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6.0 SUPEREU POR DEFEITO ‘Uma Let Que Goza (© movlo mais apropriado de abordarmos o tema «a psicanlise © «Lei» consiste em nos perguntarmos: que tipo de Lei € objecto da psicandlise? A resposta ¢, evidentemente: o supereu. 0 supereu emerge quando a Lei ~ a Lei pablica,a Lei ariculada no discurso pablo ~ fracassa: neste ponto de fracasso, Lei publica € obriga- {daa procuraapoiar-se num gozoilega. (© supercu é a «nocturna» lei obscena que acompanha © duplica rnecessariamente, come una soma, Lei «publica». Esta cis ine- renee consttutiva da Lei é tema do filme de Rob Reiner A Few Good Men, drama sobre um tribunal de guerra perante 0 qual dois ‘marines sio acusads de assasinar um dos seus camatadas, © pro- ‘curador militar sustenta que o acto dos dois marines fi um homici- dio deliberado, enquanto o advogado de defesa consegue provar que (0s acusados se limitaram a seguir o «Cédigo Vermelbo», que autori- 7a espancamento nocturno de um soldado que, na opinio dos seus pares ou do oficial superior, infringu o eddigo ico dos fuzileros. ‘A fungio deste «Céaigo Vermelho» &extremumente interessante: tolera um acto de transgressSo — a punigo ilegal de um soldado — ‘mas reitera, ao mesmo tempo, a coesio do grupo: apela a um acto de ‘dentiicago superior com os valores do grupo. Este cédigo tem de manterse ocult na note, desconecido, inconfessivel: em publico, {dos Fingem desconhect-o, ov vo até mesmo a0 ponto de negarac- tivamente a existéncia do edigo, Este representa 0 wespiito da co- munidade» no seu estado mais puro, exereendo uma enorme pressi0 180 Slavoj Zee sobre 0 individuo no que se refere 80 cumprimento da exigéncia de ‘dentificagdo com o grupo. Todavia, simultaneament, viola a regres cexplictas da vida comunitiria. (A situugio dos ‘dois acusados, catacteriza-se pea sa incapacidade de compreenetem esta exclusio do «Outro», do imbito do «Direito Pibico>, que afecta 0 «Cédigo \Vermelho» — e perguntamse com desespero: «Que erro comete- ‘mos?», uma vez que se limitram a seguir a ordem de um oficial su ‘erior) De onde vem esa cistio da lei em Lei piblica escrtae no seu reverso, 0 cfg «no escrito», secreto ¢ obseeno? A resposta é do caricterincomplto, «ndo-odor, da Let pblica: as normas explci- ‘as, piblias,ndo bastam e devem, por conseguint, ser supra por tum eédigo clandestino «no escrito, visando aqueles que, embora ‘no violem qualquer norma piblica alimentam uma espécie de dis. tincia interna e no se identificam Verdadeiramente com 0 wesprito dds comunidad! ‘Assim, osadismo baseia-se na ciso do mito da Lei em Lei en: quant «ideal do eu» — ou se uma ordem simbslica que regula vida sociale mantém a paz social — e 0 seu inversoobsceno, supe reg6ico, Como numerosas anlises — de Bakhtin em diante ~ mos- ttaram, S20 inerentes& ordem social transgressdes peiéicas da Bei paibliea, que funeionam como uma das condigies da sua estailida- Ae, (O ero de Bakhtin — ou, anes, de alguns dos seus seguidores — fia apreentago de uma imagem idealizada destas wtranspresGes, ap mesmo tempo que eram slenciados os linchamentos, © outras c= (8s do mesmo género, enquanto forma decisiva da «suspensio car- ‘avalesca da hierarquia social.) O que «mantém unig» em profun- tidade uma comunidade no é tanto a identificagio com a Lei que regula 0s circuitos quotdianos «normals» dessa comunidade, mas a ‘denificagdo com una forma especfica de transgressdo da Lei, de suspensdo da Lei (em termos psicanaitcos, com uma forma espec= fica de gozo). ;Pensemos nas comunidades brancas das pequenascidades do Sul «dos Estados Unidos na década de 1920, em que o reinad da Lei cial e piblica era acompantado pelo seu duplo sombrio,o terror n= ‘ume do Ku Klux Klan e os seus linchanmentos de negros indefesos: perdoamse facilmente a um homem (branco) pequenasinfracoes «da Lei, sobretudo quand podem ser justifeadas nos termos de um, ‘céigo de honraw; 0 infrator continua a ser reconhecido pela c0- ‘As Metistses do Gozo 181 ‘munidade como «am dos nossos», E todavia, ser efectivamente ex- comungado, passando a ser percebido como «no dos nossos», n0 ‘momento em que renegue a forma de transeressao espectiea que perience & comunidade em causa — por exemplo, 0 momento em que se recuse a paticiparno ritual dos linchamentos cometids pelo Klan, ov chegue ao ponto de ot denunciar perante a Lei (que, evi- dentemente, nada quererd ouvir a respeto desses actos que doc ‘mentam o seu verso oculto).Acomunidade nazi assentava na mes- ‘ma solidariedade-na-culpa induzida pela paricipagéo numa transgresso comum: ostracizava os que no estavam dispostos 2 co- ‘mungar no lado obscuro da Volksgemtinschaftidilica: 05 pogromes, rocturos, 0 espancamento de inimigos poltieas — em resumo, quilo que «toda a gent sabe, emboranéo fale disso em voz alta»? ‘Quando, como efeito da chegada ao poder da ideologia burguesa igualitiria, espago pblico perde o seu cadcter patrareal directo, relagdo ene a Lei pilica¢ o seu reverso superegsico absceno s0- fe também uma transformaySo radical. Na sociedade patrarcal tra toms, entio,a sida que encontraajouis- sance social reprimida: prseguicio de judeus,violagGes em grupo, [Na medida em que o supereu designa a intrusto do 020 no &m- bito da ideologia, também podemos dizer que a oposigko ene a simbdlica © © supereu indica a tensio entre significagio ideoligica © gozo: a Lei simbolica garante a significagéo, enquanto superea proporcionao gozo que serve coma suporte ni reconhecido dt sg nificagao. Na actual época dita «pés-ideoldgiea», tomas decisivo evitar confundir ofantasma que suporta um eifico ideal6gio com, 8 sigificagao ideol6gica. Como explicariamos de outro modo a nga paradoxal ene 0 ps-comunismo e 0 nacinalismo fascista (na Sérvia ena Russia, por exemplo)? Ao nivel do significado, a r= lato entre ambos € de exclusio mitua; apsar disso, compartitham, lum suport fantastico comum (quando o comunismo era o dis [As Metistses do Gozo 1 ‘urso do poder, aria jogar habilmente a seu favor — de Estaline a ‘Ceausescu — as Fantasias nacionalistas). Por conseguinte, também no hé qualquer incompatibildade entre a nica atitude «pés- moderna» da nio-identificago, da distancia em relago a qualquer ideologia, © a obsessio nacionalista da Coisa étnica. A Coisa € a substincia do gozo: segundo Lacan, ocinico é alguém que nfo cré Sendo no gozo. Eo exemplo mais claro desta figura nfo sera talvez precisamente cinieo cam a obsessio da Coisa nacional? A diferenga entre a Let e o supereu coincide do mesmo modo ‘com a existente entre a escrta e a voz. A Lei publica é essencial- mente escrita — 6 precisa e somente pelo facto de westar escrito» «que @ nossa ignorincia da Lei nio pode servr-nos de deseulpa, nio ‘nos inocenta 80s olhos da Lei. O estatuto do supereu, em contrapar- tida, € 0 de uma voz traumitia, a vor de um intruso que nos perse ue € transfor © nosso equilfbrio psiquico. Aqui a relagSo para digmaticaestabelecida por Derrida entre a vor ea escrtainverte-se: a vor que supreaescita funcionando como uma placa de estanho 1o-transparente que trunca o campo da Lei, anda que seja neces ‘ria para a realizagso daquea, ‘Outro aspecto deste reverso obsceno da Lei é 0 que podemos en- contrar em certos habitos da elite no poder dos Estados Unidos. CConsta que todos 0s anos, a elite do poder (os politicos, empresé- ‘ios, militares, jornalistas mais importantes ou mais ics...) e red- ‘nem durante uma semana, num lugar de acesso reservado, a Sul de ‘io Francisco, promovendo o «convivi social» entre si, Mas, em farande parte, aquilo que realmente fazem & permitirem-se jogos fbscenos qué suspendem a solenidade dos rituais sociais: bebem, simultane: mens no apelo do Ouyo-Des que endenou que ajoelhasse. 