequentemente
idioleto de cada utente, isto é, a maneira
só conseguem responder às necessidades
particular de cada um usar a língua. Por um
básicas dos utentes (higiene, alimentação,
lado, isso vai permitir conhecer melhor esse
medicação, cuidados médicos), ficando as
utente. Por outro lado, ao reconhecer o idioleto
necessidades emocionais e psicológicas, que
de cada um, vai ser possível reproduzi-lo, e,
requerem mais tempo, sem resposta, sendo,
dessa forma, mostrar que damos atenção
contudo, essenciais para o bem-estar das
àquele utente, aprofundar a relação, e ainda
pessoas com demência (Kirtley & Williamson,
facilitar e animar a interação. Num passeio pelo
2016).
jardim, pergunto o nome de uma planta à D.
A necessidade de tempo decorre também de Maria José, que responde: “Identifico como
uma característica do envelhecimento: a buganvília”. Além de mostrar que conhece a
diminuição da velocidade de processamento de planta, a D. Maria José, ao usar o verbo
informação (Leitão, 2016). Com o “identificar” que remete para um registo mais
envelhecimento, o tempo de reação a estímulos cuidado da língua, está também a mostrar a
aumenta e a capacidade para usar a sua escolaridade, o seu gosto por uma
informação retida na memória a curto prazo linguagem cuidada, a sua atitude concentrada e
decresce. Observei estes dois processos nas ponderada. Outro exemplo: D. Eva chama-me e
sessões de reabilitação neuropsicológica, em dá a notícia de que “ontem andei por aqui toda
que se treinavam várias funções cognitivas gaiteira”; a partir desse dia, comecei a usar o
através da realização de exercícios variados, vocábulo “gaiteira” para me referir aos seus
nas quais constatei a necessidade de tempo momentos de locomoção, conseguindo com
por parte dos utentes. Dois exemplos: D. Flor isso mostrar à utente que lhe dava atenção e
fazia sempre o seguinte apelo quando se também estabelecer relação.
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Outro aspeto diz respeito ao conhecimento do era acenando com a mão ou sorrindo,
mundo que qualquer interação convoca. Os raramente era usada a fala, porque
adultos mais velhos podem ter referências frequentemente o meu nome e quem eu era
históricas e socioculturais que se desconhecem tinha sido esquecido. Os nossos “olás” tinham
e que surgem no seu discurso, sendo uma entoação alta, eram acompanhados por
necessário alargar o conhecimento do mundo sorrisos e contacto ocular e pela minha
para as conseguir compreender e para saber aproximação às pessoas, frequentemente
responder. Da minha vivência no lar, retive acompanhada pelo toque na cabeça ou na mão
alusões ao Estado Novo, às ex-colónias, a do utente. Quando a linguagem verbal está
acontecimento marcantes, ao papel da mulher, perturbada, é ainda mais importante aprender a
a políticos, ou algo mais prosaico como a interpretar a comunicação não verbal das
nomeação de utensílios domésticos já em pessoas com demência, como também
desuso – foram assuntos sobre os quais, por encorajá-las a usar esse tipo de comunicação
vezes, precisei de pesquisar para conseguir (Sabat, 2019).
