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Coisas que Aprendi Lendo “A Vida Intelectual”

de Sertillanges
Esse ano, li uma obra que muito me impactou em minha vida intelectual. A partir de então, consegui montar
uma rotina de estudos me permite aprender assuntos diversos com muito mais eficiência.

Ela se chama “A Vida Intelectual”, escrito pelo monge dominicano Antonin-Gilbert Sertillanges. Sua
importância se deve pelas valiosas dicas contidas em suas páginas, além do fato deste autor ser praticamente
contemporâneo nosso (ele viveu no fim do século XIX e início do XX, não tão próximo mas não tão longe).
Ele dá uma série de diretrizes que um aspirante a intelectual deve seguir para buscar realizar sua vocação.

Pela utilidade deste livro em minha vida, minha intenção aqui é passar um pouquinho do que ela abordou,
convidando-os a lê-lo por completo (ela está disponível gratuitamente na internet, e é possível comprar sua
versão física na Amazon). Junto de cada ponto, coloquei uma citação de São Josemaria Escrivá, um grande
pensador muito querido por mim.

Dito isso, vamos aos pontos principais:

I) Certas Privações são Precisas

“Insisto: na na simplicidade do teu trabalho habitual, nos detalhes monótonos de cada dia, tens que
descobrir o segredo — para tantos escondido — da grandeza e da novidade: o Amor” São Josemaria Escrivá,
Sulco 489.

Não podemos esquecer que o estudo é uma vocação, independente dela ser total ou parcial, dividindo-a com
outras tarefas cotidianas. Mas para realmente manter uma rotina adequada para tal, é necessário perder um
pouco de tempo ocioso.

Sertillanges recomenda, ao menos, duas horas por dia para que se mantenha uma rotina intelectual
satisfatória. Menos que isso, acaba rendendo poucos frutos; mais do que isso, acaba atrapalhando por conta
do volume de informações e nossa incapacidade de lidar com ela. Logico, podem existir pessoas capazes de
aprender muito com pouco estudado por dia e pessoas que consigam estudar até seis horas por dia sem
nenhum tipo de prejuízo, mas estas são minoria.

Logicamente que na nossa rotina atual muitos podem não ter tanto tempo disponível, mas creio que é
melhor meia hora de leitura atenta por dia do que nada, ou pelo menos uma revisão de conteúdo no ônibus.
Talvez compensar um pouco no fim de semana, sem excessos, seja uma boa alternativa.

II) O Lazer é Importante

“Parece-me oportuno lembrar-vos a conveniência do descanso. Se a doença bater à porta, recebê-la-emos


com alegria, como vinda das mãos de Deus, mas não devemos provocá-la com a nossa imprudência:
somos homens, e temos necessidade de repor as forças do nosso corpo.” São Josemaria Escrivá, Carta nº14
(15-X-1948)

No conselho anterior, o autor parece ser severo demais ao nos dar certas imposições. No entanto, este
mesmo ressalta a importância do lazer. Ele cita viagens, audições musicais, perder um tempo organizando
sua biblioteca particular, tirar um tempo de férias, etc.

Por outro lado, o monge recomenda se abster de certos tipos que envolvem muitas futilidades e agitações.
Uma festa a noite pode ser bacana? Claro que pode, mas sair pra encher a cara e se sentir bem da ressaca na
tarde do dia seguinte não me parece muito salutar. Muito melhor um bar com os amigos, onde se toma um
pouco de cerveja e se perde mais tempo conversando.

Recomenda-se evitar trabalhos demasiados. Claro que na sociedade atual falar isso te dá logo o título de
“vagabundo”, mas vale a pena botar a mão na consciência e ver se não estamos trabalhando mais do que
deveríamos, e se não é possível abdicar um pouco da renda em favor de uma vida mais simples e menos fútil.
Claro, CLTistas com 40 horas semanais não teriam como adaptar, mas cada um pode tentar fazer conforme
suas possibilidades.
III) É Preciso Planejar seus Horários

“Tens um cavalo de batalha que se chama estudo: propõe-te mil vezes aproveitar o tempo e, no entanto,
qualquer coisa te distrai. às vezes, cansas de ti mesmo, pela pouca vontade que manifestas, embora todos
os dias recomeces” São Josemaria Escrivá, Sulco 523.

