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‘ART RCENTRO OE MUTIMEIOS S.ME. DEBATES © MENINO POPULAR E A EDUCAGCAO FISICA SKOPAULO PARA TODOS CO DOT-GB/Rt 003/30 39 ne ) ques mte, Ro FPF. fer te ae 3 AVALIACAO DO CICLO DE DEBATES "0 MENINO POPULAR E A EDUCACAO FfSICA" INTRODUGAO: Qual o significado da Educagao Fisica no currfculo das es- colas de 12 grau? Por que exame médico para a pratica da klucagao Ffstca nas escolas? Qual a relagao entre a concepgao de Educagae Fisica Escolar ¢ o exame médico comumente feito na maiorfa das cs~ colas brasileiras? Estas © muitas outras questocs somelhantes estao af e qua- se sempre provocam discussdes e inquietagdes entre educadores — & prafissionais de saide. De um lado, uma concepga0 arcaica e militarizada de Educa gd Fisica, amparada em praticas ¢ exigéncias superadas e, muitas vezes, inadequadas no Ambito escolar. De outro, estudos e pesqui - sas ampliando e dando maior significado e abrangéncia & Educagao Fisica no currfculo das escolas e também, por outra parte, a pro- pria concepgio de Atengao Integral a Satie se impondo numa dimer* sao que ultrapassa apenas a assisténcia médica. ‘Duas decisdes tomadas pela atudl administraga0, logo ao iniciar sua gestao, foram a passagem do Departamento de Satde Esco lar (DSE) da Secretaria Municipal de Educagao para a Secretaria Muy nicipal da Saide e a suspensao do exame médico nas escolas para a pratica da Educagao Fisica. (Anexo 1. pag. 9) Tals decisdes, respaldadas em subs{dios tedricos, cient{ft cos e pol{ticos, embora coerentes para enfrentar o encaminhomento das questdes j4 apontadas no in{cio deste documento, precisavam ' ser discutidas e esclarecidas com a comunidade, a escola e ,cm es- clas pecial, com 9s professores de Educa¢ao Fisica de todas as da Rede Municipal. Surgiu, entao, a proposta da promogi0 do Ciclo de bebates "Q Menino Popular e a Educagao Fisica", Dentro da compreensao da necessidade da integragao intersetorial presente nesta Administra- | | 4 ga0, este ciclo foi apeiado e coordenady pela SME, SNS e SEME. © ciclo de debates foi plane jado para 5 dias consecutives com cada grupo de profe 20 horas, no perfode de LO de abril a 23 de maio de 1989, totalizando 340 horas e abordando os scyuin tes temas: = Quem @ 0 Menino Popular? 0 ato de educar A concepgao de Educagao Fisica que justifica tal exame inedico Justificativa técnica para a mudanga na sistematica de avaliagao medica do cscovar. Proposta de Atergao 2b Saude do Escolar. Participaram do ciclo aproximadamente 900 professores de Educagao Fisica das escolas municipais, divididos em 17 grupos, se gundo as cinco regides administrativas da Secretaria Municipal de Educagao entao existentes, conforme o esquema abaixo: NAE Centro - 3 grupos (Cl, C2, C3) NAE Norte - 3 grupos (NL, N2, N35 NAE Leste - 4 grupos (LI, L2, L3, L4) HIAE Oeste - 4 grupos (OL, 02; 03, 04) NAE Sul - 3 grupos (Sl, $2, $3) Neste relaté¢io, apresentamos uma descrigao geval do traba lho desenvolvido na abordagem de cada tema e as consid aragoes fi nais do ciclo como um todo. 5 COORDENADORES DO CICLC DE DEBATES: "O Menino Popular e a Educagao Fisica" - Secretaria Municipal da Satde Participagao de quatro psicdlogas do Departamento de Saide Escolar (DSE), que ficaram responsaveis pela coordenagao do 12 dia do ciclo e seis médicos do DSE como cvordenadores do 49 e 52 dia do ciclo: Psicélogas do DSE - Angela Maria Camargo Franco Orsi Elisa Maria Barbosa Esper Ermelinda de Jesus Mangas Pereira Marisa Mendonca Godoy Appolinario Medicos do DSE - Dra. Ana Cecilia Silveira Lins Sucupira Dra. Maria Cristina Pereira Pinto Dra. Maria Helena Barbosa de Mello Dr. Paulo Roberto de Carvalho Dra. Sandra Maria Callioli Zuccolotto Dr. Wagner Ranna = Secretaria Municipal de Educagao Participagao de trés professores do DO'*que se responsabili zaram pela coordenag4o d> 22 dia do ciclo, além de participarem, em alguns grupos, juntamente com os médicos do DSE, da coordenagao do 59 dia do ciclo: *DOT - Diretorie de Orientagao Técnica . Prof, Edson Gabriel Garcia » Prof. José Kleber de Freitas . Prof# Olgair Gomes Garcia = Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreagao Participacao de cinco professores de Educagao Fisica, os 6 qua cada un deles, a coordenagie direta do 3? . Prof. Lino Castellani Filho . Prof. Rogério Luciano Pacioni vesponsabilizaram pela condiyae dos trabathos, as dos segulate Prof, Jodo Paulo Subird Medina (giclos: N3, C2, C3, 82) Profa Prof. Renata Elza Stark Ronaldo Xegr (ciclos: Nl, M2, LL, 12, (ciclos: 13, 02, St, $3) (ciclos (ciclos: 7 MONITORES DO CICLO DE DEBATES "O Nenino Popular e a Educagao Fisica" Participagao dos profisstonais da SMS, SNE © SEME, que fica- ram responsaveis pela monitoria dos seguintes ciclos: = Secretaria Municipal da Satide Médicos do DSE . Dra. Elizabeth Teixeira Mendes .L. Prado (ciclo: Sl) . Dr. Humberto Monteiro Molinari “(ciclos:C2,L2,L4,04) Educadores de Saude Publica do DSE » Jugara Gomes Ventosa (ciclos: NL, $2) . Joao Rodrigues Teixeira (ciclos: C2, L4, 04) . Salete de Cassia Tuon (ciclos: Ol, LL) - Secretaria Municipal de Educagao . Prof@ Junko Sassaki Jacintho (ciclo: N2) . Prof@ Maria José de C. P, Pluvinage Aciclos: NL, C3, sl) « Silvana Wilson Siqueira (ciclo: N2) . . Prof Sonia Perazzolo Barros (ciclos: N3, 02, $3) - Secretaria Municipal de Esportes, Lazer e Recreagao . Profa Lery Marisa Sica (ciclos: Cl, L3, 03) . Prof@ Maria Heloisa L. de M. Forjaz (ciclos: Cl, L3, 03), ANEXO L 9 SECRETARIA MURICIPAL DE EDUCAGAO SECRETARIA DE HIGIENE E SAGDE MENSAGEN AOS EDUCADORES DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO Esta carta tem por objetivo de transmitir informagoes aos educadores das escolas da Rede Municipal de Ensino da Secretaria Mu nicipal de Educagao para esclarecer algumas decisdes tomadas pela nova administragao, relacionadas com 0 Departamento de Sade Esco- lar. "0 primeiro esclarecimento refere-se & passagem do Departamen to de Saude Escolar para a Secretaria de Higiene e Saude. Esta é uma decisao tomada em conjunto peta Secretaria de Higiene e Satide ¢ a Secretaria Municipal de Educagao e tem por objetivo promover a untficagao e integragao dos servicos de saude. Este é um princ{pio da Reforma Sanitaria que prev@ ainda a igualdade de acesso a um sis tema de satde regionalizado e hierarquizado. Pretende-se garantir ° direito do escolar .a assisténcia integral & saide, Portanto, a passagem do DSE para a Secretaria de Higiene e Satde nao vai significar a desativacao das atividades do Departamen to junto as Escolas Municipais, mas sim, uma ampliagao destes pro- gramas e uma melhor integragao entre as reas de Saide e Educagao , 0 que esta de acordo com os compromissos assumidos pelas novas admi nistragoes de ambas as areas. Outra decisio tomada se refere & mudanga na sistemitica da avaliagZo médica dos alunos para a pratica de Educaggo Fisica. Acha mos que esta decisao merece uma explicagdo, principalmente para os educadores diretamente envolv!dos com as aulas de Educagao Fisica. © que vem sendo feito nas scolas, sao os exames mdicos, os quais consistem em um exame f{sico das criangas, como objetivo de detectar problemas de saude que-possam constituir-se em situagoes 10 de risco durante as. aulas de educagio ffsiea, Este exame @ feito na austncia da fam{lia, praticamente sem una histéria das doencas ante riores da crianga, em tempo muito curto, em fungao do grande nimero de criangas a serem examinadas. Mundialmente, as autoridades cientf{ficas que estudam a ques- tZo dos exames médicos periddicos nas cscolas, inclusive médicos brasileiros com experi@ncia em trabalhos cient{ficos na area de Sau de Escolar, concordam que este tipo de exame nao é adequado, nem pa ra a assist@ncia integral 4 satide do escolar, nem para detectar pre blemas de saide que possam ser causas de disturbios graves Ccurante a pratica de exercfeios. Concordamos, atualmente, que 0 melhor exa- me periédico é aquele feito no servigo de saude, com a fam{lia, a erianga, 0 médico e demais membros de uma equipe multiprofissional, se necessario, Este, portanto, é@ 0 nosso objetivo: criar condigdes para que isto possa ser oferecido &s criangas das classes populares da cidade de Sao Paulo, ampliando, organizando e regionalizando a rede de Postos de Saude, bem como facilitando a integragao das esco las e os Postos de Satde. : Para isto ocorrer, muitas decisdes ja foram e vao ser toma - das, pelas Secretarias Municipal de Educagao e de Higiene e Saude. Rosta-nos ainda esclarecer duas perguntas: Qual o risco de se iniciar as aulas de Educagao Fisica sem o exame médico? Como os médicos do DSE vao trabalhar neste novo enfoque? | A resposta para a primeira pergunta é clara. Praticamente, a totalidade das criangas que frequentam as escolas nao tem impedimen tos para a pratica das atividades desenvolvidas nas aulas de Educa- go Fisica, Isto é evidente, na medida em que os exercicios f{sicos| propostos nestas aulas nao devem submeter os alunos a esforgos F{si| cos extenuantes, o que é ped2gogicamente inadequado. Além disto. as criangas populares, tém uma pratica de atividades fisicas yc deman da esforgos bem maiores do que os esforgos praticados nas nlz< de| Educagao Fisica. Os grupos de risco para agravos (sincopes , desmaios| etc) durante exercicios sao os atletas, em condigdes de exerc{cios| extenuantes durante competigdes, 0 que nao é, nem deve ser, 0 caso| lu de nossos alunos. Além disso, esses atletas ttm que ser submetidos a exames sofisticados, com aparelhagem especial, também Longe 1 realidade dos exames na escola. Vale acrescentar que em muitos anus de trabalho no Departamento de Saude Escolar, nao houve nenhum caso de crianga que, comprovadamente tonha tido problema grave de saide em fungao dos exercicios nas aulas de educagao Fisica. 