acompanhar o conteúdo da conversa dos Um quarto aspeto tem a ver com uma
utentes, uma vez que essas alusões não eram característica do processo demencial, em que
normalmente explicadas pelos próprios. Um as pessoas com demência vivenciam uma
exemplo: D. Manuela refere que “gostava realidade ou um conjunto de crenças que
daquele político mais magro, que tinha outra desafiam a realidade intersubjetiva partilhada
senhora, e que morreu…, mas não me pelas outras pessoas; os termos técnicos para
importava da senhora, era bonita”, passando designar essa realidade ou crenças diferentes
depois a fazer referências à sua vida de casada. das dos demais são: ilusões, alucinações,
Ajudou perceber que o político era Francisco Sá desorientação e confusão (Kirtley & Williamson,
Carneiro, e, como da relação de Sá Carneiro 2016). Exemplos comuns, que também
com Snu Abecassis, D. Manuela extrapolou encontrei, são: pensar que o pai/mãe ou
considerações para a sua própria relação com o marido/mulher já falecidos ainda estão vivos;
marido. querer ir para casa, julgando que ainda existe
Um terceiro aspeto está relacionado com a uma casa para onde se possa ir. Um estudo
interpretação e utilização da comunicação não realizado por Kirtley e Williamson (2016) trouxe
verbal, tendo sempre em conta que a informação importante sobre dois pontos: i) o
comunicação se realiza através da linguagem significado dessas vivências para as pessoas
verbal e também da linguagem não verbal, com demência; ii) como lhes responder de
nomeadamente através da paralinguagem, modo a assegurar o bem-estar dessas
cinésica e proxémica. A paralinguagem tem a pessoas. Relativamente ao ponto i), concluíram
ver as características da voz, tais como volume, que, quando as pessoas com demência
ritmo, dicção, entoação. A cinésica diz respeito comunicam realidades e crenças contrárias à
aos movimentos do corpo, gestos, postura, realidade comum, existe um tema catalisador
expressões faciais e movimentos dos olhos. E a por detrás disso, e é necessário que o cuidador
proxémica está relacionada com o uso do interaja com a pessoa de modo a conseguir
espaço, manifestando-se na proximidade ou identificar esse tema para depois saber como
distância que se mantém com o interlocutor, na responder. Os temas mais comuns que
orientação e no movimento do corpo no encontraram foram: utilizar a memória para dar
espaço. Uma forma comum de utentes com sentido à situação em que o próprio se
demência e em cadeira de rodas me chamarem encontra; expressar necessidades que não
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estão a ser satisfeitas, podendo ser físicas trouxesse apaziguamento e segurança. No caso
como psicológicas; responder à situação, da D. Maria José, realizou-se uma intervenção
recorrendo a estratégias de coping ou a baseada na reminiscência, sendo também
respostas criativas. Seguem exemplos reais possível ter percebido as suas necessidades de
destes três temas. D. Manuela, que tinha atenção, carinho e segurança. Já com outra
estado hospitalizada antes da entrada no lar, utente, a D. Maria do Céu, que insistia que
referia que agora estava noutro hospital em queria ir embora para casa pois os pais
convalescença – estava a usar a memória de estavam à espera dela e precisavam dela,
uma situação passada para dar sentido à respondi distraindo, propondo que fossemos
situação em que se encontrava. O Sr. António dar um passeio (sabia que gostava de passear
continuava a pensar que era cozinheiro de um no exterior).
restaurante – estava a manifestar a sua
necessidade de ser útil e estar ocupado. A D.
Maria do Céu, que tinha sessões de reabilitação Relação, Competência e Autonomia
neuropsicológicas terças e quintas, recusa o
meu convite para a levar para a sessão Relação, competência e autonomia constituem
retorquindo: “para mim não é quinta-feira, não necessidades psicológicas básicas dos seres
vou” – estava a dar uma resposta criativa para humanos, segundo a teoria da
justificar a sua recusa. No que diz respeito ao autodeterminação de Ryan e Deci (2000a,
ponto ii), sintetizaram as possíveis respostas por 2000b, 2000c). São necessidades inatas, e o
parte dos cuidadores às realidades e crenças desenvolvimento e bem-estar subjetivo dos
contrárias à realidade comum em cinco indivíduos dependem da sua satisfação.
