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artista da voz

persegue. no quarto estático, ele persegue a sensação da voz que caminha pelos
fones de ouvido.
de olhos fechados, com a tela ligada. fechados porque a imagem não serve: é na voz
que vê-sem-ver
que a imagem perdeu seu trono. a imagem, aparentada do espelho, aparentada da
culpa, aparentada
do que sofre. a voz, uma libetação: o objetivo aqui é tirar o jure da imagem, suas
execuções,
deixar o mundo às cegas para ouvir a voz.

horas assim, silencioso. com o pau na mão, mas sem movimento. só pulsando no
caminho do som que
vai pisando a ponta dos fones de ouvido com as solas macias dos seus pés : ela é
uma artista da voz,
ele pensa límpido, rápido e religioso. uma artista da voz, repete, instante.

e ele diz para si o que ela diz em palavras que não ouvimos:

você pode sujar minha voz. não, melhor: eu posso sujar minha voz para você. minha
voz pode ser a visão da sua prima mais velha
sendo fodida pelo mais novo namorado. minha voz pode ser aquela vez em que você se
rendeu a pagar uma puta. minha voz pode ser
aquela experiência inigualável de quando sua irmã pegou você mexendo nas calcinhas
dela e simplesmente saiu andando, como se nada
tivesse acontecido. minha voz, assim como sua voz, não tem seu corpo indecoroso,
pendurado. um corpo que calhava melhor não existindo.

cane gonçalves
por
nun

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