Como já foi dito anteriormente, recomenda-se no livro o uso de duas horas diárias de estudo. Sertillanges,
porém, vai além, falando sobre como estas horas devem ser aproveitadas. Segundo ele, é primordial
organizar o dia de forma que, durante esse período, não haja interrupção alguma e seu foco seja
inteiramente voltado para adquirir conhecimento.

Recomenda-se que se planeje o material a ser estudado de antemão, que já se tenha material para tomar
notas por perto e que seus afazeres cotidianos estejam já ordenados.

Além disso, espera-se que se faça um uso melhor do tempo, evitando complicações e contando sempre com
o amor de sua esposa e filhos (quando os tiver).

Talvez esta dica seja a mais difícil, já que as casas hoje em dia são menores e mais barulhentas com tantas
TVs. Além do mais, nossos celulares e computadores são uma tentação para nos desfocar deste tempo
sagrado. Além disso, nossos cônjuges, filhos e demais parentes podem não entender nosso objetivo, e para
isso é necessário um constante diálogo. Naturalmente, não devemos deixar de cuidar de nossos parentes,
dedicando-lhes sempre nossa atenção.

IV) Deve-se Saber o que Estudar

“Estuda. — Estuda com empenho. — Se tens de ser sal e luz, necessitas de ciência, de idoneidade. Ou julgas
que, por seres preguiçoso e comodista, hás de receber ciência infusa?” São Josemaria Escrivá, Caminho
340.

Não devemos sair estudando tudo que nos aparecer, pois tiraria nosso foco e no fim das contas, não
saberíamos de nada de forma satisfatória. Igualmente, não devemos estudar apenas um assunto, pois nos
daria uma cultura parcial, e como o conhecimento é conectado, devemos nos aproveitar disso.

Entre as matérias essenciais, são citadas dois assuntos de extrema importância: Filosofia e Teologia. Como
monge dominicano que é, ele acredita que todo tipo de estudioso deve estar atento para estas duas
disciplinas , por conter os assuntos mais importantes que uma pessoa pode aprender.

Além disso, devemos logicamente estudar os assuntos de nosso interesse.. Logicamente que todos têm
interesses diferentes e cabe a cada um escolhê-los e procurar seus autores e bibliografias características.

Por fim, é mister também estudar os assuntos relevantes a nossa vida profissional. Os cursos de ensino
superior podem nos ajudar nessa missão, mas para aqueles que já os concluíram sem prestar tanta atenção
ou para os que não pretendem fazer graduação, é preciso correr atrás e estudar por si só.

Por sorte temos acesso a diversas recomendações de bibliografias, e até mesmo das obras propriamente
ditas, pela internet. Só não podemos nos confundir no meio de tanta informação, buscando fontes críveis
para basear nossas informações. A internet nos permite entrar em contato com diversos escritores de peso
que ainda estão vivos, e não devemos subestimar tal possibilidade.

V) Devemos Apreender o Conhecimento

“Àquele que puder ser sábio, não lhe perdoaremos que não seja” São Josemaria Escrivá, Caminho 332

Uma das coisas mais interessantes de “A Vida Intelectual” é quando, no capítulo VII (parte A), fala-se sobre
a natureza conhecimento. Segundo ele, não devemos ser eternos leitores: isso faria com que apenas
repetíssemos o que lêssemos. Devemos, assim que possível, começar a escrever sobre as coisas que
aprendemos e mostrá-la às pessoas (tal foi o motivo de eu criar uma conta no Medium).

O pensamento é incomunicável. O que os autores fazem aos escrever é montar uma linha de raciocínio para
que nós consigamos despertar aquele conhecimento em nós mesmos. A intenção dos bons trabalhos
literários é fazer que as verdades contidas neles despertem em nós, que consigamos apreendê-las, fazendo
do conhecimento nosso.
A verdade, por mais que já tenha sido dita por outra pessoa, deve ser repetida por nós, já que nós damos
nossas cores à verdade. Uma pessoa X e uma pessoa Y podem dizer a mesma coisa de formas diferentes, e
uma ser compreendida e outra não. Cada alma é única e comunica seus pensamentos de sua forma
particular.

