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Jovens em Jogo no espaço psicopedagógico
No grupo de jovens com quem trabalhamos construí enfatiza a importância do jovem narrar
na oficinas com jogos, a maioria, quer pelo o que fez, para que, em se ouvindo, ter mais
estágio de desenvolvimento de suas estruturas um fator de desenvolvimento das competências
operatórias em que se encontravam, quer por cognitivas superiores. Percebemos e comprova-
hábitos adquiridos, iniciava o ato de jogar de mos que, com essa melhora no ato de se expres-
forma imediata, sem se preocupar em saber das sar, vai-se despreendendo dessa necessidade
regras, para depois iniciar o jogo, ou seja, usando imediata de realização de ações, começando a
sempre o ensaio-erro. buscar primeiro a compreensão do desafio, para,
Na verdade, mesmo estando numa etapa da depois, se debruçar na resolução do problema.
construção do conhecimento que estava abaixo Foi com esses dados em mãos que propus,
do esperado pelo padrão de idade – caso espe- como coordenadora do JER, desenvolver, entre
cífico de nossos jovens -, consideramos que, se 2014 e 2017, a avaliação sistemática e análise
usamos o método clínico/crítico de Piaget6, pelo crítica dos resultados da aplicação de uma adap-
qual se incentiva os jovens a dizer o que pensam tação que realizei dessa metodologia de projetos,
e como pensam, aos poucos eles conseguem agora tendo como elemento central das oficinas
ir melhorando a construção da narrativa, em- os jogos eletrônicos digitais.
bora se saiba que o ato de fala nos situa como Tendo em vista que a investigação constatou
sujeitos e carrega as marcas dos significados dados muito positivos do uso da metodologia
que indicam nossa classe social, etnia, crenças, experimentada, no presente artigo me detenho
ideologias e papéis sexuais. A construção dessas em dois pontos específicos do relatório que a
marcas ocorre justamente nas relações entre su- pesquisa produziu, quais sejam: alguns estudos
jeitos, localizada cultural e institucionalmente11. prévios no campo dos jogos que deram possibi-
Insistimos nessa ação porque a empiria que, lidade de se esquematizar uma taxionomia dos
como pesquisadora, acumulamos ao longo dos jogos como referencial para a escolha dos que
anos mostrou que progressivamente os apren- seriam usados e a descrição processual de como
dentes vão desenvolvendo as competências trabalhei com a matriz de ação psicopedagógica
cognitivas mais complexas, deixando, segundo com jogos.
Piaget 6, o pensamento predominantemente
imaginativo para dar lugar ao pensamento hi- Mergulhando no universo do jogo- em busca
potético - dedutivo, de uma taxionomia
Vergnaud8, da tradição neopiagetiana, desta- O interesse do jovem pelo conhecimento não
ca que “é preciso dar toda atenção aos aspectos morreu. Permanece vivo desde que ele se sinta
conceituais dos esquemas e à análise conceitual dentro do campo novo, desde que se produza um
das situações nas quais os aprendizes desenvol- interesse genuíno pelo saber e que este lhe seja
vem seus esquemas na escola ou na vida real” significativo. Se deixarmos de lado essa motiva-
(p. 58). O autor, portanto, enfatiza a necessidade ção que é essencial a qualquer aprendizagem, o
de, quando acompanhamos o desenvolvimento interesse morre e o pensamento procura novas
cognitivo de alguém, atentarmos para o que vias, sai do ar. Mas, se por acaso esse mesmo
ele chamou de “esquemas em ação”, situações jovem está jogando, por exemplo, um jogo que
provisórias do pensamento reflexivo. Para ele, ele gosta, ele não quer parar, ele se engaja, ele
conceitos e símbolos são duas faces da mesma faz tudo para se superar na habilidade de joga-
moeda. E, assim, a habilidade em resolver si- dor. Por quê? O jogo é fascinante? O jogo o atrai?
tuações em linguagem natural seria o melhor Estamos aí defronte do primeiro fundamento de
critério para a aquisição de conceitos. nossa proposta metodológica.
