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Karl Marx: o materialismo dialético e a crítica do capitalismo.

André Luiz Silva Ferreira.

1. As premissas do Materialismo Dialético.

Todo aquele que, nos dias de hoje, tenha a ânsia de compreender as relações concretas
que os homens estabelecem entre si em todo seu sentido, indo além do caráter imediato da
experiência cotidiana, não há dúvida, encontrará subsídio e suporte para este empreendimento
no pensamento de Karl Heinrich Marx. Nascido no século XIX em Trier, uma província
prussiana, situada num local que hoje faz parte do território da Alemanha, Marx dedicou
grande parte dos seus esforços científicos a análise do modo de organização da produção e
reprodução da vida material do homem, que então se desenvolvia na Europa destinado a
ocupar toda a face deste planeta. Os problemas que este pensador apontou ao olhar para o
inicio do processo de desenvolvimento do capitalismo nos afligem atualmente. O texto
marxiano apreende de forma impar a essência da sociedade capitalista, de tal sorte que ainda
hoje, quase dois séculos depois, nossas relações cotidianas nos saltam aos olhos, cheias de
sentido quando vistas por meio dos olhos deste filósofo.

Em meados da década de 40 do século XIX, Marx escreve, em parceria com Friedrich


Engels, outro jovem pensador, A ideologia Alemã. Neste texto escrito a quatro mãos, se lança
as bases do método de investigação conhecido como Materialismo Histórico. A visão de
mundo inaugurada por estes dois jovens representa, em primeiro lugar, uma maneira de
estudar o homem, a sociedade, a natureza, oposta ao idealismo reinante entre seus
contemporâneos. Por esse motivo pode se ler na Ideologia Alemã:

As premissas das quais partimos não são arbitrarias, não são dogmas, são premissas reais das
quais só é possível abstrair na imaginação. Estas são os indivíduos reais, sua atividade e suas
condições materiais de vida (MARX, K. ENGELS, F, 1968, p 6).

Aqui se sugere que: é dos indivíduos concretos, capturados no ato de produzir suas
condições materiais de vida, que parte a investigação marxiana. E este ponto de partida não é
escolhido de maneira aleatória. Há que se lembrar que, da perspectiva do Materialismo
inaugurado no século XIX, o primeiro pressuposto para que haja uma história do homem é
que existam homens individuais vivos. E ainda, para viver estes tem de satisfazer algumas
exigências impostas por sua própria natureza. Dito de outra forma: os homens precisam, antes
de tudo, realizar a manutenção da sua existência física se quiserem continuar vivos, e fazer
história.

…Somos obrigados a lembrar que o primeiro pressuposto de toda existência humana e,


portanto, de toda história, é que todos os homens devem estar em condições de viver para fazer
história. Mas, para viver, é preciso antes de tudo comer, beber, ter moradia, vestir-se e algumas coisas
mais (MARX, K. ENGELS, F, 1968, p 10).

Deduz-se que o primeiro fato histórico é, portanto, a satisfação das necessidades


materiais. E o primeiro ato histórico é a produção e reprodução das condições materiais de
vida. O papel que o materialismo marxiano atribui a este registro no estudo do homem e, por
conseguinte, da sociedade, aparece indicado ainda no texto da Ideologia Alemã:
O homem pode ser distinguido dos animais pela consciência, pela religião ou por qualquer
outra coisa que se queira. Eles próprios, no entanto, começam a se distinguir dos animais assim que
começam a produzir seus meios de subsistência... Produzindo seus meios de subsistência eles estão
produzindo indiretamente sua vida material (MARX, K. ENGELS, F, 1968, p 6).

Os homens se distinguem dos animais por que produzem os meios para satisfazer suas
carências físicas. A partir da produção das suas condições materiais de vida os homens se
desenvolvem e se afastam da existência selvagem. Também é a partir das determinações
concretas da existência, a maneira como está organizada a produção material da vida, que se
desenvolvem os demais registros da natureza humana. Marx dirá em síntese: Não é a
consciência que determina a vida material, mas ao contrário, a vida material que determina a
consciência. Numa clara oposição ao idealismo de seus pares. E ainda sinalizando que o
registro da produção material tem primazia ontológica em relação às demais esferas. Por tanto
é desse registro que Marx parte na sua tentativa de investigar a sociedade dos homens e todas
as suas expressões culturais.