186 Slavoj Zack No caso da interpelaglo, as coisas so ainda mais complesas; 9 ‘exemplo de Althusser comporta um pouco mas do que asta propi teorizacto dele extra. Althusser evoca um individu que, enquant anda despreocupadamente pela rua, é de s6bitointerpelado por un polica: Eh, voeé!». Ao responder & chamada — ou se a0 deter “se evirar-s para o poliia 0 individuo roconhece-se © coustitu-s si mesmo como sujeito do poder, do Outro-Sujeito: a ideologia [1 transforma» os ingividuos em sujetos (rnsformso8 ato os) através dessa operagdo precisa & que cham interpelado oa saudagio,e que podemos imapnur ao mesmo tempo que os tags St mais comum sapdagdo quotidana da poi (ou otros) «EB, voo8!> ‘Assumindo que a cena teévica que imagine eprom i ind Viduo nterpeladovira-se-4. Por meio desta simples Convers fica de cent e oiteta graus, converte seem suite. Poqu8? Porque r= conbeceu que a saudagio Ie era «realmente rgd, e que eal mente 0 saudado era ele» (emo outro). Aexperiénia mosira que @ transmissto prética de ssudagiee 6 tal que raver no acertam mo bomen: perante um ckamamento verbal ou um som dept, 0 sai- Ado econhece sempre que & realmente cleo dstnatiio da ssd- ‘0. E todavia, aa-se de um Fenémeno esrao, que no pode sr explicado unicamente pelos esenimentos de eulp, apes de mi 10s sterem ququer cosa na conscitcie, Naturament tendo em vista aconveniénia clara do meu e- «quero teatro teria, ive de apesentar a cosas em terme de 5 ‘quéncia, com um antes um depos, potnto, sob forma de aces ‘io temporal. Hos indivduos que nda, er alr (geraieste as suas costs) ouve se asada: «Eh, voc» Um inva (0- ve em coda der vezs, 0 individuo cet) vise crendoluspitn- dofsabendo que & com ele, 0 sep, econbecendo que & eeaiente eso visdo pela saudagso, Ma verde € qu extas oisocorem sem sucesso. A exstnin da idologia sito ou nterpelago os indviduos como suites so uma & mesma coi A primeira coisa surpeendente nesta passagem é a referéncia i= plicta de Althusser &tese de Lacan sobre uma carta que wchega sem- ‘re ao seu destino»: a carta inerpelativa no pode induzi em equi ‘0c0 0 su destnatério, pis, dado 0 seu tor sintemporal>,€ apenas As Metistases do Goo i ‘0 reconhecimento-sceitagdo do destinatiio © que a constitu como feata®,O trago decisivo da passagem citada€, no entanto, a dupla ne- ‘zo posta em jogo: a negacio da explicagio do reconhecimento in {erpeltivo através de um «sentimento de culpa>, bem como a nega (a0 da temporaldade do processo de interpelagio (estrtamente {alando, 08 individuos nfo se «tornam sueitos, so «sempre sv jeitos. Esta dupla negaglo deve ser lida como uma denegagio freu- Giana: aquilo gue o tor «intemporal» da interpelago tora visvel & ‘um tipo de sequencialidade stemporal, muito mais complexa do que 6 steatroteérico> encenado por Althusser em nome de um preexto suspeito de «conveniénciae clarezaw. "A sequéncia «reprimida» em causa refere-se a um «sentimento de culpa de natureza puramente formal, eno-patol6gica» (no sentido kantiano), uma culpa que, por isso mesmo, pesa mais intensmente sobre esses individios que «nada tém na conscigneia». Quer dizer: Em que consist, ao certo, a primeira reaeglo do individuo ao «Eh, voce!» do polfcia? Numa mistura incoerente de dois elementos: 1), Porgué eu? Que quer de mim a policia? Estou inocente vinha ab> sorta nas minhas coists e de passeio...; todavia, este protesto per- Dlexo de inocéncia é sempre acompanhado por 2) um sentimento kafkiano indeterminado de culpa eabstacta», sentimento segundo 0 ‘qual, aos olbos do Poder, sou prior tersivelmente culpado de qual- {quer coisa, embora me nio seja possvel saber de que sou ao certo ‘ulpado,e por isa — por nko saber do que sou culpado — sou mais culpado ainda; ov, mais exactamente, € na propria ignorincia aqui fem casa que consiste a mina verdadeita culpa (© que aqui temos é, por conseguinte, a estrutura lacaniana da ci- to do sujito entre a inoeéacia e a culpa absracta, indterminada, 20 ‘ser confrontado com uma convocago no transparente que emans do ‘Outro (Eh, voes!»), convocagio em que no € claro par osujito 0 ‘que quero Outto dele («Che vuoi?»)..Em suma,aquilo com que aqui ‘deparamos & a interpelaedo prévia& identjfeagdo. Antes do reco- nihecimento no chamamento do Outro através do qual o individu se ‘constitu como «sempre» individuo, somos obrigadosareconhecer ‘esse instante «intemporal» do impasse em que ainovéncia coincide ‘com a culpa indeterminada: a identificagoideoldpic através da qual ‘assumo um mandato simbélico © me reeonego como 0 sujlto do Poder produz-se apenas como resposta perante este impasse ad Slavoj tek CConfrontamo-nos, uma vez mais, com a tensio entre a Le pili ce € 0 seu reverso superegéico obsceno: 0 reconheciment ideolés ico na chamada do Outro & 0 acto de identificagio, 0 eto através {do qual alguém se identifica como o sujeito da Lei pablica, assume © seu lugar na ordem simbéliea; ao mesmo tempo que a wculpan abstract, indeterminada,confrontao sueito com uma chamada im penetrivel que impede precisamente a identificasao, o reconhecis ‘mento do proprio mandato simbélico. O paradoxa € que 0 reverso superegéico obsceno&, num snico e mesmo gest 0 suport neces: ‘iri da Lei pablica simbolica o eftculo viciosotraumtico, 0 be co que 0 sujeito se esforya por evar refugiando-se na Lei pila para se afimar, a Lei publica tem de resistir ao seu prSprio funda ‘mento tomando-o invisivel (© que permanece wimpensado» na teoriaalthusseriana da intrpe- lag €, portanto, o facto de, anterior ao recanhecimenta ideolgco,, ‘ermos um momento intermédio de intrpelago obscena, impenetrés vel, sem idenificagao, uma espécie de «mediador evanescenten que tem de se tomar invsivel para que o sujeito poss aleangara ident ‘dade simbélica,possa competar 0 gesto da subjectivasi. Em snte- se, 0 «impensado» de Althusser 6 que hi um si inguietante que precede o gesto da sujectivagio. Nao seri este «st- {ilo anterior 2 subjectivagdo» uma construgao purament terieae, ‘com tal, desprovida de utlidade para uma andlise socal conereta? Encontramos provas em contrévio no sintagma que regularmente Se repete quando os trabalhadores socaistentam traduzita sia expe rigncia do delinquente adolescente «anti-social», que carece daquilo, ‘gue ideologicamente chamamos o «sentido elementar da compa ‘xo e da responsabilidade moral: quando o olhamos nos obs, it “sia que «nfo esténinguém em cass”, (O texto althusseriano fundamental é aqui o de «Trois noes sur Ia tore des discours»(1966)8. Na primeira nota, Althusser prope hipStese segundo a qual cada um dos quatro tipos fundamentis de siscurs0 implica um modo especifico de subjectividade, ot seja, roduz o seu proprio wefeito-sujeito» [effer-swet: no discurso ideo Jégico, 0 sueto esté presente en personne; no discurso cientfico, estfausente en personne; no discarso estético, est presente por ine texpostas pessoas [par personnes interposées}; no dieurso incons- iene, o sujeito nfo esti nm presente nem simplesmente ausente, ‘As Metistses do Go20 199) ‘nas 6 uma hla representada por um portador de luga®. Todav ‘a terceira nota, Althusser recua de sibitoe inesperadamente, res- tringe osujito a discurso ideoldgico, sublinhando que 86 em sen tido metafrico podemos falar do «sujeto da ciéncia» ou do «sujei- to do inconsciente». A partir do. momento em que acitamos esta posigdo, somos, evidentemente, obrigados a rejeita a propria nogio, Ue wsujeito divididon: como declara Althusser, no hi sujito divi- ‘igo, mas apenas 0 sujeto o abismo [Spaltung] que se abre entre ‘o sujeito ea ordem do dscurso: «le manque de sujet ne peut ere dit sswet>!0. Em resumo, Lacan identifica ilegitimamente 0 vazio, a hitncia que escava a ientidade do sujeito, com o préprio sujeto ‘A nossa