0 mais comum so os desmalos por falta de alimentagao antes das aulas, 0 que nao & problema médico, mas social. Assim, estamos seguros de que a suspensao dos exames em mas- sa nao mudard esta situagdo. O simples fato de ter passado pelo exa me médico na escola nao garante que a crianga nao possa apresentar problemas na sala de aula ou na quadra esportiva, além do que este exame @ feito uma vez por ano, ¢ nada garante que a crianga tenha problema apés 0 mesmo. Reafirinamos que este exame é insuficiente e inadequado servindo para dar uma falsa seguranga 40 professor de Educagio Fisica sobre as condigdes de saiide do aluno. Assim — sendo os professores de Educagao Fisica estao AUTORIZADOS a dar inicio as aulas independente do exame médico. Esta quest3o ja foi abordada com os professores de Fducagao Fisica nos cursos do DSE e sera nova mente discutida este ano através da realizagao de ciclos de debates regionalizados, que serao agendados a partir de abril. Quanto a segunda pergunta, informamos que 0s médicos do DSE irgo atender as criangis quando os pais, professores de Educagao Fi sica e outros professorcs percebam que necessitem de uma avaliacao. Esta avaliagao deve ser feta com a partictpagao dos pats, pelo mé- dico da escola ou pelo médico do Posto de Saiide mais préxtmo 4 esco la. : 0s outros programas desenvolvidos pelos técnicos do PSE, ou seja: trabalhos em educagio em saiide, em saiide mental, em satde bu~ cal, fonoaudiolégicos e médicos, junto as Escolas & comunidade yao continuar. 12 Dentro do esp{rite de estar esclarecendo og educadores, alu- nos e pais subre as nossas déciides, nos colocamos a disposicgao pa- ra outras informagées. PAULO REGLUS NEVES FREIRE - Secretario Municipal de Educagao EDUARDO JORGE MARTINS ALVES SOBRINHO - Secretario de Higiene e Saide Publicado no DOM de 11/03/89, pag. 2 i 13 1@ DIA DO CICLO DE DEBATES - QUEM £ 0 MENINO POPULAR? 1 = Apresentagao geral do Ciclo de Debates "0 Menino Popular e a Educagao Fisica" - justificativa, objetivos, temas propostos para os cinco dias do ciclo. 2 - Ametodologia do trabalho neste dia foi a seguinte: 12 Momento - apresentagao dos participantes. 22 Momento - formacZo de grupos para discussao da questao-tema? Qual a concepgao do grupo sobre o menino popular? 3@ Momento - painel de discussao e sintese. 4& Momento - Leitura do texto "0 Menino Popular e a Educaga0 Fisica" (anexo 2, pag. 15 °) $9 ‘Momento - discussao final. 3 - Desenvolvimento das atividades: A dinamica proposta permitiu, primeiramente , que os parti cipantes discutissem em grupos suas concepgdes sobre 0 menino po- pular. im seguida, um relator de cada grupo apresentava a sintese das discussdes para o conjunto dos participantes. Observou-ge ura tendéncia dominante de enquadrar 0 menino popular no conceito, pcr eles denominado de "carfncia", no sentido ampto do termo, englobando aspectos fisicos,mentais e culturals.No entanto, alguns grupos apresentaram uma concep¢ao dessa crfanga isenta de preconceitos e estigmas, caracterizando-a como um’ indivi duo com necessidades e interesses proprios da sua faixa ecaria , que traz uma bagagem cultural prépria, por vezes, diferente «la cul. tura dominante. Alguns professores colocarant a sua visao Jessa cri- anga como interessada na aqvisigado de novos conhecimentos, assimi- lando regras de jogos e participando ativamente das atividades pro postas, apesar de muitas vezes esse mesmo aluno ser considerado de sinteressado e deficiente no ensino de outras matérias. 14 Durante as colocagdes ve discussoes, os coordenadures inter vinham no sentido de desfazer ‘estigras ¢ prestar esclarecimenlos sobre as questdes que deixaram dividas. Apos a Ease de sincese ¢ conclusoes do grupo sobre 0 tema, passava-se a Leltura do texto "0 Menino Popular e a Educagao: Fisi ca" e & discussao final. A tend@ncia geral dos grupos foi de caminhar para uma con cordancia com o contetido do tcxto, numa visao mais progressista da fungao do educador e seu relacionamento com 0 aluno e a institui - gao. 15 ANEXO 2 0 MENINO POPULAR E A EDUCAGAO FISICA Wagner Ranna 0 encontro de professores de Educagao Fisica surgiu da vonta de de se criar formas de participagao dos Educadores da Rede Nuni- cipal de Ensino no processo de pensarmos novos caminhos para a Edu- cagao. Estes caminhos devem partir do pressuposto de que ninguem ensina nada & alguém e ninguém aprende nada com alguém", mas que to dos aprendem juntos, através do dialogo, da reflexao aberta e demo- eratica, os quais devem Levar 3 novas representagdes e novas prati- cas nas relagdes entre educadores e ecucandos. Sem duvida, tal caminho evoca a necessidade de se retomar a analise das dificuldadcs que encontramos no cotidiano do trabalho com a educagao em geral e com a Educagao Fisica em particular, numa dimensao mais abrangente, considerando a multicausalidade das mes- mas e nao dimensdes parciais que ora culpabilizam o educador, ora culpabilizam o educando ou, entao. a realidade sécfo-econémica tida como imutavel. . Portanto, nao pretendemos com este texto levantar ast tes desconhecidos da realidade, tao pouco apresentar solugSes acabadas, mas levantarmos alguns pontos importantes para subsidiar os grupos de trabalho do Encontro. QUEM & 0 MENINO POPULAR? A resposta a esta pergunta sempre vai depender do referen- stal teérico e ideolégico adotado. Inclusive, além de varias respos tas, terfamos também varios nomes para este menino: carente cultu- ral, marginalizado culturas, crianga desnutrida, menor abandonado , multirrepetente, deficiente mental, deficiente, etc. Assim, o referencial legitimo a ser adotado seria pensarmos que antes de tudo falamos no menino, chamado popular, somente em 16 ! gem soctal. Ou séja, essa condiga3o acaba dotando Fungaa de sua o tal menino de expressdes bloloyicas, cognitivas, afetivas e psicos- soctais diterentes daquelas do menino com outra origem, embora suas necessidades, em qualquer um dos planos mencionados, a priori sejam as mesmas. Este enfrentamento da realidade de cada crianga nem sempre fol respeitado ou conhecido. Por muitas vezes as pré-concepgdes do adulto sobre a criancga levou 4 criag#o Je expectativas reduzidas do ponto de vista adultomérfico e assim, o "fazer diferente" passou a ser visto como patolégico, problematico e anormal. Historicamente, as concepgdes sobre a crianga foram se trans formando em fungao das idcologias dominantes que, no fundo,refletem a dina@mica do opressor X oprimido, mas aunca a dialética do desen - volvimento humano. Primeiro encontramos 0 conceito de que a crianga é um adulto em miniatura, sem caracter{sticas especificas. Essa concepgao nao! conhecia o processo de desenvolvimento ¢ 0 processo educativo, aa ela associado, era o da educagao em grupos nao divididos por faixa’ etdria ¢ nem divididos por assuntos. : Depois dessa concepgao veio a representagao de que as crian- gas eram dotadas de uma "{ndole boa", corromp{vel por uma experién-_ cia social; nesse caso, 0 papel da educagao seria nao promover ou evitar essa corrupgao. Em oposi¢Z0 a esta concepgao surge uma terceira representa ~ Go na quat a criancga é vista como dotada de una "{ndole mi" e ‘que © papel da educagao seria domestica-la da melhor maneira possivel. | Mais recentemente as teorias dialéticas do desenvolvimento levantam a questao de que a crianga nasce com instintos construti - vos e destrutivos, os quais vao sendo mobilizados ao longo da vida através de suas interagdes psicossociais, as cuais, por sua vez 4 sa0 modificadas pelo contexto social. Essa concepgao mostra que & indiv{duo é a s{ntese de suas vivéncias. Paralelamente a estas concepgoes, a propria realidade da edu 17 » As crfangas vao sendo divididas em fal cagite val sofrende midang xas etarias, através de critérios variados, nem sempre ctent{Etcos ou condizentes com a realidade cultural de grupos ou estratos — so- ciais. Vai sendo introduzido o conceito da produtividade na educa - gao, vindo da organizagao capitalista da produgao industrial, tendo como consequéncia a questao da avaliagao dessa produtividade, geran do as dificuldades ¢ deficiéncias no aprendizado. No Brasil e, em particular, na cidade de Sao Paulo, 0 modelo econémico de desenvolvimento cria o fendmeno da urbanizagao, com suas mudancas culturais, sociais e pol{ticas, dando origem a uma po pulagao de trabalhadores vivendo em condigdes abatxo do nivel criti co. Essa urbanizagao aumenta a demanda para as escolas publicas nos grandes centros urbanos e a politica educacional, que prioriza a quantidade em detrimento da qualidade, expande a rede de ensino, ao mesmo tempo que decresce a qualidade do mesmo. De uma escola publica tida como vanguarda de ensino em duas décadas passamos a escola de hoje, cujos problemas conhecemos bem , como a retengZo e a evasdo escolar. Para cada cem criangas matricu- ladas na 14 série, 66 chegam 4 42 série e, das cem matriculadas na 58 série, 33 chegam a Portanto, de ¢ada dez matriculados na 18 série, apenas dois chegam na 88. Surge, para explicar esta situagao, o discurso miedicalizador ao qual se associa 0 conceito de que a crianga nao aprende porque tem uma deficiéncia fisica. Assim, a desnutrigao, a deficiéncia vi- sual, a anemia, as verminoses e as mas condigées de saude bucal vao sendo incriminadas como explicagdes para esta realidade. Nao se pode negar que as criangas de estratos sociais mais pobres sao as que apresentam maiores indices de doengas fisicas. 0s escolares brasileiros, particularmente, além dos problemas médicos tradicionais como os acima enumerados, tém também altos [mlices de uorbidade psicossocial, como distiirbios psicossomaticos, disturbios de conduta e dificuldades escolares. Porém, esses problemas de sau- de s3o em grande parte consequéncias das chamadas mas condigdes de vida. 18 Em Sao Paulo, 60% da populagao vive com rendimentos mensats + de 5 salaries m{nimos ou menos. por Famfl1a, estando abalxo do nf- vel erftico de consumo, o que significa que n3o tem condigo'’s de moradia, alimentagao, transporte, vestimenta ¢ educagao adequados Mais recentemente, emerge 0 discurso da edueago compensats ria que coloca a questao da deficténsia nado mais no plano das doen gas fisicas, mas no plano das capacidades cognitivas, ou seja, na privagao cultural. pal decorrem os métcdos alternativos de alfabe- tizagao que pouco ou nada contribufram para mudar esta situagao. Fica evidente que estas analises colocam no individuo os pro blemas de satide e educagao, fechando os olhos para os problemas so- ciais e para os problemas da escola. Tanto a ignorancia quanto 4 doenga sao produzidas socialmente e as solugées para as mesmas de- vem passar por mudangas concretas nas relagoes entre educando e edu cador, entre profissional de saude e usuario dos servigos de saide, assim como nas instituigoes de saide e de ensino, Essas mudangas de vem estar assocladas a transformagoes no modelo econdmico e social - do nosso pals. . Hoje ja nao somos campedes do mundo em futebol, mas somos 0s campedes_da concentragao de renda, da carle dentaria e do baixo in- vestimento em saude e educagao. Achamos que podemos explicar melhor as dificuldedes de nos- | i i i ieieesesess condigdes de trabalho e pelo desanimo dos professores, warginaliza~ dos das discussdes mais fundamentais da nossa realidade social, do que pela visdo mitificada e injusta do menino popular. Julgamos pertinente levantar algumas questées sobre 0 que fot exposto. A visao do menino popular como carente (£{sico, mental ow cultural) nao esta comprometida com a sua realidade, pois em pri meiro lugar cabe a questao: "Quem é 0 carente?" ou ainda a questao: ‘quais as suas caréncias?” 