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O VOCABULÁRIO DE PARENTESCO DRAVIDIANO COMO

EXPRESSÃO DO CASAMENTO*.
Louis Dumont

Este paper 1 nasce de duas fontes. De um lado a familiaridade direta com este
vocabulário de parentesco me fez sentir mais fortemente seu caráter sistemático, lógico.
Não posso deixar de pensar que este vocabulário tem seu centro no casamento e que
deve ser possível exprimir seus dois traços numa fórmula simples. Mas, em se tratando
de fazê-lo, encontrei uma resistência considerável das idéias antropológicas correntes.
Por isso sugerem-se algumas observações críticas**.

Preliminares

Os traços principais são bem conhecidos: classificação de acordo com as


gerações, distinção de sexo, distinção de dois tipos de parentes no interior de certas
gerações, distinção de idade. Desde Morgan, que baseou seu segundo tipo de família,
também chamado “punaluan”, nos sistemas Dravidiano e Sêneca-Iroquês, este tipo de
terminologia, conhecida como tipo Sêneca ou Iroquês Dakota, e uma das mais
amplamente disseminadas, tem desafiado os antropólogos. Rivers, estudando os
sistemas dravidianos, constatou que sua principal característica é a distinção entre
primos paralelos e primos cruzados e corretamente conectou algumas dessas
características ao casamento de primos cruzados, porém, tentando dar conta do todo,
propôs a existência de um hipotético estágio anterior de organização dualista.
Descrições menos satisfatórias, quando encontradas na literatura moderna, testemunham
a dificuldade encontradas pelos acadêmicos em familiarizar-se com esta importante e
relativamente simples terminologia. Ainda em 1947 encontramos mantida a
denominação de “fusão bifurcada” [ou assimilação bifurcada], tipo introduzido
previamente com a seguinte explicação: “bifurcado porque nele os parentes paternos e
maternos são distintos; e fusão/assimilação à medida que há assimilação parcial dos
parentes”, uma definição obviamente inexata e confusa já que a distinção não é entre os

*
N.T: Traduzido de “The Dravidian Kinship terminology as na expression of marriage”, publicado na
Man, 53 (Mar., 1953), pp. 34-39)
N.T.2: Ao longo do texto o termo “relatives” foi traduzido como “parentes”.
1
Gostaria de expressar meus agradecimentos ao Professor Evans-Pritchard pela discussão deste paper e a
D. Pocock pela sua ajuda em sua preparação. A abordagem estrutural, apesar de diferente, é largamente
inspirada no trabalho de C. Lévi-Strauss, L’Analyse structurale em linguistique et anthropologie, Word,
New York, vol. 1, n.2, Agosto de 1945. Para uma abordagem estrutural das atitudes [?] E. E. Evans-
Pritchard. The Study of kinship. Man, 1929, 148 e 1932, 7.
* *
N.T.: Na versão em francês deste paper, publicada alguns anos depois, esta introdução breve
foi ligeiramente modificada por Dumont. Por considerá-la mais esclarecedora, transcrevo-a a seguir: “O
estudo nasceu de um desacordo entre a experiência de campo e a concepção corrente. De um lado a
familiaridade direta com este vocabulário de parentesco me fez sentir mais fortemente seu caráter
sistemático, lógico. Não posso deixar de pensar que este vocabulário tem seu centro no casamento e que
deve ser possível exprimir seus dois traços numa fórmula simples. Mas, em se tratando de fazê-lo,
encontrei uma resistência considerável do lado das idéias antropológicas correntes. É por isso que
algumas observações críticas gerais se impõem de início” (Le vocabulaire de parenté dravidien comme
expression du Marriage. (1975). In: Dravidien et Kariera: L’alliance de marriage dans L’Inde du Sud, et
em Australie. Paris : EHESS ; Mouton Editeurs).