perspectiva lacaniane impele-nos a apoiar Althusser I (0 ds quatro «efeitos-sujeito») contra Althusser I (o do estatuto ideo. gio do sujito: a limitagéoalthusseriana do sujeito a ideologia & um aso ntido de «regression térica, Os quatro efeitos-sujito» fem Althusser I io tém igual peso: dois so eandidatos ao papel de Stjeito por exceléncia — tanto o sujetoideol6gico, presente en per- sone, como 0 sujeito do inconsciente, um vazio na estrutura ($) que 6 representado simplesmente por um significant. Althusser esco- Ine a primeira opeio (0 estatuto ideolégico do sueito), a0 passo que, do ponto de vist Iacaniano, a segunda escolha parece muito ‘mais produtiva: permite-nos conceber os 8s restantes efeitos- “sujeito como derivagoes-ocultagées de 8, como us mods de acei- taro vazio na estrutura que «> 0 sucito. ‘Um argumento adicional em favor da escolha lacaniana é a que nos proporciona a litura sintomstca do proprio Althusser: no sera talveza transformagio da toria de Alinusser,anunciada pelo seu en- saio sobre «Lenine e Filosofia» — a ejigio erica do «desvo te6 Fico»; a afirmacio da lua de classes nateoria, a auto-referencialidade ‘a teoria, ou seja, a ideia de que a teoria se inclu no seu objecto —, uma forma de «retorno do realcado, da dimensio do sujeito do sig- nificant? Osinalé dado aqui pela nova definicio de filosofia que Al- thusser prope e que incorpora a transformagio em caust: «a filoso- fin (4 no] & a Teoria da préticaterica», mas scepresena a politica (aluta de classes) na teorias. No estaeros diante de ums clara a- riante da formulaglo de Lacan: . Na medida em que vivemos no universo da _guagem, estamos condenados a esta imbecilidade do superew: pode- mos assumir uma cert dstincia minima que otorne mais tolerivel, mas nunca desfazernos dele. «Nk Capas No Te Destuols Examinando as coisas mais detidamente, como est estriado e- te supereu? Na sua penetrate lita de Znoviev, Jon Elser prope uma defniio formal de mecansmosttalitiom element wn erto- -ireuito entre a negaio interna e externa — ou se, 20 nivel da Kési- a deomoigica, um cuno-cireito entre & no obrigagio © 2 pribi- G0", A negagdo extema da nossa obigaco de fazer H & que ndo temos de faze H; a nega interna € que temos de fazer nao. Nu- ma sociedade toalitisia, toda a nio-obrigagdo tends ase interpreta como poibigio.E uma tendéncia que pode sr ilustaa por numer sos exemplos das eleigdes eda posibilidade de ertiea A obessBo to tala com as econspragies». As eleigdes so formalment ves - dos pdeen vor ano a favor como consti, todos aber como devem votar — quer dizer sabem que ¢ proibido var contra, Ofcal- mente, a crica € no 36 permitida como encorajda,embora toa sent saiba que s6 a erica wconsrtva>, ou sea, erica nenhuma, € tolerada, Deste modo, racaso da nasa inten do teansformase (em termes hegeianos: «reflects asi prprios) num fracas inenio nal: quando algum project do regime comunisafracassa miseravel mente porque os seus objectives ieais do orgem uma resistencia 198 Slavoj 20k passva da populasio, o fracasso é imediatamente interpretado como resultado de uma conspirago ura pelos inimigos do regime. ‘Acestruturasubjacente a este curtocircuito seameta uma forma de istorgopsicética do «quadrado semisica» da necessidade, posi lidade, impossibilidade © contingéneia: num niverso «totalitiion perfeito 36 n0s confrontamos com a necessdade e com a impossibi lidade. Uma decisio contingent do lider passa por ser uma expres ‘so da Necessidade hstéica & por isso que qualquer forma de resis: ‘ncia a essa decisio — ainda que formalmente possivel — 6, na ‘ealidade, impossivel — ou sea, € probida. Esta distoreio a, pr tanto, origem ao paradoxo da elegdo forpada, segundo a qual s6 10s 6 permitdo realmente escolher uma das duas opsbes, a0 mesmo tem po que a outra ¢ um conjunto vazio (este paradoxo nfo € outro senio da servitude volonaire).F & ese mesmo cuto-crcuito que propor ionaa mais elementar denigto de supereu: superew é uma lel en Touguecida» na medida em que protbe o que formalmente permite! (Qual € 0 lugar do supereu no interior da matiz de diferentes ai- tudes éticas? Aqui, uma referencia aos filmes de Orson Welles pode sjudar, Welles estéobcecado pea Fgura de wm individvo «maior do {quea vide» — desde o Kurtz do seu primeira projcto cinematogrs- fico (nto realizado), Heart of Darkness, passando por Citizen Kane, The Magnificent Ambersons, The Touch of Evil e Mister Arkadin até 0 Falstalf de Chimes at Midnight. Este indiyiduo «maior do que a vida» carecteriza-se pela relag0 ambigua que mantém com & moral: viola despreocupadamente a8 normas da moral comm ¢ ignora o {ens dos seus semelhantes,explorando-s impiedosamente em vista {os seus préprios fins, embora se consagre ao mesmo tempo por i teiro as suas metas seja generoso, aloptando o oposto perfeto de ‘uma atitude de caleulismo utilitawista, Dele, no pode dizer-se que soja simplesmente ndo ético; os seus actos iradiam uma «ética da prépria Vide» mais profunda que se furta 8s nossas ponderagdes ‘mesquinhas, Welles costumava chamar «escorpides» a estes indivi ‘duos, referindo-se & histéra do escorpido que pica a 1a que o leva atravessando uma corrente de égua: sabe que como resultado disso ‘© afogar ele proprio, mas nfo pode eviti-lo, uma vez que essa &a ‘sua natureza!*. Numa entrevista 20s Cahiers du Cinéma, Welles fo ‘4 ponto de insistr numa cert diferenga entre Géring ¢ Himmler Himmler era a ebanalidade do Mal» em pessoa, um empregado que, As Metistases do Goo ws do he katkiano mostra que est ter, agus, ceido no seu deseo, Mas, par evitarnas os gares-comins, amibém poderemes refers 0 lino £2 Haisons dangereuses, de Chderlos de Lalo: quando ofe- rece como desculpa 2 marquesa de Mertulo seu oflebre «ce n'est as ma faute, to & culpa minha, 0 comunicar he o seu aoe pela présdente de Tourvel, Valmont conima que «cede no se de- sejo» ese rendu a uma paixiopatoégica, on sea, admite que & ele pao. ara se esgatar acs os da marques, waa depois de saci- ar aprésidenerepetindothe as mesmaspalavas (oe nest pas ma {Jaen se j no te amo, pois no & cosa gue essa sob 0 meu CON tole). No entanto este sarificio nfo The eonsente que se desfoa da su capa; est, plo contri, poss ser dora tia presidente Sem diminuir em absolto asa cups aos os da marques. Ei toque conse o eeu vioso que nos areas, uma ver qu ease mos seed no nosso deseo: nao hi amin simples deregreso, pois, quanto mais nos esforgamos pornos desculparmos sacrfcan- As Metistses do Gor 7 do cient ge not intra sion eo sie nossa culpa ‘A étca lacaniana implica ums disjungdo radical entre o dever © a ‘consideragdo do Bem. E por isso que Lacan se refere a Kant 20 ges~ to kantiano que exclui o Bem como motivo de um acto ético: Lacan reitera que a forma mais perigosa de tsigho do é uma rendigho di- eta a0$ nossos impulsos «patolégicoso, mas sobretudo a consie~ ago deste ou daquee tipo de Bem, como quando falto ao meu de~ ver com a desculpa de que podesia comprometer o Bem (0 meu priprio bem ou o bem comum); no momento em que remeto para “cireunstincias» ou wonsequéncias desfavoriveis» como desculpa, «estou a caminho da minha perdigGo. As razdes pels quais cedo no ‘meu desejo podem ser muito convincentes e fundamentadas, ou até ‘mesmo honrosas; possoinvocar sa que for, atentado ecol6gic in- cluido.O arificio da busca de desculpas no conhece limites; pode ser everdade> que o bem-estar dos meus semelhantessejaameagado pelo meu acto, mas o abismo que separa a ética da ponderacio do Bem continua a ser intransponivel, O desejoe 0 rigor da étca kan- tiana coincidem ambos no seu desprezo pelas «exigéncias da reali- ‘dade; nem um nem outro reconhecem a desculpa ds circunstancias ‘ou das consequéncias desfavordveis tal é a razdo por