0 wenino popular tem a sua propric culty ra e as suas proprias capacidades, além disso,tem malor dificuldade | de acesso 3 cultura dominante. Nesse processo & duplamente discrimi 17 sendo divididas em fal As crtangas va cagie val sofrende mudang mas etarias, através de critérios variados, nem sempre ctent{flcos ou condizentes com a realidade cultural de yrupos ou estratos — so- ciais. Vai sendo introduzido 0 conceito da produtividade na educa - go, vindo da organizagao capitalista da produgao industrial, tendo como consequéncia a questo da avaliagao dessa produtividade, geran do as dificuldades e deficiéncias no aprendizado. No Brasil e, em particular, na cidade de Paulo, o modelo econdmico de desenvolvimento cria o fenémeno da urbanizagao, com suas mudangas culturais, sociais e pol{ticas, dando origem a uma po pulagio de trabalhadores vivendo em condigdes abaixo do nivel erlti co. Essa urbanizagao aumenta a demanda para as escolas publicas nos grandes centros urbanos ¢ a politica educacional, que pricriza = a quantidade em detrimento da qualidade, expande a rede dé ensino, ao mesmo tempo que decresce a qualidade do mesmo. De uma escola publica tida como vanguarda de ensino em duas décadas passamos & escola de hoje, cujos problemas conhecemos bem , como a retengao e a evasdo escolar. Para cada cem eriangas matricu- ladas na 12 série, 66 chegam 4 42 série e, das cem matriculadas na 58 série, 33 chegam a 88. Portanto, de ¢ada dez matriculados na 18 série, apenas dois chegam na 88. Surge, para explicar esta situagao, o discurso medical izador ao qual se associa o conceito de que a crianga nao aprende porque tem uma deficitncia fisica. Assim, a desnutrigao, a deficiéncia vi- sual, a anemia, as verminoses e as mas condigdes de satide bucal vao sendo incriminadas como explicagdes para esta realidade. No se pode negar que as criangas de estratos sociais mais pobres sao as que aprescntam maiores {indices de doengas fisicas. Os escolares brasileiros, particularmente, além dos problemas médicos tradictonals como os acima enumerados, tém também altos Indices de uarbidade psicossocial, como distiirbios psicossomaticos, disturbios de conduta e dificuldades escolares. Porém, esses problemas de sau- de s3o em grande parte consequénclas das chamadas mas condigoes de vida. 18 Fm Sao Paulo, 60% da populagao vive com rendimentos mensals + de 5 salarios m{nimos ou menos. por famflia, estando ahatxe do nf- vel eritico de consumo, o que significa que ngo tem condigd'’s de moradia, alimentagao, transporte, vestimenta ¢ educagao adequado: Mais recentemente, emerge o discurso da educagao compensaté ria que coloca a questao da deficiéncta nao mais no plano das doen gas £isicas, mas no plano das capacidades cognitivas, ou seja, na privagao cultural. Daf decorrem os métcdos alternativos de alfabe- tizagao que pouco ou nada contribufram para mudar esta situagao. Fica evidente que estas analises colocam no individuo os pro blemas de satide e educagao, fechando os olhos para os problemas so- ciais e para os problemas da escola. Tanto a ignorancia quanto = a doenga sao produzidas socialmente e as solugdes para as mesmas de- vem passar por mudangas concretas nas relagées entre educando e edu cador, entre profissional de saide e usuario dos servigos de saude, aseim como nas instituigdes de satide e de ensino. Essas mudangas de yem estar assoctadas a transformages no modelo econdmico e social do nosso pals. a Hoje Ja nao somos campeoes do mundo em futebol, mas somos 0s, campedes_da concentragao de renda, da carte dentaria e do batxo in- vestimento em saude e educagao. ‘Achamos que podenos explicar melhor as dificuld:des de nos~ sos alunos, tanto na sala de aula como nas quadras, pea falta de condigdes de trabalho e pelo desanimo dos professores, warginaliza~_ dos das discussoes mais fundamentais da nossa realidade social, do que pela visdo mitificada e injusta do menino popular. Julgamos pertinente levantar algumas questSes sobre o que fot exposto. A visdo do menino popular como carente (£{sico, mental ou cultural) nao esta comprometida com a sua realidade, pois em pri ou ainda a questao: meiro lugar cabe a questao: "Quem é 0 carente? *quais as suas caréncias?" 0 menino popular tem a sua prépric cultu ra e as suas proprias capacidades, além disso,tem maior dificuldade de acesso 3 cultura dominante. Nesse proceso @ duplamente discrint! 19 nado: & visto como carente e por conta disso recebe uma educagao ea rente. Sabe ss também, que as ¢Scolas pablt apresentam varfas ca rénclas estruturais, materiais e de recursos humanos. Portanto, a pergunta levantada "Quem é 0 menino popular?" cabem varias respos - tas e, aos professures fica a tarefa reflexiva, critica e pratica de responder, a partir dos meninos reais que temos diante de nds. Acreditanos que esta resposta ¢ importante, pots é a partir da mesma que vamos assumir varias posturas nos niveis individual , institucional, pol{tico e social para tomarmos o'caminho — correto nas solugdes pertinentes a cada nivel. Nestas solucdes os proféssores de Educagao Fisica sao impor- tantes, primeiro, na medida em que conhecem o menino em um contexto diferente e, portanto, necessario para a inteireza das concepgGes sobre o mesmo, Segundo, enquanto educadores pertencentes a uma ins- tktutgZo que deve também fazer a Sua auto-cr{tica e, tercelro, como pessoas que devem exercer a sua cidadania na plenitude politica em que se define. 20 2° DIA DO CICLO DE DERATES - 0 ATO DE EDUCAR 1 - A metodologta do trabalho neste dia fot a seguinte: 1@ momento - Apresentagao da proposta de trabalho e esclareci ~ mentos sobre o material e as atividades. 2@ momento - Formagao de 6 grupos vara analise e discussao de situagdes-problema pertinentes 4 Educagao Fisica na escola (anexo 3, pag.21). Foram propostas 5 si- tuagSes diferentes e cada grupo trabalhou com uma. 3@ momento - Painel de discussao e s{intese. 42 momento - Leitura e discussao da carta de Paulo Freire aos professores de Educagao Fisica ( anexo 4, pag.29 ) 2 - De modo geral, os 17 grupos formadus para o ciclo, —_acolheram bem a proposta de trabalho neste dia. 2.1 As discussdes nos pequenos grupos, principalmente, dos gru-, pos que trabalharam com as situagGes 1, 3 e 4, por vezes , chegou a ser bem agitada. No infcio, mostravan-se um pouco parados, indiferentes, mas o trabalho neste momento fluiu bem. 2.2 0 painel de discussao foi a atividade que ocupcu a maior parte do tempo (+/- 1:30h). A apresentagao do relatério de cada grupo revelou a en justificar as situagdes e propiciou também desabafo e "por pra fora! fatos, circunstancias, preconceitos e pressupostos que envolvem a aducagZo Fisica nas escolas munictpais. Em todos os relatos, passa- da essa primeira fase de desuhafo, procurou-se conduzir a discussa para amarré-la em torno das seguintes idéfas. Situagao 1 - Omissao do educador - aproveitando-se a chamada em to, no da "cabulagio" da aula de Educagao Fisica, conside- rou-se que "cabular a aula” havia sido colocado pars Situagao 2 - pal chamar a atencio pata a Mtgagao da aula de Fducagao Fisica com a de qualquer outra disciplina ¢ para res- saltar o fato de que."sempre a aula acontece ‘da mes- ma forma "pode estar revelando a ausincia de objeti - vos do professor em relago ao processo ensino-apren- dizagem. Se nao existe uma finalidade para a ativida- de que os alunos esto desenvolvendo, entao existe a omissao do professor e a omissao é sinal da falta de compromisso com a tarefa educativa . Um professor ais so nao pode ser considerado educador. ‘Ao final da discussao, parece ter havido acordo = em torno das idéias acima, contudo em termos praticos nao d& para perceber se situagoes semelhantes 2 que foi colocada para a discussa0, deixarao de existir. Integragao da Educagao Fisica com os outros componen- tes curriculares - aqui foi diffcil trabalhar esta idéta porque, embora reconhecessem que a situagao pa- ra analise indicasse algo que deveria ser comum tas escolas, na verdade nao o era. E as razdes porque is- to nao acontece. a) - 0 professor de Educagao Fisica raramente (ou nun ca) participa de reuniGes com os prcfessores de outras disciplinas para um conhecer 0 trabalho do outro e planejar as atividades integradas. b) - Poucas sao as escolas que valorizam e reconhecem © papel da.educagao f{sica no curriculo do 1g grau. c) - Existe na maioria das escolas - por parte da DL regao, Coordenagao Pedagogica e professcres em geral - um desconhecimento do cuuteddo da gao Fisica. £ vista como atividade sem importan - cia e que causa muitos transtornos na escola. 22 A discussie desta situagao, Ficou fechada em 2? | pontos: — Um trabalho em Educagao Fisica, bem plane jado e bem desenvolvido, compoe o trabalho de cum tras disciplinas principalmente no que diz res peito ao desenvolvimento de processos de comu- nicagao, de interagaio no grupo e de observagao e atengao, entre outros. = Se isso acontece, ha que se considerar a neces sidade da escola organizar oportunidades siste * maticas para os professores de todas as disci- plinas discutirem propostas de trabalho inte - grado. : Situagio 3 - Condigdes de trabalho do educador - 0 que Ficou eviden te na discussdo desta situagao, fol a extrema preca - rledade das escolas, seja no tocante & existéncia de. espacos fisicos adequados (mesmo quando nao chove), co mo também, no que diz respeito ao material minimo ne- cessario que, muitas vezes,nao ha e o professor * tem que tomar a iniciativa de promover rifas, "vaquinhas", etc. para obt@-los. A situagao @ mais grave no nivel 2, pois os alunos tem a aula de Educagao Fisica em outro perfode e af nem na sala de aula & poss{vel o professor desenvolver alguma: * atividade com os alunos , quando chove. A conclusao da discussao desta situagao ,de um modo geral, pode ser expressa assim: a) - 0 educador precisa ter garantidas as condigdes mi nimas para poder desenvolver o seu trabalho, sen- do assim: - a Administragao deve providenciar, para suprir as escolas do material de Educagao Fisica neces sarlo Situagzo 4 - 23 = 0 espago f{sico para o desenvglvimento das au- las de Educagao Fisica precisa ser estudado em cada escola ¢ uma soluggo deve ser encontrada