1
lados materno e paterno, que são, pelo contrário, tratados pelo mesmo princípio, como
já havia sido esclarecido por Rivers. Mesmo quando o princípio da “solidariedade do
grupo de germanos [siblings]” é invocado, nós retornamos à mesma confusão, pois a tia
paterna é assim assimilada ao pai, e o tio materno, à mãe2.
Tudo isto exigiria uma explicação e alguns dos que considero serem os fatores
que produzem esses equívocos serão encontrados abaixo. Talvez possa ser dito que, no
geral, a terminologia não foi ainda considerada em si, mas em termos de outros aspectos
do parentesco, de fatos relacionados, mas diferentes dela. Ao mesmo tempo, a
terminologia foi apressadamente definida como irracional, sem contar com uma
descrição precisa. Isso é tão verdadeiro que, quando Kirchhoff, que ao invés de defini-la
quis apenas descrevê-la, acabou chegando perto de uma explicação. Ele afirma, em seu
tipo D, a existência de “uma palavra comum para pai e irmão do pai, mas uma palavra
diferente para irmão da mãe” (etc. em duas colunas)3. Vamos partir deste ponto para
algumas observações suplementares. Aqui, na geração do pai, há apenas duas classes de
parentes masculinos. Em seguida há duas classes que nós não devemos enfatizar porque
o pai e o irmão da mãe são alocados nestas duas classes, na verdade substituindo a idéia
de uma relação dualística pela de uma única classe, como faríamos se propuséssemos,
por exemplo, que o “irmão da mãe” fosse o significado básico e, os demais, extensões4.
Além disso, o irmão da mãe é também o sogro e a suposição corrente segundo a
qual o significado da afinidade é aqui secundário, sendo o significado cognático o valor
primário, é fundada somente sobre a noção corrente de que a situação de parentesco de
alguém precede necessariamente de seu casamento, uma idéia completamente deslocada
aqui porque somente a análise do sistema pode revelar o real significado da categoria.
Todas essas suposições arbitrárias nascem de nossa própria forma de pensar,
inconscientemente sobreposta às formas nativas. Devemos nos negar a aceita-las e
manter diante de nós a questão: qual é o princípio da oposição entre essas duas classes
de parentes que chamamos de pai e irmão da mãe? Desde que consideremos que a
oposição substitui o que lhe é de direito [ou esta oposição como existente nela mesma] e
não aceitemos que o princípio desta oposição esteja na relação com o Ego,
proporcionando que visualizemos o contexto do sistema como um todo [e considerando
a relação com o sistema como um todo, podemos encontrar uma resposta aproximada]
(ver nota 7 adiante).

2
Lewis Morgan, Ancient Society, London, 1877, pp. 424-42; W.H.R. Rivers, Kinship and social
organization, London, 1914; pp. 47-9, 73; vide ainda ‘The marriage of cross cousins in India’
J.R.As.Soc., 1907, pp.611-40.
‘Bifurcate-Merging’ R.H. Lowie. ‘A note on relationship terminologies’. Amer. Anthrop., 1928, p.265f.
cf. G.P. Murdock ‘Bifurcate-Merging, a test of five Theories’. 1947, pp. 56-68
'Solidarity of the Sibling Group': A. R. Radcliffe-Brown, em African Systems of Kinship and Marriage,
Introduction, p. 25.
3
P. Kirchhoff.‘Verwandtschaftsbezeichnungen u. Verwandtenheirat’, 'Zeits. für Ethnol.,Vol. LXIV
(1932), pp. 4I-72; cf Lowie, Social Organization (1948), London, I950, p. 63.
4
Para um protesto vigoroso contra este tipo de extensão ver A. M Hocart, “Kinship Systems”, Anthropos,
vol. XXXII (1937), pp. 545-51 (Reimpresso em Live-giving Mith), London, (Mathuen), 1972.

2
É muito provável que o princípio da oposição se encontre nesta relação. Pode ser
que nossas idéias preconcebidas resistam a tal ponto de vista, mas elas não deveriam
ceder se os fatos assim o exigem? Chamaremos esta relação de uma relação de aliança,
como uma relação que nasce entre dois entes do sexo masculino (ou feminino) e seus
irmãos (germanos) do mesmo sexo, assim que uma irmã (“um irmão”) de um (a) se casa
com o (a) de outro:

Ou mais genericamente:

Esta relação exprime o fato de que se o casamento cria uma relação entre duas
pessoas de sexos diferentes, conecta-se também com os seus grupos. Em uma fórmula
equivalente eu mostrarei ainda como exprimir o fato de dois homens (ou mulheres)
estabelecerem uma relação de aliança como afins masculinos (ou femininos).
Em outra forma de expressar o mesmo fato, embora não completamente errado,
mas que considero menos exato, e o criticismo, sob o qual eu jogarei mais luzes, da
resistência inconsciente dos antropólogos à idéia classificação. É possível estender a
distinção entre primos cruzados e paralelos para falar de parentes em geral, paralelos e
cruzados, pelo princípio da distinção [determinando] se há ou não uma troca de sexo
quando se passa da linha direita à linha colateral. Segui esta doutrina num estudo
monográfico de parentesco entre uma comunidade Tamil-falante5. Mas toda a
passagem, embora com tendência a uma visão sintética, é, temo eu, obscura. A fórmula
não satisfaz por dois motivos: (i) apesar dos nativos passarem de uma linha para outra
quando rastreiam as relações, estas não estão entre suas categorias básicas e não estão,
nem ao menos, expressas em sua teoria; (ii) O sistema tem muito o que melhorar a
respeito do casamento, e isto poderia aparecer mais claramente, se fosse possível, nessa
fórmula. De fato, o antropólogo sozinho é o responsável pela introdução deste conceito
insatisfatório de “mudança de sexo”. Ele faz isso porque quer rastrear através de um
parente do sexo oposto uma relação que o nativo concebe – quando pensa
classificatoriamente – de uma maneira diferente. Como exemplo, nós introduzimos a
mãe como um elo entre Ego e o irmão de sua mãe, quando, de fato, o último é apenas
oposto ao pai. Dois erros convergem aqui: (i) a tendência de ‘extensão’ confunde toda
uma classe com o atual irmão da mãe; (ii) a introdução de um nome descritivo,
ocidental, traduzido por ‘mãe’, só é relevante neste nível como elo pelo qual a relação
entre pai e irmão da mãe vem a existir. Se, contudo, nós concordarmos em considerar os
termos para os dois sexos separadamente, (como é normal num sistema onde os termos
para mulheres são distintos, e não meras formas/versões femininas dos termos
masculinos) em uma perspectiva classificatória, as dificuldades desaparecem.
Após esta morosa, mas necessária discussão, nós podemos agora definir o
problema.

5
Fórmula de Lévi-Strauss nas Estruturas Elementares do Parentesco (1949). Eu espero que minha ênfase
no parentesco seja entendida como inspirada neste trabalho. L. Dumont, “Kinship and alliance among the
Pramallai Kallar”. Eastern Anthrop. Lucknow, vol. IV, n. 1, set-nov. (1950-1), pp. I-26. (mas com várias
erratas) ver p. 5-12 como numa primeira tentativa nesta presente direção

3
Limites e natureza da análise

Desde Morgan tem sido reconhecido que os sistemas terminológicos utilizados


pela maioria das comunidades falantes de uma das quatro linguagens dravidianas (algo
em torno de 70 milhões de pessoas) são muito semelhantes. O que acontece com esse
montante quando cada linguagem usa diferentes termos, quando novamente em cada
linguagem a lista atual de termos difere ligeiramente de um grupo para outro, e quando,
além disso, somente alguns poucos tipos de listagens são registradas entre o vasto
número das existentes? É possível abstrair algo como um sistema terminológico
comum? É, graças ao caráter sistêmico de uma notável estrutura constante. E não
negaremos que o esforço será mais lógico que estatístico. Nem todos os grupos
conformam-se perfeitamente com o sistema delineado adiante – por exemplo, alguns
Tâmil Brahmins alteram o sistema consideravelmente pela introdução de um número de
termos individualizantes, ou os Nayar, que atualmente não distinguem entre primos (de
acordo com Madame Bierdeau), mas pode-se dizer que a maioria das listagens estão
centradas num esquema comum, do qual diferem ligeiramente e individualmente. O
exemplo das listagens Tâmil e a dos Kanarese ilustram isso quase perfeitamente6.
Os limites da análise podem ser definidos como próximos ao núcleo vital do
sistema: eu deveria considerar apenas as características classificatórias comuns numa
faixa de cinco gerações.
Um ponto importante é que a natureza da tarefa compele-nos a considerar que a
distintividade dos termos denotam as classes, suficientemente independente da sua
forma lingüística concreta. Isso é um feliz acaso, porque permite a análise do
desenvolvimento no nível mais básico da estrutura do sistema, considerando que tal
análise geralmente mistura-se com as considerações lingüísticas, bem como com as
considerações das atitudes ou instituições que pertencem a um diferente nível de análise
e as quais são excluídas aqui pela grande diversidade do quadro. A necessidade de
acentuar o casamento entre primos cruzados parecerá mais evidente no
desenvolvimento de nossa elaboração.
Uma breve explanação da expressão usada acima é necessária: “a distintividade
dos termos denota as classes”. A distintividade dos termos é o problema central, como
eles são utilizados para distinguir (i.e. opor) classes. Mas, inversamente, diferenças
lingüísticas que não são utilizadas para opor classes são irrelevantes aqui, e é por este
motivo que acrescento as palavras “denotam as classes”. Por exemplo, diferentes
palavras aplicadas exatamente aos mesmos parentes são irrelevantes ou ainda,
secundariamente, diferenças dentro de uma classe (obtida pela afixação, etc.) são
irrelevantes na medida em que não alteram a sua unidade (porque, por exemplo, a
palavra da classe ou raiz da palavra é mantida em todas). Novamente, semelhanças
podem existir entre os termos de diferentes classes, na medida em que as classes não
estão em oposição direta. Todos estes fatos são de interesse, e podem mesmo ser
encontrados de forma comum em todas as nossas terminologias; mas eles não são parte
da estrutura básica. (limitações de espaço impedem que esses pontos possam ser
desenvolvidos e exemplificados aqui como deveriam ser). Nossa situação é similar a
daquele foneticista: assim como este isola entre as particularidades fonéticas apenas
aquelas que diferenciam sentidos, nós aqui isolaremos entre as particularidades