que,em ihtima instincia, Lacan os identifica (westa lei moral, bem vistas a coisas, no € seo o desejo em estado puro»! ‘A airmagao pejoativa de Freud ao deelarar que as mulheres i ‘t€m supereu— ou, pelo menos, que © supereu da mulher & mais fa- co do que odo homem — surge aqui uma nova luz: falta de supe- eu das mulheres & uma prova da sua ética. As mulheres néo t&m ne~ cessidade de um supereu, wma vez que no tim culpabilidade que © supereu possaparastar, sendo muito menos inclinads a ceder no seu desejo. Nio & de mode algum por acaso que Lacan evoca Antigona, ‘uma mulher que «ado cedew», como caso exemplar de uma attude i= a pura: a um nivel intuitivo pré-terico, € evidente que Antigona no faz 0 que faz devido a pressio do supereu;o superew no intervém no seu caso. Antigona no &eulpada, embora nfo se preocupe em abso- Into com o Bem da eomunidade, com as possives consequencias de catstofe dos seus actos. Reside aqui o nexo entre o supereu maseu- Tino o facto de, no homeo sentido do Bem da comunidad se ex- pressar mus do que na mulher o «Bem da Comunidade» € a deseulpa 198 Slavoj Zizek ceonsagrada da ced2ncia no nosso deseo, O supereu « vinganga que da ica lacaniana do deseo, pores- te far desierium, pereat mundus, pode se detectado no prério ca- so de Kan, que, segundo Lacan, foo primero a formular uma éica do deseo que ignora as consideraées patolégics: nko sera restr- «0 imposta pelo «Que se pasaria se todos fizessem o que eu Tago? § forma elementar da manera como cedemos no nosso desejo? Re- runcia ao teu desejo, uma vez que ele no é wniveralizavel Considerar a possibildade de univeralizagio do nosso act in- twoduzirtalver, silenciosamente, a ponderagio ptolégica das con- sequéncias do nosso acto na Tealidade? E também a este nivel que pdms sitar o momento preciso do compromiso ico do budis- ‘mo: o budismo Mahayana aeitaa diferenga etre a rdaegrande» © a roda epequena> — ou se, a necessidade de formular além de um tnsino «puro», destinado aos que sio capazes de superar toa a co- biga neste vide, um tipo de ca emenore,regras de conduta dest: ‘ads a pestous comuns, incapazes, por exemplo, de renunciar&se- sualidade. Numa clara oposigdo a esta alterativa, Lacan persiste no perturbanteimperativo: «no renuncies ao teu deseo, sabendo em- bora que este imperativo no € universalizavel!? Mat.D0 Eu, MAL Do SuPeREU, Mat 00 Isso ‘A nossa experiéncia contemporinea obvige-nos a complicar ainda ‘mais este quadro. Quer dizer, 0 que surpreende na recente vaga de ‘As Metisases do Gozo 19 ‘olocia ant-imigranes€ oat sprinitvor da economia bina subjacent; «primitivas, ao no sentido de uma «regression am es tratoarcaico, mas no sentido danatrera mais elementar da relagio cate prazer¢gozo, care o ciclo do priaepi do prazer que lua pe To equlbvo, pela eprodug do seu crcito rest, corpo estar sho extimad, A economia libidinal que subj a iname ait de fuera: «Auslander rau» {oFora com os Eseangeirs!] dinase ilustar pelo esquems laceniano da rede de ans, em qu a impede «que 0 clea se feche%, ou, melhor ainda, plo eaguema da reagS0 entre fh © Las, em que Unlus se define em tenes de (rion rilag0, como «aquilo que permanece inasimilvel,imedutvel 20 incipio de peazes22.Ostemos usados por Freud poe Lacan para descrevera rela entre Zee jouisance adequam-se pereitamente 2s metfors da aitude racist Fene aos estangetos:sssimilag € ‘esstéaia 3 asimiago,expulsdo do cnpoestanho, equilo pe turbado. ara siuarmos ese ipo de Mal denso dos tipo habitus de Mal, parce tentador usarmos como principio de classifica a trade Freudiana do eu, do supereae dso: — o tipo mais comum de mal & 9 mal do eu: © comportamento| ‘motivado pelo cileulo egoista e pela ambigdo, ow sea, pela igno- ‘ncia dos prinepios éticos universais; — mal trbuido aos chamados «fundamentalista fanticos» 6, pelo contri, um mal do supereu: 0 mal realizado em nome da de- ‘ojo fandtea a certos ideas ideol6gicos; = quando os skinheads agridem os estrangetos, nfo nos € pos- sivel, no entanto, deteetar um eéleulo egofsta claro nem uma ideni- fcagio ideolégica precisa. Tudo o que € dito acerca dos estrangei- ‘0s, que nos roubam o tabalho ou slo uma ameaga para os nossos valores ocidenais, to deve induzt-nos em erro: & um exame mais etido, tomna-se evidente que tas declragies se limitam a adiantar ‘uma racionalizagio secundéria bastante superficial, A resposta que ‘obtemos em altima instincia de um skinhead & que espancar os es- trangeros 0 faz sentir-se bem, que a presenga dos estrangeiros © ‘perturba... Tata-se aqui do mal do isso, estrutrado e motivado pe- To desequilfrio mais elementar entre o prazer eo compo estrangeiro da jouissance ao nivel mais profundo. Portanto, © mal do isso pe 200 Slavoj Zita fem cena © scurto-citcuito» mais elementar na relapio do sujet ‘com 0 objecto-causa elementar perdido do seu desejo: © que nos sincomoda» no «outro» Gudeu, japonés afticano, treo...) 66 fae- to de ele parecer manter uma relagdo privilegiada com 0 objecto; 0 ‘outro ou possui o objecto-tesoure, porque no-lo roubou (e por isso, 1s nio o temo), ou representa uma ameaca para a nossa posse do ‘objecto. Em resumo, a intoleincia» do skinhead em relagio ao ou 110 mio pode ser concebida adequadamente sem referéncia a0 bjecto-causa do desejo, que ¢, por definigo, unm objeto ausent, Como havemos de combater efieazmente este mal do isso que, da dag sua natueza «element», permanece impermesivel a toda a argu ‘mentagSo raional ou até mesmo puramente rerica? O mesmo é di zer que 0 racismo & sempre sustentado por um fantasma particular (de ‘cosa nostra, de Cosa énica nossa ameagada por eles» através wle- les que, por meio do seu gozo excesivo significam uma ameaga pa ‘0 nosso «modo de vida»), fantasma que, por defini, resist &uni- versalizgio. A tradugio do fantasma racista no meio universal da itersubjectivdad simbolica (a étea habermasiana do didlogo) nio cenfraquece em absoluto a nfluncia desse fantasma sobre nds. Para ‘minaro seu poder, exige-se uma estratépia police diferente, uma es- lnatgia que se evel capaz de integaraquilo aque Lacan chamou «la ‘aversée di fantasmes, uma estratépia de sobre-identficagdo, que en ‘neem linha de conta como facto de que o supereu obsceno, enguanto base e suporte dla Let publica, s6 € operacional na medida em que pe 'manece nfo reconhecido, oeulto as olbos do pblico. Que se passatia, sevem vez daandlse efica eda irnia que mostram a su impottacia, fente a0 nicleo racist da ordem da fantasia, procedtssomos a con ‘rari e 0s identficsssemos publicamente com 0 superev obscend? [No processo de desintegraeio do socialism na Eslovénia, 0 gr po p6s-punk Laibach pés em cena uma mistura agressive incoesen- te de estalinismo, nazismo e ideologia Blut und Boden. A primeiea reacgdo dos erticos esclarecidos do esquerd foi coneeberem Lai bach como a imitagio irnica dos rtuas toalitrios; no entanto, © apoio concedido a Laibach foi sempre acompanhido por um sent ‘mento de incomodidade:«E se € realmente isso que eles querem di- 221? se, de facto, se identficam com 0 ritual totlitcio Ou — ‘versio mais astuciosa — trnsferia para o outro as suas propria dd /As Metistses do Gozo 201 vidas: sE se Laiboch estiver a sobrestimar 0 seu pblico? Ese o pi- blico levar a séro aguilo que Laibach imitaburlescament, fazendo om que o grupo esteja anal a reforgar aqulo que se prope minar>» [Exe sentimento de incomodidade é alimentado pela suposigdo de que 1 distaneiairinica constitui em termos automsticos uma atitudesub- versiva. E se, pelo contro, a atitude dominante do universo «pés- -ideolgico» contemporineo for prcisamente uma distancia cfnica em relaplo aos valores pblicos? E se semelhantedistincia longe de significar uma ameaga para o sistema, designar a forma