a encaminhada aos Srgaos competentes, se for o ca so = 0 professor de Educagao Fisica deve estar aten- to e vigilante para garantir serledade no scu trabalho e nao aceitar que suas aulas se jam de~ senvolvidas de qualquer jcito, por causa das circunstancias que encontra. b) -A pratica pedagégica para ser reconhecida e valo- rizada exige que o educador lute por condigoes mL nimas para desenvolver o seu trabalho. A dicotomia cabega-corpo - a discussao desta situagao provocou muita reagao de defesa e os argumentos apre~ sentados estavam relacionados ao montente de trabalho que 0 professor de Educagao Fisica desenvolve. Consi- derou-se, ent3o, a questao - se o professor de Educa~ gZo Fisica trabalha tanto, por que ainda dizem que é Mmoleza" ? - A discussdo, entao, orientou-se para os seguintes pontos: a) - A pratica pedagdgica de nossas escolas ainda es- t& muito baseada numa concepgao falsa de ativida de intelectual que sepata cabega e corpo. b) - Esta dicotomia cabega/corpo relaciona como ativi dades sérias na escola as que envolvem ouvir, , ler e escrever (0 professor explicar um contest do para os alunos, propor exercicios, mandar cs- tudar, aplicar provas, corrigir e dar neta). c) - E necessaric qu, no interior da escola, se dis- cuta e se compreenda a natureza do trabalho desen volvido em cada componente curricular para que 24 Situagao 5 - se possa ter uma avallagae mais precisa do tra balho de cada professor. d) = 0 desenvolvimento cognitive se daa partir di | agoes miltiplas e variadas que envolvem © indi- viduo em sua totalidade e, portanto, nao se jus tifica a dicotomla cabega/corpo. | A relacio professor X aluno no processo ensino-apren dizagem - A analise desta situagao trouxe a constata gdo de que a quase totalidade dos professores de Educagao Fisica da Rede Municipal nao participa das comissoes de classe. E a sua ngo participagao nas co missoes de classe faz constatar, também, a margina- lizagao da Educagao F{sica no contexto da escola. 0 depoimento dos poucos professores quo vivem a expe ~ ri@ncia de participar e serem ouvidos nas, comissoes: de classe, ajudou para que a discussao se orientasse para os seguintes pontos: a) - 0 professor de Educagao Fisica, pelo tipo de au la que desenvolve com seus alunos, consegue de- senvolver uma avaliagao (mesmo sem utilizar re- cursos como provas & exercicios) muito precisa e abrangente sobre cada aluno. b) - Para desenvolver uma atividade com seus alunos, © professor de Educagao Fisica quase sempre so- Licita a ajuda dos alunos para ultimar os prepa rativos da aula; precisa da participagao dos alunos na aula; vibra e sofre com eles na ativi dade; cenpartilha dos insucessos e suces os ava, lia com eles os resultados ao término di ativi- dade. Ora, tudo isso permite um tipo de inters- gao muito bom durante a aula e permite que to- dos se conhegam e se sintam @ vontade uns = com os outros. £ os alunos em feral gostam = muito 25 das aulas de Educagio Fisica. c) = Se a aula.em.que o professor solieita a partici- pagao dos alunos para o trabalho que vai ser de~ senvolvido, permite uma boa Interagao professor- aluno, faz com que os alunos se interessem mais pela aula e possibilita una avaliagao mais preci sa e abrangente de cada aluno e do trabalho do proprio professor, por que nao solicitar do pro fessor de Educagdo Fisica que fale do scu traba- lho para se integrar e assumir seu trabalho peda gogico na escola? Situagao 6 - 0 objetivo da Educagao Fisica na escola e na cowpeti- go - a discussdo desta situagao no painel ficou pre- judicada pelo tempo que se dispunha. Procurou-se, no entanto, garantir a idéta de que a Educagao Fisica na escola deve ser um trabalho que atinja todos os alu - nos e portanto, nao tem o objetivo de formar atletas. A competigao deve estar relacionada 4 alegria de pat- ticipar ¢ nao 4 alegria apenas pela vitoria. : Em todos os grupos a atividade do dia foi encerrada com uma leitura e discussao de uma carta do Professor Paulo Freire aos professores de Educagao Fisica. De um modo geral, houve uma boa acolhida & carta e, um dos grupos, (SL) a respondeu. Neste dia,na analise de uma situagao ou outra, sempre foi levantada a questao da formagao do educador. Os grupos sugeriram que se pensasse em cursos de reciclagem para os professores de Educagao Fisica e que nao demorassem muito a acoa- tecer. ANEXO 3 27 © QUE £ 0 ATO DE EDUCAR SITUAGOES-PROBLEMA PARA ANALISE E DISCUSSAO 1- Um grupo de alunos da 72 série estava “cabulando" a aula de Educagao Fisica. Encaminhades & Coordenadora Pedagégica, ao co- ", disseram que naquele dia "nac esta locar as razées da "cabulagao", vam a fim da aula de Educagao Fisica porque todas as aulas eram sempre a mesma coisa, o professor entregava uma bola para a turma e Ficava de longe espiando o que acontecia’’. 2- Numa reuniJo cm que estavam presentes diretores, coorde- nadores pedagdgicos e professores de varias escolas; uma professo- ra de portugués e um professor de historia de uma mesma escola fi- zeram um depoimento interessante. Segundo eles, uma caracteristica dog alunos da escola em que trabalhavam, erg a disponibilidade com que, tanto meninas quanto meninos, acatavam as propostas de traba~ Lho que exigiam expressao corporal, tals como mimicas e dramatiza- goes. Os ‘professores achavam que o trabalho dos professores de Edu cagao Fisica, pelas miltiplas oportunidades que proporcionavam aos alunos de usarem 0 corpo, delxava-o mais liberados e intercssados * em explorar outras formas de expressao. 3- Em muitas escolas, quando chove é um problema. Os profes sores de Educagao Fisica dizem nao ter condigdes de dar aula e os alunos ficam sen fazer nada. E a velha pergunta volta sempre - "' a quadra é 0 Gntco espage para o prefessor de Fducagao Fistea poder trabalhar com os alunos?" 4- Em tom de brincadeira, sempre que ha oportunidad tros professores dizem - “moleza é ser professor de Educagao Fisi- ca", e em nome desta 'moleza" o professor de Educagao Fisica é que 9 re ore ara tes que te. 28 tem que dar o “duro nas festas juninas e outras comemoragoes du es cola. oe 5- A participagao de boa parte dos professores de Educagao Fisica nas comissocs de classe em geral é muito boa. Muitas vezes colocam dados muito interessantes a respeito dos alunos ¢ com isso em situagoes dificeis de avaliagao exercem uma influéncia decisiva, 6- A escola é famosa e ja tradigao no bairro pelo que -desen- =... peonatos ¢ ol tmpfadas e de alguma forma ou de outra sempre ha uma taga ou medalha para festejar. Para isso os professores de Educagao Fisica estao sempre muito atentos € preocupados em formar e selecio nar os melhores atletas dentre os alunos da escola. ee ANEXO 4 29 CARTA AOS PROFESSORES DE EDUCAGAO FISICA Manifestei na minha primeira carta, "Aos que fazem a Educa- gio conosco em Sao Paulo", a vontade de manter encontros diretos com a8 professores, bem como de abrir uma correspondéncia informal ngiglogo sobre questées pré- no sentido de provocar, entre nos, prias de nossa atividade educativa'': Assim, esse’ encontro com os professores de Educagao Fisica e esta carta representam a possibili dade de, no cotidiano de quem faz a educagao, a intengao transfor- mar-se em gesto: 0 gesto do didlogo entre aqueles sujeitos envolvi- | dos pela pratica e pela reflexao de construir uma nova escola, ori- entada em diregao & educagao do educador, educagao essa que nasce * da relagao profunda com a vida e 4 energia que habitam a escola 5 muitas vez2s, sem nosso consentimento. | E se o que nos inguieta é instaurar 0 didlogo sobre questdes 1+. espect£icas de nossa atividade educativa pata, coletivamente, cons- | truirmos uma nova escola, nos deparamos, de imediato, com duas. ques toes: © que @ 0 ato de educar? De que maneira a Educagao Fisica se coloca como ferramenta . para esse ato? Na tentativa de superarmos uma reflexao metaf{sica sobre Edu cagao, que busca congela-la num certo € nico modelo, numa idéta finica, é a educagao que temos feito que deve nos ensinar 0 que é 0 ato de educar. £ no movimento, na histéria da educagao brasileira , & a educag3o no contexto recente da sociedade brasileira que n08 permite responder a esta quest ao. E, pensar a Educagao na histérta, nos faz logo constatar que nao podemes sengo falar em Educagses ¢ nao em Educagao, pois... 0 olhar atento consegue divisar uma educa- gio pata a domesticagao das consctércias e outra educagao para a li berdade, isso que queremos construir e que, constantemente, tem si- 30 do impedido. © Ampedimento de conjugar, educagao com Liberdade vem tanto da nossa estrutura econ6mico- social, como da nossa formagio cul tur ral que privilegia o aspecto técnico em detrimento do Eilosdfico . a parte em detrimento do todo. formar 0 educador e 0 educando tem sido, na melhor das hips | teses, sin6nimo de ensinar a eles - pela imposigao, pela punigao - através de conteudos e praticas, a "competéncia™ necessaria a so- brevivéncia na barbaric da estrutura social contemporanea. Formar tem sido pois sindnimo de adaptagao e conformagao. £ nada disso @ estranho & dicotomia que herdamos da educa = gdo-e da cultura gregas que, bem preparando 0 homem livre para vi- ver na polis, preparava igualmente 0 seu corpo, pela pratica - de‘ exercicios fisicos, para a disciplina necessaria ao funcionamento da cidade. Desde af, encontramos essa oposigao entre cabega/corpo, 5 “degenvolvendo" a cabega, outros 0 corpo, uns pensando/gover - * nando a cidade, outros defendendo-a, como que projetando a possibi lidade da harmonta na sociedade pela formagao de meios-| homens , pois que 86 corpos ou sd cabegas. A pratica da formagao desses "meios-homens" @ hoje, igual- mente, inStrumento fundamental para uma “sociedade do trabalho, que se apdia om injustigas e desigualdades, pols que a "disciplina" pa ra a ordem que se quer impor s6 pode ser alcangada pela domestica-* go das conscigncias e igualmente dos corpos~ © triunfo dessa sociedade do trabalho-consumo so é possivels pela transmutago da inteireza do humano, a um s6 tempo, cabega e corpo. Assim, a violagao da espontaneidade, o esvaziamento do cor- po como simbolo‘exclusivo da sexualidade, @ repressao dus desejos, © bloqueamento da emogao, a artificialidade dos exerc{cios f/sicos a rtrtr~—~—“=EENc——s—S—ss para a competigZo, sao peas fundamentais para © sucesso dessa or- dem social erguida sobre a violéncia ea escravizagao de muitos ho mens e alguns senhores. Nesse sentido, nao podemos desconhecer que a resposta que 31 conscguimos dar a questo "Yo que ¢ 0 ato de educar?" envolvera sen pre a participagdo e o consent{mento dos "educadores do corpo". Educar o corpo/a razio, para qué? Por qual caminho encontrarcmos a possibilidade da Educagao ser para a liberdade? PAULO REGLUS NEVES FREIRE Secratario Municipal de Educagao 32 ‘ 30 DIA DO CICLO DE DEBATES - QUAL’ A CONCEPGAO DE EDUCAGAO FISICA QUE JUSTIFICA 0 EXAME MEDICO DA FORMA COMO ELE SE APRESENTA NA ESCOLA ? 