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Voyeurismo Quântico (Joaquim Alves)

Vítor arrastou uma cadeira velha encontrada nos fundos do prédio, que servia de depósito
de mobiliário avariado da escola. Ele colocou uns tijolos em cima da cadeira para ganhar mais
altura e se equilibrou pelas pontas dos pés, esticando ao máximo o pescoço para poder enxergar
o lado de dentro do vestiário feminino, onde suas colegas tomavam banho após o treino de
basquete. Julgando estar seguro da vista de alunos e professores, ele tirou o pênis para fora do
calção e passou a se masturbar, enquanto mantinha a outra mão segurando um pedaço de ferro
preso na laje, para não perder o equilíbrio. Ele estava quase chegando ao orgasmo quando foi
pego em flagrante pelo diretor da escola. Na reunião da diretoria, houve uma votação entre
expulsão, ou suspensão por três dias. A diretoria votou pela suspensão. Foi um enorme vexame
para os seus pais. A partir daquele episódio, Vítor tornou-se vítima de gozação dos colegas, mas
nem por isso se intimidou. O que ele lamentava mesmo era o diretor ter chegado antes de ele ter
gozado. Vítor, além de inteligente, era bastante atrevido e não dava bolas para códigos morais.
Semanas mais tarde, houve um ciclo de palestras na escola sobre diversas áreas da
ciência. Vítor se interessou pelas palestras dos professores Nacípio Haramein e Gregório Braden.
O professor Haramein era um físico conceituado em Física Quântica, enquanto o professor
Braden desenvolvia trabalhos sobre a influência da mente estendida (consciência) sobre o
comportamento humano e animal.
O professor Haramein falou sobre a natureza exótica dos fótons e elétrons quando
submetidos à observação. Experiências realizadas em laboratório mostram que os elétrons às
vezes se comportam como partículas, noutras vezes como ondas de energia. A experiência
consiste em disparar fótons por um canhão-laser sobre uma placa com duas fendas verticais. Do
lado extremo da sala, um bloco de parede registra os disparos do laser. Sobre a placa com as duas
fendas são instaladas câmeras para observação da passagem dos fótons. Quando a câmera está
ligada, os elétrons se comportam como partículas e escolhem uma das duas fendas da placa para
atravessarem e se projetarem na parede ao fundo, marcando barras no sentido vertical. A
surpresa desconcertante para os cientistas acontece quando se desliga as câmeras. Ao perceberem
que não estão mais sendo observados, os elétrons passam a se comportar como ondas de energia,
passando ao mesmo tempo pelas duas fendas, projetando marcas horizontais na parede. O que
desconcerta os cientistas é o fato de não saberem explicar o porquê desse comportamento dúbio
dos elétrons na presença de um observador.
Vítor perguntou ao palestrante se tal comportamento pode ocorrer com as coisas e os
seres vivos. O professor respondeu que esse estudo por enquanto só é verificado no nível
quântico e não saberia dizer se tal fenômeno ocorre no nível macroscópico.
Na palestra do professor Braden, ele falou sobre a extensão da mente para além do
cérebro. Pela teoria padrão, se aceita que a mente esteja localizada no cérebro, mas segundo
novas teorias, a mente não se limita ao cérebro. Ela se estende indefinidamente para alcançar os
objetos observados. Ele citou o exemplo das imagens projetadas na tela pelo aparelho data-show.
Para receber as imagens em seus cérebros, as mentes de cada pessoa presente na sala se
estendem até a tela para enxergá-las e convertê-las em luz que são refletidas em posição inversa
na retina para formar uma imagem reconhecível pelo cérebro, da mesma forma quando a mente
se estende para observar as estrelas nos confins do universo. Pela nova teoria apresentada, a
mente (consciência) se comporta em formas de ondas de energia. Por outro lado, a mente
estendida pode interferir no ambiente ao seu redor ou mesmo longínquo, interagindo ou
interferindo com as mentes de outras pessoas. O professor citou diversos casos de pessoas e
animais perceberem estar sendo observadas, mesmo quando o observador está oculto. Como
exemplo, citou casos de pessoas que sentem a sensação de serem observadas quando tem alguém
observando fixamente para as suas nucas. Naquele momento da palestra, muitos dos presentes
confirmaram já ter tido aquele tipo de sensação.
Enquanto o professor continuava a sua explanação, Vítor se abstraía e começava a
elaborar mentalmente uma fusão de teorias entre o que acabava de ouvir do professor Braden,
com a palestra do dia anterior do professor Haramein sobre a experiência do comportamento dos
fótons e elétrons na presença de um observador. Ele passava a intuir que, se uma consciência
percebe estar sendo observada e modifica seu comportamento, aquilo não se dá de maneira
passiva, e que deve haver uma interação entre o agente observador e o objeto observado, em que
cada um modifica reciprocamente seus estados de comportamento. Ele preferiu guardar para si
os seus insights e tentar investigar por conta própria. Então se lembrou do episódio do vestiário
quando espiava as garotas nos chuveiros e pensou em repetir a experiência, agora sob um
interesse científico. O difícil seria convencer a diretoria caso fosse flagrado novamente. Foi
quando surgiu a ideia de instalar câmeras espiãs no vestiário. A instalação não seria difícil, o
problema seria como executar o serviço sem ser notado.