suprens do conformismo, dado que o funcionamento normal do sistema requer ‘uma distancia cinica? Nesse caso, a estatégia de Laibach emerge a ‘uma nova luz: «frustras o sistema (a ideologia dominant) exacta- ‘mente na medida em que ndo é a sua imitagdo irénica, mas uma sobre-identficapao. Ao exiir hu do dao everso superego obs ‘eno do sistema, a sobre-idemifieagdo suspende a sua eficéia2. (© recurso essencial de Laibach € » sua habil maneira de manejar a transferencia: 0 seu pablo (sobretudo os intelectuais) esté obce- «ado pelo adesejo do Outro». Qual & a posigio real de Laibach? So efectivamentetoalitrios, ou no? Ou sea, formulam wma pergun- ‘aa Laibach e esperam dos seus membros uma respost, no se dan do conta de que Laibach ndo fnciona como resposta, mas como ‘ergunta. Através do carcterevasivo do seu desejo da indecidibi- Tidade a respeito do «lugar onde, defacto, estos, Laibach obriga nos a tomar uma posigdo prépriae a decidir sobre 0 nosso desejo. Laibach leva, com efeit, a eabo a inversio pela qual se define 0 termo da cura picanalitca. No eomego da cura, esta transferéncia: a relagao transferencial entra em vigor a partir do momento em que ‘ analista surge sob a forma do sueito suposto saber — saber a ver- dade no que se refere 20 deseo do anaisando. Quando, no decorrer da psicandise oanalisando se queixa de no saber 0 que quer t0- tulidade da sua queixa enderes2-se a0 anlista, na suposicio implic ‘a de que o analista sabe, Por outras palavras, na medida em que 0 analista representa © Grande Outo, a ilusio do analsando consiste ‘em reduzir a sua ignorincia relativa 20 seu desejo a uma incapaci- dade sepistemolégica»: a verdade sobre 0 seu deseo jd existe, re sistada algues no Grande Ouro, e tudo 0 qu falta fazer expo-ta luz do dia, para que o seu desejar emirja suaverente.. O fim da psi- ‘candlise, 2 dissolugo da transfertnca, verificase quando essa inca 2m Slavoj Zak cidade «epistemol6gicas se transforma em impossibilidade «onto- lgicas: © anaisando tem de fazer a experiéncia de que também 6 Grande Outro ndo possi a verdade acerca do seu deseo, que 0 seu desejo ¢ desprovido de garantia, de fundamentoe s6 de si préiprio se autoriza. Neste sentido, a dissolugio da transferéncia marea‘o-mo- mento em qve a flecha da pergunta que o analsando enderega 80 analista se vira para o proprio analisando: primeiro, pergunta (his- ‘érica) do analsando € dirigida ao analista, que suposto possuir a respost; depois, o analisundo¢ forcado a reconhecer que préprio analista no é mais do que um grande ponto de interrogagio endere- ‘ao ao analisando. Pode especificar-e aqui atese de Lacan segun- 4o a qual um analista $6 de si proprio pode autoraar-se: um anal sando toma-se analista quando assume que o seu desejo nio tem, suporte no Outro, que o seu dese 56 por si prdprio pode ser autor zalo. Ena medida em que esta mesma inversio da dircegao da fle ‘cha define a pulsfo, podemos dizer (como diz Lacan) que equi que se produz no fim da psicandlise a passagem do desejo pulsto", (© Our InpovenTe 4 Sua CuteA (© fantasma fundamental da guerra teonolégica, esta fantasia que estrutura a nossa pereepedo da Guerra do Golfo, raz consigo a sus- ppensio da violénca fsica «crus». A primeita emateralizagion des {a fantasia foi a construg3o da Linha Maginot, na década de 1930, [Em primero lugar, temos uma bareiraabsoluta que nos separa do ‘outro lado, do lado do «inimigo»: a0 impedir qualquer contacto di- ecto com 0 inimigo, esta bareia despersonaliza totalmente a guer- ‘ve toma possivel a sua organizagéo em termos profissionais co- ‘muns. Um soldado batalha ote horas por di (na sua posgdo, por de tris da sua arma); depos, desloca-se a camino dos bars residen- ciais, descansa, If, vai ao cinema, e faz, depois, novo turno de ito horas... Dste modo, «nada de real suoedew: a realidad era do san- que e da morte & superada por dados abstractas — a localizagéo do avo, o resultado do bombardeament, ( Fantasma fundamental da gueratecnol6gica contemporinea 6, or conseguinte, 0 prdprio fantasma, dado que neste, 0 siete € re ‘duzido a um puro olhar impassvel que assist & cena fantasmdtica AAs Metistses do Gozo 203 uj realidad foi suspensa. Como devemos conceber, eno, a liga ‘Go entre esta posigdo de testemunha passiva — de puro olhar —€ 0 stlar da violncia «real»? Um dos lugaes-comuns da desconstri- ‘io feminista€ o tema da ligagéo entze olhare poder: aquele que “vé, aqueleeujo ponto de vista organiza e domina o campo visual, também o que detém 0 poder jf na fantasia do pandptico, de Ben- ‘tham, 0 lugar do poder est stuado no olhar central. Nos termos des- ta conceps0, a relagio de poder no cinema é determinada peo facto ‘de olhar masculino controlar o campo visual, enguanto 0 estatuto da ‘mulher € © do object privilegiado do olhar masculino. Tigo das grandes obras-primas de Hitchcock, de Notorious a Rear Window &, todavia, que a dialéctica do olhare do poder é muito mais refinada: 0 othar conota poder, embora simultaneamente, um nivel mais funda- ‘mental, conote precisamente 0 oposto do poder — a impoténcia —, ‘na medida em que acareta a posigao de uma festemunina imobiliza- {a que nio pode fazer mais do que observaro que acontece. ‘A ecente guerra na Bésnia levanta muito crticamente @ questo 4 culpa do olhar: porque € que 0 observador impotent forgado a presenciar um horror inenarcvel parece fatalmente infectado pe! culpa, ainda que endo seja culpa sua»? Tememos oeaso da viola5a0 ‘como «armas, usada especialmente pelos sérvos contra 0s mogul- manos. A forma que assume — 2 violagio de uma rapariga (ou de uum rapsz) na presenca do sew pai forgado a presenciar 0 acto — ‘destina-s a prem andamentoo cireulo viioso da culpa: 0 pai — representante da autoridade, do Grande Outro — é exposto na sua impoténcia mais extrema, © que o toma culpado aos seus préprios ‘olhos como aos da sua filha; a filha é culpada por ser causa da hu: milhagao do seu aie assim por dinte. A viola veicula, portan- to, além do safriment fisio epsiquico da rapariga, a desintegragio de toda a rede social esimbélica familiar (© olhar impotent também funciona na cena primitivas de «A (Carta Roubada>, de Poe: o ministro que escamoteia a carta na pre- senga da rainhae do re; neste caso, 0 olharimpotente € o olhar da ‘aha, que s6 pode observaro acto, pois nada & capa de fazer pa- ‘2.0 impedir, uma vez que qualquer aegio da sua parte revelar 80 ‘a sua cumplicidade. O olhar impotent é,portanto, um elemento do tidngulo que compromete também o olhar ignorante do outro © ‘acto do criminoso torciondrio. Rigorosamente falando,quem &im= 204 Slav ize. Potente neste caso? Em primeiro lugar, como & dbvio, o sujeita do thar impotente. A um nivel mais profundo todavia, hé uma impo- tencia mais radical ue pertence ao tereeiro ignorant, ao Grande Outro, o agente da autoridade social (0 rei,em «A Casta Roubada): ‘0 acto criminoso pe a nu a impoténcia do Grande Outro, sem que este esteja disso consciente2®, O sujelto do olharimpotente $6 pode ‘observar passivamente os facios, dado que as suas mios esto ata- das devido @ cunpilicidade, a solidariedade oculta com 0 crimino- so: em que o Grande Outro osaiba, ele préprio agiu conta si. Esta posiglo de «tesfemunha impotente»€ também um elemento ocisvo da experiencia do sublime: trata-se de uma experincia que se produz quando nos confrontamos com um facto de horror cuja ‘compreensdo excede a nossa capacidade de representaco; € 180 = rmagadora que mio podemos fazer outra coist que nio sea olhar cheios de horror. Mas, ao mesmo tempo, este acontecimento io sus cita uma ameaga imediata para 0 nosso bem-esta fisico, 0 que nos permite manter a distincia segura de un observadot. Kant limita aex- perincia do sublime a