1 = Participag3o da SEME: Dentro da compreensao de agGes integradas de natureza educativa presente nesta Administragao, a SEME integrou =se ao Programa em quest3o, chamando para si a responsabilidade de dar conta das reflexdes pertinentes ao 32 dia do Ciclo de Debates em pauta. 2 - Dinamica adotada: Obedeceu-se a trés formas distintas de condu- ga0 dos trabalhos, a saber? 2.1 12 Momento - Distribuigao dos presentes em pequenos gru ~ pos; interpretagao de textos (anexo 5a 9 » pag. 35 ) ' 22 Momento - Relato - em plenaria - das consideragoes fei- tas pelos componentes dos grupos, acerca dos" textos analisados (relator eleito pelo grupo) 32 Momento ‘ Explanagao e> coordenador dos trabalhos do dia, construfda « partir do explicitado pelos relatores dos grupos, buscando o estabeleci - mento de relagao entre os seus posicionamen - tos e o tema gerador, 42 Momento - Debates abertos. Constatou-se, nessa forma de condugao dos trabalhos, que Observagao: os textos escolhidos nao conseguiram canalizar os debates no inte~ «lor dos grupos para o assunto pertinente ao tema central do dia , tanto pela auséncia de uma relagao direta deles com o tema central quanto pela ineficiéncia ao tratamento a eles dispendidos. 2.2 19 Momento - Trabalho em pequenos grupos a partir do suscL tado pelo tema central do dia. 22 Momento - Relato - em plenaria - das consideragdes fet- 33 tas pelos componentes dos grupos, acerca dat compreensfio do tema gerador, por parte del ess 3@ Momento - Explanagao do coordenador dos trabalhos, vie sando um maior aprofundamento da compreensao explicitada pelos presentes a respeito do te ma em questao. 49 Momento - Debates abertos. | Observagao: Constatou-se, nessa forma de condugao dos trabalhos . que a desinformagao existente a respeito do assunto impediu um aprofundamento dos debates havidos no interior dos pequenos grupos tornando a intervengao do coordenador das agdes do dia, menos pro- veitosa do que o almejado. 2.3 12 Momento - Explanagao, por parte do coordenador dos tra balhos, construfda na busca da explicitagao do significado do tema central do dia. 20 Momento - Debates, em pequenos “grupos, objetivando £a- zer com que fossem arrolados, pelos compo - nentes dos grupos, as duvidas, questées e o1 » tros posicionamentos suscitados a partir di fala havida no momento anterior. 30 Momento - Relato - em plenaria - das consideragoes e! boradas pelos componentes dos grupos, acerc da explanagao feita no 12 momento pelo coor denador dos trabalhos. Intervengao do coordenador dos trabalhos, bu 42 Momento cando responder e/ou aprofundar as questbe levantades pelos grupos. Observagao: Essa dinamica, foi aquela que - dentre as demais - me lhores resultados obteve, no sentide de responder as questdes in trf{nsecas ao tema central gerador das agoes do dia. : 34 3 - Perspectivas: Entendemos que 0 Ciclo de Debates pode contixu - rar-se como ponto de partida do debate que deve ocorrer no inte- rior da SME, em torno do redimensionamento da Educagao Fisica en- quanto matéria curricular integrante dos curriculos de 12 grau. Para tanto, necessario se faz que concomitantemente av in- centivo ao debate, se estabelega um cronograma de Cursos/Programas de reciclagem - qualificagao docente, que garanta a regularidade e sistematicidade dos mesmos, numa linha que propicie aos docen - tes, o apropriarem-se de um referencial tedrico, de cunho sdcio - filoséfico, que os aproxime do entendimento acerca da estrutura social brasileira, em geral, e do seu sistema educacional, em par- ticular, para af, entao, perceberem mais claramente, o papel que cabe & Educagao F{sica representar no cenario educacional bras{leL TO. ANEX) 5 EDUCAGAO FISICA: ATIVIDADE OU DISCIPLINA CURRICULAR .. A compreensao da Educagao Fisica enquanto 'Matéria Cur rieular' incorporada aos curriculos sob a forma de atividade- agio nJo expressiva de una reflexZo tedrica, caracterizando-se, desta forma, no ‘fazer pelo fazer' - explica e acaba por justificar sua presenga na instituigao escolar (...) enquanto uma mera experi€n- cia Lmitada em si mesma, destitulda do exercicio da sistematiza~ gao ¢ compreensao do conhecimento, existente apenas empiricamente. Como tal, faz por reforgar @ percepgao da Educagao Fisica acoplada mecanicamente, a 'Educagao do Fisico’, pautada numa compreensao de ‘gaiide' de indole bio-fistolégica, distante daquela observada pela Organizagao Mundial de Saude, compreensao essa, sustentadora do preceituado no §19 do artigo 3° do Decreto n2@ 69.450/71, que diz constituir a aptidio Fisica, ‘a referéncia fundamental, para orien tar o planejamento, controle e avaliagao da, Educagao Fisica, des~ portiva e recreativa, no nivel dos estabelecimentos de ensino', Reivindicamos, portanto, através-desta proposta, que a Edu- cagao Fisica,passe a Ser reconhecida, como matéria curricular pre- sente na instituigao escolar, sob a forma de DISCIPLINA, que,segun _ do os documentos Legais mencionados, significa estabelecer 0 pro- cesso de aprendizagem predominantemente a partir de conhec{mentos sistematizados. Isto porque a entendemos - nunca é demais repetir- como un campo de conhecimento dotado de um saber que lhe é proprio e espec{fico, e, cuja apreensao por parte dos alunos refletiria par te essenctal da formagao integral dos mesmos, sen a qual esta nao se daria. Reivindicanos, com outras palavras, que o fazet presente em sua pratica pedagdgica, seja verdadeiramente, expressao ve ume reflexao teérica ee : Fonte: Educagao Fisica no Brasil: A Histéria que nao se conta. Li- no Castellani Filho, Papirus 36 ANEXO 6 EDUCAGAO FISICA, ESPORTE E SAGDE Renata Agoni ao tentar atravessar 0 canal da mancha em agosto de 1988, morreu; Bahia: Em una partida pelo Campeonato Estadual de 1988, morre um jogador de Parada Cardfaéa; Rio de Janeiro 1988, um grupo de Sargentos do Corpo de Paraquedis tas do Exército morre de esgotamento fisico devido ao excesso de treinamento £isico; Araraquara 1988, um servidor municipal que disputava uma luta de boxe pela liga Regional morreu; E.U.A. 1988, um relatério da Comunidade Médica Esportiva revela que jogadores de futebol americano e lutadores de “boxe tem média de vida menor que sedentarios; Brasil 03/89, a Revista Nova Escola divulga que a maioria das eriangas adquire problemas posturais apés “entrar na escola; a ma- téria denuncia um despreparo dos profissionais de Educagao Fisica para a-questao da Consciéncia Corporal ; Folha de Sio Paulo, 29/08/88 C-9, denuncia os problemas de cresci mento infantil, causados pelo Super treinamento e Atividades Fisi cas Inadequados ; Seul 1988, varios atletas apés exame anti-dopagem sa0 acusados de uso de Esterdides Anabélicos, inclusive o Recordista Mundial dos 100 m, Ben Johnson; seul 1988, apés a final das Olimpiadas, o corredor Edwin Moses ' funda um Grupo com atletas que se recusaram a competir com atl: - tas que se dopam, a justificativa & que 75% dos atletas hoje se dopam; 37 PARA PENSAR: * Se as aulas de Educagao Fisica servem apenas para desenvolver a aptidao [fsica, o aluno forte, veloz e habil, poderia perfeitamen te ser dispensado delas. * 0 professor de Educagao Fisica é mais saud4vel que os outros pro- fessores. Esté menos sujeito a doengas. *Sea Edicagao Fisica realmente des envolve a saude, os alunos re- provados no exame médico so os que mais precisam dela. 38 ANEXO 7 CENA DE SANGUE NO PACAEMBO OU ESPORTE TAMBEM £ CULTURA Domingo Gltimo o espetaculo esportivo nao se restringiu ao espago do gramado do Estadio Municipal do Pacaembu. Enquanto os. atletas das equipes buscavam tornar a tarde de domingo dos torcedy res ali presentes, a mais agradavel possivel, dois desses torcedo- res entenderam que deveriam resolver no tapa, suas diferengas 2 respeito da performance do juiz da partida, que segundo cles, prev judicava "visivelmente" suas equipes, as quais, por sinal,nao eran 4 as mesmas. , Depois de uns momentos onde as respectivas macs foram insis- tentemente lembradas, os senhores Fabio Alcantara, médico, eo Sr. Antonio Matias, sem escolarizagao, partiram para uma briga engalfi- nhando-se pelas escadarias das arquibancadas do Pacaembu, sendo ne- cessaria a intervengao da pol{cia para dar por encerrado aquele es- petaculo, que j4 contava com quase mais toréida do que 0 jogo pro- priamente dito. da Reportagem Local ESPORTE E EDUCAGAO - Garoto, vem ca! Foi muito a contra-gosto que o treinador chamou Renatinho , que esperava anéioso a sua oportunidade de jogar um pouco, naquela partida de futebol valida pelo “ampeonato Inter-Escolar. Por forga do rerulanento, todos os meninos inscritos — eram obrigados a jogar pelo menos 15 minutos. Pouco mais que isso era o tempo que faltava para o término do jogo, e a equipe precisava man- ter o resultado favoravel de 1 a 0, para chegar as finais. eee Estas foram as instrugdes dé tretnador para Renatinho: . = Voe® vai entrar no lugar no Carlao, na ponta-esquerda, mas pelo amor de Deus nao vai tentar fazer 0 que voc® nao sabe, 830 que-, ro nenhuma gracinha em campo. Pegando a bola chuta logo pra frente. 4 Entendcu. bem. Val... fo 40 ANEXO 8 NOTAS SOBRE SAGDE * Nos Gltimos trezentos anos, em nossa cultura, adotou-se a concep- G0 do corpo humano como uma maquina, a ser analisado em termos de suas partes. A mente e 0 corpo estao separados, a doenga: é vis ta como um mau funcionamento de mecanismos biolégicos, e a satde @ definida como a aus@ncia de doenga. Essa concepgao agora esta sendo lentamente eclipsada por uma concopgao holfstica ¢ ecolégi- ca do mundo, que nao considera o Universo uma maquina, mas um sis tema vivo; essa nova concepgao enfatiza a inter-relagao e inter- dependéncta essenclais de todos os fendmenos ¢ procura entender a natureza no sé om termos de estruturas fundamentais, mas também em fungdo de processos dinfmicos subjacentes. * A saide realmente um fendmeno multidimensional, que envolve as- pectos fisicos, psicolégicos e sociais, todos interdependentes. A representagao comum de saiide e doenga como extremos ypostos de al go continuo e unidimensional é muito enganadora. A doenga fisich pode ser contrabatangada por uma etitude mental positiva e por um apoio social, de modo que o estado global seja de bem-estar. Por outro lado, problemas emocionais ou 0 isolamento social podem fa~ zer una pessoa sentir-se doente, apesar de seu bom estado £fsico | nhecera que 0 meio ambiente criado por nosso sistema social e eco némico, baseado na visdo de um rundo cartesiana, fragmentada e re ducionista, tornou-se ura séria ameaga A nossa saude. Uma aborda gem ecoldgica da sadde <3 tera sentido, portanto, se for acompa - nhada de profundas mudangas em nossa tecnologia + em nossas ~Stry turas sociais e econdmicas. 