Ele viu pela internet umas câmeras espiãs que poderiam ser instaladas discretamente sem
serem detectadas. Ele comprou três unidades que podiam ser operadas por controle remoto e que
faziam transmissões em tempo real. O único risco seria como entrar na escola sem ser observado.
Estudou diversas possibilidades e encontrou uma possível, entrar pelo fundo do prédio que dava
para um terreno baldio. Num domingo pela manhã, Vítor escalou o muro munido apenas de uma
mochila com tudo o que precisava para a instalação. Instalou uma no teto, uma no registro de
água e outra sobre o espelho do salão das pias. Assim ele teria vários ângulos de observação.
Seus insights o levaram a elaborar sua própria teoria. Ele juntaria os conceitos do
observador quântico das duas fendas com os da teoria da interação da mente estendida, na
esperança de que seus desejos, diante das telas instaladas num local distante, interagissem com as
mentes das garotas no vestiário. Instalado confortavelmente no quarto de sua casa, ele ligou os
equipamentos. Aos poucos foram entrando as jogadoras após o treino. No corredor do vestiário
as garotas iam se despindo e pendurando suas roupas nos cabides dos armários. Pegavam
esponjas e sabonetes e entravam nos boxes dos chuveiros. Garotas são mais libertas que garotos.
Em alguns boxes entravam duas garotas de uma vez, numa intimidade incomum entre homens.
Uma esfregava as costas da outra de forma natural, sem malícias. Chegara o momento de fazer a
experiência. Vítor passou a emitir comandos mentais para criar interação com o campo mórfico
mental das garotas. Ele determinava comandos mentais para que elas se acariciassem. Nada
acontecia. Ele estava tenso e preocupado em ser descoberto e ser pego novamente em flagrante,
o que daquela vez seria crime de invasão de privacidade e certamente teria consequências legais
e penais. Então ele se lembrou de um vídeo assistido pelo Youtube que falava do desligamento
mental para que outros assuntos e pensamentos não interferissem na concentração do assunto
principal. Ele precisava se desligar dos desvios de pensamentos, do medo, da apreensão e relaxar
músculos e mente. Percebeu que naquele dia não conseguiria. Adiou para a semana seguinte. Ele
aproveitou para viajar no fim de semana para um lugar montanhoso para ter contato com a
natureza e fazer exercícios de meditação. Então chegou o novo dia de treino do time de basquete
feminino. Mais calmo, ele se certificou de trancar a porta de seu quarto para não ser
surpreendido. Sentou-se diante do notebook, ligou os equipamentos e aguardou. As garotas
entravam e conversavam animadas sobre o último treino. Despiam-se com naturalidade,
guardavam suas roupas nos armários, pegavam shampoos e sabonetes e entravam nos boxes
sozinhas, ou em duplas como da vez anterior. Ele decidiu mirar numa dupla específica que
parecia ter mais intimidades entre si. E passou a mandar comandos mentais para que elas se
acariciassem e se beijassem. Uma delas pegou a esponja com o sabonete e começou a esfregar as
costas da sua colega e foi descendo a esponja pelo dorso da coluna até atingir as nádegas. Sua
parceira abriu mais as pernas para sua amiga passar a esponja em suas partes íntimas. A esponja
e o sabonete caíram. As duas ficaram de frente e aproximaram seus corpos. Acariciaram
reciprocamente os seios, encostaram os lábios e passaram a se beijar sob os chuviscos mornos da
ducha. Excitado pelas cenas picantes, Vítor tirou seu pênis para fora da calça e passou a se
masturbar compulsivamente até atingir o clímax e gozar. Os jorros de sua gala cálida e viscosa
atingiram o teto do quarto, os objetos sobre a mesa, o notebook, o tapete, o assento da cadeira e
inundou seu quarto de esperma, que acabou escapando pelo vão inferior da porta, invadiu o
corredor, desceu as escadas de acesso até a sala de visita, esparramou-se pela cozinha e garagem
até alcançar a calçada da rua, sumindo pelos bueiros. Ele ainda teve tempo de ligar sua webcam
para registrar a si próprio como “agente observador” como parte da interação de sua experiência.
Sua emoção foi tão grande que ele teve uma parada cardíaca e teve morte súbita. Sentindo a
presença da morte, ele a contemplou e teve tempo para um último pensamento: “a morte é bela”.
E deu o suspiro final. Vítor morreu com um semblante feliz de satisfação realizada, não apenas
pelo sucesso de ver suas colegas nuas, mas por comprovar a si mesmo a sua teoria unificada das
experiências quânticas da fenda dupla com a interação mórfica da mente estendida entre o agente
observador e o objeto observado. Ele só não pôde ver em vida outra comprovação de suas
suspeitas, a de que a experiência quântica com fótons e elétrons também pode ocorrer no
ambiente macroscópico. Sua webcam registrou o momento do desencarne de sua alma, tendo ela
que escolher entre dois túneis, aquele que a conduziria à dimensão astral. Tal como acontece
com os fótons no laboratório, sua alma resolveu atravessar ambos os túneis na forma de onda de
energia, modificando a natureza atômica de sua matéria sutil.

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