exemplos da natureza(o mar embravecida, os, precipicios da montana...) deixando por refer que um acto huma- ‘no pode também detonar essa experincia: 0 acto de tortura e assas- “iio s6 pode ser observado com horror. Thomas de Quincey elabo- ‘ou a sta teoria da «sublime arte de matar» por meio de uma referéncia a Kant; na sua prética litera, raduziu a dimensio subli ‘me em caus apresentando 0 assassfio do ponto de vista do obser- ‘vador (jv criada que sabe que 0 assassino acaba de mata seu patio ‘cexpreta ds portas; o hspede de passagem pelo hotel que observa de ‘um recanto obscuro ao cimo das escadas como assassino massacra toda a familia do proprictrio do hotel). igo da pscandlive diz {que deverfamos adicionar a tortura e 0 assasinio 30 nimero das fo {es de uma possvel expergncia de sublime gozo (sexual) intenso ‘A posiglo do observadorimpotente é também a matriz de uma as cenas emblemiticas do flm noir. Em The Big Sleep, de Howard aawhs, por exemplo, Marlowe observa, sem ser visto, a morte, 38 mos de um assassno estipendiado, de um criminoso de baixo calibre ‘que prefere perder a vida a air a raparign que ama, Talver 0 exemplo mai nitdo sejao que acontece no principio de Scarlet Steet de Pitz Lang, quando Edward Robinson éestemunha da volta explosio de Dan Duryea contra Joan Bennet: cego pelo seu quadro de referéncia, ‘As Metistses do Gozo 205 famasmético, Robinson interpreta mal uma simples sbriga de aman- tes», que Joan Bennet esté manifestamente a gozar, como um so ‘mento do qual énecessrio resgatila. Eta cena proporcionaa chave {4 constelagio do othr impotente 0 elemento insuportivl, raumsti- 0, que o olhartestemunha 6, em kim instncia, 0 gozo feminino, ja preseng suspende a autridade do Grande Outro, do Nome-do- “Paso fantasia a fanasia da ameasada qual a mulher deve ser ore zgatada»)€ um cenio que construimos visando esquivar 9 gozo fe- ‘ninino, O ebte-se numa ctianga» de Freud deve sr suplementado pelo que talvez seja um exemplo ainde mais clementar de cena fan- tasmétca: «Tomur-se/possu-se uma mulher. Porque 6, eno, o observadorpassvo ¢ impotente? Porque 0 seu deseo est cindido, diviido entre o fascinio do g0z0 e a repulsa pe- rate ele; ou — para o dizermos de outro modo — porque & sua in- sia de resgatar a mulher do seu tocionéro tem como obstéculo 0 conhecimentoimplicito de que a vitima esti a gozar 0 seu soti= rmento?®. A capacidade de o observador agir— de resgatar a mulher ‘ima do toreionério ou de si prépria — documenta o facto de ter sido as suas teorias scerea do dreto dos super-homens ao assassio a realizam: tata -se de uma surpresa que prova a snormalidade> de Cadell. Deste mo- ‘do, para funcionar normalmente, a ordem simbilica nio deve ser to- mada «a letra». Quando, por exemplo, um empregado de hotel me ‘cumprimenta com um «Como esté hoje, Senhor?s,a melhor manei- ‘rade Ihe causa surpresa &levar a sua pergunta aséro e responder- -Ihe (eDe facto, tive um dia mau, Primeiro, uma enxaquecaterrvel da parte da mani. Depois...»). Na sociedade do espectéculo, a hiper trofia das «apresentapdesrealistas» imagindriasdeixa cada vez menos, cespago aberto para esta fice simblica. O que se pede com 0 rea- lismo meditico, dos brinquedos aos videos, a experiéncia de «me- nos & mais»: quando ouvinos ums Gpers num CD, 0 priprio facto de «sno yermos tudo» permite que preenchamos esse vazio por meio de uma feo criadora Pelo contro, ha sempre qualquer coisa de vul- ‘Bar numa épera em video, devido justamente ao facto de «vermos sempre tudo». (© que & que se produ, entio, quando esta hipervofia imaginéria satura 0 espago para a fiegdo simbélica? O vazio preenchido pela ‘egio simbslia criadora ¢o object petit a0 objecto-causa do de- sejo, © quatro vazio que faculta 0 espago para que o deseo se arti- cule. Quando este vari esti saturado, a distineia que separa a da rwalidade perde-se: a entra na realdade. Todava, a propria realida- de € constituda por meio da retirada do objecto a: 56 podemos en- ‘war em relagio com a realidade «normal» na medida em que dela ‘seja evacuado 0 g020, na medida em que 0 objecto-causa do desejo estejaausente. A consequéncia necessria da proximidade excess vva de a a respito da realidade, sufocando a sctividade da fiegéo simbslica 6, portant, uma «des ealizago» da préipriarealidade: a ‘As Metistases do Gozo oot realidade jf nfo 6 estrutarada por intermédio de fiegdes simbslicas; as fantasias que tepem a hipervfiaimaginéra intervém neladirec- tamente, € ento que a violEncia entra em cena, sob a forma da passagem ao acto psi. (Quando Hamlet 0 histérico, observa, escondido aris das eortnas, Claudius que reza, nfo é capaz de decidir se o hi-de atacar ou no ‘com sua espada: esta morte de Claus enquanto de came ¢ 0880, rio desferrétamisém um golpe na substincia subline de Claudius, naquilo que & nele mais do que ele proprio», no objecto a? A dvids de Hamlet permite-nos comproender per negariomem a passagem 80 acto psiética. Na psicose, 0a pequeno nio € excluido da realidade io funciona como o vazio do seu quadro formal de reeréncia. Por. tanto, 0 psestco, ao contréto do histérco, no duvida, sabe que a & ccontido pea realidad; € por isso que pode aire maar realmente o ‘outro, desferindo um golpe em a. passagem ao acto psicotica deve ser coneebida como uma tenativa desesperada por parte do sueito de expulsar pela fore ada realidade, conquistando desse modo acesso realidade, (A «perda da realidade> psiestica nfo surge quando algu- ‘ma coisa se perde na realidad, mas antes quando, pelo contri, hi demasiado de uma Coisa na realidade.) sta expulsto de a engendra ‘também/a maiz de uma violencia gurreirawirracional».Talver aes- ‘e propésito,a leitura que Richard Rot faz do 1984, de Orwell, pos- sasernos iti a propésto da qucbra de Winston is mos de O'Brien, 0 seu toreionétio, Romy assinala que as pessoas podem experimentat 8 humiagso lima de se dizerem a i pps, retrospective mente: «Agora que are nso ou que 0 dese, nonca mais poe soser 0 que espera ser, que pensava que er isrit que an dava a contarae sobre mim préprio.. no tem sentido 8 n80 tenho um ev-prépria a pati do qual poss prc sentido, No hs tum mundo em que poss desceverme come seu hbitante, porque no hé vocabulro coerente em que posse Conta sobre mim pepo tua histria coerentes. ara Winston, enunciado que no pode pro- rmunciar com sincerdade continuandocapaz dese econsruii pr prio foi «Faz isso Julia», ea ior ois do mundo, vu-se que eram ‘tos. Mas podemospresumir que cada um de més mantém relagio semelhante com algum enunciadoe com alguna coisa, 208 SlavojZitek ‘Uma das proposiges fundamentas da psicandis lacanianaé que este enunciado ou coisa que eavolve 0 ncleo do ser do sueito para lem das identficagbes imagindvas &imedutivelmente descentrado porreferncia ji estruturasimbolia que define a identdade do suje- to: osueito 6 pode confrontar-se com este nicleoex-timado ao pre- 0 da sua afinisetemporia. Esso que designa a fémula lacaniana tho fartasma — § <—> a —: a autorasura do sueto frente a este corpo estranho, imepreensivel. Ne~ ‘nhuma experiéneia «no ideol6gicar, por mais eauttica» que se 4, garantré que no sejam levadas a cabo, em seu nome, politics de horror. Nao serio talvez Os irmdos Karamazos, em Dostoievski, ‘um supremo exemplo lterério deste mesmo paradoxo? Como hoje sabemos, gragas aos fragmentos postumamente publicados, Alios= cha, modelo de espiritualidade inocentee humilde, na continuagio, «ue ficou por eserever do romance, torar-s-ia terrorist revolucio= nro. Passou a ser moda hoje entrevista os skinheads sem su easa>, mostrando que, no seu meio doméstico, sio «gente normal, como, 1s», membros de uma familia, maidos ou filhosafectuosos; tam ‘bém neste caso ha uma contradi¢do com