41 * Embora todos nés saibamos o qye significa sentirmo-nos saudaveis, & impossivel definir precisamente tal estado; a sate @ uma expe- ri€ncla subjetiva, algo que pode ser conhecido intuitivamente , mas nunca descrito ou quantificado. * Através de uma dicta sofrivel, da falta de sono, de exerc{cio, ou por se encontrar num estado de desarmonia com a Eam{lia ou a so- ‘ ciedade; 0 corpo pode perder secu’ cquilfbrio, ¢ em momentos como esse que ocorre a doenga. * © que é saudavel e donte, normal ou anormal, sao e insano, varia de cultura para cultura. Além disso, o contexto cultural influen- cia o modo especifico como as pessoas se comportam quando adoecem. * A saade é uma experiéncia de bem-estar resultante de um equilf- + brio dinfimico que envolve os aspectos fIsico e psicdlégico do or- : ganismo, assim como suas interagées com o melo ambiente natural e | 1 social. . * Estar em equil{brio dinamico sigaifica passay por fases tempora - rias de-doenga, nas quais se pode aprender e crescer. * A doenga pode ser fisica ou mental, ou manifestar-se :omo compor- 4 tamento violento e temerario, incluindo crimes, abusc de téxicos, ~- acidentes e suicidios, a que se pode licitamente dar o nome de 5 doengas sociais. : . Ls x i | ta i ———————— i Fonte: 0 Ponto de Mutagao de Fritjof Capra, Editora Cultrix 42 ANEXO 9 CORPO, SAODE E SOCIEDABE Se pudéssemos psicanalisar tcda a populagao brasileira, den- tro do contexto do modelo da cultura ocidental contemporanea em que ela se estabelece, provavelmente encontrarlamos diversos quadros clinicos que, numa anamnese, comprovariam o‘pluralismo ou a multi - plicidade patologica que caracteriza os nossos corpos. Somos a todo tempo requisitados a ser filhos obeaientes, pais trabalhadores — responsaveis; professores que ensinem 0 Sbvio-padrao, maes dedicat das, amantes fidis, cidadaos pacificos e cumpridores de nossas obri. gagoes, mulheres sensuals, déceis ou submissas, militares respelta- dores da ordem estabelecida, alunos estudiosos (pouco importando se © conteddo de ensino nos interessa ou rao), .-. enfim, um sem-nume- ro de condicionamentos que, na luta pela superagao dos nossos con- flitos, sao regulados homeostatica e dialetjcamente por licenciosi- dades ou-transgressdes estas ULtimas variando desde a necessidade de uma "inocente"’ mentira, até a instituigao de grupos organizados de crime (sangrento ou "branco"). Tomando-se por base a hipétese de que a nossa soctedade con- temporanea, através de suas instituigoes, estabelece um padrao neu- tdtico de normalidade comportamental para todos, infere-se que dla provoca toda sorte de presses e repressdes, que vao caracterizar ' os nossos diferentes grupos sociais. Indiretamente a nogao de sani- dade mental, por exemplo, @ tomada segundo os parametros elaborados pela ideologta dominante. af a loucura seria todo © processo que se instala nos individuos que “0 se adaptam a este esquema simbdlico dado. Desta forma, poder-se-La dizer que a ideologia, usando uma Linguagem psicanal{tica, nado passa de uma produtora de ncurose indi vidual e coletiva. No ser humano as marcas sociais se fazem sentir mesmo antes do nascimento. Na gestagao, no parto e daf por diante , 43 na wedida em que se consegue Cranspor us: obstacules exislenciais , s condicionamentos, dependonde vamos sendo objetos dos mais dive do contexto de classe em que se vive. Numa perspectiva somatica, ve rificamos que 0 nosso corpo vai sendo modelado por regras sdcio-eco némicas domesticadoras, sufocantes, opressoras, repressoras, "educ. tivas': as couragas musculares vao surgindo, segundo as caracteris- ticas socialmente impostas as pessoas. Na medida em que somos afastados de certas leis basicas de uma saudavel exist@ncia humana (alimentagdo adequada, moradia con- fortavel, instrugao e educagao aut@nticas, trabalho laboral, certa dose de afetividade, solidariédade, etc.) advém os desequil{brios ' que, por sua vez, provocam as mais diferentes patologias. Segundo a teoria Reichiana ha no Universo um movimento de expansao (vida) ¢ outro de retragao (morte) que precisam ser mantidos em relativo (e- quil{brio-dinamico). Qualquer alteragao significativa no ritmo de expansao e retragao pode causar doengas e distirbios gencralizados. Tais situagées de desequil{brio ocorrem nao sé quando sao negadas ao ser humano as condigdes minimas de sobre¢ivéncia e manutengao dbs mefos de vida, mas também em situagdes aparentemente menos drasti - cas como, por exemplo, quando se nega a-pessoa (do sexo masculino >) © direito de chorar devido a um valor cultural estabelecido,ou quan do falta amor ou afetividade em nossas relagdes, ou quando se é sub metido a un parto cesariano. Isto é 0 que também nos ensina a culty ra oriental, onde certas nogdes sobre energia, equilfbrio, meridia- nos, polos positivo e negativo, etc. sao vistas com um misto de re- serva e desprezo pela medicina ocidental. S6 mesmo a pratica, nos comprova que, muitas vezes, um exame acurado de nossos canais e ci- clos de cnergia, acompanhado de uma simples mudanga de alguns alt mentos ingeridos pelo corpo, bastam para curar enfermidades que a nossa medicina sofisticada e arrogante nao consegue tratar ericien- temente. f Mas o que quero demonstrar com tudo isto, @ que o corpo dos brasileiros, que aqui é nosso objeto de estudo, e , de uma forma ge n oh yal, um corpo que perdeu o seu ritmo natural, perdeu o seu equi = brio. ou scja, ainda nao conseguiu alcangar um estado de profunde e Jindmico bem-estar E{sico, mental e social. £ um corpo violadu pe- Las condigdes histérico-culturais ¢ concretas. Apesar de nosso povo ter conquistady recentemente uma relative democracia pol{tica e es- tar buscando uma aut@ntica democracia social, os nossos corPoss mar, cados deologicamente, estao fortemente impregnados por um autorita risms que ainda por muito tempo sera reproduzido em nossa carne. Por outro lado, nas relagées socials de trabalho, a produgado © 0 cap! - tal {nchan-se de tal forma, que ocupam todo © espago onde os seres humanos poderiam se desenvolver. $6 ha lugar para o Lucro de alguns alienagao de todos. Como diz Erich Fromm: “Pizemos da produgao um fim de si mesmo, ao invés de um meio para a felicidade; transforma- mo-nos em parte das maquinas em vez de sermos. seus senhores; somos bens a venda e nos alienamos do nosso verdadeiro eu". es Fonte: 0 Brasileiro e Seu Corpo de J.P.S.Medina, Editora Papirus Gn 4 1 45 4@ DIA DO CICLO DE DEBATES - QUAL A JUSTIFICATIVA TECNICA PARA A MUDANCA NA SISTEMATICA DE AVALIAGAO MEDICA DO ESCOLAR Metodologia de trabalho adotada no 49 dia? 19 Momento - apresentagZ0 da proposta de trabalho . 2° Momento - leitura dos seguintes textos: 1. "Exame médico periédico para Educagao Fisi cat vale a pena?" - Gerson Zanctta de Lima e Barbara Turini (anexo 10, pag. 47 ) 2. "Exame médico: a quem serve?" - Carmen Lii- cia Soares (anexo 11, pag. §t ) 39 Momento - discussao dos textos em pequenos grupos. 49 Momento - relato - em plenaria - das consideragocs fef- tas pelos componentes dos grupos, acerca dos textos analisados (relator eleito pelo grupo) ' 52 Momento - discussao final com 0, coordenador, a partir das explanagdes feitas pelos grupos, buscan- do o estabelecimento de relagao entre os seus posicionamentos e o tema gerador. Durante esta dindmica, verificou-se que o primeiro texto ' apresenta uma terminologia médica, que por mais que tenha sido sim- plificada por seus autores, era de dificil compreensao para os pro- fessores, criando a necessidade da interfer€ncia do coordenador pa- va esclarecimentos durante a leitura, A partir do contetido dos textos, pode-se desmistificar a questo da morte subita que & geradura de grande inseguranga aos, professores de educagao fisica. Além disso, essa leitura possibili- tou a discussi0 sobre a ineficacia do exame médico, permit inJo ° aprofundamento dos aspectos tecnicos, clentificos e politicos que permeiam essa pratica. Varios grupos discutiram o problema da responsabilidade so- bre os eventuais acidentes que possam ocorrer durante as aulas de educagio ffstea, Observou-se, 2 partir dessas discussdes, que a exist@ncia do exame médico para qualificar o aluno para a prati- ca da cducagio Fisica na escola, apesar de ndo encontrar respaldo técnico-cient{fico, criou uma demanda com conteidos explicitos ¢ impl{citos, conscientes ¢ inconscientes. Nos contetides impl{citos © inconscientes, percebcu-se a angistia 2 os medos em relagao a suspensao desta pratica. Esses sentimentos ttm apoio na concepgao de que o aluno é deficiente, doente e fraco, e , portanto, pode morrer ou ter um problema grave de saiide na quadra. Se essa situa go ocorrer , de quem é a culpa? - de quem é a responsabilidade? Além disso, estes medos sao reforgados por duas situagdes existen- tes nas escolas, a saber: a escola nao tem uma discussao acumulada sobre 0 assunto e os professores de educagao fisica sentem-se iso- Lados do corpo docente e administrativo. Nesse contexto, a reacao 3 austncia do exame @ grande, pois o médico surge como o profis - sional que vai eximir 0 professor da culpa e da suposta responsabi lidade. Isto é um dos mitos criados em relafao a esta questao,pois o cxame {{sico periédico é um instrumento Ineficaz na prevengao da morte -subita introduzida por exercicto e, portanto, o médico também nao pode ser responsabilizado pela sua ocorréncia, A partir dessas discussdes, ficou evidente a necessidade tanto de um posicionamento da instituigao escolar frente a estas questées como da analise cuidadosa de cada caso, sem incriminagoes aprioristicas. Neste-sentido, foram feitas as seguintes proposta: = articular uma "Central" para orientagao da escola nos casos de acidentes ou morte subita na escola; = preenchimento de questiona-io sobre as condigdes de satide do alu no, por ocasiao da matricula; = autorizagao dos pais para a pratica da Educagao Fisica; = outros ciclos de debates com a participagao dos coordenadores pe dagégicos e diretores das escolas. 