2. O Estranhamento do Trabalhador

Olhando para a realidade a partir das premissas antes apontadas, Marx observa um
fenômeno curioso nos países onde o capitalismo se consolidava. A cada momento tornava-se
mais flagrante a oposição entre a grande quantidade de riqueza material socialmente
produzida e a miséria experimentada pela imensa maioria dos indivíduos. Esta situação, por
seu turno, resulta do Estranhamento do homem em relação aos produtos do seu próprio
trabalho. Para facilitar a compreensão do seguinte enunciado: o homem está estranhado do
resultado da sua atividade; permita-nos fazer uma pergunta. No interior da sociedade atual, a
qual organiza a produção orientando-se pelo capital, quem são os indivíduos responsáveis por
produzir, ou, quem constrói casas, quem faz as redes de esgoto e água encanada, constrói
carros, utensílios doméstico, etc.? Que grupo de indivíduos ergue, a partir dos elementos
naturais, o mundo dos homens, quem são aqueles que constroem todos os objetos que servem
para satisfazer as necessidades humanas? A classe dos trabalhadores, o proletariado, o faz!
São aqueles que vivem do trabalho assalariado os que criam toda essa riqueza objetiva.
Qualquer produto que nos venha à mente, dos computadores mais sofisticados até a rede de
esgoto, ou os postes e as luzes que iluminam as ruas, as próprias ruas; tudo que nos cerca, em
suma, o mundo dos homens, nos limites da sociedade capitalista, é construído pela classe
trabalhadora. No entanto, não obstante o fato de ser a responsável pela produção de toda a
riqueza, esta classe é aquela que experimenta as piores condições de vida. Os produtos da
atividade não pertencem aos produtores, portanto, não irão servir para a satisfação de
nenhuma das necessidades individuais destes. Os produtores tão pouco tem controle da
produção. Estes não podem decidir nem quando, nem como e muito menos o que vão
produzir. Produtos e Produção na sociedade capitalista aparecem como seres estranhos, hostis
ao individuo. A atividade de produzir a vida material torna-se um sacrifício da existência
física e os produtos aparecem como seres alheios ao individuo produtor, os quais este último
venera e deseja, mas dos quais dificilmente goza.

3. A Mais-Valia

Se o produto da atividade é algo que serve para satisfazer alguma necessidade dos
homens e, ao mesmo tempo os homens que produzem não o consomem, a quem este produto
serve? Aos Deuses? Do ponto de vista do Materialismo Dialético se dirá que ele tem de servir
para atender as necessidades de algum homem: Os produtos do trabalho tornam-se
propriedade de um grupo de homens, uma classe social. Qual seja: A Burguesia, aquela classe
que possui a propriedade privada dos meios de produção, ou seja, os prédios, as máquinas, o
dinheiro para pagar por matéria prima e salários. A classe que, no entanto, não participa de
maneira efetiva da produção material, e que ainda, se apropria do produto do trabalho na sua
totalidade.
O gênero humano trabalha para produzir os meios que são pressupostos para sua existência,
como então, pode existir de fato um modo de organização social, no qual um grupo pode
viver sem trabalhar, e o outro viver sem se apropriar dos produtos do seu trabalho?
A burguesia garante sua existência sem participar da produção efetiva, tudo que esta
classe faz é se apropriar da riqueza produzida pelo proletariado, despojando este último dos
objetos necessários para satisfazer suas carências mais básicas. A primeira, no entanto,
necessita de encontrar os segundos vivos, somente estes podem gerar riqueza a partir da
matéria natural por meio da sua atividade. Qual é o segredo então para que mesmo
expropriados de toda sua produção os proletários continuem vivos e, desta forma, garantam a
reprodução da vida da burguesia. Seguindo o texto marxiano podemos observar que este
segredo encontra sua chave de compreensão no processo de produção da Mais-Valia.

O capitalista compra a força de trabalho, a capacidade individual de produção, por um


dia de trabalho. O salário que o trabalhador recebe corresponde à quantidade de valor, de
dinheiro (a mercadoria universal que pode ser trocada por tudo mais), necessário para garantir
a reprodução da existência física sua e de sua família. No entanto, a quantidade de valor que o
trabalho produz em um dia inteiro de atividade supera de longe a quantidade necessária para
comprar seus meios de vida. Esse valor excedente produzido pertence a quem? Ao
proprietário dos meios de produção! O trabalhador produz sua existência (o salário) e a
existência do não trabalhador (o excedente). A este sobre valor produzido Marx denominará
Mais-Valia.

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