6
As lista de Morgan são mais completas (Systems, p. 518f.) para os Tamil, Tegulu e Kanarese, como
destaca Mrs. I. Karve num estudo a ser publicado.

4
lingüísticas apenas aquelas que diferenciam os parentes. E mesmo (por enquanto),
somente a classe fundamental destes.
O sistema assim definido classifica todos os parentes de cinco gerações do avô
ao neto em 16 classes pelo uso de 16 distintos conjuntos de termos. As gerações são
como uma regra absolutamente distinguida; não há nenhuma assimilação de parentes
pertencentes a diferentes gerações. Adicionalmente, a geração de Ego é dividida em
duas pela distinção de parentes mais velhos e mais novos que Ego: esta distinção de
idade pode ser tratada como análoga à divisão entre gerações (a distinção de idade em
outras gerações, e.g. do pai, é marcada não pela distinção de termos, mas por adjetivos
prefixados; consequentemente, não é relevante aqui, como foi estabelecido em nosso
primeiro ponto). Alguns destes termos têm uma forma masculina e outra feminina,
alguns têm apenas uma forma, para a versão masculina ou feminina, e esta é a regra
onde a distinção central e crítica que a segue está totalmente mantida. Em cada grupo de
idade ou de geração, os parentes do mesmo sexo são distinguidos em duas classes. No
quadro (Fig 1), cada classe é designada por uma letra, de A a P, distribuídas
simetricamente para acentuar a oposição.

Geração ∆ Ο Ο ∆
Avô A(+fem.A’)
Pai B C D E
Ego > F G H I
Ego Ego < J K L M

Filho N(+fem.N’) I
O[=k+N]*+fem.O’
Neto P=fem.P’
Para a instância Tâmil, onde k provavelmente significa
casamento. A conexão linguística entre N e O é enfatizada
aqui como uma exceção.
FIG 1
A são os ‘avós’, B os ‘pais’, C as ‘mães’, as ‘irmãs dos
pais’ e ‘sogras’, E os ‘irmãos das mães’ e ‘sogros’, F os
‘irmãos mais velhos’ que ego, J os mais novos, I e M
‘cunhados cruzados’ mais velhos e mais novos, G, K,
‘irmãs’ e H, L ‘cunhadas cruzadas’, respectivamente mais
velhas e mais novas, N os ‘filhos’ (fem. Para filhas), O os
‘sobrinhos’ e ‘sobrinhas’.

Contudo, para a conveniência dos leitores, forneço os equivalentes ordinários;


não devemos nos basear pelo mínimo mas, pelo contrário, tentar deduzir o significado
de cada classe da sua situação como um todo.
Algumas qualificações são necessárias, tendo em vista o valor da tabela. A
classe D tende a ser dividida entre os grupos Tâmil que eu tenho estudado, mas a
clivagem nunca é a mesma, e os dois termos nos quais ela é baseada são largamente
intercambiáveis, assim, se isto é possível entre os Tamil, não é possível generalizar. Na
região HILM eu tenho que escolher entre duas variantes, a outra variante não aplica
distinção de idade neste grupo. As duas podem ser tidas como igualmente consistentes.
Para N e O esta é a situação entre os Tamil, enquanto em outros lugares a distinção
central e a de sexo são mais evidentes.