possibilidades: dizer toda a verdade, procurar Necessidade de relação significa necessidade
um significado alternativo, distrair, acompanhar, de estabelecer laços, de sentir que se está
mentir – considerando que esta última ligado a outros, e essa ligação com os outros
possibilidade de resposta será de evitar sempre caracterizar-se por sentimentos de confiança,
que possível. Seguem-se alguns exemplos reais segurança, pertença e intimidade. A
de algumas das minhas respostas que se necessidade de competência está relacionada
enquadram em: procurar um significado com a necessidade de exploração, adaptação e
alternativo, distrair e acompanhar. Quando a D. ação eficaz sobre o ambiente físico e social, e
Maria José perguntava pelo marido já falecido ainda de obtenção de feedback positivo face ao
ou quando o Sr. António falava da sua mãe desempenho. Por fim, a necessidade de
como se ela ainda estivesse viva, tentava autonomia tem a ver com a necessidade de agir
encontrar um significado alternativo, em consonância com o self, com os valores,
procurando perceber que necessidades não princípios e aspirações pessoais, tendo
satisfeitas podiam estar ali a ser manifestadas. liberdade para agir e assumindo a
Fazia perguntas sobre o marido e mãe, tais responsabilidade dessas ações. Todos os seres
como “Como se chamava?”, “Como se humanos procuram ativamente satisfazer estas
conheceram?”; “Como foi a boda de três necessidades psicológicas básicas, porém
casamento?”, “De que comidas que a mãe fazia é imprescindível o apoio do contexto social em
é que mais gostava?”. No caso do Sr. António, que estão inseridos: não existindo suporte
o meu uso dos verbos no pretérito foi corrigido social, as necessidades não serão satisfeitas, o
pelo próprio, dizendo “faz”, e passei a que acarreta consequências negativas para o
responder de outra forma – acompanhando a desenvolvimento e bem-estar subjetivo.
sua realidade, procurando que aquela interação Estudos quantitativos mostraram que as três
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ao fim da tarde, quando já estava na mesa para demência revela-se numa “series of high quality
jantar, perguntou: “a menina tem jantar em interactions, taking place in a context of stability
casa?” D. Maria José tinha uma perturbação da and secure relationship” (p. 113).
fala, sendo muitas vezes difícil de entender,
contudo era alguém para quem a interação
contribuía visivelmente para diminuir o humor 1.2. Histórias
depressivo, aumentar o bem-estar, provocar O ser humano é um contador de histórias
momentos de humor e ainda melhorar a (McAdams, 1993), e contar histórias
fluência verbal. Fica aqui um fragmento de um acompanha a história da humanidade (Estrada,
diálogo entre nós: eu tinha vestido uma saia 2014). Na demência, a memória recente é muito
laranja, chamando a atenção da D. Maria José mais afetada do que as memórias semântica,
que comentou que gostava e perguntou “Onde autobiográfica e implícita (APA, 2014), o que
comprou? Foi nos saldos?”, dando origem a permite que os adultos mais velhos com
uma conversa sobre saldos; a dada altura, fui demência se lembrem de factos,
eu a fazer um elogio, observando que tinha acontecimentos e sentimentos da sua vida.
umas mãos bonitas, de pianista, a que D. Maria Além disso, “se queremos conhecer alguém,
José retorquiu rindo “toco piano e falo francês”, perguntamos-lhe qual é a sua história – a sua
e eu ri também. história verdadeira e íntima porque cada pessoa
A interação com os adultos mais velhos com é uma biografia, uma história” (Sacks, 1985, p.
demência, como com as outras pessoas, não é 142), sendo apenas desta forma que se
isenta de conflito e de sentimentos negativos. consegue passar de uma história da demência
D. Maria, vendo-me a interagir com a D. para a história da Pessoa. Para esta mesma
Manuela, chama-me e reclama “você só está constatação apontam estudos realizados com a
com aquela, ela é luxo, eu sou lixo”. Levou o terapia da reminiscência, uma terapia assente
seu tempo a desconstruir esta ideia e o na comunicação das memórias das pessoas
sentimento de insegurança subjacente. com demência, ou, mais simplesmente, nas
suas histórias: o facto de os cuidadores serem
Tentei também estabelecer diálogo entre
interlocutores diretos das memórias dos adultos
adultos com demência, assumindo o papel de
mais velhos com demência faz com que
mediadora. Dois exemplos. Coloquei a D.
comecem a ver a Pessoa para lá da demência
Manuela e a D. Maria José frente a frente nas
(Cooney et al., 2014).
suas cadeiras de rodas, eu estava no meio: D.