Uma ótima possibilidade que temos é o uso do Medium, do Facebook ou de blogs. Claro, devemos ter um
conhecimento daquilo que falamos, além de aceitar as correções que nos são dadas — quando elas fazem
sentido — e explicar os pontos que não haviam ficado claros.

VI) É Necessário Cuidar da Vida Espiritual

“Está certo que ponhas esse empenho no estudo, sempre que ponhas o mesmo empenho em adquirir a vida
interior” São Josemaria Escrivá, Caminho 341.

Por ser um monge dominicano, é óbvio que Dom Sertillanges não deixa de citar diversas vezes da vida de fé
do homem de estudos. Mesmo que algum ateu ou não-cristão esteja lendo este texto, creio que os conselhos
do livro podem servir para ressaltar a importância de aprofundar suas convicções, mesmo que estas sejam
diferentes da dele. Se não quiser saber mais sobre catolicismo, pode pular pro próximo ponto.

Para os católicos, reproduzo aqui algumas de suas dicas: i) ir à missa, para participar do sacrifício de Cristo,
tantos dias quanto forem possíveis (se possível, todo dia); ii) ser fiel à Igreja, Esposa de Cristo, em suas
doutrinas, além de estudar o catecismo para aprofundar a fé; (iii) aprender latim, a lingua oficial da Igreja;
(iv) ler a Summa Theologica, a magnum opus de São Tomás de Aquino, maior Doutor da Igreja,
preferencialmente em latim.

Naturalmente, pode ser difícil para muitos assistir a missa todo dia e realizar todos estes afazeres. Mas já se
sabe que, lendo 10 parágrafos do Catecismo do Concílio Vaticano II por dia, ele acaba em menos de um ano.
Há quem prefira o Catecismo de Trento, como o próprio autor recomenda, e creio ser possível fazer uma
divisão dessas para não ficar muito pesado. Leituras da Bíblia à luz do Magistério da Igreja, leituras das
encíclicas papais e outros documentos certamente são muito edificantes também.

VII) Temos que dar Importância ao Conteúdo

“ Se és sensato, humilde, deves ter observado que nunca se acaba de aprender… Acontece o mesmo na vida;
até os mais doutos têm alguma coisa que aprender, até o fim da sua vida; quando não, deixam de ser
doutos.” São Josemaria Escrivá, Sulco 272.

Com as polêmicas políticas atuais, é comum descartarmos tudo que alguém fala por este ser “petralha” ou
“coxinha”. Imagina só se São Tomás de Aquino tivesse desclassificado a totalidade dos ensinamentos de
Platão e Aristóteles por serem pagãos? Certamente teríamos perdido muito no campo da filosofia.

Sim, é possível tirar coisas boas até mesmo dos piores autores (Youtubers são excessão). Mesmo para um
cristão, é possível retirar coisas boas dos ensinamentos de Marx e Nietzsche, retirando apenas o descartável
dos mesmos; Mesmo para um ateu, é possível tirar coisas boas dos escritos de São Paulo e Santo Agostinho,
retirando aquilo que for incompatível com sua crença.

Se a comunicação fosse perfeita, seria possível todas as pessoas terem a mesma opinião sobre tudo. Como
ela não é, há tantas opiniões no mundo quanto pessoas vivas, e é imprescindível tirar delas o que há de
melhor. Fazendo isso, é possível conciliar as verdades de cada pensador e desenvolver um pensamento
verdadeiramente autônomo. Esse conselho pode, inclusive, evitar muitas brigas de Facebook.

Conclusão

O livro é uma verdadeira obra prima, e deve ser lida por qualquer um que almeje uma vida intelectual. Se
você gostou desse texto, considere ler o trabalho por completo, pois certamente o que está neste post não
chega nem perto da beleza do original.

Reparem que dei algumas dicas de como aplicar no dia-a-dia os princípios descritos aqui. Claro que há
necessidade de adaptações, pois os tempos são outros, e cada um as fará de acordo com sua realidade e de
acordo com suas limitações. Dito isso, espero que tenham a maravilhosa experiência de ler “A Vida
Intelectual”.

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