5
Agora vamos descobrir, ou antes confirmar, a natureza do princípio da oposição
central e desta forma definir o significado fundamental de cada classe (como distinto de
seu significado lingüístico, ver adiante) e tentar entender a forma pela qual as diferentes
distinções são combinadas e a ordem desta extensão.

A geração do pai

Vimos anteriormente que a relação de aliança define o irmão da mãe em relação


ao pai. Mas o pai é definido ele mesmo em relação ao Ego. Consideremos agora a
natureza da última relação e das duas juntas. Fazendo isso, não devemos esquecer que
apesar de termos tomado o exemplo genealógico particular do pai, nós estamos lidando,
na verdade, com toda uma “classe” de pais. Na relação, ou como eu prefiro dizer, na
oposição, entre Ego e o pai de Ego, há dois elementos, um dos quais é comum a ambos,
enquanto o outro os diferencia. O elemento que é comum a ambos os termos da
oposição eu chamo de “base” da oposição, enquanto o elemento diferenciador eu chamo
de “princípio”. O princípio é claro; é a distinção entre duas sucessivas gerações. Mas o
que é a base? O que há de comum entre o ego e o pai de Ego? Obviamente, a resposta
reside no contexto: o que eles têm em comum é oposto ao que faz sua relação (mais
precisamente, a relação com o pai) com o irmão da mãe para a aliança (fig. 2).
O pai e o Ego são ligados por um elo que exclui a aliança e que eu proponho
chamar de “elo de consanguinidade”. Uma qualificação em relação ao sexo deve ser
acrescentada: Considerando que os “pais” e os “irmãos da mãe” são respectivamente,
grupos de siblings [germanos] masculinos, o sexo de Ego é irrelevante (os termos para
pai, etc. são os mesmo, independente do sexo de Ego). As duas gerações opostas uma a
outra no grupo de parentesco é uma geração de siblings masculinos e a geração de sua
prole, tanto masculina quanto feminina. Em outras palavras, a distinção de sexo, se é
uma condição preliminar de diferenciação de parentesco, é independente da distinção
geracional; isto deve ser lembrado.
Se nós tomarmos agora conjuntamente as duas distinções entre Ego, seu pai e o
irmão de sua mãe, nós veremos que Ego e seu pai são similares na consanguinidade e se
diferenciam na geração, enquanto o pai e o irmão da mãe são similares em geração e
diferentes na consanguinidade (i. e. são aliados). Cada um dos dois elementos (geração
e consanguinidade) atua (diferencialmente) sob as suas formas negativas como princípio
de uma oposição e sob suas formas positivas (unidas) como base de outra.
As duas oposições concretas não têm apenas um termo em comum (o pai), mas
sua concatenação é construída sob duas oposições abstratas que operam
transversalmente (i) comunidade e diferença na geração; (ii) comunidade e diferença na
consanguinidade; i.e. consanguinidade e aliança. A última, dentro do qual a categoria
aliança [afinidade] é trazida a luz em oposição à categoria de consanguinidade, é de
suma importância. Comparados aos sistemas malaios de Morgan, no qual as duas
categorias não são distintas, é enfatizada a importância da aliança, i.e. de casamento
como uma relação entre grupos. Além disso, ambas as idéias são dadas juntas, e nascem
uma da outra: não há consanguinidade sem aliança, não há aliança sem
consanguinidade.