Manuela faz referências à sua vida passada e Pode pensar-se que as histórias têm uma
conta que fazia um tipo de queijo, começando a limitação: estão ancoradas no passado, não
explicar como se fazia, mas sem indicar o nome dando conta do momento presente, do agora
do queijo, sendo que a dada altura D. Maria (Stern, 2004). No entanto, quando se conta
José interrompe e diz “requeijão”. D. Maria do uma história, a ação de contar está ancorada
Céu, D. Flor e eu conversávamos; a dado num agora, que é cocriado por quem conta e
momento olhamos lá para fora, e D. Flor por quem ouve, sendo assim também uma
comentou que estava um dia lindo e que possibilidade de construção de relação entre os
gostaria de ir lá fora, a que D. Maria do Céu interlocutores (Estrada, 2014).
retorquiu “pode levá-la, não me importo, gosto Ouvi histórias e fragmentos de histórias sobre
dela”. casamentos, filhos, o trabalho, os pais, irmãos,
Como sublinha Kitwood (1997/2019d), o âmago sogros, acontecimentos marcantes, a escola,
do cuidado de adultos mais velhos com ou sem receitas, coisas de que se tem saudades,
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coisas de que se gostava de fazer, coisas de reconfortante, a interação torna-se mais fácil e
que se gosta. D. Manuela conta: “fui feliz no harmoniosa, permite que utentes e cuidadores
casamento à minha maneira: vivermos, termos construam uma relação interpessoal positiva e
a nossa vida; nem sei como é que vivi, digo-o mais investida a nível emocional (Mononen,
agora, sinceramente; veio a filha porque teve de 2019; Routasalo & Isola, 1996).
vir; não tive uma vida de mares e rosas”. D. O toque também é usado pelos psicólogos,
Rosa: “o meu sonho era ser independente, contribuindo para a construção da relação
depois que perdi o meu paizinho, mãezinha e terapêutica, e constituindo por si um elemento
irmã que era como uma mãe; mas depois terapêutico, fomentando o sentimento de
casei…”. D. Maria José: “estava aqui a pensar segurança a autoestima (Phelan, 2009; Zur,
com os meus botões; há uma coisa à minha 2007). Quando o contexto de trabalho do
volta que não me deixa ir em frente; a minha psicólogo é um lar, os clientes são adultos mais
mãe dizia-me: “tu tens cara de doente””. velhos com demência, e se preconiza uma
abordagem centrada na pessoa para adultos
1.3. Toque com demência, o uso do toque torna-se
particularmente importante (Kitwood,
O toque que acompanha a interação verbal faz 1997/2019d). Importante para satisfazer a
parte da comunicação entre os seres humanos, necessidade de relação dos utentes, para lhes
e tem efeitos positivos no bem-estar físico, oferecer todos os benefícios que o toque traz
relacional e psicológico tanto das crianças aos seres humanos e para alicerçar a relação
como dos adultos (Field, 2010; Jakubiak & de ajuda. Afagar a cabeça, colocar a mão no
Feeney, 2016). A nível fisiológico, diminui a ombro ou no braço, oferecer o braço para
pressão arterial e a frequência cardíaca, e a caminhar, dar a mão foram diferentes maneiras
nível bioquímico, diminui o cortisol (hormona do de toque que usei com os adultos com
stress) e aumenta a oxitocina (a chamada demência do sexo feminino (a quase totalidade
hormona do amor) (Field, 2010). Promove o dos utentes que acompanhei eram mulheres).
bem-estar relacional, porque é interpretado Frequentemente era a minha mão que era
como representando proximidade relacional, e procurada. Com os utentes do sexo masculino,
como sendo um indicador de afeto e cuidado era sobretudo colocar a mão no ombro ou no
(Suvilehto et al., 2019). Aumenta o bem-estar braço. Esta diferença de tratamento advém do
psicológico, nomeadamente o humor positivo e contexto sociocultural, especificamente dos
o bem-estar subjetivo (Suvilehto et al., 2019). tipos de toques permitidos entre sexos. Os
Quem tocamos, como, em que parte do corpo efeitos do toque notavam-se na própria relação
e quando depende largamente da relação que que se ia construindo, mais afetuosa, mais
temos com o nosso interlocutor, do contexto e próxima, mais securizante. Por outro lado, o
ainda de fatores culturais (Field, 2010; Suvilehto toque permitia minimizar os sintomas
et al., 2019). comportamentais da demência, como a
O toque também faz parte de uma relação de agitação ou a apatia. O toque tinha, ao mesmo
cuidado, nomeadamente o cuidado de adultos tempo, a capacidade de apaziguar em
mais velhos institucionalizados com ou sem momentos de agitação e de energizar em
demência, seja por parte de enfermeiros momentos de apatia.