Exatamente por mais essas considerações O jogo é um momento mágico, lúdico, cuja
conceituais de Vergnaud8, a matriz didática que essência se liga ao sentimento de liberdade da
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vida vivida, ao fato de se isolar e se limitar no Ilinx - jogos que buscam vertigem, com o
tempo e à imaginação, “uma atividade ou ocu- intuito de afastamento súbito da realidade.
pação voluntária, exercida dentro dos limites Escolhemos usar os jogos do tipo Agôn, em-
de tempo e espaço, segundo regras livremente bora não incentivando a competição entre os
consentidas, mas absolutamente obrigatórias, jovens, mas sim a autocompetição, a busca pela
dotado de um fim em si mesmo, acompanhado superação de si próprio, a colaboração entre
de um sentimento de tensão ou alegria e de eles no intuito de se olhar para a pontuação do
uma consciência de ser diferente da ‘vida coti- grupo como um todo e a trajetória do desem-
diana” (p. 11)12. penho global.
As situações que encontramos no jogo, embo- Mas, somente isso não garantia uma boa es-
ra estejam fora do cotidiano, apresentam-se com colha; sentimos necessidade de ter em mãos uma
um toque de realidade, relacionadas a motiva- taxionomia mais complexa, ainda que singela,
ções intrínsecas, ou seja, é uma atividade em que dos jogos a serem usados. Por isso, adotamos
a satisfação se dá pelo domínio da própria ação. quatro critérios de classificação dentro do se-
Executá-la já é por si mesmo o ganho, ficando guinte encadeamento: ação principal do jogo,
em segundo plano o resultado dessa ação13. critério básico em torno do qual giraram as três
Exatamente por considerarmos essas carac- demais; grau de dificuldade apresentado pelo
terísticas do jogo é que fizemos dele o apoio de jogo; tipos de jogo propostos por Piaget6, dentro
nossa matriz de atendimento psicopedagógico do desenvolvimento infantil; habilidades e com-
usando jogos. E dizemos mais: optamos pelos petências cognitivas desenvolvidas pelo jogo.
jogos digitais porque, sem dúvida nenhuma, hoje Adotando a classificação dos jogos digitais
são muito mais atraentes para os adolescentes pela sua ação principal, a opção que fizemos foi
que vivem mergulhados nesse universo da In- apresentá-la dentro de um polígono heptágono,
ternet por experiência própria ou, infelizmente, a saber: Simulação, Ação, Aventura, Ação-aven-
por um desejo de vir a estar, o que é o caso de tura, Estratégia, RPG e Estratégia1.
grande parte dos adolescentes marginalizados Essa foi a nossa classificação principal, sobre
de nossas comunidades. a qual trabalhamos as demais.
Porém, que jogos escolher, dentro dos milha- Com ela em mãos, levamos em conta o grau
res de opções que a Internet propõe? Primeiro, de dificuldade de cada tipo de jogo, ou seja,
fomos à classificação de Caillois14, que propõe analisamos os jogos numa escala de 0 a 3, sendo
quatro modalidades: 3, difícil; 2, meio difícil; 1, menos fácil e 0, fácil
Agôn - jogos que tentam criar situações (Figura 1).
ideais e iguais para todos os competidores de
modo a que o vencedor seja considerado o mais
preparado;
Alea - jogos em oposição ao Agôn, porque não
dependem da maestria do jogador, mas apenas
da sorte. Essa categoria coloca o jogador com
ação restrita;
Mimicry - jogos de representação de papéis,
ou seja, protagonizados, em que os participantes
adotam para si o papel de determinadas perso-
nagens; apropriam-se de outra realidade que
não é sua. O prazer é ser o outro ou se passar
pelo outro. Figura 1. Os 4 níveis de dificuldade do jogo.
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Figura 2. Tipologia de Piaget7 baseada no desenvolvimento Figura 3. Articulação entre gêneros de jogos, níveis de difi-
humano. culdade e tipologia de Piaget.
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Ora, sabemos que, normalmente na escola, A matriz psicopedagógica para uma oficina
as coisas geralmente não acontecem assim; os de jogos digitais
conteúdos são quase sempre apenas apresen- A oficina como um todo apresenta o arcabou-
tados e repassados, o que vai à contramão do ço de um grupo operativo, nos termos propostos
que temos proposto no exercício da ação psico- por Pichón-Rivière18, que propõe que sua dinâ-
pedagógica. Para nós, antes de tudo, temos que mica percorra três momentos: pré-tarefa, tarefa,
dar condições para que o desenvolvimento das mudança, ou seja, após o momento inicial da
atividades mentais superiores aconteça. Para oficina, nomeado por Pichón-Rivière de pré-
se ensinar, é preciso se ir além do simples “dar -tarefa, apresentam-se as possibilidades do jogo
aula”; o conteúdo não é mais o fim em si mesmo, a ser jogado, negociam-se os compromissos e as
como era nas escolas tradicionais. regras a serem obedecidas e realiza-se a ação de
Na verdade, como já se tornou um lugar co- jogar, não necessariamente em uma ordem fixa,
mum, o aprendente precisa de quem ombreie se constituindo na tarefa; desses atos, emergem
com ele, no exercício de aprendizagem ativa, na as mudanças na maneira de pensar, ou seja,
qual quem aprende é o protagonista da ação; o ocorre a mudança (aprendizagem).