6
Algumas observações devem ser acrescentadas: (i) entendemos que não há
termos especiais (no atual nível) para os afins; o significado básico dos termos para
categorias cruzadas é afim. O irmão da minha mãe é essencialmente o afim do meu pai.
(ii). Nós de fato tomamos duas oposições como caminho conducente do Ego para o pai
e do pai para o irmão da mãe. Teremos então o direito de falar de uma estrutura stricto
sensu? Mas aqui reside a característica da terminologia de parentesco quando
comparada com outros agrupamentos de parentesco que é uma constelação orbitando
em torno de Ego. A única diferença das visões costumeiras sobre o assunto está no
modo como nós temos tomado a mãe, não como imposta pela terminologia, pela forma
como ela aparece em nosso próprio vocabulário, mas, eu creio, pela forma nativa. (iii) O
que aqui é chamado de parentesco não tem nada a ver, é claro, com os atuais grupos,
sendo apenas abstrações surgidas das oposições; isso novamente está centrado no Ego, e
é apenas uma parte do que a terminologia sugere como tal, porque nós temos que
abstraí-lo do lado masculino. Dirigindo-se aos parentes femininos, devemos encontrar
sua contraparte feminina. Tudo pode ser chamado de “consanguinidade terminológica”
para evitar confusão, e opor a “afinidade terminológica”. Este é apenas um quadro geral
que é utilizado e formatado por cada grupo de acordo com suas instituições particulares.
Na mesma geração, nós podemos lidar com isso exatamente da mesma forma
que lidamos com a questão acima, com relação à oposição entre “mãe” e “irmã do pai”
e conectado à oposição entre Ego e a mãe de Ego. Devemos deixar de fora o elo
intermediário, neste momento o pai, como um mero agente trazido (e, por conseguinte,
contidos em) no relacionamento de aliança entre duas mulheres. O grupo de
consanguineos que surge aqui será formado por uma geração de siblings femininos, as
mães (opostas às suas afins femininas) e a geração de sua prole de ambos os sexos. Esta
categoria de consanguineos não é diferente da precedente. É a mesma, oposta à aliança
como acima pelo qual temos uma outra visão de acordo com a distinção sexual do
sistema. A fim de insistir sobre a característica classificatória, nós temos aqui (fig 3) um
esquema generalizado; um similar, é claro, pode ser desenhado para os homens.

7
Tendo encerrado parte da demonstração pela qual muito provavelmente surgiu a
controvérsia, e antes de entendê-la a outras gerações, podemos ter um vislumbre do
todo. Não há dificuldade, como alguém pode imaginar, no fato dos primos cruzados de
Ego serem essencialmente afins de Ego, bem como irmãos da mãe, que
comprovadamente é um afim do pai. Isso significa que a aliança que é considerada
horizontalmente numa geração adquire uma dimensão vertical nas demais.

Aliança como uma instituição durável: casamento entre primos-cruzados

Não é outra aliança, mas a mesma relação transmitida de uma geração para a
outra, por herança; o que nós temos considerado até agora como uma relação de aliança
é apenas uma seção horizontal dela. E esta pode ser oposta à consanguinidade se não
transcende gerações? É esta aliança como instituição duradoura que está incorporada na
terminologia, o que alimenta sua oposição característica fundamental.
Mas afirmar que a relação de aliança é herdada é o mesmo que dizer que certa
regulação de casamento é observada. Teoricamente, para manter a relação, um
casamento em cada geração é suficiente, mas quanto mais casamentos desse tipo
ocorrerem, mais a aliança será inabalável. A forma total mais imediata e completa para
isto é o “casamento com o primo(a) cruzado(a)” em qualquer uma de suas descrições.
De fato, o que nós nos acostumamos a chamar de “casamento com primo cruzado” não
é nada mais que a fórmula perfeita para perpetuar a relação de aliança de uma geração
para outra, desta forma fazendo da aliança uma instituição durável. Um nome particular
e estranho para um fato de caráter geral e lógico. De fato, é somente o hábito dos
antropólogos e seu vocabulário peculiar expressando a aliança em termos de parentesco
que oculta esta verdade simples ao invés de revelá-la.