(Routasalo & Isola, 1996), seja por parte de O toque e a comunicação não verbal podem
ajudantes de lar (Mononen, 2019). Os utentes ser as únicas formas de comunicar para
experienciam o toque como gentil e algumas pessoas com demência. Era o caso da
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D. Conceição que, devido à severidade da sua várias vezes “acerto em tudo, faço tudo bem” e
perturbação, não conseguia usar a linguagem numa sessão, perante uma imagem de uma
verbal; um dia, toca-me com a mão no braço gaivota, resolve cantar a canção “Coração de
para chamar a minha atenção, faz gestos para Lisboa”.
eu me virar de costas para ela, faço isso e a D. Ter consciência de que não se sabia responder
Conceição endireita-me a camisola que eu também provocava reações, algumas revelando
trazia vestida, voltei-me e agradeci com um estratégias de coping adaptativas, no fundo
toque no braço dela, ambas sorrimos. Foi dos competência em lidar com o ambiente social.
raros momentos de comunicação entre nós. Numa sessão de reabilitação neuropsicológica,
Em tempos de Covid-19, em que uma das em que havia um exercício de identificação de
regras é o distanciamento físico, o toque torna- objetos, D. Manuela reclama: “podia pôr em
se quase difícil, se não mesmo impossível, ou baixo o nome de cada coisa, assim eu não fazia
então é realizado com fatos e máscaras de erros”. Noutra sessão, a mesma utente, quando
proteção. É possível, contudo, encontrar é perguntado em que dia da semana e do mês
algumas formas criativas de minimizar esta nos encontrávamos, solicita: “quero pedir-lhe
situação, como, por exemplo, os utentes terem um favor, quero que me arranje um calendário”.
acesso a bonecos terapêuticos, ou usar toucas O sentido de humor também era uma forma de
de cabelo com champô que dispensam água e lidar com situações em que não se sabia a
que é necessário massajar para lavar o cabelo, resposta; à pergunta sobre o ano em que
permitindo essa massagem tocar no adulto estávamos seguida da resposta dada por mim,
mais velho sem haver contacto direto (James, D. Célia replica com uma gargalhada: “2020?
2020). Já? Nós andamos atrasados!”
Numa outra sessão de reabilitação
2. Competência neuropsicológica, num exercício de memória, o
Sr. Aníbal sugere: “vou agora eu fazer-lhe o
No lar onde estive, como em outros, os utentes exercício, para ver se sabe”. Acedi com
têm a oportunidade de realizar algumas entusiasmo a esta troca de papéis, que
atividades em grupo, sendo sobretudo aí que interpretei como uma assunção de
podem mostrar o saber fazer e obter feedback competência, no sentido de me mostrar que
positivo. No apoio psicológico individual que também era capaz de dinamizar a sessão. O
prestava a alguns, essa necessidade mesmo Sr. Aníbal num dia no corredor chama-
manifestava-se através do relato do que se fez me e comunica: “sabe menina, eu gosto de
ao longo da vida e do que ainda se sabia fazer. estar ativo, de ter a cabeça ativa, mas ouço
muito mal, preciso que fale alto”.
Nas atividades em grupo, especificamente
sessões de reabilitação neuropsicológica, a Fora do contexto das atividades, a necessidade
vontade de saber responder aos diversos de competência também se manifestava na
estímulos apresentados era manifestada por interação. Em conversa com a D. Manuela
vários utentes. Por esta razão, é tão importante sobre a sua terra e os frutos que lá havia, D.
adequar os exercícios às capacidades de cada Manuela remata com orgulho que conhece um
um, não podendo ser nem demasiado fáceis fruto que não é uma flor mas que é bonito
nem demasiado difíceis. Os utentes como uma flor: “uma coisa que não é flor e
perguntavam se estavam a “fazer bem” e também é bonita: cerejas!” Noutra altura em
gostavam de mostrar aquilo em que eram que estava a ouvir notícias sobre Isabel dos
competentes. Por exemplo, a D. Laura referia Santos e o Luandaleaks, chama-me e comenta:
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Concluindo
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