professor é aquele adulto que age na zona de de- Está assentada, à semelhança daquela que
senvolvimento proximal16. Por outro lado, como lhe deu origem1, na premissa de que a apren-
defende Piaget7, no curso do desenvolvimento, dizagem é, antes de tudo, um processo dinâmi-
o ser humano primeiro precisa fazer para poder co, realizado pelo aprendente que, através da
compreender, para depois chegar a compreender narrativa de como processou sua ação, toma
para fazer. consciência dos caminhos que seu pensamento
Foi com essa base teórica que adaptei a ma- percorreu.
triz de atendimento psicopedagógico aplicada Devemos distinguir tanto os itens da matriz
no campo da psicopedagogia clínica ou escolar1 que se traduzem em momentos da oficina como
para uso nas oficinas de jogos digitais17. um todo quanto os passos específicos no ato de
jogar (Figura 6).
Por outro lado, quando o jogo começa a rolar,
acontecem três etapas sucessivas que se repetem
várias vezes num mesmo jogo e, certamente, no
encerramento de cada oficina: jogar, narrar suas
jogadas e discutir o porquê de tê-las adotado
e, como consequência, concluir (ou fixar) se o
Figura 5. Exemplo de classificação de jogos usando a taxo- Figura 6. Matriz psicopedagógica para uma oficina de
nomia construída. jogos digitais17.
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que foi pensado e executado deve ou não ser nho do grupo como um todo, o que reforça o
reestruturado. sentimento grupal (Figura 8).
O esquema abaixo sintetiza a dinâmica de O uso desses procedimentos psicopedagó-
uma oficina, seja ela constituída de um jogo gicos tem demonstrado que, com essa matriz, é
jogado várias vezes ou de momentos de mais de dado mais um sentido ao ato de jogar um jogo
um jogo (Figura 7). digital, sentido esse que vai muito além do pra-
É possível e cremos que a conscientização zer apenas de jogar.
do que foi produzido vai se dar com grande Estou convicta que, com a adoção dessa ma-
frequência, permitindo ao próprio pensamento triz psicopedagógica para uma oficina de jogos
antecipar as possibilidades, usando o processo digitais, sempre haverá uma evolução ainda que
de construção das competências. por menor que seja de seus participantes de for-
Primeiro, eles talvez cumpram a seguinte ma individual e do grupo como um todo. Cons-
ordem: tatamos que, ao usá-la, os jovens não perdem o
• Observar → Realizar → Compreender, interesse, nem abandonam o jogo. Ao contrário,
Aos poucos, porém, eles passarão a: vão se esforçando cada vez mais, mantendo-se
• Observar para Compreender → Com- atentos e interessados, diminuindo sensivel-
preender para Realizar. mente a paralisação frente a algum obstáculo, e
Isso significa que o jogador está caminhando aumentando a resiliência em busca de soluções
para a entrada no processo de pensamento for- perante alguma dificuldade ou evidência de erro.
mal, ou seja, reflexivo, porque a aprendizagem é, E, além disso, percebendo como é gratificante e
antes de tudo, um processo dinâmico, realizado mais profícuo trabalhar-se em equipe.
pelo aprendente que, através da narrativa de
como processou sua ação, toma consciência dos
Impacto da investigação: construção de um
caminhos que seu pensamento percorreu. E os
kit didático com uso da matriz psicopedagó-
integra ao que já é conhecido.