8
Outras gerações

Como podemos, por nossa vez, repetir em outras gerações o que dissemos sobre
a geração do pai? Se a relação de aliança pode ser supostamente similar, a relação entre
gerações será diferente.
Na geração do avô o casamento de primos cruzados (ou um equivalente)
exemplifica uma ligação de afins entre os dois avós de Ego. E esta é a verdadeira razão
pela qual eles não podem ser distinguidos e a razão pela qual há somente um termo para
ambos, para ambos os parentes com uma só forma e afins em outra: a mãe, assim como
o pai, é consanguineo de Ego, e desta forma há os pais deles, que ao mesmo tempo em
que tem um relacionamento de aliança, podemos considerar um deles A como
consanguineo e o outro B como afim ou, da mesma forma, B como consanguineo e A
como afim; as duas categorias que se fundem nesta geração e na distinção de
consanguineos não podem ser aplicadas a esta. O mesmo pode ser dito sobre os netos: a
aliança atua como um princípio de oposição para apenas (duas ou) três gerações,
enquanto que todos os consanguineos fundem-se na quinta e na primeira7.
Não há dificuldade teórica na geração do filho de Ego, mas antes uma
dificuldade prática: pelo menos entre os Tamil, a oposição da aliança enfraquece (a base
é enfatizada pelo uso da mesma palavra, com o acréscimo de um prefixo de um lado,
algo como acontece com filho “son” e “son-and-law”*), e ao mesmo tempo a oposição
de sexo desaparece (“filha” é o feminino de “filho”), isso é consistente, mas não posso
oferecer explicações estruturais, embora haja provavelmente um quadro de referência
comum.
Na geração de Ego (homens), algo interessante acontece se nós tentarmos aplicar
o mesmo procedimento da geração do pai: de um lado a oposição de aliança está
presente, os homens afins sendo maridos das irmãs e irmãos das esposas, bem como
filhos do afim (masculino) do pai e afim (feminino) da mãe. Por outro lado, a oposição
de geração desaparece, já que Ego e seus irmãos podem ser tomados indiferentemente,
mas um novo princípio é invocado a fim de substituir aquele responsável pela paulatina
diminuição das diferenças: a idade relativa é distinguida e a geração é dividida em duas
metades abaixo do irmão mais velho e do irmão mais novo de Ego. As duas distinções
(geração e idade), uma que alivia a outra, tem uma conotação no quadro de referência
de idade comum e estão intimamente conectadas8.

7
Esta característica é fundamental, e nossa análise em grande parte lhe cabe. Toda a estrutura é diferente
quando neto e avô são identificados, como entre os Kariera (com dois termos para cada).
*
***N.T.: Em português, respectivamente, filho e genro. Para compreender o exemplo de Dumont,
todavia, é necessário deixar os termos em inglês, a fim de se identificar os sufixos, que em português não
existem.
8
A conexão estreita entre idade e geração na estrutura pode constituir a base de uma exceção importante
ao princípio geracional antes de uma natureza diacrônica ...

9
Aliás, é nesta parte que a terminologia real difere mais do nosso gráfico. Vários
fatores atuam, e um dos quais é de natureza classificatória. É uma tendência sublinhar o
sexo relativo da pessoa em comparação com o de Ego, como é perfeitamente natural
onde pares prospectivos são encontrados. Esta tendência combina em vários sentidos
com a distinção entre mais velho e mais novo [elder/young] e o problema é ainda mais
complicado por outros fatores que requerem tratamento especial.
No parágrafo anterior nós já antecipamos a classificação de consanguineos
femininos, que devem ser estendida da mãe para as demais gerações. Isto não é
necessário quando a estrutura é simétrica (com exceção da que acabamos de
mencionar).

Conclusão

Espero ter conseguido demonstrar que a terminologia de parentesco dravidiana,


e outras terminologias do mesmo tipo, pode ser considerada em sua ampla
funcionalidade, como nascida de configurações precisas de quatro princípios de
oposição: distinção de geração (qualificada como uma escala ordenada), distinção de
sexo, distinção de consanguineo idêntico com relacionamento de aliança e distinção de
idade.
A terceira distinção (que por si só não é de forma biológica) é a mais importante;
o sistema personifica a teoria sociológica do casamento tomada na forma de uma
instituição que segue as gerações e supõe – bem como favorece – a regra de casar com
um primo cruzado como uma forma de mantê-la. Por conseguinte, também é um fato
bem preservado nos grupos indianos que as duas categorias de consanguineos e afins
compreendem todos os consanguineos sem nenhuma terceira categoria. Isso pode ser
entendido sem recorrer à organização dual; a oposição entre consanguineos e afins
constitui o todo – o afim ou meu afim é meu irmão – o casamento é deste modo o todo
social, o que une e ao mesmo tempo separa em dois, do ponto de vista de Ego9.
Não admira, então, que a Índia transforme esta na principal cerimônia, e talvez
esta seja também uma explicação para a estabilidade e vitalidade da terminologia
dravidiana que tem desafiado os antropólogos desde Morgan.

Tradução, a ser melhorada, de Fabiane Vinente dos Santos


9
Isto não ocorrer sempre, mas somente quando certas condições estão presentes.

10

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