47 ANEXO 10 EXAME MEDICO PERIODICO PARA EDUCAGKO FISICA: VALE A PENA? Gerson Zanetta de Lima* Barbara Turini** Iniclamos este texto com uma questao: qual o objetivo do cxa me médico periddico na escola? Conforme regimentag3o legal (Lei Federal n2 69.450, de 19.11. 1971) no Brasil o exame médico deve ser feito como pré-qualificagao’ do alunado para as aulas de educaga0 f{sica. Esta caracteristica permite deduzir que este exame deva ser feito de modo a descobrir problemas, conhecidos ou desconhecidos pe- 1a fam{lia, que poderiam vir a ser agravados pela pratica de exerci- ctos. Do ponto de vista da literatura médica, temos dois tipos de exames periédicos comumente aplicados aos escolares? + um exame geral e pretensamente completo, que deveria = in- “lui dados sobre antecedentes da crianga e que objetiva eliciar todo e qualquer problema que possa interferir com a vida escolar do aluno ou mesmo com a vida fora da escola, Este @, portanto, um exame de natureza profilatica, que tem sido recomendado a intervalos variaveis, geralmente ras 18, 48 e 82 séries, muito embora nao haja consenso sobre sua utilidade. en eal * Professor-assistente do setor de Pediatria do Departamento Materng de infantil e Saude Comunitaria da Fundagao Universidade Estadi Londrina; ex-coordenador do Projeto-Escola. fe Médica da Secretaria de Saude e Promogao Soctal da Prefettura My nictpal de Londrina eo mic 48 . um exame espec{fico de pré-qualificagao para a pratica es portiva competitiva. Acreditamos que nao haja dividas so- bre a necessidade des ce tipo de exame, dado que o esporte competitivo, por exigir esforgos intensos e continuados do atleta, pode agravar ou p6r a descoberto problemas de sade que passariam desapercebidos em situagdes normals de uso do corpo. & um exame especializado, que deve ser completado por investigagdes Laboratorlais especificas pa ra as diversas modalidades esportivas. 0 que se preconiza no Brasil, no entanto, nao @uma coisa nem outra. Trata se de um exame que qualifique o aluno para a pratt ca de educagao fisica, para u velha aula de ginastica, na qual a pratica de exercicios extenuantes ngo sé deve ser incomum, mas mes- mo contra-indicada. : Voltando 4 nossa questao, que benef{cio o exame médico pode trazer para o aluno normal em relacao 4 pratica de educagzo fisica e qual o custo desse beneficio? Esta Gltima questZo pode ser assim desmembrada: qual a efi- cicia clfnica dos exames médicos habitualmente realizados nas esco- las, do ponto de vista geral e do particular, de qualificagao para a pratica da educagao ffsica e qual a relagZo custo-benef{cio desse tipo de abordagem, isto &, quanto custa aos cofres do Estado 0 en- contro de um caso que se beneficie da medida em aprego? Antes de avangar, devemos enfatizar alguns aspectos. 0 primeiro e mais importante @ que reconhecemos ao escolar o riesmo direito que reconhecemos a qualquer cidadao, crianga, adul- to de qualquer sexo, jovem ou velho - o direito ao livre acesso a servicos de saide gratuites para cuidados profilaticos e curativos. Este direito, admitimos, nao tem distribuigao equitativa a todes os cidadios brasileiros e 0 esvolar pobre tem sido um dos grupos mals esquecidos, Ele possibilitaria ac escolar a consulta pertodica 8 ume equipe de satide, condigao na qual ocorrem as melhores oportuni- dades para que seus problemas sejam corretamente diagnosticados. @ 49 orientados, no rigor da técnica clinica de melhor qualidade, exige tempo, pact@ncia, perseveranga e, sobretudo, confianga entre © consultado © o consultante, De longa data sc rcconhece que o exame médico periddico, rea Lizado na auséncia da fam{lia, praticamente sem anamnese (sem divi- da o elemento semioldgico'mais importante), em tempo muito curto e, frequentemente, na ausdncia de confianga perde eficiéncia em rela - go a uma pratica mais ortodoxa. Ja na década de 50, Yancauer esti- mava que este tipo de pratica deixava de diagnosticar ate 50% dos problemas das criangas consultadas. A estes maus resultados sobrepy nha-se o fato de que a maioria dos problemas diagnosticades era de pequena importancia e, frequentemente, cles ja eram conhectdos pre viamente. Inimeras praticas de triagem (screening) derivaram destes estudos, todas elas motivo de controversia periddica na ‘literatura (Eisner, 1971). : Em resumo, o melhor exame médico periédico que pode ser fei to & aquele que, idealmente, se d& no interior do sistema de saide, entre a famflia, a crianga e o clinico e qug dificilmente é° substi- tufdo com vantagem por qualquer outro procedimento na escola. No en tanto, a _situagao nacional, atual, de acesso diffeil ao sistema de saide, € condizente com a sistematizagao de algumas praticas, como © teste de acuidade visual, por exemplo, a serem realizadas no inte rior das escolas como triagem, mesmo por pessoal nao-especializado. Passemos agora a examinar a questao mais especifica da qua- 1ificagao para a pratica de esportes. Este exame, quando nao volta- do & profilaxia de problemas resultantes da prética competitiva, co mo 0 agravamento de um pequeno problema misculo-esquelético, por exemplo, sé tem sentido na profilaxia de eventos graves, tais como morte subita. —— 1, Semiologia - conjunto de técnicas de anamnese e exame £{sico que permitem ao médico o racioc{nio clinico adequado a cada paciente. 50 Justifiquemos. E de se supor que a educagao f{stca enstne a pratica de exercicios fisicos de carater higi®nico e profilatico , com apenas alguns poucos alunos derivando para o trabatho atlético. Nao se espera que estes exerefelos possam agravar problemas dos alu nos ou, se tal acontecer, ¢ razoAvel esperar que isto seja notado pelo professor ou pela fam{lia e que se tomem providéncias no senti do de sanar o problema. 0 Gnico problema insanavel seria a morte si bita ou a situagao de morte iminente que pudesse resultar em Lesdes neuroldgicas graves. . A maior parte das criangas, em sua vida pré-escolar, desen-° volve atividades f{sicas que representam esforgos de alguma monta. + Enbora nac se esteja atento para isso, a sucgao nos primeiros meses, © infcio do sentar, do engatinhar e do andar sao esforgos acentua - dos. Ainda, a matoria das criangas tem oportunidade de correr, sal- tar e pular, Durante essas atividades a maior parte das limitagoes fisicas graves sao veconhecidas e, via sistema de saude, diagnosti- cadas e tratadas. A propria famflia pode, portanto, prestar informa - gdes sobre as condigdes de suas criangas papa a pratica de exercf- cios fisicos e a pratica desportiva, desde que adequadamente inter- rogada. : Uma outra parte das criangas, ou por sonegagao de = informa- gGes pelos familiares (se a eles for perguntado), ou por ter um pro. blema de satide n3o reconhecido, apresentarao limitagoes durante a pratica de exercicios, que poderao facilmente ser reconiecidas pelo professor e adequadamente encaminhadas para diagnéstico e tratatien- to. Estas duas situagocs, portanto, nao representam maior pro- Dlema, pot nao’ representam mafor rtaco para as criangas. 0 que representaria risco, ent3o? Apenas problemas nio re- conhecidos que pudessem Levar a morte stibita ou a danos corporais ' severos durante o exercicio, Morte subita é definida como aquela que ocorre até 24 horas apés a instalagao da causa. Luckstead (1982) classificou as causas : 51 de morte subita em atletas em trés grupos principais: 1. Alto risco inerente a0 esporte: os esportes coletivos que envolvem contato corporal (por exemplo, futebol america~ no) e alguns esportes individuais (por exemplo, alpinis~ mo) apresentam malor risco. 2. Condigdes ambientais adversas & pratica desportiva: geral mente subvalorizadas ou nio reconhecidas, sao seguramente muito importantes. Esto tigadas ao clima ( temperaturas muito altas ou muito baixis, por exemplo), a0 equipamento (dureza do piso , por exemplo) ou a regras imperfeitas (nio-previsao do desenvolvimento do "efeito solo" na For- mula Um, por exemplo). : 3. Existéncia de problemas médicos, reconhecidos ou nao: ge- ralmente supervalorizados em relagao & frequ@ncia com que realmente ocorrem. Nossa preocupagao principal neste texto é, obviamente, o ter ceiro {tem. As principais causas médicas de.morte subita estao rela-- clonadag a trés sistemas: cardiovascular, respiratério e neuroldgico, Nossa tarefa é responder com que eficiéncia o exame médico per{édico, tal como ele pode ser praticado em nossas escolas de hoje, consegue descobrir estas causas. - As causas cardiovasculares sao, de longe, as mais importan — tes, implicadas em 50% dos dbitos inesperados de criangus e adultos. © exame médico periédico é muito pouco eficiente para preve- nir a morte sdbita de causa cardiovascular. Vejamos porque. Entre as causas provaveist de alteragoes auscultatorias (so~ pros) em jovens assintomaticos, # principal causa & 0 sopro inocente ou normal, sem significado «}{nico. _ 2. Diagnéstico diferencial de sopros cardiacos em jovens normais:nor * gal (ou funcional ou inocente); estenose adrtica congénita; car- diomiopatia obstrutiva hipertréfica idiopatica; coartagao da 52 Ocorrendo em coda ertanga uma ou outra vez na vida e em qua se 30% detas em um momerto dado, mesmo considerando que certas caracter{sticas semiolégicas sugerem fortemente sopro tnocente, nao ha condigdcs de certeza absoluta para firmar este diagnéstico por métodos clinicos. Por exemplo, a cardiomiopatia hipertréfica obstru tive, uma das principais causas cardiovasculares de morte sabita , pode ter semiologia indisting {vel da de um sopro inocente. © prolapso de valvula mitral, outra causa de morte subita , geralmente nao apresenta semiologia importante. Ambas as doengas geralmente sao diagnosticadas por ecocar - diografia e suspeitadas apés uma s{ncope ou episddio de dor precor~ dial severa. Afora a estenose adrtica severa (geralmente sintomatica) e a coartagao de aorta (frequentemente assintomatica), todas as | ou- tras causas de sopro citadas, desde que presentes ei crianga assin- tomitica, seriam doengas leves e compativeis com exercicios fisicos, mesmo com pratica de esportes competitivos (Lambert, 1974). Outras duas causas de morte subita ‘em atletas sao a origem aberrante da artéria coronaria esquerda e a ateroesclerose, ambas de diagnéstico improvavel em um exame médico periddico (Luckstead , 1982). As arritmias cardiacas graves sem outras anomalias cardia - cas sdo muito raras na infancia e na adolescéncia e demandariam no Ee aorta; defeito septal atrial ou ventricular; ducto arterioso pa- tente; insuficiéncia mitral de origem reumatica; prolapso da val wola mitral; insufici@ncia adrtica (Strong, 1982). 