gica para oficina de jogos digitais
O procedimento de agregar ao momento do
jogo um momento de reflexão sobre como jogou e A análise crítica dos resultados da pesquisa
porque adotou essa jogada descrita, desenhada, mostrou que a harmonia do grupo foi melhorada
relatada oralmente ou por escrito tem mostrado e a amplitude de atenção de cada adolescente
ser uma técnica que muito contribui para o de- se tornou maior quando comparada às suas ou-
senvolvimento de competências relacionadas à tras tarefas escolares normais, o que levanta a
construção de narrativas, de matrizes (usando
gráficos, produzindo pequenos mapas mentais,
etc), o que permite absorver a possibilidade de
autocomparação de desempenho e o desempe-
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hipótese de que isso é consequência do interesse disponibilizado na Internet, sempre para uso
gerado pelo jogo e de que o ato de jogar desen- em locais nos quais a inserção no mundo digital
volveu, ainda que de forma incipiente, algumas ainda se faça precária e cujos jovens precisem
competências cognitivas. ter um acompanhamento psicopedagógico para
Assim sendo, esse bons resultados levaram- melhor desenvolvimento de suas estruturas de
-me à produção e validação de um kit psico- aprendizagem.
pedagógico específico para oficinas com jogos
digitais, kit esse contendo todas as informações Agradecimentos
necessárias para a sua utilização pelos educa- • À equipe do JER e em particular à Pro-
dores, de modo a poder ser aplicado em outros fessora Dr. Stella Maria de Azevedo Pe-
cenários com características pedagógicas seme- drosa pelo trabalho desenvolvido como
lhantes, quais sejam, com adolescentes perten- Coordenadora Adjunta.
centes a comunidades de baixa renda, fracasso • A Alexandre Martins, aluno de graduação
escolar sucessivo e pouca familiaridade com o do Departamento de Arte & Design da
mundo digital. PUC-Rio, bolsista de Iniciação Científica
Esse kit contém: a descrição detalhada da ta- do Diretório JER, cujo trabalho gráfico
xonomia dos jogos considerados interessantes desenvolvido para a construção do Kit é
pelos (e para os) jovens e fundamentais para esse mérito seu, graças à dedicação e à dispo-
trabalho psicopedagógico; um texto de suporte nibilidade técnica impar.
teórico da proposta e um guia de orientação pe- • Ao CNPq pelo apoio à pesquisa Jovens
dagógica, além de todo o material de apoio para em Jogo, desenvolvida pelo Diretório de
seu uso. Ele se acha em fase final de produção e Pesquisa Jovens em Rede do Departamen-
a nossa pretensão é de que esse material possa to de Educação da PUC-Rio, sem o qual
vir a ser publicado em versão concreta e digital, não teria sido possível sua realização.
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SUMMARY
Young people gaming in the psycho-pedagogical space
This article emerges from the data collected and critically analyzed
by the research, supported by CNPq, conducted by the Youth Research
Network Directory of the Education Department of PUC-Rio, between 2014
and 2016. The research had as its central issue to verify if the act of playing
electronic games accompanied by specific psych-pedagogical work allows
the construction of a knowledge that goes beyond the ability to play them.
It has as objective to deepen two specific points of the research, which
are: the construction of a taxonomy of games as a reference for the choice
of those used in the workshops; the procedural description of the use of
the psych-pedagogic action matrix with electronic games. With respect
to the proposed taxonomy, it presents the classification of these games
by the type of their main activity, their degree of difficulty presented, by
Piaget ‘s classification according to human development and by Macedo’ s
classification of cognitive competences. Regarding the psycho-pedagogical
matrix for use in digital games workshops, it makes its description and
points out its conceptual basis that learning is, first and foremost, a dynamic
process carried out by the learner who, through the narrative of how he
processed his action, becomes aware of the ways his thoughts have traveled.
As a conclusion, this article describes a specific psycho-pedagogical kit
for workshops with digital games that is already built and contains all the
information necessary for its use by educators, so that it can be applied in
other scenarios with similar pedagogical characteristics.
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10. von Bertalanffy L. Teoria Geral dos Sistemas. Brasil. Instituto Nacional de Estudos e Pes-
Petrópolis: Vozes; 1973. quisas Educacionais Anísio Teixeira. Exame
11. Bakhtin M. Marxismo e filosofia da lingua- Nacional do Ensino Médio (Enem): funda-
gem: problemas fundamentais do método mentação teórico-metodológica. Brasília: INEP,
sociológico na ciência da linguagem. São Pau- 2005. p. 13-28.
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elemento na cultura. São Paulo: Perspectiva; 2001.
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Gallimard; 1991. 2014.
15. Macedo L. Competências e habilidades: ele- 18. Pichon-Rivière. O processo grupal. São Pau-
mentos para uma reflexão pedagógica. In: lo: Martins Fontes; 1986.
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