que nos confrontamas: & ‘mesma pessoa pode agredirbrutalmente os imigrantes, mas ser, no circulo familar, um marido amantissimo, que se ocupa da sogra ve- Ia e invlida.. © caso do skinhead em familia € ainda mais laro ‘do que o do Pee Joseph, uma vez que € um easo exemplar da wcoin- ‘idencia dos conirios» hegeliana: um skinhead brutal nfo € @ po- sigio exterior — a0 outro — ao homem de faiia sentimental, mas, ‘esse mesmo homem de familia sentimental na sua alteridade: ou se- ja, representa a reaceo brutal do mesmo homem quand a seguran- ‘54 do seu refigio familiar 6 ameagada. Poe outras palavas, 0 ski- ‘nhead que se enfurece e desencadeia a suas agressdes conta seles» ‘sem qualquer fundamentoracional ou ideol6gico «ms profundon, simplesmente porque iso 0 afaz sentir-se bem», no € outro seno © individuo narcisista da chamada «sociedade de consumo», sob uma outra versio: a finha que separa as duas vers6es € extrema ‘mente tn; a transformagio que se opera épurament formal, uma ver que estamos perante uma e a mesma atitude fundamental ins , os linchamen- tos do Ku Klux Klan). © exemplo do skiviead invete quae sine tricamente os anteriores: nele, € a propria superficie que se exibe fmanchadar 0 skinhead realize pent o olhsrpabica 9 qe o& {ois soldados de A Few Good Beno os membros do Ku Kl Klan fazem nasomba, a0 mesmo tempo qe o su lad choneso», shi mano», erefupia na esfera priv, Apsar da creldade das sas sexes plies osinhead él privado una pessoa dada de seitmentos, como ns que tem amor’ sua mie em ez de uma fi ‘pic de ordem com um revesochaceno, tems aqui uma face tio que esconde um reverso afeetuoso, hones, shumano>. & {qurluer cosa de tmelhant que funciona na hagigratiaestalinis- the Lenine: os textos exalts adit aberment qe Len ne, no seu esforgovisandoocumpriment da necesidde istic, Se viv obrigao recorer «medi mes, ou sepa vol nor. tas moras burgisas ea onéenra execgio sumaria de grid ni- ter de pessos;no enfant, s sonatas pra piano de Beethoven Comoviam-no intensament,gosava de cianges ede gato... AS- sim, ext cifleenga €precisment a dferenga ee 0 pode radi ional eo poder sais: no pineio,o super ae lanes namie, ao paso que,naordem stair» spdera. do esas0 public, co chamado ccalor humano» emerge como tragoprvado fas pessous quis a necssdadehistrca pe a realizagao de hornet chase. (0s recentes acontecimentos na ex-Jugoslévia provam que um dos ais estipidos provérbios que temos é 0 célebre wcompreender & perdoar».O que pode significaro provérbio a propdsto do massacre mnico na Bosnia? «Compreender> os sérvios significa transpormo- nos para a sua compreensto de si proprios, ¢ reexperimentar» 0 ‘modo como percebem e justficam os seus actos, mergulhar no bric- <-brac dos mitossérvios, que Ihesservem para narativizar a sua ex- petigncia histérica. O paradoxo que se trata de enfrentar é que a ‘monstruosidade dos crimes sévios em nada diminui a autenticidade ‘ua espécie de beleza tgiea que esto presontes nesses mito. Bis onde reside a atiude ética da psicanalise 0 reverso baptizado por Lacan wla traversée du fantasmes, a travessia do fantasma: na a6 Slavo) Zita distncia que devemos assumir em relaglo 20s nossos sons mais, ‘auténticos», 20s mitos que garantem a coeréncia prbpria do nosso, universo simbélico. Notas 1.0 que ang tam um nove uz sobre a essai das Fras arms note-amercoms a Tealizaglo do estat dos homessestals mas ua eis a peépei estrutra bial da vide no exellent bo mossexunl quer ie esp da comunidad (mia) ora se uma bomosseualidade enegada, uma honvnsexuaidade contra, impel dade alcangaro Sev avo (elgeemmt). Pris, 0 econhesmet bio, dolar, da homonsesbliade mira a cblimasow pervess ‘ue cotigua spp Date do expt da coma (la 2 Dogue asim fen et, poe dereendese qe args de Sade ni x, de prio, sco: subvert, tomava inoperant, align do sais 30 ‘xia pbliamente nos seus eset: tl, jastamente, eso itl ‘el do ponto de isa do sadism popriament di. Eis, portant, o reve. $9 nostro cbsceno, do pode sition no poe sabreviver a0 set prio desvelamesto pico (Nes sent, Lacan sina ue Sade no ra fins do seu propo fatasma sic: es dita mantis Tap ao seu fnisna gue the permits rvear 0 sen modo ce fncons- ‘mento O eon da dade Sade wade; o elemento nia shea & ela implementa ss ong de enncigs, sto 60 fat Se ba ah ‘Soeltem condges de oormalir Exe ato de pcm plas ana ‘nn sco sta 6 propo Sade do lado d vii 3. CF JeanCloude Mier es noms instincts, Pas, Sei, 1981 4 Lous Althusser, Ideology and Lcologieal ite Apparatses,em Este in delog) Londres, Vers 1984.13. 5. Pode verse uma dserigio mais completa do modo come Tha tics fundamen poeta? Nin eres Verne francs Spor tem as conequtacias do seu pipe deseo verde que 3 pre ‘mono que tem do destino do seu dup toma, asses ols, sive? 16. Eu pri ced a ua tent do género no mocap do mea Loo ‘ing ary, Capiwsdg, MA, MIT Press, 1991, onde propo a mixin: ‘tp voles wespago da fnasia do euro» come complement daca nian de persitaca no deseo pop. 19, Part una ltrs cian eta due kanina, ver Alenka Zopant ie Bit des Realen,Kan-Laca, Via, Ta & Kant, 198, 29. Lan, The Few Fundamental Concepis of Psych-Analisp. 21d p- 20. 22 dd 281. 25. ejase capil 6 de Slav) 2k, Taryn wih the Negaive, Dua, 1NC, Date University Pres, 1993. Esa insesbilidae do fants rai ‘a prate «epumensg racionasimblic significa que femasma ote ser moto to dit, Referino-ns aga, como € Sv, 3 opoo ‘ritgensciniana do Tracts, dagllo sobre que demos fala € alo {ue a6 pode ser mostra: poems falar estas, soa, fap tin {oe au por dan, demos interpret-os, mas, quant 9 fantasma sr aro fantastico — €or for de vi (pies), qe od po eset por mio de um geo poramente oensvo 24, Para eslreer de que modo est expos. est cacenao poblc J i ‘eo lanasmaico obsceno de um ec Melee soapende su ia ‘Shonamento nora, odeosevecar um fenszeno homelogo ma esfera da ‘xperigci individ ea um d stem um ital oma ase (acuta, ‘82 ou gst privaio, que wa exlsivamente no tela mais aime dos 208 SlavojZitek ‘Uma das proposiges fundamentas da psicandis lacanianaé que este enunciado ou coisa que eavolve 0 ncleo do ser do sueito para lem das identficagbes imagindvas &imedutivelmente descentrado porreferncia ji estruturasimbolia que define a identdade do suje- to: osueito 6 pode confrontar-se com este nicleoex-timado ao pre- 0 da sua afinisetemporia. Esso que designa a fémula lacaniana tho fartasma — § <—> a —: a autorasura do sueto frente a este corpo estranho, imepreensivel. Ne~ ‘nhuma experiéneia «no ideol6gicar, por mais eauttica» que se 4, garantré que no sejam levadas a cabo, em seu nome, politics de horror. Nao serio talvez Os irmdos Karamazos, em Dostoievski, ‘um supremo exemplo lterério deste mesmo paradoxo? Como hoje sabemos, gragas aos fragmentos postumamente publicados, Alios= cha, modelo de espiritualidade inocentee humilde, na continuagio, «ue ficou por eserever do romance, torar-s-ia terrorist revolucio= nro. Passou a ser moda hoje entrevista os skinheads sem su easa>, mostrando que, no seu meio doméstico, sio «gente normal, como, 1s», membros de uma familia, maidos ou filhosafectuosos; tam ‘bém neste caso ha uma contradi¢do com que nos confrontamas: & ‘mesma pessoa pode agredirbrutalmente os imigrantes, mas ser, no circulo familar, um marido amantissimo, que se ocupa da sogra ve- Ia e invlida.. © caso do skinhead em familia € ainda mais laro ‘do que o do Pee Joseph, uma vez que € um easo exemplar da wcoin- ‘idencia dos conirios» hegeliana: um skinhead brutal nfo € @ po- sigio exterior — a0 outro — ao homem de faiia sentimental, mas, ‘esse mesmo homem de familia sentimental na sua alteridade: ou se- ja, representa a reaceo brutal do mesmo homem quand a seguran- ‘54 do seu refigio familiar 6 ameagada. Poe outras palavas, 0 ski- ‘nhead que