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The New York Times

20/4/2014
Por Scott Reyburn
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Pode Uma Teoria Econômica Aplicar-se à Arte?


O nome de Thomas Piketty está na boca de muita gente no momento. O novo livro do
economista francês, "O Capital no Século XXI", é uma pesquisa histórica sobre a concentração
de riqueza que rapidamente virou referência nas rodas de discussão sobre desigualdade de
renda.

Pikket argumenta no livro, publicado em inglês no mês passado, que os ricos só vão ficar mais
ricos em decorrência do capitalismo de livre-mercado. O motivo, segundo ele, é simples. Os
retornos de capital investido são maiores do que a taxa de crescimento da economia, e isso,
diz ele, tem se tornado uma "força fundamental de divergência" na sociedade.

Embora a arte seja um dos poucos temas não mencionados no índice da obra de 685 páginas,
vale considerar de que forma as quantidades sem precedentes de dinheiro que os ricos têm
gasto em obras de arte pode ser uma extensão natural do argumento de Piketty.

Graças aos retornos acima dos investimentos identificados por Piketty, os ricos estão
aumentando ainda mais a sua riqueza comprando arte. Muitos milhões estão sendo ganhos
por uma nova geração de investidores-colecionadores que pagam caro por Bacons, Warhols e
Richters, e os vendem ainda mais caro. Autores com graus de investimento atraentes tornam
os ricos mais ricos. E cada vez mais, pessoas ricas estão podendo fazer lances acima de US$
100 milhões nas salas de leilões, enquanto do lado de fora, para além da bolha cintilante do
mundo das artes, os padrões de vida do resto da sociedade estão estagnados ou em declínio.

"Isso está muito além das normas da inflação", disse Ivor Braka, um agente londrino que tem
comprado e vendido arte de alto valor desde 1978. "O mercado de arte virou palco para
transações financeiras públicas. As pessoas estão exibindo riqueza da forma mais ostentatória
possível. É o comércio de mercadorias de luxo indo à loucura."

No ano passado, as vendas mundiais em leilões de obras do pós-guerra e contemporâneas


atingiram o pico histórico de 4.9 bilhões de euros, ou 6.8 bilhões de dólares, um aumento
massivo sobre os 1.42 bilhões de euros das vendas realizadas em 2009, de acordo com o
Relatório do Mercado de Arte de 2014 publicado em março pela Fundação Europeia de Belas
Artes.

Utilizando o que ele chama de dados "descuidados e fragmentários" dos relatórios sobre a
riqueza, Piketty calcula que atualmente os 1% mais ricos possuem metade da riqueza do
planeta. "A desigualdade da riqueza no início da primeira década do século XXI parece
comparável em magnitude com a observada na Europa em 1900-1910", concluiu ele.

Naquela época, os ricos também estavam gastando muito dinheiro em arte. Exatamente há
100 anos, o czar da Rússia, Nicolau II, claramente consciente da inquietação fomentada pelos
seus súditos oprimidos, comprou o quadro "Benois Madonna", de Leonardo da Vinci, em uma
transação privada por 1.5 milhões de dólares. Aquele Leonardo, cotado pelo triplo do recorde
de 500 mil dólares pagos por J. Pierpont Morgan pela pintura "Colonna" de Raphael em 1901,
foi citado por Gerald Reitlinger em "A Economia do Gosto" (1961) como provavelmente a
venda mais cara da história, considerando a inflação.

1
Naquele tempo, eram os chefes de Estado e de indústrias que esbanjavam dinheiro em arte.
Agora, são os financistas e os que herdaram fortunas por herança ou divórcio que dominam o
mercado. Por exemplo, Elaine P. Wynn, ex-esposa do magnata americano dos cassinos
Stephen A. Wynn e cofundadora do "Wynn Casino Empire", foi identificada como sendo a
compradora do quadro "Três Estudos de Lucien Freud" (1969), de Francis Bacon, por 142.4
milhões de dólares em Nova Iorque no mês de novembro – um recorde para qualquer obra de
arte vendida em leilão.

"Os ricos estão com dinheiro sobrando no momento", disse Tania Buckrell Pos, uma assessora
de arte em Londres. "Eles pagam à vista. E o mercado é verdadeiramente internacional. Se os
brasileiros se retiram, ainda fica o Oriente Médio, e então você tem os russos e os chineses, e
todos eles estão atrás das mesmas coisas".

Como durante a chamada Belle Époque, certos artistas vivos estão sendo cultuados sem terem
ainda a permanência confirmada. Christopher Wool (nascido em 1955) é o atual sumo
sacerdote da pintura americana, especialmente depois do recorde de 26.5 milhões de dólares
pagos pelo seu quadro de 1988 intitulado "Apocalypse Now", de um total de 1.3 bilhões de
dólares movimentados na série de leilões nova-iorquinos de arte contemporânea realizados
em novembro. Museus privados, repletos de obras de Wool, Wade Guyton, Mark Grotjahn e
outros nomes obrigatórios, estão surgindo no mundo todo.

Christopher Wool, Apocalypse Now, 1988.

"As pessoas estão gastando milhões em obras de artistas de valor questionável a longo prazo",
declarou o Sr. Braka.

2
"Terão elas gosto?", acrescentou ele. "Eu não sei. Assim é o capitalismo. Você pode gastar
dinheiro naquilo que quiser".

Em 1882, o empresário e especulador em arte Thomas Holloway, usando a melhor assessoria


artística que o dinheiro podia comprar, esbanjou 6.615 libras na obra "The Babylonian
Marriage Market", de Edwin Long, um recorde em leilões na época para um artista inglês vivo.
O pintor e a pintura estão agora esquecidos.

Edwin Long, The Babylonian Marriage Market, 1875.

O mercado de arte terá sido então, e continuará sendo agora, um poderoso significante da
desigualdade de renda? Tentativas de questionamento sobre os preços de oito e nove dígitos
que os bilionários estão pagando por retângulos pintados de tela, e sobre as relações que isso
estabelece com um contexto social e econômico mais amplo, costumam ser descartadas sob o
rótulo de "política da inveja" por muitos dos que trabalham no mundo das artes.

Conforme salientou Piketty na conclusão de "O Capital no Século XXI", aqueles que têm muito
dinheiro "nunca falham em defender seus interesses". Tais interesses também são
ferrenhamente defendidos por aqueles que pretendem ganhar dinheiro.

De acordo com os cálculos feitos por ele, a dinâmica imutável dos retornos de capital sendo
maiores do que a taxa de crescimento da economia irá concentrar a metade da riqueza do
planeta nas mãos dos 0.1 por cento mais ricos dentro de 30 anos, empobrecendo não apenas a
classe média como também a classe média-alta. Isso trará profundas repercussões para o
comércio de arte, que já vem apresentando um declínio em sua base "profissional" tradicional.

"Nos anos 90 tínhamos advogados, médicos, dentistas comprando pinturas", disse Offer
Waterman, um negociante de arte londrino especializado em arte britânica moderna e
contemporânea. "Agora, os preços baniram esses profissionais do mercado, que passa a ter
como alvo os banqueiros de investimento".

Este talvez seja o ponto em que a desigualdade se torna um problema não só para os
compradores de arte, mas para a própria arte.

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