3. Neste texto nao nos preocupamos em explicar cada patologia des- cerita, pois foge aos nossos objetivos. Também nao pretendemos que o Lleitor memorize cada exemplo citado, mas que ‘entenda o ra~ cioc{nio geral e perceba que estes exemplos sao usados aqui ape- nas para facilitar a percepgao das idéias basicas. 53 afnisno um eletrocardiograma (ECG) simples, quando nao um ECG de ¢ forgo ou um ECG cont{nuo para seu diagndstico, o que esta fora de cogitacao para o exame periddico, dado seu alto custo. Um resultado do exame médico poderia ser a descoberta de uma crianga com hipertensao arterlal. Aqui também o exame & falho. Devido 3 labilidade da pressao arterfal no jovem, sao necessarias trés medidas em ocasides distintas e em ambiente tranquilo para © diagndstico de hipertensao. A falta da fam{lia nao favorece o ambi- ente calmo e 0 exame escolar é feito uma sé vez ao ano. De toda for ma, apenas a hipertensao severa (maxima maior que 250mm/hg) contra~ ‘| -indica o exerefcio fisico. Na hipertensao leve a moderada o exerci cio é, via de regra, benéfico hipertensao raramente é causa de morte subita. : Dentre as causas neurolégicas que poderiam levar a morte subita ou lesoes cerebrais graves durante exercicio, fisico estao os saneurismas e a epilepsia, insuspeitaveis ao exame cl{nico corriquel ro. As doengas pulmonares raramente passam desapercebidas pela famflia. Um asmatico, principalmente uma crianga com asma induzida por exercicio ou uma erianga com comprometimento de fung30 pulmonar de monta a impossibilitar a pratica desportiva,seria melhor percebi do pela professora durante as aulas do que pelo consultante — even= tual. £ improvavel que tal tipo de crianga viesse a apresentar mor- '* te sGbita antes de dar sinal de sua doenga. Nao nos deteremos em algumas outras poucas eventual idades . elinicas que poderiam ser causa de morte sibita em jovens assintoma ticos, posto que sio raras. Esperamos ter apresentado um numero su- ficiente de razoes para demonstrar que © exame f{sico periddico é uma ferramenta ineficaz na prevengao da morte sibita induzida por exercicio, especialmente da maneira como ele é habitualment2 reali- gado - pelo médico, na auséncia da fam{lia, em ambiente inadequado e, muito amidde, de forma apressada. Ainda assim ele seria justificado se fosse um procedimento barato, se a relagao custo-beneficio fosse baixa. | _ Infelizmente, nao ha estat{sticas sobre a frequéncia com que ocorre morte siibita inesperada na pratica de gindstica corriquel ra ou esportiva, mesmo nos pafses mais desenvolvides. Ocorréncla pro vocadora de comogao social, nao temos divida de que esses eventos nao escapariam 4 crOnica dos meios de comunicagao, o que nos leva a afirmar tranquilamente que este tipo de evento é muito raro. A frequ@ncia com que defeitos cardfacos ndo-suspeitados * ocorrem em uma populagao também é desconhecida. Usando semiologia armada (fonocardiologia digital computado rizada) Cayler (1970) chegou a cifra de seis criangas portadoras de les3o cardfca nao-diagnosticada por mil criangas examinadas nos Esta dos Unidos, a um custo de 145 délares por diagndstico, descontada a - amortizagao do aparelho e usando a técnica em um volume extremamente grande de criangas. Este custo era mais baixo do que ‘o exame médico periddico, de cerca de mil délares por diagnéstico, A estimativa de todos os casos com lesao cardfaca, neste trabalho, foi da ordem’ de 15 por mil. Para o Brasil, poderfamos esperar um maior niimero de casos néo-diagnosticados, mas dificilmente passar{amos o niimero de 15 por mil, ou 1,5%, nao computados os casos de doenga de Chagas, cujas ma~ nifestagoes card{acas sao incomuns em jovens e tampouco podem ser diagnosticadas por métodos clinicos. Reafirmamos que a maioria dessas lesdes card{acas nao-diag- nosticadas anteriormente sao compativeis com a pratica de educagao fisica ra escola. Talvez pelas razdes expostas é que pediatras americanos classificaram 0 exame médico periddico na escola em 949 lugar em uma lista de prioridades de 95 ftens (Eisner, 1971). Todavia, e ja dissemos isto antes, ha problemas de “sadde nos escolares que, se diagnosticados e tratados, poderidm levar a uma melhora de qualidade de vida da crianga e até a um melhor desem-_ penho nas aulas de educagao f{sica, embora muito raramente sé achas- se um candidato a morte siibita que pudesse ser beneficiado. 55 © que fazer? Em primeiro Lugar, um-€rabalho cont{nuo no sentido de que a atengao a saude da popula fo bragileira, em ygeral, e do escolar em particular, seja meLhorada, e que ela possa ser felta sem que se ten nha de criar metodos especiais de exame e diagnéstico, como o exame médico escolar. Em sogundo Lugar, !utar para que nogdes basicas de saide e de identificagao de patologias volte a fazer parte do curriculo de professores neste pais, em particular do professor de educagao fisi- ca. O professor de educagao fisica deveria estar razoavelmente prepa rado para julgar se seu aluno, que & seu objeto de trabalho, esta ou nao capacitado para a pratica de exercicios e quando um exame médico & necessario para auxilia-lo neste julgamento. : Em relagao as aulas de educagao fisica para os ‘alunos de 13 a 4@ séric do 12 grau, consideramos necessaria uma definigao explicit ta pelas autoridades educactonais, frente & impossibiltdade atual de " gerem ministradas por professores especializados. Se se chegar a conclusao de que podem ser dadas pelo propréo professor primario, de vem ser dadas a ele condigées reais de apreender os objetivos da edu cagdo fisica, tipos de exerc{cios que podem ser realizados, e de per ceber quando um aluno apresenta problemas durante a atividade fisica. Ressaltamos que, neste caso, os exercicios devem ser ainda menos ex tenuantes e, portanto, potencialmente ainda menos perigosos, e que 0 que se espera do professor @ a capacidade de observar seus alunos e perceber quando um deles se sente mal e nao que este professor seja habilitado a formular diagnésticos. Em terceiro lugar, @ necessaria uma maior integragao entre a drea de educagio e a da saide para que possam ocorrer estudos epi- demiolégicos fundamentais, pussibilitando melhor avaliagao de estima tivas de custos e desenvolvimento de novas téenicas de intcevengao. Em recente palestra na I11@ Conferéncia Brastleira de bauca sac, nds apontavamos que nao é mais possivel que a educagao esquega as questdes de satide na escola, mantendo uma atitude de cobranga ape nas, sem questionar o que esta cobrando. £ preciso que se instale um eT 6 a continuo para que haja troca de experiéncias e o trabalho avance na diregao correta, como objetivo de proporcionar ao estudan te brasileiro benef{cios reals (nao apenas aparentes) em relagao a assist€ncia & sua satide e 4 de toda a sociedade brasileira. Finalmente, talvez seja oportuno Lembrar que a mais prova - vel causa de s{ncope durante a pratica de ginastica, no Brasil, deve ser a hipoglicemia, que nao pode ser prevista pelo exame médico de rotina, mas que pode ser prevenida pelo professor atento que dispen- sa da aula os alunos que estao em jejum. Hipoghicemia - redugao das taxas de glicose (agucar) no sangue , geralmente por alimentagao quantitativamente insuficiente- FONTE: Cadernos Cedes - 15. Editora Cortez 57 EXAME MEDICO: A QUEM SERVE? Carmem Licia Soares* Em primeiro lugar gostaria de parabentzar a comissao orga- nizadora por contemplar esta importante quest&o no desenvolvimento do presente congresso; em 22 lugar, agradecer ao convite que me foi feito para participar deste painel, Falo aqui enquanto professora de Educagzo Fisica e, como tal, delimitei a minha discussao nas questées da Educagao Fisica que, especialmente, rclacionam-se como o exame médico tido como, obrigatorio para a sua pratica. De imediato quero salientar que a questao do exame médico para a pratica da Educagao Fisica é um falso problema. Ao fazer es- ta afirmagio, remeto a discussao no espago de tempo que me fol con- cedido para caracterizar aquilo que -— © verdadeiro problema, ou seja, 0 desenvolvimento da Educagao Fisica no interior da &sco- la brasileira. : A necessidade de um exame médico espec{£ico para a pratica da Educagao Fisica se coloca, na medida em que, 0s abseeives por . ela perseguidos sao aqueles referentes a "aptidao f{sica", a " per- formance fisica, ao "adestramento fisico". Alias, estes ae estao claramente explicitados em legislagao espec{fica da afea, 0 __ Texto apresentado no I Congresso de Educagao Fisica Escolar - _ S30 Paulo - 15.11.1987. As notas de rodapé foram atualizadas “no pertinente & referencias bibliograficas no infefo de i339. *) profs Departamento de Metodologia de Ensino da Faculdade © de Educagao - UNICAMP 5B Decreto Federal n@ 09.450/7 , que a define como ATIVIDADE** ¢ que, om sou titulo IL "da caracterizazao dos objetivos", paragrafo L@ afirma que a | "(...) aptidao f{sica constitul a re- fer€ncia fundamental para oricntar 0 planejamento, controle e avaliagao da educagao fisica, desportiva ¢ re- creativa, no nfvel dos estabelecimen tos de ensino", Na verdade, o referido decreto reitera uma visao eugenista e higienista da Educagao Fisica, que ttm suas origens no século pas sado e infcio deste século, visao esta que entende a atividade moto ra do homem como algo puramente biolégico e funcional, sendo portan to somente mensuravel pela performance desempenhada a nivel fisiold gico, explicitada através de objetivos tais como: : 4Q aluno-devera ser capaz de correr X metros em X minutos} “galtar X cm", "arremessar X distancia”, etc. Esta Educagao Fisica que poderfamos chamar de tradicional, é a Educagao Fisica hegemnica no interior da escola; tao hegem6ni- ca que, até os nossos dias, ainda exige’o exame médico para poder ser desenvolvida. E vejam, nao estou me referindo a qualidade deste exame que sabemos muito bem qual @, dadas as condigdes em que ocor-. re, ao tempo dispendido para o seu desenvolvimento por aluno, etc. Nao advogo também um outro exame no lugar deste que ocorre, ou que, ** 0 termo ATIVIDADE empregado no texto legal, tem sua definigao ex pressa formalmente no Parccer 833 de 12 de novembro de 1971, do CFE, e na resolugao n° 8 de 12 de dezembro do mesmo ano + daque~ le mesmo Conselho, ganhando a conotagao de um fazer pratico nao significativo de uma refiexdo tedrica"... ~ CASTELLANI FILHO, Li no. Educagao Fisica no Brasil: a Histéria que nao se conta. Cam- pinas, Papirus, 1988. FO 59 {dealmente, acredita-se deva ocorrer, mas, gostaria apenas de

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