se enfurece e desencadeia a suas agressdes conta seles» ‘sem qualquer fundamentoracional ou ideol6gico «ms profundon, simplesmente porque iso 0 afaz sentir-se bem», no € outro seno © individuo narcisista da chamada «sociedade de consumo», sob uma outra versio: a finha que separa as duas vers6es € extrema ‘mente tn; a transformagio que se opera épurament formal, uma ver que estamos perante uma e a mesma atitude fundamental ins , os linchamen- tos do Ku Klux Klan). © exemplo do skiviead invete quae sine tricamente os anteriores: nele, € a propria superficie que se exibe fmanchadar 0 skinhead realize pent o olhsrpabica 9 qe o& {ois soldados de A Few Good Beno os membros do Ku Kl Klan fazem nasomba, a0 mesmo tempo qe o su lad choneso», shi mano», erefupia na esfera priv, Apsar da creldade das sas sexes plies osinhead él privado una pessoa dada de seitmentos, como ns que tem amor’ sua mie em ez de uma fi ‘pic de ordem com um revesochaceno, tems aqui uma face tio que esconde um reverso afeetuoso, hones, shumano>. & {qurluer cosa de tmelhant que funciona na hagigratiaestalinis- the Lenine: os textos exalts adit aberment qe Len ne, no seu esforgovisandoocumpriment da necesidde istic, Se viv obrigao recorer «medi mes, ou sepa vol nor. tas moras burgisas ea onéenra execgio sumaria de grid ni- ter de pessos;no enfant, s sonatas pra piano de Beethoven Comoviam-no intensament,gosava de cianges ede gato... AS- sim, ext cifleenga €precisment a dferenga ee 0 pode radi ional eo poder sais: no pineio,o super ae lanes namie, ao paso que,naordem stair» spdera. do esas0 public, co chamado ccalor humano» emerge como tragoprvado fas pessous quis a necssdadehistrca pe a realizagao de hornet chase. (0s recentes acontecimentos na ex-Jugoslévia provam que um dos ais estipidos provérbios que temos é 0 célebre wcompreender & perdoar».O que pode significaro provérbio a propdsto do massacre mnico na Bosnia? «Compreender> os sérvios significa transpormo- nos para a sua compreensto de si proprios, ¢ reexperimentar» 0 ‘modo como percebem e justficam os seus actos, mergulhar no bric- <-brac dos mitossérvios, que Ihesservem para narativizar a sua ex- petigncia histérica. O paradoxo que se trata de enfrentar é que a ‘monstruosidade dos crimes sévios em nada diminui a autenticidade ‘ua espécie de beleza tgiea que esto presontes nesses mito. Bis onde reside a atiude ética da psicanalise 0 reverso baptizado por Lacan wla traversée du fantasmes, a travessia do fantasma: na a6 Slavo) Zita distncia que devemos assumir em relaglo 20s nossos sons mais, ‘auténticos», 20s mitos que garantem a coeréncia prbpria do nosso, universo simbélico. Notas 1.0 que ang tam um nove uz sobre a essai das Fras arms note-amercoms a Tealizaglo do estat dos homessestals mas ua eis a peépei estrutra bial da vide no exellent bo mossexunl quer ie esp da comunidad (mia) ora se uma bomosseualidade enegada, uma honvnsexuaidade contra, impel dade alcangaro Sev avo (elgeemmt). Pris, 0 econhesmet bio, dolar, da homonsesbliade mira a cblimasow pervess ‘ue cotigua spp Date do expt da coma (la 2 Dogue asim fen et, poe dereendese qe args de Sade ni x, de prio, sco: subvert, tomava inoperant, align do sais 30 ‘xia pbliamente nos seus eset: tl, jastamente, eso itl ‘el do ponto de isa do sadism popriament di. Eis, portant, o reve. $9 nostro cbsceno, do pode sition no poe sabreviver a0 set prio desvelamesto pico (Nes sent, Lacan sina ue Sade no ra fins do seu propo fatasma sic: es dita mantis Tap ao seu fnisna gue the permits rvear 0 sen modo ce fncons- ‘mento O eon da dade Sade wade; o elemento nia shea & ela implementa ss ong de enncigs, sto 60 fat Se ba ah ‘Soeltem condges de oormalir Exe ato de pcm plas ana ‘nn sco sta 6 propo Sade do lado d vii 3. CF JeanCloude Mier es noms instincts, Pas, Sei, 1981 4 Lous Althusser, Ideology and Lcologieal ite Apparatses,em Este in delog) Londres, Vers 1984.13. 5. Pode verse uma dserigio mais completa do modo come Tha tics fundamen poeta? Nin eres Verne francs Spor tem as conequtacias do seu pipe deseo verde que 3 pre ‘mono que tem do destino do seu dup toma, asses ols, sive? 16. Eu pri ced a ua tent do género no mocap do mea Loo ‘ing ary, Capiwsdg, MA, MIT Press, 1991, onde propo a mixin: ‘tp voles wespago da fnasia do euro» come complement daca nian de persitaca no deseo pop. 19, Part una ltrs cian eta due kanina, ver Alenka Zopant ie Bit des Realen,Kan-Laca, Via, Ta & Kant, 198, 29. Lan, The Few Fundamental Concepis of Psych-Analisp. 21d p- 20. 22 dd 281. 25. ejase capil 6 de Slav) 2k, Taryn wih the Negaive, Dua, 1NC, Date University Pres, 1993. Esa insesbilidae do fants rai ‘a prate «epumensg racionasimblic significa que femasma ote ser moto to dit, Referino-ns aga, como € Sv, 3 opoo ‘ritgensciniana do Tracts, dagllo sobre que demos fala € alo {ue a6 pode ser mostra: poems falar estas, soa, fap tin {oe au por dan, demos interpret-os, mas, quant 9 fantasma sr aro fantastico — €or for de vi (pies), qe od po eset por mio de um geo poramente oensvo 24, Para eslreer de que modo est expos. est cacenao poblc J i ‘eo lanasmaico obsceno de um ec Melee soapende su ia ‘Shonamento nora, odeosevecar um fenszeno homelogo ma esfera da ‘xperigci individ ea um d stem um ital oma ase (acuta, ‘82 ou gst privaio, que wa exlsivamente no tela mais aime dos 218 Slavoj Zee mise famaes mas péximos; quando esses situs toa pl fei necessviamente de exten prt e vero: Qt ‘ok que ater ps engl 25. Agia ieee de his pervert pscose pode omar se jst ‘mete por refréei estat da pent em ada um dos eas. Na Tinter oppo mj em oes de un pergut dip 0 Gra. se Outro perguna que arculaa sus anid elavaente 30 ee tuto ab othos d Out: «Que so eu prs 0 Outro?» Ne perveso, ape sna 6 deshcada para 0 Outro — ot st um perverse a esos (ah ‘omnis eins, qu sabe o quo povoreamene quer a como do vo real, que € confuc e desoentado pela propgands nimipa, a0 mesmo eno qo petzunt impos 0 Ouro, no qual opevena see Feng por desperar aside. Na sca,» dines da peru emp ecto stoma piso (acing, pr exemio) ua srespota ‘ean send preciso de una espesa sem peguns um eponts QUE io €posivel star no Seu caren smb poten gosh och Toda comuniepao em goo suet fate ace do destinatrio s a p- ia ensagem soba sus forma verdad vera quer ier em que alae, gas sua desta, fudmans espa a epost pov Napsiose, vemos uma epost qu mage som 0 sex conto sma 26, Pode exairsem conclusio de que «A Cara Roba ta raiment das consequtacas da imporaca do re: Poe dno 3 enende qi os redo da sca robadar slo os mores itor da rain E pone pro ara rina um aman, se no pel ineapsidade por pare do rei dea tater? 27, Neuse 0 capt Ide Joe Blick, The Aesteie of Murder, Baltimore, IMD, Fons Hopkins Univesity Press, 1991, 28, Esta miseriosh gua do tciondeo que exec 3 wu inflagci sobre & mule e impede 0 scesso do suelo ala avo final ds expos devo. Tenia d suet, aml aque Lacan cha Pai Gono [Pée-foussance, image fanasadica do senor dogo einino,o precio conrad ‘ai simbslco mort, cua mote significa samen qo é po ino i ‘orate do goo. Save esa igura Jo Pa Gor, er capo 46 la) ‘its, Enioy Your Symp! 29. Traase de uma costlato gue funciona numa sre de mes americas, de Searchers de J Fed Tass Driver, de Marin Sears, em ie Tr ‘vis Robert de Ni) recor «una Violets paagem ao aco par esa ‘vero impasse ds rel coma jose peta que sects sre {nada Jods Foster). Co cpio de Blac, The Aes of Marder 30, Richard Rory, Contingency ony, and Soda, Cambridge, Cambridge University Pes, 1989, 9.17. 1. Nersobre tm ip de lias ete anise eos motvos de umn (p= ida memria cdo senda da deidase) gue ve enon 0 fm not © ‘apt 5 de Zee, Ej Your Symp! 52-Tento inédito, Violence et paiigbe, pp. 24.25. Apéndice

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